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segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

A Fantástica História de Silvio Santos

A fantástica história de SILVIO SANTOS
Arlindo Silva


Como conheci Silvio Santos 5
A história de Silvio Santos contada por ele mesmo 11
A história do Programa Silvio Santos 55
A longa batalha pela conquista do primeiro canal de TV 65
O dia em que Silvio Santos chorou 79
O fim da Rede Tupi 93
O sbt no ar 103
O programa que abalou o Brasil 121
Uma aventura no mundo político 127
Grupo Silvio Santos: presente e futuro 139
Dramas e Glórias em 2001 147
Capítulo Especial:
A família Abravanel: uma história que vem da Bíblia 183

Como conheci
Silvio Santos
Como conheci Silvio Santos
A primeira reportagem com o ídolo
No palco e nos negócios
De camelô a empresário
Solteiro ou casado?
Um homem de sorte

Conheci Silvio Santos em princípios de 1970, quando a diretoria de O Cruzeiro decidiu mandar-me de
volta a São Paulo, após 21 anos trabalhando no Rio de Janeiro,
para dirigir a sucursal da revista. Em São Paulo, deparei-me com um fenômeno na televisão: era Silvio
Santos, com um programa que fascinava o público nas tardes
de domingo, e que, por incrível que pareça, era pouco conhecido no Rio. Explica-se: as redes de TV mal
haviam começado a operar. A Globo iniciara com o Jornal Nacional
em 1o de setembro de 1969. Assim, os artistas do Rio eram pouco conhecidos em São Paulo e vice-
versa. De modo que, chegando a São Paulo, vi-me diante de um ídolo
que empolgava os telespectadores. Parecia um Deus. Logo procurei entrar em contato com ele,
imaginando fazer uma grande reportagem. Mesmo se tratando de O Cruzeiro,
na época a mais importante revista da América Latina, que circulava em todos os países de língua
espanhola e nos de língua portuguesa, notei que Silvio desconfiou
de minhas intenções.
A verdade é que ele tinha certa aversão a jornalistas. Depois entendi o porquê. Era um círculo vicioso.
Os jornalistas não gostavam dele, não o tratavam bem e muitos
o consideravam cafona. Ele, por sua vez, não se abria com os jornalistas. Entrevistar Silvio era uma
façanha. E ainda hoje o é. Essa aversão ao pessoal da imprensa
era uma espécie de estado de espírito, que, depois, vim a constatar em quase todos os diretores do Grupo

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Silvio Santos. Era uma guerra surda: quando um vendedor
do carnê do Baú batia à porta de uma dona de casa e a enganava, empurrando um carnê "premiado", os
jornais abriam manchetes, porque o caso ia parar obrigatoriamente
na polícia. Aí os jornalistas iam à forra.
Na verdade, passaram-se vários meses até que eu conseguisse convencer o "patrão" a fazer a
reportagem. No dia em que fui ao auditório da Rede Globo, na praça Marechal
Deodoro, Silvio me entrevistou no ar, pedindo-me para explicar por que eu estava lá. A explicação era
óbvia. Ele era um grande assunto e eu passei toda a minha vida
profissional atrás de grandes assuntos.
O Programa Silvio Santos era transmitido pela Rede Globo do meio-dia às 8 da noite, com uma série de
quadros musicais e concursos. O programa ia ao ar ao vivo. A
correria nos bastidores era uma coisa maluca. A troca de cenários era feita em três ou quatro minutos. A
equipe de produção era comandada por Luciano Callegari,
e, caso ocorresse alguma falha no andamento do programa, Silvio não titubeava, chamando a atenção de
Luciano no ar. Enquanto se dava a troca de cenários, Silvio
tomava café com leite e torradas em um quartinho no fundo do palco. Era basicamente sua alimentação
durante todo o decorrer do programa.
Também fiquei conhecendo ali duas figuras, pode-se dizer, antológicas do Programa Silvio Santos:
Roque e Lombardi. O primeiro, Gonçalo Roque, seu nome completo,
é uma espécie de curinga no programa: coordena as caravanas, comanda as palmas no auditório e é
secretário de palco do animador. Roque está com Silvio há 35 anos,
desde os tempos da Rádio Nacional, na qual era porteiro. Luiz Lombardi marcou "presença" no
programa pela sua voz. Nunca apareceu no vídeo e sua foto jamais foi
vista em jornais ou revistas. A ordem é do patrão: não mostrar o rosto para conservar o mito. Lombardi
está com Silvio desde 1966, quando o programa ainda passava
na TV Paulista, depois Globo. A chamada de Silvio para o intervalo comercial ("É com você,
Lombardi") faz parte da história do programa. Além da televisão, Lombardi
tem um programa na Rádio ABC, de Santo André, onde reside.
Fiz uma ampla reportagem em O Cruzeiro, de seis páginas, com o título "O Fenômeno Silvio Santos".
Ele ficou encantado e, acredito, surpreso, porque me mandou um
cartão, agradecido, dizendo que nunca nenhum jornalista lhe dera tal tratamento. Até hoje guardo, em
meus arquivos, esse cartão, que dizia o seguinte: "Amigo Arlindo.
Em nenhum momento um jornalista foi tão amável comigo. Não esperava receber de você tratamento
tão nobre. Mesmo de um profissional como você, foi surpreendente a
reportagem, tão gentil. Muito obrigado. Silvio Santos. 27/4/71".
Note-se: não fiz nada a mais do que contar, fielmente, o que vi e o que era o Programa Silvio Santos
para o público de São Paulo. Sem falsear nada e sem nenhum exagero.
A revista O Cruzeiro vendeu muitíssimo em São Paulo. Vi que o homem era um filão de ouro como
assunto. Fiz outras reportagens sobre ele e o programa, e a revista
passou a vender mais em São Paulo do que no Rio de Janeiro, o que nunca ocorrera antes. Silvio estava
contente, a direção de O Cruzeiro estava contente e eu, é claro,
estava contente também. A partir daí propus fazer uma série de reportagens contando a vida dele. Ele
topou e, durante cerca de três meses, dependendo do tempo de


que dispunha, gravamos a vida dele em um gravador enorme, do tamanho de uma máquina de escrever,
se não me engano da marca Grundig. Essa história rendeu dez capítulos,
um por semana. Depois disso nunca mais São Paulo deixou de superar o Rio de Janeiro na vendagem da
revista.
Abri a série de reportagens com uma introdução intitulada "As Duas Vidas de Silvio Santos: no Palco e
nos Negócios". Pela sua leitura, pode-se constatar que o principal
escritório de Silvio era sua própria casa. Que os computadores estavam começando a ser utilizados nas
empresas do Grupo Silvio Santos, um pioneirismo para a época.
Que a secretária eletrônica, até então privilégio de poucos, já estava a serviço de Silvio Santos, que a
transformara em uma importante colega de trabalho. Vale
lembrar: isso acontecia há quase 30 anos. Silvio ainda não era dono de nenhum canal de televisão.

Na época em que fiz as gravações para as reportagens de O Cruzeiro, Silvio Santos morava no bairro do
Ibirapuera, região de ricas residências, tranqüila e muito
arborizada. O fundo da casa de Silvio dava para o Parque Ibirapuera, a mais bela área verde da capital. A
vida particular de Silvio era cercada de mistério. Ele
quase nunca era visto em locais públicos. Fazia poucas viagens para o exterior. E havia a dúvida sobre o
fato de ele ser casado ou não. Na verdade era casado com
Aparecida Honoria Vieira, a Cidinha, irmã do empresário Mario Albino Vieira, na época presidente do
Grupo Silvio Santos. Tinha duas filhas: Cíntia e Silvia, de 6
e 2 anos respectivamente.
Conhecer Cidinha, a esposa de Silvio, era de fato um privilégio dado a poucas pessoas. Um dia
perguntei a ele por que escondia o fato de ser casado. Ele explicou:
"Todo ídolo tem de ter uma mística em volta dele. Tem de dar margem a comentários, dúvidas,
discussões. Veja o caso de Fidel Castro. Ninguém sabe como é a vida particular
dele, se é solteiro, casado, desquitado, ou se vive com alguma mulher. Tem de haver algum mistério
para manter a curiosidade popular".

Da época em que publiquei a história de Silvio Santos em O Cruzeiro (1972) até hoje, passou-se uma
geração inteira. Na época ele era "apenas" um grande animador
de auditório, que empolgava o público nas tardes de domingo. O primeiro canal de televisão só foi
conquistado em 1975: a TVS, canal 11 do Rio de Janeiro. Por isso,
no próximo capítulo, vamos republicar toda a história de Silvio Santos, contada por ele próprio à revista
O Cruzeiro, conservando nomes, fatos, datas e circunstâncias
da narrativa original. Desde o tempo em que ele brincava com carrinhos de rolemã, nas ruas da Lapa.
Por essa narrativa pode-se verificar que, em primeiro lugar,
desde menino Silvio tinha um faro muito especial para ganhar dinheiro; em segundo lugar, que a sorte
sempre andava ao lado dele. Sorte que esteve presente no dia
em que ficou gripado e deixou de ir à matinê no cine OK, que se incendiou; assim como no dia em que o
chefe do "rapa" o prendeu, por estar vendendo bugigangas na
avenida Rio Branco, e o enviou para a Rádio Guanabara, porque achou que o garoto tinha boa voz e
poderia ser locutor. A sorte também estava presente quando, de férias
em São Paulo, ele estava parado na esquina da avenida São João com a Ipiranga, quando passou um


amigo, dos tempos da Rádio Tupi do Rio, e disse: "Silvio, na Rádio
Nacional estão precisando de locutor. Por que você não vai até lá e faz um teste? Você é bom locutor".
Silvio foi, fez o teste, passou, tornou-se locutor comercial
da Rádio Nacional. E lá conheceu Manoel de Nóbrega.


A HISTÓRIA DE SILVIO SANTOS CONTADA POR ELE MESMO
O Menino Que Nasceu na Lapa

A Lapa, decantada em prosa e verso por poetas, escritores e compositores, é o coração sentimental do
Rio de Janeiro. Ponto de encontro da boêmia, recanto dos cabarés
e bares da madrugada, a Lapa está imortalizada em sambas e canções, como aquela de Benedito Lacerda
e Herivelto Martins, que tanto sucesso fez no Carnaval de 50,
quando o Rio ainda era a capital federal:
"A Lapa
Está voltando a ser a Lapa
A Lapa
Confirmando a tradição
A Lapa
É o ponto maior do mapa
Do Distrito Federal
Salve a Lapa"
Naquelas ruas antigas, de casas centenárias com fachadas revestidas de azulejos, vive uma gente
humilde, porque a Lapa, o que tem de bonita e tradicional, tem de
pobre e, pela sua fama, não atrai gente de posses. Foi na velha Lapa, o "bairro das quatro letras, que até
um rei conheceu", que nasceu Silvio Santos. Ali existe
uma ruela chamada Travessa Bentevi. Se o repórter fosse fatalista diria que o nome da pequena rua era
profético e que o menino que ali nasceu tinha de ser, forçosamente,
inquieto e falante como o bem-te-vi. Essa ruela fica entre a avenida Henrique Valadares e a rua do

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Senado, na Vila Rui Barbosa, mas a casa onde Silvio Santos nasceu
não existe mais.
O pai de Silvio chamava-se Alberto Abravanel. A mãe tinha o nome bíblico de Rebeca, sobrenome
Caro. Ele era grego, natural de Salônica. Ela, turca, de Esmirna. Conheceram-se
no Rio de Janeiro. O verdadeiro nome de Silvio Santos, aquele que consta do seu registro de nascimento,
é Senor Abravanel. A data de nascimento é 12 de dezembro
de 1930. Na família, ao todo são seis irmãos, três homens e três mulheres. Os homens são: Henrique, o
mais novo; Léo (Leon) e o Silvio, o famoso Silvio Santos, ídolo
do público e um dos mais ativos empresários deste país. As mulheres são: Beatriz, a mais velha, Perla e
Sara (Sarita). O Léo foi sempre o mais chegado a Silvio,
na infância e na juventude. Henrique, o irmão mais novo, nasceu quando Silvio Santos já era menino.
Assim, as peraltices, os jogos e os brinquedos de Silvio sempre
tiveram a participação de Léo.
"Lembro-me de que, no tempo de menino, com 11 ou 12 anos, nosso divertimento preferido, porque era
emocionante, consistia em entrar nos cinemas de graça, usando
de todos os artifícios possíveis", conta Silvio. "Os cinemas preferidos eram o Capitólio, o Rex, o Odeon,
o Vitória, todos na Cinelândia, onde outrora palpitava
a vida noturna do Rio de Janeiro. No cine Vitória entrávamos normalmente sem pagar, porque
conhecíamos o porteiro, o bom Vieira. No Rex, passávamos por baixo da
roleta, na rua Álvaro Alvim. No Capitólio, nós nos escondíamos atrás das poltronas situadas junto às
saídas laterais, aproveitando o instante em que o pessoal deixava
as sessões. No Odeon, infiltrávamo-nos entre o público que saía e caminhávamos em sentido contrário,
andando para dentro do cinema... Isso aconteceu há muitos anos
e são essas coisas que nos fazem sentir uma saudade imensa da infância."
"O dinheiro que economizávamos com o cinema era gasto com balas de figurinhas para colecionar.
Naquele tempo havia as balas Fruna, famosas na época porque davam
prêmios aos garotos colecionadores. Era uma verdadeira mania colecionar e trocar figurinhas. Lembro-
me, também, como se fosse hoje, que eu e o Léo éramos alucinados
por uma fita em série que estavam passando no cine OK, cujo título era O Vale dos Desaparecidos.
Todas as quintas-feiras eram ansiosamente esperadas por causa da
sessão da tarde, quando passavam os capítulos do seriado. Para esse dia eu e Léo economizávamos
dinheiro, porque não podíamos correr o risco de não poder entrar
de carona, e era preciso chegar bem cedo para pegar lugar no cinema, que sempre ficava repleto de
garotos. Além disso, no cine OK nossa pilantragem não dava certo,
porque o porteiro e o guarda de serviço já nos conheciam de outras paragens... Mas foi em relação ao
cine OK que aconteceu um fato que me impressionou muito, e que
talvez tenha sido a primeira manifestação da sorte, que, graças a Deus, sempre tive. O fato foi o
seguinte: em uma daquelas quintas-feiras do seriado eu fiquei resfriado,
febril, e minha mãe não nos deixou ir ao cinema. Fiquei arrasado, chorei, pedi, supliquei, mas minha
mãe foi intransigente. Com febre não me deixaria sair de maneira
alguma. Pois naquele dia o cine OK pegou fogo. Não chegou a ser uma catástrofe, mas muitas crianças e
jovens ficaram feridos com a correria que se estabeleceu. Quando
eu soube que havia escapado - quem sabe? - de morrer ou de ficar ferido, corri para os braços de minha


mãe e cobri-a de beijos. A ela, talvez, eu deva o fato de
ainda estar vivo, porque ninguém poderá dizer que eu ou meu irmão não teríamos morrido na matinê
daquela tarde."

Quando o pai de Silvio, Alberto Abravanel, ficou moço, fugiu de Salônica, na Grécia, para não servir no
Exército turco. Partiu para Atenas, onde foi jornaleiro.
Sem perspectivas de futuro, pegou um navio e desembarcou em Marselha para tentar a vida. Era uma
espécie de camelô. Vendia pistaches e amendoim em locais públicos,
o que era proibido. Acabou preso e expulso da França. Então pegou um navio e desembarcou no Rio de
Janeiro. Como falava vários idiomas, foi trabalhar no porto como
intérprete e até como guia de turistas. Com o dinheiro economizado abriu uma lojinha na praça Mauá, de
frente para o cais. Era uma lojinha de artigos para turistas,
que vendia bandejas com borboletas incrustadas, peças de artesanato em madeira, colares de pedras
coloridas, entre outras coisas. Negociava muito com os tripulantes
dos navios, que compravam aqueles artigos para revendê-los em outros países, tal como faziam quando
aportavam no Rio de Janeiro.
Mas o infortúnio bateu à porta da família Abravanel. "Seu" Alberto tinha se viciado no jogo. Silvio
conta: "Era um drama porque o que ele ganhava na loja de dia,
gastava de noite no cassino. Acabou perdendo a lojinha da praça Mauá. Eu tinha 14 anos naquela época
e estava cursando o 2o ano de Contabilidade na Escola Amaro
Cavalcanti. Aborrecido com a situação, saí da escola e comecei a me virar. Depois de dois meses, voltei
às aulas. Já ganhava algum dinheiro apostando nos caras que
jogavam sinuca nos bares da Lapa. Eu conhecia o taco de cada um e quase sempre ganhava dos
apostadores estranhos. Era proibida a presença de menores nos salões de
sinuca, mas eu ficava escondido atrás de uma geladeira grande, que separava o salão de jogo do bar, e,
assim, ninguém me via fazendo apostas. Meu pai sabia disso,
mas fazia de conta que não sabia de nada. Ele era muito camarada, gostava dele. Minha mãe, sim, era
brava. Eu apanhava dela. Ela dizia: 'Vai ter de trabalhar, senão
não vai ter o quê comer, e ainda vai apanhar mais'. Foi então que resolvi ser camelô. Já havia dado umas
olhadas nos camelôs da avenida Rio Branco e da rua Uruguaiana,
e cheguei à conclusão de que não seria difícil vender aquelas bugigangas".
"Como me Tornei Camelô"
Não só nas brincadeiras e nas travessuras Silvio e Léo eram companheiros inseparáveis. Também nos
estudos. Freqüentavam, juntos, a Escola Primária Celestino da Silva,
na rua do Lavradio, perto de onde moravam. (Nessa época haviam mudado para a rua Gomes Freire.) A
primeira professora dos dois chamava-se Alda Pêssego. A segunda,
Ruth. Terminado o primário, estudaram na Escola Técnica de Comércio Amaro Cavalcanti, no largo do
Machado, onde Silvio Santos se formou em Contabilidade. Já nessa
época, Silvio exercia a atividade de camelô na avenida Rio Branco. Mesmo sendo um estudante, ele
achava que deveria ter um emprego e não podia viver à custa dos
"velhos". E, após verificar que nas casas comerciais e nas repartições públicas os salários eram muito
baixos, pôs-se a imaginar uma infinidade de maneiras de ganhar
dinheiro sem muito trabalho e em grande quantidade. E foi andando pela avenida Rio Branco que,

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inesperadamente, surgiu a solução para esse grave problema: o do emprego
bem-remunerado. Estávamos, então, no Brasil, na época das primeiras eleições após a queda de Getúlio
Vargas. Ele foi deposto, como todos se recordam, em 1945, e
as eleições para presidente da República, buscando o sucessor de Getúlio, foram marcadas para 1946.
Fazia 15 anos que não se votava no Brasil, desde que Getúlio
subira ao poder, em 1930. Havia, por isso, entre a população, aquela euforia pela primeira eleição após o
Estado Novo. Os candidatos eram o marechal Eurico Gaspar
Dutra e o brigadeiro Eduardo Gomes, o primeiro lançado pelo PSD com apoio do próprio Getúlio, e o
segundo pela UDN e pelas forças antigetulistas. Em torno desses
dois nomes a opinião pública estava galvanizada. Vieram as eleições. Ganhou o marechal Dutra, como
se sabe, quando milhares de pessoas apostavam tudo no brigadeiro.
Foi uma eleição empolgante. E foi por causa dela que Silvio Santos se tornou camelô. Como?
"Eu ia passando pela avenida Rio Branco quando vi um homem gritando, vendendo capinhas de plástico
para colocar os títulos de eleitor. Ele vendia aquilo com enorme
facilidade. Todo mundo comprava aqueles porta-títulos por 5 cruzeiros. Quando o camelô acabou de
vender uma remessa de carteirinhas, saí atrás dele, de mansinho,
para ver onde ele ia buscar mais. Ele comprava as carteiras no atacado, em uma loja da rua Buenos
Aires. E ganhava mais de 50% com a venda aos transeuntes, na avenida.
Assim que ele se afastou da loja, entrei e comprei uma carteirinha por 2 cruzeiros. Vendi-a na avenida
dizendo que era a última. Fui buscar mais duas. Coloquei uma
no bolso e sacudi a outra no ar dizendo que era a última. Vendi-a rapidamente. Em seguida, dei alguns
passos, disfarcei, demorei alguns instantes e tirei outra do
bolso: ergui-a e disse que era a última. Vendia sem demora. Então fui até a loja fornecedora e comprei
outras. Vendi todas. Depois, mais e mais. E foi assim que
me tornei camelô. Dizem até que aquela moeda de 2 cruzeiros com a qual comprei a primeira carteirinha
foi a moeda do Tio Patinhas. Meu ponto preferido, como camelô,
era a avenida Rio Branco, esquina da Sete de Setembro ou Ouvidor."
"Naquela época fiquei sabendo que havia apenas 12 ou 13 pessoas vendendo na rua. Mas vendiam
mercadorias de má qualidade: 'Olha a bola de gude, olha o tecido, olha
o anel'. Achei que, sendo um estudante, não ficava bem vender usando aquele método tão primitivo, tão
sem classe. Foi quando descobri 'seu' Augusto, o alemão das
canetas. 'Seu' Augusto ficava parado lá na avenida Rio Branco, perto da Getúlio Vargas, vendendo
canetas. Mas só trabalhava uma hora por dia. Chegava, armava sua
banquinha, dessas de abrir e fechar, e começava a falar com o público. De repente havia aglomeração
em sua volta, e ele falava das canetas, explicava como funcionavam,
falava, falava, dava o preço... Em um instante esgotava o estoque. Se outro camelô pegava as mesmas
canetas, não conseguia vender nada, não tinha aquela facilidade
de conversar que o 'seu' Augusto tinha. Foi quando eu pensei: aí tem coisa. E fui espionar o trabalho do
alemão das canetas. Ele vendia 100, 200 canetas em uma hora.
Os outros camelôs, em sete ou oito horas, só conseguiam vender meia-dúzia. 'Seu' Augusto era
considerado o melhor camelô do Rio de Janeiro. Então, tomei aquilo como
um desafio. Todo dia ia ver o 'bicho-de-sete-cabeças' trabalhando. Ele me via, sabia que eu estava ali
aprendendo com ele, mas não se incomodava, porque muitos já

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haviam feito a mesma coisa e ninguém conseguia vender como ele. Depois de uns dias vendo 'seu'
Augusto trabalhar, fui a um atacadista, comprei as canetas, mandei
fazer uma banqueta igual à do alemão e me postei na esquina da avenida Rio Branco com a Sete de
Setembro. Como eu achava que conquistar o público só na fala seria
um pouco difícil, aprendi algumas manipulações de moedas e de baralhos. Quando eu começava com
aquelas manipulações, com aquelas mágicas, primeiro paravam umas crianças
e ficavam olhando. Depois vinham os desocupados. Por fim, toda gente. E eu lá, garoto bem falante,
começava a apregoar as qualidades das canetas, a explicar o seu
funcionamento, como se montava ou desmontava, como se substituía a bombinha de borracha ou a pena.
E dava o preço. Nos primeiros dias eu vendia de 50 a 60 canetas,
mas em pouco tempo passei a vender mais que o 'seu' Augusto. Por diversas vezes os jornais publicaram
reportagens sobre o garoto que conseguia prender diante de
si um público enorme. Em minhas mágicas eu fazia moedas sumirem entre meus dedos, tirava dedal da
orelha, tirava botões do nariz das pessoas. Trabalhava das onze
ao meio-dia, horário em que o guarda ia almoçar. Eu tinha realmente poder de comunicação. E com esse
poder de comunicação ganhava por dia o equivalente a quase cinco
salários mínimos, que naquele tempo era de 200 cruzeiros antigos. Daí em diante nunca mais me faltou
dinheiro. Ganhava até mais do que precisava. Até para minha
mãe 'emprestei' dinheiro quando ela precisava. Claro que eu nunca cobrava dela."
"Eu tinha um 'farol', meu companheiro de trabalho. Era o Pedro Borboleta, sobrinho do Adolpho Bloch,
o dono da Manchete. O 'farol' era a pessoa que ficava ao meu
lado, fingindo que comprava as bugigangas, para animar o público. Várias vezes o 'rapa' me pegou. Aí,
eu perdia tudo, mas depois começava tudo de novo..."
O "Rapa" Chegou e Silvio Não Fugiu a Tempo
Além do "farol" Pedro Borboleta, Léo, irmão de Silvio, passou a ajudá-lo na difícil (e arriscada)
atividade de camelô. Enquanto Silvio ficava gritando e vendendo
suas bugigangas, Léo ficava alerta, de olho vivo, para avisar da chegada do "rapa".
"Quando os guardas davam muito em cima do nosso ponto preferido, mudávamos por alguns dias.
Deixávamos a 'sopa' que era a Rio Branco, esquina com a Ouvidor, e íamos
vender nossas mercadorias nas ruas Uruguaiana ou Gonçalves Dias, às vezes na Cinelândia, outras vezes
no largo São Francisco. Uma vez, tentando alertar-me pela aproximação
do 'rapa', o Léo foi agarrado por um guarda, mas logo solto porque mostrou que não tinha bugiganga
nenhuma em seu poder."
Mas se eram bons amigos e companheiros, tanto nos divertimentos como na camelotagem, Silvio e Léo
tinham, também, suas brigas. E, às vezes, dessas brigas saíam até
ferimentos de ambos os lados. Certo dia, por exemplo, os pais tinham saído. Silvio e o irmão inventaram
de brincar de bandido e mocinho. Léo subiu em uma cadeira
para apanhar o revólver de plástico, que estava em cima do guarda-roupa, presente que recebera de sua
madrinha. Silvio subiu em outra cadeira e, na disputa para
ver quem apanhava o revólver, empurrou Léo, que caiu e quebrou um braço. Tanto Silvio quanto Léo
jogavam botões e participavam de peladas com outros garotos das
vizinhanças. Um detalhe: Silvio não gostava que Léo fumasse. Certa vez Léo estava no cine Colonial, na
Lapa, fumando, quando Silvio apareceu e deu-lhe um cascudo

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tão forte que o machucou. Mas entre os dois sempre houve diferença de comportamento. Léo sonhava
ser piloto. Tinha loucura por aviões e vivia torcendo para que estourasse
uma nova guerra, porque achava que, assim, teria chance de se tornar aviador. Silvio sempre teve o dom
de falar. Sua carreira de animador, pode-se dizer, teve como
ponto de partida sua atividade de camelô na avenida Rio Branco. Foi dali, de seu ponto de camelotagem,
que ele partiu para a sua primeira experiência no mundo artístico,
como locutor de rádio. Tudo porque um belo dia apareceu o 'rapa' e Silvio Santos não conseguiu fugir a
tempo.
Silvio Entra no Rádio, Deixa o Rádio e Volta a Ser Camelô
Certa vez Silvio e Léo fizeram um patinete de sociedade. Léo arranjou as tábuas, os pregos e os eixos e
Silvio as quatro rolemãs, algo difícil naquele tempo. Em
uma ladeira perto da rua Gomes Freire, onde moravam, uma ambulância que passava a toda quase
atropelou os dois meninos. "Seu" Alberto apareceu na hora H, a ponto
de "ver" os filhos atropelados. Deu um grito, que foi ouvido em toda a vizinhança, e fechou os olhos.
Quando olhou novamente viu os dois garotos de olhos arregalados,
assustados, com o patinete nas mãos, brancos como papel, como se tivessem visto a morte em pessoa.
Por sorte, o motorista da ambulância dera uma guinada violenta,
livrando os meninos do atropelamento certo. Para pagar o enorme susto pregado em "seu" Alberto,
Silvio e Léo foram levados de volta para casa, debaixo de chineladas,
percorrendo uma distância de cerca de duzentos metros. Nunca mais ninguém andou de patinete naquela
casa, pois "seu" Alberto destruiu o brinquedo. Não queria que
seus filhos viessem a correr outros riscos, como aquele, acabando debaixo de um automóvel ou de um
caminhão, ao pé da ladeira.
Silvio, na opinião de Léo, "foi o melhor camelô que o Rio conheceu naqueles tempos". Muito vivo,
muito comunicativo, simpático, bom garoto, e com uma vantagem: era
estudante e fazia daquilo um meio de sustento, porque, muito orgulhoso, não queria viver só à custa dos
pais. Quando os guardas carregavam suas traquitandas, ele
fazia um verdadeiro comício, jogando o povo contra os guardas, usando sempre a mesma frase: "Eu sou
menor de idade, vocês não podem me prender. Vocês deviam prender
os marginais, os ladrões, que estão soltos por aí, e não eu, que estou trabalhando. Sou estudante e faço
isso para comprar livros e pagar a escola".
Muitas vezes os populares se sensibilizavam com o discurso de Silvio e iam falar com os guardas, para
que liberassem as mercadorias do rapaz, que não era um malandro,
mas um jovem estudante. Silvio conta: "Até que um dia o diretor da fiscalização da prefeitura, Renato
Meira Lima, quis me levar para o Distrito, a fim de que eu
não exercesse minha profissão de camelô. Ele estava prendendo por vadiagem os camelôs do Rio de
Janeiro. Mas quando ele me viu trabalhando, viu que eu tinha muito
pouca idade, viu que eu falava regularmente, viu que eu era estudante, modificou seu pensamento a meu
respeito. Em vez de me levar para o Juizado de Menores, deu-me
um cartão para que eu fosse procurar um amigo dele na Rádio Guanabara, Jorge de Matos, dono do Café
Globo. Eu fui até a Rádio Guanabara e, por coincidência, lá estava
se realizando um concurso de locutores, do qual participavam, naquele tempo, cerca de 300 candidatos.
Nesse concurso estavam inscritos rapazes que depois se tornaram

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figuras famosas do mundo artístico, no rádio ou na televisão, como Chico Anysio, José Vasconcellos e
Celso Teixeira. Fui o primeiro colocado nesse concurso e assim
fui admitido como locutor. Era a primeira atividade artística que eu exercia. Um mundo novo, diferente
de tudo o que eu havia imaginado, me cercava. Mas o salário
que eles me pagavam era de apenas 1300 cruzeiros (um conto e trezentos) por mês. Como camelô, eu
ganhava, por dia, 960 cruzeiros. Eu tinha, evidentemente, que escolher:
ou iniciava a linda profissão de locutor da Rádio Guanabara, ganhando um conto e trezentos por mês, ou
continuava como camelô, ganhando muito mais! Outro detalhe:
na rádio eu era obrigado a trabalhar de quatro a cinco horas por dia. Como camelô na avenida eu
trabalhava apenas 45 minutos por dia, isto é, o tempo exato que o
guarda demorava para almoçar. Eu sabia tudo a respeito do guarda. Seu horário de almoço era das 11 às
11h45. Ele almoçava em um bar na rua 7 de Setembro. O Léo ficava
de olho no bar em que ele comia e, quando ele terminava, vinha correndo me avisar. Assim o serviço
rendia, era tranqüilo e não oferecia riscos. Pensando em tudo
isso, tomei minha decisão: fiquei na Rádio Guanabara apenas um mês. E voltei a ser camelô".
Colega de Trabalho e Macaco de Auditório
"Isso tudo aconteceu quando eu tinha 14 anos. Nessa época havia dois grandes ídolos no rádio: César de
Alencar e Heber de Boscoli, marido da estrela Yara Salles.
Eu gostava muito do César de Alencar. Ele sempre foi um homem que eu admirava, porque quando eu
chegava à escola - eu estava no ginásio naquele tempo -, as moças,
na segunda-feira, só falavam nele. Eu tinha, assim, um pouco de ciúme do César, porque as meninas
falavam muito nele e até pareciam apaixonadas por ele. Eu, então,
comecei a ouvir o César de Alencar na Rádio Nacional e realmente gostava do programa dele. Havia
sábados em que eu ouvia o programa do começo ao fim. Nessa época
eu tinha uma namorada na Guanabara, que chegou a ser minha noiva, e na casa dela só se ouvia o César
de Alencar. Como eu ia para lá aos sábados, ficava ouvindo também.
Era, realmente, um animador do qual eu gostava. Havia outros animadores famosos na Guanabara, como
o Aerton Perlingeiro, o Chacrinha, o João de Freitas, o Jorge
Cury, o Carlos Frias, o Manoel Barcelos. Eu, como locutor, imitava o Osvaldo Luiz, que tinha a voz
muito parecida com a do Carlos Frias. Eu gostava do Manoel Barcelos
e fui ao seu programa várias vezes. Tinha tempo para ir aos programas porque, como já disse, trabalhava
como camelô apenas 45 minutos por dia, no horário de almoço
do guarda. Depois, ficava com tempo livre e ia aos auditórios de rádio, principalmente os do Heber de
Boscoli, que ficava perto do quartel-general dos camelôs. Os
camelôs freqüentavam um bar na praça Tiradentes, encostado ao Cine São José, e o programa de Heber
de Boscoli com Yara Salles e Lamartine Babo era feito no Teatro
Carlos Gomes, ali perto. Então, como depois do almoço eu não tinha nada para fazer, ia ver as
brincadeiras do Trem da Alegria, o programa de Heber, Yara e Lamartine,
que marcou época no rádio carioca como 'O Trio de Osso', porque os três eram magricelas. Por essas
razões consegui assimilar os estilos do César de Alencar e do
Heber de Boscoli, apesar de serem dois estilos diferentes, não imitando um ou outro, mas observando
como eles se comunicavam com o público. O Heber dizia: 'Quem
é que está com um sapato da Cedofeita no pé?'. Aí todo mundo respondia: 'Eu, eu, eu!'. 'Quem é que

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trouxe talãozinho?'. 'Eu, eu, eu!'. Então, aquele bate-papo que
o Heber de Boscoli tinha com o auditório é praticamente o bate-papo que hoje eu tenho com o auditório
e aquela maneira como o César de Alencar falava é praticamente
a maneira como eu falo hoje. Assim, o Heber de Boscoli e o César de Alencar tiveram muita influência
na minha vida profissional, na minha vida de animador de programas.
Como se vê, eu também freqüentava os auditórios para aplaudir os ídolos de então, talvez mais
interessado em fazer observações de natureza profissional. Isso não
quer dizer que eu não tenha sido, também, 'colega de trabalho', 'macaco de auditório'."
"Às vezes me perguntam: e qual é a origem do nome Silvio Santos? A coisa foi assim: minha mãe
costumava chamar-me de Silvio, em vez de Senor. Um dia, quando fui
entrar no programa de calouros do Jorge Cury, o Mario Ramos, produtor, perguntou o meu nome.
'Silvio', respondi. 'Silvio de quê?'. Eu disse: 'Silvio Santos - porque
os santos ajudam'. Foi um estalo que me deu, uma coisa do momento, que pegou. Também foi uma
maneira de disfarçar, porque meu nome, Senor Abravanel, já estava muito
'manjado' nos programas de calouros, pois eu sempre ganhava alguma coisa. E ficou Silvio Santos até
hoje, tanto que nas minhas malas de viagem eu coloco a etiqueta
'Silvio Santos Senor Abravanel'."
Pára-quedista do Exército
"Aos 18 anos chegou o momento de servir no Exército. Calculem onde fui servir? Em Deodoro, na
Escola de Pára-quedistas, porque confesso que sempre fui amante de
emoções fortes. Nesse período, de cabeça raspada e aluno da Escola de Pára-quedistas, tive de 'maneirar'
durante uns tempos nas minhas atividades de camelô. Imaginem
a 'cana' dura que seria se eu fosse pego vendendo bugigangas. Não seria mais o guarda, até certo ponto
camarada, o 'rapa', mas a Polícia Militar quem iria me prender.
E daí? Era preciso tomar cuidado, para não ir para o xadrez da Polícia Militar. Era preciso honrar a farda
de soldado que eu estava vestindo, e digo isso sem demagogia
porque, podem ver minha ficha na Escola de Pará-quedistas, sempre fui um bom soldado. Tanto que
durante o período em que lá estive dei cinco saltos considerados
bons, porque não me machuquei, não rasguei o pára-quedas, não torci o pé nem tive medo de saltar. E,
como nesse período eu não poderia ser camelô na rua, devido
à minha 'posição social' de soldado pára-quedista, voltei para o rádio. Havia, naquele tempo, um
programa de muita audiência, na Rádio Mauá, comandado por Silveira
Lima, um locutor dinâmico, que mais parecia um cigano: nunca parava nos lugares em que trabalhava e
estava sempre mudando de estação. No programa do Silveira Lima,
o locutor principal era o Celso Teixeira, que o público também conhece bastante porque trabalhou em
vários programas de televisão em São Paulo, inclusive em programas
meus. Pedi ao Celso Teixeira, que arrumasse algo para eu fazer ali. Confesso que estava meio saudoso
do rádio, depois de uma ausência prolongada. Na Escola de Pára-quedistas
do Exército eu podia sair aos domingos. Então comecei a trabalhar no programa do Silveira Lima, aos
domingos, e de graça. Não ganhava nada, mas fazia uma coisa que
me agradava e que, em última instância, me realizava. Era uma atividade condigna com a minha
condição de pára-quedista do Exército. Com a vivência que mantive, então,
com locutores, artistas, animadores, diretores da Rádio Mauá, passei a encarar a profissão de radialista

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sob outro aspecto, o da seriedade e o da nobreza. Assim,
quando saí do Exército, já não podia mais voltar para a avenida Rio Branco para vender quinquilharias.
Já estava bem encaminhado dentro do rádio. Fora estimulado
por vários colegas e senti que tinha jeito para isso. Passei para a Rádio Tupi, acompanhando o Silveira
Lima, que se transferira para aquela emissora."
Em seu novo emprego Silvio Santos ganhava 2 contos por mês, mas não estava satisfeito, pois achava
pouco para seus gastos, e "se virava" com cachês extras. Fazia
figurações na TV Tupi, mas continuava insatisfeito com o que ganhava e, de novo, sentiu vontade de
camelotar. Mas, em vez de ir gritar na avenida, vendendo perfumes,
cintos, canetas e bonecas de corda, Silvio encontrou outra solução, pela qual ganharia mais dinheiro,
com mais dignidade: passou a vender cortes de fazenda, relógios,
jóias, colares e sapatos sob medida, nas repartições públicas, escritórios e obras. Só então passou a
ganhar bem novamente. Trabalhava na rádio e se dedicava aos
outros negócios nas horas vagas. Até que deixou a Rádio Tupi e passou a ganhar bem novamente.
Começou a trabalhar na Rádio Continental, que possuía estúdios em Niterói.
O Alto-falante na Barca de Niterói
"Eu trabalhava na Continental das 22 horas até a meia-noite. Saía às pressas e tomava a última barca que
deixava Niterói com destino ao Rio, mais ou menos à meia-noite
e quinze. Era uma tranqüilidade aquele mar calmo e aquele luar refletindo na água. Também havia muita
mulher bonita nessa viagem da meia-noite. Eram bailarinas,
que moravam no Rio e trabalhavam em Niterói. Como a última barca saía àquela hora, elas deixavam os
seus dancings e cabarés e voltavam para casa, no Rio. Muitas
se tornaram minhas amigas e batíamos longos papos, durante os quais elas contavam seus dramas e se
abriam contando problemas e anseios. Muitas eram empregadas no
comércio ou em bancos, e até mesmo em repartições, e para reforçar seus salários iam dançar em Niterói
ou fazer companhia aos fregueses que chegavam aos inferninhos
para beber. Preferiam os bares e dancings de Niterói porque eles eram menos exigentes do que os do Rio
e elas podiam ir dormir mais cedo devido ao trabalho no dia
seguinte. Nessas viagens de Niterói para o Rio durante a noite, surgiu a idéia de colocar música na barca
para animar um pouco as viagens. Pensei comigo: para colocar
um serviço de alto-falante na barca, precisava de dinheiro, e eu não tinha dinheiro, nem para comprar os
amplificadores, nem os alto-falantes. Mas eu tinha de arrumar
uma saída. Pedi demissão da Continental, onde tinha um ano e pouco de casa. Eles me pagaram as
férias, me pagaram o mês de aviso prévio, o ano de indenização e,
com esse dinheiro no bolso, fui até uma casa que vendia eletrodomésticos, a J. Isnard, na esquina das
ruas Buenos Aires com Andradas. Fiz um acordo com eles. Eles
me ofereciam o alto-falante e eu, durante um ano, trabalharia para eles, fazendo anúncios grátis do
refrigerador Clímax, do qual eles eram revendedores exclusivos.
Eles toparam. Ofereceram-me a aparelhagem, montei-a na barca e passei a ter quatro locutores, um dos
quais era o Celso Teixeira, que trabalhava ao meu lado, em um
período; o Léo, meu irmão, trabalhava em outro período. Eles ficavam nas barcas, dia e noite,
trabalhando 18 horas, e eu parti para outra atividade: tornei-me corretor
de anúncios para esse serviço de alto-falante. Como corretor de anúncios de um serviço de alto-falante

