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domingo, 29 de janeiro de 2012

A noite do fantasma - Romance diferente, mas bom

A NOITE DO FANTASMA
Anne Stuart

Prefácio
O homem amava a noite. A sentia ao seu redor como um manto suave de escuridão que proporcionava uma segurança tão importante como o ar ou a comida. De dia tinha
que esconder-se, eram horas que tinha que deixar passar, mas à noite revivia. O sangue corria alegremente por suas veias, seus pulmões se enchiam de ar e, com a
proteção das sombras, tudo era possível
Ficou sentado na cadeira, completamente imóvel, deixando que a noite o envolvesse. Era capaz de passar horas sentadas assim, sem mover um só músculo, absorvendo
a escuridão em sua alma
No dia seguinte, sua preciosa escuridão seria violada.Antes nunca havia sido juiz e achava a idéia curiosamente sedutora. Em um mundo injusto, ia repartir justiça.
Queria que Reese Carey pagasse por seus crimes e esperava usar seus enormes poderes para fazê-lo de modo efetivo
E logo voltaria a retirar-se à escuridão. Triunfante nas sombras da noite, voltaria a ficar só e contente, um fantasma que aterrorizava aos habitantes de Oak
Grove. Ethan Winslowe, uma criatura que assustava a meninos e adultos. Um monstro disforme, um espectro da escuridão. Um fantasma da noite


Capítulo Um


Megan Carey se disse que não havia nenhum motivo para sentir-se culpada. Pela primeira vez em vinte e sete anos, ia fazer algo irresponsável, romântico e maravilhoso,
Iria para a Europa com suas malas, seus cheques de viagem e um cartão de crédito abastecido o bastante para lhe permitir viver até que ela, e só ela, decidisse que
havia chegado o momento de voltar
Seus colegas de trabalho da Construções Carey haviam preparado para ela uma magnífica festa de despedida. Um pouco desproporcional, talvez, tinha em conta os
poucos anos que estava na empresa, mas em perfeita concordância com as boas relações que mantinha com todos. O fato de que fosse a filha única do dono havia sido,
mais uma desvantagem que um incentivo, mas seus companheiros haviam se esmerado para lhe dar uma festa digna de alguém que tivesse passado cinqüenta anos na companhia.
Meg a aceitava com alegria e gratidão, cedendo o poder livrar-se daquele terrível sentimento de culpabilidade
Depois de tudo, não ia deixar seu pai na mão. Havia trabalhado para aquela empresa, fundada por seu avô, desde que entrou na universidade. Durante as férias
havia desempenhado todos os postos imagináveis até chegar a aprender o negócio da construção de baixo. Construções Carey não era uma companhia de construção qualquer.
Reese Carey a havia convertido em um negócio multinacional. Construía mansões para milionários, enormes arranha-céus de escritórios e impressionantes edifícios oficiais.
A empresa tinha muito boa reputação, e Megan se sentia orgulhosa
Mas estava cansada daquilo. Cansada de trabalhar a todas as horas, cansada de estar tão unida a seu pai que parecia carecer de vida própria. Cansada de ocultar
seus desejos de viver uma vida de aventuras. E agora, por fim, ia deixar-se levar por aqueles desejos. Deixaria de lado o sentido comum que sempre havia regido sua
vida e marchar rumo à aventura
Seu pai não havia aceitado bem aquela decisão. Mas ela não havia cedido. O momento era bom para partir. Seu pai ia voltar a casar-se depois de cinco anos de
viuvez e sua prometida era uma mulher sensata e atraente, que conhecia o negócio tão bem como a própria Megan. Reese estaria tão ocupado com sua nova esposa que
não teria tempo de sentir falta dela
Mas, nas ultimas semanas, seu pai havia se mostrado muito preocupado, quase desesperado. Sempre que lhe perguntava que o ocorria, insistia em que ia sentir falta
dela, mas, apesar de seu sentimento de culpa, a jovem não acreditava que era só isso
Havia revisado o estado financeiro da companhia, assim como as contas privadas de seu pai, temendo que estivesse a beira da bancarrota e não houvesse dito nada.
Mas, tanto a construtora como Reese Carey pareciam estar muito bem
Aceitou um copo de champanha frances que o oferecia um companheiro do departamento de contabilidade, saudou uma das secretárias de seu pai e circulou entre a
multidão. Quatro dias depois, ela tomaria o avião para Nova Iorque. Havia se concedido dois dias para ir de carro de sua casa em Chicago até a Costa Leste e logo
começaria sua aventura. Mas antes havia um último esforço por averiguar que era o que atormentava a seu pai.
Seu pai não estava à vista. Havia circulado um momento por entre os convidados, saudando uns e outros com sua habitual cordialidade e logo havia desaparecido.
Podia estar em qualquer lugar do elegante edifício de escritórios construído sete anos atrás segundo o projeto do famoso Ethan Winslowe, mas queria saber onde poderia
encontrá-lo.
A porta de seu escritório no vigésimo andar estava entreaberta. Viu que saía uma luz por ela e vacilou um momento, perguntando-se se não iria interromper alguma
cena rornântica entre o Reese e Madeleine. Mas não. Havia visto a mulher conversando em baixo. Seu pai estaria sozinho. Era o momento ideal para uma última conversa
cara a cara.
O carpete abafou o som de seus passos, apesar de que usava sapatos de salto alto para compensar o pouco mais de metro e meio que media. Abriu a porta de tudo,
sorridente, e fico paralisada de horror.
Reese Carey estava sentado em sua cadeira de couro, de costas para ela, olhando para fora. Tinha um revolver na mão e estava apoiado contra sua têmpora.
Por um momento, o pânico paralisou Megan. Queria gritar, mas sabia que o susto podia fazer que apertasse o gatilho. Segurou o fôlego uns momentos e logo falou
com suavidade. .
- Papai?
O homem girou na cadeira e colocou o revolver sobre a mesa do escritório. Sua cara, normalmente vermelha e alegre, estava terrivelmente pálida.
- Meg - disse com voz rouca.
A jovem andou da porta a suas costas e se aproximou dele..
- Que diabos está acontecendo aqui? - perguntou, com voz estridente a causa do medo - Não dê mais desculpas. Não penso tolerá-lo. O que é que te ocorre?
Seu pai permaneceu um momento em silêncio. Logo cobriu o rosto com as mãos e começo a soluçar..
- Por que iria se matar? Papai, não está doente verdade?
O homem levantou a cabeça..
- Estou em uma confusão. Uma confusão muito grande. E não vejo nenhuma saída..
- Não pode ser financeiro. Quando começou a ficar tão estranho, verifiquei nossas contas. Temos muito dinheiro, muitos contratos, boas perspectivas..
- Não por muito tempo. Não se Ethan Winslowe consegue o que quer.
Megan se sentou em frente de seu pai..
- Que tem que ver Ethan Winslowe com isto?.
- Se propôs a me destruir -disse Reese..
- E por que um arquiteto ia querer te destruir ? Se nem sequer o conhece. É um excêntrico que nunca sai de sua casa. Que pode ter contra ti? Construiu muitos
de seus projetos, ajudou-o a conseguir a reputação que tem agora. Por que ia querer te fazer mal?
Seu pai se encolheu de ombros..
- Não sei. Esse homem está louco. Por isso eu sei, ninguém nunca o viu . Uns dizem que tem muitos defeitos físicos. Outros, que simplesmente tem agorafobia.
Não importa. A única certeza é que está louco e que está atrás de mim..
-- Todavia não me disse por que. Deve ter algum motivo. Se não fosse assim como poderia te fazer mal? Nem sequer parece ter telefone onde quer que viva..
- Em Ooak Grove -disse Reese - E pode me fazer isso. Não o duvide..
- Por quê? -perguntou sua filha, com aspereza.
Reese ficou pensativo um momento e em seus olhos apareceu uma luz que Megan conhecia muito bem. Significava que estava considerando até que ponto podia dizer
a verdade..
- Recorda o Centro do Ane do Springfield?.
- Como ia esquecer?
O desmoronamento do telhado havia causado a morte de dois operários e ferido a muitos mais..
- A investigação demonstrou que não havia sido culpa da companhia - acrescentou.
-Sim. - disse Reese, com voz lúgubre.
- Foi culpa de Winslowe .Verdade? Castigaram-no de algum modo?.
- Nunca puderam provar nada. .
- E Winslowe te acusa disso? Cinco anos depois decidiu que você o enganou?.
- Não. Demorou cinco anos em descobrir que em realidade foi minha culpa.
Megan respirou fundo .
- Como pôde ser? Só seguiu seus desenhos. Soube o que fazia..
- Tentei diminuir os custos. Se viu seus planos. Sempre usa os melhores materiais. Um homem como Winslowe não tem sentido de economia. Acredita que o dinheiro
é como a água. Não utilizei as armações necessárias para suportar tanto peso..
- Então mudou suas especificações? -perguntou ela.
Não tinha vontade de ouvir mais. O pesadelo do desmoronamento do telhado do Centro de Arte era algo que nenhum deles poderia esquecer nunca. O único consolo
havia sido pensar que não havia sido culpa dela..
- Sua mãe acabava de morrer - gritou Reese - Eu não podia pensar com clareza. O negócio atravessava um momento duro e pensei que, se economizasse algo nas armações,
poderíamos dispor de mais dinheiro. Nunca acreditei que fosse desmoronar daquele modo. Se Winslowe utilizasse diga-se nos normais, não haveria ocorrido nada..
- Isso é o que faz que Winslowe seja tão especial. Faz as coisas a seu modo e, se seguir suas especificações ao pé da letra, tudo sai bem. Papai como pôde?.
- Não houve nem um só dia em que não tenha me reprovado, em que não me tenham atormentado os remorsos. Sabe que cuidamos bem das famílias das vítimas. E também
que não voltou a ocorrer nada semelhante..
- Mas Ethan Winslowe descobriu..
- Não sei como o fez. Esse homem é muito misterioso. E agora vai destruir-me..
- Se tranqüilize -disse Megan-. Que pode fazer exatamente?.
-Tem provas, ou isso é o que diz. A semana diz que vai entregá-las ao F.B.I, a menos que me ocorra alguma razão pela que não deva fazê-lo..
-Isso parece chantagem..
-Não será dinheiro o que quer. Tem mais do que possa necessitar. Não sei o que quer de mim. É inútil, Meg. Não há saída..
-Não seja ridículo -repôs ela, com voz fria-. Não pode se acovardar agora. Cometeu um engano. Um engano trágico. Mas sofreu por isso. Fez o possível por emendá-lo.
Quem diabos acredita que é para te julgar?.
-Suponho que está um pouco louco..
-Deve haver algo que possamos fazer..
-Tenho que ir a sua casa de Oak Grove antes de sábado. Se não tiver notícias minhas , seguirá adiante e me destruirá..
-Não pode ligar para ele?.
-Não tem telefone. Sabe tão bem como eu. - Não responde às minhas cartas. E estou seguro de que suplicar sua compaixão não me servira de nada. Vai destruir-me,
Meg. Não há saída. A menos... .
-A menos?.
-A menos que você vá em meu lugar. Esse homem não pensou bem. Não pensou que vai não só destruir a um homem,a uma família também , uma empresa, milhares de vidas....
-Centenas -corrigiu ela, friamente-. Vejamos se entendo bem. Quer que vá até Oak Grove e defenda seu caso em seu lugar?.
-A mim não escutará. A única coisa que quer é vingança. Te escutará. Teria que estar cego para não fazê-lo Irá, Meg? Vai salvar-me?
A jovem sabia que estava apanhada. Se não queria que morresse de remorsos, não teria outra opção..
-Meu bilhete de avião...
-É para terça-feira. Poderia ir a Oat Grove, passar uma noite ali e dirigir até o aeroporto a tempo de pegar o avião.
-E por que não posso ir de avião a Oak Grove?.
-Meg, apenas está no mapa. O aeroporto mas próximo está a cinco horas de distância. Teria que alugar um carro e...
-Tem tudo muito bem planejado - disse ela suspicaz
Seu pai se ruborizou.
-Sou um homem desesperado, filha. Pensei em todas as possibilidades. Não lhe pediria nunca... .
-Já o fez - assinalou ela. - O fará? - A jovem não vacilou. Sabia que não tinha escolha..
--É obvio -disse-. Mas voar até o aeroporto mas próximo e enviar o resto de minhas coisas a Nova Iorque para as faturar no vôo a Londres
Seu pai se levantou, cheio de energia.
-Vou procurar os papéis que enviou a Winslowe. Oak Groeve está quase fora da civilização, mas tenho um mapa bastante bom.
Megan o observou sair da sala, franzindo o cenho. O havia visto outras vezes conseguir o que queria e conhecia os sintomas. Em um impulso, inclinou-se sobre
a mesa e pegou o revolver. Como esperava, estava descarregado. Toda a cena havia sido preparada exclusivamente em benefício dela.
Sentiu vontade de partir e não voltar mais. Ele havia planejado mais uma vez para apanhá-la, justo no momento em que estava a ponto de reclamar sua independência.
Por outro lado, fazer isso eliminaria seu sentimento de culpa. Se convencia Ethan Winslowe de que não apresentasse queixa, ganharia sua liberdade. Apesar de
sua reputação, aquele homem não podia ser completamente irracional. Ela tinha um dom especial para as negociações, para conseguir que o oponente visse as coisas
desde seu ponto de vista. Dom que seu pai havia utilizado freqüentemente.
Daquela vez o utilizaria para algo mais que para conseguir as melhores condições possíveis em um contrato. Tinha que lutar por seu pai e por ela mesma. Se Ethan
Winslowe seguia empenhado em sua vingança, não poderia partir de Chicago. Teria que ficar a apoiar a seu pai na adversidade.
Devolveu o revolver à mesa e se reclinou na cadeira. Esperava-a um fim de semana terrível.


