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quarta-feira, 1 de junho de 2011

Terceiro livros da trilogia "as estrelas de Mitra" - Romance

Estrela Secreta


Nora Roberts

O tenente Seth Buchanan se achava cara a cara com uma mulher morta... que empunhava uma pistola. Sua investigação por homicídio, e seu coração, voltaram-se um
torvelinho quando Grace Fontaine resultou estar viva e abanando o rabo... e em posse de um dos enormes diamantes azuis conhecidos como as Estrelas da Mitra.
Aquele frio e circunspeto policial não permitia que os sentimentos se interpusessem em seu trabalho, e tudo o que sabia sobre a famosa herdeira lhe induzia a
pensar que era puro veneno. Mas em sua irresistível presença resultava difícil recordar que houvesse outros mistérios mais importantes que resolver que a própria
Grace.

Capitulo 1

A garota do retrato tinha um rosto capaz de deixar um homem sem fôlego e turvar seus sonhos. Era, possivelmente, o mais próximo à perfeição que podia alcançar
a natureza. Seus olhos azul laser sussurravam sensualmente e sorriam, sagazes, sob as densas pestanas negras. As sobrancelhas descreviam um arco perfeito, e um leve
e coquete lunar dedilhava o extremo inferior da esquerda. A tez era tenra como porcelana e debaixo dela se advertia um leve rosa quente, o bastante quente como para
que alguém fantasiasse com que aquele ardor ardesse só para ele. O nariz era reto e finamente esculpido. A boca, uma boca difícil de esquecer, curvava-se sedutoramente,
suave como um almofadão e, entretanto, de formas fortes. Uma vermelha tentação tão atraente como o canto de uma sereia.
Emoldurando aquele rosto perturbador, uma selvagem cascata de cabelo negro como o ébano se precipitava sobre os ombros nus e brancos. Reluzente, abundante, muito
formoso. Uma juba dessas nas que até um homem de caráter podia perder-se, afundando as mãos naquela negra seda, enquanto sua boca se sumia mais e mais dentro naqueles
lábios sorridentes e tenros.
Grace Fontaine, pensou Seth, a efígie perfeita da beleza feminina.
Uma lástima que estivesse morta.
Afastou-se do retrato, incomodado pela atração que exercia sobre seu olhar e sua psique. Tinha querido passar um momento a sós na cena do crime depois de que
a equipe forense acabasse, uma vez o juiz teve ordenado o levantamento do cadáver, cujo rastro permanecia ainda ali como uma feia silhueta de forma humana, manchando
o polido chão de nogueira.
Era bastante fácil adivinhar como tinha morrido. Uma terrível queda do andar de cima, através do sinuoso corrimão, agora quebrado e afiado, para baixo, com o
lindo rosto primeiro, sobre a mesa de vidro do tamanho de um lago.
A morte lhe tinha arrebatado sua beleza, pensou Seth, e isso também era uma lástima.
Era também fácil de adivinhar que alguém a tinha ajudado em seu fatal salto ao vazio.
A casa, pensou Seth olhando a seu redor, era magnífica. Os altos tetos acrescentavam o espaço, e meia dúzia de generosas clarabóias deixavam entrar a luz rosada
e esperaçosa dos últimos raios de sol. Tudo se curvava: a escada, as portas, as janelas. Muito feminino, supôs Seth. A madeira reluzia, o vidro brilhava, os móveis
eram, saltava à vista, antiguidades selecionadas. Alguém ia passar um mau momento tirando as manchas de sangue das tapeçarias cinza pomba do sofá.
Tentou imaginar-se como era a casa antes de que quem tivesse ajudado Grace Fontaine a saltar invadisse aquelas habitações. Não haveria quadros rasgados, nem
almofadas estraçalhadas. As flores estariam meticulosamente ordenadas em seus vasos, em lugar de esmagadas sobre as intrincadas sianinhas dos tapetes orientais.
E, certamente, não haveria sangue, vidros quebrados, nem pó de polvilho que as equipes forenses utilizavam para encontrar as impressões digitais.
Aquela garota vivia bem, pensou Seth. Recentemente havia se convertido em uma rica herdeira ao completar vinte e um anos. A privilegiada, mimada órfã, a díscola
moça do império Fontaine. Uma educação excelente, clube de campo, e dores de cabeça, imaginava Seth, da rançosa e conservadora família Fontaine, das famosas lojas
de departamentos Fontaine.
Rara era a semana que não aparecia uma menção de Grace Fontalne nas páginas sociais do Washington Post, ou uma foto de um paparazzi nas revistas do coração.
E, normalmente, não por suas boas ações.
A imprensa colocaria o grito no céu assim que se espalhasse a notícia da última aventura da vida e milagres de Grace Fontaine. Não faltariam tampouco as alusões
a seus muitos lances. Posar nua aos dezenove anos para o poster central de uma revista, seus tórridos e notórios namoricos com um casadíssimo lorde inglês, seus
devaneios com um galã de Hollywood.
Seth recordava que em sua elegante e sofisticada rroda havia outras moscas. Um senador dos Estados Unidos, um escritor de best-sellers, o artista que tinha pintado
seu retrato, a estrela de rock que, segundo se comentava, tinha tentado tirar a vida quando ela o havia deixado.
Sua vida tinha sido curta, mas intensa em amores.
Grace Fontaine tinha morrido aos vinte e seis anos.
O trabalho de Seth consistia em esclarecer não só como, mas também também quem.E o porquê.
Do porquê, já tinha certa idéia: as três Estrelas de Mitra, uns diamantes azuis que valiam uma fortuna, o ato desesperado e impulsivo de uma amiga, e a avareza.
Seth franziu o cenho enquanto percorria a casa vazia, catalogando os acontecimentos que o tinham levado a aquele lugar, a aquele ponto. Devido a seu interesse
pela mitologia, interesse que cultivava desde menino, sabia algo a respeito das três Estrelas. Elas eram matéria de lenda, e em outro tempo tinham estado agrupadas
em um triângulo de ouro que sustentava em suas mãos uma estátua do deus Mitra. Uma pedra para o amor, recordou, repassando os pormenores do caso enquanto subia as
curvadas escadas que levavam ao primeiro andar. Uma para o conhecimento, e a última para a generosidade. Mitologicamente falando, aquele que possuísse as Estrelas
obteria o poder do deus. E a imortalidade. O qual era, naturalmente, uma estupidez. Entretanto, não era estranho, pensou Seth, que ultimamente tivesse sonhado com
resplandecentes pedras azuis, com um tétrico castelo envolto em bruma, com uma habitação dourada? Havia também um homem de olhos tão pálidos como a morte, pensou,
tentando esclarecer os detalhes confusos do sonho. E uma mulher com o rosto de uma deusa.
E sua própria e violenta morte.
Seth se sacudiu a inquietante sensação que acompanhava a lembrança dos farrapos daquele sonho. O que precisava eram dados, dados lógicos e elementares. E o fato
era que aqueles três diamantes, cada um dos quais pesava mais de cem quilates, valiam o resgate de seis reis. E alguém os ambicionava, e não lhe importava matar
para possui-los.
Os corpos lhe amontoavam como lenha, pensou passando uma mão pelo cabelo negro. Por ordem de falecimento, o primeiro tinha sido Thomas Salvini, sócio da casa
Salvini, peritos em gemas, contratados pelo Instituto Smithsonian para autentificar e lotear as três pedras. Todas as provas indicavam que Thomas Salvini ou seu
gêmeo, Timothy, não se tinham conformado só com autentificar-las e as lotear. Mais de um milhão de dólares em efetivo evidenciavam que tinham outros planos... e
um cliente que queria as Estrelas de Mitra para si mesmo.
Além disso, teria que ter em conta a declaração de uma tal Bailey James, meio-irmã dos Salvini e testemunha ocular do fratricídio. James, gemóloga de impecável
prestígio, dizia ter descoberto os planos de seus meio-irmãos para falsificar as pedras, vender os originais e deixar o país com os benefícios. Ela tinha ido a ver
seus irmãos a sós, pensou Seth sacudindo a cabeça. Sem contatar com a polícia. E tinha decidido enfrentar-se a eles depois de enviar dois dos diamantes a suas duas
melhores amigas, separando-os com intenção de protegê-los. Seth deixou escapar um leve suspiro ao pensar nas misteriosas mentes dos civis.
Enfim, Bailey James tinha pago muito caro por seu impulso, pensou. Viu-se implicada em um espantoso crime, tinha conseguido com muita dificuldade escapar com
vida... e com a lembrança daquele incidente e de todo o anterior bloqueado durante dias.
Seth entrou no dormitório de Grace. Seus olhos de tons dourados e pesadas pálpebras percorreram friamente a habitação, que alguém tinha revirado brutalmente.
E tinha acudido então Bailey James à polícia? Não, tinha escolhido a um investigador particular na lista telefônica. Os lábios de Seth se afinaram, levados pela
irritação. Sentia muito pouco respeito e ainda menos admiração pelos investigadores particulares. Por pura sorte, James se tinha topado com um bastante decente,
reconheceu Seth. Cade Parris não era tão mau como a maioria, e tinha obtido, também por pura sorte, Seth estava seguro, farejar um rastro. E, de passagem, tinha
estado a ponto de obter que o matassem.
O qual conduziu Seth ao cadáver número dois. Timothy Salvini estava agora tão morto como seu irmão. Seth não podia reprovar Parris que se defendeu de um homem
armado com uma faca, mas encarregar-se do segundo Salvini os tinha levado a uma via morta.
E, durante aquele fim de semana de Quatro de julho tão movimentado, a outra amiga de Bailey James havia escapado com um caça recompensas. Em uma estranha amostra
de emoção aparente, Seth se esfregou os olhos e se apoiou contra a soleira da porta.
MJ O'Leary. Seth tinha estado interrogando-a pessoalmente. E era ele quem devia lhe dizer, igual à Bailey James, que seu amiga Grace tinha morrido. Seu sentido
de dever incluía ambas as tarefas.
O'Leary tinha a segunda Estrela e tinha permanecido em fuga com o caça recompensas Jack Dakota desde sábado pela tarde. Embora só era segunda-feira pela tarde,
M.J. e seu companheiro tinham conseguido acumular certo número de tantos: incluindo três corpos a mais.
Seth meditou sobre o estúpido e desprezível prestamista que não só lhe tinha armado a Dakota uma armadilha se encarregando da falsa tarefa de apanhar a M.J.,
mas também se dedicava à chantagem. Os assassinos profissionais que tinham perdeguido a M.J. formavam provavelmente parte de seus inimigos, e tinham acabado com
sua vida. Em seguida tinham tido muito má sorte em uma estrada molhada pela chuva.
O qual o levava a outro beco sem saída.
Grace Fontaine era possivelmente outro mais. Seth ignorava o que podia deduzir de sua casa vazia, de seus desordenados pertences. Mesmo assim, inspecionaria-o
todo, polegada a polegada, passo a passo. Esse era seu estilo.
Seria minucioso, preciso, e daria com as respostas. Acreditava na ordem, e na lei. Acreditava, irredutivelmente, na justiça.
Seth Buchanan era um policial de terceira geração que tinha subido até o posto de tenente graças a sua inata destreza para o trabalho policial, uma paciência
quase aterradora e uma afinadíssima objetividade. Seus subordinados o respeitavam. Alguns, em segredo, temiam-no. Seth era muito consciente de que freqüentemente
se referiam a ele como A Máquina, e não se ofendia. As emoções, a raiva, a dor e a culpa que os civis podiam permitir-se não tinham lugar em seu trabalho. Tomava
como um elogio que o considerassem distante, inclusive frio e cerebral.
Permaneceu um instante mais na porta. O espelho de moldura de mogno do outro lado da habitação refletia sua imagem. Era um homem alto e bem proporcionado, com
músculos de ferro sob a negra americana. Afrouxou-se a gravata porque estava sozinho, e o passo de seus dedos lhe tinha desordenado ligeiramente o cabelo, que era
preto e abundante, um tanto ondulado, e que estava acostumado a apartar do semblante sério, de quadrada mandíbula e pele queimada.
O nariz, que se tinha quebrado fazia anos, quando ainda usava uniforme, conferia a seu rosto certa rudeza. Sua boca era firme, dura, e pouco dada ao sorriso.
Seus olhos, de dourado escuro das pinturas antigas, permaneciam frios sob as retas sobrancelhas escuras.
Em uma mão, de palma longa, levava um anel que tinha pertencido a seu pai. Na parte interior do ouro maciço se liam as palavras "Servir" e "Proteger". Seth levava
muito a sério ambos os deveres.
Inclinando-se, recolheu um objeto de seda vermelha atirada sobre o amontoamento de roupa que se elevava sobre o tapete Aubusson. As pontas calejadas de seus
dedos a roçaram suavemente. A camisola de seda vermelha combinava com o robe curto que a vítima usava, pensou.
Queria pensar nela unicamente como na vítima, não como a mulher do retrato, e certamente tampouco como a que aparecia em seus sonhos inquietantes que perturbavam
seu descanso ultimamente. Irritava-lhe que seu pensamento voasse uma e outra vez para aquele rosto assombroso: para a mulher que se escondia atrás dele. Aquela qualidade
era, ou, melhor dizendo, tinha sido, parte de seu poder. Aquela habilidade para infiltrar-se na psique dos homens até converter-se em uma obsessão. Devia ter sido
irresistível, pensou, segurando ainda o farrapo de seda. Inesquecível. E perigosa.
Teria usado aquele exíguo pedaço de seda para um homem?, perguntava-se. Acaso esperava companhia, uma noite de paixão? E onde estava a terceira Estrela? Tinha-a
encontrado o visitante inesperado e a tinha levado? A caixa forte da biblioteca, no andar debaixo, tinha sido arrebentada e esvaziada. Parecia lógico pensar que
ela tivesse guardado ali um algo tão valioso. Entretanto, ela tinha caído de lá de cima. Tinha fugido? Tinha-a perseguido ele? Por que lhe tinha deixado entrar na
casa? As sólidas fechaduras das portas não tinham sido forçadas. Tinha sido ela tão imprudente, tão descuidada, para abrir a porta a um desconhecido, usando unicamente
um fino robe de seda? Ou por acaso conhecia aquele homem?
Talvez tivesse alardeado sobre o diamante, possivelmente inclusive o tivesse mostrado. Teria tomado a avareza o lugar da paixão? Uma discussão, seguida de uma
briga. Uma resistência, uma queda. Depois, a destruição da casa para despistar.
Era uma hipótese de partida, disse-se Seth. A grossa agenda da garota estava lá embaixo. Revisaria-a nome por nome, do mesmo modo que ele e a equipe que tinha
destinado ao caso revisariam a casa vazia de Potomac, Maryland, polegada a polegada.
Mas agora tinha que ir ver certas pessoas. Disseminar a notícia da tragédia, atar os cabos soltos. Teria que pedir a alguma das amigas de Grace Fontaine, ou
a um membro de sua família, que fosse identificar oficialmente o corpo. Lamentava mais do que queria que alguém que a tivesse querido tivesse que ver seu rosto destroçado.
Deixou cair a camisola de seda, jogou uma última olhada à habitação, com sua enorme cama, suas flores pisoteadas e, seus bonitos frascos antigos atirados pelo
chão, que reluziam como pedras preciosas. Sabia que aquele perfume o perseguiria assim como o rosto, belamente pintado a óleo, do salão lá embaixo.


Era de noite quando retornou. Não era raro ele dedicar-se a um caso até bem tarde da noite. Seth carecia de vida além de seu trabalho. Nunca tinha pretendido
forjar uma. Escolhia cuidadosamente, inclusive com minucioso cálculo, às mulheres com as que se encontrava. Quase todas agüentavam com muita dificuldade as exigências
de seu trabalho, e rara vez travava com elas uma autêntica relação. Sabia o quão difíceis de aceitar eram aquelas exigências de tempo, energias e dedicação para
os que esperavam, de modo que se tinha acostumado a esperar as queixa, as recriminações, inclusive as acusações, das mulheres que se sentiam desatendidas. Por isso
nunca fazia promessas. E vivia sozinho.
Sabia que havia pouco que pudesse fazer na cena do crime. Deveria ter estado em seu escritório, ou, ao menos, pensou, haver-se ido para casa para limpar-se um
pouco. Mas se havia sentido arrastado de novo para a casa. Não, para aquela mulher, admitiu. Não era aquela casa de dois pisos de madeira e vidro o que o atraía,
por muito bonita que fosse. Era o rosto do retrato.
Tinha deixado o carro no alto da rampa de entrada e foi caminhando até a casa, coberta por enormes árvores antigas e arbustos recortados, reverdecidos pelo verão.
Tinha entrado e apertado o interruptor que acendia a luz do deslumbrante vestíbulo.
Seus homens tinham empreendido já o tedioso interrogatório porta a porta pela vizinhança, confiando, que alguém, em uma daquelas casas enormes e esquisitas,
tivesse ouvido ou visto alguma coisa. O forense trabalhava devagar, o qual era compreensível, disse-se Seth. Era feriado, e o pessoal de serviço tinha ficado reduzido
ao mínimo. Os informe oficiais demorariam um pouco mais.
Mas não eram os informe ou a falta deles o que o inquietava enquanto se aproximava indevidamente ao retrato colocado sobre a lareira de azulejos esmaltados.
Grace Fontaine havia sido amada. Seth tinha subestimado a profundidade que podia alcançar a amizade. Tinha visto, entretanto, aquela profundidade, e aquela dor assombrada
e devastadora nos semblantes das duas mulheres, das que acabava de despedir-se.
Entre Bailey James, M.J.O'Leary e Grace Fontaine existia um vínculo mais forte de que tinha podido imaginar. Lamentava, e ele rara vez tinha remorsos, ter tido
que lhes dar a notícia de maneira tão abrupta.
"Lamentava sua perda". Palavras que os policias diziam para disfarçar com eufemismos a morte com a que conviviam cotidianamente, freqüentemente violenta, sempre
inesperada. Ele tinha pronunciado aquelas palavras como muitas outras vezes no passado, e tinha visto derrubar-se à delicada loira e à ruiva de olhos de gato. Obstinadas
uma à outra, derrubaram-se, simplesmente.
Não era de estranhar que os dois homens que se converteram nos salvadores daquelas garotas lhe dissessem que as deixasse a sós com sua dor. Essa noite não haveria
perguntas, nem declarações, nem respostas. Nada que ele pudesse fazer ou dizer conseguiria transpassar aquela grossa cortina de dor.
Grace Fontaine tinha sido amada, pensou de novo, olhando aqueles muito belos olhos azuis. Não só desejada pelos homens, mas também querida por duas mulheres.
O que havia atrás daqueles olhos, atrás daquele rosto, que merecia esse tipo de afeto incondicional?
-Quem demônios foi? -murmurou, e foi respondido por aquele sorriso tentador e audaz-. Muito bela para ser real. Muito consciente de sua beleza para ser dócil
-sua voz profunda, enrouquecida pelo cansaço, ressonou na casa vazia. Deslizou as mãos nos bolsos e se balançou sobre os calcanhares-. Muito morta para que me importe.
E, apesar de que se afastou do retrato, teve a inquietante sensação de que o estava observando. Avaliando-o.
Ainda tinha que falar com seus parentes mais próximos, uns tios da Virginia que a tinham criado depois da morte de seus pais. A tia estava veraneando em uma
vila, na Itália, e essa noite não poderia entrar em contato com ela. Vilas na Itália, pensou, diamantes azuis, retratos ao óleo sobre lareiras de azulejos azul safira.
Aquele era um mundo muito afastado de sua sólida origem de classe média e da vida que tinha abraçado com seu ofício. Sabia, entretanto, que a violência não fazia
restrições.
No final iria para casa, a sua diminuta casa em um terreno do tamanho de um selo de correios, apertada entre dúzias de casinhas igualmente pequenas. Estaria
vazia, pois nunca tinha encontrado uma mulher que despertasse nele o desejo de compartilhar sequer aquele reduzido espaço privado. Mas estaria ali, aguardando-o.
E aquela outra casa, em que apesar de seu soalho polido e suas grandes extensões de reluzente vidro, sua ondulada pradaria de grama, sua cintilante piscina e
seus arbustos recortados, não tinha salvado a sua proprietária.
Seth rodeou a silhueta marcada no chão e começou a subir as escadas outra vez. Estava inquieto, reconheceu. E o melhor modo de acalmar-se era seguir trabalhando.
Tinha a impressão de que uma mulher como Grace Fontaine, com uma vida tão agitada, talvez tivesse anotado os acontecimentos de sua existência, e seus sentimentos
a respeito, em um diário.
Inspecionou minuciosamente o dormitório, em silêncio, com a aguda sensação de achar-se preso no intenso perfume que ela tinha deixado atrás de si. Tirou-se a
gravata e a tinha guardada no bolso. O peso da arma, metida no coldre, formava até tal ponto parte dele que nem sequer o notava.
Revisou as gavetas sem remorsos, apesar de que estavam já quase vazios, pois seu conteúdo jazia disperso pela habitação. Procurou debaixo delas, atrás delas
e debaixo do colchão. Pensou vagamente que aquela mulher tinha suficiente roupa para vestir a uma companhia inteira de modelos, e que tinha predileção pelas malhas
suaves: sedas, cachemiras,angorinas... Cores alegres. Cores de pedras preciosas, com certa inclinação para o azul. Com aqueles olhos, pensou ao recordá-los, por
que não?
Surpreendeu-se perguntando-se como teria sido o timbre de sua voz. Encaixaria com aquele rosto provocador, seria áspero e baixo, como um ronronar tentador? Imaginava
que era assim, uma voz tão escura e sensual como o perfume suspenso no ar.
Seu corpo não desmerecia daquele rosto, nem daquele perfume, disse-se enquanto entrava em um enorme closet. Nisso, naturalmente, viu-se favorecida pela natureza.
Perguntava-se por que algumas mulheres se sentiam impelidas a acrescentar silicone a seus corpos para atrair aos homens. E que homens com cérebro de ervilha preferiam
isso a um corpo sem armadilha nem cartão.
Ele gostava das mulheres francas. Insistia nisso. O qual, supunha, era uma das razões pelas quais seguia vivendo sozinho.
Percorreu com o olhar, sacudindo a cabeça, a roupa que seguia pendurada. Pelo visto, até ao assassino lhe tinha esgotado a paciência. Os cabides estavam corridos,
de tal modo que os objetos se apertavam a um lado, mas o assassino não se incomodou de as tirar. Seth calculou que o número de sapatos no total eram mais de duzentos,
e as estantes de uma parede estavam evidentemente desenhadas para guardar bolsas de mão. Bolsas que, em todas as formas, cores e tamanhos imagináveis, tinham sido
tiradas de seu lugar, abertas e reviradas.
Em outro armário havia mais coisas: jerséis, cachecóis, bijuteria. Imaginou que ela teria também grande quantidade de jóias autênticas. Estava seguro de que
algumas teriam estado guardadas na caixa forte do andar debaixo. E era possível que também tivesse uma caixa de segurança em algum banco. Isso o comprovaria na primeira
hora da manhã.
Ela gostava da música, pensou, observando os alto-falantes embutidos. Tinha visto alto-falantes em todas as habitações da casa, e havia discos compactos, cintas
e até discos velhos atirados pela sala de estar do andar inferior. Seus gostos eram ecléticos. De tudo, desde Bach aos B-52.
Estava acostumado a passar as noites sozinha?, perguntava-se Seth. Com música posta em toda a casa? Se aconchegava alguma vez diante da elegante lareira com
um dos milhares de livros que cobriam as paredes da biblioteca?
Deitada no sofá, pensou Seth, com aquela camisola vermelha e suas belas pernas flexionadas. Uma taça de brandy, a música baixa, a luz das estrelas filtrando-se
pelas clarabóias. Seth imaginava muito bem. Via-a elevar o olhar, afastar o cabelo daquele rosto assombroso, curvar os lábios ao surpreendê-lo observando-a. Deixar
a um lado o livro, estender uma mão convidativa, emitir aquele leve e áspero ronronar de sua risada enquanto ele se sentava a seu lado.
Quase podia saboreá-lo.
Resmungou uma maldição, procurou dominar a repentina aceleração de seu coração. Viva ou morta, pensou, aquela mulher era uma feiticeira. E as malditas pedras,
por muito absurdo que fosse, só pareciam acrescentar seu poder.
E ele estava perdendo o tempo. Perdendo-o por completo, disse-se ao levantar-se. Avançaria mais se seguisse o procedimento habitual, a rotina de sempre. Tinha
que partir, colocar pressa ao forense, lhe pressionar para que lhe desse a hora aproximada da morte. Devia começar a chamar os números da agenda da vítima.
Precisava sair daquela casa que tanto cheirava a Grace Fontaine. Ali parecia respirá-la. E manter-se afastado dela, decidiu, até que estivesse seguro de que
podia dominar seus estranhos delírios.
Irritado consigo mesmo, zangado por haver-se afastado do procedimento habitual, cruzou de novo o dormitório. Acabava de começar a descer a curva da escada quando
um movimento lhe chamou sua atenção. Puxou arma para a mão. Mas já era muito tarde.
Desceu muito devagar a mão, ficou onde estava e olhou para baixo. Não era a pistola automática que apontava para seu coração o que o tinha deixado paralisado.
Era o fato de que quem a sustentava com firmeza era uma mulher morta.
-Vá -disse a defunta, entrando no halo de luz do abajur do vestíbulo-. Como ladrão é um autêntico incompetente. E, além disso, estúpido -aqueles olhos estranhamente
azuis se elevaram para ele-. Por que não me dá uma boa razão para que não te coloque uma bala na cabeça antes de chamar à polícia?
Por ser um fantasma, era cravada à imagem que Seth se feito dela. Sua voz era ronronante, cálida, áspera e assombrosamente viva. E, para estar morta, tinha um
rubor de raiva muito quente nas bochechas. Seth não estava acostumado a ficar por fora. Mas isso era precisamente o que lhe tinha ocorrido ao ver aquela mulher vestida
de seda branca, com um brilho de jóias nos ouvidos e uma cintilante pistola prateada na mão. Refez-se bruscamente, apesar de que nem o assombro nem o esforço se
fizeram aparentes quando respondeu a sua pergunta sem sorrir.
-Eu sou a polícia.
Os lábios dela se curvaram: um generoso arco de sarcasmo.
-Certamente que sim, bonito. Quem ia estar rondando por uma casa fechada e vazia se não um patrulheiro afligido pelo trabalho?
-Faz bastante tempo que não patrulho. Meu nome é Buchanan. Tenente Seth Buchanan. Se apontar essa arma um pouco à esquerda de meu coração, mostrarei-lhe minha
identificação.
-Eu adoraria vê-la -ela moveu lentamente o cano da pistola sem deixar de olhar a Seth. O coração lhe golpeava como um martelo, com uma mistura de cólera e medo,
mas deu outro passo para frente quando ele meteu dois dedos no bolso. A identificação parecia autêntica, pensou. Ao menos, o que conseguia ver do escudo dourado
da lapela que ele sustentava elevada.
De repente, teve um mau pressentimento. Um afundamento do estômago pior ainda que o que tinha experimentado ao deter-se na rampa e ver aquele carro estranho
e as luzes da casa acesas. Afastou os olhos da insígnia e os elevou de novo para ele. Sim, parecia muito mais um policial que um ladrão, pensou. Muito atrativo,
com aquele aspecto sério e formal. O corpo robusto, os ombros largos e os quadris estreitos.
Uns olhos assim, de um marrom claro, quase dourado, e frios, que pareciam ver tudo ao mesmo tempo, pertenciam ou a um policial ou a um criminoso. Em qualquer
caso, imaginou Grace, pertenciam a um homem perigoso.
Os homens perigosos estavam acostumados a atrai-la. Mas, naquele momento, enquanto tentava assumir a estranheza daquela situação, não se achava de um humor receptivo.
-Está bem, Buchanan, tenente Seth, por que não me diz o que está fazendo em minha casa? -pensou no que levava na bolsa, no que Bailey lhe tinha mandado uns dias
antes, e sentiu que aquele inquietante formigamento no estômago aumentava.
"Em que confusão nos colocamos?", perguntou-se. "E como vou sair dela com um policial me observando?".
-A identificação vai acompanhada de uma ordem de revista? -perguntou asperamente.
-Não. -ele se teria sentido melhor, muito melhor, se ela tivesse baixado a arma de uma vez. Mas parecia gostar de empunhar-la, embora apontava um pouco mais
abaixo. Entretanto, Seth tinha recuperado seu aprumo. Mantendo os olhos fixos nela, desceu o resto das escadas e ficou parado no vestíbulo, frente a ela-. Você é
Grace Fontaine.
Ela viu que ele guardava a identificação no bolso enquanto aqueles inescrutáveis olhos de polícia esquadrinhavam seu rosto. Estava memorizando seus traços, pensou
ela, irritada. Tomando nota de qualquer peculiaridade que pudesse distingui-la. Que demônios estava passando?
-Sim, sou Grace Fontaine. E esta é minha casa. E, dado que está você nela sem uma ordem de revista, está cometendo invasão de moradia. Como chamar à polícia
parece supérfluo, pode que me limite a chamar a meu advogado.
Ele inclinou a cabeça e sem querer captou um farrapo daquele aroma de sereia. Talvez fosse isso, e o efeito imediato que produziu em seu corpo, o que lhe fez
falar sem parar para pensar no que dizia.
-Bom, senhorita Fontaine, para estar morta, não tem você mau aspecto.

Capitulo 2

Ela respondeu entreabrindo os olhos e arqueando uma sobrancelha.
-Se isso for uma piada de policial, temo que terá que me explicar isso.
A Seth irritou ter feito aquele comentário. Era uma falta de professionalidade. Cauteloso, elevou lentamente uma mão e afastou o cano da pistola para a esquerda.
-Importa-se? -disse, e, em seguida, rapidamente, antes de que ela pudesse opor-se, o tirou limpamente da mão e lhe tirou o carregador. Não era momento de perguntar
se tinha licença para portar armas, de modo que se limitou a lhe devolver a pistola vazia e se guardou o carregador no bolso.
-Convém segurar a arma com as duas mãos -disse despreocupadamente, e com tal aprumo que Grace suspeitou que se estava burlando dela-.E, se quer conservá-la,
procure não perder-la de vista.
-Muito obrigado pela lição de defesa pessoal -irritada, abriu sua bolsa e colocou dentro a pistola-. Mas ainda não respondeu a minha pergunta, tenente. O que
está fazendo em minha casa?
-Você sofreu um percalço, senhorita Fontaine.
-Um percalço? Mais um jargão de policia? -ela deixou escapar um sopro-. Entrou alguém em minha casa? -perguntou, e pela primeira vez desviou a atenção do homem
e olhou além dele, para o interior do vestíbulo-. Roubaram-me? -acrescentou, e então viu uma cadeira derrubada e algumas peças de porcelana quebradas sob o arco
da sala de estar. Amaldiçoando, fez ameaça de afastar a Seth, mas ele a agarrou pelo braço e a deteve.
-Senhorita Fontaine...
-Tire as mãos de cima de mim.-replicou asperamente, interrompendo-o-. Esta é minha casa.
Ele seguiu segurand-a com firmeza.
-Dou-me conta disso. Quando foi exatamente a última vez que você esteve aqui?
-Farei uma rápida declaração assim que comprove o que falta -conseguiu dar outros dois passos e comprovou pelo estado em que estava a sala de estar que não tinha
sido um roubo limpo e meticuloso-. Que grande porcaria têm feito, eh? A meu serviço de limpeza não vai fazer nenhuma graça -baixou o olhar para o lugar onde os dedos
de Seth seguiam rodeando seu braço-. Está você provando meus bíceps, tenente? Eu gosto de pensar que são firmes.
-Sua musculatura está bem -pelo que deixavam entrever suas ligeiras calças de cor marfim, estava melhor que bem-. Queria que você respondesse a umas perguntas,
senhorita Fontaine. Quando esteve em casa pela última vez?
-Aqui? -ela suspirou e encolheu um ombro elegante. Sua mente revoava ao redor dos tediosos pormenores que rodeavam um roubo. Chamar a seu agente de seguros,
preencher uma solicitação, fazer declarações-. na quarta-feira pela tarde. Estive fora da cidade uns dias -preocupava-se mais do que se atrevia a admitir que sua
casa tivesse sido saqueada em sua ausência. Suas coisas em mãos de estranhos. Mas lançou a Seth um olhar sorridente por debaixo das pestanas-. Não vai tomar notas?
-Estou-o fazendo, na realidade. Brevemente. Quem ficou na casa durante sua ausência?
-Ninguém. Eu não gosto de ter gente em casa quando estou fora. Agora, se me desculpar... -largou-se com um puxão, atravessou o vestíbulo e passou sob o arco-.
Céu santo -sentiu primeiro raiva, uma raiva intensa e fulminante. Desejou dar uma patada a algo, embora estivesse já quebrado e arruinado-. Tinham que quebrar o
que não levaram? -resmungou. Elevou o olhar, viu o corrimão quebrado e lançou outra maldição-. E que demônios fizeram aí em cima? Do que serve o sistema de alarme
se qualquer um puder ... ? -de repente se deteve em seco e sua voz se apagou ao ver a silhueta desenhada sobre o chão de nogueira. Enquanto a olhava, incapaz de
afastar os olhos dela, o sangue abandonou seu rosto, deixando-o dolorosamente frio e rígido.
Apoiando uma mão sobre o encosto do sofá manchado para manter o equilíbrio, seguiu olhando a silhueta, os reluzentes fragmentos de vidro do que tinha sido sua
mesa de café, e o sangue que havia secado formando um escuro atoleiro.
-Por que não vamos a sala de jantar? -disse ele suavemente.
Ela jogou os ombros para trás com um puxão, apesar de que ele não a havia tocado. A boca de seu estômago se gelou, e os brilhos de calor que atravessavam seu
corpo não conseguiam derretê-la.
-A quem mataram? -perguntou-. Quem morreu?
-Até cinco minutos atrás, supunha-se que era você.
Ela fechou os olhos, vagamente consciente de que sua visão começava a nublar-se.
-Desculpe-me -disse com claridade, e cruzou a habitação com as pernas intumescidas. Recolheu uma garrafa de brandy que jazia de lado no chão e abriu atropeladamente
uma vitrine em busca de um copo.E se serviu copiosamente.
Tomou o primeiro gole como se fosse um remédio. Seth o notou no modo em que o tragava e se estremecia repetidamente, com força. A bebida não devolveu a cor a
seu rosto, mas Seth supôs que ao menos pôs em marcha de novo seu corpo.
-Senhorita Fontaine, acredito que seria melhor que falássemos em outra habitação.
-Estou bem -mas sua voz era áspera. Bebeu de novo antes de voltar-se para ele-. Por que acreditavam que era eu?
-A vítima estava em sua casa, vestida com um robe. Coincidia com sua descrição, mais ou menos. Seu rosto estava... danificado pela queda. Era aproximadamente
de sua altura e, de seu peso, da mesma idade, e tinha a mesma cor de cabelo.
A mesma cor de cabelo, pensou Grace sentindo uma onda de alívio que a fez cambalear-se. Então, não eram nem Bailey nem M.J.
-Não tive nenhum convidado em minha ausência -respirou fundo, sabendo que a calma estava aí; só precisava alcançá-la-. Não tenho nem idéia de quem era a mulher
que morreu, a menos que fosse uma ladra. Como ... ? -Grace elevou o olhar de novo para o corrimão quebrado-. Suponho que a empurraram.
-Isso está ainda por determinar.
-Estou segura de que assim será. Não posso ajudá-lo a respeito de quem era essa mulher, tenente. Dado que não tenho uma irmã gêmea, só posso... -interrompeu-se,
e empalideceu de novo. Sua mão livre se crispou e se apertou contra seu estômago-. Oh, não. Oh, Deus...
Ele não vacilou.
-Quem era?
-Eu... Poderia ser... Tinha estado aqui outras vezes quando eu estava de viagem. Por isso já não deixava uma chave fora. Mas poderia ter feito uma cópia. Não
se teria importado o mínimo -apartando seu olhar da silhueta, atravessou de novo aquela desordem e se sentou no braço do sofá-. Uma prima -bebeu outro gole de brandy,
deixando que seu calor se difundisse por seu corpo-. Melissa Bennington... Não, acredito que recuperou o sobrenome Fontaine faz uns meses, depois de seu divórcio.
Não estou segura -passou-se uma mão pelo cabelo-. Não me interessava o bastante para averiguar esse tipo de detalhe.
-Parece-se com você?
Ela ofereceu um fraco e triste sorriso.
-Melissa está empenhada em parecer-se comigo. Eu passei de considerá-lo levemente adulador a considerá-lo levemente irritante. Nos últimos anos, parecia-me patético.
Suponho que há uma leve semelhança. Embora ela houvesse se encarregado de aumentá-lo. Deixou-se crescer o cabelo, o tingiu da mesma cor que o meu. Havia certas diferenças
de compleição, mas ela... também se aumentou isso. Compra nas mesmas lojas que eu, vai aos mesmos salões de beleza. Escolhe os mesmos homens. Crescemos juntas, mais
ou menos. Ela sempre teve a sensação de que eu tinha saído melhor em todos os níveis -olhou para trás, para baixo, e sentiu uma onda de pena e lástima-.E, ao que
parece, desta vez foi assim.
-Se alguém não a conhecesse bem, poderia havê-la confundido com ela?
-Olhando de passagem, sim, suponho. Possivelmente algum conhecido casual. Ninguém que... -interrompeu-se de novo e ficou em pé-. Acredita que alguém a matou
acreditando que era eu? Que me confundiram com ela, como você fez? Isso é absurdo. Foi um roubo. Um terrível acidente.
-É possível -ao final, Seth tinha tirado sua caderneta para anotar o nome da prima de Grace. Elevou o olhar e se encontrou com seus olhos-. Mas é mais provável
que alguém entrasse aqui, confundisse-a com você e supusesse que tinha a terceira Estrela -era boa, pensou. Seus olhos quase naõ brilharam antes de que mentisse.
-Não sei do que está falando.
-Sim, claro que sabe. E, se não tem estado em casa desde quarta-feira, ainda a terá -olhou a bolsa que ela continuava segurando.
-Não estou acostumado a levar estrelas na bolsa -lançou-lhe um sorriso de lábios trementes-. Mas soa encantador, quase poético. Agora, estou muito cansada...
-Senhorita Fontaine -sua voz soou crispada e fria-, essa mulher é o sexto corpo com o que me encontro hoje cuja pista conduz a esses três diamantes azuis.
Ela elevou uma mão e o agarrou pelo braço.
-E Bailey e M.J.?
-Seus amigas estão bem -sentiu que sua mão se afrouxava-. Foi um fim de semana cheio de acontecimentos, tudo o que poderia haver-se evitado se suas amigas se
pusessem em contato com a polícia e tivessem cooperado conosco. E é cooperação o que espero obter de você, de um modo ou outro.
Ela jogou o cabelo para trás.
-Onde estão? O que tem feito, as prendeu? Meu advogado as tirará e lhe fará a vida impossível em menos tempo do que você demora em recitar os direitos a um detido
-. Se aproximou do telefone, mas viu que não estava sobre a mesa de estilo rainha Ana.
-Não, não as prendemos -surpreendeu-o o rápido que se pôs em marcha-. Suponho que a estas horas estão preparando seu funeral.
-Preparando meu ... ? -seus belíssimos olhos se abriram, angustiados-. OH, Meu deus, há-lhes dito que estava morta? Acreditam que estou morta? Onde estão? Onde
está o telefone? Tenho que as chamar -agachou-se e começou a rebuscar entre os fragmentos, empurrando a Seth quando este a agarrou pelo braço outra vez.
-Não estão em casa.
-Há dito que não as tinham prendido.
-E assim é -dava-se conta de que não obteria nada dela até que ficasse satisfeita-. Levarei-a até elas. Em seguida esclareceremos isto, senhorita Fontaine. O
prometo.


Grace não disse nada enquanto Seth a levava para os bairros residenciais que rodeavam Washington. Tinha-lhe assegurado que Bailey e M.J. estavam bem, e sua intuição
lhe dizia que o tenente Seth Buchanan nunca mentia. Afinal de contas, o seus eram os dados verdadeiros, pensou. Entretanto, seguiu retorcendo as mãos até que começaram
a lhe doer os nódulos. Tinha que as ver, as tocar.
A culpa começava a lhe pesar, culpa porque estivessem chorando sua morte, quando na realidade havia passado os últimos dias satisfazendo sua necessidade de estar
sozinha, de afastar-se de tudo. De estar em outra parte.
O que tinha passado a seus amigas durante o longo final de semana? Tinham tentado entrar em contato com ela enquanto estava fora? Resultava penosamente óbvio
que os três diamantes azuis que Bailey tinha estado autentificando para o museu estavam no fundo de tudo aquilo.
Enquanto a impressão da silhueta marcada no chão de nogueira cintilava em sua cabeça, Grace se estremeceu de novo. Melissa, pobre e patética Melissa. Mas agora
não podia pensar nisso. Não podia pensar mais que em seus amigas.
-Não estão feridas? -conseguiu perguntar.
-Não -Seth não disse nada mais enquanto atravessava o mar de faróis e luzes de ruas. O aroma de Grace se estendia sutilmente pelo carro, enervando seus sentidos.
Seth abriu a janela e deixou que a leve brisa úmida o dissipasse-. Onde esteve nestes últimos dias, senhorita Fontaine?
-Longe -cansada, ela jogou a cabeça para trás e fechou os olhos-. É um de meus lugares favoritos.
Grace se incorporou de novo quando Seth tomou uma rua ladeada por árvores e entrou na rampa de uma casa de tijolo. Viu um reluzente jaguar e depois um
carro decrépito e enorme como um casco de navio. Mas nenhum veloz MG, nem nenhum prático carrinho.
-Seus carros não estão aqui -começou, lhe lançando um olhar de recriminação.
-Mas elas sim.
Grace saiu e, fazendo caso omisso de Seth, correu para a porta. Chamou com força, firmemente, apesar de que seu punho tremia. A porta se abriu e um homem ao
qual não conhecia ficou olhando-a. Seus frios olhos verdes brilharam de assombro, e em seguida se enfraqueceram lentamente. Seu sorriso era deslumbrante. Estendeu
o braço e apoiou suavemente uma mão sobre sua bochecha.
-Você é Grace.
-Sim, eu...
-É absolutamcnte maravilhoso ver-te -aquele homem a tomou em seus braços, um dos quais estava enfaixado, com tanto ímpeto que Grace não teve ocasião de sentir-se
surpreendida-. Eu sou Cade -murmurou, olhando a Seth por cima da cabeça de Grace-. Cade Parris. Entrem.
-E Bailey e M.J.?
-Estão aí dentro. Ficarão bem quando lhe verem-tirou-a do braço e sentiu que tremia levemente.
Ela se deteve na porta da sala de estar e apoiou uma mão sobre seu braço. Lá dentro estavam Bailey e M.J., olhando para outro lado, com as mãos unidas. Falavam
em sussurros, com a voz sacudida pelas lágrimas. Um pouco mais longe havia um homem de pé, com as mãos metidas nos bolsos e uma expressão impotente no rosto arroxeado.
Ao vê-la, seus olhos, da cor de nuvens de tormenta, esgotaram-se e começaram a cintilar. Em seguida sorriu.
Grace respirou fundo, estremecida, e exalou lentamente.
-Bom -disse com voz clara e firme-, é um alívio saber que alguém chorará minha morte.
As duas mulheres se giraram ao mesmo tempo. Por um instante, olharam-se as três com os olhos como pratos. A Seth pareceu que se moviam as três em uníssono, como
se fossem uma, de tal modo que sua corrida através da habitação para abraçar-se continha uma graça inegavelmente feminina.em seguida se fundiram, misturando vozes
e lágrimas.
Um triângulo, pensou Seth, franzindo o cenho. Com três vértices que formavam um todo. Como o triângulo de ouro que sustentava os três poderosos diamantes de
incalculável valor.
-Acredito que será melhor que as deixemos sozinhas -disse Cade brandamente, e fez um gesto ao outro homem-. Tenente? -indicou-lhes o corredor, elevando as sobrancelhas
ao ver que Seth vacilava-. Não acredito que vão a alguma parte.
Seth se encolheu levemente de ombros e retrocedeu. Podia lhes conceder vinte minutos.
-Tenho que usar seu telefone.
-Há um na cozinha. Quer uma cerveja, Jack?
O outro homem sorriu.
-Tem-me lido o pensamento.