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nas barcas da Cantareira, passei a ganhar mais do que como
camelô. Foi nesse momento que o espírito de camelô morreu definitivamente dentro de mim. Nasceu,
em seu lugar, um espírito muito mais forte: o de homem de negócios
e dono de um empreendimento próprio."
Bingo, Dança e Cerveja
"Ao instalar o serviço de alto-falante na barca, deixei de ser, portanto, locutor de rádio. E confesso que
já não gostava de ser locutor, nem mesmo na barca, mesmo
sabendo que estava trabalhando em um negócio meu. Já estava, de fato, empolgado com a profissão de
corretor de anúncios e homem de negócios. Gostava de visitar clientes,
conversar com eles para fazer transações, oferecer meus serviços, firmar contratos de publicidade. Nas
horas do rush - de manhã, ao meio-dia e à tarde -, cada barca
carregava cerca de duas mil pessoas, de modo que meus anúncios tinham grande efeito, porque era a
única coisa que se podia ouvir durante o tempo de percurso, com
intervalos de músicas. Nos sábados à tarde, o serviço de alto-falante não funcionava porque o
movimento nesse dia, depois do almoço, era muito fraco, depois que
fechava o comércio no Rio de Janeiro e em Niterói. Então, nós folgávamos aos sábados à tarde. E
folgávamos também aos domingos, porque nesse dia a barca ia para
Paquetá levar turistas. Naquele tempo, a viagem do cais do Rio até Paquetá durava duas horas. Era uma
daquelas velhas barcas, que nem sei se ainda funcionam. Hoje
acredito que as barcas façam o mesmo percurso em uns 50 minutos. Naquele tempo elas saíam do Rio às
7 horas da manhã e retornavam às 7 horas da noite. Na barca iam
grupos de pessoas, que se reuniam para fazer piqueniques em Paquetá - um lugar realmente maravilhoso.
Então tive uma idéia: como eu gostava muito de praia, passei
a ir com a barca para Paquetá. Passava lá o dia, ia à praia, andava de charrete e bicicleta, paquerava à
beça e, à noite, voltava. Mas isso foi bom uma, duas, três
vezes. Depois o passeio tornou-se monótono. Todo mundo ficava meio impaciente com a demora da
viagem. Então eu ligava o meu serviço de alto-falantes, executando
músicas para a viagem se tornar menos cansativa. Os passageiros gostavam muito. Verifiquei que
enquanto a música tocava, muita gente dançava. Todo mundo se cansava
e ficava com sede. Formava-se uma fila enorme para tomar água no bebedouro da barca. O problema era
que às vezes a água acabava. Pensei muito naquilo e cheguei à
conclusão de que dali poderia surgir um bom negócio. Achei que precisávamos colocar, além da música,
um bar para vender refrigerantes e cerveja, para as pessoas
tomarem quando a água acabasse. E pus mãos à obra. Fui até a Companhia Antarctica e pedi que eles me
emprestassem um balcão de madeira, algumas tinas daquelas grandes
de gelo, que ainda são usadas até hoje, e comecei a vender cerveja e guaraná na barca. A venda ia bem,
mas como eu já estava com vontade de ser animador, resolvi
colocar um bingo dentro da barca. Cada pessoa que comprasse um guaraná ou uma cerveja recebia uma
cartela e um lápis para a marcação do bingo. No meio da viagem
(para Paquetá), eu parava a música, parava o baile, o pessoal sentava nos bancos e começava o bingo. E
eu dava prêmios. Quem fizesse a linha de cima ganhava uma
bolsa de plástico. Quem fizesse a de baixo ganhava um quadro da Última Ceia e quem fizesse a cartela
inteira ganhava uma jarra que custava, naquele tempo, cerca

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de 80 ou 100 cruzeiros. Todo mundo começava a jogar. E, quanto mais jogava, mais comprava fichas de
guaraná e cerveja, para receber mais cartelas de bingo. O negócio
cresceu tanto que eu me transformei no primeiro freguês da Antarctica no Rio de Janeiro, isto é, o
cliente que mais vendia refrigerantes e cerveja. Foi aí que fiz
amizade com o diretor da Antarctica, um paulista. Sendo amigo dele, quando a barca sofreu um
acidente, teve o eixo quebrado e foi para o estaleiro, fiquei com meu
negócio também parado. A barca devia ficar em reparos cerca de três meses. Então eu fui até a
Antarctica avisar que, durante três meses, não poderia fazer propaganda
da companhia, porque meu bingo estava no estaleiro."
O Primeiro Emprego em São Paulo
"O diretor da Antarctica me convidou para ir a São Paulo fazer um passeio. Disse-me ele: 'Vamos a São
Paulo, vou lhe mostrar a minha terra. Você vai ver como é a
locomotiva que puxa todos esses vagões'. Ele era um paulista bem bairrista. Eu, para não ser antipático,
já que ele fizera o convite com tanta gentileza e estava
com muito boa vontade comigo, aceitei. Peguei um terno escuro que eu tinha e vim de automóvel com o
diretor da Antarctica. Fiquei hospedado em um hotel da rua Aurora,
que fica no centro da cidade, em uma parte que hoje chamam de Boca do Lixo. Como o destino tem
estranhos caminhos, certa noite eu estava na avenida Ipiranga, esquina
da São João, no famoso Bar do Jeca, vendo aquele movimento de gente, quando encontrei um locutor
paulista que havia trabalhado comigo na Rádio Tupi do Rio de Janeiro,
ao qual eu tinha ajudado certa ocasião. Ele era muito tímido. Fazia o radiojornal comigo, de manhã, e eu
o ajudei no que pude. Então, ali na esquina da Ipiranga
com a São João, encontramo-nos, abraçamo-nos, porque fazia tempo que não nos víamos, e ele
perguntou se eu não era mais locutor. Contei que agora possuía um serviço
de alto-falantes na barca de Niterói. Ele comentou que a Rádio Nacional estava precisando de locutores.
Disse que o irmão do Jorge Cury ia se casar e sair. 'Você
pode ir até lá fazer um teste. Eles estão procurando locutor há mais de 20 dias. Já fizeram testes com
uma porção de gente. Quem sabe você faz o teste - você é bom
locutor - e passa.' Eu disse que não ia fazer o teste, não, e perguntei se havia programas de calouros aqui.
Ele disse: 'Tem o do Jayme Moreira Filho'. Perguntei
se ele sabia qual era o prêmio que eles davam. 'O principal é de 200 cruzeiros', ele respondeu. Eu disse:
'Ah, então eu vou ao programa de calouros e ganho os 200
cruzeiros, porque vou ter de ir embora daqui a uns poucos dias'."
"Eu estava apenas esperando que o diretor da Antarctica regressasse ao Rio, para ir embora com ele.
Quando fui me inscrever no programa do Jayme Moreira Filho, ele
olhou para mim e disse: 'Você já foi profissional no Rio de Janeiro. Não pode se inscrever, não! Se
quiser, fale com o Costa Lima, pois ele está precisando de locutor'."
"Então eu falei com o Costa Lima, mais de gozação, porque queria ver se ainda estava em forma. Topei
fazer um teste para ver no que dava. Fiz o teste, passei e o
Costa Lima falou: 'Você fica três meses de experiência, eu pago 5 mil cruzeiros por mês'."
"Topei a parada. Em seguida, conversando com o irmão do Jorge Cury, que ia se casar e morava em uma
pensão, ele disse: 'Olha, você faz uma coisa: fica os três meses
de experiência, eu vou sair da pensão onde moro e você pega o meu quarto. É na Pensão Maria Tereza,

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na avenida Duque de Caxias. Eu pago 1.750 cruzeiros por mês,
você pagará isso também, e ainda fica com 3.300 cruzeiros para gastar aqui em São Paulo. Pode estar
certo de que vai levar um vidão'."
"Aí eu achei a idéia muito boa. Pensei: 'Fico aqui em São Paulo, conheço São Paulo por conta dos
paulistas e ainda ganho 3.300 cruzeiros líquidos por mês'. Telefonei
para minha mãe e disse: 'Olha, eu vou ficar aqui em São Paulo uns três meses, porque arranjei um
emprego para ficar só esse tempo'."
"Mas como eu tinha montado um bar na barca de Niterói e já não era mais um simples bar de madeira,
mas um bar de fórmica, com aço inoxidável, com motor, eu estava
devendo. Naquele tempo aquele bar me custara 150 mil cruzeiros e o salário que eu ganhava aqui em
São Paulo era de 5 mil cruzeiros. O bar estava enferrujando, porque
a maresia come até aço inoxidável. Fiquei preocupado, porque o bar estava se perdendo no estaleiro,
onde a barca estava em reparos. Fiquei pensando o que fazer com
aquele bar e um dia, passando perto da Rádio Nacional, aqui em São Paulo, vi uma portinha, um
salãozinho e pensei: 'Já que eu vou ter de ficar três meses aqui em
São Paulo, vou tirar o bar da barca, coloco-o aqui, arranjo um sócio, ou então vendo. Com isso pago
tudo e fico sem dívidas. E, depois, se eu voltar para a Guanabara,
monto um bar novo'. Assim pensando, arranjei um sócio, trouxe o bar da barca para São Paulo e instalei-
o na esquina da rua Ana Cintra com a Palmeiras, em frente
à igreja de Santa Cecília."
Quem trabalhava com Silvio no bar era Ângelo Pessutti, cunhado de Hebe Camargo, casado com a irmã
dela, Maria de Lourdes. Mas Silvio não ficou com o bar por muito
tempo. Resolveu desfazer-se dele para dedicar-se à corretagem de anúncios para a revistinha
Brincadeiras para Você, que ele acabara de lançar, além de organizar
shows em circos e continuar com seu trabalho na Rádio Nacional. Então, vendeu o bar - que se chamava
Nosso Cantinho - para Ângelo Pessutti, que ficou com ele por
cerca de dez anos.
Silvio Santos assinou seu primeiro contrato com a Rádio Nacional em 1954, exercendo a função de
locutor, com salário de CR$ 5.000,00 (cinco mil cruzeiros).
Silvio Santos, Artista de Circo
"Comecei a trabalhar como locutor na Rádio Nacional e, ao mesmo tempo, no bar, servindo cafezinho,
refrigerantes, cachacinha, sanduíches. O bar funcionou bem durante
certo tempo. Mas fui verificando que, com o que ganhava no bar e mais o salário da Rádio Nacional, eu
não poderia pagar a dívida na Guanabara. Então tive a idéia
de criar uma revista chamada Brincadeiras para Você, com palavras cruzadas, charadas, anedotas, etc.
Comecei a vender essa revistinha em casas comerciais, que as
distribuíam gratuitamente aos fregueses. Então voltei à minha antiga profissão de corretor de anúncios,
da qual eu gostava muito. Eu realmente adorava vender anúncios.
Ao mesmo tempo, comecei a fazer shows em circos. Com todas essas atividades, já naquele tempo eu
ganhava, aqui em São Paulo, de 30 a 40 mil cruzeiros por mês. Com
esse dinheiro fui liquidando rapidamente a dívida do bar que tanto me preocupava. Quando comecei a
fazer shows em circos, era obrigado a fazer animação porque era
eu quem apresentava os artistas. Então comecei a contar piadas, a cantar, a entrar em contato com o

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público. Em geral, quando eu chegava ao circo, o público estava
impaciente e aborrecido porque estávamos sempre atrasados. Fazíamos dois ou três shows diferentes por
noite. Então, como chegávamos atrasados, eu tinha de conversar
com o público, dizer para os espectadores que não ficassem aborrecidos conosco porque tínhamos feito
outro show antes, para ganhar um pouco mais, e dali iríamos
para outro show, porque aquela era a nossa vida. Conseguia sensibilizar o público e, muitas vezes, as
pessoas acabavam batendo palmas para o nosso heroísmo. O público
me ouvia com toda atenção e eu percebi que tinha muita facilidade para me comunicar com ele. Daí
surgiu o animador, que o Manoel de Nóbrega aproveitou em seu programa
na Rádio Nacional, do qual fazia parte o famoso quadro Cadeira de Barbeiro, um programa de grande
audiência, ao meio-dia, no qual se faziam críticas ferinas e divertidas
aos costumes políticos daquela época. Comecei a trabalhar no programa quando o Hélcio de Souza
deixou a Nacional e então o Manoel de Nóbrega fez questão que eu fosse
o novo animador do programa."
As Aventuras do "Peru que Fala"
"Eu já havia adquirido alguma prática nos shows de circo. Mesmo assim, com toda essa prática, eu
ficava muito envergonhado, muito vermelho, e por isso ganhei o apelido
de 'Peru que Fala'. Passei a ser dali em diante o 'Peru que Fala', até mesmo nos shows pela periferia e
pelos municípios próximos a São Paulo. Eu tinha uma grande
caravana de artistas e essas viagens passaram a se chamar 'Caravanas do Peru que Fala'. O que acontecia
com essas caravanas era muito engraçado e ao mesmo tempo
dramático. Quase todo o dinheiro que eu ganhava era gasto no aluguel de dois ou três carros de praça,
que ficavam à minha disposição para a realização dos três shows,
das 6 da tarde, quando saíamos da rua das Palmeiras (Rádio Nacional), até às 3 da madrugada, quando
retornávamos. Vendo que meu trabalho era muito árduo e o lucro,
muito pequeno, na época das eleições procurei o candidato a deputado Cunha Bueno, que também
trabalhava na Willys. Propus fazer 40 shows em praças públicas, em troca
de um jipe, que naquele tempo custava 200 mil cruzeiros. O candidato achou muito caro e se propôs a
me dar metade do jipe, sugerindo que eu arranjasse um candidato
a deputado estadual para pagar a outra metade. Arranjei o deputado Carlos Kherlakian, que só pagaria
50 mil cruzeiros, e eu topei, assinando promissórias dos 50
mil cruzeiros restantes. O jipe, que depois vendi ao Ronald Golias, ficaria sob reserva de domínio até
que fosse totalmente liquidado. Nessa época, pela primeira
vez na vida, tive vontade de desistir, pois, para poder pagar os artistas - que também participavam dos
comícios -, eu era obrigado a fazer, no mesmo dia, mais três
shows em circos. Eu fazia tudo sozinho: a propaganda durante o dia com alto-falantes em cima do jipe,
anunciando os comícios e os shows; armava e desarmava o palanque,
animava e discursava nos comícios, e ainda fazia shows circenses. Se não fizesse isso, não conseguiria
pagar os artistas e ganhar mais uma parcela para pagar o jipe.
Saía de casa - a essa altura um quarto alugado na Bela Vista - pela manhã e só voltava de madrugada.
Fazia esse trabalho às quintas, às sextas, aos sábados e aos
domingos. Parava nas farmácias, tomava injeções de cálcio Cetiva na veia, para não ficar rouco e para
agüentar o trabalho na Rádio Nacional e nos shows. Quis entregar

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o jipe e desistir, mas meus colegas Humberto Simões (o ventríloquo), o Chico (da macaca Chita), os
cantores Sólon Salles, José Lopes, Gessy Soares de Lima, o falecido
Barnabé, Joana Gonçalves, Izilda de Castro e outros que iam com menos regularidade, diziam: 'Silvio,
aguarde, faltam apenas 37, 36, 35... 26... 15... 12... shows'."
"Agüentei, perdi cinco quilos, fiquei branco, diziam que eu ia estourar, mas... ganhei o jipe. Foi nessas
'Caravanas do Peru que Fala', na capital e na Grande São
Paulo, que eu adquiri a facilidade que hoje tenho para animar meus programas."
"Confesso que aprendi essa técnica no contato direto com o público dos circos e dos comícios políticos.
É por isso que eu acho muito difícil a profissão de animador
de programas no rádio ou na televisão. Eu fiz minha carreira, desde menino, gritando, falando em
público como camelô, convencendo o povo a comprar minhas bugigangas.
Depois como animador do bingo na barca da Cantareira. A seguir, como orador dos comícios e
animador dos shows circenses, animador do programa Manoel de Nóbrega,
para depois passar a animador de auditório da televisão."
Como Nasceu o Baú da Felicidade
"Lembro-me do dia em que o Manoel de Nóbrega foi procurado na Rádio Nacional por um cidadão de
origem alemã que lhe ofereceu o Baú da Felicidade. O Baú seria uma
cópia das famosas Cestas de Natal. Naquele tempo havia as Cestas de Natal Amaral, as Cestas de Natal
Columbus e uma outra que não lembro mais o nome. Sei que eram
três. Esse alemão surgiu com a idéia, dizendo que poderia se lançar uma Cesta de Brinquedos, igual às
cestas, exatamente como eram vendidas: a pessoa pagava primeiro
e, no fim do ano, em vez de receber castanhas, nozes, avelãs, bebidas, recebia um Baú de Brinquedos. O
Nóbrega se empolgou com a idéia e fez um trato com o alemão.
Ele falou: 'Eu não tenho condições de empatar dinheiro nisso. A idéia é sua'. Então o alemão replicou:
'Mas eu não quero que você empate dinheiro. Eu quero apenas
que você entre com os anúncios na Rádio Nacional, pague esses anúncios e eu tomo conta da empresa.
Ficamos sócios. Eu uso seu nome, porque uma vez que o público
terá que pagar alguma coisa por antecipação, o público terá que entregar o dinheiro confiando em
alguém. Eu sou uma pessoa que ninguém conhece, ao passo que você,
Nóbrega, é uma pessoa muito conhecida e o público vai pagar confiando em você'."
"Então o Nóbrega topou o negócio, meio a meio, com o alemão. Ele pagava os anúncios na Rádio
Nacional e o alemão fazia os negócios do Baú da Felicidade. O Nóbrega
nunca foi ao Baú, o Baú de Brinquedos. Nunca foi! No fim do ano, o alemão tinha conseguido vender
cerca de 1000 baús. Mas, antes de entregá-los aos compradores,
ele disse que havia perdido todo o dinheiro, que não fora bem-sucedido no negócio. E o Nóbrega ficou
em uma situação muito difícil. Muito difícil mesmo porque, além
de ter de pagar todos os anúncios que havia feito na Rádio Nacional, ele começou a ser procurado por
pessoas que haviam pago o Baú e não haviam recebido os brinquedos.
E naquele ano cada baú custava aproximadamente 1,20 cruzeiro. Eles haviam vendido 1.200 e, como se
vê, o Nóbrega perdeu, naquele ano, 1957, mais de 2.000 cruzeiros,
porque ele pagou os anúncios e teve que devolver o dinheiro a cada um dos que haviam comprado o Baú
de Brinquedos. E o pior: os vendedores já haviam começado a vender
para o novo ano, 1958, e a situação do Nóbrega iria tornar-se muito mais grave. Então ele telefonou para

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a pensão onde eu morava, naquela ocasião, na rua 13 de Maio,
na Bela Vista, e me disse: 'Olha, Silvio, você vai me fazer um grande favor. Peço que fique lá no Baú e a
todo mundo que vier reclamar diga que não vá aos jornais,
que não vá às revistas e que eu estou pronto para repor a quantia que cada um teve de prejuízo. E às
pessoas que já compraram para o ano de 1958, que já deram entrada,
devolva também a entrada. Diga a todos que a firma vai acabar, que nós não temos mais condições de
continuar com ela'."
"Quero deixar bem claro que o Nóbrega havia sido traído, havia sido roubado pelo alemão, que sumiu
com o dinheiro, sumiu com tudo! O Nóbrega me pediu aquilo e eu
respondi: 'Não, Nóbrega, eu não vou, porque estou trabalhando com a revista, vou lançar uma folhinha
também, um calendário que está indo muito bem e ainda tenho
a Rádio Nacional. Não dá para eu ficar lá recebendo os clientes enganados. Me desculpe, irmão, mas eu
não vou, não'."
"Mas o Nóbrega insistia, desesperado, e eu comecei, também, a sofrer com ele. Ele chegou a ligar para a
minha pensão três, quatro, cinco vezes por dia, até que resolvi
falar com ele. E o Nóbrega pediu que eu ficasse lá na loja do Baú uns quinze dias, para que não
houvesse escândalo nos jornais e para que eu devolvesse as importâncias
pagas."
O Baú Ficava em um Porão
"Então eu fui lá. Eu pensava que o Baú da Felicidade fosse uma firma organizada, um negócio
espetacular, mas fiquei surpreso porque ficava encostado ao Othon Palace
Hotel, na rua Líbero Badaró, num 'buraco'. Quando cheguei lá, encontrei uma porção de camelôs
vendendo gravatas, camisas, em uma loja semidestruída, uma loja toda
arrebentada. Eu perguntei: 'Escuta, onde é o Baú da Felicidade?' Então me responderam: 'Ah, o Baú é lá
no fundo. Lá no fundo, mas lá embaixo, no porão'."
"Eu fui lá ver e encontrei uma mocinha trabalhando. Encontrei o tal alemão sentado, algumas mesas
feitas de caixotes de madeira, que serviam para embalar as bonecas
que um fabricante mineiro havia mandado. Havia uma máquina de escrever e, no chão, duas gavetas
com fichas de alguns dos fregueses dentro. A primeira coisa que fiz
foi dizer ao alemão que fosse embora, porque, a partir daquele momento, eu tinha ordens para atender a
todas as reclamações e fechar o Baú da Felicidade. O alemão
pegou a máquina de escrever e foi saindo. Eu perguntei: 'Mas essa máquina de escrever também é sua?'.
Ele falou: 'Esta máquina também é minha'. E saiu."
"Fiquei reduzido, ali, a uma mesa de caixotes e duas gavetas, duas máquinas de autenticar cheques... e
mais uma funcionária que ajudava o alemão. A cada pessoa que
chegava eu falava aquilo que o Nóbrega me havia recomendado. Eu dizia que o Nóbrega estava pronto
para devolver o dinheiro, inclusive às pessoas que haviam dado
a entrada para o ano novo que se iniciava, as quais estavam comparecendo àquele porão imundo, para
pagar as mensalidades subseqüentes. Eu dizia a todas as pessoas
que não poderia receber essas mensalidades e que iria devolver o dinheiro dado como entrada, porque o
Baú ia acabar."
"Mas aí tive uma idéia, no quarto ou quinto dia em que eu estava lá atendendo. Vi que aquilo, bem
administrado, bem trabalhado, poderia tornar-se uma boa firma.

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Procurei o Nóbrega e falei com ele: 'Nóbrega, eu acho que se você continuar pagando os anúncios na
Rádio Nacional - eu não tenho capital, mas recebo do circo, da
Rádio, das revistinhas, ganhando em média de 40 a 45 mil cruzeiros mensais -, eu posso investir nesse
negócio e você investe na publicidade. Nós continuamos sócios
e eu tenho certeza de que o negócio pode dar certo'. O Nóbrega topou e nós dois ficamos sócios."
"Nóbrega me deu o Baú"
"A primeira coisa que fiz foi acabar com o Baú da Felicidade. Não a firma, é claro, mas a caixa em que
os presentes eram embalados. Esse tal baú parecia um caixão
de defunto, porque era de veludo. Um baú de veludo bordô, que dava uma péssima impressão, porque
parecia, de fato, um caixão mortuário. Outra coisa: os vendedores
tapeavam muito, diziam que o cliente ia receber uma boneca do seu próprio tamanho, um caminhão de
corda, uma bola no 5. Achei que o Baú, daquela forma, não funcionaria.
Foi aí que passei a vender brinquedos em catálogo. A pessoa escolhia o brinquedo que queria, pagava
mensalmente, e no fim do ano recebia o brinquedo que escolhera.
Passei, também, a exercer uma vigilância maior sobre os vendedores. Cada vendedor que fazia uma
falcatrua, que fazia coisa errada, eu mandava embora e, se ele insistisse,
eu mandava prendê-lo. E, a partir daí, fiz uma programação: no 1o ano, foi brinquedos; no 2o ano,
louças; no 3o ano, utilidades domésticas. Então saí daquele porão
ao lado do Othon Palace Hotel, peguei uma salinha pequenininha, com dois metros de largura por três de
comprimento, na rua Xavier de Toledo, e a coisa foi crescendo.
Até que eu idealizei, e eu mesmo desenhei, uma boneca e pedi à Estrela que a fabricasse. Queria que a
Estrela fabricasse 40 mil bonecas daquelas, assumindo, então,
um grande compromisso com aquela indústria de brinquedos. Quero deixar bem claro, também, que o
Nóbrega nunca foi ao Baú, nesses três ou quatro anos em que lá estive.
Nunca foi. Ele deixou o negócio em minhas mãos e foi vendo, de longe, que a coisa estava progredindo.
Mas, quando eu fechei esse negócio de 40 mil bonecas e, ao
mesmo tempo, fiz um contrato com a firma Nadir Figueiredo para fornecer cerca de 20 mil jogos de
jantar, o Nóbrega se apavorou. Eu havia feito esses pedidos de bonecas
e de louças e me comprometido a pagar uma parcela mensal. Quando contei ao Nóbrega minhas
intenções, ele, que já não estava em uma situação muito boa devido ao bolo
que levara do alemão, disse-me: 'Olha, Silvio, eu nunca fui ao Baú, nem com o alemão e nem com você.
Acho que qualquer dinheiro que o Baú possa me dar é desonesto,
porque eu nunca fiz nada pela firma, a não ser os anúncios. Como você é um rapaz corajoso demais, eu
tenho medo que você possa, um dia, fazer um negócio muito grande
- como esse que está fazendo com a Estrela e com a Nadir Figueiredo - e, com seu entusiasmo, dê uma
cabeçada. Se eu pude pagar os 1.200 baús que o alemão vendeu,
não vou poder pagar as dívidas que você está assumindo. Então, já que eu não tenho nenhuma intenção
de ser o dono do Baú, é melhor que você fique com ele. Eu não
quero nada. Fica pra você, você faça a sua vida, mas não use mais o meu nome, porque eu sou um
homem muito conceituado em São Paulo, sempre fui uma pessoa honesta,
fui o deputado mais votado, tenho um bom conceito. Você, por favor, agora que está se envolvendo em
negócios grandes, fique com o Baú e não precisa me dar nada.
Eu tenho um pouco de medo, não sou comerciante por natureza'."

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"Eu respondi: 'Nóbrega, tudo bem, eu aceito. Fico com o negócio, mas pelo menos quero lhe dar o
dinheiro que você perdeu'."
"Então combinei com o Nóbrega e dei a ele 5 mil cruzeiros, que ele permitiu que eu pagasse como
pudesse. E foi assim que o Nóbrega me deu o Baú da Felicidade."
O nome da firma fundada por Nóbrega, em sociedade com o alemão, era meio estranho: Distribuidora
Ali Ltda. Ninguém gostava dele, porque dava margem a piadas maldosas,
lembrava Ali Babá. Silvio então fundou outra empresa, que levava seu próprio nome: Senor Abravanel.
De acordo com o registro do Tabelionato do Ibirapuera, ela começou
a funcionar em 16 de fevereiro de 1959, na rua 13 de maio, 714, sala 2, no bairro da Bela Vista, o
mesmo endereço em que Silvio morava na ocasião. O registro da
firma no cartório data do dia 13 de março de 1959. Gênero de negócio: comércio de brinquedos. Capital
da firma: CR$ 50.000,00 (cinqüenta mil cruzeiros). Depois a
empresa mudou para o centro da cidade - ruas Xavier de Toledo e Quirino de Andrade. Neste último
endereço permaneceu vários anos, em uma fase de grande desenvolvimento.
Até mudar de nome, passando a chamar-se BF Utilidades Domésticas e Brinquedos, fundada em 28 de
junho de 1963 e que se tornou popular com o nome de "Baú da Felicidade".
Silvio se Lança na Televisão
"Fechei os contratos com a Estrela e com a Nadir Figueiredo e, por causa deles, realmente me vi mal!
No meio do ano, no mês de junho, eu estava atrapalhadíssimo,
quase às portas da falência. Pedi um acordo com a Estrela, pedi um acordo com a Nadir Figueiredo, pedi
acordo com outros credores para os quais eu devia (fornecedores
de panelas de pressão) e cheguei à conclusão de que a solução era vender as 40 mil bonecas de qualquer
maneira. Então reuni novamente aquela minha turma, a que fazia
shows em circos, e começamos a fazer shows em praça pública, na capital, sorteando prêmios. A pessoa
que comprava um carnê do Baú recebia uma talãozinho numerado
e concorria, no mesmo local, a prêmios. Naquele ano consegui, fazendo quase um show diário, um dia
em cada praça, promover o Baú, vender os carnês. No final do ano,
havia vendido as 40 mil bonecas da Estrela e saíra da lama. Paguei todo mundo. O Baú já havia ficado
conhecido em todos os bairros, porque era um show por dia. Passei
a fazer mais propaganda em rádio e comecei a me organizar."
"O Baú, daquela salinha na rua Xavier de Toledo, passou a ter uma loja na rua Quirino de Andrade.
Lancei então o Plano para a Casa Própria e mudei inteiramente o
esquema de vendas por carnê. As pessoas compravam e depois escolhiam as mercadorias. Já não eram
mais mercadorias de catálogo. Exemplificando: as prestações eram
de 500 cruzeiros por mês. No fim do ano, com 12 prestações pagas, a pessoa ia ao Baú, na rua Quirino
de Andrade, e escolhia mercadorias diversas no valor de 6 mil
cruzeiros, podendo ser geladeiras, bonecas, televisores, jogos de jantar, baterias de alumínio, etc. O Baú
foi crescendo, a ponto de tornar-se a verdadeira potência
que é hoje."
"Estávamos, então, no ano de 1961. Com a evolução do Baú, comecei a montar um esquema
administrativo para atender a expansão do negócio. Paralelamente, iniciei um
programa na TV Paulista. Era um programa noturno chamado Vamos Brincar de Forca, patrocinado pelo
deputado Carlos Kherlakian, que tinha as Casas Econômicas de Calçados,

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e pelas camisas Lauton. Esse programa marcou época. Animado pelo sucesso, decidi lançar-me na
televisão aos domingos."
"Então estreei um programa de shows, brincadeiras e prêmios, com base no Baú da Felicidade, que
começava ao meio-dia e ia até as duas da tarde. Chamava-se Programa
Silvio Santos. Em pouco tempo tomou conta das tardes de domingo."
Faro para Escolher os Auxiliares
"Muitos me perguntam como escolho meus auxiliares. Digo que sempre tive uma sensibilidade muito
grande para lidar com pessoas. Escolho meus auxiliares em diversas
áreas. A princípio, escolhia pelos jornais. Quando comecei a escolher vendedores para o Baú, eu
colocava, às vezes, 50, 100 vendedores em uma sala e escolhia sempre
os melhores. Conversando com eles, batendo papo, eu, de modo geral, acertava com os melhores.
Lembro-me de que um dia apareceu uma pessoa lá no Baú, para me vender
livros. Aí, conversando com essa pessoa, percebi que era um vendedor de livros, mas ganhava muito
pouco por mês. Eu lhe dei o lugar de chefe dos vendedores do Baú.
Essa pessoa, chamada Norberto, ganhou muito dinheiro no Baú e tornou-se empresário do setor
metalúrgico. Conheci-o assim, vendendo livros. Os diretores do Baú da
Felicidade são pessoas que trabalharam antes em repartições públicas. Eu ia às repartições tratar de
algum assunto e quando conversava com o funcionário percebia
se ele era bom e ativo, se gostava de trabalhar e se era honesto. Então eu dizia: 'Olhe, se por acaso um
dia sair daí, pode me procurar, porque eu estou bajulando
você, não estou querendo ser agradável, mas eu posso lhe dar um emprego'. E por diversas vezes isso
aconteceu. A pessoa terminava um contrato, se aposentava ou pedia
licença e ia me procurar, pensando que eu queria apenas ser agradável. E não era. Era para valer. Dei
emprego a muitas pessoas que, hoje, dirigem as minhas organizações.
São pessoas honestas, competentes, dedicadas, que se destacavam na administração pública. É claro que
deveriam destacar-se ainda mais na empresa privada."
"Hoje meus auxiliares são espetaculares. Para se ter uma idéia, meu primeiro diretor tinha um escritório
de contabilidade. Prestava serviços ao então deputado Carlos
Kherlakian, das Casas Econômicas de Calçados, com várias lojas na cidade. Como eu ia muito às Casas
Econômicas - porque elas patrocinavam meu programa na Nacional
-, eu encontrava sempre esse rapaz e via que ele era muito trabalhador, estava sempre no seu posto, via a
maneira como ele falava, como ele se comportava. Fiz uma
oferta e ele tornou-se diretor da minha financeira e foi, durante 13 anos, o diretor do Baú da Felicidade.
Seu nome: dr. Ascenção Serapião."
"Há um outro caso: conheci o dr. Eleazar Patrício da Silva, um homem espetacular, no Ministério da
Fazenda da Guanabara. Achei que ele tinha magníficas qualidades
e, quando soube que ia se aposentar, fiz-lhe um convite e ele se tornou presidente do Conselho
Administrativo do Grupo Silvio Santos."
"Conheci o Dermeval Gonçalves na Superintendência da Receita Federal. Achei que era um funcionário
extraordinário e ele se tornou diretor do Grupo Silvio Santos."
"Conheci um rapaz chamado Mario Albino Vieira, um garoto de cerca de 14 anos de idade. Vi que ele
era muito esperto, muito bom aluno. Começou a trabalhar no Baú
como auxiliar de escritório, tornou-se diretor do Conselho do Baú e depois presidente do Grupo Silvio

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Santos."
"Conheci outro garoto na Rádio Nacional, que marcava textos. Quando eu era locutor, lia os textos e ele
ficava marcando os que eram lidos por mim e pelos outros
locutores. Chamava-se João Pedro Fassina. Em 1959, convidei-o para que fosse trabalhar no Baú, e ele
se tornou diretor."
"No setor de televisão, por exemplo, conheci o Luciano Callegari. O Luciano era um garoto que, quando
eu lancei o programa Vamos Brincar de Forca na TV Paulista,
trabalhava no protocolo, na recepção de correspondência. Ele ajudava a contar as cartas que a empresa
recebia. O Luciano era o chefe dos garotos que separavam as
cartas. Contava os envelopes e, como o Vamos Brincar de Forca era o programa que mais cartas recebia,
ele era muito ativo. Pedi depois que ele me ajudasse no programa
e ele foi se desenvolvendo. Ele se tornou o diretor artístico dos meus programas de televisão, o homem
que chefiava os meus produtores, o homem que fazia tudo no
meu setor artístico."
"Conheci também um rapaz chamado Leonardo, que na época trabalhava na censura. Ele trabalhava lá
quando começou a fazer um trabalho com o objetivo de moralizar os
programas de televisão. Eu soube que ele ganhava pouco e convidei-o para trabalhar comigo. Ele se
tornou um dos bons produtores da minha equipe."
"Outro caso: na TV Globo conheci um moço que exercia a função de 'contato' com as agências de
publicidade, muito ativo, chamado Moacir Pacheco Torres. Meu programa
na TV Globo, nos primeiros tempos, não estava sendo bem programado pelas agências de propaganda,
embora eu tivesse um volume considerável de publicidade direta,
isto é, sem agência. Lá, na TV Globo, em bate-papos informais, trocávamos idéias sobre propaganda,
programação, etc. No dia em que o Moacir deixou a TV Globo, chamei-o
para trabalhar comigo. Ele aceitou e assumiu comigo um compromisso, que na época achei temerário.
Prometeu que faturaria, por meio de agências, mais do que eu faturava
com anunciantes diretos. Isso no prazo de três meses. Duvidei, mas ele ultrapassou o que havia
prometido. Ele tornou-se o diretor comercial da Publicidade Silvio
Santos Ltda., que cuidava de toda a promoção publicitária das minhas organizações, em todo o país,
chefiando uma equipe dinâmica e homogênea."
"Posso citar outro exemplo: conheci um professor chamado Helênio, exercendo as funções de assessor
do general Denisard, chefe da Polícia Federal em São Paulo. Tive
vários contatos com o professor Helênio, que também era funcionário do Banco do Brasil. Vi que era
muito capaz e, sabendo que ia deixar a assessoria do general,
convidei-o para trabalhar comigo. Ele, de fato, deixou a Polícia Federal e passou a dirigir uma
companhia de seguros, que o meu Grupo comprou no Rio de Janeiro."
"Outro caso: uma noite fui ao Beco, vi os shows daquela conhecida casa noturna de São Paulo. Quis
saber quem os montava. O homem era o Paulo Roberto, que dirigiu
o meu departamento de shows."
"Nunca Tirei um Tostão de Minhas Empresas"
"Não sei se é muita sorte ou se é mesmo muito faro, mas eu sinto quando a pessoa é boa ou não, honesta
ou não, dedicada ou não, capaz ou não. Quando sinto que a
pessoa tem as qualidades que exijo para trabalhar comigo, convido-a, pagando salários muito acima do

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normal, para que ela continue sempre dedicada à organização.
Isso faz com que ela contribua para o progresso da empresa em que trabalha e, conseqüentemente,
contribua para seu próprio progresso, ganhando mais e fazendo carreira
com segurança. Hoje sou um homem que tem uma necessidade enorme de gente capaz, uma necessidade
enorme de pessoas, de material humano qualificado, que possa trabalhar
ou dirigir essas empresas, que, a cada dia que passa, se ampliam. Outra coisa importante: eu nunca tirei
um tostão de nenhuma das minhas empresas, porque sempre
fui um radialista, sempre ganhei dinheiro na televisão e sempre me sustentei e sempre sustentei a minha
casa com o dinheiro ganho na televisão e no rádio. Tudo o
que as minhas empresas rendem é reinvestido em novos empreendimentos. Quando eu entrei no Baú, em
1958, ganhava dinheiro nos circos, na Rádio Nacional e vendendo
anúncios para a tal revistinha. Colocava todo o dinheiro que eu ganhava no Baú e nunca mais tirei esse
dinheiro de lá. Nunca mais tirei dinheiro algum de qualquer
uma das empresas, porque, repito, vivo exclusivamente do que recebo como animador da televisão e do
rádio. Eu sou o animador da Publicidade Silvio Santos Ltda.,
que me paga salário."
Hoje Silvio Santos não é apenas um campeão de auditório. É um dos mais prósperos empresários de São
Paulo e - por que não dizê-lo? - do Brasil. Se alguém lhe pergunta
como consegue conciliar a televisão com esse verdadeiro império empresarial, Silvio Santos responde
que, para ele, não são atividades conflitantes. Faz as duas coisas
ao mesmo tempo, mas não sozinho. Formou um grupo de assessores competentes, escolhidos graças ao
conhecido "faro", e esses assessores garantem para as suas empresas
o mesmo Ibope que ele obtém na televisão. Ele procura comunicar-se com a sua equipe da mesma forma
que faz com o público. E tem audiência total. Se Silvio Santos
quisesse, poderia estar vivendo tranqüilamente na Côte d'Azur, na Suíça, em Paris ou em Nova York.
Por que ele continua trabalhando até nove horas seguidas no seu
programa dominical, sem falar no outro programa na TV Tupi de São Paulo, com três horas de duração?
Ele responde: "Eu acho que o trabalho é uma necessidade. Hoje
é o meu principal divertimento. Hoje sou um homem preso ao trabalho mais porque gosto, não pelo que
o trabalho me dá. Pelo contrário, o trabalho desgasta, mas ele
me dá grandes emoções e eu sou um homem que gosta de emoções. O público também gosta de
emoções. Por isso consigo comunicar-me com tanta facilidade. É como se tivéssemos
uma alma só".
Como Silvio Santos Formou seu Império
Como se formou o império de Silvio Santos? A história da formação desse império é uma outra novela.
Faz lembrar a bola de neve que vai rolando, crescendo e ninguém
mais consegue segurá-la. No caso de Silvio, suas empresas foram surgindo, porque uma fazia nascer a
outra. As empresas cresciam tanto que era preciso criar outras
novas para administrar e aplicar o dinheiro que as primeiras rendiam. Aonde esse crescimento vai parar
nem o próprio Silvio Santos sabe. Mas deixemos que ele próprio
conte como se formou seu império empresarial. Ele começa relembrando o dia em que compareceu à
loja do Baú da Felicidade, a pedido de Manoel de Nóbrega, para atender
os portadores dos carnês que haviam sido ludibriados pelo tal alemão:

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"Nós começamos naquele porão, lá onde os marreteiros estavam vendendo gravatas, camisas e sapatos,
lá onde hoje funciona a bombonière da Kopenhagen, na rua Líbero
Badaró, do lado do Othon Palace. Foi ali que tudo começou. Depois que reorganizamos o Baú da
Felicidade, surgiu a necessidade de anunciar. O Baú já estava sendo
muito anunciado na Rádio Nacional. Mas depois eu tive meu primeiro programa na TV Paulista.
Aluguei as duas primeiras horas do domingo, do meio-dia até as 2 da tarde,
no canal 5, que fechava nesse horário e só entrava na hora do futebol. Quando comecei a fazer
publicidade do Baú na televisão, muita gente dizia: 'Puxa, vida, mas
duas horas só de Baú, só de Baú, só de Baú! Cansa o telespectador ouvir falar só de Baú'. Então eu
pensei: 'Vamos arrumar mais alguns clientes, para não ficar só
com anúncios do Baú'."
"Foi assim que surgiu a segunda empresa, a Publicidade Silvio Santos Ltda., que passou a agenciar
outros anunciantes e que hoje controla toda a publicidade de todas
as empresas do Grupo Silvio Santos em todo o país."
"Nós vendíamos carnês e oferecíamos prêmios de pequeno valor. Para poder vender aquelas 40 mil
bonecas que havíamos encomendado à Estrela, fazíamos shows em praças
públicas às quintas, aos sábados e aos domingos. Resolvemos, então, lançar um Plano para a Casa
Própria. De acordo com a lei, precisávamos comprar as casas, antes
de sorteá-las. E tínhamos dificuldade para comprar casas em número suficiente, porque a essa altura já
estávamos sorteando, no mínimo, uma casa por mês. E era preciso
ter as casas antes - 12 casas por ano. Então, primeiro saímos à procura das casas. Encontramos algumas
e as compramos, de acordo com a lei. Mas a coisa disparou
e começamos a vender muitos carnês e a dar muitas casas de prêmios e não havia a possibilidade de se
comprar casas em um conjunto só. Ninguém tinha à venda oito,
10 ou 12 casas em um só grupo. Sabe como resolvemos o problema? Abrimos uma construtora, para
fazer as casas que o Baú dava como prêmio. Surgiu, assim, a terceira
empresa do Grupo. Mas nós fazíamos aquelas oito, 10 ou 12 casas e o pessoal da construtora ficava
parado, ocioso. Então a construtora passou a construir casas para
vender. Construímos vários prédios em São Paulo, incluindo um conjunto de 90 casas no Carandiru."
"Acontece que o governo começou a dizer que ia acabar com os carnês. Que os carnês eram um negócio
que não deveria continuar. Nessa época já tínhamos algumas lojas
e muitos funcionários. Não podíamos permitir que o carnê acabasse e então começamos a vender
televisores e algumas outras mercadorias, a crédito. Mas como vendíamos
a crédito, o governo cobrava os impostos à vista. Porque quando você faz uma venda a crédito, mesmo
que tenha recebido do cliente apenas 20 cruzeiros, se a venda
foi de mil cruzeiros, você é obrigado a pagar todos os impostos sobre os mil cruzeiros antecipadamente.
Portanto, tínhamos de descontar todas essas dívidas que os
clientes contraíam conosco por meio do crediário. Tínhamos que descontar em companhias financeiras.
Tínhamos que pegar os mil cruzeiros, ir a uma financeira, vender
aqueles mil cruzeiros por 600 ou 700 cruzeiros, conforme a taxa em vigor, para poder lançar aquilo
como despesa. Foi aí que surgiu a necessidade de se ter uma financeira
própria. Compramos, então, uma financeira, a Baú Financeira, para poder facilitar ainda mais o nosso
crediário. E a quarta empresa estava lançada."