*****

Umas horas depois descia do avião no pequeno aeroporto municipal de Benningtn, Tennesess. O vôo havia sido acidentado, com muitas turbulências e, quando ao fim
aterrissou em terra firme, sentia-se cansada, dolorida e zangada ao pensar que teria que dirigir durante cinco horas
Oak Grove era um povoado pequeno situado entre o Kemuchy, Arkansas e Missouri. Nenhum dos três Estados tinha muito empenho em reclamá-lo e podia presumir de
ter pertencido aos três nos últimos cem anos. Naquele momento fazia parte do Arkansas, mas isso provavelmente não duraria muito
O único carro para alugar era um velho Ford que carecia de molas de suspensão. Enquanto conduzia nas horas que precediam ao amanhecer, disse-se que tudo teria
melhor aspecto quando saísse o sol, se tinha a sorte de que saísse. Havia névoa e o clima não tinha ar muito primaveril. Em alguma parte, mais além da estrada,
o campo devia estar cheio de azaléias e tulipas. Mas a única cor que ela via era o cinza
A estrada se estreitava ao começar a subir as colinas. Ai faltavam mais de setenta quilômetros para chegar a seu destino, quando o asfalto se transformou em
cascalho. Viu-se obrigada a reduzir a velocidade e considerou por um momento a possibilidade de sair da estrada e dormir um momento. Não havia visto nenhum outro
veiculo desde por volta de três horas. Não era provável que passasse alguém por ali.
Mas não podia fazê-lo. Desejava desesperadamente chegar a Oak Grove. Quanto antes enfrentasse Ethan Winslowe, antes poderia voltar para aquele horrível aeroporto
e ao horrível avião. Faltavam menos de setenta e duas horas para seu vôo de Nova Iorque a Londres e teria o tempo justo de chegar ali.
Ademais, tinha que admitir que sentia medo. Medo de enfrentar-se com Ethan Winslowe e medo do que encontraria ali. Medo também de que suas suplicas caíssem em
ouvidos surdos e aquela terrível viagem na escuridão resultasse ser uma perda de tempo
Quando chegou a Oak Grove esteve a ponto de passar direto. A garoa cinza havia diminuído ligeiramente, o sol se esforçava por sair entre as nuvens e eram onze
horas da manhã. O tanque de gasolina do Ford estava a ponto de acabar quando viu um grupo de edifícios que sugeriram que a civilização estava perto. Passou entre
eles, olhando a seu redor, mas logo deixou de ver qualquer vestígio de civilização. Umas milhas atrás havia visto um sarnento posto de gasolina, perto do que parecia
uma loja abandonada. Não tinha mais remédio que voltar.
Daquela vez viu o marcador. Cheio de ervas e poeira até o ponto de ficar quase ilegível, havia um letreiro que dizia: "Oak Grove. Fundado em 1835". Debaixo,
alguém havia escrito algo com uma navalha. Parou o carro e olhou as letras. "Perdido em 1902", dizia.
Ao deter-se o lado da bomba de gasolina, um arrepio lhe percorreu a espinha dorsal. Não reconheceu a marca da gasolina, mas esperava que aquele velho aparelho
contivesse algo que fizesse funcionar o carro. Ficou sentada ali, esperando.
Viu uma igreja. Todo rastro de pintura havia desaparecido e a parte frontal estava coberta de erva, mas as janelas estavam intactas e um pôster anunciava os
serviços que o lugar teria durante a semana. A seu lado havia uma loja em ruínas, em cujas janelas se viam latas de comida e roupas antiquadas. Oak Grove dava a
impressão de ser um povoado fantasma. As casas eram escuras e pareciam desabitadas. As ruas estavam desertas e tenebrosas. Em conjunto, parecia um lugar no que ninguém
em seu são julgamento quereria viver ali. .
-Encher?
Deu um grito, verdadeiramente assustada. -Sim, por favor -repôs, levando uma mão ao coração --. Sinto muito. Assustou-me.
-Sim -disse o homem - Tenho por costume fazê-lo
Megan pensou que era um digno habitante de um povoado fantasma. Era impossível adivinhar sua idade e se movia com uma lentidão exasperante. Voltou a olhar as
casas e notou pela primeira vez que alguém separava as cortinas. As pessoas a estavam observando..
-Não aceito cartões de credito -disse o homem, quando terminou.
Observou-a com interesse enquanto a jovem inspecionava sua carteira. .
-Vai de passagem? -perguntou -. Por aqui não costuma passar ninguém.
-A verdade é que estou procurando a alguém -repôs ela, lhe estendendo uma nota de vinte dólares..
-De verdade? -perguntou, com pouco interesse..
-Um homem chamado Ethan Winslowe. Vive por aqui verdade?

Se antes havia se mostrado distante, pareceu então esfriar-se até mais..
-Winslowe não gosta das visitas. Será melhor que siga seu caminho -disse..
-Vim vê-lo -respondeu ela, com firmeza-. Tenho uma entrevista com ele..
-Não quererá vê-la. Esse homem não vê a ninguém e ninguém quer vê-lo. Dizem que a última pessoa que o olhou aos olhos ficou cega
Megan abriu muito a boca.
-E está também a velha senhora Maclnerny. Viu-o um dia em que havia saído para dar um passeio e após não voltou a ser a mesma. É um filho do diabo, moça. Ninguém
está seguro se é real ou não, se está morto ou vivo. Alguns dizem que é um fantasma, mas a verdade é que ninguém deseja averiguá-lo. Será melhor que se vá daqui
antes que se meta em alguma confusão..
-Não penso ir a nenhuma parte que não seja a casa de Winslowe. Eu não acredito nessas tolices.
-É seu funeral -anunciou o homem, com certa satisfação-. Não diga que não a adverti.
-Me advertiu, sim. Mas todavia não me disse como posso encontrá-lo.
-A primeira à esquerda. Siga dirigindo e chegará à velha casa de Meredith antes do que espera.
-A casa de Meredith?
-Seu avô. Ninguém em seu são julgamento quereria viver ali, mas Winslowe não está em seu são julgamento. Todo mundo sabe.
E, sem, mais, desapareceu no desmantelado edifício, fechando a porta atrás dele.
Megan decidiu que aquilo era o melhor que podia ter feito. Tendo em conta as respostas que havia dado até o momento, havia sido uma loucura fazer, mais perguntas.
O melhor seria esperar para ver o que se encontrava ao final de sua viagem.
Levou meia hora avançar pouco mais de cinco milhas. A estrada se transformou em um pântano lamacento e custou trabalho ao velho Ford cruzá-lo. Estava tão ocupada
concentrando-se em dirigir que não teve tempo de olhar para frente. Quando o caminho se acabou por fim, parou o carro e ficou sentada, com uma mescla de horror e
assombro no olhar


Capítulo Dois


O aspecto do povoado e os desenhos de Ethan Winslowe deveriam havê-la preparado para o que ia encontrar ao chegar por fim à casa. Meg havia visto quase todos
os edifícios que aquele homem havia projetado. Alguns eram tão exóticos que ninguém estaria disposto a viver neles
Mas aquela casa velha superava a todas suas fantasias ou pesadelos. A fachada não tinha nada de particular, era vitoriana de amplos alpendres do século anterior.
Mas de ambos os lados se espalhavam um estranho aglomerado de adições; asas, agullones e torrezinhas de todos os estilos imagináveis, do grego-romano até o Bauhaus
moderno, passando pelo campestre francês. Era como se seu arquiteto tivesse se tornado completamente louco e decidido transformar a casa em uma escola de estilos.
Meg sentiu um momento de pânico e olhou a seu redor em busca do melhor lugar para dar a volta ao carro e escapar dali.
O veiculo havia se atolado no barro. Tentou pô-lo em marcha, mas não se moveu. Ao final, não teve, mais remédio que sair no barro. Amaldiçoou-se por usar sapatos
de salto alto e maldisse a chuva que caia nesse momento com fúria, formando atoleiros a seus pés. Era quase o meio dia do sábado. O ultimato de Reese terminava às
cinco da tarde e, entretanto, parecia que não esperavam ninguém.
Avançou sob a chuva até a porta dianteira. Das janelas da varanda caíam cortinas, em concordância com aquele estilo da casa. Também serviam para ocultar os habitantes
de sua vista , que, em troca, podiam observá-la. Procurou acalmar-se. Disse a si mesma que havia se deixado assustar pelo velho do posto. Aquilo não tinha nada de
sinistro. Só era uma velha casa em que vivia um homem brilhante que tinha que tratar assuntos com seu pai. Assuntos dos que pensava encarregar-se com rapidez e eficácia
para poder voltar quanto antes à luz e a civilização.
Observou o eco da campainha no interior da casa. Estavam a últimos dias de abril, mas a chuva era fria nas montanhas e Megan estremeceu. Estava a ponto de voltar
a chamar a campainha quando alguém abriu a porta.
-Quem é você e o que quer? -perguntou um homem secamente.
A jovem o olhou, Aquele não era Ethan Winslowe, disso estava segura. Era um gigante que media quase dois metros de altura e tinha uns ombros e antebraços enormes,
cabelo cinza e cara seria. Supôs que teria ao redor de sessenta anos e parecia muito pouco amistoso.
Teve que fazer provisão de todo seu valor para não retroceder.
- Procuro por Ethan Winslowe.
-Isso é o que procuram todos. O senhor Winslowe não recebe visitas. Vá-se.
-Parece-me que a mim receberá. Sou Meg Carey. A filha de Reese Carey.
O homem vacilou um momento.
-Onde está o velho? -perguntou.
Meg demorou um momento em compreender que se referia a seu pai.
-Em Chicago.
-Volte e lhe diga que seu tempo se esgotou.
-Gostaria que isso o senhor Winslowe me dissesse isso . Vim de muito longe só para vê-lo.
-Ninguém a convidou. Parta.
Tentou fechar a porta, mas a jovem teve a suficiente presença de espírito para introduzir seu pé na casa.
-Pergunte ao senhor Winslowe se quer me receber -disse de novo, com firmeza.
O gigante tornou a rir, produzindo um ruído desagradável que lhe provocou calafrios.
-O perguntarei -disse ao fim-. Por seu próprio bem, será melhor que diga que não.
E, ante sua surpresa, abriutoda a porta.
Não estava muito segura do que havia esperado encontrar-se, mas o vestíbulo e a sala de estar eram claras e limpas, quase exemplos perfeitos da época vitoriana.
O homem lhe indicou um dos sofás.
- Sente-se ali. Veremos o que diz. Mas não fique muito confortável.
Megan pensou que aquilo não era muito provável. A sala estava escura como em um dia tão nublado e o homem não havia se incomodado em acender nenhuma luz. Olhou
a seu redor em busca de uma lâmpada ou um interruptor de luz, algo que afastasse as tétricas sombras, mas não encontrou nenhum.
Ficou de pé com incredulidade e começou a percorrer a sala. Olhou atrás dos móveis de estilo vitoriano procurando algum rastro que indicasse que havia eletricidade
naquela casa, mas não encontrou nenhum.
-Esta procurando algo?-disse a mesma voz rouca a suas costas.
Megan se endireitou, consciente de que se havia.
-Um interruptor de luz.
-Não há nenhum. Ao menos não nesta parte da casa, que é onde ficará você.
-Ficarei?.
-Sim. Ethan disse que, já que seu pai é muito covarde para vir aqui, falará com você. Vou mostrar seu quarto.
-Eu não quero ficar -disse ela, tentando controlar o pânico que a embargou de repente -. Só quero falar com o senhor Winslowe e depois ir embora. Não acredito
que haja nenhum problema nisso.
-Sim há -zombou o velho-. Para começar, senhorita, seu carro está tão atolado no barro que terá que tirá-lo com uma pá mecânica e aqui não há nenhuma e não
a haverá até que venham os operários na segunda-feira pela manhã. E ademais, Ethan recebe às pessoas quando quer. Depois de anoitecer. Assim que me siga e fique
confortável porque você não vai partir daqui até que o diga que pode fazê-lo.
A jovem o olhou com incredulidade.
-Não posso...
-Sim pode -repôs o outro, implacável-. E não creia que vai poder sair daqui sem seu carro. Não há ninguém que possa ajudá-la em cinqüenta milhas ao redor. E
eu me asseguraria de que você não corresse nem a décima parte dessa distância. Ethan diz que falará com você e isso é o que fará. Meu trabalho é me ocupar de tudo
o que me ordena e me ordenou que me ocupe de você. Assim que deixe de protestar mostrarei seu quarto. Faltam cinco horas para que escureça e, inclusive então, pode
ser que Ethan não esteja preparado. Você tem aspecto de necessitar um descanso.
Megan ficou um momento em silêncio. Tudo aquilo parecia muito irreal. Dezoito horas antes, havia estado desfrutando de sua festa de despedida. E naquele momento
estava presa naquela casa estranha, sem luz, longe da civilização, com o carro enterrado no barro e um guardião decidido a que não saísse dali.
A idéia de sair correndo lhe passou pela cabeça, mas o homem já o havia dito que seria uma perda de tempo. Sabia que não mentia ao dizer que no povoado de Oak
Grove não a ajudaria ninguém.Respirou fundo.
-Parece boa idéia -disse-. Há alguma possibilidade de poder dispor de água corrente para me lavar?
-Você terá um banheiro privado. A torneira funciona bem e há água quente de sobra para nós três. Tem alguma mala no carro?
-Sim, alguém -disse em tom ausente - Nós três?
-Ethan, você e eu. Sou Salvatore. Eu cuido da casa.
-Isso é tudo? Não há nenhuma... Enfermeira? - O gigante a olhou fixamente um momento. --Para que queremos uma enfermeira? Eu posso fazer tudo que necessite Ethan.
Também sou bom cozinheiro. Incomoda-lhe?
-Não, é obvio que não.
-Então me siga. E tome cuidado. Na casa há alguns trechos traiçoeiros.
Tinha razão. Enquanto o seguia atraves dos corredores vitorianos, tudo foi bem. Mas quando chegaram às seções novas, as coisas mudaram. Não entrava luz suficiente
que iluminasse os estranhos corredores. Giraram a esquerda e direita, subiram e baixaram escadas. Alguns corredores tinham luz elétrica, mas a maioria carecia dela.
Aos cinco minutos daquele percurso interminável, Megan desistiu de tentar memorizar o caminho. Não sabia se Salvatore a levava em círculos deliberadamente ou se
a casa era na verdade aquele labirinto. Ao recordar o incrível exterior, pensou que provavelmente se tratava do último.
O gigante parou por fim em um corredor estreito construído em pedra e empurrou uma pesada porta de madeira rangeu ao abrir.
-Aqui era onde pensávamos alojar a seu pai- anunciou-. É o único quarto habitável da casa.
Disso ela não estava muito segura. Enquanto aquela parte da casa se assemelhava a um castelo medieval, o quarto que lhe deram se parecia bem a uma masmorra.
O colchão que havia no chão provavelmente não era de palha, mas tampouco tinha pinta de ser muito cômodo. Havia uma manta marrom dobrada em um dos extremos. Uma
pequena almofada completava o resto do mobiliário. Não havia cadeira, nem mesas; nada, além de um lixo em um extremo do quarto. Aproximou-se dele..
- Este é o encanamento moderno? - pergunto com desprezo
Salvatore encolheu de ombros e logo balançou para uma porta situada em uma das paredes. Tirou um anel de chaves, digno de um carcereiro medieval, meteu uma na
fechadura e abriu a porta.
-Ethan há disse que você podia utilizar o banheiro.
Meg não se moveu. Detrás do corpo do homem viu um impressionante banheiro com uma enorme banheira de mármore e uns brilhantes candelabros de parede, repletos
de velas apagadas.
-Ethan obrigaria a meu pai a utilizar o balde?
-Esta não era uma visita de cortesia, senhorita Carey -disse o-. Tem fome? Necessita algo?
-Nada -disse, ignorando o vazio de seu estomago.
Não pensava aceitar nada daquela casa, nada exceto sua liberdade.
-A menos que queira dizer ao senhor Winslowe que eu gostaria vê-lo o mais cedo possível. Quero partir quanto antes.
-Já lhe disse que não poderia ir até na segunda-feira. O carro está atolado.
-Mas deve haver outros veículos aqui...- Salvatore negou com a cabeça. -Não temos carros, senhorita Carey, não os necessitamos. Não, se esqueça que eu falei
que só poderá sair na segunda-feira, esqueça o relógio e espere -disse o gigante, avançando para a porta.
Megan não desejava ficar a sós naquele lugar frio e escuro. Estava já tiritando e, até a rude companhia do Salvatore, tivesse sido um alívio. Um alívio que não
estava disposta a suplicar.
-Esta bem. Se necessitar algo, irei para buscá-lo.
-Não, não o fará. Temo-me que tenha que encerrá-la. Esta casa é muito perigosa para deixar que ande sozinha por ai. Voltarei dentro de um par de horas.
A jovem ficou tão atônita que foi incapaz de dizer nada. Salvatore fechou a porta e a escuridão a envolveu. As janelas eram estreitas e muito altas e logo que
deixavam acontecer nenhuma luz.
Por um momento sentiu vontade de gritar, de aproximar-se da enorme porta de madeira e começar a golpeá-la. Teve que utilizar toda sua força de vontade para permanecer
imóvel
Respirou profundamente várias vezes. Disse que aquilo podia ser pior. Salvatore havia deixado uma caixa de fósforos e havia vela nos candelabros das paredes.
Em sua bolsa havia duas barras de chocolate e uma novela de ficção ciêntífica ao meio ler. A situação não era tão negra como havia pensado a princípio, particularmente
se ignorava o fato de que estava trancada.
Comparado com sua masmorra, o banheiro resultava verdadeiramente luxuoso. As toalhas eram grosas e brancas e havia incluso um penhoar, como os que revistam encontrar-se
nos hotéis de luxo, pendurado na porta. A água quente era tão abundante como o havia prometido e encontrou uns sais de banho que fazem ondas a jacintos
À uma e quarenta e cinco do sábado, quando devia haver-se encontrado de caminho a Nova Iorque para viajar a Europa, achava-se trancada em uma masmorra, tomando
um banho perfumado à luz das velas e até gostando disso.
Ao envolver-se no penhoar, as bordas penduraram até o chão. Outra das vantagens daquele lugar era que não havia espelhos nos que olhar-se nua ao sair do banho.
Seu corpo era uma fonte constante de humilhações para ela. Era rechonchudo e pesava cinco quilos a, mas e não emagrecia apesar do muito que se esforçava por controlar
a comida e fazer exercício.
O colchão terminou sendo mais cômodo do que havia imaginado. A suavidade do penhoar impedia que a manta de lã lhe picasse e o travesseiro era de plumas. Sentou
se com as pernas cruzadas, e comeu a barra de chocolate e logo se tombou disposta a ler sua novela.
Seus gostos em ficção ciêntífica se concentravam em novelas românticas de extraterrestres escritas por mulheres. O herói daquela era muito estranho até para
os gostos de Meg. Um lagarto alto e verde, com pequenas escamas em lugar de pele, que havia se transformado em um globo de aspecto gelatinoso na metade do livro,
deixando a heroína, de aparência terrestre, frustrada e intacta. A jovem havia deixado de ler ao chegar a aquele ponto, mas nesse momento estava disposta a ler algo
que apartasse sua mente de sua situação atual. O único problema era que aquele enorme globo verde recordava Ethan Winslowe. Em algum lugar daquela enorme casa, estava
o escondido como uma aranha gigantesca diabólica, esperando-a
Não devia pensar nisso. Talvez estivesse doente, ou talvez fora o próprio Salvatore. Mas fosse o que fosse, ela se enfrentaria com calma e valor. Arregalaria
seus assuntos e logo se marcharia de ali.
Com um suspiro de resignação, voltou sua atenção às tribulações românticas de Medora e, antes de dar-se conta, havia dormido.
O quarto estava muito escuro. A única luz provinha dos monitores de televisão. Salvatore abriu a porta e a colina silenciosamente detrás dele. Via bem na escuridão,
Tinha olhos de gato.
-Que pensa dela? -pergunto, reclinando-se contra a porta.
O homem sentado na cadeira não se moveu.
-De que cor é seu cabelo? -perguntou Ethan com voz profunda.
Salvatore olhou a tela do televisor branco e preto. Meg Carey estava deitada no colchão envolta no penhoar branco. Uma novela de bolso havia caído de sua mão.
-Loira -disse-. Loira escura, com mechas mais brilhantes, como a luz do sol.
-A luz do sol --repetiu Ethan.
-Agradáveis olhos azuis. Amistosos e grandes. Um corpo também agradável, não muito magro. Mas isso já o vê você, não?
A jovem havia se movido em sonhos, ficando deitada de costas e o penhoar havia escorregado, deixando ao descoberto a cálida curva de seu seio. Um segundo depois,
a tela ficou negra, apagada por um imperceptível movimento da mão de Ethan. As demais telas seguiram acesas, mostrando quartos e corredores vazios.
-Me refresque a memória, Salvatore. Que sabemos de Megan Carey?
O homem lançou um pequeno suspiro de alívio.
-Vinte e sete anos. Filha única, muito unida a seu pai. Licenciou-se na Universidade de Chicago e se doutorou em Nortwestern. Até ontem, trabalhava para Construções
Carey. Deixou o emprego para dedicar-se a viajar, ou isso é o que se diz. Talvez se tenha informado do que faz seu pai e tenha querido partir em lugar de cair com
ele.
-Não é provável. Se tentasse escapar, não teria vindo aqui. Que sabemos de sua história pessoal?
-Duas relações amorosas. Uma com um companheiro de estudos, que durou a maior parte de seu primeiro ano na universidade. Aparentemente o deixou quando se inteirou
de que consumia droga. A outra com um executivo de sua empresa. Isso terminou quando ele começou a sair com outra mulher. Sai com homens de vez em quando, mas não
parece ter nenhuma relação seria. Lê ficção científica e novelas de mistério, gosta da comida italiana e visita um ginásio três vezes por semana.
-Tão eficiente como sempre -disse Ethan-. Nunca deixa de me surpreender.
-Eu gosto das provocações -repôs o outro, com modéstia-. Teve varicela, sarampo, rompeu um braço em um acidente de moto e teve um benigno sopro no coração.
Nenhum aborto nem gravidez. O computador de seu médico é muito fácil de interceptar.
-Crê que sabe de seu pai?
-Por isso eu sei, não. É bonita por seu senso de humor. Se suspeitasse o que ele esteve fazendo, teria o obrigado a deixá-lo. Talvez não o tivesse denunciado,
mas lhe tivesse impedido de continuar.
-Talvez -murmurou Ethan-. Ou talvez não. Já o veremos. Gosta de ler verdade?
-Algo exceto novelas de terror. Suponho que se assusta com facilidade
A gargalhada do Ethan poderia aterrorizar um fantasma.
-Arrume tudo para transportá-la ao quarto do torreão. Lhe dê mais comodidades, incluída uma cama decente. Talvez tenha que buscar, mais roupa. Deve saber qual
é seu numero.
-Sim, a de sua roupa, a de seu sutiã e seu numero de calçado. Verei o que posso fazer. Algo especial para o quarto do torreão ?
-Sim. Nenhum livro, exceto as novelas de Stephen King
Salvatore sorriu.
-Não lhe disseram alguma vez que é diabólico, Ethan?
-Sim. - riu. - Muitas vezes. Faz o que te digo, amigo.
-Às suas ordens, professor -- Riu o outro, dispondo-se a sair.
O homem da cadeira não se moveu. Observou um momento os monitores que tinha diante e logo, com um movimento imperceptível, ascendeu o do meio.
Meg Carey jazia no centro do colchão. O penhoar havia se aberto o suficiente para deixar à vista suas bem formadas pernas. Seu cabelo era espesso e caia até
os ombros. A cor da luz do sol, havia dito Salvatore. Uma recomendação interessante para um homem que evitava a luz do sol.
Quando seu companheiro lhe disse que Reese Carey havia enviado a sua filha em seu lugar, havia se posto furioso. Mas, quanto a viu, compreendeu que aquilo faria
tudo muito, mas interessante. A justiça ou a vingança, não estava muito seguro de como chamá-la, seria assim muito mais doce e Reese Carey, com sua cega covardia,
havia posto nas suas mãos o instrumento perfeito.
Ethan Winslowe estava impaciente que chegasse a noite e começasse o jogo.