-Amnésia... -disse Grace um momento depois. Bailey e ela estavam aconchegadas no sofá, enquanto M.J. permanecia sentada no chão, a seus pés-. Ficou completamente
em branco?
-Completamente -Bailey agarrava com força a mão de Grace, temendo romper o vínculo-. Despertei em um hotel espantoso, sem memória, com mais de um milhão de dólares
em dinheiro e o diamante. Tirei o nome de Cade da lista telefônica. Ele é quem me ajudou -o calor de sua voz fez que Grace trocasse um rápido olhar com M.J. Aquilo
teria que falar com detalhes mais adiante-. Comecei a recordar pouco a pouco. M.J. e você só foram flashes. Via seus rostos, inclusive ouvia suas vozes, mas nada
encaixava. Cade foi quem averiguou sobre Salvini, e quando chegamos lá... entrou.
-Pouco antes de que nós chegássemos -disse M.J.-. Jack se deu conta de que as fechaduras da porta detrás tinham sido forçadas.
-Entramos -continuou Bailey, e seus olhos arrasados pelas lágrimas ficaram frágeis-, e então eu recordei tudo. Que Thomas e Timothy estavam planejando roubar
as Pedras, as falsificar; e que lhes tinha mandado uma a cada uma de vocês para impedi-lo. Que estúpida fui.
-Não, nada disso -Grace deslizou um braço ao redor dos ombros de Bailey-. Me parece lógico. Não tinha tempo para outra coisa.
-Deveria ter chamado à polícia, mas estava segura de que podia lhes fazer desistir. Ia entrar no escritório de Thomas para me enfrentar a ele, para lhe dizer
que havia acabado. E vi... -tremeu de novo-. A briga. Foi horrível. Os relâmpagos iluminavam as janelas, seus rostos... Então Timothy agarrou o abridor de cartas,
a faca. Foi a luz, mas os relâmpagos seguiam cintilando, e pude ver o que fazia..., o que o fazia a Thomas. Todo esse sangue...
-Esquece-o -murmurou M.J., esfregando o joelho de Bailey para reconfortá-la-. Tenta esquecê-lo.
-Não -Bailey sacudiu a cabeça-.Tenho que seguir. Ele me viu, Grace. Teria me matado. Foi atrás de mim. Eu tinha agarrado a bolsa com o dinheiro da fiança, e
corri na escuridão. E me escondi debaixo da escada, em um oco pequeno que há debaixo dos degraus. Mas o via me procurando, com as mãos manchadas de sangue. Ainda
não recordo como saí dali, como cheguei a essa habitação.
Grace não suportava imaginar sua calada e aprazível amiga perseguida por um assassino.
-O importante é que saiu, e que está a salvo -Grace olhou a M.J.-. Todas o estamos -esboçou um sorriso irônico-. E você como passaste as férias?
-Fugindo com um caça recompensas, algemada à cama de um motel de má reputação, perseguida a tiros por um par de capangas.... com uma breve parada em tua casa
da montanha.
Um caça recompensas, pensou Grace, tentando ficar ao dia. Aquele tal Jack, supunha, o da trança loira e de olhos cinzas como uma tormenta. E o sorriso matador.
Algemas, motéis baratos e tiros. Levando os dedos aos olhos, tentou agarrar-se ao detalhe menos perturbador.
-Esteve em minha casa? Quando?
-É uma longa história -M.J. resumiu o relato do par de dias transcorridos desde seu primeiro encontro com Jack, quando tinha tentado levar-la acreditando que
tinha violado a liberdade condicional, e até como tinham escapado daquela armadilha até descobrir a razão daquele quebra-cabeças.
-Há alguém que dirige os fios -concluiu M.J.-. Mas ainda não sabemos quem é. O prestamista que deu a Jack a documentação falsa a meu respeito, os dois tipos
que nos perseguiram e os Salvini estão todos mortos.
-E Melissa -murmurou Grace.
-Era Melissa? -Bailey se girou para Grace-. a de sua casa?
-Suponho que sim. Quando cheguei em casa, esse policial estava lá. Tudo estava de pernas para o ar, e a polícia imaginava que a morta era eu -respirou fundo
cuidadosamente e exalou com firmeza antes de concluir-. Caiu pelo corrimão, ou a empurraram. Eu estava a muitos quilômetros de distância quando ocorreu.
-Onde foste? -perguntou M.J.-. Quando Jack e eu chegamos a sua casa de campo, estava fechada. Pensei... Estava segura de que acabava de passar por ali. Ainda
cheirava a seu perfume.
-Fui ontem, na última hora da manhã. Estava com vontade de estar perto do mar, assim desci pela estrada da costa e encontrei um pequeno hotel. Comprei algumas
antiguidades, acotovelei-me com os turistas, vi os foguetes... retornei hoje, na última hora. Estive a ponto de ficar para passar outra noite. Mas chamei as duas
do hotel e só dava nas suas secretárias eletrônicas. Comecei a me inquietar e vim para casa -fechou os olhos um momento-. Estava aturdida, Bailey. Justamente antes
de que eu fosse para o campo, perdemos a um dos meninos.
-OH, Grace, sinto muito.
-Sempre acontece o mesmo. Nascem com Aids, ou viciados no crack, ou com um buraco no coração. Alguns morrem. Mas não consigo me acostumar a isso, e não podia
tirar-me isso da cabeça. Assim estava aturdida. Quando vinha para cá, comecei a pensar. E a me preocupar. Logo encontrei esse polícial em minha casa. Perguntou-me
pela pedra. Não sabia o que queria que lhe dissesse.
-Já contamos tudo à polícia -suspirou Bailey-. A Jack e a Cade não parece cair muito bem esse tal Buchanan, mas dizem que trabalha bem. As duas pedras já estão
a salvo, igual a nós.
-Lamento que tenham tido que passar por tudo isto. Queria ter estado aqui.
-Teria dado o mesmo -disse M.J.-. Estávamos dispersas, cada uma pro seu lado, talvez tenha sido o destino.
-Já estamos juntas -Grace as tirou das mãos-. O que vai acontecer agora?
-Senhoras -Seth entrou na habitação e pousou seu olhar frio sobre elas. Em seguida o fixou em Grace-, senhorita Fontaine, e o diamante?
Ela se levantou e recolheu a bolsa que tinha deixado atirada sobre o sofá. Abrindo-a, tirou uma bolsinha de veludo e deslizou a pedra na palma de sua mão.
-Precioso, verdade? -murmurou, observando o brilho de luz azul-. Supõe-se que os diamantes são frios ao tato, não, Bailey? Entretanto este tem... calor -elevou
os olhos para Seth enquanto se aproximava dele-. Ainda assim, quantas vidas pode valer?
Estendeu a mão aberta. Quando os dedos de Seth se fecharam sobre a pedra, Grace sentiu um sobressalto: os dedos de Seth sobre sua pele, o diamante azul entre
suas mãos. Algo encaixou de maneira quase inaudível.
Perguntou-se se ele o havia sentido, tinha-o ouvido. Por que, se não, entreabriam-se aqueles enigmáticos olhos, deteve-se sua mão? Grace ficou sem fôlego.
-Impressionante, verdade? -conseguiu dizer, e sentiu uma estranha onda de emoção quando lhe tirou o diamante da mão.
A Seth não gostou da sacudida que lhe percorreu o braço, e disse asperamente:
-Suponho que isto está inclusive por cima de suas possibilidades, senhorita Fontaine.
Ela se limitou a sorrir. Não, disse-se, ele não havia sentido nada... nem ela tampouco. Era só imaginação dela. Ou estresse.
-Eu prefiro adornar meu corpo com algo menos... óbvio.
Bailey se levantou.
-As Estrelas estão sob minha responsabilidade, a não ser que Smithsonian indique o contrário -olhou a Cade, que esperava na porta-. Colocaremos-las em boa segurança
na caixa forte. As três .E falarei com o doutor Lindstrum pela manhã.
Seth fez girar a pedra sobre sua mão. Imaginava que podia confiscá-la, igualmente às outras duas. Afinal de contas, eram provas de vários casos de homicídio.
Mas não lhe parecia sensato voltar para a delegacia de polícia com uma fortuna no carro.
Parris resultava irritante, pensou. Mas ao menos era honesto. E, tecnicamente, as pedras estavam sob custódia de Bailey James até que Smithsonian a liberasse
daquele encargo. Seth se perguntava o que diriam as autoridades do museu quando conhecessem as peripécias das três Estrelas. Mas esse não era problema dele.
-Guardem-na -disse, passando a pedra a Cade-. Eu também falarei com o doutor Lindstrum pela manhã, senhorita James.
Cade se apressou a dar um passo para frente, ameaçador. -Olhe, Buchanan...
-Não -Bailey se interpôs entre eles: uma suave brisa entre duas tormentas em formação-. O tenente Buchanan tem razão, Cade. Agora é assunto dele.
-Obrigado por trazer Grace tão rapidamente, tenente.
Seth olhou a mão que Bailey lhe estendia. "Aqui tem seu chapéu", pensou. "Você está com pressa".
-Lamento havê-la incomodado, senhorita James -seu olhar se posou em M.J.-. Senhorita O'Leary.. Procurem estar disponíveis.
-Não vamos a nenhuma parte -M.J. inclinou o queixo com um gesto desafiante enquanto Jack se aproximava dela-. Conduza com cuidado, tenente.
Ele recebeu aquele novo rechaço com um ligeiro assentimento.
-Senhorita Fontaine, eu a levarei para casa.
-Não vai partir -M.J. saltou na frente de Grace como uma tigresa que defendesse a seu filhote-. Não vai voltar para aquela casa esta noite. Fica aqui, conosco.
-Pode que você não queira voltar para casa, senhorita Fontaine -disse Seth friamente-. Talvez você prefira responder umas perguntas em meu escritório.
-Não está falando a sério...
Ele atalhou os protestos de Bailey com um olhar.
-Tenho um cadáver no depósito. Falo muito a sério.
-É você um fenômeno, Buchanan -disse Jack, mas sua voz soava baixa e ameaçadora-. Por que não vamos você e eu à outra habitação e.. vemos o que se pode fazer?
-Não passa nada -Grace se adiantou, compondo um sorriso verossímil-. Jack, verdade?
-Sim -ele apartou sua atenção de Buchanan o tempo justo para lhe sorrir-. Jack Dakota. Prazer em conhecê-lo..., Miss Abril.
-Oh, minha desencaminhada juventude ainda mostra o rabo -com uma risada, Grace lhe beijou a bochecha arranhada-. Agradeço que te ofereça a moer a pauladas o
tenente por mim, Jack, mas me parece que já tiveste bastante por hoje.
Sorrindo, ele se passou o polegar pela mandíbula arroxeada.
-Ainda me restam forças.
-Não o duvido, mas, embora seja triste dizê-lo, o policial tem razão -jogou-se o cabelo para trás e voltou aquele sorriso, vários graus mais frio, para Seth-.
Pode que seja pouco delicado, mas tem razão. Tem que me fazer umas perguntas. Devo ir.
-Não vais voltar sozinha para sua casa -insistiu Bailey-. Esta noite, não, Grace.
-Não me passará nada. Mas, se não te importar, Cade, acabarei com isto, recolherei umas quantas coisas e voltarei -olhou a Cade, que acabava de entrar na habitação-.
Tem uma cama de sobra, querido?
-Claro que sim. Por que não te acompanho, ajudo-te a recolher e te trago de volta?
-Você fica aqui, com Bailey -deu-lhe um beijo, um roçar espontâneo e já afetuoso nos lábios-. Estou segura de que o tenente Buchanan e eu nos arrumaremos isso
-recolheu sua bolsa, deu meia volta e abraçou a M.J. e a Bailey outra vez-. Não se preocupem comigo. Afinal de contas, estou em braços da lei -apartou-se e lançou
a Seth um daqueles sorrisos luminosos-. Não é assim, tenente?
-De certo modo -ele retrocedeu e aguardou que ela cruzasse a porta na frente dele.
Grace esperou até que estivessem no carro e saíram da rampa.
-Preciso ver o corpo -não o olhou, mas elevou uma mão para despedir-se de seus quatro amigos, que se tinham apinhado na porta para vê-los partir-. Terão que...
Terá que identificá-la, não?
O surpreendeu que estivesse disposta a assumir essa responsabilidade.
-Sim.
-Pois acabemos quanto antes. depois de... Depois, responderei a suas perguntas. Preferiria que fosse em seu escritório -acrescentou, utilizando de novo aquele
sorriso-. Minha casa está um pouco desordenada.
-Está bem.


Grace sabia que seria duro. Sabia que seria terrível. Preparou-se para isso... ou assim tinha acreditado. Mas nada, compreendeu enquanto olhava o que ficava
da mulher no necrotério, podia havê-la preparado para aquilo.
Não era de estranhar que a tivessem confundido com Melissa, cujo rosto, do qual em vida se sentia tão orgulhosa, estava completamente destroçado. A morte tinha
sido cruel com ela, e, devido a sua relação com o hospital, Grace sabia por experiência que freqüentemente o era.
-É Melissa -sua voz ressonou na gelada habitação branca-. Minha prima, Melissa Fontaine.
-Está segura?
-Sim. Íamos ao mesmo colégio, entre outras coisas. Conheço seu corpo quase tão bem como o meu. Tem uma marca de nascença em forma de foice no início das costas,
justo à esquerda do centro. E uma cicatriz na planta do pé esquerdo, pequena e em forma de lua crescente, de uma vez que pisou em uma concha quebrada em Hamptoris,
quando tinha doze anos.
Seth se moveu, procurou a cicatriz e lhe fez uma leve inclinação de cabeça ao ajudante do forense.
-Lamento sua perda.
-Sim, estou segura disso -sentindo que os músculos se tinham convertido em vidro, deu-se a volta e passou o olhar turvado sobre ele-. Desculpe-me.
Quase tinha chegado à porta quando começou a cambalear-se. Resmungando uma maldição, Seth a agarrou, levou-a ao corredor e a sentou em uma cadeira. Com uma mão
lhe colocou a cabeça entre as pernas.
-Não vou desmaiar -ela fechou os olhos com força, tentando conter as náuseas e o enjôo.
-Qualquer um o diria.
-Sou muito sofisticada para me permitir algo tão sentimental como uma vertigem -mas sua voz se quebrou, seus ombros tremeram, e por um instante manteve a cabeça
agachada-. Oh, Deus, está morta. E tudo porque me odiava.
-O que?
-Não importa. Está morta -cruzou os braços, incorporou-se de novo e apoiou a cabeça contra a fria parede branca. Suas bochechas estavam muito pálidas -Tenho
que chamar a minha tia. Sua mãe. Tenho que lhe contar o que passou.
Ele observou o rosto daquela mulher, cuja assombrosa beleza não diminuía a palidez.
-Me diga seu nome. Eu me encarregarei disso.
-Chama-se Helen Wilson Fontaine. Mas eu o farei.
Seth não se deu conta de que a tinha tomado pela mão até que ela afastou a sua. Ele se repreendeu em todos os níveis, e se levantou.
-Não pude contatar com Helen Wilson nem com seu marido. Ela está na Europa.
-Sei -Grace se jogou o cabelo para trás, mas não tentou levantar-se. Ainda não-. Eu sei onde encontrá-la -a idéia de fazer aquela chamada, de dizer o que teria
que dizer, lhe bloqueava a garganta-. Poderia tomar um pouco de água, tenente?
Os saltos de Seth retumbaram sobre os ladrilhos enquanto se afastava. Em seguida se fez o silêncio: um silêncio completo e repugnante que falava em sussurros
dos assuntos que se tratavam em tais lugares. Ali havia aromas que se filtravam teimosamente sob o potente fedor do anti-séptico e os sabões industriais. Grace se
alegrou ao ouvir de novo os passos de Seth. Tomou com as duas mãos o copo de plástico que lhe oferecia e bebeu lentamente, concentrando-se no simples feito de tragar
líquido.
-Por que a odiava?
-O que?
-Sua prima. Disse que a odiava. Por que?
-Coisas de família -disse ela. Deu-lhe o copo vazio ao levantar-se-. Queria ir já.
Ele a observou de novo. Ainda não havia recuperado a cor, tinha as pupilas dilatadas, e sua íris azul estavam vídeos. Seth duvidou de que agüentasse uma hora
mais.
-Levarei-a para casa de Parris -decidiu-. Pode recolher suas coisas pela manhã. Passe em meu escritório para fazer a declaração.
-Eu disse que o faria esta noite.
-E eu lhe digo que o fará pela manhã. Agora não me servirá de nada.
Ela tentou uma débil risada.
-Vá, tenente, acredito que é você o primeiro homem que me diz isso. Estou desolada.
-Não perca o tempo com tolices -agarrou-a pelo braço e a conduziu para a porta-. Não tem energias.
Tinha razão. Grace se largou quando saíram de novo ao ar denso da noite.
-Eu não gosto de você.
-Não é preciso -ele abriu a porta do carro e aguardou-.E tampouco é preciso que eu goste de você.
Ela se aproximou da porta e o olhou nos olhos.
-Mas a diferença é que, se tivesse energia, ou vontade, eu poderia lhe fazer suplicar -entrou no carro, deslizando em seu interior aquelas longas e sedosas pernas.
Não era provável, disse-se Seth enquanto fechava a porta de repente.

Capitulo 3

Sentia-se como uma covarde, mas não voltou para casa. Necessitava a suas amigas, não aquela casa vazia, com a silhueta de um cadáver desenhada no chão.
Jack foi colocar suas coisas no carro e a levou. Pareceu-lhe que, por um dia, era suficiente.
Dado que ia ao volante para encontrar-se com Seth, preparou-se cuidadosamente. Tinha posto um traje do verão que tinha comprado na costa. A saia curta e a jaqueta
à altura da cintura, cor amarela jacinto, não tinham um aspecto muito formal. Mas não pretendia aparentar tranqüilidade. Tinha-se entretido recolhendo o cabelo para
atrás em uma intrincada trança francesa e se maquiou com a minuciosidade e a determinação de um general preparando-se para uma batalha decisiva.
Encontrar-se com Seth, em efeito, parecia-lhe uma batalha.
A chamada para sua tia tinha produzida dor de estômago e um intenso enjôo. Tinha dormido mal, mas tinha dormido, aconchegada em uma das habitações de convidados
de Cade, segura de que as pessoas que mais lhe importavam estavam a seu lado.
Enfrentaria-se mais tarde a seus parentes, pensou enquanto introduzia o conversível no estacionamento da delegacia de polícia. Seria duro, mas as arrumaria.
De momento, tinha que pôr as coisas em claro consigo mesma. E com Seth Buchanan.
Se alguém a tivesse visto sair do carro e cruzar o estacionamento, teria assistido a uma metamorfose. Sutil e gradualmente, seus olhos passaram de cansados a
sedutores. Seu passo se fez mais desenvolvido, convertendo-se em um indolente rebolado idealizado para deixar estupefatos aos homens. Sua boca se elevou levemente
pelos cantos em um sorriso feminino e sagaz.
Não era, na realidade, uma máscara, senão o outro rosto dela. Inata e habitual, era uma imagem que podia conjurar a vontade. Fez-o ao lançar um lento e malicioso
sorriso ao agente com o qual encontrou na porta. Ele se ruborizou, retrocedeu e esteve a ponto de arrancar a porta em seu afã por abrir-lhe.
-Obrigado, agente.
O sufoco cobriu o pescoço e o rosto do policial, e o sorriso de Grace se fez mais amplo. Estava em plenas faculdades. Essa manhã, Seth Buchanan não se encontraria
com uma pálida e tremente mulher. encontraria-se com a verdadeira Grace Fontaine.
Aproximou-se do sargento de guarda no balcão e passou um dedo pelo beirada deste.
-Desculpe...
-Sim, senhora -sua noz subiu e baixou três vezes enquanto tragava saliva.
-Pergunto-me se você poderia me ajudar. Estou procurando o tenente Seth Buchanan. Você está no comando? -passou seu olhar sobre ele-. Deve você estar no comando,
tenente.
-Ah, sim. Não. Sou sargento -procurou torpemente o livro de registro e os passes-.Eu... Está... Encontrará o tenente lá encima, no departamento de investigação.
À esquerda das escadas.
-Ah -ela tomou a caneta que o agente lhe oferecia e assinou com desenvoltura-. Obrigado, tenente. Quero dizer sargento.
Grace ouviu como exalava o ar enquanto se dava a volta, e notou seu olhar cravado nas pernas quando subia as escadas. Encontrou o departamento de investigação
facilmente e percorreu com o olhar as mesas, colocadas umas frente às outras, algumas ocupadas e outras não. Os policiais estavam de camisa de manga curta no meio
de um calor opressivo que quase não dissipava um aparelho de ar condicionado nas últimas. Muitas pistolas, pensou Grace, muitos almoços no meio de comer e muitas
taças de café vazias. Os telefones soavam sem cessar.
Grace localizou a sua presa: um homem com a gravata frouxa, os pés sobre a mesa, um relatório em uma mão e um pão-doce na outra. Quando pôs-se a andar pela habitação
cheia de gente, várias conversa se detiveram. Alguém assobiou brandamente, como um suspiro. O homem da mesa baixou os pés ao chão e se tragou o pão-doce.
-Senhorita...
Devia ter uns trinta anos, calculou Grace, apesar de que seu cabelo parecia retroceder rapidamente. Ele se limpou os dedos na camisa e girou os olhos ligeiramente
para a esquerda, onde um de seus companheiros sorria enquanto se dava golpes com o punho no coração
-Espero que possa me ajudar -manteve os olhos fixos nele, e só nele, até que um músculo começou a vibrar em sua mandíbula-, detetive?
-Sim, eh, Carter, detetive Carter. O que posso fazer por você?
-Espero estar no lugar indicado -Grace girou a cabeça e percorreu com o olhar a sala e a seus ocupantes. Vários estômagos se encolheram-. Estou procurando o
tenente Buchanan. Acredito que me está esperando -afastou-se elegantemente uma mecha de cabelo solto do rosto-.Temo que não sei qual é o procedimento habitual.
-Está em seu escritório. Ali, em seu escritório -sem afastar os olhos dela, assinalou com o polegar-. Belinski, diga ao tenente que tem visita. A senhorita...
-Me chamo Grace -apoiou um quadril sobre a mesa, deixando que a saia subisse-. Grace Fontaine. Importa-lhe que espere aqui, detetive Carter? Estou-lhe interrompendo?
-Sim... Não, claro que não.
-É tão emocionante... -esboçou um sorriso deslumbrante-. O trabalho de detetive. Terá tantas histórias interessantes que contar...


Quando, ao concluir a chamada telefónica que estava atendendo, informaram-lhe que Grace Fontaine estava ali, Seth se pôs a americana e entrou na sala, a mesa
de Carter estava completamente rodeada. E meia dúzia de seus melhores agentes ofegavam como cachorrinhos por um osso carnudo. Aquela mulher, pensou, ia lhe dar muitas
dores de cabeça.
-Já vejo que esta manhã se fecharam todos os casos e o crime se deteve milagrosamente.
Sua voz sortiu o efeito desejado. Os homens deram um pulo. Os que não se deixavam intimidar facilmente sorriram enquanto retornavam lentamente a suas mesas.
Abandonado, Carter se ruborizou do pescoço até a linha do cabelo.
-Eh, Grace... digo a senhorita Fontaine quer vê-lo, tenente. Senhor.
-Já o vejo. Acabou esse relatório, detetive?
-Estou nisso -Carter agarrou os papéis que tinha deixado de um lado e colou o nariz neles.
-Senhorita Fontalne -Seth arqueou uma sobrancelha e assinalou para seu escritório.
-Foi um prazer te conhecer, Michael -Grace deslizou um dedo sobre o ombro de Carter ao passar.
Seth havia sentido o calor daquele contato apenas umas horas antes.
-Já pode deixar esse número -disse Seth secamente enquanto abria a porta do escritório-. Aqui não lhe servirá de nada.
-Nunca se sabe, não acha? -ela entrou, passando tão perto dele que seus corpos se roçaram. Grace acreditou sentir que ele se enrijecia um pouco, mas seu olhar
seguiu sendo frio e firme, e aparentemente desinteressado. Irritada, Grace observou seu escritório.
O bege institucional das paredes se mesclava com o bege imundo do linóleo velho do chão, produzindo uma impressão deprimente. A mesa funcional e sobrecarregada,
os armários arquivos cinzas, o computador, o telefone e uma pequena janela não acrescentavam brilho precisamente a aquela habitação anódina.
-Assim é aqui onde se movem os fios -murmurou, desiludida ao não encontrar nenhum toque pessoal. Nem fotos, nem troféus esportivos. Nada ao qual pudesse agarrar-se,
nenhum sinal do homem que se ocultava atrás da insígnia policial.
Tal e como tinha feito na sala exterior, apoiou o quadril em um canto da mesa. Dizer que parecia um raio de sol teria sido um clichê. E também incorreto, pensou
Seth. Os raios de sol eram mansos, quentes, acolhedores. Ela era uma labareda repentina, explosiva. Ardente. E fatal.
Até um cego se teria fixado em suas pernas acetinadas sob a saia amarela e rodeada. Seth se limitou a rodeá-la, sentou-se e a olhou no rosto.
-Estará mais cômoda em uma cadeira.
-Estou bem aqui -ela agarrou indolente um lápis e começou a lhe dar voltas-. Suponho que não é aqui onde interroga aos suspeitos.
-Não, para esses temos calabouços no porão.
Em outras circunstâncias, Grace teria apreciado seu tom seco e irônico.
-Sou suspeita?
-Já o direi -ele inclinou a cabeça-. Você recupera-se rapidamente, senhorita Fontaine.
-Sim, assim é. Você queria me fazer alguma pergunta, tenente?
-Sim, em efeito. Sente-se. Em uma cadeira.
Os lábios de Grace formaram algo parecido a uma careta. Uma careta lasciva que parecia dizer "vêem e me beije". Seth sentiu o puxão rápido e inevitável do desejo,
e a amaldiçoou por isso. Ela se moveu, afastando-se da mesa com um suave deslizamento, e, acomodando-se em uma cadeira, cruzou lentamente suas belíssimas pernas.
-Melhor?
-Onde esteve no sábado, entre a meia-noite e as três da madrugada?
Então era neste horário quando tinha ocorrido, pensou Grace, e procurou ignorar sua dor de estômago.
-Não vai ler me meus direitos?
-Não está você sendo acusada, não necessita de um advogado. É uma simples pergunta.
-Estava no campo. Tenho uma casa na parte oeste de Maryland. Estava sozinha. Não tenho álibi. Agora necessito de meu advogado?
-Você pretende complicar as coisas, senhorita Fontaine?
-Não há modo de as simplificar, ou sim? -mas agitou uma mão com indiferença. O fino bracelete de diamantes que rodeava seu pulso emitiu fogo-. Está bem, tenente,
que seja o menos complicado possível. Não quero chamar a meu advogado... de momento. O que lhe parece se lhe faço um breve resumo de meus movimentos? Fui ao campo
na quarta-feira. Não esperava a minha prima, nem a ninguém. Tive contato com algumas pessoas durante o fim de semana. Fiz compras no povoado próximo, estive comprando
no viveiro. Isso devia ser na sexta-feira pela tarde. No sábado fui recolher o correio. É um povoado pequeno, a carteira se lembrará. Mas foi antes do meio-dia,
assim tive tempo de retornar à cidade de carro. E, naturalmente, na sexta-feira um mensageiro entregou o pacote de Bailey.
-E não lhe pareceu estranho? Seu amiga lhe manda um diamante azul e você se encolhe de ombros e vai fazer compras?
-Chamei-a. Mas não estava -arqueou uma sobrancelha-. Mas suponho que isso já saberá. Estranhei, mas tinha outras coisas na cabeça.
-Quais?
Os lábios de Grace se curvaram, mas o sorriso não se refletiu em seu olhar.
-Não acredito que esteja obrigada a lhe contar meus pensamentos. Estranhei e me preocupei um pouco. Pensei que talvez fosse uma cópia, mas na realidade não me
parecia isso. Uma falsificação não poderia ter o que tem essa pedra. As instruções que Bailey me mandou com o pacote eram que o guardasse até que ficasse em contato
comigo. E isso foi o que fiz.
-Sem fazer perguntas?
-Raramente questiono às pessoas em quem confio.
Ele golpeou com um lápis sobre a beirada da mesa.
-Esteve sozinha no campo até na segunda-feira, quando retornou à cidade.
-Não, no domingo fui de carro a costa leste. Me agrada muito -sorriu de novo-. Passei muito bem. Fiquei em uma hospedaria.
-Não lhe caía bem sua prima?
-Não, não me caía bem -Grace supôs que aquela brusca mudança de tema era uma técnica de interrogatório-. Tinha um caráter difícil, e eu raramente me esforço
com gente difícil. Criamo-nos juntas depois de que meus pais morreram, mas não estávamos muito unidas. Eu me meti em sua vida, em seu espaço. Ela se ressarciu mostrando-se
desagradável. Eu, freqüentemente, era também com ela. À medida que fomos crescendo, ela foi tendo... menos êxito com os homens que eu. Pelo visto pensava que, sublinhando
nossas semelhanças, teria mais êxito.
-E assim foi?
-Suponho que depende de como se olhe. Melissa gostava dos homens -para combater os remorsos que se amontoavam em seu coração, Grace se recostou descuidadamente
na cadeira-. Sim, gostava de muito..., razão pela qual se divorciou fazia pouco. Gostava das coisas a granel.
-E o que pensava seu marido a respeito?
-Bobbie é um... -interrompeu-se, e logo aliviou em parte sua tensão soltando uma risada rápida, sedutor e muito atraente-. Se você estiver sugerindo que Bobbie,
seu ex, seguiu-a até minha casa, matou-a, destroçou a casa e se foi assobiando, não pode estar mais equivocado. Bobbie é uma migalha de pão. E, além disso, acredito
que neste momento está na Inglaterra. Gosta de tênis e nunca se perde o torneio de Wimbledon. Poderá comprová-lo facilmente.
Faria-o, pensou Seth, tomando notas.
-Algumas pessoas encontram o assassinato extremamente desagradável a nível pessoal, mas não a distância. Limitam-se a pagar pelo serviço.
Dessa vez, ela suspirou.
-Os dois sabemos que Melissa não era o objetivo, tenente. Simplesmente, estava em minha casa -Incômoda, levantou-se com um movimento felino. Aproximando-se da
pequena janela, observou a vista desalentadora-.Já se tinha metido duas vezes em minha casa de Potomac estando eu de viagem. A primeira vez, passei por cima. A segunda,
desfrutou das comodidades de minha casa com uma liberalidade que me parecia excessiva. Tivemos uma briga por isso. Foi embora zangada, e eu não voltei a deixar a
cópia da chave fora. Deveria ter trocado as fechaduras, mas não me ocorreu que pudesse se incomodar em fazer uma cópia da chave.
-Quando foi a última vez que a viu ou falou com ela?
Grace suspirou. As datas, as pessoas, os acontecimentos, suas absurdas incursões em eventos sociais, cruzaram sua cabeça.
-Faz um mês e meio, mais ou menos, pode ser na academia. Nos encontramos na sauna, não falamos muito. Nunca tivemos muito que nos dizer uma à outra.
Seth compreendeu que se estava arrependendo disso. Que repassava mentalmente as oportunidades que tinha passado por cima ou desperdiçado. E isso não lhe fazia
bem.
-Acredita que pôde abrir a porta a um desconhecido?
-Se era um homem atraente, sim -cansada da conversa, ela se deu a volta-. Olhe, não sei em que mais posso ajudá-lo. Era uma mulher imprudente e freqüentemente
arrogante. Quando tinha vontade, recolhia qualquer estranho em um bar. Essa noite deixou entrar alguém, e morreu por isso. Fosse como fosse, não merecia morrer por
isso -afastou-se o cabelo distraidamente, tentando esclarecer-se enquanto Seth permanecia sentado, esperando-. Pode que o assassino lhe exigisse que lhe desse a
pedra. Ela não entenderia nada. Pagou muito cara por sua imprudência, sua frivolidade e sua ignorância. E a pedra está onde é devido, com Bailey. Se ainda não falou,
com o doutor Lindstrum esta manhã, posso lhe dizer que Bailey estará reunida com ele neste momento. Não sei que mais posso lhe dizer.
Ele se recostou um momento, com os olhos frios fixos em seu rosto. Se não fosse pela conexão com os diamantes, tudo aquilo podia ter outra leitura. Duas mulheres
enfrentadas durante toda sua vida. Uma delas volta inesperadamente de viagem e encontra à outra em sua casa. Uma discussão que logo se converte em uma briga .E uma
delas acaba precipitando-se do corrimão do segundo andar e aterrissando sobre uma mesa de vidro. A outra mulher não se deixa levar pelo pânico. Destroça sua própria
casa para encobrir-se e em seguida parte. Afasta-se da cena do crime. Era Grace tão consumada atriz para fingir a impressão do primeiro momento, a descarnada emoção
que Seth tinha visto em seu semblante na noite anterior? Ele acreditava que sim.
Mas, apesar de tudo, aquele quadro não encaixava. Estava a indiscutível conexão com os diamantes. E Seth estava seguro de que, em caso de que Grace Fontaine
tivesse empurrado a sua prima, teria sido igualmente capaz de pegar o telefone e informar do um acidente com toda frieza.
-Está bem, isso é tudo por agora.
-Bom -ela deixou escapar um sopro de alívio-. Não foi para tanto, depois de tudo.
Seth se levantou.
-Devo lhe pedir que se mantenha disponível.
Ela voltou a pôr em funcionamento seu encanto, aquela luz cálida e rosada.
-Eu sempre estou disponível, bonitão. Pergunte a qualquer um -recolheu sua bolsa e se aproximou da porta junto a ele-. Quando poderei ordenar minha casa? Eu
gostaria de acabar quanto antes.
-Já a avisarei -olhou seu relógio-. Quando estiver disposta a revisar suas coisas e fazer um inventário do que falta, agradeceria-lhe que me avisasse.
-Vou fazer-lo agora mesmo.
Ele franziu o cenho um momento. Podia encarregar a um de seus homens que fosse com ela, mas preferia fazê-lo ele mesmo.
-Seguirei-a em meu carro.
-Proteção policial?
-Se for necessário...
-Estou comovida. Por que não te levo, bonitão?
-Seguirei-a em meu carro -repetiu ele.
-Como quiser -disse ela, e passou uma mão sobre a bochecha de Seth. Seus olhos se aumentaram ligeiramente quando ele a agarrou pelo pulso-. Você não gosta que
lhe acariciem? -ronronou ela, surpreendida pelo tombo que lhe tinha dado o coração-. À maioria dos animais gostam.
O rosto de Seth estava muito perto do seu e seus corpos se tocavam com o calor da habitação e de algo inclusive mais abrasador que fluía entre eles. Algo antigo
e quase familiar. Seth baixou a mão de Grace lentamente, sem soltar seu pulso.
-Tome cuidado com as teclas que aperta.
Desejo, pensou ela com assombro. Era um desejo puro e primitivo o que se apoderou dela.
-Demasiado tarde -disse ela brandamente, desafiando-o-. Eu gosto de apertar teclas novas. E, conforme parece, você tem umas quantas muito interessantes que suplicam
que alguém lhes preste atenção -baixou o olhar deliberadamente para sua boca-. Sim, suplicam-no.
Seth se imaginou empurrando-a contra a porta e inundando-se com rapidez naquele ardor, sentindo-a derreter-se. Mas, consciente de que ela sabia, retrocedeu,
soltou sua mão e abriu a porta que dava à buliçosa sala exterior.
-Não esqueça de entregar a identificação de visitante no balcão -disse.


Era um tipo frio, pensou Grace enquanto conduzia. Um tipo atraente, com êxito, contido e solteiro, dado este último que ela tinha surrupiado ao despreparado
detetive Carter.
Um desafio.
E, decidiu enquanto atravessava o aprazível e formoso bairro, a caminho de sua casa, um desafio era exatamente o que necessitava para superar aquele cataclismo
emocional.
Umas horas depois teria que enfrentar-se a sua tia e ao resto de seus parentes. Haveria perguntas, exigências, e, estava segura, também reprovação. De tudo o
qual ela seria a destinatária. Assim era como funcionava sua família, e isso era o que tinha chegado a esperar de seus integrantes. Pergunte a Grace, peça contas
a Grace, aponte a Grace. Perguntava-se até que ponto merecia tudo aquilo e até que ponto era simplesmente algo que tinha herdado junto com o dinheiro que lhe tinham
deixado seus pais.
Pouco importava já, disse-se, posto que ambas as coisas lhe pertenciam, tanto se gostasse como se não gostasse.
Entrou na rampa de sua casa elevando o olhar. A casa tinha sido um capricho. Seu desenho inteligente e original de madeira e vidro, as telhas, as cornijas, os
terraços de madeira e os rústicos jardins. Queria dispor de espaço, da elegância da vida social e das comodidades da grande cidade. E da proximidade a Bailey e M.J.
A casinha das montanhas, entretanto, tinha sido uma necessidade. E era dela e só dela. Seus parentes não sabiam que existia. Ninguém podia encontrá-la ali, a
menos que ela quisesse.
Mas aqui, pensou pisando no freio, estava a elegante e luxuosa casa de Grace Fontaine. Rica herdeira, menina aficionada às festas. A do póster central, a licenciada
em Radcliffe, a anfitriã de Washington. Podia seguir vivendo ali, perguntava-se, com a morte alojada em suas habitações? O tempo o diria.
De momento, concentraria-se em resolver o quebra-cabeças de Seth Buchanan e em encontrar um modo de penetrar sob sua aparentemente impenetrável armadura.
Só para divertir-se.
Ouviu-o deter-se e, em um movimento deliberadamente provocador, deu-se a volta, baixou-se os óculos de sol e o observou por cima delas. Oh, sim, pensou. Era
muito, muito atraente. O modo em que controlava seu corpo robusto e musculoso. Muito econômico. Não desperdiçava movimentos. Tampouco os desperdiçaria na cama. E
Grace se perguntava quanto tempo demoraria para levá-lo até lá. Tinha o pressentimento, e rara vez duvidava de seus pressentimentos no que aos homens concernia,
de que havia um vulcão bulindo debaixo aquela aparência serena e em certo modo austera. Ia passar muito bem esperando até que entrasse em erupção.
Estendeu-lhe as chaves quando se aproximou dela.
-Ah, mas já terá uma cópia, não? -voltou a colocar os óculos em seu lugar-. Mas usa as minhas... desta vez.
-Quem mais tem cópia?
Ela passou a ponta da língua pelo lábio superior, sentindo-se agradada ao ver que ele baixava o olhar. Só um instante, mas era um progresso.
-Bailey e M.J. não dariam minhas chaves a nenhum homem. Prefiro eu mesma lhes abrir a porta. Ou fechar-la.
-Bem -Seth voltou a lhe pôr as chaves na mão e pareceu divertido quando ela franziu as sobrancelhas-. Abra a porta.
Um passo adiante, dois passos atrás, pensou ela, e subiu até o pórtico de ladrilhos e abriu a porta. Tinha tentado preparar-se para aquele momento, mas mesmo
assim lhe resultou difícil. O vestíbulo estava quase intacto. Mas o corrimão arrebentado atraiu irremediavelmente sua atenção.
-É uma queda de muito alto -murmurou-. Pergunto-me se dará tempo de pensar, de compreender, enquanto se cai.
-Ela não teve.
-Não -e, de certo modo, era melhor assim-, suponho que não entrou na sala de estar e se obrigou a olhar a silhueta de giz-. Bom, por onde começo?
-O assassino encontrou em sua caixa forte e a esvaziou. Suponho que quererá fazer uma lista do que tenha desaparecido.
-A caixa forte da biblioteca -cruzou sob o arco e entrou em uma espaçosa habitação cheia de luz e livros. Muitos daqueles livros cobriam o chão, e um abajur
art déco que ssimulava o corpo estilizado de uma mulher estava partido em dois- . Não foi muito sutil, não?
-Suponho que tinha pressa.
-Podia haver-se economizado os incomodos -aproximou-se da caixa forte, cuja porta estava aberta, e viu que estava vazia-. Tinha algumas jóias..., muitas, na
realidade. E um par de milhares de dólares em dinheiro.
-Bônus ou ações?
-Não, estão em minha caixa depósito de segurança do banco. Não vejo a necessidade de guardar as ações na caixa forte e as tirar de vez em quando para ver como
brilham. No mês passado comprei uns brincos de diamantes preciosos -suspirou e se encolheu de ombros-. Enfim, já não estão mais. Tenho uma lista completa de minhas
jóias, e fotografias de cada peça, junto com os papéis do seguro, em minha caixa de segurança. As substituir é só questão de... -interrompeu-se, deixou escapar um
leve som de angústia e saiu apressadamente da habitação.
Aquela mulher se movia a seu desejo, pensou Seth enquanto subia as escadas atrás dela. E a velocidade não a fazia perder aquela graça felina. Entrou em seu dormitório
e a seguir no closet, atrás dela.
-Não pode as ter encontrado. É impossível -ela repetia aquelas palavras como alguém que prega enquanto girava uma maçaneta do armário embutido. Este se abriu,
deixando ao descoberto uma caixa embutida na parede. Ela marcou rapidamente a combinação e abriu a porta de um puxão. Deixou escapar o fôlego em um sopro enquanto,
ajoelhando-se, tirava algumas bolsas e caixas forradas de veludo.
Mais jóias, pensou ele sacudindo a cabeça. Quantos brincos podia usar uma mulher? Mas ela ia abrindo cada caixa cuidadosamente, examinando seu conteúdo.
-Estas eram de minha mãe -murmurou com um pouco de emoção na voz-. Estas sim que me importam. O alfinete de safiras que meu pai lhe deu de presente por seu quinto
aniversário, o colar que ele lhe deu de presente quando eu nasci, as pérolas... Usava-as no dia que se casaram -passou-se a branca e cremosa fileira de pérolas pela
bochecha como se fosse uma mão amorosa-. Fiz construir esta caixa forte expressamente para elas. Não as guardava com as outras. No caso de -apoiou-se nos calcanhares,
com o colo cheio de jóias que valiam muito mais que o ouro e as pedras preciosas-. Bom -conseguiu dizer com a garganta fechada-, aqui estão. Seguem aqui.
-Senhorita Fontaine...
-Oh, me chame de Grace -replicou ela-. É mais rígido que meu tio Niles -em seguida se levou uma mão à testa, tentando dissipar o princípio de uma dor de cabeça-.
Suponho que não saberá fazer café.
-Sim, sei fazer café.
-Então, por que não desces e vai fazendo enquanto eu acabo aqui?
Ele surpreendeu a ela, e também a si mesmo, agachando-se a seu lado e apoiando uma mão sobre seus ombros.
-Podia ter perdido as pérolas, todas essas jóias. Mas não teria perdido suas lembranças.
Inquieto por ter-se sentido impelido a dizer aquilo, Seth se incorporou e a deixou sozinha. Foi diretamente à cozinha e afstou as coisas revoltas para encher
a cafeteira. Pô-la a esquentar e acendeu a máquina. Meteu as mãos nos bolsos e voltou a tirar-las.
Que demônios lhe estava passando? Perguntava-se. Devia concentrar-se no caso, e só no caso. Mas, em lugar de fazê-lo, sentia-se atraído, arrastado para a mulher
do andar de cima. Pelos diversos rostos daquela mulher. Audaz, frágil, provocadora, sensível... Qual de todas aquelas era ela? E por que ele havia passado quase
toda a noite com aquele rosto alojado em seus sonhos?
Nem sequer deveria estar ali, disse-se. Não tinha nenhuma razão oficial para passar seu tempo com ela. Era certo que tinha a impressão de que aquele caso merecia
suas insônias. Era bastante sério. Mas ela era só uma pequena parte de tudo. E ele mentiria a si mesmo se dissesse que sempre tomava tão a sério uma investigação.
Encontrou duas xícaras intactas. Havia várias quebradas e atiradas ao redor. Porcelana de Meissen autêntica, advertiu Seth. Sua mãe tinha um jogo que guardava
como ouro.
Seth estava servindo o café quando notou a presença de Grace a suas costas.
-Só?
- Sim, obrigada -Grace entrou e fez uma careta ao observar a cozinha-. Não deixou nada intacto, eh? Suponho que acreditou que podia ter guardado um diamante
azul no pote do café ou na caixa das bolachas.
-As pessoas guardam suas posses valiosas nos lugares mais estranhos. Uma vez, trabalhei em um caso de roubo no que a afetada salvou o dinheiro que tinha em casa
porque o tinha guardado em uma bolsa de plástico fechada no fundo do porta-fraldas. Que ladrão apreciaria procurar entre fraldas?
Ela se pôs-se a rir e bebeu um gole de café. Embora ele não o pretendesse, sua história a tinha feito sentir-se melhor.
-Visto assim, guardar as coisas em uma caixa forte parece bastante estúpido.Quem fez isto não levou a prata, nem os aparelhos eletrônicos. Suponho, como você
diz, que tinha muita pressa e levou só o que lhe coube nos bolsos -aproximou-se da janela e olhou fora-. A roupa de Melissa está lá em cima. Não vi sua bolsa. Pode
ser que o assassino também a levou, ou pode que ser esteja enterrada sob toda esta desordem.
-A teríamos encontrado, se estivesse aqui.
Ela assentiu com a cabeça.
-Tinha-o esquecido. Já registrastes minhas coisas -deu-se a volta e, apoiando-se na mesa, olhou a Seth por cima do borda da xícara. Revisaste-as você pessoalmente,
tenente?
Ele pensou na camisola de seda vermelha.
-Algumas sim. Tem suas próprias lojas de departamentos aqui.
-Sinto fraqueza pelas coisas. Por toda tipo de coisas. Faz um café excelente, tenente. Não há ninguém que lhe faça isso pelas manhãs?
-Não. Não neste momento -deixou o café de um lado-. Isso não foi muito sutil.
-Não pretendia sê-lo. Não é que me importe ter competência. Mas eu gosto de saber se a tenho. Sigo pensando que eu não te agrado, mas isso poderia mudar -elevou
uma mão para acariciar a ponta da trança-. Por que não estar preparada?
-Me interessa fechar este caso, não jogar contigo..., Grace.
Suas palavras soaram tão frias, tão absolutamente desapaixonadas, que aguilhoaram a dignidade de Grace.
-Suponho que você não gosta das mulheres agressivas.
-Não especialmente.
-Bom, então -sorriu enquanto se aproximava dele-, isto te vai parecer espantoso.
Com um movimento ágil e sutil, Grae deslizou uma mão por seu cabelo e se apoderou de sua boca.