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"Depois que compramos a financeira, passamos a financiar nosso crediário em melhores condições.
Verificamos então que havia a disponibilidade para financiar outros
tipos de negócios. Como achávamos que a maior segurança devia ser dada ao cliente, porque o cliente
do carnê merecia, de nossa parte, todo o respeito, para evitar
qualquer deslize comercial, achamos melhor financiar automóveis, porque todo mundo queria comprar
automóveis. Se alguém deixasse de pagar, seria uma porcentagem
ínfima, um ou dois clientes, e assim não seriam muito grandes as perdas. Nesse ínterim já estávamos
dando automóveis como prêmio em nosso programa de televisão,
e nossa equipe de vendedores de carnês já saía em peruas Kombi, as mais econômicas. Todos os
concessionários Volkswagen que vendem VW são bons, ruins são as oficinas.
A oficina não dá dinheiro. E de fato nós tínhamos problemas de oficina. Mandávamos nossas Kombis
para as oficinas e elas demoravam muito para serem consertadas.
Por outro lado, já comprávamos, a essa altura, 30 ou 40 carros por mês para dar como prêmio nos
sorteios do Baú. Chegamos, então, à conclusão de que a solução mais
indicada seria comprar uma concessionária Volkswagen, porque assim as oficinas dessa concessionária
fariam a manutenção das nossas peruas, com as quais trabalhavam
nossos vendedores. Da mesma forma a concessionária forneceria, em condições vantajosas, os carros
que o Baú estava dando como prêmio. Foi assim que nasceu uma outra
empresa do Grupo Silvio Santos, a Vimave. Chegamos a dar mais de 60 carros por mês em prêmios. E a
concessionária passou a vender uma média de 150 carros por mês,
financiados pela nossa financeira. Além disso, a oficina passou a não ser problema para nós, porque
fazia os consertos das nossas próprias Kombis."
"Acontece que, ao vendermos o carro pela concessionária, o comprador dava-o, como própria garantia
da alienação fiduciária, conforme o governo exige. Mas nós, que
sempre fomos precavidos com o dinheiro que não nos pertence, além de escolhermos o cliente que
comprava o carro, além de testarmos sua honestidade, além de termos
alienação fiduciária, nós ainda colocávamos o carro no seguro. Porque, se o comprador não pagasse, o
seguro pagava. Assim, estávamos cercados de garantias. Pagávamos
à companhia de seguro 1,4% de prêmio e nossos prejuízos não chegavam a 0,2%. Então sentimos que
seria melhor, em vez de darmos lucros para uma companhia estranha,
comprarmos nós mesmos uma companhia de seguros. É por isso que temos também uma companhia de
seguros."
"Mas, como tínhamos de vender letras de câmbio, ao financiarmos automóveis e mercadorias pelo
crediário, tínhamos de transformar isso em dinheiro. Assim, compramos
uma distribuidora, a Dinâmica Distribuidora, outra empresa de nossa organização."
"O problema é que começamos, então, a pagar muito Imposto de Renda e precisávamos, de acordo com
o governo, aplicar esse dinheiro em algum lugar. Compramos um reflorestamento
no Paraná, com não sei exatamente quantos pés, no município de Jaguariaiva. Estava previsto que o
reflorestamento terminaria no prazo de quatro anos. Terminamos
em dois anos."
"Como nossas empresas se ampliavam cada vez mais, estávamos recolhendo muito imposto para o
governo. Então partimos para a agropecuária e compramos uma fazenda de
70 mil hectares em Mato Grosso, município de Barra do Garças, onde criamos bois para exportar pelo

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porto de Santarém e para o mercado interno."
O que Acontece na Televisão
"Agora vejamos como a coisa se processa no setor de televisão. No início nós éramos concessionários de
um programa de duas horas aos domingos, na TV Globo. Hoje
estamos fazendo nove horas no canal 5, mais três horas às quintas-feiras no canal 4 (Tupi de São Paulo)
e mais duas horas aos sábados, na Rede Tupi de TV, animadas
pelo meu irmão Léo. Então, hoje, já temos, de programação ao vivo, 14 horas, que é mais do que a
programação ao vivo de qualquer outra emissora brasileira. Então,
o que aconteceu? Começamos a ter cenógrafos, bailarinas, desenhistas, cameramen. Criamos o melhor
guarda-roupa do Brasil. Nem a Globo tem um guarda-roupa como o
nosso. Precisávamos de carpinteiros, eletricistas, marceneiros e serralheiros para fazer os cenários de
nossos programas. Então fomos obrigados a alugar os estúdios
da Vila Guilherme, antigo estúdio da TV Excelsior, canal 9, com uma área de quatro mil metros
quadrados. Lá existe tudo o que uma emissora de televisão tem, só falta
o canal. Além disso, com a necessidade de se enviar o teipe do Programa Silvio Santos para o Brasil, em
tempo hábil (porque não é conveniente apresentarmos um programa
na Páscoa aqui em São Paulo e esse programa chegar ao Rio Grande do Sul só no Natal), nós
importamos duas máquinas de videoteipe, que servirão para trabalhar rapidamente,
para poder gravar o programa de domingo e mandá-lo para o Brasil na semana seguinte. Assim o
programa estará sempre atualizado em qualquer ponto do território nacional.
Mas haverá tempo ocioso! Se vai haver tempo ocioso, vamos ter de produzir alguns programas, ou
talvez comerciais para quem queira fazer comerciais ao vivo conosco,
nesse estúdio da Vila Guilherme. E já que, no tocante à televisão, nós temos tudo, vamos partir para o
departamento de shows. Verificamos que alguns empresários
brasileiros não davam assistência aos artistas. Muitas vezes o artista ia a um lugar qualquer, gastava o
dinheiro da passagem, chegava lá, fazia o show e não pagavam
a ele. O empresário fugia com o dinheiro arrecadado ou, por uma série de motivos, o artista não recebia.
Diante disso resolvemos financiar shows, bailes e festas
em qualquer lugar do Brasil. Podemos financiar esses shows e bailes em até dez prestações. Isso
ampliou o mercado de trabalho, porque clubes que teriam de gastar
20, 30, 40 mil cruzeiros ou mais, de uma só vez, podem promover suas festas e convidar os artistas
preferidos, os maiores cantores do Brasil, pagando em dez vezes,
utilizando a Baú Financeira."
A Fundação Silvio Santos
"Por fim, surgiu a necessidade de dar alguma coisa ao povo que tanto já nos deu. Vamos fazer uma
fundação. Vamos fazer um hospital, uma maternidade e um centro de
gastrenterologia. Talvez tenha o nome de Fundação Silvio Santos, ainda não sei, mas de qualquer forma
ela existirá. Essa Fundação pretende ter uma área de 20 mil
metros quadrados e a construção terá cerca de 6.400 metros quadrados. Isso tudo custará muito e disporá
de uma das melhores maternidades e um dos mais modernos centros
gastrenterológicos da América do Sul. O hospital terá, provavelmente, 150 leitos, para atender
indigentes e pessoas pobres, o mesmo ocorrendo com a maternidade e
o centro gastrenterológico. Entreguei essa tarefa ao dr. Boris Baroni, um médico de 29 anos, de grande

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capacidade, que formará uma equipe médica de primeira grandeza.
E, para que não tenhamos problemas com a manutenção da Fundação, da maternidade e do centro
gastrenterológico, vamos colocar algum dinheiro em um fundo ou então
em letras de câmbio para que o próprio rendimento desse fundo ou das letras de câmbio mantenha o
hospital. E porque será um hospital moderníssimo, os melhores médicos
vão querer operar nele. Assim, essa renda (sua utilização pelos médicos de São Paulo) e mais a renda
que virá da aplicação do dinheiro em títulos manterá os 150
leitos do hospital. Inicialmente, pensamos em fazer um pronto-socorro, mas achamos que é algo muito
deprimente, com muito desastre, muito sangue, até mortes. Pensamos
em um hospital infantil, mas também consideramos que seria um local de muitos dramas infantis, porque
qualquer drama envolvendo criança nos choca. Então pensamos
em uma maternidade, porque não há quem não saia feliz de uma maternidade. Como o Silvio Santos é o
homem do sorriso feliz, é o homem dos programas felizes, a maternidade
se associará mais à sua figura de homem que está sempre sorrindo."

O projeto da Fundação não passou de um sonho que a realidade se incumbiu de frustrar. Aconteceu que,
quando Silvio e seus diretores foram conversar com o prefeito
Olavo Setúbal, para dar andamento ao projeto, ouviram dele um elogio e um alerta:
"A idéia é maravilhosa pelo seu valor humanitário. A prefeitura dá o terreno. Mas esse projeto pode
representar um grande risco para a imagem do Grupo Silvio Santos.
Pacientes virão de todos os cantos do Brasil 'para se tratar no Hospital do Silvio Santos'. Aí entra o
aspecto místico que envolve o ídolo popular. Uma falha em
um diagnóstico, um bebê que venha a morrer por uma fatalidade - coisas que podem acontecer em
qualquer hospital - seria um prato cheio para os jornais sensacionalistas.
Porque o Hospital do Silvio Santos não pode falhar."
Silvio se convenceu do risco, desistiu da Fundação, mas nem por isso abandonou a idéia de ingressar no
campo da assistência médico-hospitalar. E comprou uma empresa
de medicina de grupo, o Clam, que vendia 2.500 carnês por mês e, através de propaganda maciça no
Programa Silvio Santos, passou a vender 45 mil por mês.
"Eu queria me realizar dando ao povo hospital, saúde e bons médicos", disse ele aos jornalistas Marcos
Wilson e Fernando Emediato, do Estadão. "Eu me empolguei.
Quase não falava mais no Baú, só no Clam. Mas um dia cheguei em casa e tinha um casal esperando à
minha porta. 'Seu Silvio, meu filho morreu', ela disse. Eu disse:
'Como?'. Ela respondeu: 'Nós temos o Clam, mas ele morreu'. Foi um choque. Expliquei que eu não era
médico, que não tinha culpa, mas verificaria o que tinha acontecido.
Fiquei sem saber o que falar. Não havia mesmo o que falar. Mas fiquei pensando: quando a pessoa vem
reclamar que recebeu uma panela furada do Baú, que um funcionário
vendeu títulos de capitalização e mentiu, eu mando devolver o dinheiro. Mas o que fazer quando um
freguês vem reclamar que seu filho morreu? Então pensei: 'Vou parar
com isso'. Comecei a ver que a medicina não era o que eu pensava, que os laboratórios não eram o que
eu pensava, que os médicos não eram aquilo que eu pensava. Panela
furada eu troco, o freguês que foi tapeado eu mando pagar, mas quando alguém vem reclamar que o
filho morreu não tenho o que fazer. Não quero mais saber disso, não

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faço mais propaganda, e estou louco para alguém comprar o Clam, porque não é mais um negócio que
me satisfaz."
Assim, Silvio desistiu de trabalhar na área de saúde e vendeu o Clam para a Blue Life. No fim da
história, a profecia do prefeito Olavo Setúbal se confirmara.
A HISTÓRIA DO
PROGRAMA SILVIO SANTOS
Vitória sobre Roberto Carlos: a grande emoção
Arriscando a vida para cumprir tarefas
O dia em que o homem chegou a Lua
.. E Nóbrega chorou no banco da praça
Silvio Santos careca - uma história que virou lenda
entrando no Guinness Book

Como já foi dito, em 1961 Silvio Santos começou a apresentar na TV Paulista um programa noturno
chamado Vamos Brincar de Forca, baseado na conhecida brincadeira
popular. O programa fazia sucesso porque Silvio já apresentava um programa na Rádio Nacional, ao
meio-dia, que era campeão de audiência. Vale lembrar que a televisão
lutava bravamente para conquistar o público mais voltado para o cinema, principal divertimento na
época. A televisão, na verdade, era quase uma criança. A primeira
emissora no Brasil, a PRF-3 TV Difusora, mais tarde TV Tupi, foi inaugurada por Assis Chateaubriand
em 18 de setembro de 1950, em cerimônia no salão do Museu de
Arte de São Paulo (MASP), então na rua 7 de Abril, edifício dos Diários Associados.
Mas Silvio ficou poucos meses com seu programa noturno na TV Paulista. Como a audiência era boa,
ele foi estimulado por Paulo de Gramont e Walter Forster, respectivamente
diretor de produção e diretor artístico da emissora, a apresentar um novo programa, mais movimentado,
com mais show, nas tardes de domingo. Acontecia, naquela época,
algo difícil de acreditar: a TV Paulista ficava fechada aos domingos. Só abria às 15h30 para transmitir
futebol. Vitor Costa, dono da emissora, era entusiasta da
idéia de ocupar as tardes de domingo com uma programação de variedades. Então acertou com Silvio
Santos a apresentação de um programa do meio-dia até às duas da
tarde.
Manoel de Nóbrega, que também pretendia comprar esse horário, notando o interesse de Silvio, cedeu o
horário para ele. No decorrer dos anos, Silvio teve várias oportunidades
de retribuir ao amigo o apoio recebido.
Dessa maneira, o contrato com a TV Paulista foi fechado e Silvio lançou-se na televisão aos domingos,
com o suporte publicitário do Baú da Felicidade, que já existia
há três anos e estava em franco desenvolvimento empresarial. Nascia, assim, o Programa Silvio Santos.
A estréia ocorreu em meados de 1962. Seus quadros principais eram: Cuidado Com a Buzina (calouros),
Só Compra Quem Tem, Pergunte e Dance, Partida de 100 e Rainha
por um Dia.
Para comercializar o programa, vendendo espaço para outros clientes, além do Baú da Felicidade, foi
criada, em junho de 1962, a empresa Publicidade Silvio Santos
Ltda, que funcionou durante dez anos e atendeu, nesse período, cerca de 800 anunciantes. Essa empresa

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era responsável pela sustentação da produção artística e da
estrutura administrativa do Programa Silvio Santos.
Luciano Callegari chefiava a pequena equipe de produção do programa. Como já foi dito, ele começara
a trabalhar com Silvio Santos na Rádio Nacional, como office-boy.
Com o passar dos anos, tornou-se superintendente artístico e operacional do SBT e durante oito anos
vice-presidente da emissora.
Relembrando o passado, Luciano conta como foram os primeiros tempos na televisão: "Quando o
programa começou, os índices eram um, dois, um, dois. Não havia praticamente
um público de televisão. Não nos esqueçamos de que isso ocorreu há 38 anos. Com o passar dos anos,
fomos conquistando índices melhores: sete, oito, nove. O programa
ganhava força, crescia. Essa subida representava, semanalmente, uma nova emoção e a sensação de uma
nova vitória".

Como se não bastasse a maratona de produzir o programa da TV Globo, Silvio passou a apresentar, a
partir de 1965, na TV Tupi, um programa noturno, às quartas-feiras,
que ia das 21 horas à meia-noite. Título original do programa: Festa dos Sinos; depois, novo nome: Sua
Majestade, o Ibope; a seguir, Cidade Contra Cidade. Este último
marcou época porque era uma verdadeira olimpíada de provas entre as delegações das cidades
participantes, que vinham de todo o Brasil, cada uma trazendo as melhores
atrações, curiosidades, relíquias históricas, exibições folclóricas. Às vezes o programa entrava pela
madrugada, tal o desfile das atrações apresentadas pelas cidades
competidoras. Aquela que ganhasse levava uma ambulância como prêmio. Posteriormente o programa
passou a chamar-se Silvio Santos Diferente, compreendendo vários quadros:
Folias de Golias, O Dia em que Você Nasceu, Clube dos Quinze, Vestibular do Amor, Ele Disse, Ela
Disse. Em março de 1976, o programa Silvio Santos Diferente deixou
a Tupi, passou para a TV Record, mas ficou no ar só até setembro, porque o animador decidiu não mais
apresentar programas noturnos na televisão - pelo menos por
um certo período.

Em 1966 a TV Globo comprou a TV Paulista, de Vitor Costa, mas o Programa Silvio Santos continuou
na emissora com os novos donos, mediante a assinatura de um contrato
de cinco anos de duração.
Nessa fase houve um momento de glória para o Programa Silvio Santos. Foi quando ele ganhou, em
audiência, do programa Jovem Guarda, que Roberto Carlos apresentava
na TV Record e que esteve no ar entre 1965 e 1968. "Para nós foi uma consagração popular, pois ganhar
do Roberto Carlos, àquela altura, era uma façanha inesquecível",
relembra Luciano Callegari.
O ano de 1968 marcou o início de uma fase gloriosa do programa, com a conquista de altos índices de
audiência. Os principais quadros eram: Os Galãs Cantam e Dançam,
Cuidado com a Buzina, Namoro no Escuro, Casais na Berlinda e Sua Majestade, a Criança. Ia do meio-
dia até as 8 horas da noite. Era o dono absoluto das tardes de
domingo. Sempre apresentando novas atrações: Show da Loteria, Vamos Fazer Média, Disco de Ouro,
Só Compra Quem Tem, Quem Sabe Mais, o Homem ou a Mulher?, o folclórico

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Show de Calouros, Boa Noite, Cinderela e Sinos de Belém. O quadro Boa Noite, Cinderela empolgava o
público e obtinha altos índices de audiência. Era um programa
feito para emocionar e até arrancar lágrimas dos telespectadores. Em cenário de conto de fadas, uma
garota, em geral de família humilde, era eleita a Cinderela da
noite. Sentada em um trono ricamente ornamentado, ela recebia a coroa e os sapatinhos de cristal do
Príncipe Encantado ao som de cantos solenes, entoados pelo coral
do programa. Cinderela recebia grande quantidade de brindes, incluindo eletrodomésticos, que faziam a
alegria da família dela. Esse quadro permaneceu dez anos no
ar.
Sinos de Belém era o quadro mais movimentado da televisão na época, exigindo até a utilização de
aviões e helicópteros para o cumprimento de complicadas tarefas.
O próprio Silvio Santos participava dessas tarefas, algumas muito perigosas. Certa vez ele subiu e
desceu por uma escada de bombeiros até o 15o andar de um prédio
no centro de São Paulo, sem estar amarrado a cordas de segurança. Participou de uma corrida de
burricos, correndo muito, e não caiu. Desceu por um cabo de um helicóptero
parado a 50 metros de altura. E "pousou" em um barco ancorado no meio da represa de Guarapiranga,
em São Paulo.
Essas proezas faziam o público delirar e divertiam muito Silvio Santos, mas causavam calafrios nos
produtores do programa e, principalmente, nos diretores do Grupo
Silvio Santos. O problema era o seguinte: o artista Silvio Santos brilhava como herói, mas o empresário
Silvio Santos corria, indubitavelmente, risco de morte. Então,
por precaução, a diretoria do Grupo aconselhou o animador a maneirar em suas participações nessas
competições, o que foi feito, para tranqüilidade geral.
Para avaliar a força de Silvio Santos, já naquele tempo, como apresentador de programa de auditório,
vale relembrar a comparação bem curiosa feita na época pela
revista Realidade: "No dia 20 de julho de 1969, quando os astronautas da Apolo XI, Neil Armstrong e
Edwin Aldrin, pisaram no solo da Lua, a televisão estava lá,
transmitindo direto e em cores, de uma distância de 384 mil quilômetros, para 5 milhões e meio de
telespectadores, em todo o mundo. A audiência desse espetáculo
histórico, no Grande Rio e na Grande São Paulo, foi de 41,4%. Pois bem: três dias depois, com o
programa Cidade Contra Cidade, na Rede Tupi, Silvio Santos obteve
40,4% de audiência, apenas 1% a menos que o fantástico show da Lua. E, no domingo seguinte ao
espetáculo da Lua, o Programa Silvio Santos, na TV Globo, obteve 38,8%".
A revista Realidade, uma das mais importantes do Brasil na época, registrou essa comparação para
afirmar que, até então, os programas de Silvio Santos só haviam
perdido para "um acontecimento do outro mundo".
A partir de 1971 o Programa Silvio Santos passou a apresentar o Troféu Imprensa, que se tornou um dos
eventos mais importantes da televisão brasileira. Ele havia
sido criado no distante ano de 1958, pelo jornalista Plácido Manaia Nunes, diretor da revista São Paulo
na TV, para premiar os melhores artistas do rádio e da televisão.
De acordo com Plácido Manaia Nunes, o Troféu Imprensa surgiu em face das profundas divergências
nas premiações dos artistas na época. Vários troféus eram dados pelas
emissoras de TV. Praticamente, cada uma delas tinha o seu troféu, mas as premiações variavam ao sabor

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do bom relacionamento entre os artistas e os dirigentes dessas
emissoras. Não havia imparcialidade na escolha dos melhores desempenhos, e tudo era decidido a portas
fechadas.
Naquela época, a Tupi e a Record lutavam pela liderança da audiência, seguidas de perto pela TV
Paulista, hoje Globo, e apresentavam os troféus Tupiniquim e Roquete
Pinto, respectivamente. As TVs Cultura e Excelsior estavam distantes desse panorama e, evidentemente,
por melhores trabalhos que apresentassem, jamais teriam seus
nomes inscritos no Tupiniquim ou no Roquete Pinto.
"Foi por tudo isso", diz o criador do Troféu Imprensa, "que começamos a pensar em uma premiação
criteriosa, acima das influências das emissoras, feita por jornalistas
especializados em televisão". E assim foi feito.
A primeira edição do Troféu Imprensa foi realizada no auditório da Biblioteca Municipal de São Paulo.
Os primeiros artistas escolhidos foram Lima Duarte (ator),
Márcia Real (atriz), J. Silvestre (apresentador), Silvio Caldas (cantor) e Elizete Cardoso (cantora).
A partir do segundo ano, o júri se reunia nas dependências do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do
Estado de São Paulo. Dessa forma, o Troféu Imprensa obteve
credibilidade e, em pouco tempo, tornou-se o mais esperado e cobiçado prêmio da televisão. Como todas
as premiações na época, também tinha sua solenidade de entrega
no Teatro Municipal de São Paulo, transmitida, em rede, pela Cultura, Tupi, Paulista e Excelsior.
Silvio Santos recebeu seu primeiro Troféu Imprensa em 1964, como Melhor Animador. E, em 1971, o
jornalista Plácido Manaia Nunes transferiu para ele a sua realização,
que hoje constitui ponto alto dentro da programação do SBT. Desde que foi criado até hoje, o Troféu
Imprensa não deixou de ser entregue um ano sequer.
Há uma história engraçada a respeito da careca de Silvio Santos. Em 1971 a revista Melodias, que cobria
o mundo artístico, passava por dificuldades financeiras e
ameaçava fechar. O jornalista Plácido Manaia Nunes fora chamado para assumir a direção. Mas, para
aumentar sua vendagem, era preciso criar um assunto de impacto.
Foi aí que ele conversou com Silvio Santos, expôs o problema e Silvio autorizou a publicação de uma
capa dele, completamente careca, uma montagem muito bonita, muito
bem desenhada. Foi um choque para o público. A revista, que vendia menos de cem mil exemplares,
com a capa de Silvio careca tirou várias edições sucessivas até atingir
a soma de 500 mil exemplares. Com isso, a revista se firmou, ganhou público novo e se salvou. Essa
edição, de novembro de 1971, é hoje uma relíquia. Mas até hoje
as pessoas se perguntam se Silvio Santos é careca ou não.

Em 1972 Manoel de Nóbrega, recém-saído da TV Record, começou a trabalhar no Programa Silvio
Santos em um quadro que se tornou célebre, A Praça da Alegria, no qual
se destacava o comediante Walter D'Ávila, vivendo o papel de um iletrado que começava a descobrir em
um livro personagens como Napoleão, Maria Antonieta, Machado
de Assis, Nero, e pensava que eles eram de ficção. Era mais um tipo que Manoel de Nóbrega tirava da
vida real, ele que adorava fazer isso. O homem iletrado existira
de fato. Era um vizinho de Nóbrega no Rio, que tinha cultura de almanaque, mas com mania de discutir
com todo mundo, sem saber de nada direito.

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Também participavam da Praça, sentando ao lado de Nóbrega, no banco que era a marca registrada do
quadro, o caipira Simplício, que fazia a apologia das coisas grandes
de Itu, e os comediantes Walter Stuart, Durval de Souza e Clayton Silva. Quando o quadro saiu do ar,
Manoel de Nóbrega tornou-se jurado do Show de Calouros, tornando-se
uma figura marcante.
Vale recordar que no dia da estréia de A Praça da Alegria, Silvio, de surpresa, entrou em cena, sentou-se
no banco e, para homenagear Manoel de Nóbrega, disse-lhe
palavras de carinho, relembrando os velhos tempos da Rádio Nacional e o começo do Baú da Felicidade.
Nóbrega se emocionou. Silvio também. E tiveram de interromper
o diálogo. Depois disso, por algumas vezes, Silvio participou do quadro, sentando-se no banco da praça
para conversar com Manoel de Nóbrega.
O quadro Arrisca Tudo também marcou época no Programa Silvio Santos. Estreou em 1976. Os
participantes dispunham-se a responder sobre temas culturais, como a vida
de Moisés, a Inconfidência Mineira, a História do Egito Antigo, a vida de Noel Rosa, entre outros. As
perguntas tornavam-se mais difíceis à medida que os candidatos
venciam etapas, semana após semana. O prêmio também multiplicava seu valor. O candidato que
chegasse ao final da maratona recebia uma bolada de até 1 milhão de cruzeiros,
uma fortuna na época.
Com o passar dos anos, e com o crescimento do Programa Silvio Santos, aquela primitiva empresa de
produção artística e comercialização de anúncios, Publicidade Silvio
Santos Ltda., que existia desde a década de 60, cedeu lugar, a partir de 1974, a outra empresa muito
maior, a Studios Silvio Santos Cinema e Televisão Ltda. Tratava-se
de uma grande central de produções, cuja atividade incluía, além do Programa Silvio Santos, a produção
de comerciais, algumas coberturas jornalísticas, shows em
feiras e venda de programas para emissoras. Esses estúdios passaram a ocupar as dependências da antiga
TV Excelsior, na rua Dona Santa Veloso, Vila Guilherme, zona
norte da capital, e possuíam infra-estrutura de uma emissora de TV. Como se dizia na época: "Tem tudo
o que uma estação tem, só falta o canal". Eram responsáveis,
também, pela programação da TVS-Rio desde que ela entrou no ar.
Esses estúdios produziram um filme (Ninguém Segura Essas Mulheres) e quatro novelas (Destino, A
Força do Amor, A Leoa e O Espantalho), esta última vendida até para
o exterior.

Em 1993 o Programa Silvio Santos entrou para o Guinness Book, o livro dos recordes, como "o
programa mais duradouro da televisão brasileira". O programa estava completando,
então, 31 anos. Esse registro está na página 195 da edição brasileira do Guinness, com uma foto em
cores do quadro Topa Tudo por Dinheiro. Esse recorde é contado
a partir da estréia na TV Paulista, no distante ano de 1962.
Uma curiosidade: em geral acredita-se que o "S" da sigla TVS foi retirado do nome de Silvio Santos.
Engano. O "S" vem da palavra "Studios", a central de produções
montada na Vila Guilherme, de onde saiu para ocupar os grandes estúdios do Projeto Anhangüera.

A LONGA BATALHA PELA

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CONQUISTA DO primeiro
CANAL DE TV
Graças a Roberto Marinho, Silvio continuou na Globo
Uma história secreta: a compra de 50% da TV Record
O presidente Médici falou: "O ministro não quer dar o canal para você".
"No fim, os homens do governo viram que eu não era apenas um animador"
Dia de festa na Vila Guilherme: Geisel dá o canal 11 a Silvio

Em 1971, quando o primeiro contrato de Silvio Santos com a Rede Globo estava para terminar, surgiu
um sério problema, que por pouco não tirou o programa do ar.
Silvio foi chamado para a renovação do contrato, só que a emissora não queria renovar nas bases
estipuladas por ele. Disseram-lhe: "Olhe, não podemos renovar nas
mesmas bases. A Globo hoje é uma emissora com filosofia diferente. Se você quiser renovar o contrato,
nós renovamos, mas em outras bases".
As bases que a Globo oferecia a Silvio Santos não serviam. Não eram as bases que ele desejava. Ele
então disse aos diretores: "Não tem problema, não querem renovar,
não renovamos. Nós continuamos amigos, eu saio da Globo e vou procurar outra estação".
Na verdade, a Globo queria se livrar da programação chamada "popularesca". O Chacrinha estava
saindo, O Homem do Sapato Branco já tinha saído. Faltava Silvio.
Na ocasião, o sócio do Paulinho Machado de Carvalho, João Batista Amaral, o Pipa, estava vendendo
50% das ações que possuía na TV Record. Paulinho disse a Silvio:
"Por que você não compra as ações do Pipa? Você pode vir para a Record, tornando-se meu sócio".
Silvio conta o que pensou na época: "Despertei e me interessei pelo negócio. Percebi que depender de
contratos, ou renovação de contratos com as emissoras, para
apresentar meu programa, era um risco muito grande. Via o exemplo da Globo. Não queriam renovar
meu contrato. Vieram com a história da nova filosofia da emissora.
Estava na hora de eu ter um canal próprio. A chance era aquela: comprar as ações do Pipa Amaral".
Foi aí que o diretor-administrativo do Grupo Silvio Santos na época, Dermeval Gonçalves (hoje diretor-
superintendente da Rede Record), homem de confiança de Silvio
para assuntos de televisão, entrou em cena. Quem estava intermediando a venda das ações do Pipa era o
Marcos Lázaro, o maior empresário artístico da época. Dermeval
Gonçalves conta:
"O Silvio tinha necessidade de uma emissora de televisão em São Paulo. Queria porque queria. Mais que
isso: precisava. Restavam duas alternativas: aguardar o governo
abrir nova concorrência ou fechar negócio com a Record. Não podíamos perder tempo. Na época a
Record passava por uma fase absolutamente crítica, quase em estado
terminal. Isso foi no início de 1972. Até hoje tenho o cartão do Silvio marcando uma reunião no
escritório do Marcos Lázaro, que ficava na rua da Consolação, perto
do Teatro Record. Lá começou a negociação para a compra dos 50% das ações do Pipa na Record. Mas
nós dormimos um pouco na história, achando que ninguém teria coragem
de investir em uma empresa que ia mal. Eu, pessoalmente, aconselhei o Silvio a não comprar, porque
para mim a empresa não tinha sobrevida. O valor da ação era menor
que zero. Mas o Silvio foi taxativo: 'Eu vou comprar', ele disse. E acabamos fechando negócio. Nesse

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ponto é preciso reconhecer a capacidade de enxergar à frente
que Silvio possui. Mas na semana em que estávamos preparando os papéis, os advogados - com
filigranas jurídicas, cada um querendo colocar uma coisa diferente no
papel - nos fizeram perder muito tempo. Então um grupo gaúcho, o Gerdau, liderado pelos padres de lá,
veio e fechou o negócio. Quando fomos assumir a Record na sexta-feira
pela manhã, o Paulinho falou: 'Vocês podem voltar porque a Record já foi vendida'. Para nós foi uma
surpresa, porque ninguém teria coragem de investir dinheiro na
Record. Nós íamos comprar a prazo; a Gerdau comprou à vista."
Silvio conta: "Se Deus fecha uma porta, abre uma janela. Foi quando aconteceu o imprevisível: o dr.
Roberto Marinho me telefonou, muito gentilmente, dizendo que
fazia questão de que eu continuasse na Globo; que ele gostava de mim e de meus programas, e que, se a
direção da Globo não concordava com a renovação, ele, Roberto
Marinho, concordava. Fiz o novo contrato diretamente com o dr. Roberto Marinho e fiquei na Globo por
mais cinco anos".

O negócio entre o Grupo Gerdau e a TV Record durou cerca de seis meses. Não houve entrosamento
entre a equipe gaúcha e os diretores da emissora. O pessoal da Gerdau
tinha salas na sede da Record na avenida Miruna, perto do aeroporto de Congonhas, mas o Paulinho
Machado de Carvalho sequer os recebia, mesmo para tratar dos negócios
da empresa. Foi então que o Elvio Azevedo Souza, "testa-de-ferro" da Gerdau, colocou à venda os 50%
das ações da Record que havia comprado seis meses antes.
Dermeval Gonçalves conta: "Consultei o Silvio e ele me autorizou a comprar as ações. Mas havia um
problema: o contrato dele com a TV Globo proibia-o de ter emissora
de televisão. Então, procurei um velho e grande amigo, Joaquim Cintra Gordinho, com o qual havia
trabalhado na 'Companhia Brasil Rural'. Cintra Gordinho pertencia
a uma poderosa família paulista, mas passava grande parte do tempo em São Clemente, na Califórnia.
Trabalhei com ele 19 anos na 'Brasil Rural', ele como vice-presidente
da empresa. Saí de lá para ir trabalhar como fiscal de renda no Ministério da Fazenda. Telefonei para o
Gordinho, na Califórnia, expliquei que Silvio queria comprar
as ações da Record, mas não podia, devido ao contrato com a Globo. Precisávamos que ele emprestasse
seu nome para a transação. Gordinho, um homem riquíssimo, não
só concordou em assinar pelo Silvio como também se prontificou a emprestar dinheiro se houvesse
necessidade. Expliquei que dinheiro não era problema, o problema
era o impedimento legal do contrato da Globo. Gordinho era um homem extraordinariamente discreto,
que tinha casa na Califórnia porque gostava de lá, não por ostentação.
Em São Paulo possuía um apartamento em uma travessa entre a rua Aurora e a praça da República, e
quem o visse por ali caminhando não daria muita coisa por ele. Pois
bem: ele comprou os 50% das ações da Record e manteve o segredo até o último instante. Foi de uma
fidelidade tão grande que o Silvio devia colocar um retrato dele
em uma parede do Complexo Anhangüera. Não fosse esse desprendimento de Cintra Gordinho, Silvio
estaria fora da televisão, porque a Tupi já estava fraquejando, a
Record estava em crise e a Globo não o queria em sua programação. Ele não tinha para onde ir e teria
desaparecido naquela ocasião. Com a Record ele fortaleceu sua

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posição e a emissora foi seu trampolim para conseguir aquilo que sempre foi um grande sonho: o canal
de televisão em São Paulo".
Há um episódio engraçado ocorrido nessa história do Cintra Gordinho. A Fábrica de Móveis Brasil tinha
uma programação muito intensa na Record. Ela tinha comprado
quase todos os horários da emissora e patrocinava o Programa Raul Gil. O boneco fantasia da Fábrica, o
"Brasilino", ficou famoso, marcou época. E a Fábrica há muito
tempo tentava se associar à Record. O Paulinho Machado de Carvalho disse a eles que havia 50% das
ações nas mãos de um camarada de Amparo, que ninguém sabia direito
quem era. Ele comentou: "Quem sabe ele vende".
E eles foram realmente até a fazenda do Cintra Gordinho em Amparo. Levavam na mala 25 milhões de
dólares para comprar os 50% da Record. O Gordinho ligou para o Dermeval
Gonçalves dizendo: "Tem um pessoal aqui do 'Brasilino', com o Raul Gil, para comprar minhas ações. O
que faço?" E o Dermeval: "Bota eles pra correr".
E ele botou mesmo. O Laudelino Seixas morria de rir quando contava essa história. Ele era o
administrador do Cintra Gordinho em São Paulo. Por isso, tinha 1.300
ações da Record, para garantir sua presença nas assembléias da empresa, quando o Gordinho estivesse
ausente.
Silvio havia tentado, anteriormente, comprar a TV Excelsior, canal 9 de São Paulo. Chegou a falar com
o dono da emissora, Mario Wallace Simonsen, também proprietário
da Panair do Brasil, que o governo militar fechou. A Excelsior estava falindo, mas o governo preferiu
declarar a perempção da emissora a vê-la nas mãos de Silvio,
apesar do empenho de todos os funcionários para que Silvio ficasse com ela. Com isso, o governo ficou
com dois canais 9 - um no Rio, a TV Continental, e outro em
São Paulo, a Excelsior. E os colocou em concorrência.
Silvio entrou no páreo. Para ele era quase uma questão de sobrevivência como animador de televisão.
Na ocasião ele explicou em entrevista por que se empenhava tanto
em ter um canal.
"Como não consegui comprar as ações da Record e como só continuei na Globo graças a uma gentileza
do dr. Roberto Marinho, senti crescer em meu espírito a necessidade
de ter um canal de televisão. Podia estar tranqüilo com meu programa na Record se alguém não tivesse
comprado na minha frente os 50% da emissora. Então pensei: bem,
não comprei a Record, não faz mal. Mas como poderei ser dono de um canal? Só se o governo, algum
dia, tiver um para conceder. O Moysés Weltman, meu amigo e diretor
da revista Amiga, na época, me incentivou, dizendo para eu entrar na concorrência, pois achava que eu
tinha todas as chances de ganhar um canal. Assim, quando surgiu
a primeira oportunidade de o governo conceder canais, o 9 de São Paulo e o 9 do Rio de Janeiro, decidi
entrar. Entrei pensando: 'Se ganhar, ganhei; se não ganhar,
não ganhei. Não faz mal, pelo menos vou tentar, vou saber como isso se processa. Tenho condições,
tenho possibilidades financeiras, tenho know how, vou entrar'."
Dermeval Gonçalves, o homem que participava de todas as lutas pela conquista de um canal de
televisão, também se recorda: "Quando a concorrência foi aberta, fizemos
um belo projeto para São Paulo, porque tínhamos condições financeiras, conhecimento de produção e
operação. Era a chamada televisão pré-paga. Nós tínhamos condições

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de montar uma televisão e mantê-la independentemente do mercado publicitário, porque ela poderia ser
sustentada pelas próprias empresas do Grupo Silvio Santos, principalmente
o Baú. Fizemos o projeto, levamos ao governo, tivemos várias reuniões com o pessoal do Dentel, o
órgão que preparava o processo, fizemos várias exposições verbais
à equipe dirigida pelo dr. Osvaldo Pimentel. Tudo parecia caminhar bem. Então, apareceu uma
oportunidade de falarmos diretamente com o presidente da República, na
época o general Emílio Garrastazu Médici. O ministro era o grande trunfo, mas o presidente assinaria o
ato, o decreto de autorização. Nós aproveitamos um convite
do ministro Jarbas Passarinho para o casamento de uma filha dele, e viajamos para Brasília: Silvio,
Cidinha, a esposa dele, eu e o Júnior, meu filho, de quem o Silvio
gostava muito. Fomos ao casamento com o objetivo de conversar com o Médici. E a maior surpresa foi
que o presidente cumprimentou algumas pessoas, foi se aproximando
do nosso grupo, junto com o ministro Passarinho e a esposa dele, dona Ruth, e antes que Silvio falasse
qualquer coisa, foi logo dizendo: 'Silvio, você está bem?
Você quer um canal de televisão, não é? Olhe, infelizmente não posso fazer nada, porque o Corsetti
(ministro Higino Corsetti) não quer dar para você'. E não deu,
efetivamente. Para nós foi uma surpresa muito desagradável, porque o projeto do Jornal do Brasil - que
acabou ganhando as duas concessões, no Rio e em São Paulo
- não tinha nada, absolutamente nada, tanto que eles não conseguiram viabilizar nada, não montaram
nada, nem o canal do Rio, nem o de São Paulo. Nossa primeira batalha
para conquistar um canal de televisão terminou assim, de forma traumática, com meia-dúzia de palavras
do presidente da República".
Silvio Santos comentou, na época, a derrota nessa primeira batalha: "Não ganhei a concorrência do canal
9 de São Paulo, mas acredito que muita gente do governo,
que conheceu o nosso projeto, e que não entendia muito bem o Silvio Santos, passou a perceber que,
além de um animador de auditório eu era um empresário muito bem
estruturado. Mesmo tendo o desgosto dessa primeira tentativa, que não deu certo, senti que as portas
começavam a se abrir para mim. Havia ainda muito caminho a ser
percorrido".

Em 1974 houve mudança no governo da República. O general Emílio Garrastazu Médici foi substituído
pelo general Ernesto Geisel, que tomou posse em 15 de março daquele
ano. O ministro das Comunicações, Higino Corsetti, foi substituído pelo comandante da Marinha
Euclides Quandt de Oliveira.
Em 1975 o governo Geisel abriu nova concorrência, agora para o canal 11 do Rio de Janeiro. Quanto aos
dois canais 9, do Rio e de São Paulo, foram devolvidos pelo
Jornal do Brasil e posteriormente utilizados para compor duas novas redes, que o governo colocou em
licitação após cassar algumas emissoras da TV Tupi.