Capítulo três


Quando Meg despertou umas horas, mais tarde, o quarto frio de pedra parecia, mais uma tumba que uma masmorra. A pobre luz das velas oscilava na escuridão movida
por um vento invisível. A jovem ficou imóvel, tremendo sob a manta.
Sentou-se, apartou o cabelo da cara e apertou o penhoar contra o corpo. A pouca luz que antes entrava pelas janelinhas havia desaparecido. Esperava que seu carcereiro
se dignasse vê-la logo.
Vestiu-se e estava sentada sobre o colchão tentando ler à luz das velas quando ouviu o ruído de uma chave na fechadura. Ao ver uma sombra, conteve o fôlego até
que viu a imensa sombra do Salvatore e pausa aliviada.
-Descansou bem? -perguntou-lhe o homem.
-Não -repôs, com voz tranqüila. Não tinha intenção de demonstrar quão assustada estava.
-Suponho que sua Alteza esteja disposto a me conceder audiência.
-Não suponha nada, moça. Vou trocá-la a de quarto.
Megan arqueou as sobrancelhas.
-Não me diga que têm, mais masmorras.
-Esta casa tem tantas habitações que poderia passar meses aqui sem dormir duas vezes na mesma cama.
-Não penso ficar meses aqui --disse, incapaz de ocultar um tremor de pânico.
Salvatore lhe dedicou um sorriso malévolo.
-Isso depende do Ethan. Ao menos em sua novo quarto terá uma cama de verdade. E livros.
-Acredito que ficarei aqui.
-Moça, isso não depende de você. Se acreditar que não posso levar a força a alguém tão pequeno como você, é que não sabe nada de nada. Será melhor que se levante
e me siga.
-Não me chame moça. Meu nome é Meg. Para você sou a senhorita Carey.
Esperou um tempo prudencial para salvar seu orgulho e logo se levantou e meteu a novela em sua bolsa.
-Isso está melhor. Gostará de seu novo quarto. Tem uma vista preciosa deste campo deixado da mão de Deus. Quer dizer, quando fora não está chovendo.
-Preferiria poder ver Chicago, Quando poderei vê-lo?
-Quando o diga. E nem um momento antes. Eu, em seu lugar, não teria tanta pressa -saiu do quarto e ela o seguiu - . Não há ouvido o que diz as pessoas do povoado?
-E por que acredita que eu falei com as pessoas do povoado?
-Deteve-se para colocar gasolina no posto do Ferdy. E não acredito que esse velho bandido a tenha deixado partir sem lhe encher a cabeça de histórias.
- Como sabe que parei ali
O homem seguia andando e a jovem não ficou mais remédio que segui-lo.
- Tenho minhas fontes. Com certeza de que lhe contou que a senhora Maclnerny havia se tornado louca ao ver Ethan. E lhe falou das vacas? As poucas que ficavam
na zona secaram quando se instalou aqui. E dos meninos?
-Os meninos? - perguntou Meg, tremente.
-Houve alguns que vieram aqui e ninguém tornou a vê-los nunca mas.
-Todo isso o está inventando você.
-Essa é a classe de histórias que conta as pessoas como Fredy. No povoado acreditam nisso e coisas piores.
-A mim parecem histórias da Idade Média. Por que não o queimaram todavia?
-Eles gostariam de fazê-lo, senhorita. Certamente que os gostaria. Mas não podem agarrá-lo. É como um fantasma. Ninguém que o tenha visto, vive para contá-lo.
-Basta já. Tudo isso são mentiras
Salvatore soltou uma gargalhada.
-A maioria sim. Mas também há uma parte de verdade
Se havia detido diante de outra porta, também de madeira grossa. Meg não sabia quanto tempo haviam andado. Havia voltado a perder a conta das escadas e os corredores
percorridos.
-Que parte é essa?
Salvatore abriu a porta, iluminando a escuridão com sua vela.
-O desaparecimento dos meninos
Se o outro quarto se parecia a uma masmorra medieval, o novo era bem mais como um Castelo. A cama enorme situada no centro se elevava sobre uma plataforma e
dominava o resto do quarto. As janelas de dobradiças estavam situadas mas abaixo nas paredes de pedra e não tinham barrotes. Em uma esquina havia uma cadeira estofada
e uma confortável de madeira. A colcha da cama era de suntuosa de cor ouro e carmesim.
Observou Salvatore aproximar-se e acender os candelabros que havia em todas as esquinas do quarto.
-Está seguro de que me trouxe para o lugar adequado?
.-Ordens do Ethan. Acredita que você merece um tratamento melhor. Isso é porque não a viu todavia. Quando começar a lhe responder, voltará à masmorra -sorriu
o outro, retrocedendo-. O banheiro está ali. É quase igual ao anterior. Trouxe algumas roupas para você, mas não chegarão até amanhã. Enquanto isso, nessas gavetas
há coisas que podem lhe servir.
-Comprou-me roupa? Como? Aqui não parece haver telefone, verdade? E por que ia incomodar-se em fazê-lo? Só vou ficar até tirem meu carro.
-Você ficará até que Ethan o diga. E temos um bom fax. Federal Express trará a roupa.
-Então, poderei ir com eles. -Consulte Ethan. -Gostaria de poder vê-lo de uma vez.
-Isso não é provável que ocorra.
A frustração de Meg começava a impor-se a seu medo.
-Que quer dizer com isso? -perguntou zangada.
-Quero dizer que Ethan não gosta que as pessoas o olhem. Já deveria ter adivinhado isso. Se decidir falar com você, provavelmente será na escuridão.
A jovem ficou um momento sem fala. -Se decidir? -repetiu-. Existem outras alternativas?
-Uma. Que você fique aqui até que mude de idéia. E dois, que peça que se vá e se concentre em crucificar a seu pai. Se eu fosse você, confiaria em que se decidisse
pela primeira.
-E eu confio em que resolva terminar com este melodrama e fale comigo está noite.
-Isso também é possível. Vou lhe comunicar quando lhe trouxer o jantar.
-Não quero nada.
-De todas as formas, trarei. Relaxe, moça. Ao menos, tem livros de sobra para ler -disse, assinalando uma estante.
Meg não a havia visto antes. Estava repleta de livros de bolso. O quarto estava muito escuro para ler os títulos, mas, ao menos, seriam um alívio se via obrigada
a esperar muito tempo.
-Voltarei -anunciou o homem da porta.
-Não precisa voltar a me trancar -disse ela, tremente.
-Por seu próprio bem, moça. Este lugar pode ser perigoso.
Fechou com chave antes que ela tivesse tempo de chegar até ele. A pesada porta abafou seus gritos, assim como os passos do homem que se afastava.