Capitulo 4

Um sobressalto, um relâmpago envolto em veludo negro, atravessou Seth em uma poderosa sacudida. Começou a lhe dar voltas a cabeça, seu sangue começou a ferver,
e seu ventre se estremeceu. Nenhuma parte de seu corpo permaneceu alheia ao fulminante ataque daquela boca lasciva e sábia. Seu sabor, inesperado e entretanto familiar,
afundou-se nele como um vinho especial e quente que lhe subiu imediatamente à cabeça, deixando-o aturdido, ébrio e desesperado.
Seus músculos se esticaram, como se estivessem preparados para saltar, para apoderar-se do que já era, de certo modo, dele. Custou-lhe um terrível força de vontade
manter os braços fixos ao lado do corpo, e apesar de que ansiavam estender-se e tomar o que lhe ofereciam. O aroma de Grace era tão escuro e embriagador como seu
sabor. Inclusive o leve e persuasivo zumbido que ressonava na garganta dela enquanto esfregava seu belíssimo corpo contra ele, era apenas um sedutor vestígio do
que podia ocorrer.
Ele fechou os punhos, contou devagar até cinco, voltou a abri-los e deixou que sua luta interna se desatasse enquanto seus lábios permaneciam passivos e seu
corpo rígido e enrijecido. Não lhe daria a satisfação de responder.
Grace sabia que aquilo era um erro. Tinha-o sabido inclusive enquanto se movia para ele e lhe estendia os braços. Tinha cometido enganos outras vezes, e tentava
não arrepender-se nunca do que não podia desfazer-se. Mas daquilo se arrependia.
Lamentava profundamente que o sabor de Seth fosse único e perfeito para seu paladar. Que o tato de seu cabelo, a forma de seus ombros, a fortaleza de seu peito,
tudo aquilo a excitasse quando, na realidade, era ela quem pretendia excitar a ele, lhe mostrar o que podia oferecer. Se queria.
Entretanto, arrastada pelo desejo, sumida nele pelo encontro de seus lábios, estava oferecendo mais do que pretendia. E ele não lhe deu nada em troca.
Grace tomou o lábio inferior de Seth entre seus dentes, mordeu-o rapidamente, com força, e ocultou uma violenta onda de decepção afastando-se e lhe lançando
um sorriso divertido.
-Ora, ora, é um tipo frio, eh tenente?
Ele se limitou a inclinar a cabeça, apesar de que lhe ardia o sangue com cada pulsada do coração.
-Não está acostumada a que lhe resistam, verdade, Grace?
-Não -ela se passou brandamente a ponta de um dedo sobre o lábio em um gesto ao mesmo tempo distraído e provocador. O sabor de Seth seguia tenazmente suspenso
ali, insistindo em que aquele era seu lugar-. Claro que a maioria dos homens aos que beijei não tinha água gelada nas veias. É uma pena -afastou o dedo do lábio
e o apoiou um instante na boca de Seth. Uma boca tão bonita. Com tantas possibilidades...
- Talvez você não goste... das mulheres.
O sorriso que lhe lançou deixou Grace pasmada. Seus olhoss brilharam em sedutores tons dourados. Sua boca se suavizou com um encanto que possuía um atrativo
perverso e imprevisível. De repente, pareceu-lhe acessível, quase infantil, e isso fez que seu coração se enchesse de desejo.
-Talvez -disse ele- não seja meu tipo.
Ela soltou uma risada breve e seca.
-Querido, eu sou o tipo de todo homem. Enfim, consideraremo-lo um experimento fracassado e seguiremos em frente -dizendo-se que era absurdo sentir-se ferida,
Grace se aproximou de novo e elevou as mãos para lhe endireitar a gravata, que lhe tinha afrouxado.
Seth não queria que o tocasse achando-se tão precariamente suspenso a beira de um abismo.
-Tem um ego gigantesco.
-Suponho que sim -com as mãos ainda na gravata, ela elevou o olhar e o olhou nos olhos. Ao diabo, pensou. Se não podiam ser amantes, talvez pudessem ser amigos.
O homem que a tinha olhado com aquele sorriso seria um bom amigo, um amigo sólido. De modo que lhe sorriu com uma doçura que sem armadilha, e acabou atravessando
o coração de Seth com um golpe certeiro-. Claro que os homens são muito previsíveis. Você só é a exceção à regra, Seth. Que a demonstra.
Baixou as mãos, lhe alisando a jaqueta, e disse algo mais, mas o rugido que troava nos ouvidos de Seth lhe impediu de ouvi-la.
Seu aprumo se quebrou. Sentiu-o romper-se como o som vibrante de uma espada ao romper-se com violência sobre uma armadura. Em um gesto do qual quase não era
consciente, fez grace girar-se, apertou-a de costas contra a parede e começou a devorar sua boca.
O coração de Grace esperneava em seu peito, deixando-a sem fôlego.Agarrou-se aos ombros de Seth tanto para manter o equilíbrio como em resposta ao repentino
e violento desejo que emanava do corpo dele e que a traspassva. Rendeu-se por completo e, lhe rodeando o pescoço com os braços, verteu-se nele. "Por fim", pensou,
aturdida. "Oh, sim., por fim".
As mãos de Seth percorriam seu corpo, amoldavam-se e de algum modo reconheciam cada curva. E aquele reconhecimento o atravessava como uma ardente onda, tão abrasadora
e real como o arrebatamento do desejo. Ansiava aquele sabor, precisava senti-lo dentro de si, tragar-lhe inteiro. Assaltava sua boca como um homem que se alimentasse
depois de um longo jejum, enchendo-se de seus sabores, todos eles ricos, escuros, amadurecidos e suculentos. Ela estava ali, esperando-o, sempre o tinha estado esperando.
E Seth sabia que, se não se afastasse, não poderia seguir vivendo sem ela.
Apoiou as mãos na parede, em ambos os lados da cabeça de Grace, para não tocá-la, para deter-se. Lutando para recuperar o fôlego e a prudência, separou-se dela
e retrocedeu. Ela seguiu apoiada na parede, com os olhos fechados, sufocada de paixão. Quando suas pálpebras revoaram e se abriram e aqueles olhos de um azul ardente
o enfocaram, ele tinha conseguido dominar-se.
-Imprevisíveis -conseguiu dizer ela, resistindo apenas as vontades de levar as mãos ao coração acelerado-. Sim, muito.
-Adverti-te que não apertasse as teclas equivocadas -a voz dele era fresca, quase fria, e sortiu o efeito de uma bofetada.
Grace deu um pulo, sobressaltada. Teria caído se não estivesse apoiada na parede. Os olhos de Seth se entreabriram levemente ao observar sua reação. Estava sentida?,
perguntou-se. Não, isso era ridículo. Era uma veterana naquele jogo, de que conhecia todos os ângulos.
- Sim, em efeito -Grace se incorporou, estirando a coluna altivamente, e procurou curvar os lábios em um sorriso calmo-. Mas eu gosto tão pouco das advertências.
Ele pensou que ela deveria usar uma por lei: "Perigo! Mulher!".
-Tenho coisas a fazer. Posso te dar cinco minutos. Se quiser que lhe espere enquanto recolhe suas coisas.
"Bastardo", pensou ela. "Como pode ser estar tão tranqüilo?".
-Podes ir, bonitão. Estarei bem.
-Preferiria que não ficasse sozinha na casa de momento. Vá recolher suas coisas.
- É minha casa.
-Neste momento, é a cena de um crime. Ficam menos de quatro minutos e meio.
A raiva vibrava no interior de Grace em pulsações ardentes e rápidas.
-Não necessito nada daqui -deu meia volta e se dirigiu à porta, mas se girou quando ele a agarrou por braço-. O que acontece?
-Necessitará de roupa -disse ele com paciência-. Para um dia ou dois.
-Seriamente acredita que eu usaria algo que tenha sido tocado por esse assassino?
-Essa é uma reação estúpida e previsível -seu tom não se suavizou o mínimo-.E você não é uma mulher estúpida, nem previsível. Não te faça de vítima, Grace. Vá
recolher suas coisas.
Tinha razão. Grace podia havê-lo desprezado só por isso. Mas o desejo insatisfeito que seguia golpeando-a era uma razão de maior peso. Não disse nada absolutamente.
Simplesmente, deu-se a volta e se afastou.
Ao não ouvir fechar a porta da rua, Seth pensou com satisfação que tinha subido para fazer a mala, tal e como lhe havia dito. Apagou a cafeteira, limpou as xícaras
e, depois de as deixar no escorredor, saiu para esperá-la.
Era uma mulher fascinante, pensou. Cheia de temperamento, energia e vaidade. E lhe estava desfazendo cuidadosamente, nó a nó. Como sabia que fios tinha que tocar,
seguia sendo um mistério para ele.
Tinha tomado a seu cargo aquele caso, recordou-se. Dirigir o escritório e delegar em outros era só parte do trabalho. Ele precisava envolver-se, e se tinha envolvido
naquele assunto... e com ela. Grace só representava uma pequena parte do todo e tinha que tratá-la com a mesma objetividade com que tratava o resto do caso.
Elevou o olhar, sentindo-se de novo atraído pelo retrato que lhe sorria sedutoramente. Teria que ser uma máquina, em vez de um homem, para conservar a objetividade
no que a Grace Fontaine concernia.


Era meia tarde quando no fim conseguiu limpar sua mesa um pouco e dedicar-se a uma entrevista em maior profundidade. Os diamantes eram a chave, e queria lhes
dar outra olhada. Não o tinha surpreendido que, durante sua conversa telefónica com o doutor Lindstrum, do museu Smithsonian, este tivesse elogiado a integridade
e o talento de Bailey James. Os diamantes que com tanto esforço tinha protegido permaneciam na Salvini, e a seu cargo.
Ao entrar no estacionamento do elegante edifício de formato plano, que albergava a sede da casa Salvini nos subúrbios de Washington, saudou inclinando a cabeça
ao agente uniformizado que custodiava a entrada. E sentiu uma leve espetada de simpatia. O calor era infernal.
-Tenente -apesar de que tinha o uniforme empapado de suor, o agente ficou firme.
-A senhorita James está lá dentro?
-Sim, senhor. A loja estará fechada ao público até a semana que vem -indicou com um gesto da cabeça a sala de exposição em sombra através das grossas portas
de vidro-. Há um guarda em cada entrada, e a senhorita James está no nível inferior. O acesso é mais fácil pela parte de trás, tenente.
-Está bem. Quando chega sua substituição, agente?
-Ainda fica uma hora -o agente não se enxugou a testa, apesar de que desejava fazê-lo. Seth Buchanan tinha fama de estrito-. Trocamos a cada quatro horas, como
ordenou.
-Na próxima vez, traga uma garrafa de água -. Consciente de que o agente relaxaria assim que lhe desse as costas, Seth rodeou o edifício. Depois de uma breve
conversa com o guarda da parte de trás, apertou a campainha situada junto à porta de aço blindado.
-Sou o tenente Buchanan -disse quando Bailey respondeu através do intercomunicador-. Queria que me dedicasse uns minutos.
Bailey demorou um momento em chegar à porta. Seth a viu sair da oficina do andar inferior, ao fundo do sinuoso corredor, e passar as escadas nas que se escondeu
de um assassino só dias antes. Ele tinha inspecionado duas vezes o edifício de cabo a rabo. Sabia que nem todo mundo teria sobrevivido ao que lhe tinha acontecido
ali.
Os ferrolhos estalaram e a porta se abriu.
-Tenente -ela sorriu ao guarda, desculpando-se em silencio por seu penoso dever-. Passe, por favor.
Parecia séria e impecável, pensou Seth, com sua bonita blusa, suas calças de traje e seu cabelo loiro puxado para trás. Só as leves sombras que rodeavam seus
olhos testemunhavam a angústia que tinha suportado.
-Falei com o doutor Lindstrum -começou a dizer Seth.
-Sim, me imaginava. Estou-lhe muito agradecida por sua compreensão.
-As pedras voltaram para seu ponto de partida.
Ela sorriu levemente.
-Bom, ao menos retornaram onde estavam faz uns dias. Quem sabe se voltarão para redoma alguma vez. Posso lhe oferecer algo fresco de beber? -assinalou uma máquina
de refrescos de cores vivas que havia junto a uma parede escura.
-Convido eu -Seth colocou umas moedas na máquina-. Eu gostaria de ver os diamantes e falar um momento com você.
-Está bem -ela apertou o botão do refresco que tinha escolhido e recolheu a lata que caiu ricocheteando com som metálico na bandeja-. Estão no porão -continuou
falando enquanto lhe indicava o caminho-. Ordenei que reprogramassem o sistema de alarme e as medidas de segurança. Faz já muitos anos que temos câmeras na loja,
mas farei que as instalem também nas portas e nos andares de cima e de baixo. Em todas partes.
-É boa idéia -Seth concluiu que, sob a aparência frágil de Bailey, ocultava-se uma sólida sensatez-. Dirigirá você o negócio agora?
Ela abriu a porta e vacilou um momento.
-Sim. Meu padrasto deixou isso aos três. Meus meio-irmãos compartilhariam entre eles oitenta por cento. Em caso de que algum dos três morresse sem herdeiros,
sua parte iria parar à mãos dos superviventes -tomou fôlego-.E eu sobrevivi.
-Isso deveria lhe alegrar, Bailey, não lhe causar remorsos.
-Sim, Cade diz isso. Mas, verá, antes tinha ao menos a ilusão de que eramos uma família. Tome assento. Vou pegar as Estrelas.
Seth entrou na oficina e observou a equipamento e a longa mesa de trabalho. Intrigado, aproximou-se para examinar as pedras de cores que cintilavam e as torções
de ouro. Aquilo ia converter-se em um colar, disse-se enquanto passava a ponta de um dedo pela sedosa longitude de uma corrente de elos muito escuros. Um pouco atrevido,
pagão.
-Precisava voltar para o trabalho -disse Bailey atrás dele-. Fazer algo... distinto, meu, suponho, antes de ter que me enfrentar a isto outra vez -deixou sobre
a mesa uma caixa acolchoada que continha o trio de diamantes.
-Você o desenhou? -perguntou ele, assinalando a peça que havia sobre a mesa.
-Sim. Vejo essa peça em minha cabeça. Não sei desenhar, mas visualizo as coisas. Queria fazer algo para M.J. e Grace para... -suspirou e se sentou em uma banqueta-.
Bom, digamos que para celebrar que estamos vivas.
-E este é para Grace.
-Sim -ela sorriu, agradada porque ele tivesse adivinhado-. Para M.J., vejo algo mais aerodinâmico. Mas isto é para Grace -deixou cuidadosamente o trabalho sem
acabar em uma bandeja e deslizou entre eles a caixa acolchoada que guardava as três Estrelas-. Nunca perdem seu atrativo. Cada vez que as vejo, fico assombrada.
-Quanto tempo demorará para acabar com elas?
-Acabava de começar quando... quando tive que deixá-lo -limpou-se garganta-. Mas já verifiquei sua autenticidade. São diamantes azuis. Entretanto, tanto o museu
como a companhia seguradora desejam uma verificação mais em profundidade. Tenho que realizar uma série de provas, além das que já tenho feito ou começado. Um perito
em metais está comprovando o triângulo, mas me entregará isso para que possa estudá-lo com atenção dentro de um dia ou dois. Não acredito que o museu demore mais
de uma semana em ter as pedras em seu poder.
Seth tomou um dos diamantes e, assim que o tocou,compreendeu que era o qual Grace tinha levado. Disse-se que era impossível. Seu olho de leigo não podia distinguir
uma pedra das outras. Entretanto, sentia Grace no diamante. Dentro dele.
-Resultará-lhe duro separar-se deles?
-Deveria dizer que não, depois do que aconteceu estes dias. Mas sim, resultará-me duro.
Seth se deu conta de repente de que os olhos de Grace eram daquela mesma cor. Não azul safira, mas sim do azul daquele estranho e poderoso diamante.
-Vale a pena matar por isso -disse brandamente, olhando a pedra que sustentava na mão-. Ou morrer por isso -em seguida, irritado consigo mesmo, deixou de novo
a pedra em seu lugar-. Seus meio-irmãos tinham um cliente.
-Sim, falaram de um cliente, discutiram sobre ele. Thomas queria ficar com o dinheiro, com a fiança inicial, e fugir -a origem do dinheiro estava sendo comprovado
nesse momento, mas não havia muitas esperanças de rastrear sua procedência-. Timothy disse a Thomas que, era um idiota, que não poderia fugir a nenhum lugar. Que
ele, o cliente, encontraria-o. Que nem sequer era humano. Isso, ou um algo parecido, foi o que Timothy disse. Os dois tinham medo, estavam aterrorizados, e também
extremamente desesperados.
-Por suas vidas.
-Sim, suponho que sim.
-Tem que tratar-se de um colecionador. Ninguém poderia mover estas pedras para as revender -olhou as gemas que cintilavam em suas bandejas como formosas estrelas-.
Você compra e vende a colecionadores de gemas,
-Sim..., naturalmente não à escala das três Estrelas, mas sim -passou-se os dedos distraidamente pelo cabelo-. Os clientes vem a nós com uma pedra, ou com um
pedido para que a consigamos. Também compramos a certas gemas para as provar, pensando em algum cliente em particular.
-Então, há uma lista de clientes? Nome, preferências...
-Sim, e também temos os registros do que compra ou vende cada cliente -juntou as mãos-. Thomas o guardava em seu escritório. Timothy tinha cópias. Vou buscá-lo.
Seth lhe tocou o ombro ligeiramente antes de que ela pudesse descer da banqueta.
-Irei eu.
Ela deixou escapar um suspiro de alívio. Ainda não se tinha atrevido a subir ao andar de cima e entrar na habitação onde tinha presenciado um assassinato.
-Obrigado.
Ele tirou sua caderneta.
-Se lhe pedisse que nomeasse aos colecionadores de gemas mais importantes, a seus melhores clientes, que homens lhe viriam à cabeça?
-Mmm -concentrando-se, ela se mordiscou o lábio-. Peter Morrison em Londres, Sylvia Smithe-Simmons em Nova Iorque, Henry e Laura Muller aqui, em Waishington,
Matthew Wolinski na Califórnia... E suponho que também Charles van Horn aqui, em Washington, embora seja um principiante. Nos últimos dois anos lhe vendemos três
pedras muito belas. Uma era uma opala espetacular que eu adorava. Ainda estou esperando que me deixe engastá-la. Tenho uns desenhos pensados que... -sacudiu-se,
interrompendo-se ao dar-se conta de por que lhe tinha perguntado isso-. Tenente, eu conheço essas pessoas. Tratei com elas pessoalmente. Os Muller eram amigos de
meu padrasto. A senhorita Smythe-Simmons tem mais de oitenta anos. Nenhum deles é um ladrão.
Ele não se incomodou em levantar o olhar, mas sim seguiu escrevendo.
-Então, poderemos verificar os da lista. Julgar pelas aparências é muito arriscado em uma investigação, senhorita James. E já cometemos muitos enganos.
-Sobre tudo, eu -aceitando aquele fato, ela afastou seu refresco sem abrir sobre a mesa-. Devia ter ido à polícia em seguida. Devia ter contado às autoridades
o que sabia, ou ao menos minhas suspeitas. Se o tivesse feito, várias pessoas seguiriam vivas.
-É possível, mas não temos a certeza disso -Seth elevou a cabeça e percebeu o olhar angustiado daqueles suaves olhos castanhos. Sentiu compaixão por ela-. Você
sabia que seu meio-irmão estava sendo chantageando por um agiota de segunda categoria?
-Não -murmurou ela.
-Sabia que alguém estava movendo os fios, lhe apertando até o ponto de converter a seu meio-irmão em um assassino?
Ela sacudiu a cabeça de um lado a outro, mordendo o lábio.
-As coisas que não sabia eram o problema, não? Pus em perigo às duas pessoas que mais quero e em seguida me esqueci delas.
-A amnésia não é uma escolha. E suas amigas se arrumaram bastante bem. Seguem fazendo-o. De fato, vi à senhorita Fontaine esta manhã. Pareceu-me que tinha muito
bom aspecto.
Bailey percebeu seu leve tom de desdém e se voltou para ele.
-Você não entende Grace.Eu teria jurado que um homem com sua profissão seria mais perspicaz.
Seth percebeu um ponta de piedade em sua voz, e se sentiu tocado.
-Sempre me considerei perspicaz.
-As pessoas raras vezes o são, tratando-se de Grace. Só vêem o que ela deixa que vejam..., a menos que se incomodem em olhar mais além das aparências. Grace
é a pessoa mais generosa que conheci -Bailey percebeu um brilho fugaz de ironia no olhar de Seth e sentiu que sua irritação aumentava. Furiosa, desceu-se da banqueta-.
Você não sabe nada dela, mas já a despreza. Você imagina pelo que está passando neste momento? Sua prima foi assassinada... e em sua casa.
-Ela não tem culpa disso.
-Isso é fácil dizê-lo. Mas ela se sentirá responsável, e sua família culpará a ela. É fácil jogar a culpa a Grace.
-Você não o faz.
-Não, porque a conheço. E sei que leva toda a vida enfrentando-se a prejuízos como os seus. Seu modo de enfrentar-se a eles é fazer o que se deseja, porque,
faça o que faça, os prejuízos raras vezes mudam. Agora mesmo está com sua tia, suponho, suportando olenga-lenga de sempre -sua voz se ia acendendo à medida que as
emoções se amontoavam dentro dela-. Esta noite há um funeral pela Melissa, e seus parentes a amassarão, como fazem sempre.
-E por que isso?
-Porque é o único que sabem fazer -ficando sem forças, Bailey girou a cabeça e olhou as três Estrelas. Amor, conhecimento e generosidade, pensou. Por que parecia
haver tão pouco daquelas três coisas no mundo?-. Talvez você deva olhar com mais calma, tenente Buchanan.
Já tinha olhado de sobra para Grace, pensou ele. E estava perdendo o tempo.
-Salta à vista que inspira sentimentos de lealdade em seus amigas -comentou-.Vou procurar essas listas.
-Já conhece o caminho -despedindo-o sem cumpridos, Balei tomou as pedras e voltou às levar ao porão.


Grace vestida de negro, e nunca lhe tinha gostado de chorar. Eram seis horas da tarde e começava a cair uma chuvarada rápida que prometia converter a cidade
em uma enorme sala de caldeiras em vez de refrescar o ambiente. A dor de cabeça que levava horas insinuando-se insidiosamente afugentou com um grunhido o efeito
da aspirina que já havia tomado e cobrou vida com violência.
Restava uma hora para o velório, que ela havia organizando sozinha a toda pressa por expressa petição de sua tia. Helen Fontaine estava enfrentando à dor a seu
modo, como fazia todo o resto. Nesse caso, fez-o recebendo Grace com os olhos secos e um olhar frio e condenatório. Atalhando qualquer oferecimento de apoio ou compaixão.
E exigindo que os funerais tivessem lugar imediatamente, e por conta de Grace.
Viriam de todas partes, disse-se Grace enquanto vagava pela enorme habitação vazia com suas bancadas de flores, suas grossas cortinas vermelhas e seu denso carpete.
Aqueles acontecimentos estavam acostumados a ser notificados à imprensa, era o que se esperava. Mas os Fontaine jamais davam à imprensa um osso que roer. Salvo,
claro quando se tratava de Grace.
Não tinha sido difícil encontrar um necrotério, encarregar-se da música, das flores, dos saborosos canapés. Só haviam sido preciso fazer umas quantas chamadas
telefônicas e a menção do nome dos Fontaine. A própria Helen tinha levado a fotografia, uma foto instantânea grande e a cor, em uma reluzente moldura de prata, que
decorava agora uma mesa de mogno polida, ladeada rosas vermelhas colocadas nos pesados vasos de prata que tanto agradavam Melissa.
O corpo não estaria à vista. Grace tinha organizado tudo para que os restos mortais de Melissa fossem tirados do depósito, e já tinha expedido o cheque para
pagar a cremação e a urna que sua tia tinha escolhido. Ninguém lhe tinha agradecido, nem tinha reconhecido seus esforços. Mas ninguém o esperava tampouco.
As coisas tinham sido assim desde o momento em que Helen se converteu em sua tutora legal. Grace tinha tido suprida as necessidades básicas... ao estilo dos
Fontaine. Formosas casas em vários países nas quais viver, comidas esplêndidas, roupa elegante e uma educação excelente. E, enquanto isso, tinham-lhe repetido incessantemente
como devia comer, vestir-se, comportar-se e a que pessoas podia favorecer com sua amizade e a quais não. Tinham-lhe recordado sem descanso a boa sorte, imerecida,
naturalmente, que tinha porque semelhante família a respaldasse. Tinha sido atormentada sem contemplações pela prima a que essa noite devia chorar, por ser órfã
e dependente. Por ser Grace.
Ela se tinha rebelado contra tudo aquilo, contra cada fase, cada expectativa, cada exigência. negou-se a ser maleável, dócil e previsível. A dor da morte de
seus pais se dissipou pouco a pouco, e com ela, sua necessidade desesperada de amor e compreenção.
Tinha-lhe dado isca de sobra à imprensa. Festas, namoricos insensatos, esbanjo à mãos cheia. Mas, apesar disso tuso nada não tinha aliviado sua dor, e Grace
tinha encontrado outra coisa. Algo que a fazia sentir-se decente e completa. Encontrou-se a si mesma.
Essa noite, atuaria tal e como sua família esperava. E superaria as seguintes e inacabáveis horas sem permitir que fizessem dano a ela.
Sentou-se pesadamente no sofá de macios assentos de veludo. A cabeça martelava. Tinha o estômago encolhido. Fechando os olhos, procurou relaxar-se. Passaria
sozinha aquela última hora, preparando-se para o que viria a seguir.
Mas apenas tinha respirado fundo pela segunda vez quando ouviu passos amortecidos sobre o grosso carpete. Seus ombros se enrijeceram, sua coluna ficou rígida.
Abriu os olhos. E viu Bailey e M.J. Fechou os olhos de novo, sentindo uma patética onda de gratidão.
-Eu lhes disse que não viessem.
-Sim, como se fôssemos fazer-te caso -M.J. sentou-se a seu lado e a puxou pela mão.
-Cade e Jack estão estacionando o carro -Bailey tomou assento no outro lado e lhe agarrou a outra mão-. Que tal está?
-Melhor -apertou as mãos de suas amigas e seus olhos se encheram de lágrimas-. Muito melhor agora.


Em um extenso imóvel, não muito longe de onde Grace permanecia sentada com aqueles que a queriam, um homem contemplava a chuva sibilante.
Todo mundo lhe tinha falhado, pensava. Muitos tinham pago por seu fracasso. Mas a vingança era um pobre substituto para as três Estrelas.
Só um atraso, disse-se, tentando consolar-se. As Estrelas eram dele, estavam destinadas a ele. Tinha sonhado com elas, tinha-as sustentado em suas mãos nesses
sonhos. Às vezes as mãos eram humano e às vezes não, mas sempre eram suas mãos.
Bebeu vinho e, enquanto observava a chuva, sopesou suas opções. Aquelas três mulheres tinham atrasado seus planos. Era humilhante, e teriam que pagar por isso.
Os Salvini estavam mortos: Bailey James.
Quão ineptos tinha contratado para recuperar a segunda Estrela, também: M.J. O'Leary.
O homem ao qual tinha enviado com ordens para recuperar a terceira Estrela a qualquer preço também estava morto: Grace Fontaine.
Sorriu. Aquilo tinha sido um deslize, pois tinha liquidado a aquele néscio mentiroso com suas próprias mãos. Lhe dizer que tinha havido um acidente, que a mulher
havia resistido, que tinha tentado fugir e que havia se matado ao cair do alto da escada. Dizer a ele que tinha revirado cada canto da casa sem encontrar a pedra.
Aquele reverso tinha sido bastante irritante, mas descobrir que a morta não era Grace Fontaine e que o imbecil tinha roubado dinheiro e jóias sem lhe informar...
Semelhante deslealdade não podia tolerar-se.
Sorrindo sonhadoramente, tirou-se um brinco de diamantes do bolso. Grace Fontaine o tinha usado no delicioso lóbulo de sua orelha, pensou. Ele o guardava como
um amuleto da boa sorte, enquanto considerava que passos devia dar a seguir.
Só faltavam uns dias para que as Estrelas estivessem no museu. Tirar-las de suas salas custaria meses, se não anos, de planejamento. E ele não tinha intenção
de esperar tanto.
Talvez tivesse fracassado porque era muito cauteloso, porque tinha procurado manter-se à margem dos acontecimentos. Talvez os deuses exigiam que corresse maiores
riscos. Uma implicação mais pessoal.
Era hora, decidiu, de sair de entre as sombras, de enfrentar-se cara a cara com as mulheres que lhe tinham arrancado o que era dele. Sorriu outra vez, excitado
pela idéia e agradado pelas possibilidades que oferecia.
Quando bateram na porta, respondeu com bom humor.
-Entre.
O mordomo, vestido de preto, não se aventurou a ir mais à frente da soleira. Sua voz carecia de inflexões.
-Rogo-lhe que me desculpe, embaixador. Seus convidados estão aqui.
-Muito bem -apurou o vinho e deixou a taça de cristal vazia sobre a mesa-. Em seguida desço.
Quando a porta se fechou, ele se aproximou do espelho, olho a seu impecável smoking, o brilho dos diamantes gêmeos, o fulgor do fino relógio de ouro que usava
no pulso. Em seguida observou seu rosto. Os contornos suaves, a pele cuidada e levemente bronzeada, o aristocrático nariz, a boca firme, embora um pouco fina. Passou-se
uma mão pela cabeleira negra, alinhavada de cinza e perfeitamente penteada.
Em seguida, devagar, sorrindo, olhou-se nos olhos. Aquelas pupilas de um azul pálido, quase translúcido, devolveram-lhe o sorriso. Seus convidados veriam o que
via ele: um homem arrumado de cinqüenta e dois anos, culto e educado, cortês e refinado. Não adivinhariam os intuitos que albergava seu coração. Não veriam sangue
em suas mãos, apesar de que fazia só vinte e quatro horas que as tinha usado para matar.
Causava-lhe um grande prazer recordá-lo enquanto pensava que em uns minutos estaria jantando com todas essas pessoas elegantes. E que seria capaz de matar a
qualquer uma delas com um só giro das mãos. Com absoluta impunidade.
Riu para si mesmo. Uma risada baixa e sedutora, levemente estremecedora. Voltou a guardar o brinco de diamantes no bolso e saiu da habitação.
O embaixador estava louco.

Capitulo 5

O primeiro que Seth pensou ao entrar no salão do funeral era que aquilo parecia mais um tedioso coquetel que um velório. Os convidados permaneciam de pé ou sentados
em pequenos grupos, muitos deles comendo canapés ou bebendo vinho. Sob os acordes amortecidos de uma sonata de Chopin, resistia um murmúrio de vozes. De vez em quando
se ouvia um tinido de risadas.
Prantos não se ouviam.
As luzes, respeitosamente atenuadas, realçavam o fulgor do ouro e das pedras preciosas. A fragrância das flores se mesclava e confundia com os perfumes dos convidados.
Seth observou aqueles rostos, elegantes e aborrecidos, mas não viu uma pontinha de dor de dor.
Entretanto, viu Grace. Permanecia de pé, com o olhar elevado para um homem alto e magro cujo bronzeado realçava seu cabelo dourado e seus brilhantes olhos azuis.
Aquele homem sustentava a mão de Grace e sorria com simpatia. Parecia lhe falar rápida e persuasivamente. Ela sacudiu a cabeça uma vez, apoiou a mão sobre o peito
daquele homem e em seguida se deixou arrastar à sala de espera.
Os lábios de Seth se curvaram automaticamente em uma careta de desdém. Um funeral era uma ocasião estupenda para flertar.
-Buchanan -Jack Dakota se aproximou dele. Observou o salão e se meteu as mãos nos bolsos da jaqueta de traje, que tivesse desejado ter ainda guardado no armário-.
Grande festa.
Seth viu como duas mulheres se beijavam no ar.
-Isso parece.
-Uma a que nenhum homem em seu sã consciência quereria assistir.
-Eu estou aqui em missão oficial -disse ele secamente.
Na realidade, o assunto que o tinha levado ali podia ter esperado até o dia seguinte, disse-se. Deveria ter esperado. Irritava-lhe haver-se desviado de seu caminho,
ter estado pensando em Grace, não poder tirar-la da cabeça. Tirou-se do bolso uma fotografia policial e a entregou a Jack-. Conhece-o?
Jack observou a fotografia, pensativo. Um tipo predador, pensou. De aspecto vagamente europeu, com o cabelo negro engomado, os olhos escuros e os traços refinados.
-Não. Parece um modelo de colônia.
-Não o viu durante as assombrosas aventuras de seu fim de semana?
Jack lhe deu uma última olhada, mais atento, à fotografia, e a devolveu a Seth.
-Não. Qual é sua relação com o caso?
-Seus rastros estavam por toda a casa de Potoniac.
O interesse de Jack aumentou.
-O que matou à prima?
Seth olhou friamente nos olhos de Jack.
-Isso ainda estamos por determinar.
-Não me venha com essa conversa policial, Buchanan. O que há dito esse cara? Que passou por ali vendendo aspiradores?
-Não há dito nada. Estava flutuando de barriga para baixo no rio.
Resmungando uma maldição, Jack passeou de novo o olhar pelo salão e se relaxou um pouco ao ver M.J. com Cade.
-O depósito deve estar até em cima. Sabe quem era?
Seth se dispôs a analisar a pergunta. Não gostava de profissões que estavam um passo por atrás da de polícia. Mas indubitavelmente o caça recompensas e o detetive
particular estavam envoltos naquele assunto. E a relação, disse-se, era inescapável.
-Carlo Monturri.
-Não me soa conhecido.
Seth não esperava outra coisa, mas à polícia de vários continentes aquele nome sim soava conhecido.
-Esse era muito para você, Dakota. Era daqueles que têm caros advogados na retaguarda e não usam agiotas para conseguir a fiança -enquanto falava, os olhos de
Seth se moviam em torno da sala, varrendo cada canto, anotando os detalhes, os gestos, o ambiente-. Antes de fixar-se por último em um valentão musculoso. Trabalhava
sozinho porque não gostava de compartilhar a diversão.
-Algum contato nesta zona?
-Estamos comprovando-o.
Seth viu que Grace saía da sala de espera. O homem que ia com ela lhe rodeou os ombros com o braço, apertando-a em um íntimo abraço, e a beijou. Um brilho de
raiva se acendeu nas vísceras de Seth.
-Desculpe-me.
Grace o viu assim que começou a cruzar a sala. Disse algo em voz baixa ao homem que estava com ela, largou-se e se despediu dele. Estirando as costas, compôs
um sorriso despreocupado.
-Tenente, não lhe esperávamos.
-Lamento me intrometer em seu... -lançou-lhe um olhar ao homem loiro, que se estava servindo uma taça de vinho-... dor.
Grace advertiu seu sarcasmo, mas não se alterou.
-Suponho que terá vindo por alguma razão.
-Eu gostaria de falar contigo um momento... em privado.
-Certamente -ela se voltou para acompanhá-lo e se encontrou cara a cara com sua tia-. Tia Helen...
-Se pudesse deixar de atender a seus pretendentes um momento -disse Helen com frieza-, queria falar contigo.
-Me desculpe -disse Grace a Seth, e entrou de novo na sala de espera.
Seth pensou em afastar-se, em deixar que falassem sozinhas.
Mas ficou onde estava, a dois passos da porta. Se disse que em uma investigação por assassinato não havia capacidade para sentimentalismos. Apesar de que elas
falavam em voz baixa, ouvia-as com bastante claridade.
-Suponho que as coisas de Melissa estarão em sua casa -começou a dizer Helen.
-Não sei. Ainda não pude revisar a casa atentamente.
Helen guardou silêncio um momento, observando a sua sobrinha através de uns frios olhos azuis. Sua cútis, cuidadosamente maquiada, não mostrava os estragos
da dor. Seu cabelo era muito liso e de um elegante loiro cinza. Acabava de fazar a manicura e em suas mãos reluziam a aliança de noivado, apesar de que tinha compartilhado
pouco mais que o nome de seu marido durante mais de uma década, e uma safira quadrada que lhe tinha presenteado seu último amante.
-Não acredito que Melissa fosse a sua casa sem levar uma bolsa. Quero suas coisas, Grace. Todas suas coisas. Não ficará com nada.
-Eu nunca quis nada dela, tia Helen.
-Ah, não? -sua voz rangeu como o estalo de um látego-. Acaso achas que não me contou que te deitava com seu marido?
Grace se limitou a suspirar. Aquilo era novo e, entretanto, resultava asquerosamente familiar. O matrimônio de Melissa tinha sido um notório fracasso. Mas teriam
que culpar a um terceiro. Quer dizer, a Grace.
-Eu nunca me deitei com Bobbie. Nem antes, nem durante, nem depois de seu matrimônio.
-E a quem acha que vou acreditar? A ti ou na minha própria filha?
Grace inclinou a cabeça e esboçou um azedo sorriso.
-A sua filha, naturalmente. Como sempre.
-Sempre foste uma mentirosa e uma fofoqueira. É uma ingrata, uma carga que assumi por lealdade a minha família e que nunca me deu nada em troca. Foi uma cria
consentida e soberba quando te acolhi em minha casa, e não mudaste.
O estômago de Grace se retorceu violentamente. Para defender-se, sorriu e se encolheu de ombros. Passou-se uma mão com aparente despreocupação pelo cabelo, recolhido
em um coque.
-Não, suponho que não mudei. Terei que seguir sendo uma decepção para ti, tia Helen.
-Minha filha seguiria viva se não fosse por ti.
Grace desejou que seu coração se intumescesse. Mas lhe doía e lhe ardia.
-Sim, tem razão.
-Adverti-lhe sobre ti, disse-lhe uma e outra vez como eras. Mas você sempre a enrolava, brincava com seu afeto.
-Afeto, tia Helen? -com uma meia risada, Grace se levou os dedos à têmpora esquerda, que seguia lhe doendo-. Nem sequer você pode acreditar que Melissa sentisse
um pingo de afeto por mim. Afinal de contas, saiu a você.
-Como te atreve a falar dela nesse tom, depois de havê-la matado! -os olhos de Helen ardiam, cheios de desprezo-. Sempre a invejaste, usava suas manhas para
influir nela. E seu asqueroso estilo de vida a matou. Tornaste a fazer cair o escândalo e a vergonha sobre o nome desta família.
Grace ficou rígida. Aquilo não era dor, disse-se.
Possivelmente a dor estivesse ali, enterrada muito a fundo, mas o que havia na superfície era veneno. E estava farta de que o dirigissem contra ela.
-Isso é o único que te importa, verdade, tia Helen? O nome dos Fontaine, a reputação dos Fontaine. E naturalmente, o dinheiro dos Fontaine.Tua filha está morta,
mas é o escândalo o que a deixa furiosa -aceitou a bofetada de sua tia sem piscar, apesar de que o golpe que imprimiu calor em sua bochecha, fazia afluir o sangue
para a superfície. Respirou fundo, longamente-. Isto encerra definitivamente as coisas entre você e eu -disse com voz seca-. Farei que lhe mandem as coisas de Melissa
o quanto antes possível.
-Quero que saia daqui -a voz de Helen tremeu pela primeira vez, embora Grace não teria podido dizer se por dor ou por raiva-. Não há lugar para ti aqui.
-Nisso também tem razão. Não o há. Nunca houve.
Grace saiu da sala. A cor, que tinha abandonado seu rosto, avivou-se ligeiramente ao encontrar-se com os olhos de Seth. Não podia interpretar sua expressão em
tão breve olhar, nem queria fazê-lo. Sem diminuir o passo, passou a seu lado e seguiu caminhando.
A garoa que turvava o ar era um alívio. Grace se alegrou de sentir o calor depois de padecer o ar artificialmente frio do interior e o aroma denso e sufocante
das flores do funeral. Seus saltos ressonaram sobre o pavimento molhado quando cruzou o estacionamento em direção a seu carro. Estava revirando a bolsa, procurando
as chaves, quando Seth a agarrou pelo ombro.
Ele não disse nada ao princípio, limitou-se a lhe dar a volta e a observar seu rosto. Estava pálido outra vez, salvo pela marca avermelhada da bofetada, e os
olhos sombrios e chorosos contrastavam vivamente com sua tez. Seth a sentia estremecer-se sob a palma da mão.
-Sua tia não tem razão.
A humilhação atirou um novo golpe ao afligido corpo de Grace. Afastou o ombro com um puxão, mas ele não tirou a mão.
-Isso forma parte de suas técnicas de investigação, tenente? Bisbilhotar atrás das portas as conversa privadas?
Dava-se conta ela, perguntava-se Seth, de que sua voz soava áspera, de que seus olhos tinham uma expressão desolada? Ele desejava violentamente elevar uma mão
até a marca de seu rosto e refrescá-la. Apagá-la.
-Sua tia não tinha razão -disse outra vez-.E foi cruel. Você não tem culpa.
-Claro que tenho -ela se afastou e tentou colocar a chave na fechadura da porta do carro. Depois de três tentativas falhas, abandonou e as chaves caíram tilintando
ao pavimento molhado enquanto ele a tomava em seus braços.
-Oh, Deus -estremecendo-se, ela apertou o rosto contra seu peito-. Oh, Deus.
Seth não queria abraçá-la, não queria ser ele quem a consolasse. Mas seus braços a rodearam antes de que pudesse deter-se, e uma mão acariciou seu cabelo.
-Não merecia isso, Grace. Não tem feito nada para merecê-lo.
-Não importa.
-Sim, claro que importa -Seth se sentiu fraquejar, atraiu-a para si, tentando dissipar seus tremores-. Sempre importa.
-Só estou cansada -Grace se apertou contra ele enquanto a chuva adensava o ar. Ali havia fortaleza, disse-se. Era um refúgio. Uma resposta-. Só estou cansada.
Elevou a cabeça e suas bocas se encontraram antes de que se dessem conta de que o desejavam. Grace emitiu um leve gemido de gratidão e alívio. Abriu seu coração
machucado ao beijo e, fechando os braços ao redor de Seth, urgiu-o a tomá-lo.
Levava muito tempo esperando-o, e, muito aturdida para perguntar o porquê, ofereceu-se a ele. Sem dúvida o consolo, o prazer e aquele desejo que tudo consumia
eram razões suficientes. A boca de Seth era firme, a que sempre tinha querido. Seu corpo era duro e sólido, o complemento perfeito para ela. "Aqui está", pensou
deixando escapar um profundo suspiro de felicidade.
Seguia tremendo, e Seth sentiu que seus próprios músculos se estremeciam. Desejava tomá-la em braços, afastar-la da chuva e levá-la a algum lugar tranqüilo e
escuro onde pudessem estar sozinhos. Onde pudessem passar uma eternidade juntos.
O batimento do coração lhe troava na cabeça, amortecendo o ruído dos carros que se deslizavam chapinhando sobre o pavimento molhado, mais além do estacionamento.
Suas rápidas palpitações ensurdeciam a vozinha de advertência que soava por fazer-se ouvir em canto de seu cérebro, lhe dizendo que se retirasse, que se afastasse
dali. Nunca tinha desejado nada tanto como desejava perder-se nela e esquecer-se das conseqüências.
Embargada pela emoção e eloo desejo, Grace o abraçava com força.
-Me leve a casa -murmurou contra sua boca-. Seth, me leve a casa, me faça amor. Necessito que me toque. Quero estar contigo -sua boca procurou de novo a de Seth
em uma súplica desesperada para a qual não se acreditava capaz.
Cada célula do corpo de Seth ardia de desejo por ela. Todos seus desejos pareciam haver-se fundido em um só, e era por ela. Sua reconcentração quase violenta
o fazia sentir-se vulnerável e trêmulo. E furioso. Pondo as mãos sobre seus ombros, afastou-a.
-Para alguns, o sexo não soluciona tudo.
Sua voz não tinha soado tão fria como pretendia, mas sim o bastante crispada para impedir que Grace lhe estendesse de novo os braços. Sexo?, pensou ela enquanto
tentava clarear suas confusas idéias. Seriamente acreditava ele que se referia a algo tão simples como sexo? Então se fixou em seu semblante, na linha endurecida
de sua boca, na leve expressão zangada de seus olhos, e se deu conta de que assim era. Seu orgulho ficou feito farrapos, mas conseguiu aferrar-se a uns quantos fios.
-Parece que para ti não o é -elevando a mão, aparou-se o cabelo e se enxugou as gotas de chuva do rosto-. Ou, se o for, é dos que se empenham em levar a iniciativa
-curvou os lábios, apesar de que os tinha frios e rígidos-. Te teria parecido genial se tivesse dado você o primeiro passo. Mas, se eu o der, isso me converte em
uma... Como me chamaria você? Uma perdida?
-Não acredito que usasse esse término.
-Não, é muito comedido para recorrer aos insultos -Grace se agachou, recolheu suas chaves molhadas e as agitou na mão enquanto observava a Seth-. Mas você também
me desejava, Seth. Seu autodomínio não foi suficiente para mascarar esse pequeno detalhe.
-Não espero possuir tudo o que desejo.
-E por que não? -ela deixou escapar uma risada breve e seca-. Estamos vivos, não? E você, mais que ninguém, deveria saber o angustiosamente curta que pode ser
a vida.
-Não tenho que te explicar como vivo minha vida.
-Não, claro. Mas é evidente que está muito disposto a questionar como vivo eu a minha -seu olhar se deslizou além dele, para as luzes que iluminavam o necrotério-.
Estou muito acostumada a isso. Faço o que me vem na vontade, sem pensar nas conseqüências. Sou egoísta, egocêntrica e despreocupada -elevou um ombro enquanto se
dava a volta e abria a porta do carro-. Quanto aos sentimentos, que direito tenho a eles? -meteu-se no carro e lhe lançou um último olhar. Sua boca se curvou com
sedutora facilidade, mas aquele sorriso provocador não alcançou seus olhos, nem ocultou a dor de sua expressão-. Enfim, possivelmente em outra ocasião, bonitão.
Seth a viu afastar-se em seu carro entre a chuva. Haveria outra ocasião, disse-se, embora não fosse mais que porque não lhe tinha mostrado a fotografia. Não
tinha tido coragem, pensou, para aumentar sua infelicidade nessa noite.
Sentimentos, pensou enquanto se dirigia para seu carro. Grace os tinha aos montes. Seth só desejava poder compreendê-los. Meteu-se no carro e fechou a porta.
Desejava entender os seus próprios.
Pela primeira vez em sua vida, uma mulher tinha seu coração nas mãos. E o estava espremendo.