Aberta a concorrência do canal 11 do Rio de Janeiro, o Grupo Silvio Santos entrou na parada. Mais uma
vez a luta ia começar. Mas seria uma luta diferente. Seriam
convocados todos os amigos com influência no governo, não para pedir favorecimento político, mas
para mostrar a viabilidade do projeto elaborado pelo pessoal de

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Silvio Santos. Eu mesmo abri um desses caminhos e agora vou contar como isso aconteceu.
A revista O Cruzeiro, aquele fenômeno editorial que tirava 750.000 exemplares na década de 50, quando
a população brasileira não chegava aos 60 milhões de habitantes,
deixou de circular em junho de 1975. Nesse mesmo mês e ano comecei a trabalhar no Grupo Silvio
Santos como assessor de imprensa. Na véspera de tomar posse, tive
uma reunião com Silvio na sala que ele ocupava na Rádio Globo, na rua das Palmeiras. De cara, Silvio
falou:
- Olhe, eu preciso de um canal de televisão.
- E qual é o caminho para isso? - perguntei.
- O Golbery do Couto e Silva, chefe da Casa Civil do Geisel - respondeu Silvio Santos.
- Acho que tenho um bom caminho para chegar ao Golbery.
- E Qual é? - ele questionou em seguida.
Contei a Silvio a história do dr. Gabriel Richaid, advogado, procurador do general Golbery, marido da
Aurora Miranda (irmã da Carmen). Eu tinha uma amizade fraternal
com o dr. Gabriel Richaid, desde o tempo em que eu morava no Rio de Janeiro. Era dessas amizades que
fazem as pessoas se telefonarem constantemente e almoçarem e
jantarem nas casas umas das outras. O dr. Richaid era procurador do Golbery desde o tempo em que este
era presidente da Dow Química, a grande indústria americana
com sede em São Paulo. Mas Richaid continuou morando no Rio, porque lá era diretor da Corretora
Laureano, na av. Rio Branco. Quando contei a história do dr. Richaid,
Silvio perguntou:
- Você acha que ele pode nos ajudar?
- Tenho certeza que sim.
Combinamos, então, meu primeiro trabalho como funcionário do Grupo Silvio. No dia seguinte, fui até a
rua Jaceguai, onde funcionava a sede do Grupo Silvio Santos,
reuni-me com ele na sua sala, que ficava no 7o andar, e ele me entregou o projeto de uma televisão. Era
um livro enorme, quase do tamanho de um dicionário, com gráficos,
esquemas financeiros, organogramas.
- Veja isto - falou -, eu posso manter uma emissora de televisão só com os anúncios de minhas empresas.
Não preciso veicular comerciais de mais ninguém.
Peguei a passagem com o dr. Eleazar Patrício da Silva, presidente do Conselho Administrativo do
Grupo, e parti ao encontro do dr. Richaid, no Rio de Janeiro. Almoçamos
num restaurante árabe da rua da Alfândega e conversamos muito sobre minha nova atividade e sobre o
projeto de Silvio. O dr. Richaid disse:
- Vou levá-lo em mãos porque é assunto para ser tratado pessoalmente.
Duas semanas depois, o dr. Richaid me telefonou:
- Olhe, o projeto está com o "homem". Ele gostou da idéia de as empresas do próprio Grupo financiarem
a televisão.
O dr. Richaid também me informou que dona Esmeralda, esposa de Golbery, tornara-se ardorosa
defensora da idéia de se dar um canal a Silvio Santos. Ela, na verdade,
era parte de uma espécie de torcida generalizada no meio artístico e também na imprensa, em favor da
concessão de uma tevê a Silvio Santos. Um colega dos tempos
de O Cruzeiro, Humberto Mesquita, tinha outro importante canal para ajudar o empresário. Ele era

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assessor de imprensa da Caixa Estadual de Casas para o Povo (Cecap),
presidida pelo advogado e esportista Juvenal Juvêncio, amigo chegadíssimo do deputado Raphael
Baldacci, homem de muito prestígio político tanto em São Paulo quanto
em Brasília. Sempre que se candidatou a cargos eletivos, obteve votações expressivas. Foi eleito em
1970 deputado federal pela antiga Arena, com 159 mil votos, e
reeleito em 1974, com 147 mil. Era ligadíssimo a Golbery, desde o tempo em que fizeram juntos a
campanha de Jânio Quadros a presidente da República. Promovemos -
Mesquita e eu - um encontro de Silvio com Baldacci na própria sala de Juvenal Juvencio, na Cecap, na
av. Rebouças, esquina da Oscar Freire. Conversaram mais de uma
hora. Quem trabalhava lá na época era a economista Zelia Cardoso de Mello, que viria a ser, muitos anos
depois, ministra da Economia de Fernando Collor. Baldacci
se entusiasmou com a idéia de autofinanciamento, ou seja, os custos da emissora serem bancados pelos
próprios anúncios das empresas do Grupo. Coincidiu que, pouco
tempo depois, o ministro das Comunicações, comandante da Marinha Euclides Quandt de Oliveira,
chamou Baldacci para assessorá-lo nos assuntos de concessões de rádios
e televisões. Em virtude do relacionamento com Golbery e com a nova função de assessor do ministro,
Baldacci passou a ter bastante influência nas decisões do governo
na área das comunicações, sobretudo quando estavam em jogo interesses de São Paulo. O projeto de
Silvio, o autofinanciamento, impressionou o governo. Além do mais,
esse interesse se traduzia na oportunidade de promover a diversificação de forças no campo da televisão
para que não prevalecesse uma exclusividade, um predomínio
dentro do sistema de comunicação pela TV.
- Assim - falou Baldacci -, tivemos a satisfação de verificar a concretização do sonho de Silvio, com a
concessão do canal 11 do Rio de Janeiro.
O dr. Demerval Gonçalves, diretor do Grupo Silvio Santos na época, e hoje diretor da Rede Record, teve
também uma atuação muito grande nessa batalha pelo canal 11.
Ele havia construído um grande círculo de amizades no governo e soube utilizá-lo em favor dos pleitos
do Grupo. Ele diz: "O ministro Quandt de Oliveira era um homem
absolutamente afável. Entramos com o projeto e, aí sim, o Silvio também fez um trabalho perseverante
junto às autoridades, para demonstrar que poderia fazer coisas
muito importantes na televisão. Poderia melhorar o mercado de trabalho, já que, apenas com um
programa, empregava muita gente. Fomos ao gabinete do Geisel duas vezes,
ao gabinete do Figueiredo, chefe do SNI, várias vezes, ao de Quandt de Oliveira, sempre.
Fazendo uma avaliação de suas reuniões em Brasília, Silvio Santos disse na ocasião:
- Demonstrei ao pessoal do governo que no palco sou um animador, mas minha verdadeira
personalidade não sofre qualquer tipo de influência do personagem vivido em
cena. No palco sou um ator, mas fora dali sou um empresário como outro qualquer. Acho que eles se
surpreenderam comigo como homem de negócios e passaram a acreditar
que eu poderia ter uma canal de televisão. Começou a formar-se um consenso. Por que não dar um canal
ao Silvio? Por que não dar? Por que não? Essa pergunta começou
a tomar vulto no Brasil inteiro. Então o ministro Quandt de Oliveira, talvez cansado de ouvir essa
pergunta, resolveu conferir por meio de seu chefe de gabinete,
o engenheiro Castello Branco, que fez quatro sabatinas comigo. Castello Branco, excelente profissional -

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digo isso porque conheço os bons profissionais -, checava
tudo. Nunca se deixou levar pela minha conversa. Então o próprio ministro, militar rigoroso, resolveu:
"Vamos ver se esse camarada merece realmente o canal de televisão."
Pesquisou, apurou tudo a meu respeito e a respeito do Grupo Silvio Santos, e resolveu conceder-me o
canal 11, do Rio.
No dia em que o presidente Geisel assinou o decreto 76.488 de 22 de outubro de 1975, concedendo o
canal 11 a Silvio, houve grande festa na Vila Guilherme. No principal
estúdio da empresa, os funcionários se reuniram em volta do patrão, rindo, abraçando-se, levantando
brindes com guaraná e coca-cola. No meio do salão, um enorme
bolo encimado pelo número 11. Era a alegria pela vitória conquistada, a realização de um sonho há
muito tempo acalentado.

Hoje, afastado da atividade político-partidária, Raphael Baldacci dedica-se à política classista,
realizando um bonito trabalho comunitário. Há 12 anos é presidente
da APCD (Associação Paulista dos Cirurgiões Dentistas) entidade que congrega 40 mil associados e tem
por objetivo o ensino continuado, ou seja, a possibilidade de
reciclagem de profissionais da categoria. Para isso mantém 31 escolas de aperfeiçoamento profissional,
sendo 5 na capital, nos bairros de Pinheiros, Bela Vista,
Vila Mariana, Santana e Ipiranga. Nessas escolas funcionam mais de 500 consultórios, à disposição da
população, gratuitamente.
O DIA EM QUE
SILVIO SANTOS CHOROU
Emoção em Brasília, na assinatura do contrato de concessão do canal 11
Manoel de Nóbrega profetizou: "Vamos crescer e crescer muito".
Assembléia do Rio concede a Silvio o título de "Carioca Honorário"
Silvio torna-se, afinal, dono de 50% da TV Record
Um momento amargo: a morte de Cidinha

Exatamente dois meses após o decreto do presidente Geisel, realizou-se em Brasília a solenidade de
assinatura do contrato, que oficializava a concessão do canal
11 do Rio de Janeiro ao Grupo Silvio Santos. Isso aconteceu no dia 22 de dezembro de 1975, às 10 horas
da manhã, no gabinete do ministro das Comunicações. Portanto,
dentro do rigor histórico, foi naquele dia e naquela hora que começou a nascer o SBT, hoje a segunda
mais importante rede de televisão do país. A empresa concessionária
era a TV Studios Silvio Santos Cinema e Televisão Ltda., de São Paulo, criada para competir no campo
da televisão.
Foi um ato solene, revestido de muito protocolo. Um mestre-de-cerimônias conduzia os convidados ao
salão nobre do Ministério, fazendo-os sentar-se ao redor de uma
grande mesa, com lugares marcados.
O ministro Euclides Quandt de Oliveira, das Comunicações, começou a cerimônia explicando a razão
daquele protocolo: o governo queria marcar a outorga daquele canal
de televisão como uma decisão importante, tanto para quem o recebia como para quem o concedia.
O mestre-de-cerimônias anunciou, em seguida, que seria lido o decreto do presidente Ernesto Geisel,

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concedendo o canal 11 ao Grupo Silvio Santos. Essa leitura foi
feita pela engenheira Regina Maria da Cruz Cabral, diretora da Divisão de Radiodifusão do Dentel.
Terminada a leitura do decreto no 76.488, de 22 de outubro de 1975,
o ministro Euclides Quandt de Oliveira apôs sua assinatura no documento, o mesmo fazendo Silvio
Santos, a engenheira Regina Maria da Cruz Cabral e o engenheiro Rômulo
Villar Furtado, secretário-geral do Ministério. Como testemunhas, assinaram Manoel de Nóbrega,
superintendente da nova emissora, e Luciano Callegari, superintendente
dos Studios Silvio Santos. Também estavam sentados à mesa os senhores Eleazar Patrício, Benjamin
Smith e eu, respectivamente presidente, diretor e assessor de imprensa
do Grupo Silvio Santos. Assinado o documento, tomaram a palavra o ministro Euclides Quandt de
Oliveira e os senhores Silvio Santos e Manoel de Nóbrega.
O ministro Quandt de Oliveira afirmou que a "seleção da TV Studios Silvio Santos para receber a
outorga do canal 11 foi precedida de um exame, bastante acurado e
profundo, das possibilidades e da capacidade que tinha ela de levar avante os objetivos da política de
comunicação do governo Ernesto Geisel, ou seja, uma comunicação
com mensagens positivas, uma comunicação que dê uma contribuição para a promoção de um Brasil
forte, um Brasil sadio. Além desse aspecto, há outro, ao qual deve
ser dado um relevo especial, que é o da formação dos jovens, daqueles que, dentro de alguns anos, irão
tomar as rédeas dos destinos deste país. Eu tenho certeza
de que, depois de tudo o que foi feito, o canal 11, eventualmente espraiando-se em uma rede de âmbito
nacional, não irá desmerecer aquelas esperanças que estão contidas
em um simples decreto, lido agora. Felicidades".
Silvio Santos falou a seguir e, de improviso, rememorou o começo de sua carreira em São Paulo, vindo
do Rio, em férias, com uma carta de recomendação a Manoel de
Nóbrega no bolso, "que não sei por que não entreguei a ele". Silvio contou que, na ocasião, realizava-se
um concurso para locutor comercial na Rádio Nacional de
São Paulo. Ele concorreu com mais de 40 candidatos e foi aprovado. Depois se soube que, enquanto
Silvio fazia o teste, alguns funcionários da técnica da Rádio Nacional
comentaram: "É, pode ser que esse rapaz vá longe". Depois de ter começado a trabalhar, Silvio entregou
a Manoel de Nóbrega a carta de apresentação que fora escrita
por um irmão do próprio Nóbrega, residente em Niterói.
Rememorando esses fatos, Silvio não conseguiu controlar a emoção e, em certo momento, seus olhos
ficaram marejados. No final do discurso, Silvio disse: "Neste momento,
em que todos vocês acreditaram em mim, em que todos vocês e, em especial, o senhor ministro, acharam
que eu posso fazer uma estação de televisão e, possivelmente,
uma rede de televisão, eu tenho certeza de que, com a ajuda de Deus, com a ajuda dos amigos, serei um
homem vitorioso na televisão. Pretendo fazer a televisão que
meus colegas esperam, que os outros empresários de televisão esperam, dentro da ética, um empresário
leal. Espero, realmente, que Deus me ajude para que eu possa
tornar realidade essas minhas aspirações. E assim como o Nóbrega confiou em mim, nos velhos tempos
da Rádio Nacional, hoje eu fico muito feliz em trazê-lo aqui,
como diretor superintendente do canal 11. Espero, mais tarde, encontrar o senhor, ministro, em algum
lugar e dizer: 'Viu, ministro, a coisa deu certo. O senhor acreditou

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em mim e nós conseguimos fazer aquilo que o senhor queria e aquilo que o governo esperava'. Muito
obrigado".
Manoel de Nóbrega falou por último. Suas palavras pareciam proféticas, ditas por alguém que antevia a
transformação daquela emissora, Canal 11 do Rio de Janeiro,
em uma grande rede de comunicação.
"Não desejamos fazer promessas. Para quê? Nosso passado cheio de lutas e realizações há de espelhar o
nosso futuro. E V. Exa., senhor ministro, não tem de estranhar
que um homem beirando os 63 anos de idade fale em futuro. Mas é que em nossa filosofia de trabalho os
homens são transitórios. A idéia, sim, é permanente. Os homens
podem sucumbir, ou serem mudados. A idéia será indestrutível. Os homens que estão conosco e os
outros que virão um dia terão de obedecer a nossa idéia. Nunca nos
afastamos da ética, nunca pisamos nos que caíam, nunca empurramos os que estavam à nossa frente. E
assim será também a nossa conduta dentro do canal 11. Vamos somar,
não diminuir. Multiplicar, não dividir. Construir, não destruir. Jamais usaremos a intriga ou a calúnia
para eliminar terceiros. Seremos, no canal 11, aquilo que
sempre fomos em todas as nossas atividades. Não espere milagres, senhor ministro. Nossa realização
levará tempo, mas desejamos fazer alguma coisa perfeita e grande.
O ilustre presidente Ernesto Geisel e V. Exa., senhor ministro, não se arrependerão da confiança em nós
depositada. E podemos afirmar que toda a classe radialista
e todos os artistas do Brasil estão vibrando com o dia de hoje, e com muita razão. É a primeira vez, na
história do Brasil, que um canal de televisão é entregue
a um punhado de artistas. Todos os colegas saberão nos dar o prestígio e a força necessários para a
realização do nosso trabalho. E porque contamos com eles, sabemos
que vamos vencer. E crescer. Crescer muito. Vamos conduzir, com muita dignidade, muito trabalho e
muito respeito a tocha sagrada do nosso ideal, que entregaremos
aos nossos pósteros com mãos limpas."
Três meses após pronunciar essas palavras, Manoel de Nóbrega falecia em São Paulo. Muito doente, ele
fizera esforço sobre-humano para ir a Brasília participar da
assinatura da concessão do canal 11.
Mas o ideal do qual ele falou continua vivo, iluminando o trabalho dos companheiros que ficaram.
Infelizmente ele não pôde assistir a entrada no ar do canal 11,
a primeira emissora do SBT, no dia 14 de maio de 1976.
Fazendo coro com as manifestações de júbilo, que chegavam de todos os pontos do país, pela entrega do
canal 11 a Silvio Santos, a Assembléia Legislativa do Estado
do Rio de Janeiro concedeu o título de "Carioca Honorário" ao animador-empresário.
Justificando a proposta da homenagem, o deputado Gilberto Rodrigues destacou a repercussão pública
que essa concessão vinha alcançando. Nas palavras do deputado:
"A repercussão, nunca vista antes, está em que, pela primeira vez, a figura do concessionário se
confunde com a do artista, que, saindo do povo e vindo do nada,
continua no palco, apaixonado pelo vídeo, conquanto hoje, empresário em ascensão, esteja comandando
imenso complexo empresarial, com uma comunidade de cerca de cinco
mil funcionários e aproximadamente 20 mil dependentes".
E assim, em 27 de maio de 1976, treze dias após a emissora entrar no ar, Silvio Santos compareceu à

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Assembléia para receber o honroso título de "Carioca Honorário".
A Assembléia estava repleta. Antigos funcionários da casa informaram que, até então, somente duas
vezes o plenário e as galerias ficaram tão cheios de gente. A primeira
vez foi quando se instalou ali a Assembléia Nacional Constituinte, após a derrubada de Getúlio Vargas
pelas Forças Armadas em 1945 (o Rio ainda era a capital da
República). A segunda vez foi quando se promulgou a Constituição de 1946.
Em uma cadeira à mesa diretora da Assembléia, ao lado do presidente, deputado José Pinto, o pai de
Silvio, sr. Alberto Abravanel, sentiu-se tão emocionado que chegou
a preocupar os médicos da casa. Na primeira fila do plenário estavam a mãe de Silvio, dona Rebeca, ao
lado dos irmãos e irmãs do homenageado - Léo, Henrique, Beatriz,
Sara e Perla.
Em seu agradecimento, Silvio lembrou os tempos de garoto no Rio. Ele disse: "Quando eu tinha 14 anos
e falava com meus conterrâneos, nas ruas desta cidade, vendendo
bugigangas para ganhar algum dinheiro, e juntando gente com minhas mágicas e brincadeiras, não
poderia supor que, um dia, estaria falando com essa mesma gente, primeiro
pelo rádio, depois pela televisão, e, agora, dentro desta Assembléia, para agradecer uma homenagem que
me deixa emocionado. Há um ditado que diz: 'Deus ajuda a quem
madruga'. Posso garantir que, se eu tenho madrugado, Deus também tem me ajudado, e muito. E talvez
seja por essa ajuda que Deus sempre me deu que eu tenho procurado,
na minha vida, seguir alguns dos seus ensinamentos, fazendo da humildade uma norma de conduta, da
honestidade um princípio sagrado e da vontade de trabalhar uma
filosofia de vida. Todos nós temos um sonho. Quis a Providência que o meu sonho se transformasse em
realidade justamente na cidade em que nasci, onde passei minha
infância e onde aprendi as primeiras letras. Portanto, vejo nesta homenagem uma forma carinhosa de
apoio e apreço ao garoto carioca, nascido na Travessa Bentevi,
na Lapa, que se tornou artista, empresário, e agora, dono de um canal de televisão. Lembro também o
quanto fui incentivado por este mesmo povo, que a toda hora,
nas ruas, me dizia: 'Por que não faz um teste para locutor de rádio?'. Como a voz do povo é a voz de
Deus, levado pela mão amiga do diretor do rapa, fiz o teste
e passei. E aí começou a minha carreira artística".
Ao deixar a Assembléia Legislativa, Silvio Santos viu-se cercado por uma multidão que queria vê-lo,
cumprimentá-lo, abraçá-lo. O jeito, para não engarrafar o trânsito,
foi empurrá-lo para dentro do primeiro carro que passava.
A implantação da TVS, canal 11, enfrentou alguns obstáculos, que os homens de Silvio Santos
venceram com profissionalismo. Nessa tarefa estavam unidos Dermeval Gonçalves,
Luciano Callegari e o engenheiro Carlos Eduardo Capelão, considerado um talento nesse campo.
Luciano conta como foi aquele começo do processo de montagem:
"Lembro-me de que tínhamos poucos recursos financeiros para a instalação do canal 11. Como sempre,
na época de 'dureza', fiquei três meses no Rio para encontrar
um prédio para alugar. Como a verba para isso era muito pequena, só consegui um imóvel no pé de um
morro, de frente para um matadouro. Imagine o cheiro. Ficava na
ladeira General Padilha, em São Cristóvão. Este imóvel era uma serralheria das mais modestas. Eu e o
engenheiro Capelão improvisávamos tudo o que era possível, fazendo

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o mínimo de reformas. E montamos o equipamento, composto de sobras vindas de São Paulo. Lembro
que duas horas antes de a emissora entrar no ar, eu e o Capelão ainda
estávamos montando o telecine. No horário da estréia do canal 11, às 9 horas da noite, faltou luz e não
tínhamos gerador. A inauguração foi tão badalada pela imprensa
em geral que eu dizia: 'O Boni vai 'preparar' alguma coisa'. Coincidência ou não, faltou luz 20 minutos
antes de a emissora entrar no ar e só voltou 40 minutos depois.
Outro sufoco foi aquele leilão da torre da Continental, ex-canal 9, e seus transmissores. Havia vários
interessados, mas nós não poderíamos perder, porque era aquele
verdadeiro 'ferro-velho' que nos permitiria colocar a emissora no ar. Colocamos vários amigos fazendo
lances, para não deixar o equipamento cair nas mãos dos 'inimigos'.
E conseguimos. O transmissor que existia era um RCA original, do canal 9 da Continental. Contratamos
um engenheiro meio gênio, Jorge Edo, que mudou o cristal para
o canal 11. E assim a emissora foi para o ar."
Essa torre da ex-Continental serviu, apenas, para colocar o canal 11 no ar. Era provisória. Cerca de três
anos depois, a TVS teve de construir torre nova no morro
do Sumaré.

A programação inicial do canal 11 era modesta. A estação ficava no ar das 18 horas à meia-noite.
Depois, passou a entrar ao meio-dia, indo até a meia-noite. Após
um ano começou a cumprir as exigências do Ministério das Comunicações, permanecendo no ar 18
horas. Nessa programação Silvio tentou inovar alguma coisa, relativamente
à exibição de filmes. Criou a "sessão corrida", como nos cinemas. Repetia os filmes três vezes
consecutivas. No vídeo aparecia um relógio, marcando o tempo, para
indicar ao telespectador o horário em que ele começou a assistir. Naquela época fizeram sucesso os
seriados Hazel, a Empregada Maluca e Joe Forrester, policial.
Havia muitos desenhos e clipes de rock. E filmetes americanos sobre culinária, conselhos médicos,
esportes ao redor do mundo e dicas para as donas de casa resolverem
pequenos problemas do dia-a-dia. Produção nacional só mesmo o Horóscopo, de Zora Yonara. Aos
domingos tinha o Programa Silvio Santos, que também era apresentado
pela Rede Tupi. Em 1978 começou a ser transmitido um informativo local, com algumas coberturas
esportivas. Porém, a grande novidade em termos de jornalismo foi fazer
o noticiário em São Paulo e mandá-lo para o Rio, via malote. As notícias eram gravadas em
"quadruplex", às segundas-feiras, para serem colocadas no ar todos os dias
da semana, exceto aos domingos. E seis vezes por dia. A gravação era feita nos estúdios da TV Record,
na avenida Miruna, pelo locutor esportivo José Luiz Meneghatti.
E as imagens dos assuntos? As produtoras Cléo Cardoso e Marcia Regina Farias recortavam de revistas
fotos coloridas para ilustrar as matérias. Enquanto o locutor
lia a notícia em off, a câmera focava a foto. Quando não era possível arrumar ilustração, o locutor
aparecia lendo. Era a fórmula mais realista do antijornalismo.
Eu lia todos os jornais do país e as revistas do mundo todo em busca de assuntos "que não tivessem
atualidade". Quando conto isso aos colegas ou estudantes de comunicação,
eles arregalam os olhos. Afinal, hoje estamos na era dos satélites e dos links, instalados até em motos,
transmitindo ao vivo dos locais dos fatos.

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Esse tipo de noticiário continuou até 1981, quando entrou no ar a Rede SBT. E, conseqüentemente, eram
colocados no ar os programas jornalísticos comuns em qualquer
emissora.
Além da entrada no ar da TVS do Rio de Janeiro, o ano de 1976 trouxe para Silvio Santos outra vitória
no campo da televisão: a concretização da compra de 50% das
ações da TV Record. Em 18 de novembro desse ano, culminando uma série de negociações, foi assinado
o acordo de co-administração entre o Grupo Silvio Santos e a TV
e Rádio Record. Em nome do Grupo Silvio Santos assinaram Mario Albino Vieira (presidente da
holding) e Eleazar Patrício da Silva (presidente do Conselho de Administração).
Pela Record assinou Paulo Machado de Carvalho (pai). Foram eleitos diretores executivos, pela Record,
Paulo Machado de Carvalho Filho e Paulo Machado de Carvalho
Neto; pelo Grupo Silvio Santos, Dermeval Gonçalves e Arnaldo Buchiarelli. Esse acordo possibilitou a
composição acionária das duas partes em situação de igualdade
- 50% para cada lado - e foi fruto da determinação pessoal de Silvio Santos, que, desde o início das
negociações, manifestou desejo de não obter maioria de ações
da emissora.
Então sentamos a uma mesa, Paulinho, dr. Luiz Sandoval, Silvio, eu, Eleazar Patrício, o Ricardo
Bevilacqua, e fizemos o primeiro acordo de acionistas, estabelecendo
regras de convivência em uma sociedade meio a meio que poderia gerar problemas, porque a gente
conhecia o espírito do Silvio e o espírito do Paulinho. E criamos
a figura do desempatador, uma pessoa neutra, que entraria em cena para dirimir qualquer dúvida que
surgisse na empresa. Qualquer decisão desse desempatador seria
cumprida pela diretoria, sem discussão.
"Esse acordo nunca foi acionado, porque depois acabamos tendo até um bom relacionamento, apesar da
cabeça do Paulinho ser meio complicada. Tanto que ele nunca quis
entregar ao Silvio Santos a direção artística da emissora. Se tivesse feito isso, a história poderia ter sido
outra. Talvez Silvio nem tivesse concorrido aos canais
da Tupi, anos depois, porque o grande sonho dele, quase uma obsessão, era ter uma emissora em São
Paulo."
Em conseqüência do acordo, a diretoria administrativo-financeira e a diretoria de comercialização da
TVS se transferiram para a sede da Record, permanecendo na Vila
Guilherme a central de produções e o departamento técnico. Como homens do Grupo Silvio Santos na
Record, Dermeval Gonçalves e Arnaldo Buciarelli tinham suas salas
ao lado da do Paulinho. E a paz reinou no velho prédio de dois andares da avenida Miruna.
Também em conseqüência do acordo (assinado, relembramos, em 18 de setembro de 1976), a Rede
Record passou a transmitir o Programa Silvio Santos, que, a essa altura,
já estava na Rede Tupi desde 1o de agosto, pois ele havia deixado a Globo em 25 de julho daquele ano.
O fato inédito na televisão era que duas emissoras concorrentes,
a Record e a Tupi, apresentavam o mesmo programa, no mesmo horário, nas tardes de domingo. O
mesmo acontecia no Rio de Janeiro, onde o Programa Silvio Santos era
transmitido, simultaneamente, pela Rede Tupi e pela TVS, que acabava de ser inaugurada.

Se por um lado, empresarial e artístico, Silvio Santos crescia, cercado de prestígio, por outro lado o

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destino lhe aplicava um duro golpe: a morte de sua esposa
Cidinha no dia 22 de abril de 1977. Aparecida Honoria Abravanel sucumbira vítima de câncer no
aparelho digestivo, após anos de tratamento em hospitais de São Paulo
e dos Estados Unidos. No final de 1976, ela passou vários meses em uma clínica de Nova York. Voltou
para o Brasil e se internou, por algumas vezes, no Hospital Albert
Einstein, onde veio a falecer. Seu corpo foi sepultado no cemitério de Vila Mariana, longe das vistas dos
jornalistas, que haviam sido despistados, com a informação
de que o enterro ocorreria no Cemitério do Morumbi.
Cidinha era filha de dona Gina, proprietária de uma pensão na rua 13 de maio, na Bela Vista. Nascera no
dia 3 de dezembro de 1938 no bairro do Bom Retiro, sendo,
portanto, do signo de Sagitário, como Silvio Santos. Era uma adolescente como outra qualquer. Como
não trabalhava, gostava de ir às rádios conhecer os artistas,
assistir aos programas. Conheceu Silvio Santos na Rádio Nacional. Tornaram-se amigos e depois
começaram a namorar. O tempo passou. Ele deixou o apartamento onde
morava, na avenida Ipiranga, e se mudou para a pensão de Duzolina Bandeira Vieira, a dona Gina. O pai
de Cidinha, Joaquim Albino Vieira, era cozinheiro dos trens
da Estrada de Ferro Sorocabana, e, por isso, a família morou em várias cidades do interior de São Paulo.
Cidinha tinha um irmão meio carrancudo, espécie de guardião,
nascido na cidade de Dois Córregos devido às constantes mudanças da família. Seu nome era Mario
Albino, que o tempo caprichoso se encarregou de transformar, um dia,
em presidente do Grupo Silvio Santos. O casamento de Silvio e Cidinha, em regime de separação de
bens, ocorreu no dia 15 de março de 1962. Eles continuaram morando
na pensão de dona Gina por algum tempo, mudando-se depois para uma casa alugada, na rua Itacira, no
bairro de Indianópolis.

Mario Albino, hoje um bem-sucedido empresário no ramo financeiro, conta algumas passagens dos
primeiros tempos do casal Silvio-Cidinha.
"A primeira viagem que eles fizeram após o casamento foi ao Rio de Janeiro, para visitar a família dele.
Foram em um carrinho francês, tipo peruazinha, da marca
Javelin. Foram bem, mas voltaram na carroceria de um caminhão, porque o carro enguiçou e não houve
jeito de fazê-lo andar. Depois nós compramos, em sociedade, uma
lambreta, e nos revezávamos para utilizá-la. O carro seguinte foi uma Rural Willys, que o Silvio
comprou do deputado Cunha Bueno, pagando em parte com seu trabalho
de shows nos comícios."
Francisca Vieira, esposa de Mario Albino, relembra o esforço que era, na época do Natal, ajudar a
embrulhar os presentes para os clientes do Baú, que, naquele tempo,
ainda se chamava Distribuidora Ali.
"Era muita nota fiscal para ser tirada, muito bauzinho para ser embrulhado. Durante o dia havia pessoas
para isso, mas elas não davam conta do recado. Então, nós
nos reuníamos na casa de dona Gina e passávamos a noite no batente, e de graça. Éramos eu, a Cidinha,
o Silvio, o Mario Albino, o José Preusse, amigo que morava
na pensão, o João Pedro Fassina, que já era funcionário da Ali e que o destino se encarregou de tornar,
anos mais tarde, diretor do Baú da Felicidade. Havia, ainda,

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duas vizinhas da pensão, que gostavam do movimento. As mulheres faziam os embrulhos, os homens
tiravam as notas fiscais e faziam o roteiro das entregas. Ninguém
dormia. Para nós era uma festa. E assim demos nossa contribuição para o progresso do Baú."
Passaram-se os anos. Silvio tornou-se uma figura popular na televisão. Naquela época era costume os
artistas mais famosos esconderem seu verdadeiro estado civil.
Acreditavam que, declarando-se casados, o entusiasmo das fãs arrefeceria. Silvio procedia da mesma
forma: "Era preciso criar comentários em torno do mito", como
me confessou ele.
E Cidinha? Como encarava essa postura do marido famoso, transformado em verdadeiro ídolo da
televisão? Francisca Vieira, cunhada dela, conta:
"Nós nos dávamos muito bem. Eu gostava muito da Cidinha e vice-versa. Passávamos praticamente
todos os dias juntas. Ela morava, na época, em uma casa na rua da Passagem,
em Mirandópolis, a primeira casa que eles compraram com financiamento da Caixa Econômica Federal.
Cidinha dizia: 'Acho que vou ter de afixar a certidão de casamento
na janela da minha casa'. O pessoal tocava a campainha para perguntar: 'Você é a mulher do Silvio?
Você é casada com o Silvio? É casada mesmo?'. Ela ficava aborrecida
com o assédio de que era vítima. Mas entendia a necessidade que o Silvio tinha, artisticamente, de
parecer solteiro.
"A doença de Cidinha se manifestou, de forma surpreendente, em 1973, quando estávamos em viagem
pela Espanha. Ela sentiu dores muito fortes no estômago. Quando voltamos
ela foi fazer os exames: endoscopia com coleta de material para biópsia. O médico era o dr. Boris
Barone, hoje professor de gastrenterologia da Escola Paulista de
Medicina. Mas, a partir daí, as coisas se complicaram porque a doença apareceu em outras partes do
corpo. Em quatro anos, o mal se tornou incontrolável, apesar de
várias internações em Nova York e outras aqui, no Hospital Albert Einstein."
Francisca Vieira continua seu relato dramático: "Até a hora da morte ela tinha Deus no céu e Silvio na
terra. Morrendo, estava preocupada com ele. Tem uma cena que
não vou esquecer nunca na vida. Ela estava na UTI. Estávamos lá, eu, o Mario e outras pessoas e já
tínhamos sido avisados de que ela vivia seus últimos momentos.
Silvio chegou para visitá-la. Então ela perguntou: 'Neco, você tomou seu café da manhã?'. 'Neco' era
como Cidinha chamava Silvio. 'Neco', de boneco. Daí a 15 minutos
ela estava morta. Tinha pouco mais de 38 anos".
O FIM DA REDE TUPI


Milhares de funcionários em pranto em sete estados
Batalha política e jogo de influências
Um momento feliz: o casamento com Íris
A vitória de Silvio Santos
Carlos Renato e o "primo João"

Em abril de 1980, durante a gravação do Troféu Imprensa, no teatro da avenida General Ataliba Leonel,
Silvio conversava, no seu camarim, comigo e com Luciano Callegari,

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sobre a crise na Tupi, o seu possível fechamento e os problemas que isso acarretaria para a transmissão
do seu programa. Uma eventual suspensão das atividades da
Tupi, diante da difícil situação que ela atravessava - possibilidade admitida até por altos funcionários
dos Diários Associados -, traria, efetivamente, transtornos
de enormes proporções à geração do programa. Silvio tinha a TV Record. Mas a Record não era rede.
Ele acabara de reformar o contrato com a Tupi, que entrara em vigor
em 1o de fevereiro daquele ano, e iria até 31 de janeiro de 1982. Por precaução, antevendo futuros
problemas, fez incluir uma cláusula abrindo a possibilidade de
entrar em outra rede, sem pagar multa, por motivo de excepcional importância, no caso, a interrupção
das atividades da emissora "associada".
No meio da nossa conversa, em certo momento, meio irritado e um pouco rouco, o animador comentou:
"É, o médico americano não aplicou direito a injeção no meu nariz".
Luciano e eu levamos um susto. Perguntei: "No nariz? Que diabo de injeção é essa?". Silvio respondeu:
"Cortisona". Arregalei os olhos. Na minha convivência de repórter
com os médicos, eu havia formado um conceito radical sobre a cortisona. Era um remédio traiçoeiro.
Aliviava o sofrimento, mas os efeitos colaterais eram danosos.
Os pacientes tinham suas resistências imunológicas destruídas e inchavam, pelo acúmulo de líquido nos
tecidos.
O problema de Silvio era muito conhecido entre os funcionários e artistas que trabalhavam no programa
dele: alergia a perfumes. Ninguém podia entrar no palco se
estivesse perfumado. Os artistas eram sempre avisados quanto a isso. Era um drama que ele procurava
tratar com médicos americanos em suas viagens aos Estados Unidos.
Quando ele contou que se tratava com injeções de cortisona no nariz, eu comentei que tinha um amigo,
geriatra famoso, que utilizava métodos científicos modernos
para o tratamento de alergias. "Quem é?", ele quis saber. Eu estava falando do dr. Tufik Mattar, que
possuía um consultório na cidade, na rua 7 de abril, perto dos
Diários Associados.
Não pretendo entrar em considerações médicas, mas depois dos testes a que se submeteu, constatou-se
que Silvio era portador de um tipo de alergia catalogada como
"edema de Quink", que se manifestava na presença de pessoas perfumadas. Esses perfumes provocavam
edemas no nariz, na língua e, especialmente, nas cordas vocais.
Esses órgãos ficavam inchados e impediam que ele falasse. Por meio dos exames de sangue foi montado
o perfil imunológico de Silvio Santos. Os testes foram feitos,
parte em São Paulo, parte no Rio de Janeiro. Em São Paulo, com os drs. Tufik Mattar e Telêmaco
Belém. No Rio, no Instituto de Manguinhos, com as equipes dos cientistas
Antonio de Oliveira Lima e Massao Goto. A partir daí Silvio começou um tratamento com autovacinas.
A enfermeira Terezinha Soares, da clínica do dr. Mattar, a princípio
ia diariamente à casa de Silvio, no Morumbi, ou ao seu escritório na rua Leiria, aplicar injeções.
Diversas vezes foi ao teatro em que ele gravava seu programa.
Com o passar do tempo as vacinas eram aplicadas pelos próprios enfermeiros dos estúdios, que
passaram por uma fase de aprendizagem com Terezinha. Silvio ficou tão
entusiasmado com os resultados do tratamento que daí em diante passou a falar sobre o dr. Tufik Mattar
freqüentemente em seu programa. Qualquer "gancho" era motivo

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para ele citar o médico, que acabou se tornando uma personalidade de fama nacional. Quanto a
Terezinha, como reconhecimento, ele mandou sua loja de móveis Tamakavy
trocar toda a decoração do apartamento dela, da sala de visitas à área de serviço. O médico ostenta, com
orgulho, entre dezenas de diplomas nas paredes do consultório,
um quadro, em posição destacada, com o cartão que Silvio lhe enviou no Natal de 1980: "Silvio Santos
cumprimenta desejando Boas Festas e Feliz Ano Novo, com os parabéns
por ter vencido a batalha contra minha alergia, que há mais de 10 anos vinha me torturando. Sua
competência profissional prolongou minha carreira de animador de
programas. Saúde e felicidade para toda a família".