***

-É pior que as pessoas do povoado- anunciou Salvatore com desgosto quando voltou a entrar no quarto escuro.
Ethan Winslowe não se moveu.
-Ninguém é pior que as pessoas do povoado
-É igual de medrosa.
-Isso é porque estamos fazendo todo o possível para assustá-la. As boas pessoas de Oak Grove inventaram as histórias sem nenhuma base, mas a Meg Carey estamos
aterrorizando de propósito. E está funcionando
Olhou a tela do televisor. O quarto estava bastante escuro, mas podia vê-la apoiada contra a porta. Não desejava assustá-la muito. Se a vencia com muita facilidade,
teria que deixá-la partir. E se sentia, mais animado do que havia estado em muito tempo.
-Lhe dê de comer - disse -. E logo traga a aqui a meia-noite. Se assegure de que sabe bem que hora é. A verei no quarto de ordenadores.
-Não quer comer.
-Pois teremos que convencê-la.
-Ethan -perguntou Salvatore, vacilante-, não crê que estamos exagerando? Por isso sabemos, não tem feito nenhum machucado a ninguém. Seu pai é um sem vergonha,
mas não temos provas de que ela seja outra coisa que uma filha amorosa.
-Não acredito que o seja -repôs o outro, com voz lenta-. Sente machucá-la, velho amigo?
-Uma pouco. Não acredito que mereça que a assustemos.
-Deveria deixá-la partir? -perguntou com suavidade-. Diga que sim, Sally, e a deixar ir. O velho moveu a cabeça.
-Isso depende de ti. Veio aqui por um motivo. Suponho que deveria escutá-la. Mas logo tem que deixá-la partir.
-E se não quiser fazê-lo?
-Não compreendo por que não.
Ethan moveu ligeiramente a cabeça para olhar o monitor de televisão. Meg havia se afastado da porta e estava olhando as janelas de dobradiças. Levava a mesma
roupa com a que havia chegado. Um amplo suéter rosa de algodão, uma saia larga e sapatos de salto alto sujos de barro. Gostava mais com o penhoar. E gostaria mais
sem nada.
-Digamos que estou desfrutando com meu papel de expectador -disse.
-Ethan...
-Não se preocupe. Está a salvo de meus diabólicos intuitos. Em uma semana estará de volta a Chicago, sã e salva.
-Uma semana. Pensa tê-la aqui todo esse tempo? Quando chegarem os operários na segunda-feira, poderíamos nos colocar em uma confusão.
-A casa é muito grande. Não se preocupe tanto, Sally. Por agora, gosto de brincar com fogo. Nem sequer me importa me queimar.
-O que me preocupa, Ethan, é que se queime tudo isto a nosso redor.
-Se preocupa muito. Prometo que não o farei dano. Provavelmente nem sequer a assustarei como você. É somente que necessito um pouco de distração. Passou muito
tempo desde Ruth.
-Ethan...
-Traga-a a meia-noite, Sally. Quem sabe? Talvez ela possa me convencer de que a deixe partir.
Megan se afastou da janela, apartando o cabelo do rosto. O homem observou na tela seus lábios entreabertos e o movimento de seus seios ao respirar profundamente.
Havia tido que recorrer a toda sua força de vontade para ignorar a bandeja que Salvatore havia levado. Como o havia dito, era bom cozinheiro, a julgar pelo delicioso
aroma. Frango assado e arroz com ervilhas e algo de sobremesa de bolo de limão com queijo. Até havia levado um copo de vinho, algo ao que lhe custava muito trabalho
resistir naquele estado.
Sentou-se na cadeira estofada e olhou a bandeja com antipatia. Não tinha sentido que se negasse a aceitar sua comida. Não acreditava que fossem envenená-la.
Por que fariam isso? Embora não seria estranho que tivessem posto alguma droga no vinho..
Não, tampouco acreditava que fossem drogá-la. Era bem mais uma absurda teimosia apoiada em uma lenda grega que havia lido. Uma mulher talvez Persephone? Havia
sido seqüestrada pelo Senhor da Escuridão e levada ao inferno. Não lhe tivesse passado nada se não tivesse comido seis sementes de granada. Quando ao fim chegou
alguém a resgatá-la, ela já havia selado seu destino. Por cada semente de granada, tinha que passar um mês ao ano no reino da escuridão.
É obvio, alguns diziam que as sementes de granada não eram, mais que um símbolo sexual. Persephone havia claudicado em realidade ante o encanto do Príncipe da
Escuridão, não ante as granadas. Mas a Meg Carey não interessava nem a comida nem o sexo. Não é que imaginasse ao misterioso Ethan Winslowe como a uma criatura desejável.
Mas estava decidida a guardar distância.
Adormeceu sem despir-se. Havia terminado seu livro e logo havia descoberto que todos os demais que havia no quarto eram novelas do Stephen King. Já estava bastante
assustada. O que menos necessitava naquele momento era ler novelas de terror antes de dormir.
Até assim, seus sonhos foram estranhos, eróticos e espantosos. Ethan Winslowe estava sentado em meio de um atoleiro de barro verde. Uns tubos e arames que saiam
do seu quarto o mantinham com vida. Olhava-a e acenava para que se aproximasse. E de repente se converteu em uma criatura estranha, coberta de escamas que resultavam
surpreendentemente cálidas ao tato. E ela o tocava e o olhava aos olhos amarelos enquanto acariciava as finas escamas...
-Desperte, moça -disse uma voz-. Está disposto a vê-la.
Meg não se moveu. Tinha um sono tão pesado que não havia ouvido ao Salvatore abrir a porta. O homem já estava a seu lado.
-Vá-se -disse, tampando a cabeça com a colcha de damasco-. Eu não estou preparada para vê-lo.
-Me alegro de ver que está desfrutando de nossa hospitalidade. Pode ser que passe muito tempo antes que tenha outra oportunidade.
A jovem já havia aceito o fato de que não tinha escolha. Levantou-se, apartando o cabelo da cara, e olhou ao Salvatore. Algumas das velas do quarto haviam se
consumido por completo. Estava cansada e tinha sono e também medo. Já não se sentia como uma donzela grega arrastada ao inferno, mas sim mais bem como alguém que
se dispusera a aproximar-se de uma das Gorgonas. Um olhar, e cairia convertida em pedra. Ou se voltaria louca ao igual à anciã senhora Maclnerny.
Disse-se que aquilo era ridículo. O conteúdo da estante deveria lhe haver aberto os olhos. Era indubitável que Salvatore e seu chefe liam muitas novelas do Stephen
King. E ela não estava disposta a permitir que a aterrorizassem.
-Muito bem. Já vou -disse, com secura, olhando seu relógio de pulso.
Seu confiável Rolex, presente de seu pai em seu vigésimo aniversário, havia parado inexplicavelmente.
-Que hora é? -pergunto.
-Meia-noite - repôs o homem.
Levava um candelabro em uma mão e seu rosto aparecia escurecido e diabólico.
-Que outra hora poderia ser? Estarei pronta em um momento.
-Não gosta que lhe façam esperar.
-E a mim não gosta que me façam prisioneira -replicou ela-. Pode esperar a que vá ao banheiro não crê?
-Talvez.
-Não tem mais remédio.
Encostou-se à porta a suas costas e ficou um momento apoiada contra ela.
A água fria não a ajudou muito a despertar. Penteou e se perguntou para que. Acaso queria impressionar Ethan Winslowe? O que queria era assassiná-lo e tinha
intenção de dizer-lhe claramente. Mas pensou que não o havia nenhum dano sentir-se segura de si mesma, assim que aplicou um pouco de ruge e lamentou não ter levado
sua maquiagem.
Salvatore seguia no mesmo lugar no que o havia deixado, com ar aborrecido. Notou que a jovem se havia arrumado e fez uma careta. Meg se arrependeu de havê-lo
feito.
-Me leve ante seu chefe -disse, com toda a indiferença de que foi capaz.
Surpreendida, viu-o aproximar-se da porta e abri-la com chave. Por que se havia incomodado em fechá-la depois de entrar? O ruído da chave e da porta ao abrir-se
resultava surpreendentemente alto. Como podia não havê-lo ouvido antes, ela que normalmente tinha um sono ligeiro? A menos que tivesse entrado por outra parte
Antes de sair-se voltou a olhar ao quarto. Não havia nenhuma outra porta, além da que conduzia ao banheiro .
-Não fique atrás -o advertiu-. Poderia me custar muito encontrá-la.
A jovem se apressou a segui-lo. -Não gostam das lanternas? -perguntou.
-Não as necessitamos. Nem sequer levaria uma vela se você não estivesse comigo. Os ratos não me incomodam.
- Ratos?
-Há em todas as casas velhas. De fato, acredito que Oak Grove e seus arredores têm mais do que é habitual. Não se preocupe por isso. Têm mais medo de você que
você deles.
-Duvido.
-Ademais, Ethan os alimenta bem. Os ratos só são perigosos quando têm fome.
-Alimenta-os bem? -gritou ela
Sua voz ricocheteou nas paredes de pedra e ressonou pelo comprido corredor.
-Não fale tão alto, moça. Ethan aprendeu faz muito que, se as pessoas não podem mudar algo ou livrar-se disso, então o melhor que pode fazer é aceitá-lo com
dignidade. É uma lição que o veria bem aprender..
--Estou de acordo. A próxima vez que me invadam os ratos, comprarei-lhes comida.
Salvatore se tornou a rir e entrou em outra parte da casa. Uma seção com eletricidade. Os candelabros da parede continham lâmpadas e Meg pôde assegurar-se de
que não havia nenhum rato à vista.
E logo voltaram a ver-se rodeados por uma escuridão que a vela do Salvatore apenas podia penetrar.
-Cuidado aqui -murmurou, ao entrar em um corredor em pendente.
-Não vejo nada.
-Ajude-se tocando a parede -murmurou o homem, irritado.
Embora tinha medo do que pudesse tocar, a jovem obedeceu. As paredes eram suaves e estados acostumados a e aquele contato lhe deu certa segurança.
Não podia livrar-se da sensação de que alguém a estava observando. Salvatore lhe dava as costas, assim que não podia tratar-se do Ethan, sem dúvida, ninguém
poderia ver nada naquela escuridão. Além deles, a única pessoa que havia na casa era Ethan Winslowe e esperava encontrar o pacote a uma cadeira de rodas ou a alguma
maquina salva-vidas em algum quarto daquela monstruosa casa.
-Esta muito mal o senhor Winslowe? -pergunto
Salvatore se deteve no corredor, Sorrindo involuntariamente..
--Depende do que você se refira -replicou, voltando-se para olhá-la.
-Refiro-me a sua condição física. Está em perigo de morte?
-Isso é questão de opiniões. Que é o que você crê que lhe passa?
-O acabo de perguntar a você..
-Bom, eu não penso lhe dizer nada. Terá que perguntar a ele. Se é que se atreve -acrescentou, pondo-se a andar de novo.
Meg vacilou um momento. Salvatore dobrou uma esquina e ela ficou às escuras. Reprimiu o grito que pugnava por sair de seu interior. Voltaria a procurá-la. Só
tinha que ficar muito quieta.
Sentiu como uma brisa suave. Um contato quente, um fôlego, uma carícia que a envolveu, tocando-a, mas sem tocá-la, mais uma promessa que um contato verdadeiro!
Produziu-lhe uma sensação cálida e nada alarmante. Fechou os olhos, tentando concentrar-se naquela sensação, mas desapareceu tão repentinamente como havia chegado
e fico sozinha no escuro e frio corredor
Salvatore reapareceu com sua vela.
- Pensa ficar ai na escuridão? - pergunto, irritado -Ethan não gosta que lhe façam esperar.
-Acredito que voltarei ao meu quarto - disse Meg, com voz débil
Aquele encontro breve e como de outro mundo havia alterado, mais do que podia imaginar.
-Sinto muito. Isso não é possível. Já chegamos.
-Onde está?
-Atrás dessa esquina. Está esperando.
A jovem pensou que aquilo não era assunto dele. Ela desejava sair de ali, afastar-se da escuridão, dos ratos, do perigo e dos monstros da noite. Embora não lhe
tivesse importado sentir uma vez, mais aquela carícia sobrenatural.
-Já vou - disse entre dentes, seguindo a luz da vela
Ao dobrar a esquina, viu uma porta aberta no corredor. Uma luz azul pálida saia do interior. Ouviu o ruído inconfundível de uma maquina. Talvez computadores
ou algum aparelho médico. Bujões de oxigênio? Qual seria o estado de Ethan Winslowe?
Salvatore se separou do passo e Megan se deteve no limiar, temerosa de entrar. O quarto era escuro e cálido, com um olhar as luzes de distintas máquinas. No
centro do quarto havia uma cadeira alta, quase como um trono. E nessa cadeira, na escuridão, havia uma figura sentada imóvel.
-Vêem minha casa -murmurou a jovem.
Fossem quais fossem as limitações físicas do Ethan Winslowe, não incluía a surdez.
-Disse a aranha à mosca -repôs com voz lenta e incrivelmente profunda.
A jovem entrou no quarto e Salvatore fechou a porta atrás dela, deixando-a na escuridão.