Seth se dizia que não estava evitando encontrar-se de novo com Grace. Na manhã posterior ao funeral teve muitíssimo trabalho. E quando encontrou um momento para
sair do escritório, foi falar com M.J. Era certo que podia ter encarregado aquela missão a um de seus homens. Apesar de que o delegado lhe tinha ordenado que dirigisse
a investigação e lhe dedicasse toda sua atenção, Mick Marshall, o detetive que se ocupou do caso no princípio, podia haver-se encarregado de interrogar a M.J. O'Leary.
Seth se viu obrigado a admitir que queria falar pessoalmente com ela e que confiava em lhe surrupiar alguns detalhes sobre Grace Fontaine.
O M.J's era um bar de bairro acolhedor e agradável, decorado com madeiras escuras, reluzente bronze e banquinhos e bancos com almofadas macias. No meio da tarde
havia poucos clientes e o ambiente era tranqüilo. Dois homens com pinta de universitários compartilhavam uma mesa, um par de jarras de cerveja e uma intensa partida
de xadrez. Um homem mais velho estava sentado ao balcão, fazendo palavras cruzadas do jornal da manhã, e três mulheres, a cujos pés se amontoavam bolsas de umas
lojas de departamentos, encurvavam-se sobre suas taças, rindo. O barman olhou a identificação de Seth e lhe disse que encontraria à chefe lá em cima, no escritório.
Seth a ouviu antes de vê-la.
-Olhe, tio, se quisesse caramelos de hortelã, teria pedido caramelos de hortelã. Pedi pãezinhos e os quero aqui às seis. Sim, já. Eu conheço meus clientes. Me
traga os malditos pãenzinhos agora mesmo.
Estava sentada atrás de uma mesa desvencilhada e lotada de coisas. Sua calota de cabelo vermelho e curto se levantava em pontas. Seth a viu passar os
dedos pelo cabelo enquanto desligava o telefone e afastava a um lado um montão de tabuletas. Se aquilo era sua idéia de arquivar, pensou Seth, encaixava com o resto
da habitação. Esta era apenas o bastante grande para dar a volta e estava cheia de caixas, arquivos e papéis. Havia também uma cadeira imunda que sustentava uma
bolsa enorme e transbordante.
-Senhorita O'Leary...
Ela elevou o olhar, ainda com o cenho franzido. Sua expressão não se suavizou ao reconhecer o tenente.
-Justo o que necessitava para que o dia quase perfeito. Um policial. Olhe, Buchanan, tenho muitas coisas que fazer. Como sabe, ultimamente perdi uns quantos
dias de trabalho.
-Então, tentarei ir ao ponto -Seth entrou no escritório, tirou a fotografia do bolso e a atirou sobre a mesa, debaixo do nariz de M.J.-. Parece familiar?
Ela franziu os lábios enquanto observava atentamente aquele rosto atraente e descontrída.
-É o tipo do qual Jack me falou? O que matou Melissa?
-O caso de Melissa Fontaine segue aberto. Esse homem é um possível suspeito. Você o reconhece?
Ela fez girar os olhos e afastou a foto para Seth.
-Não. Mas tem pinta de pegador. Grace o reconheceu?
Ele inclinou a cabeça ligeiramente em um singular sinal de interesse.
-Sua amiga conhece a muitos tipos com pinta de pegador?
-A muitos -resmungou M.J.-. Jack me disse que ontem à noite você passou pelo velório para mostrar a foto a Grace.
-Estava... ocupada.
-Sim, foi uma noite muito dura para ela -M J. se esfregou olhos.
-Isso parece, embora no princípio pareceu levá-lo bastante bem -baixou de novo o olhar para a foto e pensou no tipo que tinha beijado Grace no funeral. Este
parece seu tipo.
M.J. baixou a mão e entreabriu os olhos.
-Que insinua?
-Só isso -Seth guardou a foto-. A julgar pelo tipo de homem, este não parece, ao menos a simples vista, muito diferente ao qual estava grudada no funeral.
- Grudada? -os olhos entreabertos de M.J. voltaram-se brilhantes como furiosas chamas verdes-. Grace não estava grudada com ninguém.
-Um tipo de um metro oitenta e cinco, mais ou menos. Uns oitenta quilos, cabelo loiro, olhos azuis, traje italiano de cinco mil dólares e um montão de dentes.
Ela só demorou um momento em reconhecê-lo. Em qualquer outra ocasião, teria se posto a rir. Mas a fria expressão de desdém de Seth a fez enfurecer-se.
-Estúpido filho de cadela, esse era seu primo Julian, que estava tentando lhe dar uma facada, como faz sempre.
Ele franziu o cenho, relembrou e revisou de novo a cena mentalmente.
-Seu primo? E da vítima ... ?
-Seu meio irmão. O meio irmão de Melissa. O filho de seu pai, de um matrimônio anterior.
-E o meio irmão da defunta estava pedindo dinheiro a Grace no funeral?
Dessa vez, M.J. advertiu com alívio a repugnância que impregnava as palavras de Seth.
-Sim. É um imbecil. Por que ia deixar de espremer Grace por estar em um funeral? Quase todos a depenam de vez em quando -levantou-se-.E você tem muita coragem
dao vir aqui com essa atitude e esses ares de superioridade. Grace deu a esse crápula um cheque de uns quantos mil para tirar-lo de cima, igual a que estava acostumado
a passar dinheiro a Melissa, e a alguns dos outros.
-Eu acreditava que os Fontaine eram ricos.
-A riqueza sempre é relativa.... sobre tudo se se vive tão elevado e não te consegue uma atribuição de sua renda, ou se tiver jogado muito forte em Montecarlo.
E Grace tem mais dinheiro que a maioria deles porque seus pais não esbanjavam o dinheiro. Isso põe doentes a seus parentes -resmungou-. Quem acredita que pagou o
velório? Não foram nem o papai nem a mamãe da pobre defunta. Essa bruxa da tia de Grace a fez correr com os gastos, e em seguida lhe jogou as culpas. E ela engoliu
porque acredita que é mais fácil agüentar-se e seguir se você não sabe nada dela.
Seth acreditava que sim, mas os detalhes que ia compilando pouco a pouco pareciam contradizer suas conclusões.
-Sei que ela não tem culpa do que aconteceu com sua prima.
-Sim, tente dizer isso a ela. O que eu sei é que, quando nos demos conta de que se foi e voltamos para casa de Cade, estava chorando em sua habitação, e não
pudemos fazer nada por ajudá-la. E tudo porque esses bodes que por desgraça são seus familiares fazem todo o possível por fazê-la sentir-se como uma merda.
Não só seus parentes, pensou ele sentindo uma súbita pontada de arrependimento. Ele também tinha parte da culpa.
-Parece que tem melhor sorte com seus amigos que com sua família.
-Isso é porque não nos interessa seu dinheiro, nem seu nome. Porque não a julgamos. Limitamo-nos a querê-la. Agora, se isso for tudo, tenho coisas que fazer.
-Tenho que falar com a senhorita Fontaine -a voz de Seth soou tão rígida como apaixonada tinha soado a de M.J.-. Sabe onde posso encontrá-la?
Os lábios de M.J. curvaram-se. Vacilou um momento, sabendo que Grace não gostaria que lhe desse aquela informação. Mas sua vontade de ver como se derrubavam
os preconceitos do tenente resultavam muito tentadores.
-Claro. Tente o Hospital de Saint Agnes. Na pediatria ou na maternidade -soou o telefone e o desprendeu-. Encontrará-a ali -disse-. Sim, O'Leary -ladrou ao telefone,
e deu as costas a Seth.


Seth pensava que estaria visitando a criança de alguma amiga, mas quando perguntou às enfermeiras da recepção por Grace Fontaine, seu rosotos se iluminaram.
-Acredito que está no berçário de cuidados intensivos -a enfermeira de guarda olhou seu relógio-. A esta hora está acostumada a estar ali. Conhece o caminho?
Seth moveu a cabeça de um lado a outro com perplexidade.
-Não.
Escutou as indicações da enfermeira enquanto pensava umas quantas razões pelas quais Grace Fontaine podia estar a uma hora determinada no berçário de um hospital.
Como nenhuma delas se enquadrava, pôs-se a andar pelo corredor.
Ouvia os prantos gritões dos bebês atrás de uma barreira de vidro.E se deteve um instante frente à janela do berçário, e seu olhar se enterneceu só um pouco
ao olhar aos recém-nascidos em seus berços transparentes. Caras diminutas, algumas relaxadas pelo sono, outras crispadas em enrugadas bolinhas furiosas. A seu lado
havia um casal. O homem rodeava com o braço os ombros da mulher, vestida com uma robe.
-O nosso é o terceiro pela esquerda. Joshua Michael Delvecchio. Quatro quilos e trezentos gramas. Só tem um dia.
-É precioso -disse Seth.
-Qual é o seu? -perguntou a mulher.
Seth sacudiu a cabeça e deu outra olhada pelo vidro.
-Só estou de passagem. Felicidades por seu filho.
Seguiu adiante, refreando o desejo de olhar de novo aos flamejantes pais contidos em seu íntimo de felicidade. Duas voltas do corredor mais à frente havia um
berçário menor. Ali zumbiam as máquinas e as enfermeiras iam e vinham de um lado ao outro apressadamente. E atrás do vidro havia seis berços vazios.
Grace estava junto a uma delas, embalando a um diminuto bebê que chorava. Enxugava-lhe as lágrimas da pálida carinha e apoiava sua cabeça contra a teimosa cabecinha
do bebê enquanto o aconchegava.
Aquela imagem comoveu Seth. Levava o cabelo recolhido em uma trança, afastado do rosto, e vestia uma bata verde sobre o traje. Sua expressão era doce enquanto
tentava tranqüilizar ao inquieto bebê. Sua atenção estava fixa naqueles olhos chorosos que a olhavam fixamente.
-Desculpe, senhor -uma enfermeira passou a seu lado a toda pressa-. Esta é uma zona restrita.
Distraidamente, sem afastar os olhos de Grace, Seth tirou sua identificação.
-Vim a falar com a senhorita Fontaine.
-Entendo. Direi-lhe que está aqui, tenente,
-Não, não a incomode -não queria que nada perturbasse aquela imagem-. Posso esperar. O que passa ao bebê que tem em braços?
-Peter tem Aids. A senhorita Fontaine se encarrega de que receba cuidados aqui.
-A senhorita Fontaine? -sentiu que um nó se alojava em seu estômago-. É filho dela?
-Biologicamente? Não -o semblante da enfermeira se suavizou levemente-. Acredito que os considera todos seus. A verdade, não sei o que faríamos sem sua ajuda.
Não só sem a fundação, mas também sem ela.
-A fundação?
-A fundação Estrela Fugaz. A senhorita Fontaine a criou faz uns anos para dar assistência a meninos em estado crítico ou terminal e a suas famílias. Mas o que
de verdade importa é a dedicação -assinalou para o vidro com a cabeça-. A generosidade econômica, por muito grande que seja, não pode comprar uma amostra de carinho,
nem cantar uma canção de ninar.
Ele viu como o menino ia se acalmando, adormecendo-se nos braços de Grace.
-Vem aqui frequentemente?
-Sempre que pode. É nosso anjo. Agora terá que me perdoar, tenente.
-Obrigado -enquanto a enfermeira se afastava, Seth se aproximou um pouco mais do vidro de proteção. Grace se aproximou do berço e seus olhos se encontraram.
Seth notou que no princípio se surpreendia. Nem sequer ela era o bastante hábil para dissimular a onda de emoções que atravessaram seu rosto. Surpresa, sobressalto,
exasperação. Em seguida, dominou, suavizando sua expressão. Deixou cuidadosamente o menino no berço e lhe acariciou a bochecha. Cruzou uma porta lateral e desapareceu.
Transcorreram vários minutos antes de que saísse ao corredor. Tirou-se a bata. Voltava a ser a mulher segura de si mesmo, vestida com um traje vermelho fogo
e com os lábios cuidadosamente pintados da mesma cor.
-Bom, tenente, parece que nos encontramos nos lugares mais estranhos.
Antes de que ela pudesse completar a despreocupada saudação que tinha ensaiado enquanto se retocava a maquiagem, Seth a agarrou com força no queixo e fixou seus
olhos nos dela com expressão desafiante.
-É uma mentirosa -disse com suavidade, aproximando-se dela-. Uma fraude. Quem demônios é?
-Quem quero ser -o prolongado e intenso olhar dos olhos castanhos de Seth a perturvava-.E não acredito que este seja o lugar mais apropriado para um interrogatório.
Agradeceria-te que me soltasse -disse com firmeza-. Não quero cenas aqui.
-Não vou provocar uma cena.
Ela elevou os olhos.
-Pode ser que eu sim -afastou-lhe a mão com decisão e olhou para o corredor-. Se tiver vindo para falar do caso ou quer me fazer alguma pergunta a respeito,
podemos sair. Não quero falar disso aqui.
-Estava-te partindo o coração -murmurou ele-. Abraçar a esse menino estava te partindo o coração.
-É meu coração -ela apertou o botão do elevador quase com força-.E é muito duro, Seth. Pergunte a qualquer um.
-Ainda tem as pestanas úmidas.
-Isto não é teu assunto -sua voz, muito baixa, vibrava de raiva-. Não é absolutamente teu assunto.
Grace entrou no elevador cheio de gente e ficou olhando para frente. Não lhe falaria daquela parte de sua vida, prometeu-se. Na noite anterior havia se aberto
a ele e tinha sido rechaçada. Não voltaria a compartilhar seus sentimentos com ele, e menos ainda a respeito de algo tão importante para ela como aqueles meninos.
Seth era um policial, só isso. Acaso não tinha passado a noite anterior várias horas insuportáveis tentando convencer-se de que isso era quão único era ou podia
ser para ela? Tinha que refrear os sentimentos, fossem quais fossem, que Seth despertava nela. Ou, se não podia refreá-los, ao menos podia dissimulá-los.
Não confiaria nele, não lhe falaria de seus sentimentos, não se entregaria a ele.
Ao chegar às portas do vestíbulo, sentia-se mais calma. Confiando em desfazer-se logo de Seth, pôs-se a andar para o estacionamento. Ele se limitou a agarrá-la
pelo braço e a obrigou a girar-se.
-Por aqui -disse ele, e se dirigiu para uma zona de grama em que havia um par de bancos.
-Não tenho tempo.
-Pois o terá. Além disso, está muito alterada para conduzir.
-Não me diga como estou.
-Ao que parece, isso é quão único faço. E, pelo visto, não deixo de ser injusto. Não costuma acontecer, e eu não gosto. Sente-se.
-Não quero...
-Sente-se, Grace -repetiu-.Peço-te desculpas.
Irritada, ela se sentou no banco, tirou os óculos de sol da bolsa e os pôs.
-Por que?
Seth se sentou a seu lado, tirou-lhe os óculos e a olhou nos olhos.
-Por não olhar além das aparências. Por não querer olhar. E por culpar a ti por ser incapaz de deixar de desejar fazer isto.
Tomou seu rosto entre as mãos e se apoderou de sua boca.


Capitulo 6

Ela não o abraçou. Dessa vez, não. Suas emoções eram muito descarnadas para correr esse risco. Apesar de que sua boca se rendeu a de Seth, elevou uma mão e a
apoiou sobre seu peito como se quissesse mantê-lo a distância.
E, entretanto, seu coração vacilava.
Dessa vez, era ela quem se refreava. Seth o notava, sentia-o em sua forma de apoiar a mão contra ele. Não o rechaçava, mas resistia. E, deixando-se levar por
uma intuição que procedia de um lugar remoto, seu beijo se fez mais terno, procurando não só seduzi-la, mas também também consolá-la.
E, mesmo assim, seu coração se estremecia.
-Não, por favor -ela notava a garganta áspera; estava aturdida e se sentia cheia de desejos. Tudo aquilo era excessivo. Separou-se dele e ficou olhando mais
à frente do pequeno pedaço de grama até que sentiu que podia respirar de novo.
-O que nos passa? Por que nenhuma vez parece o momento adequado? -perguntou-se Seth em voz alta.
-Não sei -ela se voltou e o olhou. Era um homem atraente, pensou. O cabelo escuro e os traços duros, a estranha coloração dourada de seus olhos... Mas ela conhecia
muitos homens atraentes. O que tinha ele que mudava tudo, que fazia tremer a seu mundo?-. Me enches de inquietação, tenente Buchanan.
Lhe dedicou um de seus raros sorrisos: lento, amplo, intenso.
-O sentimento é mútuo, senhorita Fontaine. Não me deixa dormir pelas noites. Como um quebra-cabeças cujas peças estão aí, mas mudam de forma diante de seus olhos.
E, quando por fim consigo as juntar, ou acredito nisso, transformam-se de novo.
-Eu não sou nenhum mistério, Seth.
-É a mulher mais fascinante que conheci -seus lábios se curvaram de novo quando ela elevou as sobrancelhas-. O que não é de todo um elogio. Junto com o fascínio
vem a frustração-. Levantou-se, mas não se aproximou dela-. Por que te zangaste tanto porque te vi aqui?
-Isto é algo privado -seu tom era rígido de novo, desdenhoso-. Me incomodo bastante para que siga sendo-o.
-Por que?
-Porque o prefiro assim.
-Sua família não sabe o que faz aqui?
A fúria que avivava o olhar de Grace começava a esfriar-se.
-Minha família não tem nada que ver com isto. Nada. Isto não é um projeto dos Fontaine, uma de suas montagens benéficas para dar-se publicidade e deduzir impostos.
É só meu.
-Sim, já o vejo -disse ele com calma. Sua família lhe tinha feito mais dano do que ele imaginava. E mais, pensou, pelo que ela estava disposta a admitir-. Por
que crianças, Grace?
-Porque são inocentes -disse ela sem parar para pensar. Em seguida fechou os olhos e suspirou-. A inocência é um bem precioso e perecível.
-Sim, é-o. Estrela Fugaz? Sua fundação. É assim como os vê, como estrelas que se consomem e caem muito rápido?
A simples compreensão de Seth, sua capacidade para ver dentro dela, comovia a Grace.
-Isso não tem nada que ver com o caso. Por que insiste?
-Porque me interessa.
Lhe lançou um sorriso, meio sedutor, meio sarcástico.
-Seriamente? Não o parecia quando te pedi que te deitasse comigo. Mas me vê abraçando a um bebê e muda de idéia -aproximou-se dele lentamente e lhe passou a
ponta de um dedo sobre a camisa-. Enfim, se for o tipo maternal o que te atrae, tenente...
-Não faça isso a ti mesma -sua voz soou de novo serena e controlada. Pegou-a pela mão e a deteve-. É uma estupidez. E resulta irritante. Aí dentro não estava
brincando de nada. Isto te importa de verdade.
-Sim, importa-me. Importa-me muitíssimo. E isso não me converte em uma heroína, nem me faz distinta de como era ontem à noite -afastou a mão-.Desejo-te. Quero
me deitar contigo. Isso é o que te irrita, Seth. Não o sentimento, senão minha franqueza. Acaso prefere as dissimulações? Que resista e deixe que me conquiste?
Ele desejou que fosse tudo tão simples.
-Pode que queira saber quem é antes de que acabemos na cama. Passei muito tempo olhando seu rosto.... o retrato de sua casa. E, enquanto o olhava, perguntava-me
quem foi. Agora te desejo. Mas sigo querendo saber como encaixam as peças do quebra-cabeças.
-Pode ser que você não goste do resultado.
-Pode ser que não -disse ele-. Ou pode ser que sim.
Ela inclinou a cabeça, pensativa.
-Esta noite tenho um compromisso. Um coquetel na casa de um benfeitor do hospital. Não posso faltar isso por que não vem comigo e vemos o que passa depois?
Ele pesou os prós e os contra, sabendo de que era um passo que teria conseqüências que talvez não conseguisse controlar. Grace não era uma mulher qualquer, nem
ele tampouco um homem qualquer. O que havia entre eles, fosse o que fosse, tinha longo alcance e garra firme.
-Sempre te pensa tanto as coisas? -perguntou ela, observando-o atentamente.
-Sim -mas, no caso de Grace, compreendeu Seth, isso parecia carecer de importância-. Não sei se terei livre as noites até que o caso esteja fechado -pensou mentalmente
os horários, reuniões e trâmites burocráticos-. Mas, se posso arrumar isso passarei para te recolher.
-Às oito está bem. Se não estar lá até as oito e meia, darei por certo que está muito ocupado.
Nada de queixa, pensou ele, nem de exigências. A maioria das mulheres que conhecia se zangavam quando, o trabalho ocupava o primeiro plano.
-Chamarei-te se não puder ir.
-Como quiser -ela se sentou de novo, mais relaxada-. Não posso acreditar que tenha vindo a espiar minha vida secreta, ou a fixar um encontro duvidoso para assistir
a um coquetel -colocou os óculos de sol e se recostou no banco-. A que vieste? -ele se meteu a mão na jaqueta, procurando a foto. Grace vislumbrou seu coldre e a
arma embainhada nele. E se perguntou se alguma vez tinha tido ocasião de usá-la-. Suponho que te dedica sobre tudo a assuntos de papelada -tomou a fotografia, mas
seguiu olhando a Seth-. Não toma parte em muitas ... ? Não sei, em muitos movimentos.
A Grace pareceu distinguir um brilho de humor nos olhos de Seth, cuja boca permaneceu séria.
-Eu gosto do trabalho de rua.
-Sim -murmurou ela, imaginando-lhe com facilidade tirando a arma-. Me imagino -desviou o olhar e observou o rosto da fotografia. Dessa vez, foram seus olhos
os que se iluminaram com ironia-. Ah, Joe Cool. Ou, melhor dizendo, Juan ou Jean-Patil Cool.
-Conhece-o?
-Não em pessoa, mas certamente conheço muitos como ele. Gosta de dizer o que a gente quer ouvir em três idiomas distintos, joga bacará com esforço, adora brandy
e sempre usa cueca de seda preta. Seu Rolex, junto com suas abotuaduras de ouro com suas iniciais gravadas e o anel de diamantes de seu dedo mindinho, são presentes
de suas admiradoras.
Intrigado, Seth voltou a sentar-se a seu lado.
-E o que é o que a gente quer ouvir?
-É a mulher mais formosa do salão. Adoro-te. Estremeço-me só te olhando. Seu marido é um imbecil, e, querida, deve deixar de comprar presentes.
-Sabe por experiência?
-Com certas variações. Só que eu nunca me casei e não estou acostumado a comprar quinquilharias para os gigolos. Têm o olhar frio -acrescentou-, mas muitas mulheres,
sobre tudo se estiverem sozinhas, só se fixam nas aparências. É o único que querem ver -tomou uma rápida baforada de ar-. Este é o homem que matou Melissa, verdade?
Ele se dispunha a lhe dar a resposta sabida, mas ela elevou o olhar, e Seth pôde perceber sua expressão através da cor ambarina dos vidros dos óculos.
-Acredito que sim. Suas impressões estavam por toda a casa. Limpou algumas, mas as deixou em outras muitas, o qual me induz a pensar que se assustou, embora
não sei se foi porque ela caiu ou porque não pôde encontrar o que estava procurando.
-E te inclina pela segunda opção porque não é o tipo de homem que entraria o pânico por ter matado a uma mulher.
-Não, não o é.
-Ela não podia lhe dar o que tinha ido procurar. Nem sequer sabia do que estava falando.
-Sim. Mas isso não te faz responsável, Grace. Se prefere pensar o contrário, terá que culpar também Bailey.
Grace abriu a boca, voltou a fechá-la e respirou fundo.
-Uma lógica inteligente, tenente -disse depois de um momento-. Assim tenho que deixar de me culpar e jogar a culpa a este indivíduo. Encontraste-o?
-Está morto -Seth tomou a fotografia e a guardou-. E minha lógica inteligente me induz a pensar que, quem o contratou, decidiu despedi-lo para sempre.
-Entendo -ela não sentia nada, nem satisfação, nem alívio-. Assim seguimos nas mesmas.
-As três Estrelas estão vigiadas nas vinte e quatro horas do dia. Bailey, M.J. e você estão a salvo, e o museu recuperará os diamantes em questão de dias.
-E um montão de gente morreu. Sacrificada aos deuses, talvez?
-Pelo que tenho lido de Mitra, não é sangue o que quer.
-Amor, conhecimento e generosidade -disse ela brandamente-. Poderosos elementos. O diamante que eu tinha parecia estar vivo. Pode que nisso consista seu poder,
em sua vitalidade. Essa pessoa os quer porque são belos, muito valiosos e antigos, ou porque acredita realmente em sua lenda? Acreditará de verdade que, se consegue
formar o triângulo, possuirá o poder do deus e a imortalidade?
-A gente acredita no que quer acreditar. O que for que esse homem pretende, está disposto a matar por isso -olhando além da grama, Seth decidiu saltar-se suas
próprias normas e compartilhou com ela seus pensamentos-. O dinheiro não é o que lhe impulsiona. Já gastou mais de um milhão de dólares. Quer possuir os diamantes,
os ter em suas mãos custe o que custar. É mais que uma ambição -disse brandamente enquanto que uma perturbadora cena se desenhava em sua imaginação.
Um altar de mármore, um triângulo de ouro com os verticais azuis e reluzentes. Um homem de tétrico aspecto e olhos pálidos, armado com uma espada ensangüentada.
-E não acredita que se deu por vencido. Acredita que voltará a tentá-lo.
Cheio de perplexidade, Seth se sacudiu aquela inquietante visão e voltou a agarrar-se à lógica e a intuição.
-Oh, sim -seus olhos se entreabriram, adquiriram uma expressão plaina-.Voltará a tentá-lo.


Seth chegou a casa de Cade às oito horas e quatorze minutos. Sua última reunião do dia com o delegado havia se prolongado até sete horas passadas, e quase que
não tinha tido tempo de passar pela sua casa, trocar-se e voltar a se por ao volante de novo. Havia-se dito mais de uma dúzia de vezes que faria melhor ficando em
casa, deixando os informe e os arquivos deum lado e passando uma noite tranqüila para relaxar e clarear suas idéias. A coletiva de imprensa às nove horas em ponto
no dia seguinte seria um calvário, e devia estar relaxado. Entretanto ali estava, sentado em seu carro, sentindo-se ridiculamente nervoso e inquieto.
Tinha perseguido um assassino em série por um edifício de apartamentos abandonado sem suar uma gota, tinha interrogado a homicidas ferozes e frios sem que lhe
tremesse o pulso, mas agora, enquanto a bola branca do sol se afundava no céu, tremia como um colegial.
Odiava os coquetéis. As conversa banais, a ridícula comida, as caras afetadas, todas elas fingindo entusiasmo ou aborrecimento, dependendo do estilo. Mas não
era a perspectiva de passar umas horas acotovelando-se com estranhos o que lhe inquietava. Era o fato de estar com Grace sem o trabalho interpondo-se entre eles.
Nenhuma mulher lhe tinha feito sentir-se como Grace. E não podia negar, ao menos ante si mesmo, que se sentia profundamente perturbado por ela desde o instante
em que tinha visto seu retrato. De pouco lhe servia dizer-se que era uma mulher superficial e caprichosa, acostumada a que os homens caíssem rendidos a seus pés.
Não lhe tinha servido de nada antes de descobrir que era muito mais que isso, e certamente não lhe servia de nada agora.
Não podia dizer que compreendesse a Grace, mas estava começando a tirar todas as capas e contrastes que faziam dela o que era. E estava seguro de que seriam
amantes antes de que acabasse a noite.
Viu-a sair da casa, uma descarga de azul elétrico com o vestido curto sem alças que lhe rodeava o corpo, a longa cabeleira negra e as pernas intermináveis e
perfeitas. Transtornava a todos os homens que a viam?, perguntou-se Seth. Ou era ele que era especialmente vulnerável? Chegou à conclusão de que qualquer das duas
respostas seria muito dura de assumir, e saiu do carro. Ela girou a cabeça para ouvir o ruído da porta e seu rosto em forma de coração se iluminou com um sorriso.
-Pensava que não viria -aproximou-se dele sem pressas, e lhe deu um rápido beijo nos lábios-. Me alegro de que esteja aqui.
-Disse-te que te chamaria se não pudesse vir.
-Sim, é certo -mas Grace não contava com isso. Tinha deixado o endereço da festa na casa, no caso dele passar mais tarde, mas se tinha resignado a passar a noite
sem ele. Sorriu de novo e alisou com a mão a lapela do traje de Seth-. Eu nunca espero uma chamada. Temos que ir a Georgetown. Levamos meu carro ou o teu?
-O meu -sabendo que ela esperava que dissesse algo sobre seu aspecto, Seth guardou silêncio deliberadamente e rodeou o carro para lhe abrir a porta.
Ela entrou, deslizando suavemente as pernas para dentro do carro. Ele desejou pousar as mãos ali, justo onde a barra do vestido roçava suas coxas, onde a pele
seria tenra como um pêssego amadurecido e suave como cetim branco.
Fechou a porta, rodeou de novo o carro e se sentou atrás do volante.
-A que parte de Georgetown? -limitou-se a dizer.


Era uma formosa casa antiga, com altos tetos, pesados móveis antigos e quentes e escuras cores. Os abajures derramavam sua luz sobre personagens importantes,
pessoas ricas e influentes que levavam o aroma do poder sob seus perfumes e cosméticos.
Aquele era o lugar de Grace, disse-se Seth. Ela se tinha misturado com os convidados logo que atravessou a porta, trocado sofisticados roçares na bochecha com
a anfitriã. Entretanto, mantinha-se à parte. Em meio daquela nuvem de pretos reluzente e suaves tons pastéis, ela refulgia como uma chama azulada, desafiando a todos
a tocá-la e queimar-se. Como os diamantes, pensou ele. Única, poderosa, irresistível.
-O tenente Buchanan, verdade?
Seth afastou os olhos de Grace e olhou ao homem baixo e calvo com compleição de boxeador e roupa de Savile Row.
-Sim. E você é o senhor Rossi, advogado defensor. Sempre e quando o acusado tenha os bolsos bem repletos, claro.
Rossi se pôs-se a rir sem dar-se por ofendido.
-Havia lhe reconhecido. Cruzamo-nos nos tribunais um par de vezes. Você é duro de enfrentar. Sempre acreditei que teria tirado Tremaine em liberdade, ou ao menos
que teria dividido aos jurados, se tivesse podido desmontar seu testemunho.
-Tremaine era culpado.
-Como o pecado -conveio Rossi imediatamente-, mas teria conseguido dividir aos jurados.
Dado que Rossi parecia desejoso de rememorar aquele processo, Seth se resignou a lhe seguir a corrente.
No outro lado da habitação, Grace tomou uma taça da bandeja de um garçom que passava a seu lado enquanto escutava pela metade as fofocas da anfitriã. Sabia quando
rir, quando elevar uma sobrancelha, quando franzir os lábios ou fazer algum comentário interessante. Era simples rotina.
Desejava partir imediatamente. Queria tirar Seth daquele traje negro. Queria tocá-lo, acariciar seu corpo. O desejo se arrastava por sua pele como uma ardente
erupção. O champanha que bebia a sorvos, longe de lhe refrescar a garganta, servia só para fazer ferver seu sangue.
-Minha querida Sarah...
-Gregor, que alegria ver-te.
Grace se afastou, bebeu um gole e sorriu ao homem elegante, moreno e de voz melosa que se inclinava galantemente sobre a mão de sua anfitriã. Mediterrâneo, pensou,
a julgar pelo encanto de seu acento. Parecia ter uns cinqüenta anos, mas estava bem conservado.
-Está particularmente encantadora esta noite -disse ele, atrasando-se sobre a mão da anfitriã-.E a hospitalidade de sua casa é, como sempre, incomparável. Igual
a suas convidadas -voltou para Grace seus olhos pálidos, de um azul argênteo, com expressão sorridente-. Perfeitas.
-Gregor -adulada, Sarah sorriu com paquera e se girou para Grace-. Acredito que não conhece Gregor, Grace. É terrivelmente encantador, assim tenha muito cuidado.
Embaixador DeVane, queria lhe apresentar Grace Fontaine, uma boa amiga.
-É uma honra -ele elevou a mão de Grace. Seus lábios eram suaves e quentes-.E um prazer.
-Embaixador? -Grace entrou facilmente em seu papel-. Pensava que os embaixadores eram velhos e gordos. Todos os que conheci o eram. Até agora, claro.
-Deixo-te com Grace, Gregor. Vejo que chegaram alguns convidados atrasados.
-Seguro que estou em boas mãos -soltou os dedos de Grace com evidente relutância-. Você é da família de Niles Fontaine?
-É meu tio, sim.
-Ah. Tive o prazer de conhecer seu tio e a sua encantadora esposa em Capri, faz uns anos. Temos uma afeição comum: as moedas.
-Sim, meu tio tem uma coleção interessante. Voltam-lhe louco as moedas -Grace se jogou o cabelo para trás, afastando-o dos ombros nus-. E de onde você é, embaixador
DeVane?
-Neste local tão acolhedor, me chame de Gregor, por favor. Pode que assim me permita te chamar de Grace.
-Certamente -seu sorriso se suavizou para amoldar-se a aquela nova intimidade.
-Duvido que tenha ouvido falar de meu diminuto país. É só uma bolinha no meio do mar, conhecida principalmente por seu azeite de oliva e seu vinho.
-Terresa?
-Sinto-me de novo adulado porque uma mulher tão bela conheça minha humilde pátria.
-É uma ilha preciosa. Estive ali uma vez, de passagem, faz um par de anos, e eu gostei muito. Terresa é uma pequena jóia no mar, com seus espetaculares escarpados
ao oeste, seus exuberantes vinhedos ao leste e suas praias de areia tão fina como o açúcar.
Ele lhe sorriu e tomou de novo sua mão. Aquela revelação resultava tão surpreendente como a mulher. De repente, sentia-se impelido a tocá-la. E a retê-la.
-Tem que me prometer voltar, me permitir que te mostre meu país como é devido. Tenho uma pequena vila na parte oeste, e a vista é quase digna de ti.
Eu adoraria vê-la. Que difícil deve ser passar o verão na abafadiça Washington, podendo desfrutar da brisa do mar de Terresa.
-Absolutamente. Já não -ele roçou seus nódulos com o polegar-. Os tesouros de seu país me parecem cada vez mais fascinantes. Talvez goste de me acompanhar esta
noite. Você gosta de ópera?
-Muitíssimo.
-Então, deve me permitir que te leve. Talvez... -interrompeu-se e um brilho de irritação crispou seus suaves traços ao ver que Seth se aproximava deles.
-Embaixador DeVane, permita-me lhe apresentar ao tenente Seth Buchanan.
-você é militar -disse DeVane, lhe estendendo a mão.
-Polícia -disse Seth secamente. Não gostava do aspecto do embaixador. Ao ver DeVane com Grace, havia sentido um repentino e turbulento impulso de jogar mão à
arma. Mas, por estranho que parecesse, aquele movimento instintivo não se dirigiu para sua pistola, senão mais abaixo, para o lado. Onde se levava uma espada.
-Ah, polícia -DeVane piscou, surpreso, apesar de que já tinha um relatório completo sobre Seth Buchanan-. Que interessante. Espero que me perdoe se disser que
espero sinceramente não ter que requerer nunca seus serviços -DeVane tomou delicadamente uma taça de uma bandeja, a deu a Seth e a seguir tomou uma para si-. Mas
talvez devamos brindar pelo crime. Sem ele, estaria você obsoleto.
Seth o olhou fixamente. Quando seus olhos se encontraram, sentiu um imediato reconhecimento, inexplicável e perfeitamente hostil.
-Prefiro brindar pela justiça.
-Certamente. Pelas balanças, digamos, e seu incessante afã de equilíbrio? -Gregor bebeu e em seguida inclinou a cabeça-. Desculpe-me, tenente Buchanan, mas ainda
tenho que saudar o anfitrião. Fui... -voltou-se para Grace e lhe beijou a mão de novo-... deliciosamente afastado de meu dever,
-Foi um prazer te conhecer, Gregor.
-Espero voltar a ver-te -olhou intensamente nos olhos de Grace-. Muito em breve.
Assim que se deu a volta, Grace se estremeceu. Havia sentido algo quase possessivo em seu último e prolongado olhar.
-Que homem tão estranho e encantador -murmurou.
Seth se sentia atravessado por uma onda de energia, pelo desejo de entrar em batalha. Aquele desejo fazia vibrar seu corpo.
-Você deixa que homens estranhos e encantadores lhe babem em público?
Era uma ruindade por sua parte, supôs Grace, mas adorou a pontada de satisfação que sentiu ao notar o aborrecimento de Seth.
-É obvio, porque me desagrada muito que babem em cima de mim em privado -voltou-se para ele de tal modo que seus corpos se roçaram suavemente. Em seguida lhe
lançou um olhar de soslaio por cima de seu denso véu de pestanas-. Você não babará, não?
Lhe deu vontade de mandá-la ao inferno por lhe fazer entrar em combustão.
-Acaba sua taça -disse asperamente- e te despeça. Vamos.
Grace deixou escapar um profundo suspiro.
-Oh, eu adoro os homens dominantes...
-Isso já o veremos -ele tomou sua taça meio vazia e a deixou a um lado-. Vamos.
DeVane os viu partir, notando o modo em que Seth pousava a mão sobre as costas de Grace para conduzi-la por entre a multidão. Teria que castigar ao polícial
por tocá-la.
Grace era dele, pensou apertando os dentes dolorosamente para sufocar a raiva. Estava destinada a ele. Tinha-o sabido em apenas tomar sua mão e olhá-la nos olhos.
Era perfeita, impecável. Não só lhe estavam destinadas as três Estrelas, mas também a mulher que tinha sustentado em suas mãos uma delas, que possivelmente a tinha
acariciado. Ela compreenderia o poder dos diamantes. Faria-o mais forte.
Grace Fontaine, pensou DeVane, seria, junto com as três Estrelas de Mitra, o maior tesouro de sua coleção. Ela lhe levaria as Estrelas. E em seguida seria sua
para sempre.


Grace sentiu ao sair que outro estremecimento lhe percorria as costas. Moveu os ombros, sacudindo-se e deu uma olhada para trás. Através das grandes janelas
iluminadas viu como se mesclavam os convidados. E distinguiu a DeVane com toda claridade. Por um instante teria jurado que seus olhos se encontravam. Mas, desta
vez, sem nenhum encanto. Uma irracional sensação de medo se alojou em seu estômago e a fez voltar-se com brutalidade.
Quando Seth abriu a porta do carro, ela emtrou sem hesitar. Queria ir-se, afastar-se daquelas janelas profusamente iluminadas e do homem que parecia observá-la
do outro lado.
Esfregou-se com firmeza os braços, tentando dissipar os calafrios.
-Não teria frio se te tivesse posto um pouco mais de roupa -Seth colocou a chave no contato.
Aquele simples comentário, pronunciado com frio e férreo controle, fez que Grace pusesse-se a rir e dissipou seus calafrios.
-Ora, tenente, e eu que me perguntava quanto tempo me deixaria posto o vestido.
-Não muito mais -prometeu ele, e entrou a rua.
-Que bom -decidida a que mantivesse sua promessa, Grace se inclinou e começou a lhe mordiscar o lóbulo da orelha-. Vamos infringir umas quantas leis -murmurou.
-Eu já poderia me acusar de traição.
Ela deixou escapar uma risada rápida e ofegante, e Seth teve uma ereção.
Nã soube como conseguiu dirigir o carro através do denso tráfico até sair de Washington e entrar de novo em Maryland. ela lhe desatou a gravata e lhe desabotoou
a metade dos botões da camisa. Suas mãos estavam por toda parte e sua boca lhe acariciava o ouvido, o pescoço, a mandíbula, enquanto murmurava promessas. As fantasias
que ela ia tecendo com infatigável destreza faziam que a Seth o sangue golpeasse dolorosamente.
Seth se deteve com uma freada na rampa de entrada de sua casa e a atraiu para si de um puxão. Grace perdeu um sapato no carro e outro pelo caminho. Ele a levava
quase a rastros. A risada dela, escura, selvagem e perversa, retumbava em sua cabeça. Esteve a ponto de quebrar a porta para colocá-la dentro. Assim que estiveram
lá, empurrou Grace contra a porta e se apoderou avidamente de sua boca.
Não podia pensar. Tudo tinha ficado reduzido a um desejo primário e violento. No corredor em penumbra, subiu-lhe a saia com impaciência, apalpou a fina barreira
de renda que se ocultava baixo ela e a separou de um puxão. Em seguida liberou seu membro e, agarrando a pelos quadris, afundou-se nela ali onde estavam, de pé.
Ela deixou escapar um grito, não de protesto, nem de assombro ante aquele tratamento quase brutal, mas sim de puro prazer. Rodeou-lhe com as pernas e se deixou
levar por ele, uma onda torrencial atrás de outa onda torrencial, respondendo com o mesmo ímpeto às desesperadas ataques de Seth.
Aquilo era irracional, excitante, luxurioso. E era quão único importava. Puro desejo animal. Violento prazer animal.
O corpo de Grace se rompeu em pedaços e se afrouxou enquanto sentia como se derramava Seth dentro dela. Ele apoiou uma mão contra a parede para manter o equilíbrio,
tentando acalmar sua respiração, clarear seu cérebro enfebrecido. De repente se deu conta de que estavam junto à porta e de que tinha montado Grace como um touro
no cio.
Não tinha sentido desculpar-se, pensou. Ambos o tinham querido assim. Não, não é que o tivessem querido, decidiu. Tinham-o ansiado desesperadamente, como os
animais famintos ansiavam a carne. Mas nunca tinha tratado a uma mulher com tão pouco cuidado, esquecendo-se por completo das conseqüências.
-Pretendia te tirar o vestido -conseguiu dizer, e lhe alegrou que ela pusesse-se a rir.
-Isso já chegará.
-Há outra coisa a que não me deu tempo -ele se retirou e observou seu rosto na tênue luz do corredor-. Achas que haverá algum problema?
Ela compreendeu.
-Não -e apesar de que sabia que era precipitado e estúpido, sentiu uma pontada de pena porque a vida não ia se multiplicar dentro dela como resultado de seu
descuido-.Tomo precauções.
-Eu não queria que isto ocorresse -Seth tomou o queixo de Grace em sua mão-. Deveria ter sido capaz de não te tocar.
Os olhos de Grace refulgiram na escuridão, irônicos e confiados.
-Suponho que não esperará que lamente que não o tenha feito. Quero que me toque. E quero te tocar.
-Enquanto for assim -ele elevou seu queixo um pouco mais-, não haverá ninguém mais. Eu não gosto de compartilhar.
Os lábios de Grace se curvaram lentamente enquanto mantinha o olhar.
-A mim tampouco.
Ele assentiu com a cabeça.
-Vamos lá para cima -disse, e tomou em braços.


Capitulo 7

Seth acendeu a luz ao entrar no quarto com Grace nos braços. Desta vez precisava vê-la, saber quando se turvavam ou escureciam seus olhos, contemplar aqueles
brilhos de prazer ou de perplexidade. Desta vez, lembraria-se da vantagem do homem sobre o animal, e de que o coração e a mente podiam desempenhar um papel naquele
jogo.
Grace teve a impressão de que o quarto era de tamanho médio, com cortinas bege nas janelas, móveis simples e claros e uma ampla cama coberta com uma colcha azul
marinho dobrada com precisão e marcial esmero. Havia quadros nas paredes cujo estudo preferiu deixar para mais tarde, quando seu coração teria se apaziguado. Cenas
urbanas e rurais pintadas com nebulosas aquarelas que ressaltavam como um traço de intimidade naquela prática habitação.
Grace se esqueceu dos quadros e da decoração quando Seth a deixou em pé junto à cama. Estendeu os braços e lhe desabotoou os últimos botões da camisa enquanto
ele se tirava a jaqueta. Suas sobrancelhas se arquearam ao ver que usava o coldre.
-Usa-o também em festas?
É um costume -disse ele com simplicidade, e, tirando-o pendurou em uma cadeira. Percebeu o olhar de Grace-. Você se incomoda?
Não. Só estava pensando que te senta bem. E me perguntando se estará tão sexy lhe pondo isso como lhe tirando isso. - então se deu a volta, passando o cabelo
por cima do ombro-. Viria-me bem um pouco de ajuda.
Ele passeou o olhar sobre suas costas. Em lugar de tocar o zíper, apertou-a contra si e inclinou a cabeça sobre seu ombro nu para beijá-la. Ela suspirou, jogando
a cabeça para trás.
-Isso é ainda melhor.
-O primeiro assalto serviu para romper o gelo -murmurou ele e deslizou as mãos ao redor de sua cintura e para cima até que tocou seus seios-. Quero-te suplicante,
excitada, débil.
Seus polegares roçaram as curvas dos seios de Grace por cima da seda azul. Concentrada naquela sensação, ela jogou os braços para trás e os uniu ao redor do
pescoço de Seth. Seu corpo começou a mover-se ao ritmo das carícias de Seth, mas quando tentou voltar-se, ele a impediu. Gemeu e se removeu, inquieta, quando os
dedos dele se introduziram sob o sutiã do vestido e começaram a acariciar seus mamilos, pondo-os quentes e duros.
-Quero te tocar.
-Suplicante -repetiu ele, e passou as mãos por seu vestido, as colocando por debaixo da prega-. Excitada -e tocou seu sexo-. Débil -penetrou-a com os dedos.
O orgasmo a enrolou como uma longa e lenta onda que alagou seus sentidos. A súplica que ele esperava escapou, trêmula, de seus lábios.
Seth se tirou os sapatos e lhe baixou o zíper pouco a pouco. Seus dedos apenas tocavam a pele de Grace quando, afastando o tecido, baixou-lhe o vestido até que
ficou amontoado a seus pés. Então a fez girar-se e retrocedeu.
Ela usava uma cinta liga da mesma cor azul que o vestido, com meias tão finas que pareciam pouco mais que uma neblina sobre suas pernas. Seu corpo era um capricho
de curvas generosas e pele acetinada. O cabelo lhe caía como uma negra chuva selvagem sobre os ombros.
-Muitos homens lhe hão dito que é preciosa, assim pouco importa que eu lhe diga.
-Me diga só que me deseja. Isso sim importa.
-Desejo-te, Grace -aproximou-se dela de novo e a tomou em seus braços, mas em lugar do beijo ávido que ela esperava, beijou-a lentamente. Ela o rodeou com os
braços e ficou inerte ante aquele novo assalto a seus sentidos.
-Me beije outra vez -murmurou quando os lábios de Seth se deslizaram por seu pescoço-. Igual. Outra vez.
Ele a beijou de novo, deixou que ela se afundasse pela segunda vez. Com um indolente gemido de prazer, lhe tirou a camisa e começou a explorar seu corpo com
as mãos. Era delicioso deixar-se saborear, desfrutar do presente de um fogo que ia prendendo pouco a pouco, sentir como perdia o controle passo a passo, deixando-o
em suas mãos. E confiar nele.
Seth lhe permitiu explorar seu corpo centímetro a centímetro. Agradou a ambos apoderando-se de seus seios cheios e firmes, primeiro com as mãos e em seguida
com a boca. Baixou as mãos, tirou um a um os colchetes da cinta liga, ouvindo como ela continha o fôlego cada vez que desabotoava um. em seguida deslizou as mãos
sob o fino tecido até tocar sua pele. Cálida, suave. Deitou-a sobre a cama e sentiu que seu corpo se rendia debaixo dele. Suave, generoso. Os lábios dela lhe respondiam
ávidos e complacentes.
Olharam-se um ao outro com a luz acesa. Moveram-se juntos. Primeiro um suspiro, em seguida um gemido. Ela tocou seus músculos, a pele áspera de uma velha cicatriz
e sentiu seu sabor de homem. Trocando de postura, baixou-lhe as calças, desfrutando-se em seu peito enquanto o despia. Quando ele voltou a tocar seus seios, atraindo-a
para si para chupar-los, os braços de Grace tremeram e seu cabelo caiu para frente, entre os dois, como uma cortina.
Ela sentia como ia crescendo o ardor, difundindo-se por seu sangue como uma febre, até que sua respiração se fez superficial e rápida. Ouvia-se dizer o nome
de Seth uma e outra vez, enquanto ele a levava pacientemente até o limite do prazer. Seus olhos, que haviam se tornado de cor cobalto, fascinavam a Seth. Seus lábios
suaves tremiam, seu corpo se estremecia. Apesar de que o desejo de liberar seu prazer o pressionava, ele seguiu saboreando o corpo de Grace. Até que finalmente a
fez deitar-se de costas e, com os olhos fixos nos dela, afundou-se em seu interior.
Ela se arqueou para cima, fechando os punhos sobre os lençóis, assombrada pelo prazer.
-Seth... -exalou precipitadamente o ar que lhe queimava os pulmões-. Nunca há... Nunca foi assim. Seth...
Antes de que pudesse falar outra vez, ele se apoderou de sua boca e a possuiu por inteiro.