As previsões mais pessimistas sobre o destino da Rede Tupi começavam a se confirmar. Em maio de
1980, os funcionários da emissora em São Paulo entraram em greve
em conseqüência da grave crise financeira em que ela se debatia. Resultado: a Tupi paulista saiu do ar,
acontecimento que abalou a opinião pública nacional. A crise
se agravou com manifestações de empregados nas ruas, sem receber há meses, ou recebendo parcelado,
em vales. Às vezes os cheques não tinham fundos. Registrou-se
até um caso de morte por infarto, de um funcionário, tal a angústia em que viviam, ele e sua família. Um
grupo de grevistas deslocou-se para Brasília, acampando
dentro do Congresso Nacional, como forma de pressionar o governo a resolver o problema, ou seja, a
cassação da Tupi. Esses fatos motivaram o livro Tupi, a Greve
da Fome, do jornalista Humberto Mesquita, representante dos grevistas nas negociações com o governo.
Em 16 de julho de 1980, dois meses antes de completar 30 anos
de existência, a Tupi de São Paulo, a primeira emissora de televisão do Brasil, um dos marcos do
pioneirismo de Assis Chateaubriand, foi cassada por decreto do presidente
João Figueiredo. Com ela, outras seis emissoras "associadas" foram cassadas: TV Piratini (Porto
Alegre), TV Ceará (Fortaleza), TV Itacolomi (Belo Horizonte), TV
Rádio Clube (Recife), TV Tupi (Rio de Janeiro) e TV Marajoara (Belém do Pará).
Assim que o governo cassou os sete canais da Tupi, aconteceu que diversas emissoras, em número de
13, até então afiliadas àquela rede e espalhadas por vários estados,
vincularam-se à TV Studios Silvio Santos, que na realidade era comandada em São Paulo. Criou-se
então um departamento para cuidar dessa incipiente rede TVS, denominado
DOE (Departamento de Outras Emissoras), no qual trabalhavam quatro pessoas: Ademar Dutra, José
Roberto de Oliveira Fernandes, Shiro Matsugaki, que cuidavam, respectivamente,
da programação, da parte administrativa e da publicidade, e José Eduardo Piza Marcondes, o diretor.
Posteriormente, José Eduardo tornou-se superintendente da Rede
SBT.
Acrescentando aos sete canais cassados da Tupi mais dois que estavam desativados - o canal 9 de São
Paulo (ex-Excelsior) e o canal 9 do Rio (ex-Continental) -, o
governo formou duas redes, uma com quatro e outra com cinco canais, e as colocou em licitação.
Mas, antes que se publicasse o edital, a equipe de Silvio Santos tentou convencer o governo a não abrir
essa concorrência. Dermeval Gonçalves e Luiz Sandoval, na
época advogado do Grupo Silvio Santos, conversaram com o dr. Hélio Estrela, assessor jurídico do
Ministério das Comunicações, procurando mostrar que seria um desastre

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para a televisão brasileira a abertura de mais duas redes. Eles argumentavam, com números, que o
mercado não comportaria isso. Ainda hoje, o mercado só comporta
três redes fortes, para disputar um bolo publicitário, que não é tão grande.
Nas palavras de Dermeval Gonçalves: "O que nós tínhamos sugerido ao governo era que, em vez de
abrir o edital, fortalecesse a Record e a Bandeirantes. Fortalecer,
como? Procurando as 'áreas escuras' dessas emissoras e concedendo, pura e simplesmente, os canais sem
abrir concorrência. Seria uma medida até de salvação da televisão
brasileira na época. O que a Record precisava? Precisava de um canal no Rio e em Porto Alegre, onde
não tinha. A Bandeirantes só tinha em São Paulo, no Rio, na Bahia,
em Porto Alegre e em Minas. Portanto, a Bandeirantes tinha uma rede relativamente boa, mas a Record
não tinha nada. Então, em vez de abrir duas novas redes, nos
ficaríamos com a Globo, que já era forte, fortaleceríamos a Record, que começava a competir no
mercado, e fortificaríamos mais a Bandeirantes, que tinha mais condições
que a Record. Mas o governo não quis saber dessa história. Fez ouvidos moucos à nossa sugestão e abriu
essas novas redes. Então resolvemos entrar. E apresentamos
uma proposta: Silvio Santos viabililizaria a Record. Como tinha canal no Rio de Janeiro, ele se
comprometia a transferir para o Paulinho Machado de Carvalho o canal
do Rio e negociaria com ele o canal de Belém. Então ficaríamos em igualdade de condições." A posição
seria a seguinte:

SENOR ABRAVANEL
· TVS, canal 11, do Rio de Janeiro
· Canal 4 (ex-Tupi), de São Paulo
· Canal 5 (ex-Piratini), de Porto Alegre
· TV Imperador, canal 4, de Franca (SP)

PAULO MACHADO DE CARVALHO
· TVR, canal 7, de São Paulo (Record)
· Canal 9, do Rio de Janeiro (ex-Continental)
· Canal 2 (ex-Marajoara), de Belém
· TVR, canal 8, de São José do Rio Preto (SP)

"Fomos à luta. Entramos nos dez últimos dias do prazo fixado pelo edital. Tínhamos a simpatia de dona
Dulce, esposa do presidente Figueiredo, e a simpatia dele próprio.
Nessa história entrou o Carlos Renato, que era muito amigo de dona Dulce, primo dela. Carlos Renato
era jurado do programa Show de Calouros e fez um magnífico trabalho
para convencer o Planalto de que a melhor proposta era a de Silvio Santos, que tinha tradição em
televisão e estava na Record fazendo uma boa programação. Possuía
o canal 11 do Rio de Janeiro, que estava funcionando normalmente. E se comprometia a absorver uma
parte dos funcionários da Tupi."
"Íamos toda semana a Brasília. Conversávamos muito com o dr. Hélio Estrela, consultor jurídico do
Ministério das Comunicações. E com o próprio secretário-geral do
Ministério, dr. Rômulo Villar Furtado. Estávamos sempre em contato com o dr. Domingos Poti, chefe

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do jurídico do Dentel em São Paulo. Foi uma batalha, pois havia
muita gente boa na concorrência. A Abril, o Edevaldo Alves da Silva (da Rede Capital), o Maksoud,
enfim, gente que alegava que Silvio já tinha isto, já tinha aquilo,
sem, todavia, conhecer nosso projeto. Quando conheceram, verificaram que nós tínhamos viabilizado
todo um esquema para não ferir a lei. Conseguimos, pelo que já
tínhamos feito no canal 11 do Rio e na Record, ganhar a simpatia do governo e o apoio popular."
Como assessor de imprensa da TVS, um dia acompanhei Silvio a Brasília. Tínhamos um encontro com
duas figuras-chave do governo Figueiredo, os coronéis Octavio Medeiros
e Danilo Venturini, respectivamente chefe do SNI e chefe da Casa Militar do presidente. Eu os conhecia
dos tempos da revista O Cruzeiro, no Rio de Janeiro. Conversamos
separadamente com cada um deles. Silvio estendeu sobre a mesa, de um e de outro, croquis, mapas,
organogramas, desenhos de torres, esquemas financeiros, e detalhou
a proposta de absorver parte dos funcionários da Tupi. Eles faziam muitas perguntas, e Silvio ia
esclarecendo tudo.
Uma semana depois, telefonei ao coronel Medeiros para saber se havia alguma novidade. Com seu jeito
seco de falar, ele respondeu: "Está bem encaminhado".

No dia 30 de setembro de 1980, o Ministério das Comunicações abriu as propostas dos candidatos às
duas novas redes de televisão. Apresentaram-se nove candidatos:
Rede Piratininga de Rádio e Televisão, encabeçada pelo general Sizeno Sarmento; Rede Capital, do
prof. Edevaldo Alves da Silva; Rede Rondon de Comunicações, de Paulo
Abreu, dono de uma rede de rádios AM e FM em São Paulo; Sistema Brasileiro de Comunicação,
encabeçado pelo famoso produtor e diretor de cinema Roberto Farias; TV
Manchete, representada por Oscar Bloch e Pedro Jack Kapeller; Grupo Visão, de Henry Maksoud;
Rádio Jornal do Brasil, representada por Maurina Dunshee de Abranches
Pereira Carneiro e Manoel Francisco do Nascimento Brito; Sistema Brasileiro de Televisão,
representado por Carmen Torres Abravanel (cunhada de Silvio Santos), Luciano
Callegari e Eleazar Patrício da Silva, presidente do Conselho de Administração do Grupo Silvio Santos;
e o Grupo Abril, da família Civita.
A batalha política e o jogo de influências a favor deste ou daquele concorrente transparecia pelo
noticiário dos jornais. Mas, curiosamente, as previsões sobre os
grupos favoritos, segundo jornalistas tidos como bem informados, não incluíam o Grupo Silvio Santos.
Os favoritos, segundo esses colunistas "bem informados", eram
grupos jornalísticos do Rio e de São Paulo. No meio desse noticiário desnorteante, Silvio mandou fazer
uma pesquisa de opinião pública. Ele queria saber o que o
povo pensava sobre a concorrência. Quem afinal merecia ganhar os novos canais de TV? O Ibope foi
incumbido desse trabalho. Entre 10 e 14 de outubro de 1980 os pesquisadores
do Instituto saíram às ruas no Grande Rio, na Grande São Paulo, em Recife e em Porto Alegre, ouvindo
pessoas maiores de 15 anos. A pergunta formulada foi a seguinte:
"Para qual desses grupos o governo deveria entregar a concessão de uma nova rede de TV?".
O resultado veio contrariar frontalmente tudo o que havia sido escrito sobre o assunto. A opinião pública
não coincidia, em absoluto, com a opinião dos colunistas
tidos como "bem informados". Então Silvio Santos mandou publicar, no domingo, dia 26 de outubro de

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1980, os resultados da pesquisa. As autoridades do governo e a
opinião pública viram que, pela vontade popular, os canais deveriam ser entregues ao Grupo Silvio
Santos, evidentemente os canais a que estava concorrendo. Eis os
resultados:


Sem dúvida era uma manifestação incontestável de apoio, de todas as classes sociais, ao homem que,
durante mais de 20 anos (àquela época) levara aos lares brasileiros
alegria, informação e entretenimento. Mas não foi somente esse aspecto da questão que levou o público
a opinar a favor de Silvio Santos. A capacidade técnica e a
solidez financeira foram fatores que transpareceram nas respostas das pessoas pesquisadas.
Mas a decisão do governo não sairia tão rápido. O jogo de influências continuava cada vez mais
acirrado. As pressões dos grupos interessados eram muito fortes, a
ponto de quase exasperar o presidente Figueiredo, que chegou a tomar uma decisão drástica: não receber
no Palácio qualquer elemento ligado aos grupos concorrentes.
Silvio Santos decidiu, simplesmente, esperar, sonhando com seu canal em São Paulo. Sonhando com sua
rede de televisão.
Paralelamente a tudo isso, Silvio também sonhava com sua felicidade pessoal. Em fevereiro de 1981
aconteceu um momento marcante na vida do apresentador: seu casamento
com Íris Pássaro, celebrado no dia 20 daquele mês. Ela era funcionária do Baú da Felicidade, filha de
um pequeno empresário, Genaro Rubens Cladinoro Pássaro (já
falecido), e de Maria Paladino Pássaro. Ele era dono de uma fábrica de armações para abajures, no Brás,
o bairro italiano de São Paulo. O casamento, em regime de
separação de bens, aconteceu na residência do animador. Poucas pessoas estavam presentes: parentes
dele, parentes dela, alguns companheiros do Programa Silvio Santos,
alguns executivos das empresas do Grupo. A imprensa só soube do fato muitos dias depois.

Um mês e alguns dias após o casamento com Íris, Silvio viveu outro momento de euforia. Em 25 de
março de 1981 o presidente João Figueiredo assinou o decreto no 85.841,
concedendo a rede de quatro canais ao Grupo Silvio Santos: TV Tupi de São Paulo, TV Marajoara de
Belém do Pará, TV Piratini de Porto Alegre, TV Continental do Rio
de Janeiro. A Empresa Bloch ficou com as emissoras TV Itacolomi de Belo Horizonte, TV Rádio Clube
do Recife, TV Ceará de Fortaleza, TV Tupi do Rio e a ex-TV Excelsior
de São Paulo.

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O SBT NO AR


19 de agosto de 1981 - no ar em tempo recorde
A emissora transmite seu próprio nascimento
Noticentro, o primeiro telejornal
Novelas mexicanas - uma tradição
O episódio Pássaros Feridos
A garganta atraiçoa Silvio Santos
Um programa que ficou na história do SBT

No dia 19 de agosto de 1981, às 10 horas da manhã, no auditório do Ministério das Comunicações, em
Brasília, aconteceu a cerimônia de assinatura do contrato de concessão
dos quatro canais ao Grupo Silvio Santos. À mesa que presidiu a cerimônia, ao lado de Silvio Santos,
estavam o ministro Haroldo Corrêa de Matos, das Comunicações;
Murilo Macedo, do Trabalho; Ernane Galvêas, da Fazenda; e Jair Soares, ex-ministro da Previdência,
amigo e admirador de Silvio Santos. Estava também à mesa, o empresário
Adolpho Bloch, que recebera a concessão dos outros cinco canais da ex-Rede Tupi.
Em tom emocionado, Silvio Santos disse as seguintes palavras, após a assinatura do contrato de
concessão: "Peço a Deus que me dê saúde, que me ilumine e me ajude.
Peço também que Ele abençoe este país e o povo admirável e carinhoso que aqui vive".
Um fato até então inédito em todo o mundo marcou essa solenidade. A TVS Canal 4 de São Paulo
colocava no ar, ao vivo, em cores, as imagens da assinatura desse contrato,
ou seja, as imagens de seu próprio nascimento. O fato simbolizou o espírito de pioneirismo que iria
marcar a trajetória do SBT no mundo das comunicações. Essa é
a razão pela qual se comemora a data de 19 de agosto de 1981 como a do efetivo nascimento do SBT, e
não 22 de dezembro de 1975, quando surgiu a TVS canal 11 do Rio,
a primeira emissora conquistada. É que em 19 de agosto de 1981 o SBT adquiriu, verdadeiramente, as
dimensões de uma Rede Nacional de TV.
E que milagre foi esse de fazer a emissora entrar no ar no mesmo instante em que era assinado o
contrato de sua concessão?
Não foi milagre, muito menos obra do acaso. Foi o resultado de um enorme esforço. Um esforço
extraordinário, de um grupo de diretores, gerentes, assessores, engenheiros,
técnicos e funcionários dos mais diversos setores do Grupo Silvio Santos, sob o comando de Mario
Albino Vieira, então presidente da holding.
Esse grupo de trabalho se reunia até duas vezes por semana, e cada membro tinha de prestar contas do
andamento da tarefa que lhe estava destinada. Não havia horário
de almoço ou jantar nessas reuniões, que em geral se prolongavam pela noite. Comiam-se sanduíches e
bebiam-se refrigerantes. O Departamento de Recursos Humanos foi
mobilizado para cadastrar e examinar a qualificação profissional de 823 ex-funcionários da Tupi, os
quais, pelo decreto da concessão, teriam de ser aproveitados
pelo SBT, como de fato o foram. Com um detalhe: o decreto falava em estabilidade de um ano. Silvio
Santos garantiu, por vontade própria, dois anos. Depois disso,

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alguns deixaram a empresa, mas muitos continuam lá até hoje, alguns ocupando importantes cargos.
Trabalhando de maio a agosto de 1981, esse grupo de trabalho montou a estrutura técnica,
administrativa, artística e financeira que possibilitou à TVS canal 4 de
São Paulo entrar no ar no instante em que nascia, quando dispunha de um dilatado prazo para começar a
funcionar. Por exemplo: a Rede Manchete, de Adolpho Bloch,
que assinou as concessões no mesmo dia 19 de agosto de 1981, como Silvio Santos, só entrou no ar dois
anos depois.
Para colocar imediatamente a emissora no ar, em São Paulo, os técnicos da TVS haviam feito um projeto
em cima da estrutura da ex-Tupi. Esse equipamento todo seria
alugado, o que garantiria o sinal no ar em 30 dias. Mas surgiu a dúvida sobre o problema da "sucessão".
Seria um risco enorme utilizar as instalações da ex-Tupi
porque o Grupo Silvio Santos poderia, automaticamente, tornar-se "herdeiro" das dívidas da emissora
cassada. Isso explica aquelas reuniões de diretores e executivos
do Grupo Silvio Santos entre março e agosto: era o tempo necessário para se montar um novo projeto,
sem o fantasma da sucessão. A solução foi fazer um acordo com
a TV Record. O SBT importou dois transmissores RCA, comprou uma antena aqui mesmo e a montou
na torre da Record, na avenida Paulista. Mais tarde, o Grupo Silvio
Santos arrematou em leilão a torre da ex-Tupi, com restaurante giratório, no Sumaré. E lá instalou sua
antena.
Em Porto Alegre, a emissora comprou um imóvel no morro de Santa Tereza, o que possibilitou a entrada
no ar em 26 de agosto, uma semana após a assinatura da concessão.
Em Belém foi alugado um espaço em uma torre já existente na região central da cidade e o sinal entrou
no ar em 2 de setembro.
Vale lembrar que, como Paulinho Machado de Carvalho se desinteressou por ter rede, o Grupo Silvio
Santos comprou a emissora de Belém do Pará. E como Carvalho também
desistiu da emissora (canal 9) no Rio de Janeiro, que passara a se chamar TV Corcovado, esta foi
vendida para José Carlos Martinez, dono da CNT, com sede em Curitiba.
O investimento inicial do Grupo Silvio Santos, na montagem das TVS, foi de 40 milhões de dólares.

À medida que mudaram de mãos, as quatro emissoras concedidas a Silvio Santos mudaram de nome.
Não havia mais TV Tupi, TV Piratini, TV Marajoara, TV Continental.
Todas passaram a chamar-se TVS, as quais, unidas à irmã mais velha, TVS canal 11, do Rio de Janeiro,
deram origem ao Sistema Brasileiro de Televisão.
Na ocasião, se pensou em vários nomes para batizar a nova rede: Sistema Nacional de Comunicações
(SNC); Rede Brasileira de Televisão (RBT); Rede Nacional de Comunicação
(RNC); Rede SS de Televisão, entre outros. Mas, em sua maioria, esses nomes já estavam registrados ou
se confundiam com siglas já existentes. O nome Sistema Brasileiro
de Televisão (SBT) foi idéia de José Eduardo Piza Marcondes, responsável pelo DOE, que fez as
primeiras afiliações de emissoras, aquelas 13 já mencionadas que vieram
da TV Tupi.
Com o SBT no ar surgiu o grande desafio. Como preencher, no mínimo, as 12 horas de programação que
o Ministério das Comunicações exigia? O que se poderia fazer e
o que foi feito?

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Fixou-se de imediato uma filosofia de trabalho. A televisão é um instrumento de diversão e, ao mesmo
tempo, de difusão cultural para as classes populares. A política
seria dirigir a programação para as classes B2, C, D1, que representam 61% da população com mais de
15 anos.
Pareceu desde logo aos dirigentes do SBT que qualquer caminho a seguir seria válido, menos o caminho
que já estava sendo seguido pela Globo, a emissora líder. Se
a líder era qualificada de elitista, o SBT seria popular. E, assim como se imaginou, se fez.
A diferença começou com a própria denominação da nova organização: sistema e não rede, como era
comum no mundo das Comunicações. A explicação vinha fácil pela palavra
dos dirigentes do SBT. Rede subentende uma programação rígida, imposta do centro para fora,
obrigando as emissoras afiliadas a transmitir a mesma programação gerada
pela matriz, ignorando as conveniências e as peculiaridades regionais. Já sistema é um conjunto de
emissoras, espalhadas pelo território nacional, que não se limitam
a repetir uma programação imposta. O sistema respeita as aspirações e as potencialidades regionais,
artísticas e de comercialização e, assim, as emissoras afiliadas
dispõem de algumas horas de programação própria, diariamente. No SBT as emissoras afiliadas têm
direito a uma parte do faturamento gerado em São Paulo durante a
programação via satélite. E, além disso, essas emissoras podem ter faturamento próprio com a
programação local e regional. Esse sistema de trabalho tem possibilitado
que muitas emissoras afiliadas progridam, melhorando seu parque técnico e ampliando suas áreas de
cobertura.
Voltando à programação inicial do SBT. Uma das primeiras preocupações da direção foi o jornalismo,
que tinha de ocupar um mínimo de 5% do tempo de programação, conforme
a lei.
Como Começou o Jornalismo no SBT?
Na realidade, a primeira reportagem, ao vivo, em cores, realizada pelo Departamento de Jornalismo foi a
cobertura da solenidade de assinatura da concessão dos quatro
canais ao SBT, em Brasília, na manhã de 19 de agosto de 1981. No auditório do Ministério das
Comunicações estava uma equipe de repórteres composta por Humberto Mesquita,
Magdalena Bonfiglioli, Almir Guimarães e Zildete Montiel, sob meu comando como diretor do
departamento. Foi uma tremenda prova de fogo. Não foi fácil entrar no ar,
com uma estrutura ainda precária. Basta dizer que não havia linha de retorno, ou seja, a geração das
imagens e do som foi feita mais ou menos no escuro, conforme
disse na ocasião Orlando Macrini, responsável pela operação técnica do evento. As informações sobre se
as imagens estavam chegando bem a São Paulo, se estavam no
ar sem problemas - essas informações que vinham de São Paulo eram recebidas por um telefone na
portaria do Ministério das Comunicações. E assim mesmo o porteiro
reclamava porque o telefone ficava muito tempo ocupado. Mas a garra do pessoal do jornalismo e da
técnica era tanta que a geração se processou a contento.
Três meses após a inauguração do SBT, entrou no ar o primeiro telejornal da rede. Chamava-se
Noticentro e era transmitido só para São Paulo. Estreou em 18 de novembro
de 1981, às 7h30 da manhã. Com um detalhe: foi o primeiro jornal matutino da televisão brasileira. A
equipe era formada basicamente por jornalistas e câmeras vindos

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da Tupi. O modelo desse telejornal era americano. Um âncora (Gilberto Ribeiro) conduzia o programa
de forma descontraída, distribuindo falas a outros três apresentadores
(Antonio Casale, Lívio Carneiro e Jorge Helal), todos da Tupi. O Noticentro foi implantado por um
profissional americano, Rick Medeiros, mestre em Comunicação pela
Syracuse University, que Silvio Santos trouxe de Nova York especialmente para essa missão. Os índices
desse telejornal eram muito bons para o horário, 3,4 e 5, em
geral, muito melhores que os das outras emissoras.
No dia 25 de fevereiro de 1982 o Noticentro deixou o horário matutino e ganhou o horário noturno,
passando a ser transmitido ao vivo, das 18 às 19 horas. Na primeira
transmissão noturna, o Ibope chegou a 9. No mês seguinte, o Noticentro passou a ser transmitido em
rede. Eis alguns índices daquela época: em São Paulo, 20; Recife,
21; Florianópolis, 22.
Um fato incontestável é que coube ao Noticentro introduzir no telejornalismo brasileiro o estilo
descontraído dos apresentadores, que conversavam entre si e faziam
até piadas, criando o clima informal que, depois, todos os apresentadores procuraram adotar. Os
apresentadores chegavam ao "cúmulo" de se despedir do público, após
o término do noticiário, e sair do cenário conversando, de braços dados, as câmeras ligadas, na
penumbra, enquanto rodavam os caracteres de encerramento. Também
foi nessa época que, pela primeira vez, se chamou um apresentador de âncora.
Além do Noticentro, a emissora, alguns meses depois, abriu espaço para outro jornalístico chamado 24
Horas, exibido à meia-noite, com uma síntese dos fatos do dia,
acrescentando, é óbvio, o que ocorresse de última hora. De hora em hora começou, também, a entrar o
Notícias, boletim transmitido ao vivo da redação, com os fatos
do momento, e que durante muito tempo foi apresentado por Léo Santos, irmão de Silvio. Léo
costumava, também, substituir Silvio no comando do Programa Silvio Santos,
sempre que este viajava. O jornal 24 Horas, posteriormente, passou a chamar-se Jornal do SBT, que
continua até hoje na emissora.
Vamos rememorar agora a programação artística, com a qual o SBT começou. No início foram
revividos, com roupagem mais moderna, alguns programas que fizeram sucesso
nos anos 70, muitos dos quais apresentados pela Rede Tupi. Deu-se um novo visual e uma nova
dinâmica a programas como Show Sem Limites, Alegria 81 (o número variava
conforme o ano), Moacir Franco Show, O Homem do Sapato Branco, Programa Raul Gil, Almoço com
as Estrelas (com Lolita e Airton Rodrigues), Programa Ferreira Neto,
Feira do Riso, A Verdade de Cada Um, e o célebre e polêmico O Povo na TV, com Wilton Franco e uma
equipe de apresentadores. No tocante a filmes foram apresentados
na série Grandes Produções os maiores sucessos da época, como Caçadores da Arca Perdida, Elvis não
Morreu, Holocausto de Mulheres, Saga de Paixões, Show de 100 Estrelas.
O concurso Miss Brasil voltou com uma apresentação esplendorosa, após longo período de ostracismo.

Logo que o SBT entrou no ar, Silvio Santos procurou explorar um filão até então praticamente ignorado
pelas demais emissoras: a programação infantil das manhãs.
Ele resolveu adquirir os direitos do programa Bozo para o Brasil. "Bozo" era um famoso palhaço
internacional, de origem americana, que fez sucesso em todos os países

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em que foi apresentado. Silvio conhecia a importância da programação infantil em uma emissora. Já
tinha a experiência de Domingo no Parque, Sua Majestade, a Criança
e Boa Noite, Cinderela, que permaneceram anos dentro do Programa Silvio Santos, ainda na Rede
Globo. O fato é que o Show do Bozo, que começou em 1981, mexeu com
a programação matutina tradicional das emissoras, em geral dedicada ao mundo feminino. Dentro do
programa do Bozo, além da distribuição de prêmios, eram exibidos
desenhos animados em quantidade. Bozo virou mania entre a criançada. Em 1983 o SBT era chamado,
por colunistas e publicitários bem-humorados, de "Sistema Bozo de
Televisão", aproveitando a sigla da emissora.
Eram oito horas de Bozo por dia. O objetivo declarado era prender essa faixa de telespectadores até
então ignorados, hoje chamados de "baixinhos", e que todas as
emissoras de televisão procuram cortejar. Ao lançar a estratégia dos desenhos animados, Silvio Santos
adotava uma filosofia simples e realista: oferecendo desenhos
à criançada, os pais não se atreveriam a mudar de canal. Prendendo a atenção da criança, prendia-se o
adulto. Na verdade, quem é que vai contrariar uma criança que
está embevecida assistindo a um desenho animado?
Hoje, todas as emissoras fazem isso, seguindo os passos de Silvio Santos. Na realidade, esse truque de
oferecer desenho animado às crianças para prender os adultos
foi a primeira grande tacada do SBT em sua estratégia para conquistar a audiência tanto da criança como
do papai, da mamãe, da titia e da vovó - isto é, do público
de todas as idades.

Bozo permaneceu no ar durante sete anos, em duas temporadas: uma de dois e outra de cinco anos.
Quando se despediu das manhãs do SBT, em fevereiro de 1991, foi substituído
pela Vovó Mafalda, uma figura terna e bonachona, vivida por Valentino Guzo, que apresentava e
comentava os desenhos, contava histórias educativas e dava conselhos
salutares às crianças.
Nos anos de 1983 e 1984 o SBT participava, em média, com 15% da audiência nacional. Porém, não
chegava a 20% sua participação na fatia de verba publicitária destinada
às TVs. Se a audiência era boa e a comercialização não correspondia, algo errado estava acontecendo.
Era o preconceito de agências e clientes contra uma programação
qualificada como "popularesca" pelos críticos e formadores de opinião. Foi nesse momento que Luciano
Callegari, vice-presidente do SBT, resolveu contratar uma equipe
de primeira grandeza para a comercialização da emissora. Após uma dura batalha, com muitas
negociações, ele conseguiu contratar Ricardo Scalamandré, da Globo, além
de Rubens Carvalho e Walter Zagari, da Bandeirantes.
Nessa época, o SBT já contava com 21 emissoras. Era uma rede respeitável. Os novos homens da
comercialização insistiam em mudar o tipo de programação. Mas se, por
exemplo, O Povo na TV recebia tanta condenação de setores da opinião pública, da crítica, das agências
e clientes, o fato é que o programa também serviu para fazer
o marketing da emissora, mostrando ao público brasileiro que havia algo mais no ar, além da Rede
Globo. Por outro lado, o público passou a perceber que, além da
TVS Canal 4 de São Paulo, instalada na Vila Guilherme, havia uma rede de emissoras, formando o SBT,

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espalhadas por todo o território nacional.
Os discutidos "milagres" de Lengruber repercutiam pelos estados e vinha gente de todas as partes fazer
denúncias, reclamações e pedidos por meio do Povo na TV. O
propósito do programa era exatamente esse: prestar serviços ao povo, que não tinha outra forma de
protestar e fazer queixas ao governador, ao prefeito e até ao presidente
da República. Quando a trinca Ricardo Scalamandré-Rubens Carvalho-Walter Zagari chegou, essa
programação foi posta em xeque. O próprio Silvio Santos, em declarações
à revista Imprensa, confessou: "O Scalamandré insistia comigo em que nossa programação era
popularesca. Não popular, popularesca mesmo. E por isso ele tinha dificuldades
em vender anúncios. Precisávamos fazer uma programação mais qualitativa. Eu tinha um
comportamento baseado em uma programação que vendia carnês e, agora, meu comportamento
tinha de mudar. Tinha de comandar uma televisão que deveria vender anúncios para sobreviver, e
anúncios de qualidade. Foi o que fizemos".

Para estruturar ainda mais a programação noturna, foi criado o "horário de novelas". De segunda a
sábado, das 19 às 21 horas, o telespectador do SBT assistia novelas
"com fortes emoções, paixões arrebatadoras e emocionantes desenlaces amorosos", como diziam os
releases da época. Essa programação teve início no dia 5 de abril
de 1982, com a estréia de duas novelas: Destino e Os Ricos Também Choram. A primeira, além de
inaugurar o horário, marcou o início da produção de novelas pelo SBT.
A segunda, mexicana, representou o começo de uma longa trajetória das novelas mexicanas na emissora,
que continua até hoje.

José Salathiel Lage, responsável pelo núcleo de dublagem do SBT na época, relembra o "sucesso
estrondoso" que foi Os Ricos Também Choram, com a estrela Verônica
Castro. Ele conta: "Daquela fase inicial até o final dos anos 90 foram ao ar 13 novelas mexicanas, cada
uma com 250 a 300 capítulos. Avalie-se o espaço que elas
ocupavam na emissora. Naquela época, em média, as novelas que iam ao ar eram 50% produzidas pelo
SBT, 50% importadas do México. Entre 1982 e 1990, enquanto permaneceu
na Vila Guilherme, o SBT produziu 17 novelas. E mais sete na 'cidade cenográfica' construída na Via
Anhangüera, anos depois. A preferência por novelas mexicanas
era motivada pelo preço. As novelas produzidas aqui custavam cerca de 20 mil dólares o capítulo. Com
as mexicanas o custo era 25% menor, e, muitas vezes, elas conquistavam
mais audiência que as nacionais. Logo após Os Ricos Também Choram, entrou no ar Chispita, produção
infantil que foi outro sucesso, cujas músicas fizeram vender muito
disco. Para se ter uma idéia do fenômeno, basta dizer que Chispita vendeu tanto disco quanto Xuxa,
naquela época. A novela tinha cerca de 300 capítulos. Começou
sendo exibida à noite, depois foi reprisada à tarde, e reapresentada quatro vezes, sempre com boa
audiência".

"As novelas mexicanas eram dubladas em um estúdio precário, instalado no prédio onde existia o CPD
do Grupo Silvio Santos, na Via Anhangüera. Começou a funcionar
em 1979, quando Silvio comprou várias séries americanas, entre elas I Love Lucy, shows de Jerry Lewis

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e dos mágicos David Copperfield e Doug Henning, além de desenhos.
O objetivo principal era dispor de material para abastecer a TVS-Rio e também para comercializar com
emissoras independentes de todo o país. Esses seriados e shows
eram gravados em videoteipe e, até então, não se fazia dublagem em videoteipe no Brasil. Lá, na Via
Anhangüera, com o trabalho precioso do gerente técnico do SBT,
Albertinho Cortez, fizemos as primeiras experiências do gênero. E deu certo. Assim, quando o Chaves
chegou, dublamos lá o seriado mexicano. Inicialmente recebemos
500 capítulos. Como havia episódios repetidos, nossos tradutores - chegamos a ter 10 - tiveram de fazer
adaptações, até porque Chaves fora produzido na década de
60 e muitas piadas tinham relação com a política mexicana. Foi um belo desafio para a equipe de
tradutores. Marcelo Gastaldi, que fizera a voz de Charlie Brown e
do Super-Herói americano, foi escolhido para dirigir a equipe de dubladores e também para fazer a voz
do Chaves. Naquela época, Gastaldi já trabalhava com dublagens
há 20 anos. Ele incorporou o espírito do Chaves, nas entonações de voz, nos cacoetes."
Por que o nome "Chaves"? Trata-se de uma história bem curiosa. Chavo, na gíria mexicana, significa
garoto, menino na idade de travessuras. No caso da novela, o "Chavo"
morava em um barril, na vilazinha pobre. Como o movimento labial de Chavo em espanhol é idêntico ao
de Chaves em português, foi escolhido esse nome para o garoto.
Coisas da arte da dublagem...
Na verdade, ninguém acreditava que Chaves pudesse emplacar. Todos achavam aquilo um seriado
brega, mal feito, uma coisa sem graça. A realidade, porém, é que ao longo
de 16 anos, Chaves continua um sucesso de audiência, em qualquer horário em que seja exibido. Além
disso, o seriado foi motivo de teses sobre a televisão para a
infância em universidades.

Em dezembro de 1984 entrou no ar, dentro do Programa Silvio Santos, um quadro que levava muita
emoção a participantes e telespectadores e, ao mesmo tempo, prestava
relevante serviço social e humanitário.
Tratava-se de Porta da Esperança, que o próprio Silvio apresentava. A ele recorriam tanto pessoas de
classes mais humildes como pessoas de nível social elevado.
Elas pediam tudo o que se possa imaginar: vestidos de noiva, passagens aéreas, fornos elétricos,
fantasias de carnaval, relógio para torre de igreja, geladeira amarela,
cadeiras de rodas, cavalo manga-larga, fantasia de mestre-sala, piscina de fibra, viagem na cabine do
comandante. Além disso, havia os pedidos inusitados: comer
maçã debaixo da macieira, passar a noite em um motel, emagrecimento artificial, minhocas africanas,
próteses mamárias, tratamento para parar de beber. Pediam também
ambulâncias para hospitais, veículos para creches, tratores agrícolas, cheques para compra de lotes de
terreno. Até uma draga de garimpo foi obtida por meio do programa,
sendo transportada, inclusive, até a mina de ouro em Minas Gerais. A relações públicas do programa,
Maria de Lourdes Fecuri, a Lurdinha, tornou-se uma espécie de
fada madrinha, que fazia milagres para realizar o sonho de milhares de pessoas. E assim, nada menos
que 1.972 prêmios foram entregues no auditório, sempre em clima
de emoção, e muitas vezes, lágrimas das pessoas comtempladas. Silvio dizia: "Vamos abrir as portas da

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esperança". O público ficava em suspense, torcendo para que
a pessoa que esperava no palco visse seu sonho realizado e o objeto pedido aparecesse lá atrás das portas
que se abriam. O quadro ficou no ar durante 13 anos.

Em 18 de julho de 1985 o jornalismo ganhou novo espaço na emissora, com a entrada no ar do programa
Idéia Nova, cujo primeiro entrevistado foi o senador Fernando
Henrique Cardoso. Era um programa polêmico, de boas entrevistas, do qual participavam figuras do
mundo político, científico, econômico, esportivo, que estivessem
em evidência. Era apresentado aos domingos, à meia-noite, com a participação de jornalistas dos
diversos órgãos de comunicação, comandado pelo repórter Roberto Souza,
com minha direção.
Em agosto de 1985, dentro da fase de mudanças de programação, o SBT provocou uma verdadeira
escaramuça na audiência, até então soberana e inabalável, da Globo. Foi
a exibição do filme Pássaros Feridos. Ao anunciar o filme em seu programa, Silvio Santos provocou
espanto em seu público. Ele dizia, nas chamadas ao vivo, e com
a maior sem-cerimônia, o seguinte: "Logo depois da novela da Globo, vocês poderão assistir a um filme
sensacional, Pássaros Feridos. Não precisam deixar de assistir
a novela. Vejam a novela e depois vejam o filme. É um filme muito bom, um filme que eu já assisti
várias vezes. É a história de um padre que se apaixona. Mas esse
filme só vai começar depois que a novela da Globo terminar".
A novela em questão não era outra senão Roque Santeiro, que ficou na história da dramaturgia global,
com José Wilker no papel-título, tendo Lima Duarte como o antológico
"Sinhozinho Malta" e Regina Duarte como a Viúva Porcina.
A briga de Silvio com a Globo por causa de Pássaros Feridos lembrava uma guerrilha. A Globo
"esticava" o Jornal Nacional e a novela. Silvio não se rendia e colocava
no ar desenhos da Pantera Cor-de-rosa. Quando a novela acabava, aí, sim, começava o filme, tendo
Richard Chamberlain como o padre que se apaixona pela jovem Meg,
sobrinha de uma fazendeira na Austrália. O drama é que a fazendeira era apaixonada pelo padre. Uma
trama e tanto para ser exibida naquele tempo, quando a liberalização
dos costumes ainda estava engatinhando.
Mas o que o público e os formadores de opinião achavam o cúmulo da ousadia, ou do desprendimento,
era Silvio Santos fazendo promoção da novela da Globo. Na verdade,
ele queria mostrar que a Globo não era nenhum bicho-papão. O filme, uma série que durou uma semana,
foi um sucesso enorme e bateu os índices da Globo. Na ocasião,
o SBT gastou cerca de 1 bilhão de cruzeiros pelos direitos de exibição. E a média de audiência foi de
47% contra 27% da Globo. Pássaros Feridos foi um marco na história
do SBT. O filme foi reapresentado 15 anos depois, em março de 2000.
A partir de 1987 a TV do Silvio Santos começou a incomodar. Até então, o SBT fazia televisão para o
povo e não para os formadores de opinião, e era discriminado.
Começou então a contratar estrelas que faziam programas em outras emissoras. Hebe Camargo, Carlos
Alberto de Nóbrega, além de dar uma força maior ao programa Viva
a Noite do Gugu.
No começo de 1988, o SBT montou um novo departamento de jornalismo, dando-lhe maciços recursos,

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que permitiam contratar alguns dos melhores profissionais da praça.
Também fazia parte da estratégia a compra de filmes de alta qualidade. Ao mesmo tempo foram sendo
retirados do ar os programas precursores: Reapertura, Moacir Franco
Show, Programa Flávio Cavalcanti (neste caso, por morte do apresentador) e o polêmico O Povo na TV.
Se por um lado havia muito investimento, muito planejamento e muita pesquisa sobre as preferências do
público, por outro lado parecia haver um auxílio divino no
sucesso crescente da programação. Quem iria imaginar que A Praça é Nossa, que dava na Bandeirantes
magros 10 pontos, iria dar no SBT 35 em média? E Hebe Camargo?
Já era uma estrela e no SBT transformou-se na Grande Dama da televisão brasileira.
Vale a pena relembrar que, na estréia de A Praça é Nossa, em 1987, Silvio Santos repetiu, com Carlos
Alberto de Nóbrega, diretor do programa, o mesmo gesto que teve,
15 anos antes, com o pai dele, Manoel de Nóbrega. Sem que ninguém suspeitasse, entrou em cena,
sentou-se no banco da praça, começou a falar com Carlos Alberto recordando
o passado e o quanto era grato a Manoel de Nóbrega. De novo repetiram-se momentos de emoção, e até
de lágrimas, principalmente de Carlos Alberto, que possui a fama
de ter coração de criança. O elenco de A Praça é Nossa, já naquela época, era formado por artistas
consagrados, entre os quais Ronald Golias, Roni Rios (a velha
surda), Simplício, Consuelo Leandro, Maria Tereza, Borges de Barros, Zilda Cardoso. Golias
imortalizou o professor surdo, que se identificava como "Bartolomeu Guimarãesss".
Outro personagem que ficou célebre foi o mendigo que se dizia amigo de altas autoridades do governo,
às quais até dava conselhos. O tipo existiu no Rio de Janeiro,
no tempo em que Nóbrega era estudante. O mendigo real tinha mania de dizer-se amigo de D. Pedro II.
Mas do outro lado o adversário reagia. À sua moda, mas reagia. Por exemplo: Sérgio Chapellin, que foi
contratado para apresentar o Show Sem Limite, só pôde permanecer
no SBT por um ano, porque alegava estar sofrendo prejuízo. Como? Os comerciais que ele fazia não
eram exibidos na Globo - emissora da qual viera. E não lhe restou
outro caminho senão pedir rescisão do contrato. A direção do SBT compreendeu, deu a rescisão e ele
voltou para a Globo.