Capítulo Quatro


"Não tenho medo" -Meg disse a si mesma, sem mover do lugar.
Não se importou em averiguar se haviam fechado a porta com chave ou não. Havia aprendido já que Ethan Winslowe e seu sinistro ajudante não deixavam nada ao azar.
-Tem medo de mim, senhorita Carey? -perguntou a voz profunda com tom de brincadeira-. Por que não se aproxima mais?
Aquilo foi suficiente para fazer que a jovem se endireitasse com decisão.
-Eu não tenho medo de ninguém -disse com frieza.
-Então por que não se aproxima e se senta? Como não tocou na bandeja da comida, Salvatore trouxe outra. Por que não come algo e discutimos o motivo de sua presença
aqui?
-Não tenho fome - repôs ela, dando um passo na escuridão-. E você sabe perfeitamente por que vim aqui.
-Sente-se, senhorita Carey.
Embora não levantasse a voz, Meg decidiu que seria melhor fazer o que o havia ordenado. Avançou com a mão estendida até tocar uma cadeira situada frente a uma
mesa. A comida cheirava muito bem, mas, depois de sentar-se, apartou o prato com decisão. -Não tenho fome -repetiu olhando em sua direção.
Não pôde ver grande coisa. Ethan Winslowe estava sentado em uma cadeira que se parecia a um trono. Era uma figura escura e essa figura ameaçadora sentada nas
sombras. Ouviu um som surdo, que acreditou podia provir de uma máquina de respiração artificial.
-Como pensa escapar se não conservar suas energias?
-Não teria que escapar se você se mostrasse razoável e me pedisse um táxi para que possa ir daqui.
-Mas eu não tenho telefone.
-Pode pedir um por fax -disse ela, teimosa. De repente sentiu muito calor. Se havia passado o dia tremendo de frio nos quartos de pedra, mas aquele quarto era
como um banho de vapor e desejou que tivessem deixado alguma janela aberta. Embora aquela sala provavelmente não tinha janelas. Não o havia dito Salvatore que Winslowe
odiava a luz do sol?
- Você não irá até que o diga, senhorita Carey. E todavia não estou disposto a deixá-la partir.
Pensou que talvez se sentisse melhor se comesse algo. Estava um pouco enjoada, devido provavelmente a desorientação e a falta de sono. Não queria deprimir-se
diante daquele monstro, mais não sabia se seria capaz de percorrer o comprido caminho até seu quarto sem nada no estomago. Ao menos, contava com a pequena segurança
de saber que uma cadeira de rodas não podia subir as largas escadas de caracol que levavam a seu quarto na torre. Uma vez ali acima, estaria a salvo do homem situado
frente a ela.
Comeu lentamente um pedaço de frango.
- O que quer de mim, senhor Winslowe?
-Me chame Ethan. E eu a chamarei Meg. Depois de tudo, vamos estar juntos uma temporada.
A jovem ignorou a ameaça.
- O que quer de mim, senhor Winslowe? -voltou a perguntar.
-Não é você que quer algo de mim? Veio sem ter sido convidada. Onde está seu pai? Escondido em Chicago esperando que você solucione seus problemas?
-Meu pai cometeu um engano. Isso pode ocorrer a qualquer um. A qualquer que não se passe a vida sentado em uma casa de loucos e pensando que tem direito a julgar
aos demais.
-Eu tenho motivos para me sentar em uma casa de loucos.
-Estou segura disso
Negou-se a sentir-se culpada. O homem sentado frente a ela poderia ser um pobre invalido, mas também era um homem malvado e rancoroso que a mantinha prisioneira
contra sua vontade.
-Que direito tem você para julgar aos demais ?
-O direito de um homem cuja reputação foi destroçada por seu pai. Como perdedor, tenho direito a me vingar.
-Eu diria que os perdedores foram os homens que resultaram mortos.
-Assim que te contou isso né? Que mais te há dito?
Meg comeu outra parte de frango. Sentiu a garganta seca e bebeu um comprido gole de vinho.
-Há-me dito que cometeu um engano. Estava preocupado e confuso. Pelo amor de Deus! Minha mãe acabava de morrer. Não crê você que todo mundo tem direito a equivocar-se?
Não se dá conta de que se sente culpado? Não sabe que sofreu muito?
-Sei exatamente o culpado que se sente e o muito que sofreu -repôs o, com frieza.
No quarto fazia muito calor. Meg sentia que o suor corria pela frente e entre os peitos. E, entretanto, não podia deixar de tremer.
-Então por que não o deixa em paz?
-Deixarei-o em paz.
Por um momento, duvido de havê-lo ouvido bem.
-Que?
-Hei dito que o deixarei em paz. Sempre que você fique aqui.
Aquela vez esteve segura de ter entendido corretamente.
-Não pode falar sério.
-Completamente. Enquanto você fique aqui, deixarei em paz a seu papai. No momento em que vá ou me canse de ti, o destruirei.
O silêncio os envolveu. Uma vez mais, ela ouviu o som que acreditava procedente de uma máscara de oxigeno e outros pequenos ruídos que correspondiam provavelmente
às maquina que o mantinha com vida. Se tivesse o valor de golpeá-lo e desconectar as máquina antes que Salvatore voltasse, Winslowe deixaria de ser uma ameaça para
ela.
Mas a jovem não podia matar a ninguém a sangue frio. Nem sequer a uma pessoa que era evidente que estava louca e resultava perigosa.
-Então, você não me deixa opção -disse, com uma calma enganosa.
-Nenhuma.
Meg se endireitou em sua cadeira, perguntando-se até onde teria que chegar para salvar a seu pai.
-E quais seriam exatamente meus deveres? -perguntou.
Produziu-se um silêncio e logo soltou uma tétrica gargalhada.
-Não me diga que imagina que espero que se deite comigo. Tem umas fantasias muito estranhas, Meg Carey. A mim parece muito jovem e inexperiente para poder satisfazer
a alguém em minha situação. Não procuro acrobacias sexuais. Procuro companhia.
Em sua voz havia um tom estranho que Meg não soube definir muito bem.
-Eu não sou muito boa companhia -disse, zangada.
-Talvez não tenha usado a palavra apropriada. O que eu procuro é distração. Seu ódio e desconfiança são provavelmente muito mais entretidos do que seriam seus
esforços por me agradar. Mas farei um trato contigo. Pode tentar escapar e, se por qualquer circunstância, conseguir fazê-lo, deixo em paz a seu pai.
- Trato feito - repôs ela, com voz débil- Eu o desprezarei, o insultarei o tempo todo farei o possível para escapar e você deixasse em paz a meu pai.
- Trato feito - assentiu.
A jovem vacilou em sua cadeira. Sentia-se verdadeiramente doente.
-Encontra-se bem?
-É obvio que não - gritou.
Ficou de pé com um esforço. Não podia comer outro bocado. Sabia que, se o tentava, vomitaria..
-Sou a prisioneira de um louco que quer destruir a meu pai - - continuou -. É suficiente para adoecer a qualquer um.
Ethan soltou uma gargalhada.
-Salvatore te levará de volta à torre. E suponho que poderia te dar algo que ajude a dormir. Tem muitas habilidades.
-Como se uma aspirina me bastasse - - disse ela..
-- Por quê?
-Por quê? - repetiu a jovem, furiosa - Por que me dói a cabeça. Esta casa ou está muito quente ou muito fria e eu quero..
Fico em silêncio. Havia estado a ponto de dizer que queria partir a sua casa. Mas não estava disposta a demonstrar nenhuma debilidade diante daquela horrível
criatura das sombras. Não o daria esse prazer.
- A temperatura dos quartos pode controlar-se -disse Ethan - Peça ao Salvatore que ajuste a tua a seu gosto. Que mais iria dizer? O que era o que querias?
Talvez, se o suplicasse, deixasse-a partir. Talvez, se começasse a chorar...
-Não iras a te pôr pesada verdade? -continuou antes que pudesse tomar uma decisão-. Odeio às mulheres chorosas. Já lhe adverti isso. Se quiser que deixe em paz
a seu pai, tem que me divertir. Assim que comece a me aborrecer, irei por ele.
-Você é um monstro -disse ela, furiosa-. Uma criatura doente e diabólica e, se tiver que passar um minuto, mais nesta estufa, não poderei evitar vomitar sobre
sua cadeira de rodas. Assim que chame o Salvatore e deixe me voltar para meu quarto.
-Não está mal para começar. Mas, se quer ficar muito tempo, terá que pensar em epítetos melhores.
A porta se abriu a suas costas, projetando uma luz tênue no interior do quarto , que não foi suficiente para iluminar ao homem situado no centro do quarto.
-Salvatore, dê à senhorita Carey qualquer droga que te peça e ajusta a temperatura de seu quarto . Parece que tem um pouco de febre. E lhe dê a chave para que
possa fechar-se por dentro.
-Ao menos, não tenho que me preocupar porque você vá incomodar-me - disse a jovem.
-Por que não? -perguntou com curiosidade.
-É impossível que possa subir essas escadas em uma cadeira de rodas e entendo o suficiente de construções para saber que não há elevador nessa torre..
- Certo. Suas fantasias sexuais terão que esperar outra ocasião para realizar-se.
-Antes me atirar do alto do torreão .
-Deixa já de preocupar-se, Megan -disse o, com voz amável--. Já disse que estas segura.
Sem incomodar-se em replicar, a jovem se dirigiu para a porta, aliviada de poder partir dali. Ao sair, ao corredor ouviu a voz profunda.
-Estas segura, sim -disse-. Ao menos no momento.
Ethan Winslowe ficou sentado imóvel, observando Megan cambalear-se detrás do Salvatore. Sob a cabeça com ar compungido. Ela tinha razão. Quem era o para erigir-se
em Deus e julgar a ninguém? Especialmente, tendo em conta que a havia enganado. Não tinha intenção de perdoar a seu pai embora se apresentasse ante ele vestida somente
com uma cinta liga.
Sorriu secamente ao imaginá-la assim e logo terminou de beber o uísque com água com um som surdo. Havia estado ali sentado, bebendo e observando-a. Seus olhos
estavam muito acostumados à escuridão que os dela. Havia podido ver a brancura de sua tez, a suavidade do contorno de seus lábios e a fúria que expressaram seus
olhos. Era forte e teimosa e estava disposta a enfrentar-se com ele. E o estava disposto a mantê-la ocupada ali enquanto destruía a seu pai.
O havia parecido que não tinha bom aspecto, mais havia assumido que era devido aos nervos e o cansaço. Embora a verdade era que não dava a impressão de ser uma
mulher nervosa e, pela televisão a havia visto dormir a maior parte da tarde.
Ademais, seu quarto era mais bem fria e não a estufa que ela havia dito que era. Certamente, não o atraia a idéia de ter a uma mulher doente em sua casa. Não
seria tão distraído.
Abriu-se a porta e Salvatore apareceu na soleira.
-Retirou-se Ethan Mas não parece encontrar-se bem.
O aludido se voltou para o console de monitores e os pôs em marcha. Meg Carey havia se deitado convexo na cama, sem sapatos, mas com a roupa posta. Tinha os
olhos fechados e parecia respirar entrecortadamente.
-Maldição -disse Ethan-. Sei que parece doente. Que pesadez!
-Então por que não deixa que parta? Certamente, não pensa perdoar a seu pai verdade?
O outro o olhou fixamente.
-É que todavia não me conhece?
Salvatore assentiu com a cabeça.
-Sim, assim que repetirei a pergunta. Por que não a deixa partir?
-Porque não gosta, Alguma pergunta mais?
-E se necessitar um médico?
-Então chamaremos o bom do doutor Bailey. Suponho que poderá curá-la. E enquanto isso, me sirva outra taça.
Observou-o enquanto isso. Pensou em Megan Carey. Se estava doente, aquilo suporia um mero inconveniente e nada mais. Teria que ter paciência. Tinha planos para
ela. Queria ver a fúria em seus olhos. Queria ver seu ódio e sua fascinação. E queria ver o que ocorria quando por fim a fizesse sua.
Megan voltou a sonhar. Foram uns sonhos terríveis que encheram sua cabeça de gritos silenciosos, seu coração de terror e dor e seu corpo de desejos nunca sentidos
antes, despertou várias vezes na escuridão do quarto da torre. Podia ouvir os ruídos dos trovões, e a chuva golpeando os cristais. Ficou ali tombada, observando
a escuridão e pensando em Ethan Winslowe.
Ele havia dito que, se escapava, deixaria Reese em paz. Assim que não tinha mais remédio que tentar. Mas desejava poder encontrar-se algo melhor. Tinha a garganta
inflamada, o peito ardia e sentia frio e calor ao mesmo tempo. Não duvidava nada que Salvatore tivesse envenenado a comida, mas já se sentia estranha antes de prová-la.
Uma coisa estava clara. Não podia ficar ali, em mãos de um maníaco. Tinha que ir e tinha que fazê-lo logo. Seu pai o entenderia. Havia feito todo o possível
e só havia conseguido meter-se na pior confusão de sua vida.
Na escuridão, iluminada só por algumas velas, não pôde encontrar os sapatos. Doía a cabeça e não podia ver com claridade. Não importava. Estavam na primavera.
Poderia andar descalça. Sabia que Salvatore não havia mentido ao assegurar que só uma pá mecânica poderia tirar seu carro do barro. Teria que andar até que encontrasse
a alguém que estivesse disposto a ajudá-la.
Estava segura de que algum dos habitantes de Oak Grove lhe daria uma mão. Odiavam Ethan Winslow o suficiente para querer lhe fazer uma tarefa.
E, se não era assim, continuaria andando. Não por onde havia chegado, essa zona estava deserta. Mas, se seguia adiante, antes ou depois encontraria a alguém.
Recordava vagamente que aquela voz profunda havia dito a Salvatore que lhe deixasse a chave. Estava na fechadura, na parte interior do quarto. A olhou um momento,
sem acreditar que aquilo pudesse ser tão fácil.
A escada estava deserta, iluminada por uma luz mortiça que podia provir de uma lâmpada de gás. Olhou para baixo e não pôde evitar pensar que, se escorregava
e caía, podia matar-se e ninguém a encontraria nunca. Salvatore se livraria de seu corpo e seu pai, que era um covarde, fingiria que não sabia aonde havia ido. Assumiria
que Winslowe não se atreveria já a denunciá-lo e todo seguiria igual.
Até que não chegou ao última escada não lhe ocorreu pensar no estranho de seus pensamentos. Não podia imaginar a sério que seu pai estivesse disposto a esquecer
a morte de sua filha em troca de sua tranqüilidade. Sem dúvida, não tinha a cabeça muito clara.
Ao chegar ao final das escadas, não tinha nem idéia de que caminho seguir. Havia dado tantas voltas que havia perdido por completo o sentido da orientação. Recordava
vagamente ter seguido Salvatore para a esquerda quando foi entrevistar se com o fantasma, assim que decidiu avançar pela direita, em direção ao som da chuva. Assim
que encontrasse uma porta ou uma janela, sairia da casa.
Depois de andar pela escuridão durante o que lhe pareceram horas, começou a se desesperar para encontrar alguma saída. O som da chuva, que parecia chegar de
muito perto, era enlouquecedor, lhe prometendo uma liberdade que parecia inalcançável. Deu-se conta de que estava chorando e, quando suas mãos tocaram vidro frio,
quase o reconheceu.
Apoiou um momento à cabeça contra o vidro , e observou a escuridão que havia do outro lado. Tinha que sair dali o quanto antes possível. A dor do peito já era
quase insuportável e o calor estava a ponto de afogá-la. Precisava sentir o frescor da chuva ou morreria.
Tentou golpear o vidro com o punho, mas estava muito débil para rompê-lo. E então compreendeu que aquilo não era uma janela, a não ser a porta de um terraço.
E estava aberta.
Saiu ao exterior, à chuva, e balançou uns passos antes de derrubar-se em uma espécie de jardim. Percebeu o aroma de terra molhada e a flores da primavera. Ali
havia alguém mais, alguém que avançava para ela. Mas não sentiu medo. Não se tratava de uma cadeira de rodas nem tampouco do volumoso Salvatore. O homem que se aproximava
era alto, magro e velho.
Ajoelhou a seu lado. A jovem levantou a vista e contemplou uma cara cheia de rugas e os olhos, mais amáveis que havia visto nunca. Estendeu uma mão para ele
e tentou dizer algo, mais o único som que saiu de sua garganta foi um grito entrecortado e sua mão só tocou o vazio.
-Não tente falar -disse o ancião, com voz amável -. Irei procurar ajuda.
- Não me deixe -murmurou ela. - Não deixe que me encontrem.
-Não lhe farão dano. O prometo. Não vou deixar que lhe façam mal.
Megan pensou que pouco poderia fazer aquele frágil ancião contra as forças combinadas do mal. Mas, entretanto, acreditou em suas palavras. Sabia que devia ficar
de pé,mas seus músculos se negaram a obedecê-la. Só deixou cair a cabeça sobre o frio revestimento e fechou os olhos.
-Ethan, foi-se -soou a voz do Salvatore
O aludido despertou bruscamente. Incorporou-se e olhou o console de monitores. O torreão estava vazio, a porta aberta e os sapatos da jovem seguiam no chão,
ao lado de sua cama.
-Escapou antes do que pensávamos. Essa febre deve ter sido fingida. É tão mentirosa como seu pai.
-Não acredito -disse Salvatore, duvidoso.
-Não? Acredito que deve te sentir aliviado. Você não gostava que a mantivera aqui. E tinha razão. Não era uma idéia prudente, mas desde quando eu fui prudente?
Agora já não importa. Podemos nos concentrar em Reese Carey sem que sua filha nos distraia.
-Não acredito que o fingisse, Ethan. E não acredito que devamos assumir que conseguira sair daqui sã e salva. Chove a cântaros, faz frio e não leva sapatos nem
pulôver. Isso, sem mencionar o fato de que já estava doente antes de sair.
O outro o olhou fixamente.
-E que esperas que faça? Que lhe peça às pessoas do povoado que me ajudem a procurá-la?
Salvatore fez uma careta.
-Vá que ajuda que seriam esses! Irei eu a procurá-la. Se a encontro, tirá-la daqui e a levarei ao aeroporto.
-Você não fará tal coisa. Se todavia seguir aqui, ficará.
-Ethan..
O aludido, uma figura alta e magra na escuridão, ficou de pé.
-Eu irei procurá-la. Você agarra o jipe e vá procurar ao doutor Bailey. Se está bêbado, serena-o. Se negar a vir, utiliza o revolver, mas traga-o e os remédios
que possa necessitar.
-Sabe onde está ela?
-Digamos que tenho uma ligeira idéia. E também conheço este lugar melhor que ninguém, incluindo a ti. Tenho mais possibilidades de encontrá-la. Vai, Sally. Se
está tão doente como você crê, não temos tempo que perder.
O velho obedeceu e Ethan ficou parado um momento, perguntando-se como podia haver-se metido naquela confusão. Uma olhada a Meg Carey na tela e havia perdido
o sentido comum por completo.
Salvatore tinha razão. Tinha que deixá-la partir. Devia assegurar-se de que o doutor Bailey não a matasse com um de seus horríveis tratamentos e, assim que estivesse
em condições de viajar, deixá-la partir.
Havia estado sozinho durante muito tempo. Havia chegado a pensar que era uma espécie de deus, um governante invulnerável de um reino perdido. Tinha que voltar
para a realidade. Mas primeiro precisava encontrar Meg Carey. E o primeiro lugar no que pensava olhar era o jardim de Joseph.
O homem que se aproximou dela na escuridão não era mesmo de antes. Com a chuva, não podia lhe ver a cara,mas era mais jovem e mais forte. A pegou nos braços
sem nenhum esforço e Meg abriu a boca para lhe dizer obrigado,mas a chuva e o frio afogaram suas palavras.
Não sabia quem era o que a levava de volta à escura casa. Não era Salvatore. O homem que estreitava seu corpo tremente contra o dele era mais magro. Salvatore
não havia dito que na casa só estavam eles dois? Quem era aquele homem que a levava em braços?
E que importava? Nunca havia se sentido tão mal em sua vida. Não lhe tivesse importado embora se tratou do mesmíssimo Jack o Estripador. Apenas desejava que
alguém acabasse com a raivosa dor que sentia no peito. Só queria paz e segurança e, por alguma estranha razão, isso era precisamente o que sentia em braços daquele
estranho. Fechou os olhos e se rendeu à escuridão que a rodeava.