Quando por fim o cansaço a rendeu, Grace sonhou que estava em seu jardim das montanhas, rodeada de densos e verdes bosques. As malvarrosas se elevavam por cima
de sua cabeça e floresciam em intensos tons de vermelho e branco brilhante. Um colibri cintilante, azul safira e verde esmeralda, voava de um jasmim trompetista.
Margaridas e jacintos, dálias e zinias formavam uma alegre onda multicolorida. Nos pensamentos voltavam suas exóticas carinhas para o sol e sorriam.
Ali era feliz, estava em paz consigo mesma. Sozinha, mas não solitária. Ali não havia mais som que o canto da brisa entre as folhas, o zumbido das abelhas, a
leve música do arroio que borbulhava sobre as rochas. Via os cervos sair tranqüilamente do bosque para beber no arroio de lento leito, suas patas perdidas na bruma
baixa que abraçava a terra. A luz do amanhecer, que reluzia como prata, salpicada pelo suave orvalho, apanhava o arco íris na névoa.
Agradada, Grace caminhava entre as flores, roçando com os dedos os botóes, cujo perfume se elevava para acariciar seus sentidos. De repente viu um fulgor entre
as flores, um brilho de azul brilhante e atraente, e, detendo-se, recolheu a pedra do chão.
Sua energia resplandecia na palma de sua mão. Era uma sensação limpa, ondulante, pura como a água, embriagadora como o vinho. Ficou muito quieta um instante,
com a mão aberta. A pedra que sustentava na mão dançava à luz da manhã. Era dela para que a guardasse, pensou. Para que a protegesse. Para que a entregasse.
Ao ouvir um barulho no bosque, voltou-se, sorrindo. Era ele, estava segura. Levava toda a vida esperando-o, desejava desesperadamente lhe dar as boas-vindas
e precipitar-se em seus braços, sabendo que a estreitariam.
Deu um passo para frente. A pedra lhe esquentava a mão, suas leves vibrações lhe percorriam o braço como uma música, até o coração. A daria a ele, pensou. Daria-lhe
tudo que tinha, tudo o que era. Porque o amor não tinha limites.
De repente, a luz mudou, turvou-se. O ar se tornou frio e o vento começou a açoitar. Os cervos do arroio elevaram a cabeça, alarmados, e, voltando-se todos a
uma só vez, fugiram a refugiar-se entre as árvores. O zumbido das abelhas morreu afogado pelo retumbar de um trovão, e um relâmpago quebrou o céu escurecido.
Ali, no bosque sombrio, perto, muito perto de onde se abriam as flores, algo se movia furtivamente. Os dedos de Grace se crisparam automaticamente, fechando-se
sobre a pedra. E de repente viu entre as folhas uns olhos brilhantes e ávidos. Vigilantes.
As sombras se abriram, lhe dando passagem.
-Não -frenética, Grace afastou a tapas as mãos que a segurava-. Não lhe darei isso. Não é para ti.
-Tranqüila -Seth a tomou nos braços e lhe acariciou o cabelo. Era só um pesadelo. Já passou.
-Está-me olhando... -gemeu ela, apertando o rosto contra o ombro nu e forte de Seth, inalando seu perfume tranqüilizador-. Está-me olhando. No bosque, me observando.
-Não, está aqui, comigo -o coração de Grace palpitava tão forte que Seth começou a preocupar-se. Agarrou-a com mais força, como se quissesse acalmar os tremores
que a sacudiam-. Era um sonho. Aqui não há ninguém mais que eu. Estou contigo.
-Não deixe que me toque. Morrerei se me tocar.
-Não lhe deixarei -lhe jogou a cabeça para trás-. Estou aqui -disse, e beijou calidamente seus lábios trêmulos.
-Seth... -Grace se agarrou a ele, sentindo um estremecimento de alegria-. Estava-te esperando. No jardim, te esperando.
-Está bem. Já estou aqui -para protegê-la, pensou. E para cuidá-la. Sacudido pela intensidade daquela emoção, deitou-a de costas e lhe afastou suavemente o cabelo
do rosto-. Deve ter sido um sonho espantoso. Tem pesadelos freqüentemente?
-O que? -desorientada, apanhada entre o sonho e a realidade, Grace se limitou a olhá-lo fixamente.
-Quer que acenda a luz? -não esperou resposta. Rodeou-a com o braço para acender o abajur da mesinha de noite. Grace afastou o rosto da luz e se levou um punho
ao coração-. Te relaxe. Vamos -ele a pegou pela mão e começou a lhe abrir os dedos.
-Não -apartou a mão-. Ele a quer.
-Que é que quer?
-A Estrela. Vai vir por ela, e a por mim. Vai vir.
-Quem?
-Não... Não sei -cheia de perplexidade, Grace se olhou a mão e a abriu lentamente-. Estava segurando a pedra -ainda podia sentir seu calor, seu peso-. Tinha-a.
Tinha-a encontrado.
-Era um sonho. Os diamantes estão em uma caixa forte. Estão a salvo -Seth pôs um dedo sob seu queixo até que seus olhos se encontraram-.E você também.
-Era um sonho -dizer-lo em voz alta lhe produziu alívio e vergonha-. Sinto muito.
-Não passa nada -ele a observou, notando que seu rosto estava branco e que seus olhos tinham uma expressão frágil. Algo se agitou, removeu-se dentro dele, impulsionou-o
a estender a mão e acariciar sua bochecha pálida-. Passaste muito mal estes dias, verdade?
A serena compreensão de sua voz fez que os olhos de Grace se enchessem de lágrimas. Fechou-os para conter o pranto e respirou fundo várias vezes. A pressão que
sentia no peito resultava quase insuportável.
-Vou pegar um pouco de água.
Seth estendeu um braço e a segurou. De repente se deu conta de que Grace tinha ocultado muito bem seu medo, sua dor e seu cansaço. Até esse momento.
-Por que não te desabafas?
A respiração de Grace se deteve, quebrando-se.
-Só necessito...
-Desabafar -repetiu ele, e apoiou a cabeça de Grace sobre seu ombro.
Ela se estremeceu uma só vez. Em seguida se agarrou a ele. E chorou.
Seth não lhe ofereceu palavras de consolo. Simplesmente, abraçou-a.


Às oito da manhã seguinte, Seth deixou Grace na casa de Cade. Ela se tinha queixado porquea havia despertado tão cedo e tinha tentado voltar para aconchegar-se
no colchão. Ele se tinha limitado a levantá-la nos braços, levar-la à ducha e abrir a torneira. De água fria. Tinha-lhe dado exatamente trinta minutos para arrumar-se
e depois a tinha metido no carro.
-Poderia ter dado lições a Gestapo -comentou Grace enquanto Seth estacionava atrás do carro de M.J.-.Ainda tenho o cabelo molhado.
-Não tinha uma hora a perder até que te secasse a juba.
-Nem sequer tive tempo de me maquiar um pouco.
-Não te faz falta.
-Suponho que isso é o que você chama de um elogio.
-Não, só é um fato.
Grace se voltou para ele. Estava muito bonita, desalinhada e sexy com aquele vestido sem alças.
-Você, em troca, está impecável.
-Eu não passei vinte minutos na ducha -Seth recordou que ela tinha cantado enquanto tomava banho. Incrivelmente mal. Pensar nisso lhe fez sorrir-. Anda, vá.
Tenho que ir trabalhar.
Ela fez uma careta e agarrou sua bolsa.
-Bom, obrigado por me trazer, tenente -pôs-se a rir quando ele a empurrou contra o assento e lhe deu o longo e apaixonado beijo que estava esperando-. Isso quase
compensa a mísera xícara de café que me deste esta manhã -tomou o lábio inferior de Seth entre os dentes e seus olhos brilharam-. Quero ver-te esta noite.
-Passarei por aqui. Se puder.
-Aqui estarei -Grace abriu a porta e lhe lançou um olhar por cima do ombro-. Se puder.
Seth observou como rebolava enquanto caminhava para a casa e, assim que a porta se fechou atrás dela, ele fechou os olhos. Céu santo, pensou, estava apaixonado
pelo Grace. E era totalmente impossível.
Dentro da casa, Grace percorreu quase dançando o corredor. Estava apaixonada. E era maravilhoso. Era novo, fresco, inusitado. Era o que tinha estado esperando
toda sua vida. Seu rosto brilhava quando entrou na cozinha e encontrou Bailey e Cade sentados à mesa, tomando um café.
-Bom dia, tropa -cantarolou enquanto se aproximava a cafeteira.
-Bom dia -Cade se mordeu a língua para não começar a rir-. Eu gosto de seu pijama.
Rindo, ela levou sua xícara à mesa, inclinou-se e lhe plantou um beijo na boca.
-Adoro-te. Bailey, adoro a este homem. Será melhor que o ate rapidamente, antes que me ocorram maus pensamentos.
Bailey sorriu sonhadoramente olhando seu café e em seguida elevou os olhos úmidos e brilhantes.
-Casamo-nos dentro de duas semanas.
-O que? -Grace agitou sua xícara e o café esteve a ponto derramar-se-. O que? -repetiu, e se deixou cair em uma cadeira.
-Cade não quer esperar.
-Para que ia esperar? -Cade tomou a mão de Bailey sobre a mesa-. Quero-te.
-Se casar! -Grace olhou suas mãos unidas. Um casal perfeito, pensou, e deixou escapar um suspiro tremente-.É maravilhoso. É incrivelmente maravilhoso -pousando
uma mão sobre as deles, olhou nos olhos de Cade. E viu exatamente o que queria ver-. Será bom com ela -não era uma pergunta, era uma constatação. Depois de apertar
rapidamente sua mão, recostou-se de novo na cadeira-. Bom, um casamento que preparar e só duas semanas para fazê-lo. Vamos ficar todos loucos.
-Só vai ser uma pequena cerimônia -começou a dizer Bailey-. Aqui, em casa.
-Vou dizer uma só palavra -disse Cade com voz suplicante-.Fujamos.
-Não -Bailey sacudiu a cabeça, voltou-se para trás e tomou sua xícara -. Não vou começar nossa vida em comum ofendendo a sua família.
-Minha família não é humana. Não pode insultar a uns seres desumanos. Muffy trará as bestas com ela.
-Não chame bestas a seus sobrinhos.
-Espera um momento -Grace levantou uma mão e franziu o cenho-. Muffy? Muffy Parris Westlake? É sua irmã?
-Temo que sim.
Grace conseguiu reprinnr com muita dificuldade uma gargalhada.
-Então, Doro Parris Lawrence é sua outra irmã -elevou os olhos, imaginando a aquelas duas irritantes e vaidosas senhoras de Washington-. Bailey, foge, por sua
vida. Vá a Las Vegas. Cade e você podem se casar diante de um juiz disfarçado de Elvis e passar uma vida tranqüila e deliciosa no deserto. Troquem de nome. Não voltem
nunca.
-Vê-o? -agradado, Cade deu uma palmada sobre a mesa-.Eu já lhe dizia isso.
-Deixem disso já os dois -Bailey conseguiu conter a risada, mas lhe tremeu a voz-. Celebraremos uma cerimônia singela e austera... com a família de Cade -sorriu
a Grace-.E a minha.
-Você segue tentando -Cade se levantou-.Eu tenho um par de coisas que fazer antes de ir ao escritório.
Grace voltou a levantar sua xícara.
-Não conheço muito a sua família -disse a Bailey-. Consegui me economizar esse pequeno prazer, mas posso te dizer que, pelo que ouvi, leva-te o melhor dessa
casa.
-Quero tanto a Cade, Grace... Sei que é um pouco cedo, mas...
-E o que tem o tempo que ver com isto? -compreendendo que as duas estavam a ponto de começarem a chorar, Grace se inclinou para frente-. Terá que debater os
aspectos vitais, essenciais, desta situação, Bailey -respirou fundo-. Quando saímos às compras?
M.J. entrou com passo vacilante e as olhou com o cenho franzido ao ouvir suas risadas.
- Odeio as pessoas que estão de bom humor pelas manhãs -se serviu de café, tentou inalar seu aroma e depois se voltou e observou a Grace -.Ora, ora -disse secamente-.
Ao que parece, o policial e você se entenderam bastante bem ontem à noite.
-Tão bem que agora sei que é algo mais que uma identificação e uma atitude desafiante -Irritada, Grace afastou sua xícara-. O que tem contra ele?
-Além do fato de que é frio e arrogante, condescendente e antipático, nada absolutamente. Jack diz o chamam de A Máquina. Que maravilha.
- Sempre me pareceu curioso -disse Grace friamente- que a gente se atreva a julgar aos outros só por sua aparência. Todos os traços que acaba de enumerar descrevem
a um homem ao qual não conhece.
-M.J., te beba o café -Bailey se levantou para tirar o leite -.Já sabe que não há quem te agüente até que tomas um litro.
M.J. moveu a cabeça de um lado a outro e apoiou um punho sobre o quadril, coberta com uma velha camiseta e umas calças curtas igualmente velhas.
-O fato de que te tenha deitado com ele não significa que o conheça. Você geralmente é muito mais precavida, Grace. Pode que deixe que as pessoas acreditem que
te deita com um cara a cada noite, mas nós sabemos que não é assim. Em que demônios está pensando?
-Estou pensando em mim -replicou ela-. Desejava-o. Necessitava-o. É o primeiro homem que me comoveu de verdade. E não vou permitir que converta algo formoso
em algo barato e vulgar.
Ninguém falou durante um instante. Bailey permanecia de pé junto à mesa, com a jarra do leite na mão. M.J. afastou-se lentamente da mesa e deixou escapar um
assobio.
-Está-te apaixonando por ele -assombrada, passou-se uma mão pelo cabelo-.Está-te apaixonando de verdade.
-Já me apaixonei. E o que?
-Sinto muito -M.J. tentou fazer-se à idéia. Não era necessário que Seth lhe caísse bem, disse-se. Só tinha que querer a Grace-. Suponho que alguma virtude terá,
se te apaxonaste por ele. Está segura de que o leva bem?
-Não, não estou segura -a fúria se esgotou, e a dúvida ocupou seu lugar-. Não sei por que aconteceu isto, nem o que fazer a respeito. Só sei que assim é. Não
foi só sexo -recordou como Seth a tinha abraçado enquanto chorava. Como tinha deixado a luz acesa sem que ela tivesse que pedir-lhe. - Levo esperando-o toda a vida.
-Sei o que significa isso -Bailey deixou a jarra sobre a mesa e tomou a mão de Grace-. Sei perfeitamente.
-Eu também -M.J. deu um passo adiante, exalando um suspiro-. O que nos está passando? Somos três mulheres sensatas, e de repente nos encontramos custodiando
pedras sagradas, fugindo de assassinos e nos apaixonando como tolas por homens aos que acabamos de conhecer. É uma loucura.
-É perfeito -disse Bailey suavemente- Você sabe que é perfeito.
-Sim -M.J. pôs sua mão sobre as delas-. Suponho que sim.


A Grace não resultou fácil voltar a entrar em sua casa. Mas dessa vez não ia sozinha. M.J. e Jack a ladeavam como suporte de livros.
-Minha mãe -M.J. deixou escapar um assobio enquanto observava a destruição da sala de estar-.E eu que acreditava que em minha casa tinham feito grande coisa.
Embora, claro, você tem mais vazinhos com os que brincar -seu olhar se fixou então no corrimão quebrado. E na silhueta do chão-. Seguro que quer fazer isto agora?
-A polícia já acabou aqui. Em algum momento terei que pôr mãos à obra.
M.J. sacudiu a cabeça.
-Por onde quer começe?
-Pelo dormitório -Grace conseguiu sorrir-. A minha tinturaria vai sair no lucro.
-Verei o que posso fazer com o corrimão -disse Jack-. Prenderei-o como posso até que ponham outro novo.
-Agradeceria-lhe isso.
-Vá pra cima -sugeriu M.J.-.Eu trarei uma vassoura e uma pá -esperou que Grace estivesse lá em cima para voltar-se para Jack-.Eu me encarrego da parte de baixo.
Vou ver se posso tirar... isto -seu olhar se pousou na silhueta-. Prefiro que ela não o faça.
Jack se inclinou para lhe beijar a testa.
-É uma moça com guelra, M.J.
-Sim, essa sou eu -ela respirou fundo-. Vamos ver se podemos encontrar o equipamento de música ou a televisão debaixo deste montão de coisas. Viria-me bem me
distrair um pouco.


Demoraram quase toda a tarde em limpar a casa o suficiente para que Grace se desse por satisfeita e chamasse o serviço de limpeza. Queria que limpassem a fundo
todas as habitações antes de voltar a viver outra vez ali.
E pensava fazer isso. Viver, estar em casa, confrontar os fantasmas que ficassem ali. Para provar a si mesma que podia fazê-lo, despediu-se de M.J. e Jack e
foi comprar coisas novas para a casa. Em seguida, sentindo-se cansada e inquieta, passou pela Salvini. Precisava ver Bailey. E também as Estrelas.
Encontrou Bailey no andar de cima, em seu escritório, falando por telefone. Sua amiga sorriu e lhe indicou que entrasse.
-Sim, doutor Lindstrum, agora mesmo lhe envio por fax o relatório. Levarei-lhe pessoalmente o original antes das cinco. Amanhã acabarei as últimas provas que
pediu -Bailey escutou um momento, passando um dedo pelo elefante de estatita que havia sobre sua mesa-. Não, estou bem. Agradeço-lhe seu interesse e sua compreensão.
As Estrelas são o principal. Terei preparadas as cópias completas de todos os informe para a companhia de seguros na sexta-feira na última hora da manhã. Sim, obrigado.
Adeus.
-Parece que está avançando muito depressa -comentou Grace.
-Apesar de tudo o que ocorreu, quase não se perdeu tempo. E todos nos sentiremos mais tranqüilos quando as pedras esteverem no museu.
-Quero ver-las outra vez, Bailey -deixou escapar uma risada-. É uma tolice, mas seriamente preciso as ver. Ontem à noite tive um sonho... Um pesadelo, na realidade.
-Que tipo de sonho?
Grace se sentou na beirada da mesa e o contou. Apesar de que sua voz era firme, seus dedos tamborilavam com nervosismo.
-Eu também tive sonhos -murmurou Bailey-. Ainda os tenho. E M.J. também.
Grace se remexeu, inquieta.
-Parecidos com o meu?
-O bastante para que não seja uma simples coincidência -Bailey se levantou e estendeu a mão a Grace-.Vamos dar-lhes uma olhada.
-Não estará violando nenhuma lei, não?
Bailey lhe lançou um olhar divertido enquanto desciam pela escada.
-Acredito que, depois de tudo o que tenho feito, isto é uma infração menor -um calafrio lhe percorreu o corpo quando desceram o último lance de escadas, sob
o qual se escondeu de um assassino.
-Está bem? -Grace lhe rodeou instintivamente os ombros com o braço-. Odeio pensar no que passou e saber que está aqui trabalhando, recordando-o...
-Estou-o superando. Grace, mandei cremar a meus meio-irmãos. Bom, na realidade, foi Cade quem se encarregou de tudo. Não me deixou fazer nada.
-Fez bem. Você não lhes devia nada, Bailey. Nunca o deveu. Nós somos sua família. Sempre o seremos
-Sei.
Bailey entrou na habitação abovedada e se aproximou das portas de aço blindado. O sistema de segurança era complexo, e, apesar de que tinha prática, Bailey demorou
três minutos em desativá-lo.
-Possivelmente deva instalar uma destas em minha casa -disse Grace com despreocupação-. Esse porco arrebentou a caixa forte da biblioteca como se fosse de brinquedo.
Deve ter vendido as jóias em seguida. Odeio ter perdido as que você me fez.
-Farei-te mais. De fato... -Bailey recolheu uma caxinha de veludo quadrada-..., o que te parece se começarmos agora mesmo?
Intrigada, Grace abriu a caixa e viu que continha uns brincos de ouro maciço. O ouro, em forma de meia lua, estava adornado com pedras preciosas em profundos
tons de esmeralda, rubi e safira.
-Bailey, são preciosos...
-Acabei-os justamente antes de... Bom, antes. Assim que os fiz, soube que eram para ti.
-Mas não é nem aniversário.
-Pensei que estava morta -a voz de Bailey se quebrou um instante, mas se fez mais firme quando Grace elevou o olhar-. Pensei que não voltaria a ver-te. Assim
vamos considerar isto uma celebração do resto de nossas vidas.
Grace se tirou os simples brincos de diamantes que usava e começou a colocar-os que Bailey lhe tinha presenteado.
-Quando não os usar, guardarei-os com as jóias de minha mãe. As coisas que mais me importam.
-Ficam perfeitos. Estava certa -Bailey se voltou e tomou uma pesada caixa acolchoada de uma prateleira. Sustentando-a diante de Grace, abriu-a.
Grace deixou escapar um longo e tremente suspiro.
-Estava convencida de que uma tinha desaparecido. Pensava que a encontraria em meu jardim, na terra, entre as flores. Parecia tão real, Bailey... -tomou uma
das pedras. A sua-. Notava-a em minha mão, como agora. Pulsava como um coração -pôs-se a rir um pouco, mas sua risada soou oca-. Meu coração. Isso parecia. Não me
tinha dado conta até agora. Era como se segurasse meu próprio coração na mão.
-Há uma conexão -um pouco pálida, Bailey tirou outra pedra da caixa-. Não o entendo, mas sei. Esta é a Estrela que eu tinha. Se M.J. estivesse aqui, teria escolhido
a sua.
-Nunca pensei que acabaria acreditando nesse tipo de coisa -Grace girou a pedra em sua mão-. Estava equivocada. É muito fácil acreditar nisto. Estar segura disso.
Estamo-as protegendo, Bailey, ou são elas as que nos protegem ?
-Eu gosto de pensar que são as duas coisas. Elas me trouxeram Cade -deixou brandamente o diamante na caixa e acariciou com a ponta do dedo a segunda Estrela-.
A M.J. trouxeram-lhe Jack -seu rosto se suavizou-. Há pouco lhes abri a loja -disse a Grace-. Jack a trouxe a rastro para comprar um anel.
-Um anel? -Grace se levou uma mão ao coração-. Um anel de compromisso?
-Um anel de compromisso. Ela não parou de protestar, lhe dizendo que era um bobão e que não fazia falta um anel. Mas não lhe fez caso e escolheu uma preciosa
turmalina verde, de corte quadrada, com haste de diamantes.
- Desenhei-o faz uns meses, pensando que seria um anel de compromisso maravilhoso e muito pouco convencional para a mulher adequada. E Jack sabia que M.J. era
a mulher adequada.
-Jack é perfeito para ela -Grace se enxugou uma lágrima e sorriu-. Soube assim que os vi juntos.
-Quem dera os tivesse visto hoje. Ali estava ela, grunhindo e girando os olhos, insistindo em que toda esta confusão era uma perda de tempo e de esforço. Depois
ele lhe pôs o anel no dedo. E ela pôs esse sorriso de orelha a orelha. Já sabe qual.
-Sim -Grace imaginava perfeitamente-. Estou tão contente por ela e por ti... É como se todo esse amor tivesse estado aí, esperando, e as pedras... -voltou às
olhar-. Elas lhe abriram a porta.
-E você, Grace? Também têm aberto a porta para ti?
-Eu não sei se estou preparada para isso -de repente notou um comichão na ponta dos dedos. Deixou a pedra em seu lugar-. Seth não o está, certamente. Não acredito
que ele acredite em magia, seja qual for. E quanto ao amor.. Embora essa porta esteja totalmente aberta e a ocasião esteja aí, não é um homem que se apaixone facilmente.
-Facilmente ou não... -Bailey fechou a tampa e devolveu a caixa a seu lugar-, quando chega o momento de te apaixonar, apaixona-te. Seth é teu, Grace. Vi-o em
seus olhos esta manhã.
-Bom -Grace tentou refrear seu nervosismo-, acredito que posso esperar um tempo, até que ele se dê conta e o assuma.

Capitulo 8

Havia flores esperando Grace quando ela retornou a casa de Cade. Um formoso vaso de cristal cheio de rosas brancas de talo longo. Seu coração se inchou absurdamente
quando, arrancando o cartão, rasgou o envelope. E em seguida se desinflou.
As flores não eram de Seth. Naturalmente, tinha sido uma estupidez pensar que ele podia cair em um gesto tão romântico e extravagante. A nota dizia simplesmente:

Até que voltemos a nos ver,
Gregor

O embaixador dos olhos estranhamente inquietantes, pensou Grace, e se inclinou para cheirar os botões quase nem abertos. Tinha sido muito amável, disse-se. Um
tanto excessivo, pois no vaso podia haver facilmente três dúzias de rosas, mas encantador.
De repente lhe incomodou dar-se conta de que, se tivessem sido de Seth, teria babado sobre elas como uma colegial atordoada. Certamente teria metido uma entre
as páginas de um livro e até teria derramado umas lágrimas. Repreendeu-se por ser tão tola. Se aquelas desconcertantes desigualdades eram os efeitos colaterais do
amor, pensou, poderia ter esperado um pouco mais para experimentar semelhante sensação.
Ia atirar o cartão sobre a mesa quando soou o telefone. Vacilou, pois tanto o carro de Jack como o de Cade estavam na rampa, mas quando o telefone soou pela
terceira vez, desprendeu-o.
-Residência Parris.
-Poderia falar com Grace Fontaine? -o tom crispado de uma secretária eficiente ressonou em seu ouvido-. Da parte do embaixador DeVane.
-Sim, sou eu.
-Um momento, por favor, senhorita Fontaine.
Com os lábios franzidos, Grace golpeou, pensativa, a borda do cartão contra a palma de sua mão. DeVane não tinha demorado para localizá-la. E que demônios ia
dizer-lhe?
-Grace -a voz do embaixador fluiu através do telefone-. Que maravilha falar de novo contigo.
-Gregor -ela se jogou o cabelo atrás dos ombros e apoiou o quadril na mesa-. Que extravagância. Acabo de entrar e me encontrei com suas rosas -tocou uma e a
farejou de novo-. São preciosas.
-Um simples detalhe. Lamentei muito que não tivéssemos oportunidade de passar mais tempo juntos ontem à noite. Foi tão cedo...
Ela pensou na amalucada corrida até a casa de Seth e em seu encontro sexual, ainda mais amalucado e selvagem.
-Tinha... um compromisso anterior.
-Talvez possamos compensá-lo amanhã a noite. Tenho um camarote no teatro. Tosca. É uma tragédia tão formosa... Nada me agradaria mais que compartilhá-la contigo,
e depois, talvez, ir jantar.
-Soa fantástico -ela girou os olhos para as flores. Oh, céus, pensou. Aquilo não sairia bem-. Sinto-o muitíssimo, Gregor, mas não estou livre -deixou de um lado
o cartão sem sentir remorsos-. A verdade é que tenho uma relação com outra pessoa, e bastante séria -"ao menos para mim", pensou. Em seguida olhou através dos painéis
de vidro da porta da rua e seu rosto se iluminou de surpresa e prazer quando viu Seth estacionando o carro.
-Entendo -ela estava muito distraída tentando acalmar seu pulso acelerado para perceber que a voz de DeVane tinha adquirido um tom gélido-.Seu acompanhante de
ontem à noite.
-Sim. Sinto-me terrivelmente adulada, Gregor, e se estivesse menos comprometida, não duvidaria em aceitar seu convite. Espero que me perdoe e que o entenda -tentando
não começar a dar saltos de alegria, Grace indicou a Seth com o dedo que passasse quando ele se aproximou da porta.
-Certamente. Se as circunstâncias mudarem, espero que reconsidere sua decisão.
-Farei-o, com certeza -com um sorriso sedutor, Grace percorreu com os dedos o peito de Seth-.E obrigado outra vez pelas flores, Gregor. São divinas.
-Foi um prazer -disse, e, depois de desligar o telefone, suas mãos se fecharam com força.
Humilhado, pensou, apertando os dentes e fazendo-os chiar. Rechaçado por culpa de uma massa de músculos e uma identificação.
Ela pagaria, disse-se, tomando a fotografia de Grace de seu arquivo e golpeando-a com o dedo de uma impecável unha. Pagaria com acréscimo. E logo.
Assim que a comunicação se cortou, Grace se esqueceu por completo do embaixador e elevou o rosto para o de Seth.
-Olá, bonitão.
Ele não a beijou. Em lugar de fazê-lo, olhou as flores e o cartão que ela tinha atirado descuidadamente sobre a mesa.
-Outra conquista?
-Isso parece -Grace advertiu seu tom frio e distante e não soube se sentia-se adulada ou incomodada. Optou por um enfoque completamente distinto e começou a
ronronar-. O embaixador queria que passássemos uma noite na ópera e depois... o que surgisse.
A pontada de ciúmes que sentia enfureceu Seth. Era uma experiência nova e detestável. O fazia sentir-se importante, lhe dava vontade de arrastar Grace até seu
carro pelo cabelo, levar-lhe e encerrá-la onde só ele pudesse olhá-la, tocá-la e saboreá-la. Mas, sobre tudo, sentia medo por ela. Um medo que lhe transpassava até
a medula.
-Parece que o embaixador não perde tempo. Nem você tampouco.
-Não, disse-se ela. A raiva ia aparesendo. Não havia modo de detê-la. Separou-se da mesa sorrindo com gélido desafio.
-Eu faço o que me agrada. Já deveria sabê-lo.
-Sim -ele colocou as mãos nos bolsos para as manter separadas dela-.Já deveria sabê-lo. E sei.
Ela inclinou a cabeça e dirigiu para ele aqueles olhos azuis como raios laser.
-O que sou agora, tenente? A puta ou a deusa? A princesa de marfim em cima de seu pedestal ou a farsante? Fui todas essas coisas..., só depende do homem e de
como prefira me olhar.
-Eu estou te olhando -disse ele com calma-.E não sei o que vejo.
-Pois me avise quando te decidas -começou a rodear Seth, mas se deteve em seco quando ele a agarrou por braço-. Não te passes -jogou a cabeça para trás de modo
que seu cabelo voou um instante e depois se alojou sobre seus ombros.
-Eu poderia dizer o mesmo, Grace.
Ela respirou fundo e lhe afastou a mão.
-Se por acaso te interessa, pedi desculpas ao embaixador e lhe disse que tinha uma relação com outra pessoa -lançou-lhe um sorriso frio e se voltou para as escadas-.
Mas isso, ao que parece, foi um engano.
Seth ficou olhando-a com o cenho franzido, pesando a idéia de subir as escadas de uma casa que não a sua e resolver aquela discussão... de um modo ou outro.
Desconcertado, se apertou a ponta do nariz entre o índice e o polegar e procurou sacudir a incomoda dor de cabeça que não deixava de aporrinhá-lo.
Tinha passado um dia exaustivo. Dez horas depois de começar sua jornada trabalhista, tinha acabado olhando fixamente o grupo de fotografias de seu álbum. Fotos
dos mortos que seguiam esperando que solucionasse o caso. Estava, além disso, incomodado consigo mesmo por ter começado a recolher dados sobre Gregor DeVane. Ignorava
se o fazia deixando-se levar por seu instinto policial, ou por simples ciúmes. Ou possivelmente fosse pelos sonhos. Nunca antes tinha tido que enfrentar-se a um
conflito como aquele.
Entretanto, uma coisa estava clara: tinha saído da linha com Grace. Seguia parado junto à mesa do saguão, olhando carrancudo a escada e pesando suas possibilidades,
quando Cade entrou pela porta de trás da casa.
-Buchanan -desconcertado ao ver o tenente de homicídios parado no saguão de sua casa, Cade se deteve e se coçou o queixo-. Eh, não sabia que estava aqui.
-Sinto muito. Grace me deixou entrar.
-Ah -ao cabo de um instante, Cade localizou a fonte de calor que ainda vibrava no ar-. Oh -exclamou de novo, e procurou conter um sorriso-. Bem. Posso fazer
algo por você?
-No.Já ia embora.
-Discutiram?
Seth girou a cabeça e olhou com perplexidade os olhos divertidos de Cade.
-Como diz?
-Só era uma hipótese. O que tem feito para lhe encher o saco? -embora Seth não respondeu, Cade notou que seu olhar se deslizava um instante para as rosas-. Ah,
sim. Suponho que não foi você que as mandou você, eh? Se um tipo mandasse a Bailey três dúzias de rosas, certamente eu o faria tragar uma a uma.
O brilho de agradecimento que brilhou fugazmente nos olhos de Seth fez que Cade decidisse revisar sua opinião sobre o tenente. Possivelmente Seth Buchanan pudesse
lhe cair bem, depois de tudo.
-Quer uma cerveja?
O convite, espontâneo e amistoso, desconcertou Seth.
-Eu... Não, já ia.
-Venha lá fora.Jack e eu já nos tomamos um par. Vamos acender a churrasqueira para mostrar as garotas como cozinham os homens de verdade -o sorriso de Cade se
fez mais amplo-. Além disso, encher-se com um par de cervejas, será-lhe mais fácil rastejar. Porque acabará rastejando de todos os modos, assim que convém ir preparando-se.
Seth deixou escapar um suspiro.
-Que demônios, por que não?

Grace permaneceu em seu quarto uma hora inteira. Ouvia as risadas, a música e o inocente tamborilar das bolas enquanto os outros jogavam alegremente uma partida
de criquet. Sabia que o carro de Seth seguia na rampa, e se tinha prometido não descer até que ele se fosse. Mas começava a sentir-se sozinha, e faminta.
Como já havia colocado umas calças curtas e uma fina camiseta de algodão, deteve-se só um instante ante o espelho para retocar o batom e colocar um pingo de
perfume. Só para lhe fazer sofrer, disse-se, e desceu tranqüilamente as escadas e saiu ao pátio.
Na churrasqueira fumegavam os filés. Cade empunhava um enorme garfo de trinchar. Bailey e Jack estavam discutindo sobre a partida de criquet, e M.J. resmungava
sentada à mesa de piquenique, comendo batatas fritas.
-Jack me tirou da partida -queixou-se, e fez gestos a Grace com a cerveja-. Sigo dizendo que tem trapaçeado.
-Cada vez que perde -disse Grace enquanto tomava uma batata-, é porque alguém fez trapaça -deslizou o olhar para Seth.
Notou que havia tirado a gravata e a jaqueta. Ainda levava posta o coldre. Grace supôs que era porque não lhe parecia adequado pendurar a pistola no tronco de
uma árvore. Ele também tinha uma cerveja na mão e observava a partida com aparente interesse.
-Ainda está aqui?
-Sim -Seth havia tomado já duas cervejas, mas não lhe parecia que arrastar-se fosse lhe resultar mais facil, apesar do lubrificante-. Convidaram-me para jantar.
-Que amáveis -Grace localizou uma jarra que parecia conter o coquetel margarida especial de M.J. e se serviu uma taça. Seu sabor era azedo, frio e delicioso.
Fazendo caso omisso de Seth, aproximou-se lentamente a churrasqueira para fofocar um pouco.
-Sei o que faço -disse Cade, e se moveu para defender seu território enquanto Seth se unia a eles-. Marinei eu mesmo estes kebabs de verduras. Afastem-se e deixem
que um homem se encarregue disto.
-Só ia perguntar-te se preferia que os cogumelos queimassem.
Cade lhe lançou um olhar mordaz.
-Tire ela daqui, Seth. Um artista não pode trabalhar com os críticos grudados como mariscos, espiando seus cogumelos.
-Vêem, vamos ali -Seth a pegou pelo cotovelo, mas ela se separou com um puxão. Ele a agarrou com força e a conduziu para o jardim de rosas.
-Não quero falar contigo -disse Grace, zangada.
-Não é preciso que fales. Já falarei eu -mas lhe custou um minuto decidir-se. A um homem que tinha por costume não cometer enganos, não lhe resultava fácil desculpar-se-.
Sinto muito. Passei-me -ela não disse nada. Limitou-se a cruzar os braços e a esperar-. Quer mais? -Seth assentiu com a cabeça, mas não se incomodou em suspirar-.
Estava ciumento, uma reação estranha em mim, e reagi mal. Peço-te desculpas.
Grace moveu a cabeça de um lado a outro.
-É a pior desculpa que ouvi em toda m vida. Não pelas palavras, Seth, mas sim por como as diz. Mas está bem, aceito suas desculpas com o mesmo espírito com que
você me oferece isso.
-O que quer de mim? -perguntou ele, irritado, elevando a voz e agarrando-a pelos braços-. Que demônios quer?
-Isso -ela jogou a cabeça para trás-. Justamente isso. Um pouco de emoção, um pouco de paixão. Pode agarrar sua desculpa esfarrapada e engolir-la, assim como
esse frio e desapaixonado bate-papo que me deste pelas flores. Esse gélido controle eu não gosto. Se sentir algo, seja o que for, faça-me saber.
Grace conteve o fôlego, assombrada, quando Seth a apertou contra si e se apoderou de sua boca com ânsia. Tentou escapar, mas ele a segurou com força. Depois
ficou inerte em seus braços. Quando ele se afastou, estava estremecida.
-Tiveste suficiente? -fez-a ficar nas pontas dos pés, lhe cravando os dedos nos braços. Seu olhar não era já desapaixonado, nem frio, senão turbulento. Humano-.
Suficiente emoção, suficiente paixão? Eu não gosto de perder o controle. No trabalho, não se pode permitir perder o controle.
Ela respirava com dificuldade. E seu coração parecia voar.
-Isto não é trabalho.
-Não, mas se supõe que tinha que sê-lo -fez um esforço e a soltou-. Isso era o que devia ser, supostamente. Mas não consigo deixar de pensar em ti. Maldita seja,
Grace. Não posso.
Ela apoiou uma mão em sua bochecha e sentiu que um músculo vibrava em sua mandíbula.
-Me passa o mesmo. Pode que, agora, a única diferença seja que eu quero que seja assim.
Por quanto tempo?, perguntou-se ele, mas não o disse em voz alta.
-Vem para casa comigo.
-Eu adoraria -ela sorriu e lhe acariciou o cabelo-. Mas acredito que será melhor que fiquemos e jantemos. Se não, partiremos o coração de Cade.
-Depois de jantar, então -Seth descobriu que não lhe resultava absolutamente difícil levar suas mãos aos lábios, as beijar longamente, e olhá-la nos olhos-.
Sinto muito, mas Grace...
-Sim?
-Se DeVane voltar a te chamar ou te mandar flores...
Os lábios dela se curvaram.
-Sim?
-Terei que matá-lo.
Ela deixou escapar uma alegre risada e jogou os braços no seu pescoço.
-Agora começamos a nos entender.


-Foi bonito -Grace exalou um suspiro satisfeito, afundou-se no assento do carro de Seth e olhou a lua, que brilhava no céu-. Eu gosto de ver os quatro juntos.
Mas também me resulta estranho. É como se fechasse os olhos e de repente todo mundo tivesse dado um passo de gigante para frente.
-Luz vermelha, luz verde.
Grace girou a cabeça e o olhou com desconcerto.
-O que?
-O jogo. Já sabe, esse jogo de meninos no que o que a pessoa tem que dizer "luz verde" e voltar-se de costas.- Todo mundo avança e então diz "luz vermelha" e
se dá a volta. Se vê alguém mover-se, oe demais têm que voltar e começar desde o começo -ela deixou escapar uma risada sufocada, e Seth a olhou-. Nunca brincaste
xxxx
disso quendo criança?
-Não. Tinha um professor particular, recebia lições de protocolo e me obrigavam a dar longos e pausado passeios para fazer exercício. Às vezes punha-se
a correr -disse brandamente, recordando-. Corria com todas minhas forças até que parecia que meu coração ia sair pela boca. Mas suponho que sempre tinha que voltar
para princípio -irritada consigo mesma, sacudiu os ombros-. Minha mãe, soa patético, verdade? Pois não o era, na realidade. Era simplesmente tudo muito organizado
-jogou-se o cabelo para trás e lhe sorriu-. De que mais você brincava de criança?
-Do normal -acaso não sabia ela quão doloroso era sentir aquela melancolia em sua voz e ver depois como se encolhia de ombros com desenvoltura, como se quissesse
subtrair a importância?-. Não tinha amigas?
-Claro -ela afastou o olhar-. Bom, não. Enfim, dá igual. Agora as tenho. As melhores.
-Notaste que qualquer uma de vocês três pode começar uma frase e que outra pode acabá-la?
-Nós não fazemos isso.
-Claro que o fazem. Esta noite o têm feito uma dúzia de vezes pelo menos. Nem sequer se dão conta. E têm uma espécie de código secreto -continuou ele-. Pequenas
caretas e gestos. O meio sorriso ou a forma em que gira os olhos de M.J., o modo em que Bailey baixa as pálpebras ou se enreda o cabelo no dedo. E você eleva a sobrancelha
esquerda só um pouco, ou te mordes a língua. Quando faz isso, está dizendo às outras que se trata de uma brincadeira entre vocês.
Ela deixou escapar um zumbido gutural, não sabendo se gostava que a decifrassem tão facilmente.
-Ora, que observador.
-É meu trabalho -Seth estacionou na rampa de sua casa e se voltou para ela-. Não deveria te incomodar.
-Ainda não sei se me incomoda ou não. Fez-te polícial porque é observador, ou é observador porque é polícial?
-É difícil sabê-lo. Na realidade, nunca fui outra coisa.
-Nem sequer quando era muito jovem?
-A polícia sempre foi minha vida. Meu avô era polícial. E meu pai também. E o irmão de meu pai. Minha casa estava cheia de policiais.
-Então, era o que se esperava de ti?
-Não, mas todos o compreendiam -particularizou ele-. Se tivesse querido ser encanador ou mecânico, teria parecido bem a eles. Mas não era isso o que eu queria.
-Por que?
-Porque existe o bem e o mal.
-Assim de simples?
-Deveria sê-lo -Seth olhou o anel de seu dedo-. Meu pai era um bom policial. Honrado. Justo. Firme. Não se pode pedir nada mais.
Ela pôs uma mão sobre a sua.
-Morreu?
-Sim, em serviço. Faz muito tempo -a dor se dissipou também fazia muito tempo, deixando lugar ao orgulho-. Era um bom polícial, um bom pai, um bom homem. Sempre
dizia que teria que escolher entre fazer o bem e fazer o mal. Que tudo tinha um preço. Mas que pelo bem pode pagar preço e seguir te olhando no espelho a cada manhã.
Grace se inclinou e o beijou suavemente.
-Era bom contigo.
-Sim, sempre. Minha mãe era a típica mulher de um policial, firme como uma rocha. Agora é a mãe de um policial e segue sendo igualmente forte. Sempre está quando
a necessito. Quando consegui a insígnia dourada, para ela significou tanto como para mim.
Grace notou que aquele vínculo era muito forte. Profundo, sincero e indisputável.
-Mas se preocupa contigo.
-Um pouco. Mas o aceita. Não lhe resta outro remédio -acrescentou ele com o fantasma de um sorriso-. Tenho um irmão e uma irmã menores. Os três somos policiais.
-Levam-o no sangue -murmurou ela-. Estão muito unidos?
-Somos uma família -disse ele com simplicidade, e então pensou na família de Grace e recordou que aquelas coisas não eram tão simples-. Sim, estamos muito unidos.
Ele era o mais velho, pensou Grace. Certamente se tinha tomado muito a sério a substituição, ao morrer seu pai, suas responsabilidades como homem da casa. Não
era de estranhar, pois, que a autoridade, a responsabilidade e o dever parecessem sua segunda pele. Pensou na arma que levava e tocou com a ponta de um dedo a cinta
de couro do coldre.
-Alguma vez há ... ? -elevou o olhar para seus olhos-. tiveste que usar-la alguma vez?
-Sim. Mas mesmo assim sigo podendo me olhar no espelho a cada manhã.
Ela aceitou sua resposta sem vacilar. O seguinte tema da conversa, entretanto, resultou-lhe mais espinhoso.
-Tem uma cicatriz, justo aqui -tocou com o dedo o lugar da cicatriz, justo debaixo do ombro direito de Seth-. Dispararam-lhe?
-Faz cinco anos. Coisas que acontecem -não tinha sentido lhe contar os detalhes. As coisas saíram mal, houve gritos e uma sacudida elétrica de terror. O impacto
da bala e uma dor horrível-. A maior parte do trabalho policial é pura rotina: papelada, aborrecimento, repetição.
-Mas não tudo.
-Não, não tudo -queria vê-la sorrir outra vez, queria prolongar o que tinha resultado ser um doce e íntimo interlúdio na penumbra do carro. Só conversar, sem
o ruído do sexo-. Você tem uma tatuagem nesse traseiro tão bonito.
Ela se pôs-se a rir, jogando o cabelo para trás.
-Acreditava que não a tinha notado.
-Sim, notei-a. Por que leva um cavalo alado tatuado no traseiro, Grace?
-Foi um capricho, uma dessas criancices a qual arrastei M.J. e Bailey.
-Elas também levam cavalos alados em ... ?
-Não, e o que cada uma leva é um segredo. Eu queria um cavalo alado porque representava a liberdade. A um cavalo alado não lhe pode prender, a menos que ele
se deixe -tocou o rosto de Seth e de repente trocou de humor-.Eu nunca quis que me prendessem. Até agora.
Ele quase acreditava. Baixando a cabeça, beijou-a suavemente nos lábios. Um beijo aprazível, sem urgência. O lento encontro das línguas, a indolente mudança
de ângulos e profundidades. Sorvos suaves. Leves dentadas. O corpo de Grace se movia com fluidez, suas mãos se deslizaram pelo peito de Seth e se juntaram atrás
de sua nuca. Um ronronar escapou de sua garganta.
-Fazia muito tempo que não me beijavam no assento dianteiro de um carro.
Ele lhe afastou o cabelo para lhe beijar a delicada curva entre o pescoço e o ombro.
-Quer que provemos o assento detrás?
A risada de Grace soou baixa e alegre.
-Certamente que sim.
O desejo se infiltrou na corrente sanguínea de Seth e fazia tremer seu coração.
-Vamos para dentro.
Grace se jogou para trás, ofegante, e lhe sorriu sob o fulgor da lua,
-Galinha.
Os olhos de Seth se entreabriram levemente, e o sorriso de Grace se fez mais amplo.
-Em casa há uma cama estupenda.
Ela deixou escapar uma risada suave e em seguida, sorrindo, roçou-lhe os lábios com a boca.
-Vamos fingir -murmurou, apertando-se contra ele- que estamos em uma estrada escura e deserta e que você me disse que o carro estragou -ele disse seu nome, um
som amplificado contra seus lábios tentadores. Era só outro modo de desafiá-la-.Eu finjo que acreditei porque quero ficar, quero que... que me convensa. Você dirá
que só quer me tocar, e eu fingirei que também acredito -tomou sua mão, a pôs sobre o seio e sentiu um súbito estremecimento quando os dedos de Seth se crisparam-.
Embora saiba que não é isso o único que quer. É o único que quer, Seth?
O que ele queria era deslizar-se escorregando, cegamente, dentro dela. Suas mãos se moveram sob a camisa de Grace e tocaram sua pele.
-Não vamos fazer-lo no assento detrás -advertiu-lhe.
Ela se limitou a começar a rir.