Mas a Providência tem desígnios que ninguém pode prever. Tanto é assim que no final de 1987, Silvio
Santos teve um problema de ordem pessoal que iria se refletir
poderosamente em sua imagem como ser humano, como apresentador e como empresário. Nessa época,
Silvio estava com problemas nas cordas vocais. A voz estava rouca.
Ele chegou a importar dos Estados Unidos um aparelho para ampliar a voz quando falava ao telefone
com amigos, com os produtores do seu programa e com os executivos
do Grupo Silvio Santos. Várias vezes interrompeu as gravações do seu programa porque a voz ficava
quase inaudível, apesar de o microfone estar bem perto da sua boca.
Isso deixava todos em pânico, inclusive suas colegas de trabalho. Um dia, ao explicar que não poderia
continuar gravando, provocou choros no auditório. A essa altura
já havia se espalhado a informação de que Silvio era portador de uma doença incurável. Deprimido com
a impossibilidade de continuar fazendo seu programa e desconfiado
de que havia algo de errado com sua saúde, ele partiu, sozinho, para os Estados Unidos para fazer
exames médicos em Boston. No Hotel Four Seasons, meditando e acreditando

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que estava muito doente, muitas idéias foram ganhando corpo em sua mente. Ele começou a comparar a
vida do povo americano com a vida do povo brasileiro. E se convenceu
de que deveria, utilizando os meios de comunicação de que dispunha, fazer alguma coisa em benefício
desse povo. O mesmo povo que lhe dera apoio e o consagrara como
o maior animador de televisão de todos os tempos. As idéias que brotavam na sua cabeça apontavam no
sentido de que ele poderia promover o bem-estar do povo com quatro
itens básicos: educação, saúde, habitação e alimentação.
Na volta ao Brasil, Silvio encontrou nas ruas a preocupação popular com sua saúde, a solidariedade dos
pobres e dos ricos, de gente de todas as camadas sociais.
Centenas de telefonemas, cartas, receitas milagrosas, orações aos mais diferentes padroeiros, além de
vidros de remédios, receitas e folhas de chás de toda espécie
se acumulavam na casa do ídolo enfermo.
Retornando ao seu programa, depois de quatro semanas de ausência e muitos boatos alarmantes no ar,
Silvio Santos teve um momento memorável em sua carreira de homem
de televisão. Isso aconteceu no dia 21 de fevereiro de 1988, um domingo. O que ele falou nesse dia, as
idéias que colocou no ar sacudiram a opinião pública. Eram
as idéias que haviam amadurecido em sua mente durante os dias amargos de solidão passados no hotel
de Boston.
Essas idéias tiveram tanta repercussão que dirigentes do PFL enviaram uma carta a Silvio, chamando-o
de "Messias", o homem capaz de salvar o Brasil, o líder popular
que estava faltando ao país. O episódio marcou o início de uma tumultuada passagem de Silvio Santos
pela política brasileira.
O PROGRAMA QUE
ABALOU O BRASIL


Silvio Santos abre seu coração
Dias de solidão em um hotel de Boston
Qual era a doença do animador?
Um plano de governo: habitação, comida, saúde, educação e transporte
Lançado no turbilhão da política nacional

Domingo, 21 de fevereiro de 1988. O dia da volta de Silvio Santos ao palco, após quatro semanas de
"exílio" em Boston, por problemas de saúde. Silvio entrou no palco
com aspecto abatido, um pouco magro, e durante o programa, várias vezes, discretamente, limpou as
lágrimas no rosto. A colunista Sônia Abrão contou no jornal Notícias
Populares como foi esse programa, que ficou na história do SBT e sacudiu a política brasileira. (Hoje
Sônia Abrão é uma festejada apresentadora de televisão).
"Todos se emocionaram. O público em casa, as colegas de trabalho no auditório, os funcionários, os
amigos, sua equipe, o elenco inteiro da TVS. Houve até quem chorasse.
Como Hebe Camargo. Ela foi a grande surpresa da noite para o artista. Silvio Santos não sabia que Hebe
iria entregar-lhe o Troféu Imprensa de Melhor Animador de
1986. Estava preparado apenas para colocar nas mãos de Hebe o Troféu Imprensa que ela também

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ganhara como Melhor Apresentadora. E o resultado foi uma troca de prêmios
cheia de emoção, de admiração e respeito mútuos. Ponto de partida para que Silvio Santos lavasse a
alma perante as câmeras, abrisse o jogo sobre tudo o que enfrentou
nos últimos meses em sua vida particular e profissional, um tom confessional que manteve até o fim do
programa, às 23h20. Ainda em cena, Hebe tentou mas não conseguiu
conter as lágrimas. Beijou o animador, levantou seu troféu num gesto de vitória, mas não saiu do palco
sem registrar um protesto: 'Você não pode deixar a gente'.
Nos bastidores, a apresentadora ainda ficou seguindo as palavras que Silvio dizia no palco e comentava:
'Meu Deus, que coisa humana! Fico arrepiada em ver alguém
abrir o coração dessa maneira para o país inteiro, de ver um ídolo como ele se expor tão abertamente, tão
honestamente. Nunca vi isso antes em toda a história da
televisão!' Hebe chorou de novo e aí decidiu: 'Deixa eu ir embora, porque vou continuar assistindo tudo
lá em casa, onde posso chorar à vontade!'"
Durante as três horas em que o Show de Calouros foi ao ar, ao vivo, Silvio Santos não se esquivou de
nenhuma pergunta feita pelo auditório, jurados, pelo povo através
do telefone. Ao contrário, estava lá especialmente para isso: "Devo esse esclarecimento a vocês, que me
dão tanto amor, tanto carinho, que fizeram preces, me enviaram
remédios, que torceram pelo meu restabelecimento".
Entre suas inúmeras confissões, os problemas de saúde foram colocados sem meias-palavras: "Já
disseram até que eu tinha Aids, que viajei em lua-de-mel com Sônia
Lima, que estou com câncer. A única verdade é que, de fato, tive um câncer na pálpebra direita, um
tumor que foi extirpado aqui no Brasil mesmo, mas que era localizado,
não do tipo maligno que se espalha pelo corpo. Não corro esse risco. A minha rouquidão deve-se ao
cansaço de um músculo da garganta; posso ficar sem voz a qualquer
momento. Tenho de tomar um remédio, de quatro em quatro horas, chamado Psicodrim, para que a voz
volte ao normal, mas tem efeito colateral, fico muito nervoso e
agitado. Tudo conseqüência da idade (57 anos), como o meu problema cardíaco, o do joelho, o da
próstata, a dor nas costas, etc. É por isso que coloquei o Gugu como
meu substituto. Quero descansar e aproveitar mais a vida!". Usando lentes de contato verdes, nova
plástica, anel e pulseira - tudo como parte do visual 88 prometido
para sua volta -, Silvio também não se omitiu em relação à sua vida sentimental.
"Minha maior tristeza foi a morte da Cida, minha primeira mulher, que tinha apenas 39 anos de idade e,
desde os 31, lutava contra um câncer no estômago, mas perdeu
a parada. E eu não nego que tenho um peso na consciência pelo fato de ter escondido minha mulher e
minhas duas primeiras filhas - Cíntia e Silvia - do público e
da imprensa. Hoje, quando penso nisso, vejo que fiz tudo por imaturidade. Também corria atrás de
outras mulheres, procurando não sei o quê, como alguns amigos meus
fazem até hoje. Foi tudo um grande erro. Quando vejo esses homens fazerem o que eu fiz, digo: 'Como
são infelizes!'."
A maior alegria da vida de Silvio Santos também está ligada ao amor: "Encontrei a Íris, minha segunda
mulher e mãe de minhas outras quatro filhas. Me satisfaço com
ela, sou feliz com minha família; não tenho necessidade de mais nada!".
É um homem muito amado, mas de poucos amigos íntimos, daqueles com quem se pode conversar de

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tudo: "Só o Luciano Callegari e o Rick Medeiros - como eles me agüentam,
coitados! - , o Jassa e o Abrão, que mora em Nova York".
Mesmo assim quis ficar só, em Boston, enquanto aguardava o resultado de seus exames de garganta e do
olho: "Naqueles 15 dias que fiquei lá, longe da Íris, dos meus
amigos, chorei como uma criança. Eu, que raramente tinha chorado na vida. Foi quando fiz um balanço
de tudo, pensei no que a vida me deu, no amor que o público me
dá, em uma maneira de retribuir tudo isso, com alguma coisa além de simplesmente fazer graça em um
programa de domingo".
O animador não fugiu nem das perguntas indiscretas, feitas pelos jurados, como a de Sérgio Mallandro:
"Quando, como, onde e com quem o senhor perdeu a virgindade?".
A resposta veio rápida e bem-humorada: "Foi na rua Ubaldino Ribeiro, próxima à rua Riachuelo, no Rio.
Eu tinha só 14 anos e foi com uma francesa que era a alegria
da garotada". Só que Serginho foi mais fundo: "E funcionou tudo direitinho?". Silvio também não se fez
de rogado e revelou: "Na primeira vez foi, mas na segunda
- que também aconteceu com uma francesa -, não. Ela começou a fazer coisas comigo que me
assustaram. Só me lembro que o que ela fazia se chamava bouchet, mas até
hoje não entendi direito tudo aquilo!".
Mudando para a área profissional, sua opinião sobre o jornalismo continua discutível, mas honesta e
assumida: "Acho que jornalista tem só que dar a informação, nunca
a opinião. E, de preferência, elogiar. Nunca criticar. Porque todos precisam de estímulo humano para
realizar um trabalho. Por que só olhar as falhas, os defeitos?".
E lançou a idéia de um horário único para todas as emissoras transmitirem jornalismo. Assim, a
população seria obrigada a assistir aos noticiários. Naquele horário
não haveria novelas, shows, entrevistas, filmes. Só noticiários, em todos os canais. "O povo brasileiro,
infelizmente, é mal informado sobre o que se passa no Brasil,
e muito menos, no mundo, e às vezes até mesmo nas suas cidades. Por isso, o horário único, às 8, às 9,
às 10 - não importa a que horas -, obrigaria todas as pessoas
a assistirem um noticiário bom. Para isso, é preciso que os donos das televisões se reúnam, discutam e
vejam como é importante dar informação ao povo."
Pessoas de todas as classes - muitos políticos - telefonaram desejando saúde a Silvio e também
perguntando sobre sua possível incursão na política. O animador respondia:
"Caso decida, ou seja forçado a abandonar a carreira de animador e ingressar na vida política, qualquer
que seja o cargo que venha exercer, não abrirei mão de cinco
pontos de ação: comida, casa, educação, assistência médica e transportes". Silvio condenou os que
dizem que o brasileiro é indolente: "Na verdade, todo mundo aqui
trabalha duro. Como nos Estados Unidos. Só que lá o povo tem direito a casa, comida, hospitais,
remédios, além de um salário justo. Aqui, não. O povo sofre com todo
tipo de dificuldades. É isso que deixa o brasileiro sem esperança. Na política, ou fora dela, pretendo,
sempre, ficar na ativa, enquanto Deus quiser, a garganta
ajudar e eu for dono de um canal de televisão".
Silvio também tocou em um problema que estava prejudicando financeiramente muitos artistas. E
prometeu: "Vou telefonar para o Roberto Marinho, para ver se acaba
com esse negócio de a Globo não veicular comerciais com profissionais de outras emissoras. Assim eles

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não podem ganhar dinheiro, têm de viver só de salários, que
são pequenos, com algumas exceções. É preciso lutar para garantir o mercado de trabalho".
No fim, uma profissão de fé: "Sou um homem que acredita na justiça divina, e que o bem sempre vai
vencer o mal".
Se, por um lado, o programa comoveu o público telespectador, por outro marcou o início de uma
agitada fase da vida de Silvio Santos - lançado no turbilhão da política
nacional.
UMA AVENTURA NO MUNDO POLÍTICO


Duas vezes candidato a prefeito de São Paulo
Quase presidente da República
Gugu tinha assinado com a Globo
A venda da TV Record para o Bispo Macedo
O fim da era Collor e a morte de PC

Na tarde de 1o de março, uma terça-feira, o capitão reformado da Marinha, Orlando Dorsa,
administrador regional de Campo Limpo, chegou à casa de Silvio Santos, no
Morumbi, com uma carta dirigida ao empresário. Era uma mensagem política, que Dorsa estava
entregando a Silvio, escrita sob a emoção daquele programa de 21 de fevereiro.
Na carta, Orlando Dorsa diz que Silvio era o "esperado Messias", o homem que realmente reunia as
condições para dar continuidade à majestosa e admirável administração
Jânio Quadros".
Antes de enviar a carta a Silvio, Dorsa submeteu-se à apreciação de Jânio. O prefeito gostou da
mensagem, elogiou a iniciativa do seu subordinado, fez algumas correções
e disse: "Está boa, mas não creio que Silvio vai querer deixar suas colegas de trabalho. Leve-a".
Dorsa datilografou a carta e levou-a à casa de Silvio, deixando-a na guarita, com o segurança. A carta só
chegou às mãos de Silvio no dia seguinte. Ele estava em
casa, não tinha ido trabalhar, porque o médico lhe havia recomendado poupar a voz. Horas depois, ele
telefonou para Dorsa, dizendo: "Olhe, gostei da carta, é possível
a gente concretizar isso. Você tem partido?". Dorsa disse que era do PFL. "Então veja o que é preciso
fazer, depois me ligue", falou Silvio. E deu o telefone de
sua casa.
Dorsa imediatamente ligou para Arthur Alves Pinto, vice-prefeito, líder pefelista poderoso, que
controlava 80% dos diretórios do partido na capital. Arthur cumprimentou
efusivamente Dorsa pela façanha, "o maior furo político dos últimos tempos", e pediu o telefone da casa
de Silvio. Resultado: no dia seguinte o animador estava recebendo
em sua casa o presidente do PFL-SP, deputado Inocencio Erbella, que lhe foi levar as fichas do partido,
para assinar. Silvio ainda brincou:
- Preciso pagar alguma coisa?
- Ora, sua filiação vale mais que qualquer coisa.
No dia seguinte, 3 de março, o próprio Silvio se encarregou de confirmar sua filiação ao PFL, em
encontro com jornalistas na sede do SBT, na Vila Guilherme, durante

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uma curta cerimônia em que eu transmitia ao colega Marcos Wilson o cargo de diretor de Jornalismo do
SBT, que vinha exercendo desde que a emissora entrara no ar
em 1981. Eu passava, daquele momento em diante, a exercer a função de representante pessoal de Silvio
Santos e assessor de imprensa do Grupo Silvio Santos. Com isso
tornei-me também porta-voz de Silvio durante os tumultuados dias que ele viveu no mundo da política.
A partir daquele encontro com os jornalistas estavam no ar, circulando a todo vapor, rumores de que
Silvio poderia ser candidato a prefeito de São Paulo. O assunto
era manchete em todos os jornais do dia seguinte. Uma bomba na política paulista e nacional, tendo em
conta que dali a um ano se realizariam eleições para presidente
da República. Silvio se transformou numa espécie de "cavaleiro da esperança", o mais espantoso
fenômeno político daquele tempo. Como candidato a prefeito era considerado
invencível. Os demais candidatos se encolheram, esperando que o animador oficializasse, ou não, sua
candidatura. Daí surgiu aquela comparação com um Boeing parado
na pista: enquanto ele não decolasse ou voltasse para o pátio, nenhum outro avião poderia levantar vôo.
Mas os desencontros entre Silvio e dirigentes do PFL, principalmente
com o vice-prefeito Arthur Alves Pinto, tornaram o caminho para ele muito acidentado. Começou com o
problema do dinheiro para a campanha. O dono do SBT dizia que
não estava disposto a gastar um tostão. Ele achava que a sua popularidade dispensava até sua presença
nos comícios, pois poderia provocar tumultos e até acidentes.
A inexperiência de Silvio espantava Arthur. "Ele não sabia o que era um delegado partidário." Num
encontro com o empresário Antonio Ermirio de Moraes, Silvio foi
informado de que "sem alianças com patifes ninguém se elege". Silvio reiterava que não queria saber de
alianças, alegando: "Eles me disseram, na primeira conversa
que tivemos, que eu poderia ganhar a eleição no primeiro turno. Para que coligações, para que gastos?
Não vou dar um tostão para a campanha". O desentrosamento era
de tal ordem que Arthur Alves Pinto chegou a declarar à imprensa: "Silvio é um pepino para o PFL".
A esse desentendimento se juntou o problema das cordas vocais do animador. Em meados do ano ele
viajou para os Estados Unidos para uma nova consulta com o prof.
William Montgomery, em Boston. Na volta, dia 20 de julho, desembarcou em Cumbica com uma carta
do famoso médico da Harvard, recomendando que ele poupasse a voz sob
pena de estourar as cordas vocais. Distribuiu cópia dessa carta aos jornalistas. E ali mesmo, no saguão
do aeroporto, desistiu da candidatura a prefeito. Daí por
diante todos os candidatos se lançaram em campanha, porque, afinal, o Boeing saíra da pista...
Nas eleições de 15 de novembro ganhou Luiza Erundina, do PT. Mas já começaram as especulações
envolvendo o nome de Silvio Santos como possível candidato à Presidência
da República.
Mesmo desistindo da candidatura a prefeito de São Paulo, Silvio pôde constatar que sua imagem como
fenômeno político ajudou a eliminar os últimos resquícios de preconceito
de anunciantes e formadores de opinião. "De brega a chique" era a expressão corrente na imprensa,
definindo o novo "status" social e empresarial do animador. Nesse
ano, 1988, Silvio contratou novas estrelas para o SBT: Jô Soares para comandar um "talk show" às 11 e
meia da noite, que se tornou mania nacional, e Boris Casoy,
considerado o jornalista de maior credibilidade da televisão brasileira. Com apoio de massiva campanha

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de marketing, idealizada por Nizan Guanaes, então na W. Brasil,
o SBT se sagrou como "o líder absoluto do 2o lugar". Esse slogan há muito foi apagado da imagem da
emissora. Hoje o lema é "SBT, na nossa frente só você". Mas a
reação do "outro lado" não tardou. Para repicar a contratação de Jô, a Globo contratou Gugu Liberato,
para fazer um programa dominical concorrendo com o de Silvio
Santos. Nesse episódio, Silvio agiu rápido e firme. Primeiro foi casa de Gugu com a esposa, Iris, e as
filhas, e fez ao jovem apresentador uma proposta irrecusável,
que, em poucos anos, iria torná-lo milionário. Faltava cancelar o contrato já assinado com a Globo.
Então Silvio pegou um avião, Gugu a tiracolo, foi ao Rio falar
com o dr. Roberto Marinho e com o Boni e o caso foi resolvido. O problema era tanto mais sério quando
se lembra que na época Silvio estava com um edema nas cordas
vocais, com o risco de perder a voz. E teve que operar.
Para enfrentar o Gugu, a Globo contratou o Faustão e durante vários anos a guerra pela audiência foi
vencida pela Globo. Hoje, Gugu é dono das tardes dos domingos
e sistematicamente derrota o Faustão.
Mas retomemos o fio da meada e voltemos a 1988. No final desse ano, após o Natal, Silvio viajou em
férias para os Estados Unidos. Voltou em janeiro e consultou seu
médico, dr. Paulo Pontes. O problema na corda vocal continuava um pouco pior. Resolveu não adiar
mais a operação. No dia 31 de janeiro de 1989 fez a cirurgia no
Hospital Albert Einsten, com a equipe do prof. Pontes, e lá mesmo, no quarto do hospital, recebeu os
jornalistas e começou a falar. Disse que se ficasse bom da garganta,
voltaria a exercer sua profissão tradicional, a de animador de auditório; se as cordas vocais falhassem,
ele poderia exercer uma atividade tão fascinante como apresentador,
elegendo-se presidente da República. A declaração foi devidamente glosada por políticos e jornalistas.
Mas todos entenderam que a gafe era resultado da pouca experiência
com que Silvio transitava pelo emaranhado mundo da política...
Logo que voltou para casa, Silvio começou a ser procurado por senadores do PFL. Carlos Chiarelli,
Jorge Borhausen, José Agripino Maia, Edison Lobão, Hugo Napoleão,
Marcondes Gadelha, Marco Maciel, se revezavam em reuniões com o animador em sua casa no
Morumbi. O PFL estava rachado. O ministro das Minas e Energia, Aureliano
Chaves (governo Sarney), havia sido lançado oficialmente candidato do partido em convenção nacional
em 2 de julho de 1989. Mas o grupo de senadores e numerosos deputados
federais e lideranças estaduais consideravam inviável a candidatura de Aureliano pelos baixos índices de
popularidade nas pesquisas. No Nordeste, Aureliano tinha
0,8%; no sudeste, 0,5%; no sul, 0,1%; em Minas, seu reduto eleitoral, sua terra natal, 0,3%. Até que no
dia 19 de outubro de 1989 Silvio tomou um jatinho e foi para
Brasília participar de uma reunião, na qual o ministro Aureliano Chaves iria desistir de sua candidatura.
A reunião, na casa do ministro João Alves, do Interior,
era sigilosa. Silvio participou de todas as negociações. Conversou muito com Aureliano. Este partiu para
Belo Horizonte, para conversar com a família. De lá mandaria
uma carta ao presidente do PFL, senador Hugo Napoleão, oficializando a renúncia. E Silvio voltou para
São Paulo. Mas de repente Aureliano desistiu de renunciar.
Por quê? O jornalista Ricardo Noblat publicou no "Jornal do Brasil", na ocasião, a história do que teria

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acontecido nos bastidores. O ministro das Comunicações,
Antonio Carlos Magalhães, ao tomar conhecimento da manobra em curso, estourou o sigilo que
Aureliano exigira até a oficialização da renúncia. A imprensa abriu manchetes
no dia seguinte. Então Aureliano voltou atrás. Com isso ACM abriu o caminho para Fernando Collor,
seu candidato, e agradou seu amigo Roberto Marinho, que não gostaria
de ver na Presidência da República o seu maior concorrente nos negócios de televisão. Silvio procurou
outro partido e por fim escolheu o PMB (Partido Municipalista
Brasileiro), presidido pelo advogado e professor evangélico Armando Corrêa, que era candidato e já
estava até aparecendo no horário eleitoral gratuito, na tevê.
Cedeu seu lugar a Silvio. Cumpridas as formalidades legais, o pedido de registro da candidatura Silvio
Santos, tendo como vice Marcondes Gadelha, deu entrada no
TSE, em 4 de novembro de 1989, faltando 11 dias para as eleições. Mas o TSE, em sessão de 9 de
novembro, negou o registro, porque o advogado de Collor, o jurista
Celio Silva, que já fora ministro do TSE, investigou a fundo e descobriu que o PMB, o partido de Silvio,
não estava legalizado. Não havia realizado convenções em
nove Estados da União e em 20% dos municípios de cada um desses Estados - isso antes de 14 de
outubro de 1989. Como não cumpriu a Lei Eleitoral, o advogado de Collor
simplesmente pedia que o registro da candidatura de Silvio e Gadelha não fosse deferido. E foi o que
aconteceu. Era uma questão de lógica: se o partido não existia
legalmente, não havia candidato. O plenário do TSE aprovou a tese e o registro foi negado por
unanimidade. Até o presidente do Tribunal, que normalmente só vota
em caso de desempate, emitiu seu voto acompanhando os dos demais ministros. Vale lembrar que uma
semana antes do julgamento no TSE as pesquisas eleitorais davam
esta tendência do eleitorado: Silvio, 28%; Collor, 18,6%; Lula, 10,6%; Brizola, 9,9%; Aureliano, 0,8%.
Como se recorda, Collor venceu no primeiro turno, em 15 de
novembro, ficando Lula em 2o lugar. No 2o turno, realizado em 17 de dezembro, Collor venceu Lula
por 42,7% a 37,8%. Collor tomou posse em 15 de março de 1990 e no
dia seguinte surpreendeu o país com o famoso "Plano Collor", que retirou 100 bilhões de dólares da
economia nacional, sendo 80% das cadernetas de poupança. Cada
correntista só poderia retirar 50 mil cruzados novos (moeda da época). O resto ficava retido no Banco do
Brasil com correção e juros de 6% ao ano. A ministra Zelia
Cardoso de Mello tornou-se a mulher mais execrada do Brasil.

Se por um lado sentia o amargor da derrota no TSE, nesse mesmo dia 9 de novembro de 1989, como
compensação, Silvio Santos conseguia resolver um grande problema empresarial,
que há anos estava emperrado. Nesse dia ele vendeu a Rede Record, por 45 milhões de dólares, para a
Igreja Universal do Reino de Deus, representada no ato por Alberto
Felipe Haddad, sua esposa Flavia Haddad, e Odenir Laprovita Vieira. Juridicamente, hoje a Rede
Record pertence ao bispo Edir Macedo, que detém 90% do capital, ou
seja, 95.530 ações, e à sua esposa, Ester Eunice Rangel Bezerra, que possui 10% das ações.
Todo o dinheiro advindo da venda da Record foi usado para capitalizar o SBT, depois de deduzidos os
impostos. Com esse dinheiro foi saldada grande parte da dívida
da emissora, que estava passando por dificuldades. O restante da dívida foi pago com a venda da fazenda

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Tamakavy, em Mato Grosso, e da TV Corcovado, no Rio de Janeiro.
O Grupo Silvio Santos vendeu ativos para pagar as dívidas do SBT. Com isso garantiu a sua expressão,
a renovação do seu equipamento e a implantação de um agressivo
esquema de programação a partir de 1991. Assim, em 5 de maio desse ano entraram no ar: uma novela
mexicana, Carrossel, com artistas infantis, ambientada numa escola,
que empolgou o publico de todas as idades; o telejornal vespertino Aqui Agora, que mudou o conceito
de fazer jornalismo policial ao vivo; o Jornal do SBT, às 23
horas, com Lilian Witte Fibe. Juntando-se a esses programas o TJ Brasil, com Boris Casoy, e Jô Soares
Onze e Meia, que já existiam, montou-se a estratégia de programação
para atender todas as classes, de A a D. Nesse mesmo ano entrou no ar o Topa Tudo por Dinheiro, que
criou polêmica, porque o Banco Central achava que Silvio Santos
estava estragando nosso dinheiro, atirando aviõezinhos de cédulas sobre o auditório. Mas o animador
provou que dobrar cédulas era uma prática comum entre a população
e continuou lançando seus aviõezinhos de dinheiro. Completando a série de estréias no ano, entrou no ar
Programa Livre, com Serginho Groisman, sempre com ótimos
índices de audiência, apesar das suas constantes mudanças de horário.
Essa ofensiva de programação, apoiada por massiva campanha de marketing, levou a emissora, em
1992, a sair dos bancos, pela primeira vez nos seus 11 anos de vida,
passando a viver dos seus próprios recursos. Inclusive construindo o "Projeto Anhangüera". De lá para
cá o SBT não parou de crescer em faturamento, prestígio, audiência
e expansão da rede.

Em plena crise provocada pelo Plano Collor, em 1990 foram realizadas eleições para governadores dos
Estados. Silvio foi instado para candidatar-se por um partido
novo, o PST, formado por partidários de Fernando Collor. O próprio irmão do presidente, Leopoldo
Collor, manteve reuniões com Silvio, mas o animador não se entusiasmava
com a idéia. Primeiro, porque não teve o aval direto do presidente da República, que o queria candidato.
Aliás, um primo de Collor, suplente de deputado em Alagoas,
Euclides Mello, foi cercar Silvio Santos no salão do Jassa, para transmitir o desejo do presidente para
que ele fosse candidato. A exigência de Silvio era que Collor
lhe explicasse a razão do seu empenho nessa candidatura. Como o presidente não falou com Silvio, este
se desinteressou. Por outro lado, o país estava vivendo uma
crise econômica sem precedentes, resultado do Plano Collor. Os executivos do Grupo Silvio Santos
desaconselharam o animador a se entregar à política afastando-se
do Grupo. Silvio desistiu da candidatura e foi eleito Luiz Antonio Fleury Filho, candidato do governador
Orestes Quércia.
Em 1992 Silvio Santos foi novamente atraído para a política. Naquele ano haveria eleições para prefeito
em todo o país. Silvio se reuniu em Brasília com os senadores
Hugo Napoleão (presidente do PFL), Marcondes Gadelha e Edison Lobão e filiou-se novamente àquele
partido. Novamente seria candidato a prefeito de São Paulo. Mas
o partido já tinha candidato em São Paulo, o deputado Arnaldo Faria de Sá. Resultado: PFL dividido,
sem possibilidade de acordo entre os dois grupos. Então a Executiva
Nacional decretou a intervenção na seção paulistana do partido. O advogado Julio Cesar Casares (hoje

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diretor do SBT), presidente da regional de Itaquera, foi nomeado
interventor. Sucedeu-se uma batalha judicial junto ao TRE paulista com liminares dos dois lados,
questionando a validade de ambas as candidaturas. A comissão interventora
venceu essa batalha e marcou a convenção para o dia 24 de junho de 1992, último prazo permitido pela
lei eleitoral. O evento seria na sede do Corinthians, para dar
uma conotação popular à candidatura de Silvio. Mas o que aconteceu lá foi uma batalha campal, no dizer
da secretária de Silvio Santos, Zilda Covre Deramo, convencional
votante. Tumulto, mesas e cadeiras quebradas, agressões, xingamentos. Passada a confusão, a convenção
prosseguiu apenas com os votos dos delegados da comissão interventora.
Os dissidentes preferiram não votar. Essa guerra terminou no TSE, que acabou anulando a convenção e,
conseqüentemente, a candidatura vitoriosa de Silvio Santos.
E com isso o PFL pela segunda vez em quatro anos (a primeira foi em 1988) perdeu a chance de eleger
Silvio Santos prefeito de São Paulo. Com a saída de Silvio do
páreo, em 1992, o caminho ficou livre para Paulo Maluf, que se elegeu.


Vale lembrar que, durante a campanha à Prefeitura de 1992, a atividade política de Silvio Santos foi
interrompida, alguns dias, por um episódio dramático: o seqüestro
de sua irmã Sarita, no Rio de janeiro. Ela foi seqüestrada no dia 11 de maio de 1992, quando saía de casa
na Tijuca, rumo ao escritório do SBT, em São Cristóvão.
Ficou 15 horas presa no porta-malas de um Chevette dos seqüestradores, que exigiam 500 mil dólares e
meio quilo de barras de ouro. Guilherme Stoliar, sobrinho de
Silvio e então vice-presidente do SBT, seguiu de São Paulo para o Rio de Janeiro para comandar as
negociações com os seqüestradores. O governador Leonel Brizola
mobilizou a polícia carioca, que rapidamente conseguiu prender o principal seqüestrador, quando este
acabava de ligar de um orelhão para a família de Sarita (Sara
Benvinda Soares). Houve muita surpresa quando os seqüestradores foram presos. O principal deles era
motorista de um oficial do Exército, residente na Vila Militar
perto do Caju. Outro era um ex-funcionário da própria emissora.
O ano de 1992 terminou sacudido por um turbilhão de escândalos de corrupção envolvendo o governo
Collor. Quem fazia as denúncias era o empresário Pedro Collor, irmão
do presidente. Como pivô dos escândalos pontificava a figura de Paulo Cesar Farias, o PC, tesoureiro da
campanha de Collor. O irmão do presidente denunciava que
PC era testa-de-ferro do presidente em esquemas de corrupção no governo. Como se isso não bastasse, o
motorista Eriberto França, que servia a sra. Ana Accioly, secretária
do presidente, revelou que PC Farias pagava as contas da família Collor e de várias figuras do alto
escalão do governo. Ante o clamor público, o Senado Federal abriu
processo contra Collor por crime de responsabilidade, determinando o seu afastamento do governo, o
que aconteceu em 2 de outubro de 1992. Itamar Franco assumiu interinamente.
Em 29 de outubro, Collor renunciou ao seu mandato para escapar dos efeitos devastadores do
impeachment para sua carreira política. Mas o intento não deu os resultados
esperados. O Senado continuou reunido mesmo após a renúncia e no dia 30 de dezembro de 1992
declarou Collor culpado por crime de responsabilidade, tornando-o inelegível

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por oito anos. Itamar, então, assumiu em definitivo. Quanto a PC Farias, foi indiciado em 41 inquéritos e
condenado a quatro anos de prisão por crime de falsidade
ideológica e sonegação fiscal. Ele tinha 17 contas fantasmas que usava para financiar autoridades do
governo. Condenado, fugiu para Londres e depois para Bancoc,
onde foi preso pela polícia tailandesa em 29 de novembro de 1993. Conduzido de volta a Brasília,
permaneceu preso até 25 de fevereiro de 1995, quando foi posto em
liberdade condicional. Em 23 de junho de 1996, PC Farias foi encontrado morto em sua casa de praia,
em Maceió. Ao lado do seu cadáver estava o de sua namorada Suzana
Marcolino. O caso até hoje não foi esclarecido.
GRUPO SILVIO SANTOS:
PRESENTE E FUTURO

O baú ficava num porão
Empresas que mais faturam
Complexo Anhangüera: cartão postal
Hotéis e cassino no Guarujá

- Escuta, onde é que fica o Baú?
- É lá no fundo, no porão.
Aquela pergunta de Silvio Santos aos vendedores de uma loja de retalhos na rua Libero Badaró, onde o
alemão, sócio do Manoel de Nóbrega, alugara uma saleta para
vender carnês, devia ter algum poder mágico. Porque, a partir daquela pergunta, nasceu um império
empresarial. Aquele diálogo aconteceu em 1958. Hoje, o Grupo Silvio
Santos é um conglomerado de 35 empresas, distribuídas por seis Divisões, que atuam em negócios de
Comunicações, Capitalização, Comércio e Serviços, Mercado Financeiro,
Veículos e Seguros. Essas empresas faturaram em 2000 mais de 1 bilhão e 800 milhões de reais, ou, em
número redondos, R$ 1.852.441.000,00. O patrimônio líquido contábil
do Grupo, declarado à Receita Federal, é da ordem de R$ 460 milhões. O imposto de renda pago pelo
Grupo, no exercício de 2000, foi de cerca de R$ 28 milhões. Quanto
ao dono desse império, Silvio Santos, ele pagou de imposto de renda R$ 13 milhões em 2000. Ele é a
pessoa física que mais paga imposto de renda no Brasil. Sua retirada
anual bruta é da ordem de R$ 46 milhões, que recebe como funcionário do Baú da Felicidade e da
Liderança Capitalização. O Grupo Silvio Santos tem cerca de 9.700
funcionários em todo o Brasil.
O Baú da Felicidade, celula-mater do Grupo Silvio Santos, ocupa hoje o 4o lugar no ranking das
empresas do conglomerado que mais faturam. Acima dele estão: a Liderança
Capitalização, que administra a Tele-sena; o SBT, que, com 107 emissoras - oito próprias e 99 afiliadas
-, cobre 97% do território nacional e leva sua imagem a cerca
de 40 milhões de lares brasileiros. E o Banco Panamericano, que reina, absoluto, no mercado do
crediário na capital paulista, onde é responsável por financiamentos
de 90% dos materiais de construção, 80% no segmento de computadores pessoais, 70% das lojas de
imóveis populares e 30% dos financiamentos de compra de automóveis.
E conta com 59 lojas próprias nas principais cidades do país. Um dos fatores do sucesso do

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Panamericano é a concessão de créditos por telefone. O interessado no
crediário liga, recebe as informações que deseja, ao mesmo tempo dá as suas referências pessoais e, em
consulta on-line, o crédito é liberado imediatamente. O grande
instrumento do Panamericano é o "cartão de financiamento". Já foram emitidos três milhões de cartões a
todos os clientes que já tomaram pelo menos um financiamento
e o quitaram, mesmo com atraso. Se tiver pago, recebe autorização de crédito imediato em mais de 5.000
lojas na cidade de São Paulo. A expansão dos negócios obrigou
o Banco Panamericano a adquirir um edifício de 14 andares na av. Paulista, coração financeiro de São
Paulo, onde centralizou suas atividades.
O quadro abaixo oferece uma visão panorâmica das dez empresas do Grupo Silvio Santos que mais
faturaram no ano 2.000.
Empresa Faturamento em milhões
Liderança Capitalização R$ 545
SBT R$ 537
Banco Panamericano R$ 277
BF Utilidades domésticas (Baú) R$ 235
Panamericano Arrendamento Mercantil R$ 125
Panamericana de Seguros R$ 81
Panamericano Prestadora de Serviços R$ 62
Vimave (comércio de veículos) R$ 51
Panamericano-Administradora de Cartões de Crédito R$ 39
TV Alphavile (emissora a cabo em Alphavile) R$ 9
Entre os cem maiores grupos privados pesquisados pela revista "Exame", o Grupo Silvio Santos ocupa o
55o lugar de acordo com as vendas em 2000. A política de comercialização
do Grupo sempre esteve voltada para as classes C, D e E. Entre Liderança Capitalização (Tele-sena),
Baú da Felicidade (carnês) e Banco Panamericano (crédito pessoal)
o Grupo tem cadastrados em torno de 38 milhões de clientes nessas classes sociais.
CENTRO DE CULTURA E LAZER. É um projeto de grande vulto do Grupo Silvio Santos, programado
para ser construído no quadrilátero formado pelas ruas Jaceguai, Santo
Amaro, Japurá e Abolição (na Bela Vista), onde a empresa tem um terreno de 11.000 m2. A obra está
incluída no plano da Prefeitura de revitalização do centro da cidade.
Está previsto construir ali 12 cinemas, uma grande sala de espetáculos para 5.000 pessoas, três teatros
para 700, 500 e 300 pessoas, praça de alimentação e discoteca.
Vale lembrar que no campo do lazer cultural o Grupo já possui o Teatro Imprensa, na rua Jaceguai,
dirigido pela filha de Silvio Santos, Cintia Abravanel. Esse teatro,
com 500 lugares, é considerado pelos artistas como um dos mais confortáveis de São Paulo e ali já
foram apresentados espetáculos de grande sucesso, tanto para adultos
quanto para crianças, como as peças adaptadas das histórias infantis de Monteiro Lobato.
HOTÉIS NO GUARUJÁ. É projeto pessoal de Silvio Santos. Ele comprou o tradicional Hotel
Jequitimar, que durante décadas foi o "point" da alta sociedade paulistana,
propriedade de Veridiana Prado, herdeira de rica família quatrocentona. O hotel foi demolido. O terreno
onde ele se localizava tem 78.000 m2, e mais a ilha do Mar
Casado, com 120.000 m2. O projeto do hotel já está aprovado pela Prefeitura do Guarujá e existe uma

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área reservada ao cassino que será aberto, dependendo de aprovação
de lei pelo Congresso Nacional. Antecipando-se ao hotel na praia, Silvio vai construir na ilha do Mar
Casado um outro hotel, exclusivo para casais em lua-de-mel,
como ele viu nos Estados Unidos. Serão 42 apartamentos de alto luxo, todos com janelas sobre o mar.
Por ser a ilha do Mar Casado reserva ecológica, o engenheiro
Eduardo Velucci e o arquiteto Joel Abrão tiveram que elaborar o projeto rigorosamente dentro das
especificações do Ministério do Meio Ambiente.
Quanto ao hotel na praia, de acordo com o projeto, será igual aos mais luxuosos do mundo. Para a
elaboração desse projeto Silvio Santos mandou o engenheiro Eduardo
Vellucci e o arquiteto Joel Abrão para Miami, a fim de embarcarem no navio Ecstasy, do Grupo
Carnival, que milhares de turistas brasileiros conhecem, porque faz
cruzeiros pelas ilhas do Caribe. Eles fotografaram e copiaram tudo o que o navio tem de luxuoso -
apartamentos, teatros, salões de refeições, cassino, piscinas,
shoppings. O desejo de Silvio é que o grande hotel da praia seja uma cópia do Ecstasy. O empresário
disse a Eduardo e Abrão: "No Guarujá chove muito e, portanto,
eu quero que o hotel na praia ofereça aos hóspedes o conforto e o luxo que o navio tem". Na verdade, no
Guarujá chove 260 dias por ano e no caso do hotel do Silvio
os hospedes não ficarão privados do lazer, mesmo com o tempo ruim, porque tudo será coberto - com
exceção, claro, da praia. Eduardo Vellucci e Joel Abrão fizeram
outras viagens de observação. Foram a Paris, Nice, Quebec, Montreal, Monte Carlo, Massau, Puerto
Vallarda (México). Um desses hotéis chamou a atenção de ambos: o
Hotel Atlantis Paradise, em Nassau, segundo seis estrelas do mundo (o outro fica na África do Sul). Em
Monte Carlo viram os cassinos. De todas essas viagens resultou
o projeto de um hotel no mínimo cinco estrelas. É lá que Silvio diz aos amigos que vai curtir a sua
aposentadoria. Os amigos duvidam que ele algum dia vá se aposentar...
COMPLEXO ANHANGÜERA. Com aquela magnífica visão panorâmica, o Complexo Anhangüera é
considerado o cartão postal do Grupo Silvio Santos. Foi inaugurado em 19 de agosto
de 1996, quando o SBT completava 15 anos. Pela manhã o presidente Fernando Henrique fez a
inauguração oficial, descendo de helicóptero no campo de futebol porque
o heliporto ainda não estava pronto. Foi recepcionado por Silvio Santos, com quem almoçou ao lado dos
demais executivos do SBT e do Grupo Silvio Santos. À noite
houve uma festa para funcionários e convidados. Silvio levou toda a família. Por onde ele andava uma
pequena multidão o acompanhava. Funcionários o agarravam querendo
abraçá-lo, beijá-lo. Ele fez uma comparação jocosa: "Parece um shopping". Mas não deixou de fazer
crítica: "É muito bonito, mas me tapearam, pois disseram que iria
custar 20 milhões de dólares e custou mais de 100 milhões". Na verdade foram gastos 120 milhões de
dólares, segundo o presidente do Grupo Silvio Santos, o advogado
Luís Sebastião Sandoval. Era uma obra mais do que necessária. Era premente. Porque, até então, o SBT
tinha departamentos funcionando em cinco lugares diferentes
da Capital. Havia a Central de Produções, na Vila Guilherme; a fábrica de cenário, na rua Camarés; o
teatro, na avenida Ataliba Leonel, onde eram gravados vários
programas, inclusive o de Silvio Santos; os antigos estúdios da TV Tupi, no Sumaré, onde eram
gravadas novelas e o programa Jô Soares; e a diretoria e parte da administração

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no velho prédio de quatro andares na Anhangüera, que existe até hoje.
O complexo fica a 17 quilômetros do centro da capital. A diretoria da emissora, então liderada por
Luciano Callegari, receava que a distância - através de uma rodovia
problemática com a via Anhangüera - poderia criar problemas para o transporte de matérias jornalísticas
urgentes, como as do programa Aqui Agora. A solução foi montar
um link ligando o Sumaré aos estúdios na Anhangüera.
O presidente Luís Sandoval salienta que os 120 milhões de dólares gastos na construção do Projeto
Anhangüera foram pagos com recursos da própria emissora, incluindo
os equipamentos técnicos do sistema digital. Silvio havia aprovado um projeto mais acanhado, com
orçamento de 30 milhões de dólares, que seriam financiados por bancos.
Mas Sandoval e Guilherme Stoliar - novo vice-presidente - resolveram trocar de plano. Graças à boa
situação financeira que a emissora apresentava, optaram pelo projeto
maior, de 120 milhões de dólares, - isso sem contar nada ao Silvio...
A construção demorou quatro anos. Diz Sandoval: "Mas hoje é com orgulho que temos um dos mais
modernos complexos de televisão da América Latina, senão o mais avançado".
Entre 1994 e 1997 existiu no Complexo a "cidade cenográfica", onde foram gravas as novelas Éramos
Seis, As Pupilas do sr. Reitor, Razão de Viver, Ossos do Barão,
Pérola Negra e Fascinação. Ao mesmo tempo outra novela, que se tornou sucesso durante três anos, foi
gravada na Argentina, Chiquititas, co-produção SBT-Telefe, com
elenco de jovens e crianças brasileiras, que passaram a viver em Buenos Aires, inclusive freqüentando
escolas argentinas.

Guilherme Stoliar, sobrinho e concunhado de Silvio Santos, foi vice-presidente do SBT durante 12 anos.
Deixou a emissora em 1998, juntamente com Luciano Callegari,
em virtude de uma reforma administrativa implantada por Silvio sob o argumento de "profissionalizar"
ou "desfamiliarizar" a administração da emissora. Na ocasião
foram demitidos muitos dos mais antigos funcionários, inclusive amigos e parentes do empresário. Mas
a reforma não perdurou. Inspirada em modelo americano, ela dividiu
o SBT em 33 pequenas empresas, que os funcionários chamavam de "lojinhas" - e provocou um
substancial aumento de custos operacionais. A emissora não estava suficientemente
informatizada para um projeto desse tipo. Após algum tempo, Silvio reconheceu que não era aquele o
caminho para administrar o SBT e fez voltar a antiga estrutura.
E contratou um novo vice-presidente, José Roberto Maluf, que veio da Rede Bandeirantes, onde
trabalhou por 20 anos.
Alguns meses antes de deixar o SBT, Guilherme Stoliar tentou levar Boni para a emissora. Ele e
Sandoval, presidente do grupo, conversaram com Boni, até o ponto em
que o assunto passou para a esfera de Silvio Santos. Boni, na realidade, queria ser sócio do SBT. Ele se
comprometia a aumentar a audiência e o faturamento e, ao
cabo de cinco anos, se tornaria sócio da emissora, com 10% do capital. Tudo acertado, Silvio para
respeitar o código de ética entre as emissoras de televisão - deu
um telefonema para Roberto Irineu Marinho, visto que Boni tinha um contrato até 2001. Mas Roberto
Irineu foi franco e disse: "Não vou dispensar o Boni porque não
me interessa que ele opere em outra televisão". E assim se frustrou a tentativa de levar José Bonifácio de

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Oliveira Sobrinho, o Boni para o SBT.
Se, por um lado, Silvio não conseguiu levar Boni, por outro, conseguiu contratar Ratinho para aumentar
a audiência do SBT. Pagou R$ 14 milhões de multa para a Rede
Record e tirou o Ratinho de lá. Fechou o negócio diretamente com o bispo Edir Macedo. E acabou
tirando também o próprio diretor de Produção da Record, Eduardo Lafon,
que infelizmente faleceu em setembro de 2000, vítima de câncer.