Capítulo Cinco


Ethan ficou de pé em uma esquina do torreão , fora do alcance do candelabro que havia levado Salvatore para lhe iluminar o caminho ao doutor Bailey.
O médico dava intencionalmente as costas ao homem que o estava observando. O velho bêbado sabia bem que não ia ficar cego nem louco por olhar Ethan Winslowe.
Se havia visto obrigado a fazê-lo o número suficiente de vezes para saber que ia sobreviver. Mas, igual à maioria das pessoas, não gostava nada vê-lo e procurava
evitá-lo a todo custo.
Seu anfitrião não tinha nada que objetar a aquilo. Quanto menos gente queria meter-se em sua vida, melhor para ele. Exceto por aquela mulher que jazia na cama,
respirando laboriosamente e com o rosto tremendamente pálido. Ela havia se intrometido sem ser esperada nem desejada e já não estava disposto a deixá-la partir.
-Tem pneumonia -anunciou o médico-. Parece que a agarramos a tempo, mas deveríamos fazer uma radiografia.
-Não vai sair daqui -disse Ethan.
Bailey não se voltou para ele. Não estava disposto a discutir suas ordens.
-O melhor para estes casos é a Penicilina. O problema é que não trouxe nenhuma dose de adulto.
-Creio que Salvatore o havia advertido...
-Tem-no feito. Tem-no feito, mas não a tinha à mão. Todo povoado está com gripe.
-Maldito seja todo o povoado
-Trouxe algumas doses infantis. Teria que beber-se meia garrafa cada vez, para causar efeito.
-Será melhor que assim seja, amigo --disse Ethan.
Bailey o olhou um momento e se apressou a baixar a vista, horrorizado.
-Faz muito tempo que não cometo um engano.
-Oh sim. Assegurei-me disso. Mas quando comete um, é mortal verdade?
O médico não replicou. Com ajuda de Salvatore, introduziu meia garrafa de penicilina rosa na garganta de Meg e logo voltou a recostá-la sobre o travesseiro.
A jovem abriu os olhos um momento, mas não olhou aos dois homens que se inclinavam sobre ela. Seu olhar se dirigiu diretamente à alta figura que permanecia nas sombras.
Estava muito escuro para lhe ver o rosto da cama. E, embora não tivesse sido assim, provavelmente o havia parecido, mas dos pesadelos induzidos pela febre. Voltou
a fechar os olhos.
-Tem que tirar-se essa roupa molhada -anúnciou Bailey - E necessita uma enfermeira. Posso enviar alguém.
-Eu me ocupo disso -disse Ethan com firmeza.
-Talvez mais adiante. Conheço alguém...
-Eu me ocupo disso. Leva o doutor a sua casa, Sal.
Bailey saiu correndo do quarto sem incomodar-se em olhar de novo a sua paciente.
-Poderá arrumar isso? - perguntou Salvatore da porta.
Ethan Olhou à mulher deitada sobre a cama.
-Tudo irá bem -disse.
-Ethan..
O aludido não apartou a vista do rosto pálido de Meg.
-Sim?-perguntou.
Houve uma pausa.
-Nada -disse Sal.
E um segundo depois, estavam sozinhos no quarto.
Meg não podia recordar quando haviam desaparecido o medo e a fúria. Talvez quando a dor que sentia no peito se fez tão urgente que não deixou lugar a nenhum
outro sentimento. Ou talvez quando a encontraram aqueles dois homens; o velho e gentil que havia ido procurar ajuda e o jovem e forte que a havia levado até o torreão.
A noite deu passo ao dia e o quarto seguiu nas sombras. Fora seguia chovendo. Umas mãos direitas a cuidavam. Passavam-lhe uma esponja pelo corpo enfebrecido,
secavam-lhe a fronte e o introduziam o remédio na garganta. Havia tentado abrir os olhos, mas a escuridão do quarto não a deixava ver nada. Sabia que ele estava
ali, sentado perto de sua cama, de pé ao lado da janela ou passeando pelo quarto. Sabia que estava ali e esse conhecimento produzia uma sensação de paz.
Pegou-se a pensar no monstro que havia em outro quarto da casa. Negou-se a pensar em Salvatore ou em seu pai ou em sua viagem a Europa. No momento, conformava-se
permanecendo em um estado febril, sabedora de que aquele obscuro desconhecido cuidaria dela.
Em uma ocasião, quando a escuridão do quarto se fez completamente impenetrável, acreditou que ia morrer. Pareceu estranho morrer em um lugar tão estranho, longe
de todos os seres queridos.mas não estava sozinha. Apesar da escuridão, pôde ver que ele estava sentado a seu lado, cuidando dela.
O velho aparecia também, quando o outro dormia. Parecia flutuar através das paredes como um fantasma imaterial, mas o jovem não tinha nada de imaterial. Suas
mãos a sujeitavam com firmeza quando tossia ou quando lhe dava esse remédio doce.
Jazia na cama, sentindo um calor tal que apenas podia suportá-lo, com o peito ardendo, escutando o ruído dos trovões. De repente, se sentiu arrastada por uma
corrente violenta contra a que se debatia com todas suas forças, golpeando a roupa de cama que estava a ponto de afogá-la e lutando contra a espessura do ar que
não queria chegar até seus pulmões.
Sentiu que algo levantava seu corpo e seguiu debatendo um momento mais, temerosa de que a morte tivesse chegado para levar-lhe.
-Quieta -murmurou uma voz em seu ouvido.
E soube que estava a salvo. Era seu guardião, seu salvador, que estreitava seu corpo tremente contra seu peito e a transportava até a janela.
A abriu e a fria chuva entrou pela janela aberta, molhando seu rosto.. O ar conseguiu penetrar até seus pulmões e ela abriu a boca com ânsia.
Um relâmpago rompeu a escuridão e olhou ao homem que a tinha em braços. No curto espaço de tempo que durou a luz só viu um lado de sua cara e aquele lado possuía
uma beleza que não podia pertencer a um ser humano, a não ser a um anjo caído, enviado a governar o inferno.