Seth ignorava se se sentia orgulhoso ou perplexo por sua própria conduta quando finalmente abriu a porta dianteira do carro. Tinha sido tão fogoso em sua adolescência?,
perguntava-se. Tão ridiculamente ousado? Ou era Grace quem conseguia que coisas como fazer o amor como um louco em frente a sua própria casa fossem uma aventura
a mais?
Ela entrou na casa, elevou-se o cabelo sobre a nuca e o deixou cair em um gesto que, simplesmente, fez que a Seth parasse o coração.
-Acredito que minha casa estará pronta amanhã, ou no dia seguinte o mais tardar. Temos que ir juntos. Podemos nos banhar nus na piscina. Fora faz muito calor.
-É tão formosa...
Ela se girou, assombrada pela mescla de reticência e desejo que percebia em sua voz. Seth estava parado junto à porta, como se pudesse partir a qualquer momento.
-Sua beleza é uma arma perigosa. Letal.
Ela tentou sorrir.
-Pois me prenda.
-Você não gosta que lhe digam isso -Seth deixou escapar uma risada pouco convincente-. Você não gosta que lhe digam que é preciosa.
-Não tenho feito nada para ganhar meu físico.
Seth se deu conta de que ela o dizia como se a beleza fosse mais uma maldição que um dom divino. E nesse momento sentiu que sua compreensão de Grace tinha alcançado
um nível diferente. Deu um passo a frente, tomou seu rosto entre as mãos com suavidade e a olhou fixamente aos olhos.
-Bom, pode que tenha os olhos um muito juntos.
Surpreendida, ela se pôs-se a rir.
-Não são.
-E sua boca, acredito que talvez está um pouco torcida. Me deixe ver -mediu-a com a sua própria, prolongando o beijo enquanto os lábios de Grace se curvavam
em um sorriso-. Sim, só um pouco, mas, agora que o penso, danifica tudo. E vamos ver... -girou sua cabeça para um lado e se deteve a pensar-. Sim.Teu perfil esquerdo
é bastante frouxo. Não te está saindo papada?
Lhe afastou a mão, não sabendo se ia insultá-lo ou começar a rir.
-Certamente que não.
-Acredito que também deveria comprová-lo. Não sei se quero seguir contigo se tiver papada.
Agarrou Grace, lhe jogando a cabeça para trás com suavidade para poder lhe lamber brandamente sob a mandíbula. Ela deixou escapar uma risada, um som juvenil
e inocente, e se estremeceu.
-Já chega, idiota -proferiu um chiado quando ele a elevou nos braços.
-Não é nenhum peso-pena, por certo.
Ela secou os olhos.
-Está bem, desmancha-prazeres, já basta. Vou embora agora mesmo.
Era uma delícia ver Seth sorrir: aquele súbito brilho de humor infantil.
-Esquecia te dizer -disse ele enquanto se dirigia para a escada-, que meu carro estragou. E só vou tocar-te -só tinha subido dois degraus quando soou o telefone-.
Maldita seja -beijou distraidamente Grace na testa-.Tenho que atender.
-Não importa. Lembro-me de por onde íamos.
Apesar de que Seth a soltou, Grace teve a sensação de que não tocavam o chão. O amor era um fofo amortecedor. Mas seu sorriso se desvaneceu ao ver como mudava
a expressão de Seth. De repente, seus olhos se voltaram de novo desapaixonados e ilegíveis. Enquanto cruzava a habitação para ele, Grace compreendeu que tinha passado
inadvertidamente de homem a polícial.
-Onde? -sua voz soava de novo fria e controlada-. Está selada a cena do crime? -resmungou uma maldição, apenas um sussurro-. Selem. Vou para lá -ao desligar,
seus olhos passearam sobre Grace e por fim se enfocaram-. Sinto muito, Grace, tenho que ir.
Ela se umedeceu os lábios.
-É grave?
-Tenho que ir -limitou-se a dizer ele-. Chamarei um carro patrulha para que te leve para a casa de Cade.
-Não posso te esperar aqui?
-Não sei quanto demorarei.
-Não importa -lhe ofereceu a mão, apesar de que não sabia se podia alcançá-lo-. Eu gostaria de esperar. Quero te esperar.
Nenhuma mulher tinha estado disposta a esperá-lo. Aquela idéia cruzou fugazmente a cabeça de Seth, distraindo sua atenção.
-Se te cansar de esperar, chama a delegacia de polícia. Deixarei dito que um agente venha para te buscar se o chamares.
-Está bem -mas não chamaria. Esperaria-. Seth... -aproximou-se dele e lhe beijou suavemente nos lábios-, veremo-nos quando voltar.

Capitulo 9

Quando ficou a sós, Grace ligou o televisor e se acomodou no sofá. Cinco minutos depois, levantou-se e começou a percorrer a casa.
Seth não gostava de badulaques, pensou. Certamente pensava que só serviam para acumular pó. Nada de plantas, nem de bichos de estimação. Os móveis da sala de
estar eram simples, masculinos e de boa qualidade. O sofá era cômodo, de bom tamanho e de um verde caçador muito escuro. Ela o teria enchido de almofadas. Bordôs,
azuis, alaranjados... A mesa baixa era um quadrado de pesado carvalho, bem polida e livre de pó.
Grace chegou à conclusão de que certamente uma assistente lhe limpava a casa uma vez por semana. Não podia imaginar a Seth com um pano de limpar o pó na mão.
Havia uma estante com livros sob a janela lateral. Agachando-se, Grace leu os títulos. Alegrou-lhe observar que tinha lido muitos deles. Inclusive havia um livro
de jardinagem que ela também tinha estudado com atenção.
Isso sim podia imaginar disse a si mesma. Sim, podia imaginar Seth trabalhando no jardim, removendo a terra, plantando algo duradouro.
Também havia quadros naquela habitação. Grace se aproximou, pensando que os retratos à aquarela agrupados na parede eram sem dúvida obra do mesmo artista que
tinha pintado as cenas urbanas e as paisagens campestres do dormitório. Procurou a assinatura e viu que na esquina inferior podia ler-se "Marilyn Buchanan".
Irmã, mãe, prima?, perguntou-se. Alguém a quem Seth queria, e que queria a ele. Desviou o olhar e observou o primeiro quadro.
De repente se deu conta, sobressaltada, de que era o pai de Seth. Tinha que ser ele. A semelhança se notava nos olhos: claros, intensos, dourados. A mandíbula
quadrada, quase lavrada a cinzel. A pintora tinha percebido a força, um toque de melancolia, e sentido de honra. Um sussurro de ironia ao redor da boca e um orgulho
inato no conjunto da cabeça. Tudo isso resultava evidente no retrato de perfil de meio corpo, cujo protagonista olhava para algo que só ele podia ver.
O seguinte retrato era de uma mulher de quarenta e tantos anos. O rosto era belo, mas a artista não tinha ocultado as leves e reveladoras rugas da idade, os
toques prateados do cabelo negro e encaracolado. Seus olhos amendoados olhavam de frente, com ironia e paciência. E ali estava a boca de Seth, pensou Grace, sorrindo.
Sua mãe, concluiu. Quanta força continham aqueles olhos cinzas de olhar sereno?, perguntou-se Grace. Quanta era preciso para agüentar e aceitar que todos seus
seres queridos se enfrentassem ao perigo diariamente? Fosse qual fosse a quantidade requerida, aquela mulher a possuía com acréscimo.
Havia outro homem, um jovem de vinte e tantos anos, com um sorriso altivo e uns olhos audazes, mais escuros que os de Seth. Atraente, sexy, com uma cabeleira
negra caindo descuidadamente sobre a testa. Seu irmão, sem dúvida.
O último retrato era de uma jovem com o cabelo escuro e longo até os ombros, os olhos dourados e vigilantes, e uma boca esculpida e curvada em um esboço de sorriso.
Encantadora, e com traços mais sóbrios e parecidos com os de Seth que o outro jovem. Sua irmã.
Grace se perguntou se alguma vez chegaria a conhecê-los, ou se só os veria através de seus retratos. Seth lhes apresentaria à mulher que amasse, pensou, e deixou
que uma leve pontada de dor a atravessasse. Ele quereria fazê-lo, sentiria a necessidade de levar a essa mulher a casa de sua mãe, de ver como se misturava com sua
família. Aquela era uma porta que ele teria que abrir em ambos os sentidos. Não só porque fosse o costume, disse-se, mas sim porque para ele sem dúvida seria importante.
Mas a uma amante? Não, decidiu. Não era necessário apresentar uma amante a sua família. Seth nunca levaria a casa de sua mãe uma mulher a que só lhe unia o sexo.
Grace fechou os olhos um momento. "Deixa de sentir pena de ti mesma", disse-se com aspereza. "Não podes conseguir tudo o que desejas, assim aproveita o que tem".
Abriu os olhos de novo e observou os retratos uma vez mais. Rostos agradáveis, pensou. Uma boa família.
Mas onde, perguntava-se, estava o retrato de Seth? Tinha que haver um. O que tinha visto a artista? Teria pintado a Seth com aquele frio olhar de polícial,
com aquela risada surpreendentemente bela, ou com o raro brilho de um sorriso?
Decidida a averiguá-lo, deixou a televisão ligada e se foi em busca do retrato. Durante os seguintes vinte minutos, descobriu que Seth era ordenado, que tinha
um telefone e uma caderneta em cada habitação, que usava o segundo dormitório como uma mistura entre quarto de hóspedes e escritório, que tinha convertido a terceira
habitação em uma mini-academis e que gostava das cores escuras e das poltronas cômodas. Encontrou mais aquarelas, mas nenhum retrato de Seth.
Percorreu o quarto de hóspedes, intrigada porque só ali Seth se permitiu certos caprichos. Nas estantes embutidas havia uma coleção de miniaturas, algumas feitos
em madeira, outras em pedra. Dragões, grifos, feiticeiras, unicórnios, centauros... E um único cavalo alado de alabastro com as asas desdobradas. Naquela habitação,
as pinturas estavam impregnadas de magia: uma paisagem brumosa no que as torre de um castelo se elevavam, prateadas, para um céu rosa pálido; um lago sombrio no
qual bebia um único cervo... Havia livros sobre o Artur, sobre lendas gaélicas, sobre os deuses do Olimpo e sobre os que tinham governado Roma. E ali, em uma mesinha
de cerejeira, havia um globo de cristal azul e um livro sobre Mitra, o deus da luz.
Aquilo a fez tremer, cruzar os braços. Seth tinha comprado aquele livro pelo caso? Ou levava mais tempo ali? Tocou suavemente o magro volume e se deu conta de
que era o último.
Um vínculo a mais entre eles, disse-se, forjado antes de que se conhecessem. Resultava-lhe tão fácil aceitá-lo, inclusive sentir-se agradecida por isso... Mas
se perguntava se Seth sentia o mesmo.
Desceu a escada, sentindo-se estranhamente a gosto depois daquele passeio sem guia pela casa. Sorriu ao ver que as xícaras de café dessa manhã, aquele leve vestígio
de intimidade, seguiam no escorredor. Encontrou uma garrafa de vinho na geladeira, serviu-se uma taça e a levou para sala de estar.
Retornou junto à estante dos livros pensando em aconchegar-se no sofá com a televisão por companhia e um bom livro para passar o momento. Mas de repente um calafrio
se apoderou dela, tão súbito e intenso que lhe tremeu a mão com a que segurava a taça de vinho. Encontrou-se olhando pela janela, respirando trabalhosamente enquanto
com a outra mão se agarrava na estante.
"Alguém está te olhando", sussurrava martelosamente em sua cabeça uma vozinha assustada que devia ser a sua própria. "Alguém está te olhando".
Entretanto, não via mais que escuridão, o fulgor da lua e uma casa em que nada se movia ao outro lado da rua.
"Para", se disse. "Aí fora não há ninguém. Não há nada". Mas se ergueu e fechou de repente as cortinas. As mãos lhe tremiam.
Bebeu um gole de vinho e procurou rir de si mesmo. O boletim de notícias da noite a fez girar-se lentamente. Uma família de quatro membros, perto de Bethesda.
Assassinada.
Agora já sabia onde Seth tinha ido. E só podia imaginar-se pelo que estava passando.


Ela estava sozinha. Sentado em sua câmara do tesouro, DeVane acariciava uma estatueta de marfim da deusa Vênus. Tinha chegado a acreditar que era a efígie de
Grace. Enquanto sua obsessão crescia e se desbocava, imaginava a si mesmo e a Grace juntos, imortais através do tempo. Ela seria sua posse mais apreciada. Sua deusa.
E as três Estrelas culminariam sua coleção de tesouros.
Primeiro, naturalmente, teria que castigá-la. Sabia o que tinha que fazer, o que mais importava a ela. E as outras duas garotas não eram inocentes: tinham complicado
seus planos, tinham-lhe feito fracassar. Teriam que morrer, é obvio. Quando tivesse as Estrelas em seu poder, quando tivesse Grace, elas morreriam. E suas mortes
seriam o castigo de Grace.
Agora, ela estava sozinha. Seria muito fácil levar-la. Conduzi-la até ali. Ela teria medo no princípio. Ele queria que tivesse medo. Isso formava parte do castigo.
Mas, no final, conquistaria-a, ganharia sua confiança. Faria-a dele. Afinal de contas, tinham toda a eternidade pela frente.
Em algum momento a levaria a Terresa. Faria-a rainha. Um deus não podia conformar-se com menos que uma rainha.
"Leve-a esta noite". Aquela voz, que retumbava cada vez com mais força em sua cabeça, perseguia-lhe dia e noite. Não podia confiar nela. Tentou acalmar
sua respiração e fechou os olhos. Não devia precipitar-se. Cada detalhe tinha que encaixar em seu lugar.
Grace iria a ele quando estivesse preparado. E levaria consigo as Estrelas.


Seth tomou uma última xpicara de café e se esfregou a nuca dura. Ainda lhe encolhia o estômago ao pensar no que tinha visto naquela bonita casa do subúrbio.
Sabia que os civis e os policiais novatos acreditavam que os veteranos se tornavam imunes aos estragos da morte violenta: sua visão, seus aromas, sua destruição
sem sentido. Era mentira. Ninguém podia acostumar-se a ver o que ele tinha visto. Do contrário, não devia usar uma identificação. A lei devia conservar seu sentido
da repugnância, do horror, do assassinato.
O que movia um homem a tirar a vida a seus próprios filhos, da mulher com a qual os tinha tido, e depois a si mesmo? Naquela linda casa dos subúrbios não restava
' ninguém que pudesse responder a essa pergunta, cuja resposta obcecava Seth.
xxxx
Esfregou-se o rosto com as mãos, notando os nós da tensão e do cansaço. Moveu os ombros uma vez, duas vezes, e em seguida os enquadrou antes de cruzar o escritório
para ir ao vestiário.
Mick Marshall estava ali, esfregando os pés doloridos. Seu cabelo pontiagudo e avermelhado se levantava como um arbusto necessitado de uma boa poda desde seu
rosto crispado pelo cansaço. Seus olhos estavam escurecidos e sua boca tinha uma expressão amarga.
-Tenente -Mick voltou a colocar ass meias três-quartos.
-Não era necessário que viesse por isso, detetive.
-Demônios, ouvi os disparos da sala de estar de minha casa -agarrou um de seus sapatos, mas se limitou a apoiar os cotovelos nos joelhos-. Duas quadras mais
à frente. Meu Deus, meus filhos brincavam com esses meninos. Como demônios vou explicar-lhes.
- Conhecia bem ao pai?
-Na realidade, não. É o que se diz sempre, tenente. Era um tipo tranqüilo, amável, reservado -deixou escapar uma breve risada seca-. Sempre o são.
-Mulroney vai fazer se encarregar do caso. Pode ajudá-lo, se quiser. Agora, vá para casa e tente dormir. Vá dar um beijo a seus filhos.
-Sim -Mick se passou os dedos pelo cabelo-. Ouça, tenente, encontrei alguns dados sobre esse tal DeVane.
As costas de Seth se esticaram.
-Algo interessante?
-Isso depende do que ande procurando. Tem cinqüenta e dois anos, não se casou nunca e herdou de seu velho um boa soma, incluindo um enorme vinhedo nessa ilha,
Terresa. Também cultiva azeitonas e tem gado.
-Um cavalheiro rural?
-Oh, tem muitas mais coisas. Montões de interesses distribuídos por todo mundo. Estaleiros, telecomunicações, negócios de importação-exportação... Montões de
ramificações que geram muita renda. Nomearam-o embaixador nos Estados Unidos faz três anos. Parece que gosta disto. Comprou uma casa elegante em Foxhall Road, uma
grande mansão. Gosta de receber pessoas. Mas às pessoas não gostam de falar dele. Ficam muito nervosos.
-O dinheiro e o poder podem deixar as pessoas nervosas.
-Sim. Não averigüei grande coisa ainda. Mas houve uma mulher, faz uns cinco anos. Uma cantora de ópera. Uma autêntica diva. Era italiana. Parece que estavam
muito unidos. Depois, ela desapareceu.
-Desapareceu? -o interesse de Seth, que começava minguar, cresceu de novo repentinamente-. Como?
-Essa é a coisa. Simplesmente, esfumou-se. A polícia italiana não sabe o que aconteceu. Ela tinha uma casa em Milão, deixou ali todas suas coisas: roupa, jóias,
suas obras de arte... Estava atuando no teatro da ópera dali, em plena excursão, sabe? Uma noite, não se apresentou no teatro. Nessa tarde saiu às compras, pediu
que lhe mandassem um montão de coisas para casa. Mas nunca voltou.
-Acreditam que a seqüestraram?
-Sim. Mas ninguém chamou pedindo um resgate. Não há nem rastro dela há cinco anos. Tinha... -Mick enrugou o rosto, pensativo-. Trinta anos. Parece que estava
em plenas faculdades mentais, e que era uma preciosidade. Deixou um montão de dinheiro no banco. Ainda está lá.
-DeVane foi interrogado?
-Sim. Pelo visto estava em seu iate, no mar jônico, bronzeando-se ao sol quando tudo aconteceu. Havia meia dúzia de convidados a bordo com ele. O policial italiano
com o qual falei, grande aficionado à ópera, por certo, disse-me que a DeVane não pareceu se impressionar muito a notícia de seu desaparecimento. Percebeu algo,
mas não pôde averiguar nada mais. Entretanto, o tio ofereceu uma recompensa, cinco milhões de liras, se ela voltasse sã e salva. Ninguém a reclamou.
-Isso parece muito interessante. Siga investigando -ele, por sua parte, pensou Seth, faria suas próprias pesquisas.
-Uma coisa mais -Mick girou o pescoço de um lado a outro, fazendo-o ranger-. Acredito que isto também lhe interessará. Esse tipo é um colecionador. Tem um pouco
de tudo: moedas, selos, jóias, quadros, antiguidades, estátuas... De tudo. Mas também tem fama de possuir uma coleção de gemas enorme e única.... uma coleção que
rivaliza com a do museu Smithsonian.
-De modo que DeVane gosta dos minerais.
-Oh, sim. E agarre-se. Faz dois anos, mais ou menos, pagou três milhões por uma esmeralda. A pedra era enorme, claro, mas seu preço disparou sobre tudo porque,
supostamente, tinha poderes mágicos -os lábios de Mick se curvaram com ironia-. Pelo visto, Merlín a criou mediante um feitiço para dar de presente ao rei Artur.
Eu acredito que um tipo capaz de comprar uma coisa assim, deve estar muito interessado nessas três enormes pedras azuis e em todo esse rolo de deus Mitra e a imortalidade.
-Aposto que sim.
Não era estranho, pensou Seth, que o nome de DeVane não estivesse na lista de Bailey? Um colecionador cuja residência nos Estados Unidos estava só a uns poucos
quilômetros da casa Salvini, e que, entretanto, nenhuma vez tinha feito negócios com eles? Não, sua ausência naquela lista resultava muito inquietante.
-Me traga o que tenha quando começar seu turno, Mick. Eu gostaria de falar pessoalmente com esse polícial italiano. Agradeço o tempo extra que está dedicando
a este caso.
Mick piscou. Seth nunca deixava de agradecer a seus homens o trabalho bem feito, mas normalmente o fazia de maneira mecânica. Dessa vez, notava-se em sua voz
uma calidez sincera, uma implicação pessoal.
-Claro. Mas, sabe, tenente? Embora você possa relacioná-lo com o caso, é provável que DeVane se saia com a sua. Imunidade diplomática, já sabe. Não podemos tocá-lo.
-Vamos relacionar-lo com o primeiro caso e depois já veremos -Seth deu um olhar para trás, distraído, quando ouviu a porta da entrada se abrir para um agente
que entrava no turno da noite-.Vá dormir -começou a dizer, e em seguida se interrompeu. Ali, grudada no interior da porta da entrada, estava Grace, muito jovem,
sorridente e nua.
Tinha a cabeça atirada para trás, e aquele sorriso provocador, aquela segurança em si mesma, aquela sedosa energia, brilhavam em seus olhos. Sua pele era como
mármore gentil e suas curvas generosas apareciam cobertas unicamente por aquela cascata de cabelo, cuidadosamente colocada para deixar os homens loucos.
Mick girou a cabeça, viu o póster e fez uma careta. Cade tinha contado que o tenente estava saindo com Grace, e nesse momento só lhe ocorreu pensar que alguém
estava a ponto de morrer. Quase com toda probabilidade, o despreparado agente que, de pé ante sua entrada, assobiava tranqüilamente.
-Eh, tenente... -começou a dizer Mick com intenção de salvar a vida de seu companheiro.
Seth se limitou a elevar uma mão para fazer calar a Mick e se aproximou da entrada. O agente, que estava trocando-se de camisa, olhou para trás.
-Tenente...
-Bradley -disse Seth, e seguiu observando a reluzente fotografia.
-Está boa, eh? Um dos meninos do turno de dia diz que esteve aqui e que em pessoa está igual de boa.
-Seriamente?
-Já lhe digo. Eu desenterrei esse póster de um montão de revistas que tinha na garagem. Não está mal, eh?
-Bradley... -murmurou Mick, e escondeu o rosto entre as mãos. Aquele tipo era um homem morto.
Seth respirou fundo, tentando resistir ao desejo de arrancar o póster.
-Este vestiário também é usado pelas mulheres, Bradley. Isto é inapropriado -onde estava a tatuagem?, pensou Seth, aturdido. Quantos anos tinha quando tinha
pousado para aquela fotografia? Dezenove? Vinte?-. Procure outro lugar para pendurar suas fotografias.
-Sim, senhor.
Seth deu meia volta e lançou um último olhar por cima do ombro.
-E está melhor em pessoa. Muito melhor.
-Bradley -disse Mick quando Seth havia saído-, acaba de te livrar de uma boa.


Começava a amanhecer quando Seth entrou em sua casa. Na investigação do homicídio de Bethesda tinha atuado conforme mandavam as normas. O caso ficaria fechado
assim que o relatório forense e o da autópsia confirmassem o que já sabia. Um homem de trinta e seis anos que vivia confortavelmente graças a seu trabalho de programador
informático, levantou-se do sofá, onde estava vendo a televisão, tinha carregado seu revólver e tinha terminado com quatro vidas no espaço aproximado de dez minutos.
Para aquele crime, Seth não tinha justiça a oferecer.
Podia ter voltado para casa duas horas antes, mas tinha aproveitado a diferença de horário com a Europa para fazer algumas chamadas, formular perguntas e recolher
dados. Começava a fazer uma idéia cabal de quem era Gregor DeVane: um homem muito rico que não tinha derramado nenhuma só gota de suor para conseguir sua fortuna,
que desfrutava de prestígio e poder, que se movia em círculos exclusivos e carecia de família.
Nada disso era um crime, disse-se Seth enquanto fechava a porta atrás dele. Não havia delito algum em mandar rosas brancas a uma mulher formosa. Nem em estar
envolvido com uma cantora de ópera que desaparecia da noite para o dia. Mas acaso não era interessante que DeVane tivesse estado envolvido também com outra mulher,
com uma bailarina francesa, uma primeira-bailarian de grande beleza a que se considerava a melhor intérprete da década e que tinha aparecido morta de uma overdose
em sua casa de Paris?
O forense opinou suicídio, apesar de que as pessoas próximas da garota insistiam em que nunca tinha tomado drogas. Ao que parecia, era ferozmente disciplinada
com seu corpo. DeVane tinha sido interrogado, mas só por mero trâmite. À hora em que a jovem bailarina entrou em coma para morrer pouco depois, ele estava jantando
na Casa Branca. Mesmo assim, Seth e o detetive italiano estavam de acordo em que se tratava de uma fascinante coincidência.
Um colecionador, pensou Seth enquanto ia apagando as luzes, que colecionava coisas formosas e belas mulheres. Um homem capaz de pagar o dobro de seu valor por
uma esmeralda rodeada de lenda.
Seth decidiu comprovar se podia atar algum cabo mais e manter depois um bate-papo oficial com o embaixador.
Entrou na sala de estar. Estava a ponto de apertar o interruptor quando viu Grace aconchegada no sofá. Acreditava que havia ido para casa. Mas ali estava, feita
uma bola sobre o sofá, dormindo. Que demônios estava fazendo ali?, perguntou-se Seth. "Te esperando. Como disse que faria". Como nenhuma outra mulher o tinha esperado
antes. Nem ele tinha querido que o esperasse.
A emoção lhe golpeou no peito, infiltrando-se em seu coração. Aquele amor irracional, pensou, o fazia perder o rumo. Seu coração não estava a salvo, já nem sequer
era dele. Queria recuperá-lo, desejava desesperadamente ser capaz de afastar-se dela, de deixá-la e, retornar a sua vida anterior. E lhe aterrorizava não ser capaz
de fazê-lo.
Grace se aborreceria logo dele, era inevitável. Perderia interesse por uma relação que ele imaginava alimentada unicamente pelo capricho e o desejo. Largaria-o
sem mais, perguntava-se Seth, ou poria fim limpamente a sua aventura? Faria-o com o rosto descoberto, disse-se. Era seu estilo. Ela não era, como tinha acreditado
alguma vez, fria, calculadora ou insensível. Tinha um espírito extremamente generoso, mas também, em sua opinião, excessivamente volúvel.
Aproximando-se, agachou-se frente a ela e observou seu rosto. Tinha uma ruga quase imperceptível entre as sobrancelhas. De repente se deu conta de que seu sonho
não era sossegado. Que pesadelos a atormentavam?, perguntou-se. Que preocupações a perseguiam?
"Pobre menina rica", pensou. "Segue correndo ainda até ficar sem fôlego. Mas não há nada a fazer e volta para princípio". Lhe acariciou com o polegar a testa
para apagar seu cenho, e depois deslizou os braços debaixo dela.
-Vamos, neném -murmurou-, é hora de ir para a cama.
-Não -ela o afastou, lutando-. Não.
Mais pesadelos? Preocupado, Seth a apertou com força.
-Soueu, Seth. Não passa nada. Estou contigo.
-Me olha... -ela girou o rosto para seu ombro-. Lá fora. Em todas as partes. Está me olhando.
-Chist... Aqui não há ninguém -levou-a até a escada e de repente compreendeu por que havia encontrado todas as luzes da casa acesas. Lhe dava medo ficar só na
escuridão. E, entretanto, havia ficado-. Ninguém vai te fazer mal, Grace. Prometo-lhe isso.
-Seth... -ela emergiu do sonho ao som de sua voz, e seus olhos pesados se abriram e se fixaram no rosto dele-. Seth -repetiu, e lhe tocou a bochecha e depois
os lábios-. Parece cansado.
-Se quiser troco de lugar contigo. Você pode me levar.
Grace o rodeou com os braços e apertou a bochecha contra a dele.
-Ouvi nas notícias. sobre a família de Bethesda.
-Não tinha por que me esperar.
-Seth,.. -ela se afastou e o olhou nos olhos.
-Não quero falar disso -disse ele secamente-. Não pergunte.
-Não quer falar disso porque te angustia ou porque não quer compartilhar seus problemas comigo?
Ele a deixou junto à cama, deu meia volta e começou a tirar a camisa.
-Estou cansado, Grace. Tenho que voltar para o escritório dentro de algumas horas. Preciso dormir.
-Está bem -ela se esfregou com a mão no coração, ali onde mais lhe doía-.Eu já dormi o bastante. vou descer e chamar um táxi.
Ele pendurou a camisa sobre o encosto de uma cadeira e se sentou para tirar os sapatos.
-Se isso for o que quer...
-Não é o que quero, mas parece que é o que quer você -ela apenas elevou uma sobrancelha quando ele lançou o sapato ao outro lado da habitação.
Seth ficou olhando o sapato como se tivesse saltado por vontade própria.
-Eu nunca faço coisas assim -disse entre dentes-. Nunca faço coisas assim.
-Por que não? Eu me sinto melhor quando as faço - aproximando-se dele, Grace começou a lhe massagear os ombros duros-. Sabe o que necessita, tenente? -baixou
a cabeça para lhe beijar a cabeça-. Além de mim, claro. Precisa te colocar em uma banheira para que se desfaçam todos estes nós. Mas, de momento, veremos o que posso
fazer com eles.
O delicioso contato de suas mãos ia relaxando pouco a pouco os músculos atados dos ombros de Seth.
-Por que?
-Essa é uma de suas perguntas favoritas, não? Vamos, anda, te deite. Deixa que te dê uma boa massagem nessa rocha que você chama de costas.
-Só preciso dormir.
-Mmhmm -lhe fez deitar-se e se sentou na cama, ajoelhando-se a seu lado-. Dá a volta, bonitão.
-Eu gosto mais desta vista -ele conseguiu esboçar um meio sorriso e começou a brincar com as pontas do cabelo de Grace-. Por que não vem aqui? Estou muito cansado
para lutar contigo.
-Terei-o em conta -lhe deu um empurrão-. Dá a volta, grandalhão.
Deixando escapar um grunhido, Seth se deitou de barriga para baixo e proferiu outro grunhido quando Grace se montou escarranchado sobre ele e começou a apertar,
acariciar e amassar suas costas.
-Sendo como é, suponho que as massagens lhe parecerão um luxo. Mas aí é onde te equivoca -ela apertou para baixo com as mãos e pressionou para frente para depois
começar a massagear com os dedos-. Se se aliviar a tensão, o corpo trabalha melhor. Eu me dou uma massagem cada semana na academia. Stefan faria maravilhas contigo.
-Stefan? -ele fechou os olhos e tentou não imaginar a outro homem tocando em Grace-.Já me imagino.
-É um autêntico profissional -disse ela secamente-.E sua mulher é psicóloga infantil. É maravilhosa com os meninos do hospital.
Ele pensou nos meninos. Pensou que isso era o que o fazia sentir-se tão débil. Isso, e as mãos tranqüilizadoras de Grace, sua voz aprazível. A luz do sol, de
uma quente cor vermelha, filtrava-se por suas pálpebras fechadas. Entretanto, Seth seguia vendo-o.
-Os meninos estavam na cama.
As mãos de Grace pararam um momento. Depois, com um longo e silencioso suspiro, ela seguiu movendo-as para cima e para baixo pelas costas de Seth, sobre seus
ombros, até seu pescoço duro. E aguardou.
-A menina menor tinha uma boneca. Uma boneca velha. Ainda a estava abraçando. Havia pósters da Disney nas paredes, por toda parte. Todos esses contos de fadas
com final feliz ... Assim se supõe que têm que ser as coisas quando se é pequeno. A menina maior tinha junto à cama uma dessas revistas para adolescentes, das que
lêem os pirralhos de dez anos porque estão desejando ter dezesseis. Não chegaram a despertar. Não sabiam que nenhuma das duas cumpriria os dezesseis anos -Grace
não disse nada. Não havia nada que dizer. Inclinando-se, beijou brandamente o ombro de Seth e sentiu que ele deixava escapar um longo suspiro-. Faz-te pó, quando
são meninos. Não conheço um só polícial que possa enfrentar-se a isso sem que lhe retorçam as tripas. A mãe estava na escada. Parece que ouviu os disparos e pôs-se
a correr para as habitações das criançass. Depois, ele voltou para sala de estar, sentou-se no sofá e terminou a tarefa.
Ela se apoiou sobre ele, abraçou-se a suas costas e o apertou com força.
-Tenta dormir -murmurou.
-Fique, por favor.
-Sim -ela fechou os olhos e notou que a respiração de Seth se ia fazendo cada vez mais pesada-. Ficarei.


Seth despertou sozinho. Enquanto se dissipava seu torpor, perguntou se tinha sonhado seu encontro com Grace ao amanhecer. Podia cheirá-la, entretanto, no ar
e em sua própria pele, junto à qual ela se havia aconchegado.
Atravessado na cama, elevou a mão para olhar o relógio, que tinha esquecido de tirar-se. E apesar de tudo o que bulia em seu interior, seu relógio biológico
seguia funcionando pontualmente. Concedeu-se dois minutos mais sob a ducha para combater a fadiga e enquanto se barbeava prometeu a si mesmo que durante o seu próximo
dia livre não faria outra coisa que não fosse vegetar.
Ao atar a gravata, fingiu que aquela não ia ser outra jornada abafadiça, úmida e exaustiva. Em seguida resmungou uma maldição, passando os dedos pelo cabelo
recém penteado, quando recordou que tinha esquecido de programar a cafeteira elétrica. Os minutos que demorasse para fazer o café não só lhe tirariam de gonzo, mas
também além disso subtrairiam tempo de seu horário previsto. Mas o que se negava categoricamente a fazer era começar o dia com o veneno que serviam no bar da delegacia
de polícia.
Estava tão concentrado pensando no café que quando, ao descer a escada, seu aroma se deslizou até ele como um canto de sereias, pensou que era uma ilusão. Mas
não só estava a cafeteira cheia de um líquido deliciosamente preto e aromático, mas Grace estava sentada à mesa da cozinha, lendo o jornal da manhã e mordiscando
um bolinho. Afastou-se o cabelo do rosto e parecia não usar outra coisa que não uma das camisas de Seth.
-Bom dia -lhe sorriu e em seguida sacudiu a cabeça de um lado a outro-. Você é humano? Como pode ter essa pinta tão séria e eficiente tendo dormido menos de
três horas?
-Questão de prática. Pensava que te tinha ido.
-Disse-te que ia ficar. O café está quente. Espero que não te importe que me tenha servido sozinha.
-Não -ele ficou onde estava-. Não me importa.
-Se te parecer bem, ficarei aqui um momento, tomando o café, antes de me vestir. Vou a casa de Cade para me trocar. Quero passar pelo hospital na última hora
da manhã e depois ir para minha casa. Já está na hora. Os funcionários da limpeza acabam esta tarde, assim acredito que... -interrompeu-se ao ver que ele seguia
olhando-a fixamente-. O que acontece? -esboçou um sorriso indeciso e se esfregou o nariz.
Sem afastar os olhos dela, Seth tomou o telefone da parede e marcou um número de cor.
-É Buchanan -disse-. Chegarei dentro de algumas horas. Tenho coisas pessoais a fazer -desligou e estendeu a mão-.Vamos à cama. Por favor.
Ela se levantou e lhe deu a mão.
Quando as roupas estavam atiradas com descuido pelo chão, os lençóis revoltos e as persianas baixadas para filtrar a luz do sol, Seth se deitou sobre Grace.
Precisava abraçá-la, tocá-la, desfrutar da onda de emoções que Grace avivava nele. Só uma hora, mas sem pressas. Atrasaria-se em lentos e embriagadores beijos e
prolongaria eternamente suas delicadas carícias. Ela estava ali para ele. Simplesmente, ali. Aberta, generosa, lhe oferecendo uma fonte aparentemente inesgotável
de amor.
Grace suspirava, estremecida, enquanto Seth a acariciava, movendo-se meigamente sobre ela com infinita paciência. Cada vez que suas bocas se encontravam, com
aquele lento deslizar das línguas, seu coração tremia.
Os leves e evasivos sons de sua intimidade, os suaves sussurros dos amantes, foram-se convertendo em suspiros e gemidos. Os dois estavam perdidos, envoltos em
densas capas de prazer. O ar a seu redor era como xarope e em meio dele seus movimentos se dilatavam e seu prazer se prolongava sem fim.
Grace suspirava enquanto Seth deslizava as mãos e a boca lentamente sobre seu corpo, e suas próprias mãos acariciavam as costas dele e seus ombros. Abriu-se
para ele, arqueando-se para lhe dar as boas-vindas, e se estremeceu quando a língua de Seth a conduziu a um orgasmo longo e puxador.
Grace deixou cair as mãos frouxamente e deixou que Seth a tomasse como quisesse. Seu sangue palpitava, quente, e seu ardor fazia aflorar a sua pele um roçar
apaixonado. As mãos de Seth escorregavam, sedosas, sobre sua pele.
-Me diga que me deseja -Seth beijou com a boca aberta seus seios.
-Sim -ela agarrou seus quadris, urgindo-o-. Desejo-te.
-Me diga que me necessita -a língua de Seth se deslizou sobre o mamilo de Grace.
-Sim -gemeu ela de novo enquanto ele a chupava lentamente-. Necessito-te.
"Me diga que me quer". Mas Seth só formulou aquela pergunta para si mesmo enquanto que a beijava de novo na boca, afundando-se naquela úmida promessa.
-Já -manteve os olhos abertos, olhando-a fixamente.
-Sim -ela se incorporou para recebê-lo-.Já.
Seth se deslizou dentro dela, penetrando-a tão devagar, tão deliciosamente, que os dois se estremeceram de prazer. Ele viu que seus olhos se enchiam de lágrimas
e sentiu uma ternura muito mais poderosa que qualquer outra emoção. Beijou-a de novo, brandamente, e começou a mover-se dentro dela pouco a pouco.
A doçura daquela sensação fez que uma lágrima rodasse pela bochecha de Grace. Seus lábios tremiam, e Seth sentiu que os músculos dela se contraíam, rodeando-o.
-Não feche os olhos -murmurou ele, bebendo a lágrima de sua bochecha-. Quero ver-te os olhos quando acontecer.
Ela não podia evitá-lo. Aquela ternura a deixava necessitada. As lágrimas borravam sua visão, e o azul de seus olhos se tornou escuro como a meia noite. Pronunciou
o nome de Seth e depois o murmurou contra seus lábios. E seu corpo se estremeceu em uma longa e ondulante enchente que a embargou por completo.
-Não posso...
-Deixa-me te ter -ele se sentiu cair, e enterrou o rosto entre o cabelo de Grace-. Deixa que te tenha inteira.

Capitulo 10

Grace estava embalando a um bebê no bercário do hospital. A menina era tão pequena que quase não enchia o vão de seu braço do cotovelo à mão, mas seus olhos
de recém-nascida, profundamente azuis, olhavam-na com insistência. Sua cavidade cardíaca tinha sido reparada, e seu prognóstico era bom.
-Vais ficar bem, Carrie. Seus papais estão muito preocupados contigo, mas vais ficar bem -acariciou a bochecha do bebê e pensou que talvez Carrie sorrisse um
pouco.
Sentia a tentação de lhe cantar para que dormisse, mas sabia que as enfermeiras elevavam os olhos ao céu e saíam fugindo cada vez que começava a cantar uma canção
de ninar. Os meninos, entretanto, raras vezes se mostravam críticos com suas escassas capacidades vocais, de modo que começou a cantar em voz baixa, quase sussurrando,
até que os olhinhos de sono de Carrie se fecharam.
Grace seguiu embalando-a quando dormiu. Sabia que o fazia sobre tudo por ela. Qualquer pessoa que tivesse embalado a um bebê sabia que isso tranqüilizava tanto
ao adulto como a criança. E ali, com um recém-nascido adormecido em seus braços, podia admitir seu mais profundo segredo.
Estava desejando ter seus próprios filhos. Ansiava levá-los em seu ventre, sentir seu peso, seus movimentos, dar-lhes a luz com aquela última e aguda pontada
de dor do parto, abraçá-los contra seu peito e sentir como mamavam. Queria passear de um lado a outro com eles em seus braços quando estivessem inquietos, vê-los
dormir. Criá-los e vê-los crescer, pensou fechando os olhos enquanto seguia embalando ao berço. Ocupar-se deles, tranqüilizá-los pelas noites. Inclusive vê-los dar
esse primeiro passo dilacerador que os separaria dela.
Ser mãe era seu maior desejo e seu mais íntimo segredo.
Ao começar a ir à ala de pediatria do hospital, tinha-lhe preocupado estar fazendo-o para acalmar aquele desejo que a consumia por dentro. Mas sabia que não
era certo. A primeira vez que tomou em seus braços a um menino doente, compreendeu que seu compromisso ia muito além disso. Ela tinha tanto a dar, tal abundância
de amor a oferecer ... E ali, no hospital, aceitavam seu oferecimento sem perguntar, sem julgá-la por isso. Ali, ao menos, podia fazer algo que valia a pena, algo
que importava.
-Carrie importa -murmurou, beijando a cabecinha da menina adormecida antes de levantar-se para pô-la no berço-. Um dia destes, muito em breve, estará forte e
sã e irá a casa. Não te lembrará de que uma vez te embalei para dormir quando sua mamãe não podia estar aqui. Mas eu sim me lembrarei -sorriu à enfermeira que acabava
de entrar e se afastou-. Parece que está muito melhor.
-É uma pequena lutadora. Você tem muito boa mão com os bebês, senhorita Fontaine -a enfermeira tomou uma pasta e começou a fazer anotações.
-Tentarei vir um momento dentro de alguns dias. E já podem me localizar em casa outra vez, se fizer falta.
-Ah, sim? -a enfermeira elevou os olhos e olhou por cima dos óculos metálicos. O assassinato na casa de Grace e a conseguinte investigação eram a fofoca do hospital-.
Seguro que estará... a vontade em casa?
-Vou tentar-lo.
Grace deu um último olhar a Carrie e saiu ao corredor.
Tinha o tempo justo, pensou, para passar pelo andar da pediatria e visitar os meninos maiores.Depois chamaria Seth à delegacia de polícia para ver se gostava
de um pequeno jantar para duas pessoas em sua casa. Ao dar a volta, esteve a ponto de se chocar com DeVane.
-Gregor? -compôs um sorriso para dissimular o repentino e estranho tombo que lhe tinha dado o coração-. Que surpresa. Há alguém doente?
Ele a olhou fixamente, sem piscar.
-Doente?
O que lhe passava nos olhos?, perguntou-se Grace. Pareciam muito pálidos e desfocados.
-Estamos no hospital -disse ela, mantendo o sorriso, e, vagamente preocupada, pôs uma mão sobre seu braço-. Encontra-te bem?
Ele pareceu refazer-se de repente, cheio de perplexidade. Sua mente parecia haver-se desligado um instante. Só era capaz de ver a ela, de sentir seu aroma.
-Muito bem -assegurou-lhe-. Estava um pouco distraído. Eu tampouco esperava te encontrar aqui -naturalmente, era mentira. Tinha planejado meticulosamente aquele
encontro. Tomou a mão de Grace, inclinou-se sobre ela e lhe beijou os dedos-. É um prazer, certamente, ver-te em qualquer parte. Passei por aqui porque nossos amigos
comuns despertaram meu interesse pelos cuidados que se dispensam aos meninos neste hospital. Os meninos e seu bem-estar me interessam particularmente.
-Sério? -o sorriso de Grace se fez mais cálido-. A mim também. Quer que te mostre isto em um momento?
-Como não ia querer, se você me servir de guia? -ele deu a volta e fez um gesto aos dois indivíduos que permaneciam parados, muito rígidos, a uns passos de distância-.
Guarda-costas -disse a Grace, tomando-a pelo braço-. Por mais que nos desgoste, são necessários nos tempos atuais. Me diga, como é que tive a sorte de te encontrar
aqui?
Como estava acostumado a fazer, Grace encobriu a verdade a fim de preservar sua intimidade.
-Os Fontaine fizeram doações muito importantes a esta ala do hospital. Eu gosto de passar por aqui de vez em quando para ver o que o hospital está fazendo com
esse dinheiro -lançou-lhe um olhar brilhante-.E nunca se sabe quando te vais encontrar com um médico bonito... ou com um embaixador -seguiu caminhando a seu lado,
lhe dando explicações sobre as distintas seções enquanto se perguntava quanto dinheiro para os meninos conseguiria tirar de DeVane com um pouco de tempo e encanto-.
A ala da pediatria geral está um andar mais acima. Como maternidade está nesta mesma seção, não querem que os meninos maiores andem brincando de correr pelos corredores
enquanto as mães estão de parto ou descansando.
-Sim, os meninos são muito peraltas -ele os detestava-. Uma das coisas das quais mais me arrependo é de não ter tido filhos. Claro que nunca encontrei à mulher
adequada... -fez um gesto com a mão livre-.E, ao me fazer mais velho, resignei-me a que ninguém perpetuasse meu nome.
-Mas Gregor, se está na flor da vida... É um homem forte e cheio de vitalidade. Restam ainda muitos anos para ter tantos filhos como quiser.
-Sim -olhou-a nos olhos de novo-, mas ainda tenho que encontrar à mulher adequada.
Ela sentiu um calafrio de desagrado ao perceber seu intenso olhar e a insinuação que se adivinhava em suas palavras.
-Estou segura de que a encontrará. Aqui há alguns prematuros -aproximou-se mais ao vidro-. São tão pequenos... -disse suavemente-. Tão indefesos...
-É uma pena que nasçam defeituosos.
Suas palavras fizeram Grace franzir o cenho.
-Alguns precisam passar um tempo na encubadora e certos cuidados médicos para desenvolver-se por completo, mas eu não os chamaria de "defeituosos".
Outro erro, pensou ele, sentindo uma repentina irritação. Não parecia poder manter-se alerta quando o aroma de Grace invadia seus sentidos.
-Ah, meu inglês é às vezes um tanto torpe. Deve me perdoar.
Ela sorriu de novo, tentando aliviar a evidente confusão do embaixador.
-Seu inglês é fantástico.
-O suficiente para te convencer de que compartilhe um almoço tranqüilo comigo? Como amigos -Disse, esboçando um tímido sorriso-. Com interesses comuns.
Ela estava olhando aos bebês, igual a ele. Era tentador, admitiu. DeVane era um homem encantador, rico e influente. Talvez pudesse convencê-lo, empregando sutis
artimanhas, para que a ajudasse a fundar um ramo internacional da Estrela Fugaz, uma ambição que pensava fazia algum tempo.
-Eu adoraria, Gregor, mas hoje não posso. Ia para casa quando me encontrei contigo. Tenho que revisar umas... reparações -aquele lhe pareceu o melhor modo de
explicá-lo-. Mas eu adoraria comer contigo em outra ocasião. E espero que seja muito em breve. Há algumas coisas relativas a nossos interesses comuns que eu gostaria
de te consultar.
-Eu adoraria te servir de ajuda no que possa -.Lhe beijou a mão de novo. Essa noite, pensou. Teria-a essa noite, e não haveria necessidade de seguir fingindo.
-É muito amável -sentindo-se culpado pelo desinteresse e a frieza que sentia por ele, beijou-lhe na bochecha-. Tenho que ir. Me chame para que comamos juntos.
Na semana que vem, se quiser -com um último sorriso, Grace partiu correndo.
Enquanto a olhava afastar-se, os dedos de DeVane se cravaram lentamente nas palmas de suas mãos, deixando marcas em forma de meia lua. Tentando dominar-se, fez-lhe
um gesto com a cabeça a um dos homens que aguardavam em silêncio.
-Sigam-na -ordenou-.E esperem minhas ordens.