- E é verdade que Silvio Santos tentou vender o SBT?
A resposta é dada por Luiz Sebastião Sandoval:
- Sim, foi naquela época perto dos anos 90. Silvio estava muito temeroso com a situação do país. Os
planos econômicos provocavam desastres enormes nas finanças das
empresas. Em certo momento Silvio quis vender o SBT. Mas acabou se convencendo de que a emissora
era o grande instrumento não só dele como artista mas também do
Grupo Silvio Santos. Não faria sentido, depois de lutarmos tanto por uma rede, vendê-la.
Em 1998, numa conferência para publicitários no auditório do Complexo Anhangüera, a mesma
pergunta foi feita a Silvio Santos:
- Você venderia o SBT?
Ele respondeu:
- Se me oferecessem R$ 1 bilhão eu venderia e com o dinheiro compraria outra...
Nessa mesma conferência Silvio foi indagado sobre a frustrada tentativa de levar Boni para o SBT.
Silvio disse que Boni prometia uma audiência de 15 pontos em alguns
anos. Então fez blague:
- Foi mais fácil contratar o Ratinho, que já me deu os 15 pontos...
DRAMAS E GLÓRIAS EM 2001
Carnaval carioca: consagrado no Sambódromo
Seqüestros: uma novela na vida real
Paris: biografia de Silvio na Sorbonne
Exposição: o maior comunicador do século
Casa dos Artistas: fechando o ano com chave de ouro
Sempre na mídia e na boca do povo


O ano de 2001, para Silvio Santos, não foi marcado apenas pelos momentos dramáticos que ele viveu,
primeiro com o seqüestro de Patrícia, e, depois, com o seu próprio
seqüestro dentro de casa. Houve em 2001 acontecimentos marcantes, que lhe trouxeram alegrias e
glórias. Primeiro, foi a consagração popular que recebeu durante o
carnaval carioca, no domingo, 25 de fevereiro, quando teve a história de sua vida transformada no
enredo da Escola de Samba Tradição. Quando ele subiu no carro abre-alas,
vestindo um brilhante terno prateado, e olhou para a passarela do samba, se impressionou: "Puxa, tudo
isso para mim?". Sim, era tudo para ele, o conterrâneo vitorioso
na televisão e nas empresas, que, quando garoto, percorria aquela mesma região da cidade como camelô.
Agora, ele estava no alto do carro alegórico recebendo aplausos,
vivas, beijos atirados com as mãos, acenos de lenços brancos, daquela multidão, como se o sambódromo

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tivesse se transformado, de repente, num auditório carnavalesco.
Pela primeira vez a Marquês de Sapucaí, em peso, cantava o samba enredo de uma escola. Parecia um
coral de 80 mil vozes. Era uma letra bonita e gostosa de cantar:
"Olha que glória, que beleza de destino
Para esse menino Deus reservou,
Ele cresceu, ele venceu vive sorrindo
Com muito orgulho foi camelô
Nasceu na Lapa
No Rio de Janeiro
Esse artista é o enredo da nossa Tradição
Foi do rádio minha gente
Hoje na televisão, oi Patrão
Faz o dia mais contente, a alegria do povão
Qual é o prêmio Lombardi, diz aí
Qual é a musica, quem sabe, canta aí (bis)
Quem quer dinheiro?...
O aviãozinho vai subir."
E por aí afora, com uma música que não saía dos ouvidos, até terminar com os versos: "Vamos cantar,
vamos brincar, vamos sorrir. É domingo, é alegria, Silvio Santos
vem aí".
Atrás de Silvio, em outros carros, outras estrelas do SBT: Hebe Camargo, Ratinho, Gugu. Luiz Ricardo,
garoto-propaganda do Baú, vinha em outro carro ao lado do peão
da casa própria. O comediante Golias vinha na pista, com Jacqueline, na "ala das crianças". Na frente da
bateria, destacavam-se Carla Perez, Babi, Vera Verão. Havia
até uma ala dos executivos do Grupo Silvio Santos. Marlene Matheus, viúva de Vicente Matheus, era a
estrela da ala "Coração Corinthiano", nome de uma das músicas
de maior sucesso cantadas por Silvio Santos. O número de pessoas que compunham a escola chegava a
4.000. Foram distribuídos 500 mil aviõezinhos de papel, que o público
atirava das arquibancadas, lembrando o programa Topa Tudo por Dinheiro. No término do desfile, na
área da dispersão, cerca de 10 mil pessoas se aglomeravam para
ver Silvio descer do carro alegórico por um guindaste. No chão, ele comentou com o maquinista:
"Emoção igual eu só tive quando casei a primeira vez".
Havia cinco anos que a Tradição tentava obter de Silvio o ok para contar sua história num desfile
carnavalesco. No final, a persistência compensou. A Tradição pegou
o 8o lugar na classificação oficial mas recebeu a consagração de "melhor enredo", "melhor samba-
enredo" e "melhor personagem do Carnaval" na pesquisa do jornal "O
Dia". E o 3o lugar na pesquisa do Ibope-Globo, feita no próprio Sambódromo.
Foi a maior audiência da história do carnaval, com média de 37 e picos de 43, com 80% dos aparelhos
ligados entre 20 e 23 horas. E a Rede Globo transmitiu tudo,
eticamente, porque não era o dono da emissora concorrente que estava ali, era o ídolo popular. Nos dias
subseqüentes a Globo colocou no ar os melhores momentos do
desfile, dentro do maior profissionalismo. Com isso desapontou os incrédulos e cresceu no conceito
público.

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Segundo o carnavalesco Wagner Jacopetti, diretor da Tradição, que pesquisou a vida de Silvio Santos
para montar o enredo, em 2001 somente três acontecimentos mereceram
tantas fotos em capas de revistas e nas primeiras páginas dos jornais: 1o Silvio Santos em cima do carro
alegórico; 2o seqüestro de Silvio Santos; 3o o atentado
terrorista e a destruição das torres em Nova York.
Os Seqüestros
Na manhã de 21 de agosto de 2001, Silvio Santos dirigia sua Lincoln Continental branca com capota
verde, rumo ao cabeleireiro Jassa. Ia se preparar para mais um
dia de gravações. O celular tocou. Era Iris, sua esposa. Ela mal podia falar:
- Seqüestraram a Patrícia. Homens encapuzados a levaram. Venha depressa!
Tudo aconteceu muito rápido. Dois homens disfarçados de carteiros dirigiram-se à guarita e
imobilizaram o segurança. Quatro outros homens encapuzados dirigiram-se
à garagem da casa do apresentador. Patrícia, de 24 anos, uma das seis filhas de Silvio, estava saindo no
seu Passat azul importado, placas LOE 0053, rumo à Fundação
Armando Alvares Penteado (Faap), onde estuda administração de empresas. Ela foi empurrada para
dentro de seu carro, ocupando o banco traseiro. E o veículo partiu,
acelerando. Um Corsa prata de placas DCD 2295, roubado, ficou abandonado na porta da garagem.
Dentro dele foi deixado um celular pré-pago (difícil de ser rastreado).
Com o segurança foi deixada uma carta com as condições do resgate. Era uma carta longa, escrita com
letras de computador e ocupava três páginas. Na íntegra, e respeitando
o texto exatamente como está, ela dizia o seguinte:
Carta da missão. Se ainda for dia quando lê esta carta, bom dia Patrão. Isto é um acordo que faço com
homem de bem, prometo que ela vai estar bem se o senhor cumprir
as regras deste jogo. Mas se tentar trapacear, e uma das minha fontes informar, está quebrado o acordo e
não mais me responsabilizo pelo bem estar dela. Bom eu no
seu lugar seguia as regras. Quanto o valor: $2 milhões de dólares, 1 milhão quero por completo em notas
de $50,00 dolar, não mande notas em SÉRIE. Também R$2 milhões
de reais, sendo que R$ 1 milhão em notas de R$ 50,00 reais, se mandar as notas marcadas ou em série
nosso trato perde o valor. Correndo bem a entrega, ainda vou
levar um dia para conferir a soma e a legitimidade das notas. Então entregarei-a em SEGURANÇA
COMPLETA É MINHA PARTE DO TRATO; Quero essa soma solta, nota por nota,
nada de Clipes, elásticos ou embrulhos solta é solta, dentro de sacos de lixo de 100 litros. Se de alguma
forma tentar não jogar conforme as regras nunca mais a
verá. Se esquecer do trato e colocar qualquer tipo de rastreador com as notas ou na mala e acharmos com
nosso detector, se for o ninox ou alguns importados que conheço
não coloque pois se achar perde ela e o dinheiro por isso pense bem antes de jogar, pois deixo de cumpri
minha parte no trato. Se um dos meus homens for ferido ou
preso por sua desobediência ás regras, não me responsabilizo por minha parte no trato e nem por sua
vida. Se eu for informado por minhas fontes que você envolvendo
a polícia ou investigadores particular, cada atitude tua promoverá uma minha (cuidado). Se tenta não
falhe pois eu farei o possível para não falhar. Bem esse celular
vai tocar somente daqui a dois dias quase 48 no horário entre as 23:00 e ás 00:00 hora para te informar
onde essa soma vai ser entregue. Fique pronto porque essa

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soma só poderá ser entregue por você pessoalmente e um motorista para que não venha só pois tenho
que ter certeza que está agindo com confiança em mim que nem conhece:
No dia que eu ligar quero a cor do carro de preferencia Branco, á placa, o modelo e o nome da pessoa
que vem contigo. (Quanto á tua segurança a opção que te dou
é confiar em um estranho, que em troco disso só te dá á palavra que no fim tudo correrá bem). Não
brinque com isso tem muitas vidas em jogo. Não conheço sua mente,
pois não sou DEUS O CRIADOR PAI DE NOSSO SENHOR JESUS CRISTO. Talvez tenha entregado
seu coração ao dinheiro que não é nada, pois se morre e fica aqui não queria
entra na tua vida mas á sua perda vai ser completa. Alem dela que vai ficar comigo, direi de alguma
forma á imprensa que o grande milionário perdeu tal por se recusar
a pagar o resgate. Assino: Missionários da paz.
Patrícia foi conduzida para uma casa alugada no próprio bairro do Morumbi, a 10 km da mansão dos
Abravanel. Emissoras de rádio e televisões montaram acampamento
à frente da mansão. Sucessivas edições extras foram jogadas no ar. Então Silvio Santos escreveu uma
mensagem-apelo aos jornalistas com o seguinte teor: "Meus colegas.
Gostaria que vocês me ajudassem neste momento tão aflitivo. Prometi aos responsáveis pelo
acontecimento que não envolveria no caso a Polícia e a imprensa. A vida
de minha filha Patrícia depende de minha palavra empenhada e da colaboração de vocês. Quando este
sofrimento terminar, prometo que tudo será resolvido pela própria
Patrícia (se Deus permitir). Por favor, deixem que nós tenhamos um pouco de paz para esperarmos com
paciência os próximos dias de angústia e aflição. Que Deus ouça
as nossas preces e que tudo termine bem. (a) Silvio Santos."
O apelo foi atendido pela grande maioria dos veículos de comunicação, exceto a Rede Globo e os jornais
desse grupo. Eles alegavam que divulgar seqüestros era uma
decisão de diretoria, tomada em 1990, quando era intensa a onda de seqüestros no Rio de Janeiro. Eles
argumentavam que o silêncio sobre os seqüestros só beneficiava
os seqüestradores. Quando a população ignora os seqüestros, torna-se extremamente difícil a denúncia
sobre movimentos suspeitos e principalmente sobre a localização
dos cativeiros.
O primeiro contato dos seqüestradores ocorreu no dia seguinte. Quem conduzia as negociações era
Guilherme Stoliar, sobrinho e concunhado de Silvio, que já tivera
experiência idêntica nove anos atrás, quando sua tia Sarita, diretora do SBT do Rio de Janeiro, fora
seqüestrada. Enquanto as negociações prosseguiam, Silvio teve
crises de hipertensão, tendo sido medicado algumas vezes. Afinal, as negociações entre Guilherme e os
seqüestradores chegaram a bom termo. O montante estabelecido
foi R$ 500 mil, pagos na noite de 27 de agosto, segunda-feira, por volta da meia-noite. Poucas horas
depois, já no dia 28, por volta das 2h50 da madrugada, Patrícia
foi libertada. Os bandidos a deixaram na marginal do rio Pinheiros e ela chegou em casa dirigindo o seu
próprio Passat azul, que permanecera todo o tempo na garagem
do esconderijo.

O seqüestro havia sido planejado por um rapaz de 22 anos, Fernando Dutra Pinto, em parceria com o
irmão, Esdras, e o amigo deles, Marcelo Batista dos Santos, vulgo

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"Pirata". A namorada de Fernando, Luciana Santos Souza, conhecida por Jennifer, que fugira para a
Bahia onde foi presa, também foi acusada de participação nos preparativos
do seqüestro; e outra jovem, Tatiana Pereira da Silva, namorada de Esdras, tomava conta da casa que a
quadrilha alugara, como futura moradia, no subúrbio de Itapevi.
Fernando Dutra Pinto era considerado o mais inteligente dos oito filhos do motorista Antônio Sebastião
Pinto. Queria ser advogado e para isso se matriculara no cursinho
do Objetivo. Até que perdeu o emprego no supermercado Extra, de Itapevi, onde trabalhava como
açougueiro e empilhador. Então abandonou os estudos. Até os 16 anos,
Fernando freqüentava a Igreja Evangélica de Deus, do Jardim Rosemeire, em Itapevi. Foi batizado nessa
igreja, onde deu aulas de religião. Parecia ser um líder. Formou
um coral de 35 jovens que cantavam na igreja. Mas de repente o jovem religioso se envolveu com
drogas, passou a usar armas e começou a ter problemas com a polícia.
Foi preso pela primeira vez em 30 de janeiro de 1999, por porte ilegal de arma. O pai pagou a fiança e
ele foi solto. Em novembro do mesmo ano, de novo preso pelo
mesmo motivo. E de novo o pai pagou fiança e ele foi solto. Hoje o motorista Antônio Sebastião Pinto
se sente arrependido por ter livrado o filho daquelas prisões.
Mas é tarde. Ele cumpriu seu dever de pai mas Fernando entrou no mundo do crime.

Na tarde de 28 de agosto, cerca de 14 horas após ter deixado o cativeiro, Patrícia apareceu na sacada da
mansão do Morumbi. Com isso Silvio Santos estava cumprindo
a promessa feita quando escreveu aquela carta dramática aos veículos de comunicação. Agora, Patrícia
iria falar. De fato falou e surpreendeu todos. Apareceu radiosa,
bonita, sorridente, aparentando estar feliz. Parecia estar chegando de uma festa de amigos. Durante uma
hora ela respondeu às perguntas dos jornalistas que se aglomeravam
à frente da casa, embaixo da sacada. Pronunciou dezenas de vezes o nome de Deus, refletindo a força
espiritual de uma jovem evangélica fervorosa. Na verdade ela
freqüenta, assim como sua mãe e as irmãs, a Igreja Evangélica Vida Nova, na avenida Corifeu de
Azevedo Marques, no bairro do Rio Pequeno. É um velho prédio, de aparência
rústica, todo pichado, que não revela nenhum sinal de que lá dentro existe um templo, bem freqüentado
por casais da melhor sociedade paulistana. Mas vejamos o que
Patrícia falou nesse primeiro encontro com os jornalistas depois de uma semana no cativeiro.
Antes de qualquer pergunta dos repórteres, Patrícia começou dizendo:
- Eu vi o amor de Deus pousar na minha vida. Eu vou dizer que nunca vi um seqüestro como esse. Eu
vou falar uma coisa aqui. O povo brasileiro é muito bom, é uma
pena o que está acontecendo. Acontecem coisas assim porque o povo está mal cuidado pelo governo, é o
domínio da corrupção.
- Você foi ameaçada? - perguntou um dos repórteres.
- Nada, eles não me encostaram a mão em nenhum momento, eu estou feliz. Em nenhum momento eu
fiquei abalada. É como se o povo da igreja estivesse orando por mim,
eu sentia a presença de Deus lá. Eu vou falar que, se aconteceu isso comigo, foi para tocar na vida de
vocês. Eles me libertaram. Tinha cama, tinha quarto, com uma
janela, eu fiquei presa só pelo braço com uma corda. Eles falaram que o meu Deus é poderoso, que eles
não estavam entendendo por que estavam fazendo isso, porque

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eles não conseguiram encostar a mão em mim, e, como eles não estavam nem querendo mais o dinheiro,
eles ficaram arrependidos por tudo o que fizeram.
- Você se alimentou? - indagou outro repórter.
- Sim, eles me alimentaram, me levaram chá, pipoca. Jogaram baralho comigo, rezamos juntos. Eu
chorei também, chorei com eles.
- Eles tinham alguma religião?
- Teve um dia em que uma das pessoas se quebrantou e falou que ela se arrependeu por causa do meu
Deus. As pessoas precisam de Deus mesmo para viver nisso. Eu me
senti naquele filme "A Vida é Bela", que a guerra estava acontecendo e eu me sentia bem, dava a paz
para eles. Não era eu, era Deus.
- Você sabia das negociações?
- Não, eles não deixaram, e eu não queria saber: eu assistia televisão todo momento: teve um dia em que
a televisão ficou ligada naquele canal gospel e o apóstolo
Hernandes orou e falou assim, específico, para os seqüestradores deixarem eu ir embora. Um deles se
arrependeu no primeiro dia e foi embora. Eu dormia sempre com
alguém comigo no quarto e um deles, depois dessa oração, levantou-se e foi embora. E disse: eu não
agüento, o Deus dessa menina é poderoso.
- E quantos eles eram?
- Eu não sei, porque eles falavam sempre um número diferente: que eu conhecia eram três. Eram jovens.
- Você ficou tranqüila o tempo todo?
- Tranqüila. Você pode ver o poder de Deus. Ele me deu um sonho que era com uns tubarões; eles eram
os tubarões e na hora que aconteceu tudo aquilo, era uma paz.
E Deus estava lá todo o tempo, eu fiquei em paz. Saí daqui de casa cheguei lá, eu dava paz a eles, é
impressionante.
- Reconstitua para nós os primeiros momentos em que te puseram no carro e você veio para cá, o
momento em que ontem você foi colocada no carro. Descreva a emoção
que você teve ao chegar aqui.
- Eu não acreditei, ele acordou na segunda-feira e falou assim: "hoje você vai embora, não importa se
você vai pagar o resgate ou não, hoje você vai embora". Eu
estava com a Bíblia lá; e era Deus ali, era a oração do povo de Deus. Ele falou assim: que, mesmo que
eu não pagasse, eu ia embora. Aí chegou a meia-noite, duas
horas, eu não tenho noção, eu estava sem relógio e ele falou: "vamos, você vai embora para casa. Aí ele
colocou uma venda nos olhos, me colocou no carro, eu estava
tão contente na vida; todas as coisas cooperam para o bem daquele que ama Deus. Quem é de Deus
chora porque é grato. Eu cheguei aqui e falei "estou em casa", é uma
festa! Quem tem que ser punido é o sistema de corrupção, porque o povo brasileiro é um povo bom, é
um povo que precisa ser cuidado, só isso. Quando você passa fome
não tem jeito, você está vendo o outro passar fome, você não consegue ajudar.
- O que você pensou ao deixar a casa?
- Eu vou numa boa, eu tenho Deus, eu não uso segurança, não. Eu tenho Deus e quem é por mim é Deus,
o maior que tudo.
- Como eram eles?
- Eu acho que eram jovens que passam necessidades como todo brasileiro; é muita diferença social, uns

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que têm muito e outros que têm pouco. Os que têm muito, ao
invés de dividir com os que têm pouco, ficam só enchendo o saco de dinheiro.
- Você agora vai sair com segurança?
- Eu vou para a faculdade, vida normal. Eu creio que Deus é comigo e essa é minha segurança. Somente
Deus. Eu nunca andei com segurança.
- Qual a grande lição que você tirou de tudo isso que você vivenciou nesses últimos sete dias?
- Que isso aconteceu para vocês também. Para vocês buscarem a Deus, porque quando você tem Deus de
verdade, você tem certeza de que ele está no controle de tudo.
- Qual é a sua igreja? Você perdoaria os seqüestradores?
- Igreja Vida Nova. Eu perdôo os seqüestradores, eu não perdôo o sistema de corrupção, eu quero que o
juízo de Deus venha sobre o sistema de corrupção do Brasil
porque o povo brasileiro merece ser cuidado.
- Você viu o rosto deles?
- Não. Estavam o tempo todo com uma máscara.
- Algum deles contou pormenores da própria vida?
- Eles falaram assim: "Patrícia você não sabe o que é ver o que gente vê". Eu falei assim: "eu imagino".
- Eles comentaram sobre algum outro seqüestro?
- Não, primeira vez.
- Que recado você passaria para essa gente? Pessoas são seqüestradas como você, famílias
desesperadas...
- É tempo de se arrepender dos pecados, da corrupção e olhar para Deus. É tempo de arrependimento,
porque é chegada a hora que Deus vai vir aqui tocar no coração
de todos vocês e o único choro que vai ter será para agradecer a Ele.
- Você quer ver os seqüestradores presos?
- De verdade, não.
- Por que você não quer a prisão dos seqüestradores?
- Porque é o que eu já falei. Quando você passa fome, o que você vai fazer? Se você vê seus filhos
passando fome, seus amigos passando fome, o que você faz? Tem
gente roubando milhões desse povo que sofre, eu quero o juízo de Deus nessas pessoas que roubam
milhões do povo, só isso. O povo não tem culpa de nada.
- Você se comunicou com sua família?
- Eu não devia dar essa informação mas vou dar. Eles pediram para eu escrever uma carta no começo e
eu só coloquei coisa boa na carta. Eles falaram: "Que é isso?
Você está seqüestrada". No outro dia eles pediram para colocar umas coisas mais... Aí eles ditaram pra
ser um pouquinho mais assim...
- Os seqüestradores sabiam quem você era?
- Sabiam, eles vieram com a intenção de pegar uma das filhas.
- Você acha que é errado seqüestrar?
- É óbvio, é um absurdo seqüestrar.
- Como você se sentiu ao chegar em casa?
- Foi emocionante, eu queria voar.
- Você se despediu do pessoal no cativeiro?
- Eu me despedi.

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- O que você disse a eles?
- Falei para eles fazerem o bem. Só isso. Vão, vão fazer o bem.
- Eles pediram desculpas?
- Pediram. Eles não estavam entendendo por que estavam fazendo aquilo. Chegou um ponto em que eles
não sabiam porque estavam fazendo isso. Eles me chamavam de princesa.
E diziam: "me perdoa, princesa!".
Na parte final da entrevista, o próprio Silvio Santos apareceu na sacada e ficou ao lado da filha enquanto
ela falava. Ele elogiou a resistência de Patrícia diante
da terrível experiência que ela acabava de viver. E se mostrou impressionado com a pregação piedosa
que ela fazia, ao falar do seqüestro e dos seqüestradores.
- Ela tem uma força que me surpreende. Ela fala como uma pastora. É a pastora Patrícia... Vocês não se
surpreendam se, depois desse discurso, ela se candidatar a
algum cargo eletivo - declarou Silvio, afagando a filha. Depois, muito sorridente, pilheriou:
- Essa filha me dá um trabalho... Eu devia ter pedido aos seqüestradores para ficarem mais tempo com
ela.
E beijou com ternura a garota, que sorria.


Como explicar o comportamento de Patrícia, tão surpreendente para os familiares como para o público?
O delegado Wagner Giudice, titular da Divisão Anti-seqüestro
da Secretaria da Segurança de São Paulo, acumulou uma vasta experiência no seu trato quase diário com
seqüestrados e seqüestradores. Ele repete o que sempre ouviu
de psiquiatras e psicanalistas sobre o assunto. "Durante o cativeiro é comum a vítima, que está frágil e
indefesa, criar uma certa afetividade com os seqüestradores.
É a chamada 'síndrome de Estocolmo'. Em 1973, um assalto a banco em Estocolmo (Suécia) terminou
com a paixão e posterior casamento da vitima com o bandido. Daí a
expressão hoje corrente na psiquiatria. Patrícia conviveu com os seqüestradores vários dias. Eles eram as
únicas pessoas que lhe davam comida e alguma atenção. A
vida dela dependia da vontade deles. A pessoa seqüestrada tem a terrível sensação de que a qualquer
momento poderá deixar de existir. É como se a sua vida dependesse
de um gesto do seqüestrador, como o acionar de um gatilho. Quando ela é solta, ela renasce, daí a
euforia e até o carinho para com aqueles que lhe 'devolveram a
vida'. É um processo traumático, que pode durar alguns dias, ou necessitar de tratamento prolongado
com medicamentos. É mais comum entre as mulheres seqüestradas".

A prisão dos seqüestradores se deu por um capricho da sorte, que sempre está ao lado da lei, segundo
Conan Doyle, o imortal criador de Sherlock Holmes. De acordo
com as instruções de Fernando Pinto a Guilherme Stoliar, o dinheiro deveria ser entregue numa estrada,
perto de um condomínio fechado em Cotia, município vizinho
à capital. Aconteceu que três guardas-civis, em ronda pela região, depararam com uma coisa estranha:
uma risca de cal ao longo de uma estrada de terra. Seguiram
essa marca continuada e lá na frente encontraram um homem numa bicicleta, parado, como se esperasse
alguém. Os policiais o abordaram e constataram que ele conduzia

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um rádio comunicador portátil. Deram-lhe voz de prisão, houve troca de tiros e o homem acabou preso.
Tratava-se de um dos envolvidos no seqüestro, Marcelo Batista
dos Santos, vulgo "Pirata". Na Polícia ele confirmou sua participação no crime e deu o nome dos outros
envolvidos, os irmãos Esdras e Fernando Dutra Pinto, que moravam
em São Miguel Paulista. Na casa a polícia encontrou uma camisa igual a dos carteiros, uma Bíblia
queimada, que pertencera a Patrícia e um exemplar do livro A Fantástica
História de Silvio Santos, da Editora do Brasil. O incidente atrapalhou o esquema da entrega do dinheiro
do resgate, que, coincidentemente, estava em curso naquele
momento. Guilherme Stoliar conta que na segunda-feira, 27 de agosto, saiu da casa de Silvio às 11 e
meia da noite, num Corsa branco, conforme a orientação dos seqüestradores
naquela carta assinada pelos "Missionários da Paz", e partiu em direção da rodovia Raposo Tavares. No
meio do caminho, o seqüestrador ligou pelo celular, e disse
que o plano tinha sofrido alteração e determinou que ele fosse até um posto de gasolina em Itapevi. Mas
havia policiais no posto. Guilherme ficou apavorado. Ligou
para o seqüestrador e marcaram novo encontro numa rua de Itapevi. Depois de longa espera, que foi
quase duas horas, apareceram dois homens, que desceram do carro
mascarados e armados. Pegaram os R$ 500 mil em dois sacos de plástico, conforme fora determinado na
carta dos "Missionários". Cerca de quatro horas depois, Patrícia
estava chegando em casa.

A tentativa de prisão de Fernando Dutra Pinto teve lances de filme policial. Com os R$ 500 mil do
resgate ele comprou roupas finas em um shopping de Alphaville e
depois se hospedou no L' Étoile Residence Service, um flat de luxo daquele condomínio a cerca de
30 km da capital. Estava com o cabelo pintado de louro,
registrou-se com o nome de Claudemir Souza e ocupou o apartamento 1.004. Sentia-se seguro. Mas não
contava com a esperteza da camareira, que desconfiou do hóspede
porque ele guardava no quarto armas de fogo e uma mala cheia de dinheiro. A camareira falou com o
gerente, que acionou a polícia. Assim, na noite de 29 de agosto,
Fernando Pinto, ao chegar da rua, foi surpreendido por policiais, quando chegava ao seu quarto. Seguiu-
se um tiroteio. Dois policiais foram mortos. Eram Tomatsu
Tamaki e Marcos Amorim Bezerra. Um terceiro policial, Reginaldo Guatura Nardes, foi ferido no
ombro e levado para um hospital. Para fugir Fernando praticou uma façanha
digna de um homem-aranha. Após o tiroteio ele desceu pela escada para o 9o andar, saiu pela janela do
salão de jogos e desceu nove andares pelo lado de fora do prédio,
apoiando os pés num edifício colado e deslizando as costas pela parede do flat. Até hoje há quem duvide
dessa façanha, tanto mais que ele estava ferido nas nádegas.
O fato é que conseguiu escapar. E não saiu pelo hall do flat.


Na manhã do dia seguinte, 30 de agosto, um rapaz subia calmamente a rua Antônio Andrade Rebello, no
Morumbi, onde mora Silvio Santos. Parava alguns instantes, como
que observando as bonitas mansões da região, chegava até o portão de algumas para olhar os jardins lá
dentro. De repente pulou o muro lateral da casa de Silvio,

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sem que o vigia percebesse. Essa cena foi presenciada pela repórter da TV Bandeirantes Carla Augusta
de Santana e pelo câmera Carlos Alberto Correia, que estavam
de plantão desde as 6 horas da manhã, na esperança de que algo de interessante acontecesse por ali...
Assim que o rapaz pulou o muro, Carla e o câmera correram em direção à guarita. Contaram o que
acabaram de ver. O segurança não queria acreditar. Os repórteres pararam
um carro com seguranças que casualmente passava por ali e contaram o que acabara de acontecer.
Foram esse seguranças que chamaram a polícia. Em pouco tempo chegavam
várias viaturas. Os policiais cercaram a casa. Estava armado o cenário de um grande drama, que durante
mais de 7 horas paralisou o país e foi notícia nas principais
redes de televisão e jornais do mundo. Assim que a polícia chegou, entrando na casa, a esposa e as filhas
de Silvio Santos foram retiradas de lá e saíram do jeito
que estavam, algumas até de roupão, e encaminhadas para a casa de um amigo vizinho. Lá dentro, na
sala de ginástica, frente a frente com Silvio Santos, estava o
seqüestrador Fernando Dutra Pinto.
O que aconteceu lá dentro durante as 7 horas em que Silvio ficou refém do seqüestrador? Ele contou
tudo no depoimento que prestou na 30a. vara Criminal da Justiça
de São Paulo, onde o processo está correndo. Foi ouvido pelo juiz Adilson de Araujo na manhã de 22 de
outubro e vamos aqui reproduzir esse depoimento, preservando
a fidelidade da redação:
"Que no dia 30 de agosto de 2001, por volta das 7 horas da manhã, o declarante encontrava-se em uma
esteira praticando exercícios numa das salas da residência; que
de repente, pelo vidro, viu um homem com um revólver nas mãos; teve um impulso de fuga, caindo no
chão; ato contínuo esse homem tinha uma arma de fogo nas mãos e
se postou atrás do declarante; que o declarante disse a ele: 'Outro assalto! Que azar'! O homem disse que
não era assaltante e se identificou com sendo o acusado
presente Fernando Dutra Pinto; ora reconhecido, o qual no dia dos fatos, tinha o cabelo loiro; o acusado
Fernando disse ao declarante que ali estava porque precisava
fugir; o acusado manifestou claramente esse desejo; o acusado disse ao declarante que era um dos
seqüestradores de Patrícia; o declarante então ficou mais tranqüilo;
mantiveram breve diálogo na sala de ginástica tendo o acusado guardado a arma; o declarante se
tranqüilizou; esclarece que pensou em tirá-lo o mais breve da casa
pois tinha os familiares na residência, bem como alguns empregados; que o acusado Fernando, ao
declinar sua intenção de fugir, perguntou ao declarante se tinha dinheiro;
o declarante disse a ele que tinha cerca de R$ 800,00 em casa, mas que poderia verificar como conseguir
mais; o acusado Fernando disse que não era necessário; o
acusado Fernando não exigiu essa importância para o declarante, tanto que o declarante imaginou que,
em seu propósito de fuga, precisaria de dinheiro; e chegou a
propor ao réu Fernando levá-lo ao estúdio de gravação para que não chamasse atenção; entretanto
apareceram quatro policiais; o declarante postou-se á frente do acusado
Fernando; os policiais disseram para que Fernando se entregasse e nada aconteceria; o declarante disse
aos policiais, vislumbrando a iminência de um confronto, que
não seria o momento dele se entregar; os policiais compreenderam; o declarante e o acusado Fernando
dirigiram-se à cozinha onde tomaram café; ali permaneceram por

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aproximadamente seis a sete horas, período em que ocorreram as negociações com as autoridades para
que ele se entregasse; nesse período o declarante verificou que
o acusado Fernando tinha duas armas, uma prateada e outra de cor preta; pelo contacto que teve com o
réu Fernando percebeu ser ele oriundo de boa família, religioso,
demonstrando também ser bem articulado nas palavras; que o acusado confidenciou ao declarante que
ficou cerca de um ano e meio desempregado e essa ociosidade o levou
ao crime; durante as negociações, observando a situação, o declarante teve a iniciativa de ligar para o
Secretário da Segurança Pública, a fim de solicitar que fosse
ao local para comandar os policiais; depois foi convencido pelo réu Fernando a sair, para que ele se
entregasse. Fernando retirou os projéteis das armas, mostrou-as
ao declarante, disse que se simulasse a saída com a arma apontada para a cabeça do declarante, aí os
policiais não atirariam; o declarante concordou; quando abriu
a porta que dá acesso para a sala onde estavam os policiais, percebeu não ser seguro a saída, pela
posição de iminente ataque em que estavam; voltou com Fernando
e disse a ele que não seria seguro sair naquele momento; passaram a acompanhar a cobertura jornalística
pela televisão; veio ao local um Corregedor, que não sabe
identificar; que lhe informaram da impossibilidade da chegada do secretário da Segurança Pública; o
declarante então lembrou-se da conversa mantida com o governador
do Estado na tarde anterior, ocasião em que se propôs ajudá-lo em caso de necessidade; o declarante
resolveu telefonar para ele para solicitar a presença do secretário
da Segurança ou dele próprio; solicitou aos negociadores que mantivessem contato com as autoridades
já mencionadas para que viesse alguma dessas autoridades; o declarante
esclarece que o acusado Fernando não exigiu a presença dessas autoridades; o declarante achou prudente
a presença de uma delas, porque ouviu muitas vozes do outro
lado da sala e resolveu adotar uma medida para segurança própria e do acusado Fernando, como também
dos próprios policiais, já que Fernando tinha outra arma que
o declarante não sabia se fora desmuniciada; desde o momento em que o acusado Fernando entrou em
sua casa, referiu-se ao declarante estar com receio da prisão; o
declarante lembrou-se de que no bilhete de resgate havia uma frase contundente de que ele preferia a
morte à prisão, o que preocupou o declarante; para o declarante
o acusado Fernando não fez referência ao medo de ser morto por policiais; durante o diálogo que
manteve com Fernando, disse a ele que se estivesse apenas envolvido
com seqüestro poderia ser condenado e, jovem, receberia um benefício e retomaria sua vida, sem o risco
de ser gravemente ferido e se tornar inválido, - isso porque,
pela imprensa, o declarante soube de uma ocorrência em Barueri, na qual houve mortes; Fernando a esse
respeito disse: - 'lá eu iria morrer'."
Às perguntas do dr. promotor de Justiça, Dimitrius Bueri, o declarante respondeu: assim que abordado
por Fernando, depois de propor a ele a ida até o estúdio de
gravação, o réu Fernando cogitou de um helicóptero, mas o declarante disse a ele que não tinha;
Fernando sugeriu o helicóptero do apresentador Gugu, que o declarante
afirmou também não existir, porque o apresentador utiliza helicópteros alugados, momento em que
chegaram policiais e o diálogo foi interrompido; o declarante reafirma
que na tentativa primeira de sair com Fernando da cozinha, ao ver os policiais, temeu por um desfecho

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com violência e recuou; o secretário da Segurança e o governador
não tiveram contato com Fernando; apenas o declarante solicitou ao governador que mandasse alguém
entrar para verificar sobre armas, o que foi feito, e em seguida
Fernando se entregou; na conversa que teve com Fernando constatou que ele apresentava um ferimento e
disse a ele que deveria cuidar. Fernando disse que não sabia
o que fazer e sugeriu um médico, o que foi feito. A médica Silvana Nigro, do Samu (Serviço Médico de
Urgência), foi levada de helicóptero até um colégio próximo
da casa de Silvio, e fez o atendimento necessário. Além do ferimento a bala na nádega, Fernando tinha
um corte no pé direito e um ferimento na mão esquerda. Pouco
depois a garantia de vida foi dada pelo governador, de que ele não iria para uma delegacia comum, e
seria encaminhado para o Centro de Detenção Provisória, no bairro
do Belém. Em seguida Fernando tomou banho, ganhou roupas limpas do apresentador, e saiu preso.
Silvio acompanhou o governador até a frente da casa e assegurou que,
sem a presença dele, certamente a história terminaria com sangue, tanto dele próprio quanto dos policiais.
O governador Geraldo Alckmin foi criticado por políticos e homens da comunicação, que viam a ida
dele à casa de Silvio Santos como um grande desgaste da autoridade
ou, talvez, até uma atitude de marketing pessoal. Ao responder a tais críticas, Alckmin falou: "Faria tudo
de novo. Prefiro errar pela ação do que errar pela omissão".
Entre os que criticavam o governador estava Lula, dizendo que o governador abriu um precedente
perigoso, ao ir à casa do apresentador. "A partir de agora qualquer
vítima vai querer o governador como interlocutor. Hoje chamam o governador, amanhã o presidente da
República, depois o papa." Alckmin argumentava: "fui à casa de
Silvio porque foi um episódio atípico e porque a polícia concluiu que eu poderia ajudar a resolver um
grande problema sem sangue. Tanto ajudei que em 15 minutos
tudo se resolveu".
No dia seguinte, a caminho do trabalho, com o rádio ligado na Jovem Pan, da qual é ouvinte constante,
Silvio ficou indignado com os comentários que o radialista
Joseval Peixoto fazia, condenando a ida do governador à casa dele. Chegando ao seu escritório na via
Anhangüera, Silvio ligou para a Jovem Pan, entrou no ar, ao
vivo, e disse: "Posso garantir a vocês que, se o governador não tivesse ido até minha casa, tenho certeza
- não é palpite - poderia ter morrido. O Fernando certamente
morreria e mataria três ou quatro policiais que estavam lá e até eu próprio. Ele foi lá, conversou comigo
e disse que tinha uma possibilidade em cem de entrar na
minha casa, mas que era a única forma para não matar e morrer. Posso garantir que vi a situação toda. Vi
a polícia militar, vi o esforço que todos fizeram. Ele estava
com duas armas carregadas, estava convencido de que, com 22 anos, não queria entrar numa
penitenciária e que só sairia da minha casa se o governador garantisse que
ele não morreria. Tenho a certeza de que no desespero me mataria e, antes de morrer, mataria quatro ou
cinco porque ele é incrivelmente rápido e tem uma inteligência
fora do comum. Estão cometendo uma injustiça contra o governador. Quem está criticando não estava
lá. A quantidade de policiais militares com capacetes, com escudos,
com armas, com metralhadoras, era grande. O governador Geraldo Alckmin, estou certo, salvou algumas
vidas, alguns chefes de família da Polícia Militar. Fernando

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Pinto não é um profissional mas estava disposto a morrer para não ser preso de maneira comum. Ele
certamente sairia dali com as duas armas e atiraria em quantos
policiais fosse necessário".
Na realidade, o governador Geraldo Alckmin não viu sequer Fernando Pinto dentro da casa de Silvio.
Ele deu a garantia de vida, através de um radiocomunicador, ao
capitão Diogenes Viegas Della Lucca, negociador do Gate (Grupo de Ações Táticas Especiais) da
Polícia Militar. Uma avaliação da atitude do governador foi feita através
de uma pesquisa promovida pela revista "Época", publicada em 10 de setembro de 2001. "Você achou
correta a intervenção do governador de São Paulo, no caso do seqüestro
de Silvio Santos?" O resultado foi este: sim, 73%; não, 27%.