Parecia carecer da outra metade do rosto. E então o quarto ficou completamente às escuras. O úmido vento que entrava pela janela apagou as velas que haviam proporcionado
a única fonte de iluminação. Ficou sozinha na escuridão com um monstro, mas não sentiu medo.
Com um grande esforço conseguiu levantar a cabeça e tocar a camisa dele, antes de apoiar a testa sobre seu ombro. Aquele pequeno gesto de confiança, de aceitação,
foi tudo o que pôde fazer, mas foi suficiente. Sentiu que a tensão abandonava o corpo do homem que a tinha nos braços.
Aproximou uma cadeira à janela e se sentou, com ela sobre seus joelhos.
-Tem que tomar outra dose disto -disse, com sua formosa voz sedutora. Uma voz sedutora que se complementava bem com a beleza sedutora de seu meio rosto.
Meteu a garrafa de remédio na boca e se inclinou mais para ela. Tinha um cabelo comprido e sedoso, que lhe acariciou a boca.
-Que disse? -perguntou.
-Hei dito que esse remédio tem sabor de chiclete -replicou ela, pacientemente.
Cada palavra lhe custou um sofrimento enorme.
-Nunca provei chiclete -murmurou o escuro desconhecido- A que gosto tem?
-Prova-o -repôs ela, referindo se à garrafa de remédio
Sabia que o podia vê-la perfeitamente sem luz. Seus olhos estavam acostumados à escuridão e era capaz de ver as expressões de seu rosto.
-Acredito que posso -replicou com suavidade.
E sob a cabeça até tocar a boca dela com seus lábios. A beijou com ternura e lentidão, como se dispusera de toda a noite, de toda a vida.
A queimação do peito começou a diminuir, substituída por um ardor, mas baixo, na boca do estomago, e um desejo inesperado. A noite, o homem e sua própria debilidade
se aliaram para seduzi-la e, se lhe tivesse ficado alguma força, teria respondido a seu beijo.
O homem se apartou uns centímetros. Meg podia jurar que estava sorrindo.
-A isto é o gosto de chiclete?
Não pôde responder. Queria que voltasse a beijá-la. Tinha muito calor. Desejava que tirasse sua roupa e a tombasse sobre o brando leito. Queria que ficasse a
seu lado. Era tão forte e invencível que nem sequer a escuridão o assustava, mas não pôde dizer-lhe. Não pôde fazer outra coisa que inclinar-se contra ele, apoiando
o rosto sobre seu peito.
-Vai viver - disse o, com ferocidade-. Não vais deixar-me. Não lhe o permitirei.
Havia ouvido antes essas palavras e soube que, de algum modo, Ethan Winslowe a estava abraçando. Ethan Winslowe a havia beijado e era o que a mantinha com vida.
-Vou viver -assentiu, com um fio de voz-. E não vou te deixar - murmurou.
E então a escuridão a rodeou por completo e perdeu o sentido.
Ethan não se molestou em tentar acender as velas depois de deixar o frágil corpo de Megan na cama. Não necessitava nenhuma luz para poder vê-la. Observo-a atentamente.
Sua pele estava, mas fria, a febre havia baixado. Já havia baixado e voltado a subir outras vezes, mas estava seguro de que aquela vez havia começado a recuperação.
Havia superado a crise.
Ela havia dito que não ia deixá-lo. Palavras causadas sem dúvida pela enfermidade, a febre e a gratidão. Ela não sabia o que havia dito e, certamente tampouco
sabia que tinha intenção de lhe fazer cumprir essa promessa.
Ninguém nunca havia dito aquilo. E nunca havia desejado ouvir. Ao menos, desde que completou sete anos e aceitou, por fim, que sua mãe não podia suportar vê-lo.
Mas naquele momento aquilo era o que desejava. Desejava-o com força e nada ia impedir que o tivesse. Nada poderia afastá-lo de Meg Carey.
Perguntou-se um momento se a vida isolada que levava o havia convertido no louco que as pessoas do povoado acreditavam que era. Um olhar a essa mulher e estava
disposto a pôr em perigo sua vida e sua intimidade para estar com ela.
Não a conhecia, apenas havia falado com ela. Embora não fosse feia, tampouco podia dizer-se que fora uma beleza arrebatadora para obcecá-lo daquele modo. E,
entretanto, custava-lhe muito trabalho apartar-se de seu lado. E a idéia de que ela se fora de sua casa era completamente inconcebível.
Sua obsessão não tinha sentido, mas existia. Necessitava-a, mas do que nunca havia necessitado a ninguém e não estava disposto a sacrificar-se. Necessitava-a,
desejava-a e a teria. E nada nem ninguém a levaria até que ele estivesse disposto a deixá-la partir.
Ouviu a aproximação de Salvatore. Sabia que seu velho amigo desaprovava seus intuitos e pensou que deveria tentar explicar-lhe. Mas como ia explicar algo que
ele mesmo não entendia?
-Como está? -perguntou Sal, aproximando-se da cama e observando a pálida figura que jazia sobre ela.
-Está melhor - repôs Ethan-. Acredito que por fim baixou a febre.
-Ethan....
--Não o pergunte, Sally.
-Sabe o que faz? Sabe bem o que está arriscando?
-Sim.
-Então, não há nada mais que dizer.
-Nada mais -assentiu o outro, olhando a jovem-. Me faça um favor, Sal -disse, meditativo.
-O que queira.
-Compra chicletes.
Meg não soube quanto tempo passou até que voltou a despertar. Podiam ter sido horas, dias ou semanas. Durante seu sonho, os homens a haviam deixado, o ancião
que a cuidava e o jovem que a desejava. Quando despertou, o quarto do torreão estava inundado de luz solar e se encontrava sozinha. Ou isso acreditava..
--Tem melhor aspecto -disse uma voz. Uma mulher de meia-idade, rechonchuda e bonita, aproximou-se da cama.
-O doutor Bailey disse que você logo despertaria. Como se encontra?
Meg não respondeu imediatamente. A queimação de seu peito parecia haver-se convertido em uma dor surda e também lhe doíam as articulações e a cabeça.
-Fatal -disse- Suponho que estou melhorando. A mulher sorriu.
-Acredito que sim. Vou chamar Salvatore e o pedirei algo de comer. O médico há dito que, se o desejar, pode tentar comer algo.
-Quem é você?
-Não me apresentei? Meu nome é Ruth Wilkins. Trouxeram-me para que cuide de você.
-Onde está ele?
-Quem?
-O homem que estava aqui.
-O doutor Bailey? Salvatore?
-Não. Ele.
-Não se referira você ao senhor Winslowe verdade? Ele nunca subiu aqui.
Meg moveu a cabeça.
-Não me referia a ele. Refiro-me ao homem misterioso.
Ruth a olhou fixamente.
-Deve ter sido uma alucinação da febre, querida. As únicas pessoas que estiveram aqui são Salvatore e o doutor Bailey e este último apenas duas vezes. Ninguém
mais vive aqui. Eu mesma devo cuidar de você durante o dia.
-E que há do ancião?
-Aqui não há nenhum ancião.
-Há um jardineiro. Ao menos, acredito que era jardineiro.
-Não fale disso -disse Ruth, com firmeza, lhe colocando um termômetro na boca-. Foram alucinações da febre. Creia-me, aqui não há jovens misteriosos nem jardineiros
velhos. Só tem Winslowe e Salvatore. Agora se recline e descanse e trarei algo de comer. Está a cinco dias sem comer nada.
Meg abriu a boca e o termômetro se soltou e estalou contra o chão.
-Cinco dias? Estive cinco dias doente? Que dia é hoje?
-Quinta-feira, 28 de abril. Por quê?
Seu avião havia partido para a Europa três dias antes. E havia partido sem ela.
-Por nada -murmurou Meg. -Bom. Você esteve muito grave. Tem sorte de estar viva. O hospital mais próximo está a duzentos quilômetros e tampouco é grande coisa.
Você estava melhor aqui, onde podia receber melhores cuidados.
-Cuidou-me você? -pergunto a jovem, embora conhecia a resposta.
-Só desde que você começou a melhorar. Dei-lhe seu remédio e logo me ocupei de que engula algo.
Sacou uma garrafa de algo rosa, jogou a metade de seu conteúdo em um copo e o estendeu Meg.
-Beba o tudo, querida. Já se que tem sabor de caramelo, mas lhe salvou a vida.
-O chiclete -murmurou a jovem.
-Como diz?
-Que tem sabor de chiclete.
Então recordou a boca sobre a sua, provando o remédio. Recordou o contato das mãos do sobre seu corpo, abraçando-a quando tinha calafrios e acalmando-a quando
estava ardendo.
-Quando voltar, gostaria que respondesse a algumas perguntas.
Ruth se deteve na porta.
-Não acredito que seja possível.
-Por que não?
-Porque eu não sei nada. Não sei por que está você aqui nem quanto tempo ficará.
-Não quero saber nada de mim. Quero saber coisas dele.
-Ninguém sabia do Ethan Winslowe.
-Por que não?
Ruth pareceu ficar atônita.
-Porque não. A maioria das pessoas tem medo dele.
-Você não é a maioria das pessoas. Você não tem medo dele -repôs Meg, convencida-, Escute, eu apenas quero sair daqui. Ir para casa.
Pronunciou aquelas palavras de um modo quase automático,mais, de repente, soaram traiçoeiras. Pareceu que já não estava segura do que queria.
De todos os modos não importava. Ruth Wilkins, evidentemente, não tinha intenção de ajudá-la a escapar.
-Eu não posso ajudá-la. Sinto muito. Não pode ter paciência? Ele não lhe fará mal.
-Você nem sequer sabe por que estou aqui. Por que me mantém prisioneira.
-Tão bem o conhece você? Eu acreditava que não se relacionava com as pessoas do povoado.
A mulher se ruborizou intensamente.
-Em outro tempo o conhecia bem -disse. - E desapareceu escada abaixo.
Meg ficou imóvel, escutando os ruídos dos passos da Ruth afastar-se pela escada de pedra. O ardor voltou a seu peito, mas era um ardor diferente e estranho.
O definiu como repulsão. A idéia daquela mulher de aspecto maternal fazendo amor com o monstro de abaixo lhe deu náusea. Ele havia insinuado que só poderia entender-se
com uma mulher sofisticada. Então por que ademais de horror, sentia certa curiosidade e algo mais que não queria admitir que pudessem ser ciúmes?
E por que insistia em pensar que Ethan era um monstro? As pessoas do povoado o consideravam assim, mas se esse homem era disforme e se havia passado a vida ocultando-se
das pessoas, não era estranho que fora tão pouco sociável. Por que o condenava com tanta convicção?
Porque tentava destruir a seu pai. Porque a mantinha prisioneira naquela estranha casa. Porque era uma criatura perigosa que queria lhe fazer mal. Não eram seus
defeitos físicos os que o convertiam em um monstro. Era a escuridão de sua alma. E então recordou ao homem misterioso que a havia abraçado, cuidado e beijado. Acaso
era possível que aqueles dois homens fossem a mesma pessoa?