Cade não se considerava um fraco, e, tendo em conta de quão bem tolerava a sua família, acreditava ser um dos homens mais pacientes e benévolos do mundo. Entretanto,
estava seguro de que, se Grace o fizesse mover um só móvel mais de um extremo ao outro do enorme salão, derrubaria-se e poria-se a chorar.
-Fica genial.
-Mmm... -ela estava parada com uma mão no quadril e os dedos da outra tamborilando sobre seus lábios.
O brilho de seus olhos bastou para que Cade se assustasse.
-Seriamente, está fantástico. Cem por cento. Traz a máquina fotográfica. Isto é como uma capa da House and Garden.
-Não seja bola, Cade -disse ela distraidamente-. Talvez o divã fique melhor olhando para o outro lado-. Ele deixou escapar um gemido lastimero, mas Grace se
limitou a curvar os lábios-. Naturalmente, isso significaria que terei que mover a mesinha baixa e esses outros dois móveis. E a palmeira, não é uma preciosidade?
Teria que ir aí.
A preciosidade devia pesar pelo menos cem quilos. Cade renunciou a seu orgulho e começou a choramingar.
-Ainda tenho pontos -recordou a Grace.
-Ora, o que são uns quantos pontos para um homem tão forte como você? -Grace se aproximou dele, deu-lhe um tapinha na bochecha e observou como lutava seu ego
com suas costas dolorida. Depois deixou escapar uma longa gargalhada-. Tragaste-lhe isso. Está bem, querido. Está perfeito. Não tem que mover nem uma almofada a
mais.
-Sério? -os olhos de Cade se encheram de esperança-. Acabou-se?
-Não só se acabou, mas também agora vais sentar e pôr os pés sobre a mesa enquanto eu te trago uma das cervejas bem frias que guardo na geladeira para detetives
particulares tão altos e bonitos como você.
-É uma deusa.
-Isso dizem. Fique cômodo. Em seguida volto.
Quando Grace retornou levando uma bandeja, viu que Cade tomou muito a sério seu convite. Estava recostado sobre as grossas almofadas azul cobalto de um novo
sofá, com os pés em cima da mesa baixa de ébano e os olhos fechados.
-Ora, parece que te deixei esgotado de verdade, não é?
Ele lançou um grunhido e abriu um olho. Em seguida abriu os dois, cheios de apreciação ao ver que ela deixava a bandeja carregada sobre a mesa.
-Comida -disse, incorporando-se de um salto.
Ela não teve mais remédio que começar a rir quando ele aceitou de boa vontade as uvas verdes e lustrosas, o queijo Brie e os biscoitinhos salgados que lhe oferecia,
junto com caviar frio com torradas.
-É o mínimo que posso fazer por um moço de mudanças tão atraente -acomodando-se a seu lado, tomou a taça de vinho que se serviu-. Devo-te uma, Cade.
Com a boca meio cheia, ele observou a sala de estar e assentiu.
-É claro que sim.
-Não me refiro só ao trabalho manual. Deu-me um refúgio quando o necessitava. E, sobre tudo, devo-te uma pela Bailey.
-Não me deve nada pela Bailey. Quero-a.
-Sei. E eu também. Nunca a vi tão feliz. Só estava te esperando -inclinando-se, deu-lhe um beijo na bochecha-. Sempre quis ter um irmão. Agora, com Jack e contigo,
tenho dois. Uma família instantânea. Eles também encaixam, não achas? -comentou-. M.J. e Jack. Como se sempre tivessem formada uma equipe.
-Bicam-se um ao outro. É divertido observá-los.
-Sim. E, falando de Jack, pensava que ia vir e te dar uma mão com nosso pequeno projeto de redecoração.
Cade pôs uma concha de caviar sobre uma torrada.
-Tinha que seguir a pista de um fugitivo.
-O que?
-Um tipo que tinha violado a condicional. Jack tinha que ir em sua busca. Disse-me que não demoraria muito -Cade tragou e suspirou-. Não sabe o que está perdendo.
-Darei-lhe a oportunidade de averiguá-lo -ela sorriu-. Ainda tenho planos para alguns quartos lá em cima.
Aquilo deu a Cade a abertura para tocar no assunto que o preocupava.
-Sabe, Grace?, não sei se não te estará precipitando um pouco. Vai levar algum tempo em pôr em ordem uma casa tão grande. Bailey e nós gostaríamos que ficasse
em nossa casa uma temporada.
Sua casa, pensou Grace. Já era a casa dos dois.
-Aqui se pode viver perfeitamente, Cade. M.J. e eu estivemos falando disso -continuou-. Jack e ela se vão a seu apartamento. Já está na hora de que todos voltemos
para nossas vidas de sempre.
Mas M.J. não ia estar sozinha, pensou Cade, e bebeu pensativamente sua cerveja.
-Aí fora segue havendo alguém que dirige os fios. Alguém que quer as três Estrelas.
-Eu não as tenho -recordou-lhe Grace-. Não posso apoder-me delas. Não há razão para que agora se incomode comigo.
-Não sei se a razão tem algo que ver com isto, Grace. Eu não gosto que esteja aqui sozinha.
-Igual a um irmão -lhe deu um apertão no braço-. Olhe, Cade, tenho um sistema de alarme novo, e estou pensando em comprar um cachorro enorme e feroz -ia mencionar
a pistola que guardava na mesinha de noite, mas pensou que isso só aumentaria sua preocupação-. Não me acontecerá nada.
-O que pensa Buchanan a respeito?
-Não o perguntei. Passará por aqui depois. Assim não estarei sozinha.
Satisfeito com isso, Cade lhe deu uma uva.
-Tem-lhe preocupado.
Os lábios de Grace se curvaram enquanto se metia a uva na boca.
-Seriamente?
-Não o conheço muito bem, nem acredito que alguém o conheça. É... Suponho que a palavra para descrevê-lo seria "reservado". Não demonstra o que sente. Mas ontem,
quando me encontrei com ele lá em casa, depois de que você ftivesse subido, estava ali parado, olhando para o lugar pelo qual te tinha ido -Cade sorriu-. Tinha
baixado a guarda e foi muito revelador. Seth Buchanan, um ser humano -fez uma careta e tomou sua cerveja-. Sinto muito, não queria...
-Não importa. Sei exatamente o que quer dizer. Tem um domínio de si mesmo quase aterrador, e uma espécie de impenetrável aura de autoridade.
-Tenho a impressão de que você conseguiu abrir uma brecha em sua armadura. Em minha opinião, isso era justamente o que necessitava. Você é o que lhe fazia falta.
-Espero que Seth ache o mesmo. Resulta que ele também é o que me fazia falta . Estou apaixonada por ele -com uma meia risada, sacudiu a cabeça e bebeu um gole
de vinho-. Não posso acreditar que te esteja contando tudo isto. Rara vez eu conto meus segredos aos homens.
-Com os irmãos é diferente.
Lhe sorriu.
-Sim, é certo.
-Espero que Seth se dê conta da sorte que tem.
-Não acredito que Seth acredite na sorte.


Grace suspeitava também que Seth não acreditava nas três Estrelas de Mitra. Ela, em troca, tinha descoberto que acreditava. Em muito pouco tempo, sua mente havia
se aberto e sua imaginação se expandiu, aceitando que aqueles diamantes possuíam um poder mágico. Ela tinha caído debaixo desse desse poder, assim M.J. e Bailey
e os homens aos quais agora estavam unidas.
Grace não duvidava que, quem quer que ambicionasse essa magia, esse poder, não se deteria ante nada. Nã importando que as pedras estivessem no museu. Aquele
homem seguia ansiando as possuir e fazendo planos para apoderar-se delas. Mas já não podia obter os diamantes através dela. Essa parte do vínculo, pensou com alívio,
havi se quebrado. Ela estava a salvo em sua casa, e se acostumaria a viver de novo ali.
Vestiu-se cuidadosamente com um longo vestido branco de seda fina, que lhe deixava os ombros nus e ondulava ao redor de seus tornozelos. Sob a seda flutuante
levava só a pele perfumada.
Deixou o cabelo solto, preso nos lados da cabeça por pentes de prender cabelos de prata, e colocou os brincos de safiras de sua mãe, que reluziam como estrelas
idênticas. Deixando-se levar por um impulso, colocou um grosso bracelete de prata no antebraço: um toque pagão.
Ao olhar-se no espelho depois de vestir-se, sentiu um estranho sobressalto, como se pudesse ver no vidro o leve espectro de outra pessoa misturado com sua imagem.
Sacudiu aquela sensação tornando-se a rir, atribuiu-o aos nervos e se atarefou ultimando os preparativos do jantar.
Encheu de velas e flores as habitações que tinha refeito e, sobre a mesa debaixo da janela que dava ao jardim lateral, colocou a baixela e os cristais para um
jantar meticulosamente preparado para dois comensais.
O champanha estava esfriando-se, a música soava suavemente e a luz era tênue. O único que fazia falta era seu amante.

Seth viu as velas nas janelas quando estacionou na rampa. O cansaço que se tinha somado a seu sentimento de insatisfação lhe fez esfregar os olhos secos na penumbra
do carro.
Havia velas nas janelas.
Viu-se obrigado a admitir que, pela primeira vez em sua vida adulta, tinha perdido o domínio de si mesmo e de mundo que o rodeava. Certamente, não tinha domínio
algum sobre a mulher que tinha aceso aquelas velas e que o esperava entre sua luz suave e piscante.
Interessou-se por DeVane por puro instinto... e, em parte, esse instinto era territorial. Nada era mais impróprio dele. Possivelmente por isso se sentia ligeiramente...
alheio a si mesmo. Descontrolado. Grace se tinha convertido no centro, no ponto focal de sua vida. Em uma obsessão?
Acaso não estava ali porque não podia manter-se afastado dela?
Pôs-se a indagar sobre o passado de DeVane porque aquele homem despertava nele certo mecanismo de defesa instintivo. Possivelmente fora assim como tinha começado
tudo, disse-se, mas sua intuição policial seguia sendo muito fina. DeVane não era trigo limpo. E, com um pouco mais de tempo, umas quantas pesquisas mais, conseguiria
relacionar o embaixador com as mortes que rodeavam os diamantes.
Se não fosse por sua condição de diplomáta, pensou Seth, já tinha suficientes indícios para interrogá-lo. DeVane era aficionado por antiguidades e colecionava
as coisas mais raras e preciosas. Com freqüência, objetos rodeados de certo halo de magia.
Além disso, no ano anterior Gregor DeVane tinha financiado uma expedição para procurar as legendárias Estrelas. Um arqueólogo rival as encontrou primeiro, e
o museu de Washington se apressou a comprar-las. DeVane tinha investido mais de dois milhões de dólares na busca, e as Estrelas lhe tinham escapado por entre os
dedos. Três meses depois do achado, o arqueólogo rival tinha sofrido um trágico e fatal acidente nas selvas da Costa Rica.
Seth não acreditava nas coincidências. O homem que tinha impedido DeVane de ficar com os diamantes estava morto. E também, conforme Seth tinha descoberto, o
chefe da expedição organizada por DeVane.
Não, Seth não acreditava nas coincidências.
DeVane levava quase dois anos vivendo de maneira intermitente em Washington D.C., e nunca havia se encontrado com Grace. De repente, entretanto, justamente depois
de que ela se visse implicada no assunto dos diamantes, aquele homem não só se apresentava nas mesmas reuniões sociais que ela, mas também além disso parecia interessado
em conquistá-la.
A vida, simplesmente, não era assim transparente.
Um pouco mais de tempo, prometeu-se Seth, esfregando as têmporas para dissipar a dor de cabeça. Encontraria um vínculo sólido que relacionasse DeVane e os irmãos
Salvini, ao agiota, aos valentões da caminhonete e a Carlo Monturri. Só necessitava um elo, o resto da cadeia cairia por seu próprio peso.
Mas, de momento, tinha que sair do cansativo carro, entrar e confrontar o que estava passando em sua vida privada. Deixando escapar uma breve risada, desceu
do carro. Sua vida privada. Não era acaso esse em parte o problema? Ele nunca tinha tido vida privada, não tinha podido permitir-se. E de repente, uns dias depois
de conhecer Grace, sua vida privada ameaçava engolir-lo por inteiro.
Também necessitava tempo para isso, disse-se. Tempo para afastar-se, para ganhar distância e dar um olhar mais objetivo ao que lhe estava passando. Tinha permitido
que as coisas se precipitassem. Teria que arrumá-lo. Um homem que se apaixonava da noite para o dia não podia confiar em si mesmo. Era hora de reafirmar-se de novo
na lógica.
Grace e ele eram diametralmente diferentes: em questão de orígens sociais, estilos de vida e metas. A atração física acabava diluindo-se ou se estabilizava.
Já imaginava afastando-se dele assim que a excitação inicial passasse. Ficaria inquieta, impacientaria-se pelas exigências de seu trabalho. E ele não estava disposto
nem era capaz de segui-la através daquele torvelinho social que formava até tal ponto parte de sua intrincada vida. Sem dúvida, Grace procuraria a outro homem que
pudesse fazê-lo. Uma mulher bela, cheia de vitalidade, desejada e adulada a cada passo, não se contentaria acendendo uma vela na janela muitas noites seguidas.
Ele faria um favor a ambos se puxava o freio, se desse marcha-ré. Enquanto elevava a mão para a brilhante aldaba de bronze, procurou não prestar atenção a vozinha
zombadora que, dentro de sua cabeça, chamava-o de mentiroso e covarde.
Ela se apressou a responder a sua chamada como se estivesse esperando-o. Ficou parada na soleira, com a suave luz filtrando-se através de seu longo vestido de
seda branca. A energia que irradiava dela, pura e pagã, deixou Seth sem fôlego.
Apesar de que ele mantinha os braços colados ao lado, Grace se aproximou dele e lhe arrancou o coração com um beijo de boas-vindas.
-Me alegro em ver-te -Grace passou os dedos por suas maçãs do rosto, sob os olhos escurecidos-. Foi um dia muito longo, tenente. Entra e te relaxe.
-Não disponho de muito tempo. Tenho trabalho -ele esperou, observando o brilho de desilusão de seu olhar. O qual o ajudava a justificar o que se dispunha a fazer.
Mas depois ela sorriu e o puxou pela mão.
-Bom, não percamos o pouco tempo que tem ficando aqui parados. Não jantaste, verdade?
Por que ela não lhe perguntava por que não podia ficar?, perguntou-se Seth, irritado sem razão aparente. Por que não se queixava?
-Não.
-Bem. Sente-se e toma uma taça. Pode tomar uma taça ou está de serviço? -ela entrou na sala de estar e tirou o champanha do balde prateado-. Suponho que, em
todo caso, não importa que tome uma taça. Eu não vou dizer a ninguém -desarrolhou a garrafa habilmente, produzindo um ruído amortecido e festivo-. Acabo de tirar
os canapés, assim te sirva -assinalou a bandeja de prata que havia sobre a mesinha baixa antes de afastar-se com um suave frufru de seda para servir duas taças-.
Me diga o que te parece. Deixei o pobre Cade esgotado, movendo as coisas de um lado a outro, mas queria ter a sala de estar preparada o quanto antes.
A habitação parecia saída das páginas de uma revista de papel marché. Nada estava fora de seu lugar, tudo era bonito e reluzente. As cores vivas se mesclavam
com o branco e o negro, com refinados adornos e quadros que pareciam ter sido escolhidos com extremo cuidado e prolongada dedicação. Entretanto, Grace o tinha arrumado
tudo em questão de dias... ou, melhor dizendo, de horas. Nisso, supôs Seth, notava-se o poder da riqueza e o bom gosto.
Mesmo assim, a habitação não parecia rígida ou fria. Parecia acolhedora e cálida. Superfícies suaves, bordas suaves, com detalhes próprios de Grace por toda
parte: garrafas antigas de cores, um gato de porcelana aconchegado sobre um tapete, uma exuberante samambaia em um suporte de vasos de cobre ... E flores e velas.
Seth elevou o olhar e viu o corrimão de madeira polida que ladeava o patamar de cima.
-Vejo que a repararam.
"Algo vai mal", pensou ela enquanto se aproximava para lhe dar sua taça.
-Sim, queria que o fizessem quanto antes. Isso, e instalar o novo sistema de alarme. Acredito que você gostará.
-Posso dar uma olhada, se quiser.
-Preferiria que te relaxasse enquanto pode. O que te parece se trouxer o jantar?
-Você cozinhou?
Ela se pôs-se a rir.
-Eu não te faria isso. Mas sou uma perita encarregando jantares... e os apresentando. Tenta te relaxar um pouco. Volto em seguida.
Enquanto ela saía, Seth olhou a bandeja. Uma terrina de prata Heno de reluzente caviar negro, pequenos e elegantes salgadinhos para comer com os dedos. Seth
lhe voltou as costas e, levando sua taça, aproximou-se do retrato de Grace.
Quando ela voltou, empurrando um carrinho antigo, ele seguia olhando seu rosto pintado.
-Estava apaixonado por ti, verdade? O pintor.
Grace deixou escapar um suspiro cauteloso ao advertir a frieza de seu tom.
-Sim, em efeito. Sabia que eu não lhe correspondia. Freqüentemente desejei que fosse de outro modo. Charles é um dos homens melhores e amáveis que conheço.
-Deitava-te com ele?
Um calafrio percorreu as costas de Grace. Entretanto, suas mãos se mantiveram firmes quando pôs os pratos sobre a mesa adornada com velas e flores.
-Não, não teria sido justo. Ele me importava muito.
-E prefere deitar-se com homens que não lhe importam.
Grace compreendeu de repente que tinha sido uma ingênua. Que estúpida, não haver-se dado conta do que ia acontecer.
-Não, mas não me deito com homens aos quais possa fazer mal. A Charles teria feito sofrer se tivesse sido sua amante, assim preferi ser seu amiga.
-E as esposas? -ele se voltou lentamente e observou com os olhos entreabridos à mulher de carne e osso-. Como a desse conde com o qual te deitaste. A ela não
te importava fazer dano?
Grace tomou de novo seu vinho e inclinou cautelosamente a cabeça. Nunca se tinha deitado com o conde ao qual se referia Seth, nem com nenhum outro homem casado.
Mas nunca se incomodou em rebater os falatórios. E não pensava fazê-lo agora.
-Por que ia fazer-o? Eu não estava casada com ela.
-E o tipo que tentou matar-se quando rompeu seu compromisso?
Ela se levou a taça aos lábios e tragou um sorvo de vinho que lhe arranhou a garganta como fragmentos de vidro.
-Isso foi muito dramático de sua parte, não te parece? Parece-me que não está de humor para salada César e entret Diane, verdade, tenente? A boa comida não senta
bem durante um interrogatório.
-Ninguém está te interrogando, Grace.
-Oh, certamente que sim. Mas esqueceste de ler meus direitos.
A gélida irritação de Grace ajudou Seth a justificar sua raiva. Não se tratava dos homens. Seth sabia que não era a questão dos homens, que tão calculadoramente
tinha jogado na cara de Grace, o que o tirava de gonzo. Era o fato de que não lhe importavam, de que, por alguma razão, nada parecia lhe importar, salvo ela.
-É estranho que te incomode tanto responder a perguntas a respeito de certos homens, Grace. Nunca te incomodaste em ocultar teus... antecedentes.
-Esperava algo mais de ti -disse ela em voz tão baixa que ele apenas a ouviu. Em seguida moveu a cabeça de um lado a outro e sorriu com frieza-. Fui uma tola.
Não, nunca me incomodei em ocultar nada..., a menos que me importasse. Esses homens não me importavam, em sua maior parte. Quer que te diga que você é distinto?
Acreditaria-me se lhe dissesse isso?
Seth temia que sim. Aterrorizava-lhe pensá-lo.
-Não é necessário. Fomos muito depressa, Grace. Não me sinto a gosto assim.
-Entendo. Quer puxar o freio -deixou a um lado a taça, sabendo que logo começaria a lhe tremer a mão-. Parece que deste um par de passos de gigante enquanto
eu não olhava. É certo, deveria ter jogado a esse jogo de menina. Assim estaria mais preparada para o inesperado.
-Isto não é um jogo.
-Não, suponho que não -ela tinha seu orgulho, mas também tinha coração. E queria saber o que estava passando-. Como pudeste fazer amor comigo assim esta manhã,
Seth, e te comportar assim esta noite? Como pode me haver tocado como o tem feito, como não o tinha feito ninguém antes, e me fazer agora tanto dano?
Seth compreendeu que isso se devia ao sentimento que se apoderou dele essa manhã. A necessidade de seu desejo.
-Não pretendo te fazer dano.
-Não, e isso só piora as coisas. Está fazendo um favor aos dois, não é isso? Não é essa a conclusão a que chegaste? Romper antes de que as coisas se compliquem.
Muito tarde -lhe quebrou a voz, mas conseguiu refazer-se de novo-.Já se complicaram.
-Maldita seja -Seth deu um passo para ela, mas se deteve em seco quando Grace jogou a cabeça para trás e fixou nele seus ardentes olhos azuis.
-Nem te ocorra me tocar tendo ainda essas idéias na cabeça. Você segue seu pulcro caminho, tenente, que eu seguirei o meu. Eu não sou partidária de dar um tempo.
Ou segue adiante ou se para por completo -furiosa consigo mesma, elevou uma mão para limpar uma lágrima da bochecha-.E, conforme parece, nos paramos.


Capitulo 11

Seth permanecia imóvel, perguntando-se que demônios estava fazendo. Ali estava a mulher que amava e que, por um inesperado giro do destino, talvez lhe correspondia.
Tinha a oportunidade de viver essa vida que nunca se permitiu: uma família, um lar, uma mulher... Estava rechaçando todas aquelas coisas com as duas mãos, mas não
parecia poder deter-se.
-Grace.... quero que nos demos um pouco de tempo para pensar o que estamos fazendo, aonde nos leva isto.
-Não, não é certo -ela se afastou o cabelo jogando a cabeça para trás com determinação-. Acredita que porque só faz uns dias que te conheço não sei como funciona
sua cabeça? Compartilhei mais coisas contigo que com nenhum outro homem em toda minha vida. Conheço-te -respirou fundo, tremente-. O que quer é tomar de novo o leme,
voltar a sentir o botão de controle sob seu dedo. Tudo isto te escapou das mãos, e não pode permitir que isso aconteça.
-Pode ser que seja verdade -era-o, na realidade, disse-se Seth-. Mas isso não muda nada. Estou em meio de uma investigação, e não estou sendo todo o objetivo
que deveria ser porque me juntei contigo. Quando acabar...
-Quando acabar, o que? -perguntou ela-. Retornaremo-lo onde o tínhamos deixado? Não acredito, tenente. O que passará quando estiver em meio de outra investigação?
E logo depois da seguinte? Pareço-te alguém capaz de esperar até que tenha tempo e vontade de continuar uma relação intermitente comigo?
-Não -Seth ergueu as costas-. Sou polícial. Meu trabalho vem primeiro.
-Não acredito que te tenha pedido nunca que mudasse isso. Na realidade, sua dedicação a seu trabalho parece admirável, atrativa, inclusive heróica -Grace esboçou
um sorriso breve e fino-. Mas isso é irrelevante, quão mesmo esta conversa -deu meia volta e tomou de novo seu vinho-.Já conhece a saída.
Não, nunca lhe tinha pedido que mudasse nada. Nunca tinha questionado seu trabalho. Que demônios tinha feito?, perguntava-se Seth.
-Temos que discutir isso...
-Esse é seu estilo, não o meu. Seriamente achas que pode ficar aqui, em minha casa ... ? -sua voz começou a fazer-se mais alta-. Em minha casa, me deixar plantada
e esperar que mantenhamos uma conversa civilizada? Quero que vá embora-deixou a taça sobre a mesa, derramando o vinho-. Agora mesmo.
De onde tinha saído aquele medo?, disse-se Seth. A luz da advertência começou a soar, mas a ignorou.
-Não vamos deixar-o assim.
-Vamos deixar-lo exatamente assim -particularizou ela-. Acreditas que sou estúpida? Acreditas que não sei que entraste aqui esta noite procurando briga para
que as coisas acabassem assim? Acreditas que não sei que, por mais que te dê, você tenta te manter afastado de mim e o questiona, analisa-o e o dissecas tudo? Pois
analisa isto também. Estava disposta a te dar mais, tudo o que me pedisse. Agora já podes passar o resto de sua vida te perguntando o que perdeste esta noite -enquanto
a advertência soava de novo, Grace passou ao lado de Seth e abriu a porta de entrada-. Terá que responder à chamada do dever em outra parte, tenente.
Seth se aproximou dela, mas, apesar de que desejava lhe estender os braços, resistiu a necessidade de fazê-lo.
-Quando acabar com isto, voltarei.
-Não será bem-vindo.
Seth sentiu que se aproximava de uma linha que nunca antes tinha cruzado.
-Isso não importa. Voltarei.
Ela não disse nada. Limitou-se a lhe fechar a porta no nariz e a passar a tranca com um golpe seco e audível. Apoiou-se contra a porta, respirando com dificuldade
enquanto a dor a invadia. Era pior agora que a porta havia se fechado, agora que lhe tinha deixado fora de sua vida. As velas seguiam ardendo e as flores permaneciam
abertas.
Compreendeu que, todos os passos que tinha dado nesse dia e no anterior, até o momento em que, ao entrar em sua casa tinha visto Seth descer pelas escadas, para
ela, tinham-na conduzido a aquele instante de cego sofrimento.
Tinha sido incapaz de deter-se, pensou, de mudar o que era, o que tinha acontecido antes ou o que viria depois. Só os tolos acreditavam que controlavam seu destino,
como ela tinha acreditado uma vez que controlava o seu.
Tinha sido uma tola por permitir-se aquelas patéticas fantasias, aqueles sonhos nos quais Seth e ela pertenciam um ao outro, nos quais compartilhavam suas vidas,
um lar e uns filhos. Tinha acreditado que só estava esperando que Seth transformasse em realidade os desejos que sempre escapavam de suas mãos.
O poder místico das pedras, pensou com uma meia risada. Amor, conhecimento, generosidade. Seu feitiço tinha sido cruel com ela ao lhe mostrar um pouco de todos
os seus desejos para arrancar-lhe em seguida e deixá-la sozinha.
Fechou os olhos ao ouvir que batiam na porta. Como se atrevia a voltar, pensou. Como se atrevia, depois de despedaçar todos seus sonhos, suas esperanças, suas
necessidades. E como ousava ela seguir apaixonada por ele apesar de tudo.
Pois não a veria chorar, prometeu-se a si mesmo, e se ergueu, passando as mãos pelas bochechas molhadas. Não a veria arrastar-se. Não a veria absolutamente,
porque não lhe deixaria entrar.
Dirigiu-se resolutamente para o telefone. Seth não acharia nenhuma graça que chamasse à polícia e informasse da presença de um intruso em sua casa, pensou. Era
bem feito. Levantou o telefone no momento em que um ruído de vidros quebrados a fez voltar-se para as portas do terraço.
Deu-lhe tempo de ver que um indivíduo entrava por elas e ao ouvir como começava a soar o alarme. Inclusive teve tempo de lutar quando uns grossos braços a rodearam.
Em seguida sentiu um pano sobre seu rosto e um intenso aroma de clorofórmio.
E só teve tempo de pensar em Seth antes de que o mundo girasse e se tornasse negro.


Seth estava apenas a seis quilômetros da casa quando recebeu outra chamada. Desprendeu seu telefone e grunhiu:
-Buchanan.
-Tenente, sou o detetive Marshall outra vez. Acabo de me inteirar de que chegou um aviso de um alarme. Um suposto roubo no 2918 do East Lark Lane, Potomac.
-O que? -por um instante, sua mente ficou em branco-. Grace?
-Reconheci o endereço pelo caso de homicídio. Seu sistema de alarme disparou e não responde às chamadas de comprovação.
-Estou a cinco minutos dali -já estava dando meia volta, fazendo chiar os pneus-. Avise aos dois carros patrulha mais próximos. Imediatamente.
-Já estou nisso,Tenente...
Mas Seth já tinha atirado a um lado o telefone.
O sistema de alarme era novo, disse-se, procurando acalmar-se e pensar com claridade. Os sistemas novos freqüentemente falhavam.
Grace estava zangada, não respondia ao telefone, fazia caso omisso daquele alvoroço. Seria muito próprio dela. Certamente estaria servindo-se de outra taça de
champanha, em atitude desafiante, amaldiçoando-o. Talvez inclusive tivesse feito saltar ela mesma o sistema de alarme, só para que ele voltasse a toda pressa com
o coração apertado. Seria muito próprio dela.
Mas isso tampouco era certo, disse-se Seth enquanto derrapava ao dobrar uma esquina. Não era próprio dela absolutamente.
As velas ardiam ainda nas janelas. Seth tentou tranqüilizar-se pensando nisso enquanto freava na rampa da casa e saía a correr do carro. O jantar ainda estaria
quente, a música seguiria soando, e Grace estaria ali, de pé sob seu retrato, furiosa com ele.
Golpeou grosseiramente a porta antes de conseguir refrear-se. Ela não responderia. Estava muito zangada para responder. Quando o primeiro carro patrulha estacionou,
Seth se voltou e mostrou sua identificação.
-Revistem o lado leste -ordenou-.Eu irei pelo oeste.
Deu meia volta e se dirigiu à lateral da casa. Percebeu o fulgor da água azul da piscina à luz da lua, e de repente se filtrou em sua cabeça a idéia de que nunca
a tinham usado juntos, nunca se tinham deslizado na água fresca nuas. Então viu os vidros quebrados. E o coração, simplesmente, lhe parou. Tirou a arma e cruzou
a janela rota sem pensar no procedimento. Alguém estava gritando o nome de Grace correndo de habitação em habitação, possuído por um pânico cego. Não podia ser ele.
E, entretanto, achou-se de repente nas escadas, ofegante, frio como o gelo, aturdido pelo medo, observando a um policial que se agachava para recolher um trapo.
-Cheira a clorofórmio, tenente -o agente vacilou, deu um passo para o homem que se agarrava ao corrimão-. Tenente?
Seth não podia falar. Tinha perdido a voz. Seu olhar impreciso se moveu, pousando-se no rosto do retrato. Lentamente, com grande esforço, conseguiu ampliar sua
visão e colocar de novo a máscara da serenidade.
-Revistem a casa. Palmo a palmo -seus olhos se fixaram no outro agente-. Peçam reforços. Em seguida. Depois revistem o jardim. Movam-se.


Grace voltou em si lentamente, sentindo uma onda de náuseas e uma espantosa dor de cabeça. Um pesadelo de escuras márgens voava em círculos, como um abutre que
esperasse pacientemente lançar-se sobre ela. Fechou os olhos com força, girou a cabeça sobre o travesseiro e abriu com cautela as pálpebras.
Onde estava? A pergunta era absurda, estúpida. "Não é meu quarto", pensou, e lutou por dissipar a névoa que ainda turvava seu cérebro.
Sentia o roçar do cetim sob a bochecha. Conhecia seu tato fresco e escorregadio. Cetim branco, como o vestido de uma noiva. Cheia de perplexidade, passou a mão
pela grossa e luxuosa colcha da enorme cama com dossel.
Cheirava a jasmins, a rosas, a baunilha. Todos eles aromas brancos, aromas frescos e brancos. As paredes do quarto eram de cor marfim e tinham uma pátina sedosa.
Por um instante, pensou que estava em um caixão, em um enorme e estranho caixão, e seu coração começou a pulsar mais forte.
Incorporou-se, quase temendo que sua cabeça se chocasse com a tampa e se achasse de repente gritando e arranhando, tentando liberar-se. Mas não havia nada, só
o ar fragrante, e Grace respirou fundo, tremente.
Agora se lembrava: o vidro quebrado, aquele indivíduo forte vestido de preto, seus grossos braços... Sentindo-se a beira do pânico, obrigou-se a respirar fundo
várias vezes. Com cuidado, boicotada pelo atordoamento, passou as pernas por cima do beirada da cama até que seus pés se afundaram em um grosso e virginal tapete
branco. Cambaleou-se, deram-lhe náuseas, mas conseguiu apoiar os pés com firmeza sobre aquele mar branco, até chegar à porta.
Ao ver que o trinco resistia, sentiu que o medo lhe afrouxava os membros. Sua respiração se fez trabalhosa enquanto puxava da maçaneta de vidro esculpido. Em
seguida se deu a volta, apoiou-se contra a porta e se obrigou a inspecionar o que agora compreendia era sua prisão.
Branco sobre branco cegador. Uma formosa poltrona rainha Ana, estofada em brocado branco, finíssimas cortinas de renda que penduravam como fantasmas, montões
de almofadões brancos sobre um divã curvo e branco. Os rebordos dourados realçavam aquela avalanche de branco, e os elegantes móveis de madeira clara se asfixiavam
debaixo daquela nevada.
Aproximou-se primeiro das janelas e se estremeceu ao ver as grades, os fragmentos de noite além delas, prateados pela lua. Não via nada familiar: um amplo e
ondulado gramado, flores e arbustos meticulosamente plantados, altas árvores que serviam de escudo.
Ao girar-se viu outra porta, precipitou-se para ela e esteve a ponto de começar a chorar ao ver que a maçaneta girava sem dificuldade. Mas mais à frente havia
uma lustrosa banheira de azulejos brancos, e as janelas de vidro jateado também tinham grades. Uma clarabóia inclinada se elevava a uns cinco metros do chão. E no
longo e reluzente balcão havia frascos, garrafas, cremes, pós... As coisas que gostava, os perfumes, as loções... O estômago lhe fez um nó.
Seqüestro, disse-se. Era um seqüestro, alguém que acreditava que sua família pagaria para recuperá-la a salvo.
Mas sabia que não era certo.
As Estrelas. Apoiou-se, abatida, contra a soleira da porta, e apertou os lábios para sufocar um gemido. A tinham levado por culpa das Estrelas. Elas eram o resgate.
Tremeram-lhe as pernas ao dar a volta e procurou acalmar-se, pensar com claridade. Tinha que haver uma saída. Sempre havia.
Seu alarme tinha soado, recordou. Seth não podia ter estado muito longe. Teria recebido o aviso? Teria retornado? Pouco importava. Sem dúvida o teria recebido
em seguida. Fosse o que fosse o que tinha passado entre eles, Seth faria tudo o que estivesse a seu alcance para encontrá-la. Embora só fosse porque era seu dever.
Enquanto isso, estava sozinha. Mas isso não significava que estivesse indefesa. Deu dois passos para trás, cambaleando-se, quando a fechadura da porta estalou.
Obrigou-se a deter-se e se ergueu. A porta se abriu e entraram dois homens. Um que reconheceu rapidamente como seu seqüestrador. O outro era mais baixo e enxuto
e vestia um traje preto muito formal. Sua expressão era tão dura como uma rocha.
-Senhorita Fontaine -disse com cultivado acento britânico-. Faça o favor de me acompanhar.
Um mordomo, pensou Grace, e teve que tragar uma borbulha de histeria. Conhecia muito bem aquele tipo de coisas, e assumiu uma expressão ao mesmo tempo divertida
e zangada.
-Por que?
-O senhor quer vê-la.
Ao ver que não se movia, o maior dos dois se adiantou e, elevando-se sobre ela, assinalou a porta com o polegar.
-Que encantador -disse ela secamente. Deu um passo para frente, calculando o rápido que teria que mover-se. O mordomo inclinou a cabeça brandamente.
-Você está no terceiro andar -disse-lhe-. Embora você pudesse chegar ao primeiro andar sozinha, há guardas. Flan recebeu ordens de não lhe fazer mal, a menos
que seja inevitável. Se me permitir, aconselho-lhe que não corra esse risco.
Arriscaria-se a isso, pensou ela, e a muito mais. Mas até que tivesse tido ao menos uma oportunidade de sair-se com a sua. Sem quase olhar ao homem que permanecia
a seu lado, seguiu ao mordomo para fora do quarto e ao longo de um corredor suavemente iluminado.
A casa era velha, pensou, mas tinha sido belamente restaurada. Tinha ao menos três andares, de modo que era grande. Uma olhada a seu relógio a convenceu de que
tinha passado menos de duas horas sob os efeitos do clorofórmio. Tempo de sobra para percorrer uma longa distância de carro.
Entretanto, a paisagem que se divisava através das barras de ferro não parecia campestre. Tinha visto luzes, luzes de cidade, casa através das árvores. Um bairro,
decidiu. Rico e exclusivo, mas um bairro.
Onde havia casas, havia gente. E onde havia gente, havia ajuda.
Foi conduzida para os andares inferiores por uma ampla e curva escada de carvalho polido. E viu o guarda no patamar, com a pistola embainhada, mas visível.
Mais abaixo havia outro corredor. Antiguidades, quadros, obras de arte. Reconheceu um Monet na parede, um vaso de porcelana da dinastia Han em uma base, uma
cabeça de terracota Nok da Nigéria.
Seu anfitrião, pensou, tinha um gosto excelente e eclético. Os tesouros que tinha, pequenos e grandes, abrangiam séculos e continentes. Um colecionador, disse-se
sentindo um calafrio. Agora tinha a ela e esperava trocá-la pelas três Estrelas de Mitra.
Com o que a Grace pareceu uma formalidade desconjurada, dadas as circunstâncias, o mordomo se aproximou de umas portas duplas muito altas, abriu-as e se dobrou
levemente pela cintura.
-A senhorita Grace Fontaine.
Não vendo outra alternativa imediata, ela cruzou as portas abertas e entrou em uma enorme sala de jantar cujo teto estava decorado com afrescos e iluminado por
três resplandecentes abajures. Observou a longa mesa de mogno, os candelabros georgianos alegremente acesos e espaçados a intervalos precisos ao longo da mesa, e
fixou seu olhar no indivíduo que, posto em pé, dirigia-lhe um sorriso encantador.
O assombro e o medo se sobrepuseram, ocultando-se.
-Gregor...
-Grace -muito elegante com seu smoking adornado com diamantes, ele se aproximou dela e tomou sua mão intumescida-. É um prazer ver-te outra vez -pegou-a pelo
braço e lhe deu uma afetuosa palmada-. Acredito que não jantaste.


Seth sabia onde ela estava. Não tinha nenhuma dúvida, mas teve que reprimir o desejo impulsivo de correr para a elegante mansão de Washington e destroçá-la com
suas próprias mãos, ele sozinho.
Podia conseguir que a matassem.
Estava seguro de que o embaixador Gregor DeVane tinha matado antes.
A chamada que tinha interrompido sua cena com Grace lhe tinha confirmado que outra mulher que antigamente tinha estado relacionada com o embaixador, uma bela
científica alemã, tinha sido encontrada morta em sua casa em Berlim, ao que parecia vítima de um roubo.
A defunta era uma antropóloga muito interessada no culto a Mitra. No ano anterior, tinha mantido uma relação amorosa com Gregor DeVane durante seis meses. Foi
sua morte, não tinham podido encontrar-se suas notas de estudo a respeito das três Estrelas de Mitra.
Seth sabia que DeVane era o responsável, quão mesmo sabia que era ele quem tinha seqüestrado Grace. Mas não podia demonstrá-lo, e não tinha muitas possibilidades
de convencer a um juiz para que expedisse uma ordem de busca contra a casa de um embaixador estrangeiro.
Uma vez mais, achava-se parado na sala de estar de Grace. Uma vez mais, olhava fixamente seu retrato, imaginando-lhe morta. Mas, desta vez, não pensava como
polícial.
Voltou-se ao sentir que Mick Marshall se aproximava.
-Aqui não encontraremos nada que o relacione com o caso. Dentro de doze horas, os diamantes serão entregues ao museu. Esse homem vai usar-la para assegurar-se
de que isso não ocorra. Tenho que impedir-lhe.
Mick elevou o olhar para o retrato.
-O que necessita?
-Nada. Nada de policiais.
-Tenente... Seth, se tiver razão e esse homem a tem, não poderá tirá-la sozinho. Tem que organizar uma equipe. Necessita de um negociador.
-Não há tempo. Nós dois sabemos -seus olhos já não eram planos e frios, não eram os olhos de um policial. Estavam cheios de tormentosa paixão-. A matará-seu
coração estava recoberto por uma pátina de gelo, mas pulsava com feroz calor-. Ela é muito preparada. Fará o que for necessário para manter-se com vida, mas, se
cometer algum erro, ele a matará. Não necessito um perfil psiquiátrico para entender como funciona a mente desse tipo. É um sociópata obcecado com complexo de deus.
Quer esses diamantes e o que acredita que representam. Agora quer Grace, mas, se ela não servir a seus propósitos, acabará como as outras. Isso não vai ocorrer,
Mick.
Meteu-se a mão no bolso, tirou a identificação e a estendeu. Desta vez não atuaria conforme às normas, não podia permitir-se respeitar as regras.
-Guarde isso para mim, não a perca. Pode ser que queira recuperá-la.
-Vais necessitar de ajuda -insistiu Mick-.Farão-lhe falta homens.
-Nada de policiais -repetiu Seth, e pôs a identificação sobre a mão reticente de Mick-. Desta vez, não.
-Não pode ir sozinho. É um suicídio, profissional e literalmente.
Seth lançou um olhar ao retrato.
-Não estarei sozinho.


Não tremeria, disse-se Grace. Não deixaria que ele visse quão assustada estava. Pelo contrário, afastou-se o cabelo do ombro com gesto despreocupado.
-Sempre faz que seqüestrem e droguem a seus convidados, Gregor?
-Tem que me perdoar por essa estupidez -afastou cortesmente uma cadeira para ela-. Era necessário atuar depressa. Confio em que não esteja sofrendo efeitos secundários.
-Não, além de uma tremenda irritação -ela se sentou e passeou o olhar pelo prato de cogumelos marinados que um sigiloso servente lhe pôs na frente. Recordou
dolorosamente a buliçosa comida em casa de Cade-.E da perda de apetite.
-Oh, deve ao menos provar a comida -ele se sentou à cabeceira da mesa e tomou seu garfo. Era pesado, de ouro, e em outro tempo havia se deslizado entre os lábios
de um imperador-. Tomei-me muitos incomodos para que preparassem seus pratos favoritos -seu sorriso seguia sendo encantador, mas seus olhos se tornaram frios-. Come,
Grace. Detesto que se desperdicem as coisas.
-Dado que te tomaste tantos incomodos... -ela se obrigou a provar um bocado, tentando que não lhe tremesse a mão e que seu estômago não se revolvesse.
-Espero que seu quarto esteje cômodo. Tive que ordenar que o preparassem com muito pressa. Encontrará roupas adequadas no armário e na cômoda. Só tem que pedi-lo,
se desejas algo mais.
-Preferiria que não houvesse grades nas janelas, nem fechaduras nas portas.
-Precauções temporárias, dou-te minha palavra. Uma vez que se sinta a gosto aqui... -sua mão cobriu a de Grace e a apertou com ferocidade quando ela tentou afastar
a sua-... e desejo enormemente que assim seja, essas medidas não serão necessárias.
Ela não fez nenhum gesto enquanto lhe espremia a mão. Quando deixou de resistir, os dedos de DeVane se afrouxaram, acariciaram-na uma vez e se retiraram.
-E quanto tempo pensa me reter aqui?
Ele sorriu, tomou a taça de vinho de Grace e a estendeu para ela.
-Toda a eternidade. Você e eu, Grace, estamos destinados a compartilhar a eternidade.
Por debaixo da mesa, a mão dolorida de Grace tremeu e começou a ficar pegajosa pelo suor.
-Isso é muito tempo -começou a deixar sua taça sobre a mesa sem ter bebido, mas, percebendo o brilho de ira do olhar de DeVane, bebeu um gole-. Sinto-me adulada,
mas confusa.
-É absurdo que finja não entender o que acontece, Grace. Você teve a Estrela em sua mão. Sobreviveu à morte e veio para mim. Vi seu rosto em meus sonhos.
-Sim -ela sentia como ia retirando pouco a pouco o sangue, como se escapasse de suas veias. Olhando-o nos olhos, recordou seus pesadelos: uma sombra no bosque.
Observando-a-. Eu também vi a ti nos meus.
-Você me trará as Estrelas, Grace, e seu poder. Agora compreendo por que fracassei. Cada passo que dei foi só um a mais no caminho que nos trouxe até aqui. Juntos
possuiremos as Estrelas. E você será minha. Não se preocupe -disse ao ver que ela dava um pulo-. Virá para mim por sua própria vontade, como uma noiva. Mas minha
paciência tem um limite. A beleza é minha debilidade -continuou, e passou a ponta de um dedo pelo braço nu de Grace, brincando distraidamente com o grosso bracelete
de prata-.E a perfeição é meu maior deleite. Você, querida, possui ambas as coisas. Naturalmente, não terá alternativa, em caso de que me esgote a paciência. Meus
funcionários estão... muito bem treinados.
O medo era um brilho brilhante e gélido, mas a voz de Grace soou firme e impregnada de asco.
-E se mostrará cego e surdo ante uma violação?
-Eu não gosto dessa palavra durante o jantar -ele se encolheu levemente de ombros e fez um gesto para que lhes servissem o seguinte prato-. Uma mulher com seus
apetites logo terá fome. E, com sua inteligência, sem dúvida compreenderá a conveniência de um compromisso amigável.
-Não é sexo o que quer, Gregor -ela não suportava olhar o tenro salmão rosa que havia em seu prato-. É obediência. E eu não gosto de ser obediente.
-Não me entendeste -ele cravou uma parte de salmão e comeu com deleite-. Pretendo te converter em uma deusa que não tenha que prestar contas ante ninguém. E
terei tudo. Nenhum mortal se interporá entre nós -sorriu de novo-.E menos ainda o tenente Buchanan. Esse homem se está tornando uma moléstia. Fareja em meus assuntos,
onde não tem direito a farejar. Vi-o... -a voz de DeVane se converteu em um sussurro no que se percebia uma ponta de temor-. De noite. Em meus sonhos. Volta. Sempre
volta. Não importa quantas vezes o mate -seus olhos se limparam e bebeu um gole de vinho de cor ouro fundido-. Agora está removendo velhos assuntos e procurando
outros novos.
Grace podia sentir o batimento do coração do medo no pulso de sua garganta, em suas mãos, em suas têmporas.
-Começará a procurar-me muito em breve.
-Certamente. Ocuparei-me dele quando chegar o momento, se chegar. Poderia ter sido esta mesma noite, se não te tivesse deixado tão repentinamente. Oh, já pensei
o que se fará com o tenente. Mas prefiro esperar a ter as Estrelas em meu poder. É possível... -DeVane tomou pensativamente seu guardanapo e se limpou os lábios-.
Pode ser que lhe perdoe a vida uma vez tenha o que me pertence. Se você o desejar. Eu posso ser magnânimo... em determinadas circunstâncias.
Ela tinha o coração na garganta, constrangendo-a, afogando-a.
-Se eu fizer o que você quer, deixará-lhe em paz?
-É possível. Já o discutiremos. Mas eu temo que desenvolvi uma aversão evidente por esse homem. E ainda estou zangado contigo, querida Grace, por rechaçar meu
convite por causa de um homem tão extremamente vulgar.
Ela não vacilou, não podia permitir-se. Sua mente girava em um torvelinho, atemorizada por Seth. Fez que seus lábios se curvassem suavemente.
-Gregor, me perdoe por isso. Fiquei tão... desiludida porque não insistisse mais... A uma mulher, afinal de contas, gosta que a cortejem com maior determinação.
-Eu não cortejo. Eu tomo o que desejo.
-Isso salta à vista -ela fez uma careta-. Foi terrível de sua parte me tratar dessa maneira e me dar um susto de morte. Pode que não te perdoe por isso.
-Tome cuidado com seus jogos -sua voz soava baixa e ameaçadora, mas também, pensou Grace, interessada-. Eu não sou nenhum pirralho.
-Não -lhe passou a mão pela bochecha antes de levantar-se-. Mas a maturidade tem tantas vantagens... -sentia as pernas frouxas, mas mesmo assim percorreu devagar
a habitação abovedada, lançando rápidos olhares às janelas e as portas. Procurando uma saída-. Tem uma casa preciosa. Tantos tesouros... -inclinou a cabeça, confiando
em que o desafio que se dispunha a lhe lançar merecesse a pena-. eu adoro as... coisas. Mas te advirto, Gregor, que não serei brinquedinho de nenhum homem -aproximou-se
lentamente dele, passando a ponta de um dedo pelo pescoço, entre seus seios, enquanto a seda de seu vestido sussurrava a seu redor-.E, quando me encurralam, arranho
-apoiou sedutoramente uma mão sobre a mesa e se inclinou para ele-. Deseja-me? -ofegou, ronronando enquanto olhava os olhos turvados de DeVane e deslizava os dedos
para a faca de seu prato-. Quer me tocar? Me possuir? -seus dedos se fecharam sobre o cabo com força-. Nem em toda a eternidade -disse enquanto que lhe atirava uma
punhalada rápida e se desesperada.
Mas ele se moveu para atrai-la para si, e a faca se afundou no ombro em vez de em seu coração. Ela se girou enquanto ele deixava escapar um grito de dor e raiva.
Agarrando uma das pesadas cadeiras, estrelou-a contra uma janela, provocando uma chuva de cacos de vidro. Mas, ao saltar para frente, uns braços a agarraram com
força para trás.
Grace resistiu com todas suas forças, ofegando. A seda de seu vestido se rasgou. Em seguida, ficou paralisada quando a faca que tinha usado se apertou contra
sua garganta. Não se incomodou em lutar contra os braços que a seguravam enquanto DeVane se aproximava seu rosto ao seu. A ira enlouquecia os olhos do embaixador.
-Poderia te matar por isso. Mas seria muito pouco e muito rápido. Estava disposto a te converter em meu igual. Teria compartilhado isso contigo. Agora, tirarei
de ti o que desejar. Até que me canse de ti.
-Nunca conseguirá as Estrelas -disse ela com firmeza-. Nem a Seth.
-Terei exatamente o que desejar. E você me ajudará a consegui-lo.
Ela se dispunha a sacudir a cabeça, mas deu um pulo ao sentir que a ponta da faca se cravava em seu pescoço.
-Não farei nada para te ajudar.
-Oh, claro que sim. Se não fazer exatamente o que te diga, levantarei o telefone. Com uma só palavra minha, Bailey James e M.J. O'Leary morrerão esta noite.
Com uma só palavra -DeVane percebeu o medo febril que apareceu nos olhos de Grace, o terror indefeso que levava acompanhando-a toda a vida-. Há homens que só esperam
que pronuncie essa palavra. Se o fizer, haverá uma terrível e trágica explosão em casa de Cade Parris, esta noite. Outra em um pequeno bar de bairro, justo antes
do fechamento. E, como expediente, uma terceira explosão destruirá o lar do tenente Buchanan e a seu único ocupante. Seu destino está em suas mãos, Grace. Você decide.
Ela desejou lhe dizer que mentia, que aquilo não era mais que um blefe, mas, ao olhá-lo nos olhos, compreendeu que não vacilaria em cumprir suas ameaças. Não,
na realidade, estava desejando-as cumprir. A vidas daquelas pessoas não significavam nada para ele. Mas para ela eram tudo.
-O que quer que faça?