No mesmo dia em que Silvio Santos prestou depoimento na 30a. Vara Criminal, Patrícia Abravanel
compareceu para depor. Foram declarações que em nada lembravam as
palavras emocionadas e, pode-se dizer, piedosas, que ela disse aos jornalistas da sacada de sua
residência no dia em que foi libertada. Ao contrário, na Justiça
ela descreveu a agressividade com que foi tratada a partir do momento do seqüestro, quando um homem
alto e magro, de arma em punho, a agarrou pelos cabelos, a empurrou
para dentro do carro dela, e a colocou, agachada, de olhos vendados, no banco traseiro.
E, quando o carro ia sair, um segundo homem entrou no banco traseiro, ficando do lado dela, como
querendo evitar uma tentativa de fuga. No carro, ela teve os olhos
vendados. Assim foi carregada para dentro de uma casa e deixada num quarto; nesse quarto havia uma
cama e as janelas estavam pregadas; foi amarrada por um fio que
estava pregado na parede; ficou nesse quarto quatro dias, sempre amarrada; durante esses dias ouviu
alguns nomes: Jenifer, Luciana, Valdeci, Pirata; no segundo dia,
um dos seqüestradores desistiu pois não apareceu mais; em todos os contatos dela com os seqüestradores
estes usavam capuzes; desde a primeira noite os seqüestradores
dormiram no quarto com ela; não sofreu constrangimentos nem foi molestada sexualmente; no cativeiro
os seqüestradores mandaram que a declarante os chamasse de Tubarão-1,
Tubarão-2 referindo-se a Esdras e Fernando, e Tubarão-3, ao que desistira, Marcos Bezerra Santos; a
mulher era chamada de Tubaroa. Para usar o banheiro chamava um
dos seqüestradores, que a acompanhava, ficando do lado de fora da porta; durante o seqüestro sofreu de
bronquite, teve febre e foi medicada pelos seqüestradores.
Só foi desamarrada no momento em que passou para um segundo quarto, quando Luciana entrou na casa
e disse que aquilo não seria necessário. Na noite de domingo notou
três seqüestradores na casa, percebendo que eles "se drogaram", porque ouvia vozes em tom estranho e
pela entrada de um deles no quarto "bem alterado". Percebeu
essa alteração pela tonalidade dos olhos dele e por ser esse seqüestrador normalmente calmo e naquele
momento estar expondo suas emoções e um pouco agressivo. No
domingo, Luciana, seu namorado, Fernando, e um outro seqüestrador saíram para ver familiares,
retornando mais tarde. Sozinha, Patrícia andou pela casa, pela fresta
da janela olhou para a rua e viu um Fusca azul claro e um Kadette vermelho. Ficou com medo de gritar.
No momento em que ficou sozinha, tentou abrir a porta mas não
conseguiu. Inclusive teve acesso à garagem. Tentou fazer funcionar o motor do seu carro, mas não

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conseguiu pois estava sem bateria. Se tivesse conseguido funcionar,
com o veículo teria arrombado a porta. No dia do seqüestro, os seqüestradores disseram que queriam R$
7 milhões e também dólares. Durante todo o tempo em que ficou
na casa, um dos seqüestradores portava uma arma amarrada na perna. Também viu uma "arma
comprida" nas mãos do seqüestrador que desistiu e acha que era a mesma portada
por um dos seqüestradores que estiveram na sua casa. Luciana demonstrou para a declarante um certo
arrependimento, pois lhe passava informações que não deveria e
também chorava bastante. A declarante chegou a dizer para Luciana que iria omitir sua presença no
local, mas não tem como cumprir isso porque está contando o que
aconteceu, "Não dá, é um seqüestro." Por volta das duas horas e meia da madrugada de segunda-feira
apareceu um dos seqüestradores com capuz, o qual recolheu objetos,
percebendo a declarante a presença de pelo menos mais uma pessoa com ele; vendada, foi colocada no
seu carro, ao lado do motorista, abaixada. Trafegaram pelo bairro
e próximo ao estádio do Morumbi foi deixada por eles, recebendo ordem de ir para casa."

- E o livro A Fantástica História de Silvio Santos, o que estaria fazendo na casa de Fernando, no meio de
roupas amarrotadas, máscaras, a Bíblia queimada que pertencera
a Patrícia e documentos falsos? O laudo pericial no 32.729/001, da perita criminal Rosangela Monteiro,
do Instituto de Criminalística da Polícia Civil de São Paulo,
registra marcas nas seguintes páginas do livro: pág. 10: duas palavras, ou números, rabiscados, ilegíveis;
pág. 24: o nome Senor Abravanel sublinhado; pág. 64: um
ponto acentuado no parágrafo "No anexo do Copacabana Palace"..., onde Carmen Miranda esteve
hospedada, muito doente, em 1954, e onde eu a entrevistei; pág. 217:
um X na frente do título "1992: Silvio novamente candidato a prefeito de São Paulo". Nesse capítulo
consta o seqüestro de Sarita, irmã de Silvio, no Rio de Janeiro.
A folha correspondente ao assunto (págs. 219-220), está dobrada ao meio; há um X na pág. 232, onde se
fala da negociação entre Boni e o SBT; págs. 239/240, folha
dobrada ao meio. Assunto: "A família Abravanel: uma história que vem da Bíblia", onde se mostra que
os Abravanel, espalhados pelo mundo, descendem do rei David.
Não há marcação no trecho em que estão os nomes das filhas de Silvio Santos.
Para o promotor Dimitrius Bueri, da 30a. Vara Criminal, que atuou no processo, Fernando comprou o
livro para impressionar seus comparsas, dando a entender que sabia
tudo a respeito da família Silvio Santos. Na verdade sabia pouco ou quase nada. Uma das perguntas
feitas ao segurança Zequinha (José Izaudimiro Ramos Silva), amarrado
na guarita, foi para saber os nomes das filhas do empresário, e qual a mais nova, "pois demonstravam o
interesse de levar a mais nova". E enquanto Fernando trocava
a roupa de carteiro por uma outra, na guarita, a filha mais nova saiu de casa, depois saíram as outras sem
que fossem molestadas. Patrícia foi pega aleatoriamente,
porque foi a última a sair".
Sorbonne
SILVIO SANTOS ABALA PARIS. A mais prestigiada Universidade parisiense, a Sorbonne, quer
estudar a trajetória do famoso comunicador brasileiro. O professor Stéphane
Monclaire, do Departamento de Ciência Política da Sorbonne, pediu à Editora do Brasil cópia do livro A

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Fantástica História de Silvio Santos, escrito por Arlindo
Silva. A Universidade quer pesquisar as transformações dos meios de comunicação do Brasil e analisar a
eleição presidencial de 1989. (revista "Contigo", 16-10-01)
SORBONNE SE ENCANTA COM SILVIO. Silvio Santos está mesmo com a bola toda. Professores do
Departamento de Ciência Política da Sorbonne, uma das mais conceituadas
Universidades da Europa, querem estudar a vida e obra do dono do SBT, e solicitaram à Editora do
Brasil uma cópia do livro A Fantástica História de Silvio Santos,
de Arlindo Silva, lançado há um ano. O objetivo principal da Universidade é pesquisar as
transformações dos meios de comunicação no Brasil e ninguém melhor do que
Silvio Santos para servir de fonte para essa pesquisa. ("Estado de Minas", Belo Horizonte, 21.10.01)
SILVIO SANTOS NA SORBONNE. O livro A Fantástica História de Silvio Santos, hoje o maior
material biográfico do empresário, vai ganhar nova edição com a história
do seqüestro de Patrícia Abravanel, o desfile da Escola de Samba Tradição e a exposição no MIS -
Museu da Imagem e do Som, do Rio de janeiro. Para Arlindo Silva,
autor do livro, um fato muito importante na nova edição será a cópia da carta enviada pela Universidade
da Sorbonne, pedindo um exemplar do livro para ser estudado
no Departamento de Ciência Política daquela Universidade. O livro já vendeu cerca de 120 mil
exemplares. (jornal "O Dia", RJ, 2.10.01)
DRAMA DO SEQÜESTRO ESTICA BIOGRAFIA DE SILVIO SANTOS. ...mas além do seqüestro,
Silva quer acrescentar ao livro outros momentos de emoção vividos por Silvio: o desfile
na Escola de Samba Tradição, do Rio de Janeiro, que teve a história do animador como enredo; a
exposição do Museu de Imagem e do Som, também no Rio, que teve por
tema "Silvio Santos, Imagem e Som do Comunicador do Século". Mas o que mais entusiasma o autor é
o pedido que a Universidade da Sorbonne fez de exemplares do livro
para uso no Departamento de Ciências Políticas daquela famosa Universidade da França. ("Jornal da
Tarde", SP, 2.10.01)
Notícias como essas foram publicadas em toda a imprensa brasileira. Mas o que se pode depreender do
pedido do Departamento de Ciência Política da Sorbonne? Que os
seus pesquisadores, além da evolução da mídia brasileira, queriam estudar a tumultuada passagem de
Silvio Santos pela política brasileira, como candidato a Presidente
da República, em 1989. E para os estudantes de Comunicação, que também usam a biografia de Silvio
Santos como fonte de pesquisa, não custa acrescentar que a Universidade
da Sorbonne (fundada em 1257) é uma das mais antigas da Europa, ao lado da de Oxford (fundada em
1163) e da de Cambridge (fundada em 1284).
O Comunicador do Século
Outro grande momento de glória para Silvio Santos foi a homenagem que lhe prestou o Museu da
Imagem e do Som, do Rio de Janeiro. Entre os dias 5 de outubro e 5 de
novembro de 2001, o MIS, pertencente à Secretaria de Cultura do Estado do Rio, apresentou uma
exposição biográfica, sob o título "Imagem e Som do Comunicador do
Século". Na fachada do prédio, no centro da cidade, grandes painéis do animador com aquele sorriso tão
conhecido do público brasileiro. Na entrada do salão, uma
grande foto de Silvio, em tamanho natural, em gesto de boas-vindas. Essa foto ampliada é a mesma que
apareceu na contracapa da primeira edição deste livro. Documentos

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e fotos antigas mostravam a trajetória do animador, desde quando era garoto e perambulava por ali
mesmo, na região central da cidade, vendendo bugigangas. O que
provocava especial interesse nas 200 pessoas que diariamente visitavam a exposição eram os boletins
dos colégios Celestino da Silva e Amaro Cavalcanti, onde Silvio
estudou. O que despertava comentários eram as melhores notas que o garoto tirava. As matérias eram:
inglês e matemática. O menino já mostrava habilidade para lidar
com números. O público pode conferir toda a carreira de Silvio no rádio e na televisão, através de textos,
fotos, vídeos, troféus, diplomas e até de objetos pessoais
como o antigo microfone de peito que virou marca registrada do apresentador. O roteiro dessa exposição
foi baseado no livro A Fantástica História de Silvio Santos
e havia um letreiro explicando isso. Num telão foram projetados depoimentos de Chico Anysio, Boni e
Daniel Filho, cada um analisando, a seu modo, a personalidade
de Silvio Santos como artista e como empresário de televisão. No caso de Chico Anysio, o humorista
recordou que ele e Silvio entraram na mesma época no mundo artístico,
lembrando que, quando muito jovens (Silvio era camelô) participaram de um concurso para locutor
comercial na Rádio Guanabara. E Silvio tirou o primeiro lugar. A
exposição mostrou fotos da antiga barca da Cantareira, que Silvio usava quando saía da Rádio
Continental, em Niterói, e voltava, à meia-noite, para o Rio. Na barca
montou um pequeno bar com geladeira para vender cerveja. Foi o início de sua carreira como homem de
negócios. Depois, colocou música e, mais tarde, um bingo. Tornou-se
o maior vendedor individual de cerveja no Rio e ganhou da Antártica como prêmio uma viagem a São
Paulo. E por lá ficou...
Casa dos Artistas

No começo de setembro de 2001, o engenheiro Afonso Aurin Palacin, superintendente técnico do SBT,
ligou para o arquiteto Joel Abrão, dizendo:
- Temos um assunto urgentíssimo a tratar. Encontre-me na rua Antônio Andrade Rebelo, 482, no
Morumbi. Ordens do Silvio Santos.
O arquiteto, o mesmo que projetou o Complexo Anhangüera e os hotéis de Silvio no Guarujá, foi ao
encontro de Aurin e constatou, surpreso, que o endereço era de uma
casa vizinha à de Silvio Santos. Antes que Abrão manifestasse sua curiosidade, Aurin foi dizendo:
- Olhe, vamos construir aqui um grande estúdio, com os recursos mais modernos da tecnologia, para
fazer um programa que será um estouro nacional. Vamos colocar aí
dentro, como se fosse uma gaiola, um monte de artistas, que vão ficar isolados do mundo durante 50
dias. Tudo vai ser construído dentro do maior sigilo. No SBT só
a diretoria sabe.
Entraram no casarão de 800 m2, que Silvio havia comprado por R$ 3 milhões, de dois pavimentos, mais
o andar térreo, e ficaram o dia todo bolando a reforma a ser
executada. Só seria utilizado para os participantes do programa o andar térreo, que seria reformado para
construir uma casa de 300 m2. Seria uma casa-cenário, com
dois quartos, um banheiro, cozinha, forno e fogão a lenha, sala de jantar, recanto de repouso e, lá fora,
horta, lago com peixes para serem pescados e consumidos
pelos moradores, lavanderia, sala de ginástica, além da piscina que já havia. Nos pavimentos superiores

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seria instalada a parte técnica, com 72 televisores, onde
a produção editaria as imagens, mais o posto médico e a sala da psicóloga. Nada menos que 32 câmeras
seriam instaladas, escondidas, atrás de espelhos, por toda a
casa. O projeto de reforma demorou 15 dias para sair da prancheta e 45 dias para ser executado,
empregando-se 80 funcionários, ao custo de um milhão e meio de reais.
Assim que a casa-cenário ficou pronta, um grupo de funcionários do SBT ficou dois dias lá dentro como
cobaias. Não podia haver falha, tudo tinha que dar certo. E
assim nasceu a Casa dos Artistas, um dos programas de maior audiência da história do SBT, em todos os
tempos. E que criou uma colossal dor de cabeça para a TV Globo,
desde o primeiro domingo em que foi apresentado: 28 de outubro de 2001. Foi uma grande surpresa para
o público, para os próprios funcionários do SBT e, principalmente,
para a Globo. Nesse domingo, Casa dos Artistas derrotou o Fantástico, que perdeu pela primeira vez em
seus 28 anos de existência. O ibope foi: SBT - 30, Fantástico
- 28. Nos seis domingos subseqüentes os índices foram: (4/11) SBT, 36 pontos, Globo, 21; (2/12) SBT,
42, Globo, 23; (9/12) SBT 42, Globo 22. No domingo de encerramento
do programa (16/12), a diferença foi contundente, como veremos no final deste capítulo. Uma pesquisa
do Datafolha mostrou que o programa era visto por jovens (33%),
homens (68%) e mulheres (77%).
Mas, afinal, qual a razão desse fascínio do público pela clausura de nove artistas, alguns conhecidos,
outros pouco conhecidos, nenhum classificado no patamar de
celebridade? O programa magnetiza o público porque ele vê que astros e estrelas, isolados do mundo,
perdem o encanto de sua "divindade" e se tornam pessoas comuns,
tão comuns quanto os milhões de telespectadores que acompanham, no vídeo, os choros, os atritos, as
agressões verbais, até beijos, de permeio com gestos grosseiros
e até cadeiras sendo atiradas em acessos de fúria.
Aí está o ingrediente principal do programa: a vida íntima dos ídolos provando que astros, estrelas e
povão são iguais ou muito parecidos, dentro de um cenário como
aquele. O psicoterapeuta José Ângelo Gaiarsa, que conhece muito bem o meio artístico porque já teve
programa de televisão e freqüentemente participa de debates sobre
sua especialidade, coloca o problema da seguinte forma: Casa dos Artistas faz uma crítica à hipocrisia
social, por força da qual as pessoas mostram uma aparência
em público e têm outro comportamento bem diferente na vida privada. Gaiarsa trabalhou 14 anos na
televisão, primeiro com Sônia Ribeiro, depois com Xênia Bier, depois
com programa próprio Quebra-cabeças na TV Bandeirantes, focalizando as crises no relacionamento
entre pais e filhos e entre marido e mulher. É autor do livro Tratado
Geral Sobre a Fofoca, o qual, baseado em pesquisa própria, garante que, das conversas diárias entre as
pessoas, 40% são fofocas. Então vem a pergunta que ele mesmo
faz e ele mesmo responde: "Por que as pessoas confinadas, em ambiente limitado, como na Casa dos
Artistas, brigam tanto e fazem tanta fofoca? Pergunta ingênua. Quase
todas as pessoas fazem assim o tempo todo. Felizmente não há câmeras para mostrar tudo. O cotidiano e
o familiar de todos nós é bem aquele mostrado na Casa dos Artistas,
nem mais, nem menos." O psicoterapeuta faz a comparação entre as pessoas "engaioladas" e os animais:
"Se você coçar a cabeça de um leão solto, ele poderá gostar

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do carinho, mas, se tentar fazer o mesmo com ele enjaulado, poderá levar uma patada ou uma mordida.
Nas mesmas condições, as celebridades vão descendo de seus pedestais,
de glória e finesse para tomar atitudes que lembram as feras dentro da jaula. A obsessão do público pelo
programa é tanto maior quanto Silvio Santos com seu talento
de motivar os telespectadores, dá-lhe o direito de julgar os artistas e condená-los, decidindo quem sai e
quem permanece na Casa.
Assim se explicam os milhões de ligações telefônicas direcionadas para o SBT, todos os domingos,
quando um artista era julgado e mandado de volta para casa. Claro
que, entre milhões de ligações, somente uma ou duas dezenas alcançavam o telefone de Silvio. Mas o
que impressiona é o volume das tentativas registradas pela Embratel.
Nos três últimos domingos do programa, em média, 45 milhões de ligações foram disparadas para falar
com o animador, das quais 28 milhões partiram da região Sudeste,
sendo 13 milhões do estado de São Paulo.
Mas, se por um lado o público da Casa dos Artistas praticava o mais saboroso "voyeurismo", também
demonstrava sentimento de justiça e solidariedade na hora de julgar.
No final do programa, quando os telespectadores elegeriam o vencedor da gincana, dando-lhe o prêmio
de R$ 300 mil, funcionou o sentimento de humanidade, que favoreceu
a jovem atriz de teatro Bárbara Paz, ainda no início da carreira, menina pobre, órfã, vinda do Rio Grande
do Sul, cujos únicos bens declarados eram um gato, com
quem morava num pequeno apartamento do Bexiga, um Jipe Suzuki e uma linha telefônica. Entre a
moça e o roqueiro Supla, filho da prefeita Marta Suplicy e do senador
Eduardo Suplicy, o público votou a favor da atriz, que chorou muito e, com as mãos erguidas para o céu,
agradeceu a proteção da mãe há muito tempo falecida. E assim
fez o telespectador chorar também. O próprio Silvio, os olhos cheios d'água, assistia, calado, imóvel, do
estúdio na Anhangüera, as cenas que ocorriam na Casa do
Morumbi. O pranto e as preces de Bárbara foram cenas das mais comoventes já mostradas ao vivo pela
televisão. Nessa hora o ibope marcava: SBT, 46; Globo, 16.
O programa Casa dos artistas foi para Silvio Santos mais um momento de glória em 2001, no qual ele
deu uma extraordinária demonstração do seu talento como apresentador,
superando a "performance" com que conduziu o ano inteiro o Show do Milhão e comandou, no mês de
outubro, a gincana artístico-humanitária do Teleton.
No consenso da mídia e do público telespectador, 2001 foi o ano de Silvio Santos.
2002: Sempre na mídia e na boca do povo

Mal começou o ano de 2002, Silvio Santos de novo foi para as primeiras páginas dos jornais e para as
edições extras das televisões. O animador passava férias nos
Estados Unidos com a família, quando os jornais do dia 3 de janeiro abriram manchetes: Seqüestrador de
Silvio Santos morre na prisão e a família suspeita de envenenamento
(Diário de S. Paulo). Seqüestrador de Silvio Santos só ficou vivo 125 dias (Jornal da Tarde). Dutra Pinto
apanhou com cano de ferro (O Globo). Seqüestrador da filha
de Silvio Santos morre na cadeia (Agora-SP). Advogado ameaça processar Alckmin: governador deu
garantia de vida ao seqüestrador de Silvio (Jornal do Brasil).
Os jornais levantavam hipóteses e procuravam apurar os fatos. Intoxicação por ter comido carne de

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porco? Envenenamento? Mau atendimento médico durante uma crise
de bronquite? Espancamento por não ter tratado o chefe de disciplina de "senhor"? O corpo de Fernando
Pinto permaneceu no Instituto Médico Legal durante 21 dias,
período em que foi autopsiado por professores das Faculdadades de Medina e de Farmácia da USP; do
Instituto Adolfo Lutz (Secretaria da Saúde do Estado), além dos
legistas do próprio IML. O professor Paulo Hilário Saldiva, titular do Departamento de Patologia da
Faculdade de Medicina da USP, fez a perícia a pedido da Comissão
de Direitos Humanos Teotônio Villela. Seu laudo é taxativo: não houve envenenamento. Não foram
evidenciados sinais de utilização de drogas ilícitas por via inalatória
ou injetável. Os estudos toxicológicos efetuados pelo Instituto Adolfo Lutz, pela Faculdade de Farmácia
da USP e pelo IML constataram apenas a presença de resíduos
de maconha, indícios de dipirona (analgésico) e um agente histamínico (antialérgico). O laudo informa
que "o evento responsável pela morte do paciente foi falta
de oxigenação dos tecidos provocada por extensa pneumonia bacteriana, com necrose e formação de
abcessos, difusamente, em ambos os pulmões". Uma bactéria, a "Staphylococcus
aureus", penetrou no organismo de Fernando pelo ferimento da região escapular direita (ombro direito).
Esse ferimento do ombro foi o veículo que permitiu o ingresso
da bactéria nos pulmões, alastrando-se pelo organismo e provocando a morte de Fernando por parada
cardiorrespiratória, decorrente de uma infecção generalizada.

A morte de Fernando "fervia" na imprensa quando outra notícia, desta vez ligada ao SBT, colocou o
nome de Silvio Santos nos jornais, outra vez.
O STJ - Superior Tribunal de Justiça - de Brasília, dera ganho de causa ao animador, liberando a
apresentação de Casa dos Artistas, - contra medida cautelar proposta,
em conjunto, pela Rede Globo e pela empresa holandesa Endemol Entertainment, visando impedir que o
SBT continuasse a apresentar o programa. Vale lembrar: logo que
Casa dos Artistas estreou em 28 de outubro de 2001, tanto a Globo como a Endemol (criadora do
programa Big Brother) haviam tentando obter liminares visando impedir
o programa no SBT, - e foram derrotadas. Casa dos Artistas continuou no ar obtendo o sucesso
consagrador que o público testemunhou e aplaudiu.

No dia 4 de janeiro, novo noticiário sobre Silvio Santos ocupou, desta vez, as páginas de "Economia e
Negócios" dos jornais. O SBT e o Banco Panamericano, empresas
do grupo Silvio Santos, estão lançando um consórcio de imóveis, com cartas de crédito no valor entre 15
mil e 100 mil reais para compra da casa própria. O prazo
para pagamento será de 10 anos e as mensalidades vão variar entre 163 e 1.083 reais. No velho estilo do
"Baú da Felicidade", além do sorteio mensal que caracteriza
os consórcios, os clientes que mantiverem os pagamentos "rigorosamente em dia" concorrerão a casas
com carro zero na garagem e mais 5 mil reais em barras de ouro.
O vice-presidente do Banco Panamericano, Rafael Palladino, diz que o objetivo é encerrar 2002 com um
volume de vendas de cotas entre 270 e 300 milhões de reais.
Para tanto será necessário vender 1.000 cotas por mês. (Isso foi conseguido na primeira quinzena após o
lançamento do plano). Detalhe: todo o sistema de consórcio

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imobiliário no país vende 4.400 cotas por mês. O interesse do público pelo plano de Silvio Santos foi tão
grande que a Caixa Econômica Federal apressou o lançamento
de três novos tipos de financiamento para casa própria, entre os quais o sistema de consórcio. As
previsões de Rafael Palladino são otimistas: "até o final de 2003
deveremos ser o segundo maior administrador do país no ramo imobiliário".
O primeiro projeto a ser lançado será um grande conjunto habitacional na Rua Camarés, Vila Guilherme,
zona norte de São Paulo, onde durante anos funcionou a fábrica
de cenários do SBT. A SISAN, empresa do Grupo Silvio Santos dedicada a empreendimentos
imobiliários, será responsável pela obra. Seu diretor-operacional, o engenheiro
Eduardo Velucci, dá detalhes: "serão quatro edifícios, totalizando 328 apartamentos de dois dormitórios.
O terreno, de 7.900 m2 permitirá dar ao conjunto a estrutura
de um clube, com piscina, quadra poliesportiva, pista de cooper, salão de festas para crianças e adultos,
sauna e espaço para ginástica". Eduardo Velucci esclarece
que a SISAN, além das edificações, terá a seu cargo a reforma e avaliação dos imóveis que serão
vendidos pelo consórcio. É função dessa empresa dar destinação a
todos os imóveis do Grupo e do próprio Silvio Santos pessoa física, existentes no Brasil, - e são muitos.
Por outro lado, a SISAN será responsável pelas obras dos
hotéis que Silvio Santos vai construir no Guarujá. E como tarefa amena, coube a essa empresa a
execução do projeto que transformou um casarão do Morumbi na Casa
dos Artistas. E dela foi, também, o trabalho de construção da nova (e definitiva) Casa dos Artistas nos
terrenos do SBT na Via Anhangüera.

Na seqüência de manchetes envolvendo o nome de Silvio Santos no início de 2002, no dia 7 de janeiro
uma pesquisa do "Datafolha" indicava que se o animador-empresário
fosse candidato a Presidente da República, derrotaria Lula no segundo turno.
Dessa maneira, Silvio Santos começava o ano de 2002 da mesma maneira como atravessou 2001: nas
páginas dos jornais e na boca do povo.


A FAMÍLIA abavanel:
uma histÓria que vem da bíblia
Eles descendem do rei David, o herói que matou Golias
Dom Isaac, o grande sábio

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As aventuras do jovem Alberto, pai de Silvio Santos
Quem é quem na família, hoje
Quando os romanos ocuparam Israel, os judeus migraram em massa para a Península Ibérica. Famílias
inteiras estabeleceram-se na Espanha e Portugal, onde criaram raízes
e prosperaram. Entre elas uma se destacou porque, historicamente, era comprovado que descendia do rei
David. Era a família Abravanel. Seu primeiro membro a ter destaque
foi Judá Abravanel, que viveu em Córdoba e Sevilha, e no final do século XIII foi tesoureiro e coletor de
impostos de Sancho IV e Fernando IV, reis de Castela. A
história mostra que ele introduziu a família Abravanel na galeria de homens ilustres na Idade Média. Os
pais e avós de Judá Abravanel foram prósperos mercadores
que emprestavam dinheiro aos poderosos, príncipes e oligarcas, e depois eram reembolsados mediante o
privilégio de cobrar diretamente do povo os tributos devidos
ao governo. Daí, talvez, tenha passado para a posteridade a fama da habilidade com que os judeus sabem
manejar o dinheiro e a competência com que cuidam dele.
Abravanel, conforme registros históricos, na sua origem, não era somente um sobrenome, mas um título
honorífico, concedido aos membros da família do rei David, expulsos
para a Babilônia, e é composto pelas palavras hebraicas AB-RABAN-EL (pai-senhor-Deus), ou,
parafraseando, representante de Deus. O sobrenome Abravanel é diminutivo
de Abrahão. Para Judá Abravanel, a palavra tem realmente significado mais importante: "filho do filho
de Deus", espécie de título dado aos descendentes do rei David.
Com as mudanças lingüísticas das famílias que o portavam, a cada nova perseguição, a cada novo
endereço, o sobrenome Abravanel tomou muitas formas: Abarbanel, Abrabanel,
Barabanel, Barbanel, Barbinel, Barbanelsky, Abarbarchuk, etc.
No século XIV, outro Abravanel se destacou: era um certo Samuel, tesoureiro real de Castela, que
durante os distúrbios anti-semitas de 1391 converteu-se ao catolicismo,
adotando o nome de Juan Sanches de Sevilha.
Entretanto, o tronco, ou o personagem mais importante desta família, foi dom Isaac Abravanel, que
nasceu em Lisboa em 1433 e faleceu em Veneza em 1508. Ele se apresentava
como "Isaac, filho de Judá, filho de Samuel, filho de Judá, filho de José, filho de Judá, da família
Abravanel, todos chefes dos filhos de Israel, da origem de Isai
de Belém, da família da dinastia de David". Ou seja, ele identificava a origem de sua família em David
bem Isai, o segundo rei de Israel, que encantava o rei Saul,
seu sogro, cantando inspirados salmos ao som da harpa. Entre os feitos militares de David - que foram
muitos -, tornou-se célebre a luta que ele travou com o gigante
filisteu Golias, cujo relato passou da Bíblia para o cinema, tornando a história muito popular. David
abateu Golias, atirando-lhe uma pedra, com uma funda, que o
atingiu na testa e o derrubou. A seguir, David cortou a cabeça do gigante usando a própria espada que
ele portava. Depois, levou a cabeça para Jerusalém a fim de
mostrá-la ao povo de Israel. David se tornou rei aos 30 anos e reinou sobre Judá e Jerusalém durante 40
anos.

Dom Isaac Abravanel recebeu uma educação esmerada. Foi iniciado na erudição judaica, bem como na
ciência e na filosofia profanas. Seguindo a tradição de seus ancestrais,

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dom Isaac notabilizou-se pela capacidade de lidar com dinheiro e, por isso, aos 20 anos, foi ministro das
Finanças do rei Afonso V de Portugal, tornando-se seu amigo
e conselheiro. Quando Afonso V morreu (1481), subiu ao trono D. João II. Dom Isaac Abravanel
envolveu-se em uma conspiração contra o novo monarca, que malogrou.
Seus companheiros de rebelião, os Duques de Bragança e Viseu, apesar de primos do rei, foram
executados; os bens de dom Isaac foram confiscados, mas ele conseguiu
fugir para a Espanha, fixando-se em Toledo (Castela), onde alcançou, muito depressa, posição de
prestígio junto à coroa espanhola. Fernando e Isabel, os reis católicos,
tinham-no na mais alta consideração e sua influência sobre eles era considerável. Como ministro das
Finanças dos Reinos Unidos de Castela e Navarra, dom Isaac Abravanel
participou do trabalho de reunir recursos para a expedição de Colombo à América, fazendo coleta no
seio da comunidade judaica. Era, portanto, um homem importante
na Corte, assim como na comunidade judaica.
Mas apesar de sua influência sobre os reis católicos Fernando e Isabel, dom Isaac Abravanel tinha contra
si o poderio do monge Tomás de Torquemada, que transformou
a Inquisição em um instrumento de terror contra os judeus.
Durante muitos anos Fernando e Isabel resistiram às pressões de Torquemada. Os soberanos precisavam
da ajuda dos judeus para a reconquista de Granada, último reduto
muçulmano no território espanhol. Dizia-se que o próprio rei Fernando tinha em suas veias sangue judeu.
Em 2 de janeiro de 1492, Isabel e Fernando entraram, triunfantes, em Granada, concretizando um ideal
pelo qual haviam lutado gerações de espanhóis. Granada estava
em poder dos muçulmanos desde que eles haviam conquistado a Península Ibérica, no século VIII. Para
essa vitória muito contribuíram os judeus espanhóis, que forneceram
tanto recursos financeiros quanto homens. Para se avaliar quão incruente era essa guerra, basta dizer que
a batalha final pela libertação de Granada durou dez anos.
Cerca de três meses após essa libertação, veio a grande desilusão. Em 31 de março de 1492, na Corte
dos Leões, no Palácio Alhambra, de Granada, vencidos pelas pressões
de Torquemada, Fernando e Isabel assinaram o decreto de expulsão dos judeus da Espanha, dando-lhes o
prazo de quatro meses. O decreto "generosamente" autorizava-os
a carregar com eles, por terra e por mar, "tudo o que pudessem carregar, contanto que não fosse nem
ouro, nem prata, nem moedas de ouro e outros objetos cuja exportação
era proibida". Após a data fixada, todo judeu que se encontrasse em território de Espanha teria de
escolher entre o batismo cristão e a morte.
Em vão dom Isaac Abravanel suplicou aos soberanos que reconsiderassem a decisão. Ele ofereceu 30
mil ducados de ouro em troca da revogação do decreto. Impressionado,
Fernando teve um momento de hesitação. Torquemada, então, jogou um crucifixo aos pés do rei,
exclamando: "Judas vendeu seu Mestre por 30 moedas de prata e vós quereis
vendê-lo por 30 mil moedas de ouro. Então, toma-o e vende-o".
Dom Isaac Abravanel resistiu bravamente à proposta dos reis para que ele e sua família se convertessem
ao catolicismo e permanecessem na Espanha, com a garantia
de que não seriam molestados. Ele recusou a proposta e partiu com sua família para Nápoles, depois
para Corfu, depois para Monopoli (no norte da África) e, por fim,
Veneza. Foi ali que passou os últimos dias de sua vida, dividindo-os entre as atividades políticas e as

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ocupações literárias.
Na verdade, a celebridade de dom Isaac Abravanel não derivava tanto das suas atividades políticas e do
seu talento financeiro. Ele se tornou célebre pelos seus trabalhos
literários - comentários sobre a Bíblia e escritos filosóficos, entre os quais um comentário sobre o Guia
dos Perplexos, de Maimônides, o maior sábio judeu da Espanha.
Foi um exegeta da Bíblia e escreveu comentários sobre os Livros do Deuteronômio, Josué, Juízes e Reis,
que influenciaram os movimentos messiânicos dos séculos XVI
e XVII.
Dom Isaac Abravanel morreu em Veneza, em 1508, e está sepultado em Pádova.
Judá, filho de dom Isaac, refugiou-se na Itália, como seu pai, e tornou-se célebre como "Leão Hebreu",
pseudônimo literário. Praticava também a medicina e daí o
apelido pelo qual também era conhecido: "o médico". Judá se interessava pela filosofia, sobretudo pelo
"neoplatonismo". Seu tratado Diálogos do Amor, publicado em
italiano, foi uma das obras de maior repercussão no século XVI. Essa obra influenciou Spinoza e
despertou a admiração de Cervantes, que a comentou em seu célebre
Don Quixote de La Mancha.
O segundo filho de dom Isaac Abravanel, de nome Samuel, foi educado na Itália, entre Nápoles e
Florença, e tornou-se preceptor de alguns príncipes da família Médicis.
Colocou sua fortuna e sua influência política a serviço da comunidade judaica.
Os filhos e netos do "Leão Hebreu", portanto netos e bisnetos de dom Isaac Abravanel, tiveram projeção
em Ferrara (Itália) e finalmente emigraram para Amsterdã e
Salônica, na Grécia. É dessa região que provém o pai de Silvio Santos. Salônica, importante porto da
Macedônia, consta do Novo Testamento como Tessalônica. Nela,
o apóstolo Paulo esteve pregando o Evangelho, mas foi obrigado a retirar-se por causa da oposição dos
judeus. Escreveu duas "epístolas aos tessalonicenses", que
estão nas páginas do Novo Testamento.


O professor Paulo Valadares, membro e pesquisador da Sociedade Genealógica Judaica do Brasil,
montou a árvore genealógica das principais famílias de descendentes
de judeus no Brasil.
Ele traçou, a meu pedido, especialmente para este livro, o seguinte perfil genealógico da família de
Senor Abravanel:
"Somente no século XVII chegou ao Brasil o primeiro Abravanel. Era um figura distinta. Chamava-se
David Abravanel Dormido e, com o nome de Manuel Martinez Dormido,
fora tesoureiro real na Espanha, onde viveu como cristão-novo judaizante. Descoberto como tal, esteve
preso cinco anos pela Inquisição. Em 1632 fugiu para Bordéus
(França) e daí para Amsterdã, na Holanda, onde fixou residência, integrando-se à comunidade judaica
local. Seus filhos Daniel (conhecido como Luiz) e Salomão (conhecido
como Antonio) Abravanel Dormido foram comerciantes no Recife holandês. Eram amigos próximos do
rabino Manasseh bem Israel (ex-Manoel Dias Soeiro - 1604-1657), cuja
esposa, Raquel Abravanel, era bisneta do grande dom Isaac. A passagem deles pelo Brasil foi muito
rápida. Mas foi no século XX que os 'Abravanéis' retornaram ao

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Brasil, vindos de cidades que pertenciam ao Império Otomano, que se esfacelava. Um deles era o jovem
Alberto Abravanel, descendente em linha direta de dom Isaac
Abravanel, e que viria a ser o pai de Silvio Santos.
Utilizando a linguagem genealógica consagrada pela Bíblia, podemos reconstruir a ascendência paterna
de Alberto da seguinte forma:
Dom Isaac Abravanel gerou a Judá Abravanel, o "Leão Hebreu", que gerou a Isaac, e este a Judá Hiyya,
que se casou com Esther Ibn Yahia (pertencente a outra dinastia
originada do rei David). O casal gerou a Shen'ur (Señor) e este a David, que, por sua vez, gerou a
Joseph, e este gerou a Isaac, que gerou a Senõr, que gerou a Abram,
que gerou a Señor Abram Abravanel. Este último casou-se com Doudon Bendavid, porém o casamento
não vingou. Mas antes da separação tiveram dois filhos: Sarah, que
migrou para os Estados Unidos, onde se casou com David Isaac Eskenazi e teve descendência
americana. O outro filho foi Alberto."
A separação dos pais (ainda quando viviam em Salônica), o medo de ser convocado para servir no
exército turco, a falta de perspectivas futuras (era jornaleiro) motivaram
Alberto Abravanel a mudar-se de Salônica. Ele procurou cidades portuárias para se estabelecer. Primeiro
tentou Atenas, depois Marselha, onde foi vendedor de pistache.
Malsucedido, buscou a América e, na América, o Rio de Janeiro. Aí continuou como vendedor, dono de
uma lojinha de artigos para turistas. Inseriu-se na comunidade
sefardita de origem turca, onde conheceu e casou-se com Rebecca Caro. Desse casamento tiveram seis
filhos: Senor, Léo, Henrique, Beatriz, Sara e Perla. Senor é o
Silvio Santos, razão de contarmos toda esta história.

Quem é quem na família, hoje
Com o falecimento do pai de Silvio, "seu" Alberto, em 28/10/76; da mãe, Rebecca, em 20/9/89 e de
Leon (artisticamente Léo Santos), em 11/2/82, a família Abravanel
tem, hoje, a seguinte constituição. Os filhos são cinco: Senor, Beatriz, Sara, Perla e Henrique.
SENOR (Silvio), viúvo de Aparecida Honoria Vieira, é casado em segundas núpcias com Íris Pássaro e
tem seis filhas: Cíntia, Silvia, Daniela, Patrícia, Rebeca e Renata.
Cíntia é divorciada e tem três filhos: Lígia, Thiago e Vivian. Sílvia (Silvinha) é divorciada e tem uma
filha, Luana.
BEATRIZ, a irmã mais velha de Silvio, é solteira e não tem filhos.
SARA (Sarita) é casada com Gil Batista Soares e tem duas filhas: Mônica e Gisele.
LEON (Léo Santos) foi casado em primeiras núpcias com Laedi Ohana de Miranda e depois com Ruth
di Marco, deixando quatro filhos: Leon Junior, Rubem, Maurício e Dory.
Leon Junior (Leozinho) casou em primeiras núpcias com Lílian Camargo Diegues e hoje está casado
com Regina Soares da Cunha, e tem três filhos: Leon Neto, Marjorie
e Ricardo. Rubem e Maurício não têm filhos. Dory tem uma filha, Mariah A. Lopes.
PERLA, a terceira irmã de Silvio, é viúva de Newton Stoliar e tem três filhos: Guilherme, Roberto e
Deborah. Guilherme é casado com Ivani Pássaro e tem dois filhos:
Priscilla e Igor. Roberto é casado com Valéria Monteiro e tem uma filha: Camila. Deborah, divorciada,
tem três filhos: Breno, Dante e Thiago.
HENRIQUE, irmão mais novo de Silvio, é casado com Carmen Domingues Torres e tem três filhos:

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Fernando, Carlos Henrique e Daniel. Fernando é casado com Grace Gama
Santos e tem duas filhas: Fernanda e Danielle. Carlos Henrique é casado com Daniela Costa e tem uma
filha, Mariana. Daniel é casado com Patrícia Butinhão e tem uma
filha, Gabriela.

Um Repórter de Primeira
Arlindo Silva pertence a uma geração de grandes repórteres, que marcaram sua carreira com
memoráveis trabalhos para "O Cruzeiro', tornando-a a maior revista da América
Latina. Silva é uma estrela que brilha desde a década de 50, numa constelação que incluía, entre outros,
jornalistas do peso de Ubiratan de Lemos, Indalécio Wanderley,
Mário de Moraes, Glauco Carneiro, Luiz Carlos Barreto, Armando Nogueira, Salomão Scliar, Eugenio
Silva e Jorge Ferreira. Como mestres de todos pontificavam David
Nasser e Jean Manzon, os criadores da moderna reportagem ilustrada no Brasil.
O autor de A Fantástica História de Silvio Santos trabalhou 24 anos na revista. Viajou pelos quatro
cantos do mundo, de Hong Kong a Lisboa, de Jerusalém a Paris,
de Tóquio a Roma, do Cairo a La Paz. Dormiu em redes nas selvas do Xingu, sentou-se em poltronas
estofadas na sala de audiências de Nasser e entrevistou fugitivos
da polícia em favelas cariocas; beijou a mão de dois Papas, João XXIII e Paulo VI, e atirou-se entre os
espinhos da beira da estrada Amã-Jerusalém, quando passavam
os Mirages de Israel, em vôos rasantes sobre as tropas jordanianas, na Guerra dos Seis Dias. Seu espírito
aventureiro o levou ainda a presenciar a cremação de cadáveres
em Calcutá. Também viu com que respeito e temor os indianos desviam as suas charretes das vacas
sagradas, quando estas resolvem deitar-se no meio das ruas.
Arlindo Silva assistiu à queda de Perón, em 1955, e, pouco tempo depois, estava escrevendo sobre a
rebelião de Jacareacanga, na Amazônia. O veterano repórter de
"O Cruzeiro" não se limitaria, porém, a isso, pois cobriu também fatos policiais, como o célebre crime
do Sacopã, a morte da jovem Aida Curi e o massacre dos índios
por seringalistas e donos de castanhais do Xingu.
Quando Getúlio Vargas se suicidou em 1954, Arlindo Silva era o único repórter que se encontrava no
Palácio do Catete e chegou a ver o ex-presidente morto, ainda
no seu leito, vestido com o célebre pijama listrado, com a mancha de sangue no lado do coração.
Arlindo Silva tem outros dois livros publicados: "O Romance de Myriam Bandeira de Mello", de 1949, e
"Memórias de Tenório Cavalcanti", de 1954, célebre deputado
e pistoleiro de Caxias, mais conhecido como "Homem da Capa Preta".