Bailey estava tentando conter seu pânico quando soou o telefone. Olhou-o fixamente, como se fosse uma serpente que de repente tivesse cobrado vida. Pronunciando
uma oração em silêncio, levantou o aparelho.
-Diga?
-Bailey...
-Grace! -seus nódulos ficaram brancos enquanto se girava. Seth sacudiu a cabeça de um lado a outro e levantou a mão, lhe pedindo precaução-. Está bem?
-De momento, sim. Me escute atentamente, Bailey, minha vida depende disso, entende?
-Não. Sim -tinha que ganhar tempo, disse-se. Isso lhe haviam dito-. Grace, tenho tanto medo por ti... O que aconteceu? Onde está?
-Não posso falar disso agora. Tem que conservar a calma, Bailey. Tem que ser forte. Sempre foste tranqüila. Como quando nós fizemos o exame de história da arte
na faculdade e me dava tanto medo o professor Greenbalm, e você em troca estava tão alegre. .. Agora tem que conservar a serenidade, Bailey, e seguir minhas instruções.
-Farei-o. Tentarei-o -olhou com impotência a Seth enquanto lhe indicava por gestos que prolongasse a conversa-. Me diga só se estiver ferida.
-Ainda não. Mas não duvidará em me fazer mal. Matará-me, Bailey, se não fazer o que quer. Lhe dê o que pede. Sei que te estou pedindo muito. Quer as pedras.Tem
que as trazer. Não pode trazer Cade. Não pode chamar a... a polícia.
"Tira do fio", disse-se Bailey. "Que siga falando".
-Não quer que chame Seth?
-Não. Ele não importa. Só é um policial como outro qualquer. Você sabe que não importa. Tem que esperar exatamente até a uma e meia. Saia de casa então e vá
a Salvini. Deixa M.J. fora disso, como fazíamos antes. Entendido?
Bailey assentiu, com os olhos fixos nos de Seth.
-Sim, entendido.
-Uma vez chegue a Salvini, ponha as pedras em uma maleta. Espera ali. Receberá uma chamada com novas instruções. Não te acontecerá nada. Recorda quanto você
gostava de te escapulir do colégio de noite e sair a passear de carro só depois do toque de silêncio? Pensa que é o mesmo. Exatamente o mesmo, Bailey, e não te acontecerá
nada. Se não, ele me tirará tudo. Entende?
-Sim. Grace...
-Quero-te -conseguiu dizer Grace antes de que a linha ficasse muda.
-Nada -disse Cade com voz crispada, olhando o equipamento de rastreamento-. Há truncado o sinal. Aparece por todo o tabuleiro. Não daremos com ela.
-Quer que vá a Salvini -disse Bailey brandamente.
-Você não vai a nenhuma parte -disse Cade, interrompendo-a, mas Bailey pôs uma mão sobre seu braço e olhou a M.J.
-Não, dizia-o com intenção. Você o entendeu?
-Sim -M.J. levou-se os dedos aos olhos e tentou pensar, superando o medo-. Tentava nos dizer tudo o que podia. Bailey e Grace nunca me deixavam fora de nada,
de modo que o que quer é que eu também vá. Quer que saiamos daqui, mas tentava enganar a esse tipo falando das pedras. Bailey jamais perdia o toque de silêncio.
-Estava-lhes mandando sinais -disse Jack-. Tentando lhes dizer tudo que pudesse.
-Sabia que o entenderíamos. DeVane deve lhe haver dito que nos aconteceria algo se não cooperava -Bailey estendeu a mão a M.J.-. Queria que contatássemos com
Seth. Por isso disse que não importava..., porque nós sabemos que sim lhe importa.
Seth se passou uma mão pelo cabelo. Não tinha mais remédio que confiar na intuição daquelas duas mulheres. Não restavam mais alternativa que confiar no instinto
de sobrevivência de Grace.
-Está bem. Quer que saiba o que está passando, e quer que saiam da casa.
-Sim. Quer que saiamos da casa, acredita que estaremos mais seguras na Salvini.
-Estarão mais seguras na delegacia de polícia -disse-lhe Seth-.E para lá que vão.
-Não -a voz de Bailey permaneceu calma-. Ela quer que vamos a Salvini. Deixou-o muito claro.
Seth a observou um momento enquanto pensava em suas opções. Poderia ter feito que as pusessem sob custódia policial. Esse era o passo mais lógico. Ou podia deixar
que as coisas seguissem seu curso. O qual era um risco. Mas era um risco necessário.
-Para a Salvini, então. Mas o detetive Marshall se ocupará de montar um dispositivo de vigilância. Não se moverão até que lhes diga o contrário.
M.J. deu um pulo.
-Esperas que fiquemos de braços cruzados enquanto Grace está em perigo?
-Isso é exatamente o que vão fazer -disse Seth com frieza-. Ela está arriscando a vida para que vocês estejam a salvo. Não penso defraudá-la.
-Seth tem razão, M.J. -Jack elevou uma sobrancelha quando M.J. olhou-o com má cara-. Adiante, te encha o saco, mas lhe superamos em número. Bailey e você seguirão
as instruções.
Seth notou com surpresa que M.J. fechava a boca e assentia bruscamente com a cabeça.
-O que era esse negócio de exame de história da arte, Bailey?
Bailey respirou fundo.
-O professor Greenbalni se chamava Gregory.
-Gregory... -Gregor-. Bem perto -Seth olhou aos dois homens que necessitava-. Não temos muito tempo.

Capitulo 12

Grace duvidava muito que pudesse sobreviver a aquela noite. Havia tantas coisas que não tinha feito... Nunca tinha mostrado Paris a Bailey e M.J., como sonhavam.
Nunca veria fazer-se grande o salgueiro que tinha plantado na colina de sua casa de campo, inclinando-se delicadamente sobre seu pequeno lago. Nunca teria um filho.
Sentia-se aterrozida pelo medo e pela injustiça de tudo aquilo. Só tinha vinte e seis anos, e ia morrer. Tinha visto sua sentença de morte nos olhos de DeVane.
E sabia que ele pretendia matar também a quem ela amava. Não se contentaria com menos. Tinha que tirar todas as vidas que haviam tocado o que sua mente doente considerava
dele.
O único a que Grace podia agarrar-se era à esperança de que Bailey a tivesse entendido.
-Vou mostrar-te o que podia ter tido -com o braço enfaixado e um smoking novo, DeVane a conduziu através de uma porta dissimulada na parede e ao longo de uma
escada de pedra bem iluminadas, polidas como ébano. Havia tomado um potente analgésico. Tinha o olhar vidrado e enfebrecido.
Aqueles eram os olhos que, em seus pesadelos, olhavam a Grace do bosque. E, enquanto ele descia pelas reluzentes escadas negras, Grace sentiu que uma lembrança
profundamente escondida em sua memória aflorava à superfície.
A luz das tochas, pensou, aturdida. Abaixo, com as tochas brilhando e as Estrelas fulgurantes em seu engaste de ouro, sobre um altar branco. E a morte esperando.
A áspera respiração do homem que caminhava a seu lado. A de DeVane? A de outra pessoa? Era um som ardente, secreto, que lhe dava calafrios. Uma habitação, pensou
lutando por reter aquela escorregadia corrente de lembranças. Um quarto escondido, em branco e ouro. Em que ela permaneceria encerrada por toda a eternidade.
Deteve-se na última curva da escada, nem tanto por medo como por perplexidade. Ali não, pensou freneticamente. Em outra parte. Não ela, mas uma parte dela. Não
ele, mas alguém parecido a ele.
Os dedos de DeVane se cravaram em seu braço, mas ela quase nem sentiu a dor. Seth..., um homem com os olhos de Seth, vestido como um guerreiro, coberto de pó
e armadura de batalha. Ele viria por ela, e a pelas Estrelas.
E morreria por isso.
-Não -a escada começou a girar a seu redor, e se agarrou à fria parede para conservar o equilíbrio-. Outra vez não. Desta vez, não.
-Não tem escolha -DeVane puxou ela, fazendo-a descer os últimos degraus. Deteve-se ante uma grossa porta e fez um gesto impaciente ao guarda para que se afastasse.
Agarrando Grace pelo braço, tirou a pesada chave e a introduziu em uma velha fechadura que, por alguma razão que não conseguia entender, fez Grace pensar na toca
do coelho de Alice.
-Quero que veja o que podia ter sido teu. O que estava disposto a compartilhar contigo.
Empurrou-a bruscamente, e Grace entrou cambaleando-se na habitação e piscou, assombrada.
Não, não era uma toca, disse-se, deslumbrada e atônita. Era a caverna de Alí Babá. O ouro reluzia em montanhas, as jóias brilhavam formando rios. Quadros que
reconheceu como obras dos grandes mestres se apertavam nas paredes, entre as quais se amontoavam estátuas e esculturas, algumas tão pequenas como ovos Fabergé colocados
sobre suportes de ouro, outras elevando-se até o teto. Peles e mantos de seda, fileiras de pérolas, tiaras e coroas se amontoavam em cada canto disponível. Os alto-falantes
escondidos emitiam uma alegre melodia de Mozart.
Grace compreendeu que aquela não era absolutamente a caverna de um conto de fadas. Era simplesmente o quarto de jogos de um menino mimado, retorcido e avaro.
Ali DeVane podia esconder suas posses do mundo, as guardar para ele sozinho e desfrutar-se nelas, imaginava Grace. Quantos daqueles brinquedos teria roubado?, perguntou-se.
Por quantos tinha matado?
Ela não morreria ali, disse-se. Nem tampouco Seth. Se aquela era de verdade a história que se repetia, não consentiria que voltasse a ocorrer o mesmo. Lutaria
com todas suas armas.
-Tem uma boa coleção, Gregor, mas a apresentação poderia melhorar-se -sua primeira arma era o suave desdém, impregnado de ironia-. Até as coisas mais belas perdem
seu impacto visual quando se amontoam com tanta desordem.
-É meu. Tudo isto. Uma vida inteira de esforço. Toma -como um menino mimado, ele agarrou um cálice de ouro e o empurou para que o admirasse-. a rainha Gwinevere
bebeu desse cálice antes de pôr os chifres a Artur. Ele deveria ter haver arrancado seu coração por isso -Grace girou a taça em sua mão e não sentiu nada. Estava
vazia não só de vinho, pensou, mas também de magia. E isto -tomou uns brincos de diamantes e os atirou àao rosto de Grace-. Outra rainha, María Antonieta, usava-os
enquanto seu povo tramava sua morte. Você também poderia tê-los usado.
-Enquanto você tramava a minha -com deliberada ironia, ela desdenhou o oferecimento e se deu a volta-. Não, obrigado.
-Tenho uma flecha com a que caçava a deusa Diana. E o cinturão que levava Juno.
Seu coração vibrava como um harpa, mas Grace se limitou a rir.
-Seriamente acredita nisso?
-São meus -furioso por sua reação, ele se abriu passagem entre sua coleção e apoiou uma mão sobre o frio altar de mármore que tinha feito construir-. Logo terei
as Estrelas. Serão o vértice de minha coleção. Porei-as aqui com minhas próprias mãos. E terei tudo.
-As Estrelas não lhe ajudarão. Não lhe mudarão -ela não sabia de onde brotavam aquelas palavras, nem o conhecimento atrvés delas, mas viu que os olhos de DeVane
brilhavam, surpreendidos-. Seu destino está selado. Nunca serão tuas. Desta vez, não está destinado a ser assim. São para a luz e para o bem. Nunca as verá aqui,
na escuridão.
O estômago de DeVane deu um tombo. Havia energia nas palavras de Grace, em seus olhos, quando deveria ter estado acovardada. Aquilo lhe crispava os nervos.
-Ao amanhecer as terei aqui. Mostrarei-lhe isso -aproximou-se dela, ofegando-. E terei a ti. Reterei-te tanto tempo como desejo. Farei contigo o que quiser.
Grace sentiu sua mão fria na bochecha e pensou, assustada, em uma serpente, mas não se afastou.
-Nunca terá as Estrelas, e nunca me terá . Embora nos prenda, nunca nos terá. Era certo antes, e mais certo é agora. E isso lhe concomerá dia após dia, até que
de ti não fique nada mais que sua loucura.
Ele a golpeou tão forte que a lançou contra a parede.
-Suas amigas morrerão esta noite -sorriu-lhe como se estivessem falando de coisas sem importância-.Já as mandaste ao inferno. Vou deixar que vivas muito tempo
para que o pense devagar.
Agarrando-a pelo braço, abriu a porta e a puxou a rastros da habitação.


-Terá câmaras de vigilância -disse Seth enquanto se preparavam para escalar o muro traseiro da mansão de DeVane em Washington-. Certamente terá guardas patrulhando
o jardim.
-Então, terá que tomar cuidado -Jack revisou a ponta de sua faca, guardou-a em sua capa e examinou depois a pistola que levava na cintura-.E não fazer ruído.
-Não nos separaremos até que cheguemos à casa -Cade revisou mentalmente o plano-.Eu procuro o alarme e o desativo.
-Se isso falhar, mandamo-lo tudo ao diabo. Possivelmente tenhamos sorte no meio do barulho que se armará. Atrairá à polícia. Se as coisas não saírem bem, talvez
nos encontremos com algo mais que uma denúncia por invasão de moradia.
Jack resmungou uma maldição.
-Vamos tirar-la daí -lançou a Seth um rápido sorriso enquanto começava a subir pelo muro-. Espero que não haja cães. Odeio que haja cães.
Aterrissaram sobre a grama suave do outro lado. Era possível que sua presença fosse detectada desde esse instante. Era um risco que estavam dispostos a correr.
Como sombras, moveram-se entre a noite estrelada, deslizando-se entre a densa escuridão, em meio das árvores.
Seth via a casa entre as árvores, o fulgor das janelas iluminadas. Em que habitação estava ela? Estaria assustada? Ferida? Haveria-a tocado ele?
Mostrando os dentes, afugentou aqueles pensamentos. Tinha que concentrar-se unicamente em entrar, em encontrar Grace. Pela primeira vez em anos, sentia o peso
da arma em seu flanco. Sabia que pretendia usá-la. Já não pensava nas normas, em sua carreira, na vida que tinha construído passo a passo, cuidadosamente.
Viu passar a um guarda diante dele, uns metros mais além das sebes. Jack lhe tocou o ombro e lhe fez um gesto. Seth o olhou nos olhos e assentiu com a cabeça.
Uns segundos depois, Jack se equilibrou sobre o homem por atrás, e, com um rápido giro, golpeou-lhe a cabeça contra o tronco de um carvalho e arrastou seu corpo
entre as sombras.
-Um menos -ofegou, guardando a arma que acabava de recarregar.
-Farão rondas a cada certo tempo -comentou Cade-. Não sabemos quanto demorarão para sentir a falta dele.
-Então, vamos, adiante -Seth dirigiu Jack para o norte e Cade para o sul. Mantendo-se agachados, correram para as luzes.


O guarda que escoltou Grace a seu quarto guardava silêncio. Ao menos cento e cinqüenta quilos de puro músculo, calculou Grace. Mas ela tinha visto como se deslizavam
os olhos do guarda sobre seu decote. Sabia utilizar seu físico como uma arma. Elevou o rosto para ele e deixou que seus olhos se enchessem de lágrimas.
-Tenho tanto medo... Estou tão sozinha, se... - arriscou a lhe pôr uma mão no braço-. Você não me fará mal, verdade? Por favor, não me faça mal. Farei o que
quiser -ele não disse nada, mas seus olhos se cravaram no rosto de Grace quando ela se umedeceu os lábios com a ponta da língua, muito devagar-. O que quiser -repetiu
com voz sugestiva-. É tão forte, tão... valente -falaria inglês?, perguntou-se. Embora o que importava? A mensagem estava bastante clara. Ao chegar à porta de sua
prisão, ela deu a volta e lhe lançou um olhar abrasador ao mesmo tempo que deixava escapar um profundo suspiro-. Dá-me tanto medo estar sozinha... Necessito a alguém
-elevou a ponta de um dedo e se tapou os lábios-. Ele não tem por que inteirar-se -sussurrou-. Ninguém tem por que sabê-lo. Será nosso segredo.
Apesar de que lhe dava asco, tomou a mão do guarda e a levou ao peito. O roçar daqueles dedos lhe produziu um calafrio que lhe gelou a pele, mas procurou sorrir
sedutoramente quando ele baixou a cabeça e se apoderou de sua boca.
"Não pense, não pense", dizia-se enquanto ele a manuseava. "Não é você. Não é a ti a quem está tocando".
-Vamos para dentro -confiou em que ele tomasse seu súbito estremecimento como uma amostra de desejo-. Entra comigo. Estaremos sozinhos.
Ele abriu a porta sem deixar de olhá-la avidamente.
Podia ganhar tudo, pensou Grace, ou perder tudo. Deixou escapar uma risada provocadora quando ele a abraçou assim que a porta se fechou a suas costas.
-Oh, não há pressa, bonitão -jogou-se o cabelo para trás, escapando de seu abraço-. Não há por que precipitar-se. Quero me refrescar um pouco para ti.
Ele seguiu sem dizer nada, mas seus olhos se entreabriram com expressão impaciente e receosa. Sem deixar de sorrir, Grace tomou o pesado frasco de vidro com
pulverizador da penteadeira. Uma arma de mulher, pensou friamente enquanto se orvalhava suavemente a pele.
-Eu gosto de utilizar todos os meus sentidos -seus dedos se crisparam sobre o frasco enquanto se aproximava dele, rebolando.
De repente elevou o frasco e lhe orvalhou os olhos de perfume. Ele deixou escapar um som assombrado e se esfregou instintivamente o ardor dos olhos. Grace lhe
quebrou o frasco no rosto com todas suas forças ao mesmo tempo que lhe atirava um chute no meio das pernas.
Ele se cambaleou, mas não caiu ao chão. Tinha sangue no rosto e, abaixo dela, sua pele se tornou de um branco macilento. Procurava tateando a pistola. Assustada,
lhe deu outro chute. Desta vez, ele caiu de joelhos, mas seguiu procurando a arma que levava na cintura.
Soluçando, Grace agarrou um tamborete estofado em branco e o estrelou contra seu rosto ensangüentado. Depois, elevando-o, o quebrou na cabeça dele. Tentou pegar
sua arma freneticamente, mas tinha as mãos pegajosas e lhe escorregavam sobre o aço e o couro. Quando por fim conseguiu agarrá-la com as duas mãos, viu que o indivíduo
estava inconsciente e de repente o fôlego escapou de seus pulmões em uma selvagem gargalhada.
-Suponho que não sou uma dessas -muito assustada para ter precauções, tirou-lhe as chaves e provou uma depois de outra até que a fechadura se abriu. Então pôs-se
a correr como um cervo que fugisse dos lobos entre a luz dourada do corredor.
Uma sombra se moveu junto à escada e, deixando escapar um fraco gemido, ela elevou a pistola.
-É a segunda vez que me aponta com uma arma.
A visão de Grace se embarraçhou ao ouvir a voz de Seth. Ele saiu de entre as sombras.
-Você. Vieste...
Não levava armadura, pensou, aturdida. Ia vestido de negro da cabeça aos pés. Tampouco era uma espada o que levava, senão uma pistola. Não era uma lembrança.
Era real.
Seu vestido estava rasgado, cheio de sangue. Seu rosto, arranhado, e seus olhos vidados pelo choque. Seth havia matado a dois homens para chegar até ali. E,
ao vê-la assim, pareceu-lhe que dois não eram suficientes.
-Já passou tudo -resistiu ao desejo de correr para ela, de estreitá-la entre seus braços. Parecia que ela se faria em pedacinhos se a tocava-.Vamos tirar-te
daqui. Ninguém te fará mal.
-Vai matar-las -ela fez um esforço por respirar-.Vai matar-las, faça o que eu fizer. Está louco. Não estão a salvo dele. Nenhum de nós está a salvo. Já te matou
antes -acabou em um sussurro-. Tentará-o outra vez.
Seth a agarrou pelo braço para segurar-la e guardou suavemente a pistola.
-Onde está, Grace?
-Há um quarto atrás de um painel da biblioteca, descendo as escadas. Igual a antes.... faz tantos anos. Lembra-te? -ela se levou uma mão à cabeça, desorientada-.
Está ali, com seus brinquedos, todos esses brinquedos que brilham. Apunhalei-o com uma faca de jantar.. .
-Bem feito -aquele sangue era dela? Seth não via nenhuma ferida, salvo os arranhões de seu rosto e de seus braços-.Vamos, vêem comigo.
Seth a conduziu escada abaixo. Ali estava o guarda que Grace tinha visto antes. Mas já não estava de pé. Afastando o olhar, rodeou o corpo e fez um gesto. Já
estava mais calma. Sabia que o passado nem sempre se repetia. Algumas vezes mudava. As pessoas o fazia mudar.
-Está ali atrás, a terceira porta à esquerda -sobressaltou-se ao ver que algo se movia. Mas era Jack, que se tinha afastado da soleira de uma porta.
-Está limpo -disse Jack a Seth.
-Leve-a para fora -seus olhos diziam tudo quando empurrou suavemente Grace para os braços de Jack. "Cuida dela. Confio em ti".
Jack a apertou contra sua cintura para deixar livre a mão com a que segurava a arma.
-Está bem, anjo?
-Não -ela moveu a cabeça de um lado a outro-. Vai matar-las. Tem explosivos, algo, não sei, na casa, no bar... Têm que detê-lo. O painel. Mostrarei-lhes isso
-largou-se de Jack e avançou com passo vacilante para a biblioteca-. Por aqui -girou uma volta do corrimão lavrado-. Vi como o fazia -o painel se abriu deslizando-se
suavemente.
-Jack, tira a daqui. Chama à polícia. Eu me ocuparei dele.
Ela estava flutuando sob a superfície de uma água cálida e densa.
-Terá que matá-lo -disse fracamente enquanto Seth desaparecia pela abertura-. Desta vez, não pode falhar.
-Seth sabe o que faz.
-Sim, sempre sabe -a habitação começou a girar a seu redor enloquecidamente-. Jack, sinto muito -conseguiu dizer antes de desmaiar.


Seth comprovou que DeVane não tinha fechado a porta. Arrogante bastardo, tão seguro de que ninguém entraria em seu recinto sagrado... Empunhando a arma, Seth
abriu a pesada porta com sigilo e piscou uma só vez ante o resplendor brilhante do ouro.
Entrou e fixou o olhar no homem sentado em um trono em meio daquele esplendor.
-Acabou-se, DeVane.
DeVane não pareceu surpreso. Sabia que Seth acudiria.
-Arrisca muito -seu sorriso era frio como a de uma serpente; seus olhos gotejavam um ódio demente-. Fez-o uma vez. Lembra-te, verdade? Tiveste sonhos, não é
certo? Já veio para me roubar uma vez, a te levar as Estrelas e a garota. Então levava uma espada, pesada e sem adornos.
Uma vaga sensação se agitou subitamente na cabeça de Seth. Um castelo de pedra, um céu tormentoso, um quarto cheio de riquezas. Uma mulher a qual amava. Em um
altar, um triângulo que sustentavam as mãos do deus, adornado com diamantes tão azuis como estrelas.
-Matei-te -DeVane riu brandamente-. Deixei seu corpo aos corvos.
-Isso foi faz muito tempo -Seth deu um passo para frente-. Isto é agora.
O sorriso de DeVane se fez mais amplo.
-Estou fora de seu alcance -elevou uma mão, empunhando uma pistola.
Ouviram-se dois disparos, tão seguidos que pareciam um sozinho. A habitação tremeu, retumbou, aquietou-se e voltou a brilhar em todo seu esplendor. Seth se aproximou
devagar e baixou o olhar para o homem que jazia de barriga para baixo sobre um montão de ouro.
-Agora sim -murmurou Seth-. Agora sim está fora de meu alcance.
Grace ouviu os estampidos. Por um instante, tudo dentro dela se deteve. O coração, a mente, o fôlego, o sangue. Em seguida voltou a ficar em marcha, uma onda
de emoções que a fez saltar do banco no qual Jack a tinha deitado. O ar saía e entrava trabalhosamente em seus pulmões.
Sabia, porque o sentia, porque seu coração seguia pulsando, que não era Seth quem tinha morrido. Do contrário, ela o haveria sentido. Uma parte de seu coração
se teria desprendido do resto, quebrando-se em mil pedaços.
Mesmo assim, aguardou com os olhos fixos na casa, porque tinha que vê-lo. As estrelas giravam no céu, a lua lançava sua luz por entre as árvores. Em algum lugar,
na distância, um pássaro noturno começou a cantar com esperança e alegria.
Ele saiu então da casa. Inteiro. O pranto obstruiu a garganta de Grace. Tragou-se as lágrimas. Ardiam-lhe os olhos e se enxugou as lágrimas. Tinha que ver Seth
com claridade, ao homem ao qual tinha aceito que amava.
Ele se aproximou com olhar escuro e frio e passo firme. Grace percebeu que já tinha recuperado seu aprumo. Já tinha guardado tudo em algum compartimento onde
não interferisse com o que tinha que fazer a seguir.
Grace se abraçou e se agarrou com força os antebraços com as mãos. Nunca saberia que aquele gesto, aquele voltar-se para si mesma e não para ele, foi o que impediu
que Seth lhe estendesse os braços. De modo que ele se deteve uns passos de distância e olhou à mulher a qual tinha aceito que amava e a qual tinha rechaçado.
Ela estava pálida. Seth percebeu os rápidos estremecimentos que percorriam seu corpo. Entretanto, não lhe parecia frágil. Nem sequer nesse momento, com a morte
suspensa entre eles, era frágil. Sua voz soou firme e serena.
-Acabou-se?
-Sim, acabou-se.
-Ia matar-las.
-Isso também se acabou -seu desejo de tocá-la, de abraçá-la, era assustador. Sentia que seus joelhos estavam a ponto de ceder. Mas ela se deu a volta, separou-se
dele e olhou para a escuridão.
-Preciso ver-las. Bailey e M.J.
-Sei.
-Terá que tomar meu depoimento.
Deus. Seu aprumo vacilou o suficiente como para que Seth se levasse os dedos aos olhos irritados.
-Isso pode esperar.
-Por que? Quero acabar com isto quanto antes. Quero deixá-lo para trás -Grace se ergueu de novo e se girou lentamente. E, ao olhá-lo, viu que tinha as mãos junto
a cintura e os olhos limpos-. Preciso deixar tudo para trás.
Estava claro o que queria dizer, pensou Seth. Ele formava parte desse tudo.
-Grace, está ferida e em estado de choque. Uma ambulância vem a caminho.
-Não necessito de uma ambulância.
-Não me diga que demônios necessita -a fúria se agitava dentro dele, zumbia em sua cabeça como um ninho de vespas-. Hei dito que a maldita declaração pode esperar.
Está tremendo. Pelo amor de Deus, sente-se.
Estendeu um braço para agarrá-la, mas ela se afastou, elevando o queixo.
-Não me toque. Não... toque-me -se a tocava, derrubaria-se. Se se derrubava, poria-se a chorar. E, chorando, suplicaria.
Suas palavras eram como uma faca nas vísceras; o azul desesperado de seus olhos, um murro em pleno rosto. Seth sentiu que lhe tremiam os dedos e, metendo as
mãos nos bolsos, deu um passo para trás.
-Está bem. Sente-se, por favor.
Tinha pensado seriamente que não era frágil? Parecia como se fosse se fazer em pedacinhos a qualquer momento. Estava pálida como um lençol e tinha os olhos enormes.
Se rosto estava manchado de sangue e cheia de arranhões.
E não havia nada que ele pudesse fazer. Nada que lhe permitisse fazer. Ouviu o gemido distante das sirenes e passos atrás dele. Cade, com expressão preocupada,
aproximou-se de Grace e lhe jogou sobre os ombros uma manta que tinha tirado da casa.
Seth viu que ela se voltava para Cade e que seu corpo parecia tornar-se fluido e flutuar nos braços que seu amigo lhe estendia. Ouviu um soluço antes de que
ela o sufocasse contra o ombro de Cade.
-Tira-a daqui -ardia em desejos de abraçá-la, de acariciar-lhe o cabelo, de levar-la com ele-. Tira-a daqui, inferno.


Voltou a entrar na casa para fazer o que tinha que fazer.
Os pássaros cantavam sua melodia matinal quando Grace saiu para seu jardim. O bosque estava verde e tranqüilo. E a salvo. Havia sentido a necessidade de ir até
ali, a seu refúgio no campo. De estar sozinha.
Bailey e M.J. entendiam-no. Passados uns dias, pensou, iria ao povoado, ligaria para elas, perguntaria-lhes se gostariam de subir, levar Cade e Jack. Precisaria
ver-las logo. Mas ainda não suportava a idéia de voltar. Ainda não.
Ainda sentia os disparos, o sobressalto que a tinha atravessado enquanto Jack a tirava da casa. Tinha sabido que era DeVane e não Seth quem tinha morrido. Simplesmente,
havia-o sentido.
Essa noite não havia voltado a ver Seth. Tinha sido fácil evitá-lo na confusão que seguiu. Respondeu a todas as perguntas que lhe fez a polícia local, fez declarações
ante os funcionários do governo. Tinha agüentado bastante bem, mas depois tinha pedido brandamente a Cade ou a Jack que a levassem para a Salvini, com Bailey e M.J.Y
as três Estrelas.
Enquanto passeava pelos terraços cheios de flores, voltou tudo à memória, e ao coração. As três paradas na semi escuridão de uma habitação quase vazia, ela com
o vestido rasgado e cheio de sangue. Cada uma delas tinha tomado um vértice do triângulo, havia sentido o fluxo de seu poder, tinha visto o fulgor de uma luz impossível.
E tinha compreendido que tudo tinha acabado.
-É como se já tivéssemos feito isto antes -tinha murmurado Bailey-. Mas então não foi suficiente. Perdeu-se, e aqui estamos de novo.
-Agora sim que é suficiente -M.J. tinha elevado o olhar, olhando às outras nos olhos-. Como um ciclo completo. Uma corrente com os elos forjados. É estranho,
mas perfeito.
-Um museu em vez de um templo, desta vez -Grace havia sentido uma mistura de arrependimento e alívio quando deixaram as Estrelas em seu lugar-. Uma promessa
cumprida e, suponho, alguns destinos cheios -volto-se para elas para as abraçar. Outro triângulo-. Sempre lhes quis, necessitei-lhes. Podemos ir a alguma parte?
As três sozinhas -seus olhos se encheram de lágrimas-. Preciso falar.
Ela tinha contado tudo, tinha aberto seu coração e sua alma até ficar vazia de medo e de dor. E, supunha que, porque eram elas, curou-se um pouco.
Agora se curaria sozinha.
Podia fazê-lo ali, sabia, e, fechando os olhos, respirou profundamente. Em seguida deixou a cesta jardineira no chão e começou a ocupar-se das flores.
Ouviu chegar um carro, o estalo das rodas sobre o cascalho, e sua testa se franziu. Seus vizinhos eram poucos e dispersos, e raramente a incomodavam. Não queria
mais companhia que a de sua plantas, e se levantou, com as flores flutuando a seus pés, decidida a livrar-se de quem fosse.
Seu coração deu um salto quando viu que era o carro de Seth. Ficou olhando em silêncio enquanto ele se detinha no meio do caminho, saía e punha-se a andar para
ela.
Parecia saída de uma brumosa lenda, pensou Seth, com o cabelo agitando-se na brisa, a longa saia de seu vestido ondulando suavemente e muito flores a seu redor.
Ele estava nervoso. E seu estômago se retorceu ao ver um arranhão na bochecha de Grace.
-Está muito longe de casa, Seth -disse ela sem inflexão quando ele se deteve dois passos de distância.
-É difícil te encontrar, Grace.
-Eu o prefiro assim. Aqui não quero companhia.
-Isso está claro -Seth observou a paisagem, a casa encarapitada à colina, os profundos segredos do bosque-. Isto é precioso.
-Sim.
-E está muito afastado -seu olhar se fixou nos olhos de Grace tão repentinamente, com tanta intensidade, que Grace esteve a ponto de sobressaltar-se. -E muito
tranqüilo. Mereces um pouco de paz.
-Por isso estou aqui -ela elevou uma sobrancelha-.E você a que vieste?
-Precisava falar contigo. Grace...
-Pensava ver-te quando voltasse -apressou-se a dizer ela-. Não falamos muito naquela noite. Suponho que estava mais alterada do que acreditava. Nem sequer te
agradeci.
Seth compreendeu que aquela voz fria e cortês era mais dolorosa que se o tivesse amaldiçoado a gritos.
-Não tem que me agradecer por nada.
-Salvou-me a vida e, acredito, também às pessoas que quero. Sei que quebrou as normas para me encontrar, para me afastar dele. Estou-te muito agradecida.
As palmas das mãos de Seth ficaram pegajosas. Grace estava lhe fazendo ver tudo aquilo outra vez, senti-lo de novo. Toda aquela raiva e aquele terror.
-Faria qualquer coisa para te afastar dele.
-Sim, acredito que sim -ela teve que afastar o olhar. Doía-lhe muito olhá-lo nos olhos. Prometeu a si mesma, tinha jurado não voltar a sofrer-. Pergunto-me se
algum de nós teve escolha no que aconteceu em tão curto e intenso espaço de tempo. Ou -acrescentou com o fantasma de um sorriso- se prefere acreditar, o que passou
faz séculos. Espero que não haja..., que sua carreira não sofrerá pelo que fez por mim.
Os olhos de Seth se tornaram escuros e planos.
-Meu trabalho não corre perigo, Grace.
-Me alegro -ele tinha que ir-se, disse-se. Tinha que ir-se em seguida, antes de que ela se derrubasse-. Tenho intenção de escrever uma carta a seus superiores.
E talvez te interesse saber que tenho um tio no Senado. Não precisa estranhar, quando se limpar a fumaça, consiga uma ascensão por isso.
Ele notava a garganta áspera. Não podia clarear-la.
-Me olhe, maldita seja -quando o olhar de Grace voltou a cravar-se em seu rosto, Seth fechou os punhos para não tocá-la-. Achas que isso me importa?
-Sim, acredito. Importa, Seth. Pelo menos, a mim. Mas, de momento, vou tomar uns dias de descanso, assim, se me desculpar, quero acabar com o jardim antes de
que fique muito quente.
-Acreditas que isto vai acabar assim?
Ela se inclinou, recolheu suas tesouras e cortou umas flores murchas. Se murchavam tão cedo, pensou. E aquilo lhe produziu uma dolorosa pontada no coração.
-Acredito que já lhe pôs fim.
-Não te afaste de mim -agarrou-a pelo braço, fez-a girar-se para ele, sentindo um arrebatamento de medo e de fúria-. Não pode te afastar de mim. Não posso...
-se interrompeu e elevou a mão para pousá-la sobre o arranhão de sua bochecha-. Oh, Deus, Grace. Fez-te mal.
-Não é nada -ela se retirou rapidamente, quase sobressaltando-se, e Seth deixou cair a mão-. Os arranhões se curam. E ele está morto. Você se encarregou disso.
Está morto. Tudo acabou. As Estrelas estão onde lhes corresponde, e tudo voltou para a normalidade. Tudo está como estava destinado a ser.
-Seriamente? -Seth não se aproximou dela. Não podia suportar que se separasse dele outra vez-.Fiz-te mal e não me vais perdoar por isso.
-Não inteiramente -disse ela, tentando lhe tirar ferro ao assunto-. Mas me salvar a vida é suficiente para que...
-Basta -disse ele com voz ao mesmo tempo crispada e serena-. Deixa-o -abatido, deu meia volta e pôs-se a andar por entre as flores com passo vacilante. Não sabia
que pudesse sofrer assim, aquele gelo no ventre, aquele palpitar no cérebro... Falou olhando para os bosques, para as sombras e o fresco verdor das árvores-. Tem
idéia do que senti quando soube que te tinha? Ouvir sua voz pelo telefone, o medo que senti...
-Não quero pensar nisso. Não quero recordá-lo.
-Eu não deixo de recordá-lo. Nem de ver-te. Cada vez que fecho os olhos, vejo-te ali de pé, no corredor, com o vestido manchado de sangue e marcas na pele. Sem
saber... sem saber o que te tinha feito. E recordando... recordando pelo outro tempo em que não pude detê-lo.
-Acabou-se -repetiu ela outra vez porque começavam a lhe fraquejar as pernas-. Esquece-o.
-Poderia te haver escapado sem mim -continuou ele-.Liberou-te de um guarda duas vezes maior que você. Teria podido sair sem minha ajuda. É possível que não me
tivesse necessitado absolutamente. E me dei conta de que esse foi meu problema desde o começo. Acreditava, estava seguro de que eu te necessitava muito mais do que
você me necessitava . E isso me dava medo. É absurdo, mas assim é -prosseguiu, girando-se de novo para ela-. Uma vez conhece o medo real, o medo de saber que pode
perder o que mais te importa na vida em um abrir e fechar de olhos, nada pode lhe tocar - a apertou contra seu peito, muito desesperado para temer seu reação. E,
tomando ar, tremente, enterrou o rosto em seu cabelo-. Não me rechace, não me peça que vá.
-Isto não está bem -era doloroso que a abraçasse. Entretanto, desejava seguir entre seus braços, sentindo o sol quente sobre sua pele, com o rosto de Seth apertado
contra seu cabelo.
-Necessito-te. Necessito-te -repetiu ele, e a beijou com desespero.
Uma onda de emoção embargou Grace, envolvia-os em seu torvelinho como uma tormenta desatada, deixando seu coração tremente e débil. Fechou os olhos, deslizou
os braços ao redor de Seth. A necessidade seria suficiente, disse-se. Ela faria que bastasse aos dois. Havia tanto dentro dela que desejava lhe dar que não podia
lhe pedir que partisse.
-Não te pedirei que vá -acariciou-lhe as costas, tentando dissipar sua tensão-. Me alegro de que esteja aqui. Quero que fique -afastou-se e se levou a mão de
Seth à bochecha. Vamos para dentro, Seth. Vamos à cama.
Lhe apertou os dedos. Depois lhe elevou brandamente a cabeça. De repente lhe doeu dar-se conta de que ela acreditava que isso era quão único que queria dela.
-Grace, não vim até aqui para me deitar contigo. Não vim para retomar por onde o deixamos.
Por que se tinha resistido tanto a ver o que havia no olhar de Grace?, perguntava-se. Por que se tinha negado a acreditar o que de maneira tão manifesta e generosa
lhe oferecia?
-Vim para te suplicar. A terceira Estrela é a generosidade -disse quase para si mesmo-. Você não me fez suplicar. Não vim aqui procurando sexo, Grace. Nem gratidão.
Confundida, ela moveu a cabeça de um lado a outro.
-O que é o que quer, Seth? A que vieste?
Ele não sabia se o tinha compreendido tudo até esse instante.
-Para te ouvir dizer o que quer. O que necessita.
-Paz -ela fez um gesto-. Aqui a tenho. E amizade. Isso também o tenho.
-Isso é tudo? É suficiente?
-Foi-o em toda minha vida.
Ele tomou seu rosto entre as mãos antes de que ela pudesse retroceder.
-E se pudesse ter mais? O que quereria, Grace?
-Desejar o que não se pode ter conduz à infelicidade.
-Diga-me isso -.ele mantinha os olhos fixos nos dela-. Diga-me isso claramente de uma vez. Diga o que quer.
-Quero ter uma família. Filhos... Quero ter filhos e um homem que me queira..., que queira ter uma família comigo -seus lábios se curvaram lentamente, mas o
sorriso não alcançou seus olhos-. Surpreende-te que esteja disposta a danificar meu corpo? A passar uns quantos anos de minha vida trocando fraldas?
-Não -ele deslizou as mãos por seus ombros, agarrando-a com mais força. Notava que ela estava preparada para afastar-se. Para fugir-. Não, não me surpreende.
-Sério? Bom -ela moveu os ombros para sacudir o peso de suas mãos-. Se for ficar, vamos para dentro. Tenho sede.
-Eu te amo, Grace -Seth viu que seu sorriso se desvanecia, sentiu que seu corpo ficava rígido.
-O que? O que há dito?
-Eu te amo -ao as pronunciar, Seth se deu conta do poder daquelas palavras-. Apaixonei-me por ti antes de te conhecer. Apaixonei-me por uma imagem, de um réu
cordato, de um desejo. Não sei se foi o destino, uma escolha, ou o azar. Mas foi tudo tão rápido, tão intenso, tão profundo, que me negava a acreditá-lo e a confiar
em meus sentimentos. E te rechacei porque você fez ambas as coisas. Vim a te dizer isso -suas mãos se deslizaram pelos braços de Grace e tomaram as mãos dela-. Grace,
estou-te pedindo que acredite em nós outra vez, que confie em nós de novo. E que te case comigo.
-Você... -ela teve que dar um passo para trás, teve que levar uma mão ao coração-. Quer te casar comigo.
-Estou-te pedindo que volte comigo hoje. Sei que é antiquado, mas quero que conheça minha família.
A pressão que Grace sentia no peito estava a ponto de lhe fazer estalar o coração.
-Quer que conheça sua família.
-Quero que eles conheçam a mulher que quero, à mulher com a qual desejo compartilhar minha vida. A vida que levo esperando começar há tanto tempo -levou-se sua
mão à bochecha e a sustentou ali enquanto seus olhos se cravavam nos dela-. A mulher com a qual quero ter filhos.
-Oh -o peso de seu peito se liberou em uma onda, brotou fora dela... até que seu coração alagou seus olhos de lágrimas.
-Não chore. Grace, por favor, não chore. Não me diga que demorei muito -limpou-lhe torpemente as lágrimas com os polegares-. Não me diga que estraguei tudo.
-Amo-te tanto... -ela fechou os dedos ao redor de suas mãos e viu que seus olhos se enchiam de emoção-. Fui tão infeliz te esperando... Estava segura de que
te tinha perdido. Outra vez. Sem saber por que.
-Desta vez, não -ele a beijou suavemente, tocando seu rosto-. Nunca mais.
-Não, nunca mais -murmurou contra seus lábios.
-Me diga que sim -pediu-lhe ele-. Quero ouvir lhe dizer isso.
-Sim, a tudo.
Grace abraçou com força a Seth na manhã perfumada pelas flores e sentiu que o último elo de uma corrente infinita encaixava em seu lugar.
-Seth...
Ele tinha os olhos fechados, apoiando a bochecha contra seu cabelo. E seu sorriso aflorou, lento e sereno.
-Grace...
-Estamos onde devemos estar. Não o sente? -ela respirou fundo-. Agora todos estamos onde devemos -elevou o rosto e encontrou a boca de Seth esperando-a.
-E agora -disse ele suavemente- começa tudo.


Fim

Não lhe pareceu que poderia ainda ter mais algumas páginas para um
melhor enlace romântico envolvendo os outros 2 casais? Eu pensei que
pudesse ser um pouco mais elaborado no final, mas sem sombra de dúvida
foi um bom romance.
Espero que também tenham gostado.


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