Capítulo Seis


Passaram três dias, mas antes que Megan começasse a sentir-se quase normal. Três dias que passou na cama, tomando caldo de frango e limonada. Três dias nos que
só viu a alegre Ruthy e ao assombroso Salvatore. Três dias de novelas do Stephen King pelo dia e pesadelos de noite. Três dias nos que não viu nem Ethan Winslowe,
nem ao desconhecido, nem ao misterioso ancião do jardim. Três dias para voltar-se louca.
Transferiram-na para outro quarto, em um piso mais baixo. Estava equipado com lâmpadas de petróleo e era de estilo vitoriano, com alegres janelas que deixavam
entrar a luz do sol. Sua roupa havia desaparecido e usava um vestido branco e vaporoso que tinha aspecto de ter pertencido à bisavó de Ethan Winslowe. Não importava.
A malha era suave e tão fina que resultava quase transparente. Felizmente, estava muito débil para sair do quarto.
As noites eram o pior. Pelo dia dormia e a meia-noite permanecia acordada e só naquele quarto vitoriano, sem mais companhia que os livros do Stephen King.
Despertou sobressaltada. Lá fora chovia e pelas janelas não entrava nenhuma luz. As lâmpadas de petróleo estavam apagadas. Procurou os fósforos para acender
a lâmpada que havia na mesinha de noite.
Empurrou o vidro com o braço e a lâmpada se rompeu contra o chão. O aroma de petróleo impregnou o quarto. Lançou um grito e então ouviu sua voz na escuridão.
-Não se mova.
A jovem não lhe perguntou como havia entrado. -Está muito escuro -disse.
-Se sair da cama, cortará os pés. Salvatore o limpará pela manhã.
-Está muito escuro -repetiu ela.
-Acostumará.
Estava mais perto dela que antes. Movia-se silencioso como um gato. Uma cadeira de rodas tivesse feito algum ruído. Portanto, era evidente que podia andar. Ou
talvez estivesse flutuando. Sacudiu a cabeça para afastar aquela fantasia. Era um homem, não um fantasma..
--Talvez até chegue a gostar --disse com voz insinuante-. Tudo é melhor de noite. Guardam-se melhor os segredos e não se vê a fealdade. À luz das velas, todo
mundo é formoso. Suponho que é o bastante vaidosa para que goste disso.
-A verdade é que não sou uma pessoa muito vaidosa
O homem soltou uma gargalhada amarga.
-De verdade? Temo-me que eu sim sou. O qual é uma dor, já que não tenho muito do que me envaidecer.
Não soube que responder a isso. Estava já muito perto, aos pés da cama. E sabia sem nenhum rastro de dúvida que era o desconhecido que a havia cuidado durante
sua enfermidade. O homem que a havia beijado para descobrir a que gosto tinha o chiclete. Ethan Winslowe. Estremeceu na escuridão.
-Quando vai me deixar partir? -perguntou.
-Já voltamos com o mesmo? Havíamos combinado de que não fosse ser aborrecida.
- Tivesse me deixado morrer aqui, longe de qualquer hospital decente? Como havia explicado meu desaparecimento? Como se havia liberado do corpo?
-Eu não dou explicações a ninguém - disse - Não tenho por que fazê-lo. E não crê que não posso me livrar de um cadáver se me vejo obrigado a isso. Não subestime
meu poder, Megan. Por aqui não há ninguém além dos habitantes de Oak Grove e eles fariam tudo o que eu lhes dissesse.
-Têm medo de você.
-Sim, mas eu sou também sua única fonte de ganhos. Se não fizerem o que lhes digo, não só correm o risco de ficar cegos ou loucos, a não ser também de morrer
de fome.
-Sabe o que dizem de você.
-Sei tudo o que preciso saber. Por exemplo, sei que depois de ler Stephen King, está morta de medo.
-Não tem livros mais animados? -perguntou ela, sem incomodar-se em negá-lo.
-Deixei esses a propósito.
-Queria me assustar?
Por que o aquilo a surpreendia? Acaso não havia tentado assustá-la desde que chegou? O incrível era que não estava assustada nesse momento, só na escuridão com
um homem ao que considerava um monstro. Um homem que beijava como um anjo. Aproximou-se mais dela. Meg desejou que sua enfermidade não tivesse confundido tanto suas
lembranças. Não podia aceitar a idéia de que Ethan Winslowe, a criatura disforme que vivia nas vísceras daquela casa, fora o mesmo homem que a havia encontrado no
jardim e a havia levado acima, O mesmo homem que a havia acariciado, abraçado e beijado. Por um momento ele pareceu recordar que o havia visto a cara. Mas, se era
assim, a lembrança havia desaparecido com a febre.
-Teria me deixado morrer? -insistiu.
-Que crê você?
A jovem não disse nada durante um momento. - Não acredito que o tivesse feito -respondeu ao fim-. Acredito que havia conseguido um carro ou uma ambulância ou
um helicóptero e me havia levado a um bom hospital.
-Sua ingenuidade é uma de suas muitas qualidades. Se te tivesse transferido a um hospital, teria que responder a muitas perguntas inoportunas. E você teria
escapado. Crê que permitiria isso?
-Então me deixaria morrer?
-Isso é algo que não saberá nunca. O único que quero te sugerir é que não seja tão confiada. Eu estou acostumado a me sair sempre com a minha sem pensar nas
conseqüências.
A jovem não acreditou. Empenhava-se tanto em lhe fazer acreditar que era um monstro que começava a duvidá-lo.
-Poderia acender uma das lâmpadas?-perguntou.
O homem tornou a rir.
-Não é necessário que veja minha cara. Já aconteceu bastante medo por uma noite. Tem que recuperar as forças.
-Para poder partir daqui?
-Talvez para que possa tentar escapar. Não importa. Primeiro, tem que te pôr bem. Ademais já discutiremos logo.
Estava perto, dolorosamente perto dela.
-Dorme -sussurrou-. Aqui não há monstros que possam te incomodar. Não há demônios nem fantasmas que possam te danificar. Aqui só estou eu. Durma e eu velarei
seu sonho.
Acreditou que ia tocá-la. Sentia-se meio drogada por sua presença e sua voz profunda e insinuante. Recostou-se na cama e se tampou a cabeça com a savana. O tornou
a rir com certa amargura.
-Não se preocupe pequena. Com essa camisola te parece muito a uma virgem vitoriana para que eu deseje te tocar..
- Nós as mulheres que medem um metro cinqüenta não gostamos que nos chamem pequenas -disse ela, com frieza-. E, para que saiba, não tenho nada que ver com uma
virgem vitoriana. Tenho muita experiência.
-Duas relações breves não acredito que constituam uma grande experiência -sorriu.
Não perguntou como o sabia. Estava começando a aceitar que sabia tudo, que não podia mentir nem ocultar nada a um homem que podia ver na escuridão com tanta
facilidade como a maioria das pessoas à luz do dia.
-Me diga uma coisa -disse ela-. Alguém perguntou por mim? Alguém tentou averiguar onde estou? Estou fora mais de uma semana, perdi um avião para a Europa e não
me pus em contato com ninguém. Alguém perguntou por mim?
Viu-o vacilar um momento e não soube a que atribuí-lo. Talvez estivesse inventando uma mentira ou talvez queria lhe ocultar apenas parte da verdade. - Ninguém
perguntou-disse, ao fim-. Faz muitos anos que conhece seu pai. Suponho que se desse conta de que um homem tão covarde como ele se limitasse a ignorar seu desaparecimento
e confiar em que tudo vá bem. Não há ninguém disposto a te ajudar, Megan. Ninguém, exceto eu.
-E você quer me ajudar? -perguntou ela, cética.
Estava tão perto que notou o fôlego dele sobre seu rosto. Sentiu um enorme impulso de levar a mão e tocá-lo, mas se controlou e permaneceu imóvel.
-Durma, Megan -sussurrou, sem responder a sua pergunta--. Amanhã estará mais forte e disposta a planejar sua vingança.
-A vingança é coisa sua, não minha -sussurrou a jovem.
Por que se sentia de repente tão sonolenta? Por que o aroma do petróleo parecia de repente irresistivelmente erótico? Seria a voz daquele homem na escuridão?
A criatura da noite que não havia visto alguma vez?
Prometeu-se que o veria no dia seguinte. Então se sentiria o bastante forte para sair para buscá-lo à luz do dia. Fossem quais fossem seus defeitos físicos,
não podia ser tão horríveis para obrigá-lo a passar a vida escondido.
-Dorme -murmurou, com voz hipnótica-Acaso ele havia lido o pensamento? -Dorme -repetiu. E ela dormiu.
-Quero saber como é possível que leve uma semana a base de caldo de frango e não tenha emagrecido nada -gritou Meg aquela manhã, ao vestir seu jeans favoritos.
Salvatore havia tirado sua mala de onde quer que estivesse guardada e a havia levado a seu quarto. Ao fim havia podido tirar-se aquela camisola virginal.
Quando despertou, pouco depois de amanhecer, o vidro quebrado havia desaparecido e uma lâmpada nova estava colocada ao lado de sua cama. Só um resto de aroma
de petróleo no ambiente a convenceu de que a visita da noite anterior não havia sido um sonho. Decidiu que havia se deixado seduzir pela escuridão e o ar etéreo
de seu anfitrião. Um par de calças jeans e uma camisa de algodão a devolveriam à realidade.
Aproximo-se da janela. Parecia que havia deixado de chover e até dava a impressão de que o sol fora a aparecer por entre as nuvens. A idéia de sair ao ar livre
lhe resultava tão atraente que teve que fazer um esforço para não sair correndo.
A janela de seu quarto atual estava situada no segundo piso da estranha casa, em cima de um jardim de rosas. Era muito logo para que houvesse rosas, mas os
caules já estavam talheres de folhas e era evidente que estavam bem cuidados. Entre as janelas, pôde ver ao longe a figura de um homem. Apertou o rosto contra o
cristal, perguntando-se se seria Ethan Winslowe,
O homem se movia muito devagar para ser ele. Viu uns ombros caídos e um cabelo grisalho e soube que por fim havia encontrado ao velho jardineiro.
-Aproxime-se e me diga quem é esse homem, Ruth -pediu, sem apartar a vista da figura.
Aludida ignorou suas palavras e seguiu pendurando a roupa do Meg no armário.
-Não se incomode com isso. Não penso ficar muito tempo -disse a outra, impaciente-. Aproxime-se e me diga quem é esse homem.
Ruth se aproximou com desinteressa à janela. -Que homem? -perguntou.
-o aquele ... -havia desaparecido-. Maldita seja! Estava perto das roseiras. O velho do que lhe falei. Que me encontrou quando cai no jardim.
-Já o hei dito. Os únicos homens que há aqui são Ethan e Salvatore.
Meg se voltou de costas à janela. -Quantos anos tem? -perguntou.
-Salvatore deve ter cinqüenta e tantos.
-Não me refiro a ele. Quantos anos tem Ethan Winslowe?
A mulher a olhou com expressão impenetrável.
-É difícil sabê-lo.
-Tente-o. Cinqüenta e tantos? Noventa e tantos? Vinte anos?
-Não tem idade.
-Todo mundo tem idade, exceto Dick Clark.
-Quem é Dick Clark?
Meg a Olhou, fascinada.
-Não têm televisão em Arkansas?
-Em Oak Grove não. Considera-se um pecado.
-E viveu toda sua vida no Oak Grove?
-A maior parte. Agora procuro me manter afastada do povoado, mas houve um tempo em estava apanhada como todos os jovens, até que...
-Até que...?
-Falo muito. Tenho que ir para casa com minha família.
-Família?
A cara da mulher se suavizou e Megan pôde ver quão formosa havia sido em outra época.
-Meu marido e meus dois filhos. Jason e Brian têm quatorze e dezesseis anos e já são mais altos que eu. E logo está meu marido, Burt. Meu primeiro marido, John,
morreu em um acidente na mina quanto os meninos eram muito pequenos. Casei-me com o Burt faz cinco anos e sou muito feliz. Sempre que não nos aproximemos de Oak
Grove.
-Eu havia pensado que seria mais importante não aproximar-se daqui.
-Não passo muito tempo aqui. Só quando me necessitam. E, sempre que isso ocorre, pode apostar algo a que venha, aconteça o que acontecer. Não deveria acreditar
em tudo o que ouve. As coisas não revistam ser tão singelas como parecem. Às vezes os homens maus resultam ser os bons, e vice versa.
Partiu antes que Megan pudesse fazer mais perguntas. Olhou pela janela, mas o ancião havia desaparecido. Sentou-se na cama e refletiu sobre as palavras da Ruth.
Por isso sabia, ali não havia ninguém bom. Com a possível exceção do ancião, de Ruth e dela mesma, os demais eram uns vilãos. Significava isso que em realidade todos
eram bons?
Um momento depois, Salvatore chamou a sua porta. - Você tem visita. Meg o olhou vacilante.
-Visita? Meu pai?
-Acredita que Ethan deixaria entrar aqui a seu pai? Não conte com isso, encanto. É o pastor Lincoln. Veio a lhe oferecer sua ajuda.
A jovem o olhou com desconfiança.
-Acredita que um pastor pode anular a decisão do Winslowe de me manter prisioneira?
-Não é provável, mas Lincoln acredita que Ethan é o mesmo diabo. Estou seguro de que oferecera algum consolo.
-Sabe Ethan que você me deixou vê-lo?
-Ethan sabe tudo. De fato, foi idéia dele.
-Embora possa me dar a oportunidade de escapar?
Savatore sorriu com malícia.
-Depende de você aproveitá-la.
O percurso dos corredores e escadas foi comprido e tortuoso. Nada lhe parecia familiar e, se havia passado antes por ali, não o recordava. Teve que parar várias
vezes a recuperar o fôlego. Não reconheceu nada até que chegaram ao vestíbulo frontal. A casa era tão enorme que podia perder-se nela durante dias. Não era estranho
que já não se incomodassem em encerrá-la com chave.
Dispôs-se a entrar no salão, mas seu guardião estendeu uma mão para detê-la.
-Está no alpendre dianteiro. Não quer pôr o pé na morada do diabo.
Megan o olhou, tentando averiguar se o outro brincava, mas parecia ter falado a sério. Melhor. Se o pastor Lincoln estava convencido de que Winslowe era a encarnação
do diabo, não teria reparos em ajudá-la a sair de ali. Salvatore abriu a porta e ela olhou ao pastor com desânimo. Era um homem alto, com uma noz proeminente. Vestia
negro e tinha as bochechas rosadas. E seus olhos eram os de um fanático..
-Irmã -gritou ao vê-la-. Deus me envia para te tirar desta casa diabólica, para te atrair ao seio do Senhor e lavar seus pecados. Dê-me a mão e te tirarei desta
suja casa.
-A verdade é que a casa está muito limpa -não pôde evitar dizer Meg.
O fanatismo a fez sentir-se incomoda. Ao vê-lo franzir o cenho, deu-se conta de que havia cometido uma tolice, atirando pela amurada a oportunidade de escapar
sozinha porque não gostava do estilo daquele homem. Apressou-se a adotar uma expressão contrita.
-O agradeceria que me tirasse daqui. Meu carro..
Olhou em direção aonde havia estado seu veiculo. Havia desaparecido e em seu lugar havia um velho microônibus com um letreiro em um dos flancos: "Deus o vê tudo,
julga-o tudo, castiga tudo".
-Essa encarnação do Satanás o destruiu com seu trovão -anunciou o pastor - Venha comigo agora mesmo, antes que te converta em uma de suas seguidoras.
A jovem esteve a ponto de recusar, o que, sem dúvida, havia sido uma loucura.
-Você pode me levar até a cidade mais próxima? --perguntou.
-É obvio, minha filha. Até o Oak Grove.
-Mas eu preciso voltar para Chicago com minha família.
-Sua única família é Deus -declamou-. Faremos o que possamos, mas primeiro temos que te desencardir.
A jovem começou a afastar-se dele.
-De que igreja é você, padre?
-Eu sigo a verdade, como meu pai e meu avô antes que eu.
-Mas deve ter estudado...
-Quando Deus o chama, não é necessário estudar, irmã.
A colheu pelo braço e Meg se surpreendeu ante a insuspeitada força daquelas mãos ossudas.
-Não, obrigado -disse apressadamente, soltando-se-. Acredito que no momento vou ficar aqui, mas obrigado pela oferta.
-Diabólica -disse o, com fúria, assinalando-a com o dedo-. É muito tarde para ti. Ele te apanhou, converteu-te em uma de seus succubi.
-Uma de seus que? -perguntou ela, sem saber muito bem se devia sentir-se zangada ou divertida.
-Só o fogo poderá limpar seus pecados. É companheira do diabo. Esta perdida nos pecados da carne. Sua alma está podre.
E, sem deixar de gritar, sob os degraus que o separavam de seu microônibus.
-Parece-me que acaba de criar um inimigo.
-Foi culpa dele -replicou Meg-. Aqui todo mundo está louco?
-Mas ou menos -repôs ele- Pronta para voltar para seu quarto ?
Então compreendeu a enormidade do que acabava de fazer. Havia atirado pela amurada sua única oportunidade de escapar. E que se havia querido desencardi-la? Provavelmente
não havia sido tão mau como o que lhe proporcionava Ethan Winslowe.
Endireitou-se com firmeza. Se havia havido uma oportunidade, havia outras. Talvez a ajudaria Ruth. Era indubitável que tinha bom coração, embora parecia lhe
ser totalmente fiel ao fantasma. Teria que conseguir abrandá-la.
-Pronta -disse-. A menos...
-Sim? -perguntou o outro, impaciente.
- Eu gostaria passar um pouco de tempo ao ar livre.
De onde estava, ouvia ruídos de construção no lado esquerdo da casa. Se ficasse sozinha no alpendre, poderia ir procurar aos operários. Estava segura de que
poderia conseguir o que quisesse de uma equipe de operários.
-Não a ajudarão - disse Salvatore, lendo o seu pensamento-. Sabem muito bem quem é que os paga.
Resistiu ao impulso de lhe fazer uma careta. Sabia que havia uma pessoa que a ajudaria. Uma pessoa que se preocupava com ela.
-O que eu gostaria é passar um pouco de tempo no jardim de rosas que vi desde minha janela. É possível?
-Não sei. Tenho que perguntar ao Ethan.
-Não está dormindo em seu ataúde? Vamos, Igor, tome alguma decisão própria de vez em quando.
-E se eu não gostasse de sua atitude?
-É uma pena. Deixe ir ao jardim de rosas e me mostrar obediente. Houve uma pausa..
-Não vejo nenhum mau nisso --disse o homem, ao fim-, mas tenho que lhe fazer uma advertência.
-Qual?
-Cuidado com os fantasmas


Capítulo Sete


O jardim de rosas estava mais fresco que o alpendre dianteiro. A erva estava verde e úmida e o intenso aroma da primavera e da terra resultava quase erótico.
Depois de murmurar que regressaria ao cabo de uma hora, Salvatore a deixou só e partiu.
O jardim parecia bem cuidado. As rosas começavam a soltar botões. Este velhinho devia ser um bom jardineiro para manter em tão bom estado aquelas rosas. Porque
estava segura de que o jardineiro não era a não ser o velho que a havia encontrado aquela noite, o ancião ao que havia visto aquela manhã da sua janela.
Se voltou para olhar à casa, sacudindo a cabeça com incredulidade. Desde qualquer angulo, o edifício era uma mescla demência de estilos arquitetônicos que produziam
uma impressão geral estranha e inquietante.
Cruzou a erva úmida e se sentou em um dos bancos de madeira oculto atrás dos arbustos. Tinha a sensação de que alguém a observava, embora sabia que ninguém poderia
ver nada detrás daqueles arbustos. Ficaria um momento ali, completamente sozinha, a pensar no melhor modo de escapar.
Reclinou-se contra o respaldo e fechou os olhos. Sua saúde melhorava dia a dia e ninguém lhe havia feito nenhum mal. Era certo que estava ali contra sua vontade,
mas também o era que cada vez se sentia mais fascinada pelas pessoas que a rodeavam, especialmente Ethan Winslowe. Se ele se rendesse de repente, deixaria em paz
a seu pai e a deixaria livre ela, sem dúvida se sentiria contente e aliviada, mas também um pouco decepcionada. Há alguns dias desejava ir a Europa em busca de aventuras.
E agora estava segura de que algo que pudesse lhe ocorrer não seria nada comparado com o que havia vivido na ultima semana.
Abriu os olhos e se inclinou para frente. Do outro lado de onde ela estava, havia um homem inclinado sobre a terra, concentrado em seu trabalho. Suas mãos eram
velhas e rugosas e o cabelo que escapava de sua viseira era completamente branco. Devia sentir o olhar dela porque levantou a vista e Meg se encontrou olhando os
olhos mais amáveis e gentis que já havia visto.
-Acreditei que estava dormindo -disse, tornando-se para atrás.
-Vim procurá-lo.
-Estava seguro de que viria. Perguntou lhes por mim?
-Ninguém admite que você exista.
O homem sorriu docemente.
-Não me surpreende. Talvez não exista. Você gosta de meu jardim ?
-É muito formoso.
-É todavia mais bonito quando as roseiras estão em flor. Em meados de maio é uma orgia de cor e aroma. Um lugar ideal para umas bodas.
Meg o olhou surpreendida.
- Alguém vai se casar? -perguntou.
-Aqui não -repôs o, com tristeza-. O único que poderia casar-se seria Ethan e ele nunca sai à luz do dia.
-Por que não?
-Pergunte a ele.
-O pergunto a você -repôs ela, teimosa.
-Me pergunte algo ao que possa responder. Jogas-te a esse ministro louco verdade?
Megan pensou que, naquela casa, todo mundo parecia saber sempre tudo o que ocorria.
-Louco é a palavra exata -disse-. Me deu a impressão de que estava disposto a meter-me em uma caldeira de água fervendo para me tirar o diabo.
-Não me havia dado conta de que Ethan tivesse chegado tão longe
A jovem reteve o fôlego.
-Você acredita que o é o diabo?
O ancião moveu a cabeça.
-Eu sei bem quem é e o que é. Se houver algum diabo por aqui, em minha opinião é o pastor Lincoln e seus montes de seguidores. Vão por ai dizendo que tudo é
pecado e amarguram a vida das poucas pessoas que não opinam exatamente como eles, como Burt e Ruth Wilkins. E Ethan sempre os está provocando. Talvez, se os deixasse
em paz, eles também se esqueceriam dele.
-Você acredita de verdade?
-Não. Lincoln e os seus não descansaram até que tenham destruído Ethan. Estão tão convencidos de que é a personificação do diabo que não pensam em nada mais.
Nem sequer no muito que degenerou o povoado com o passar do ultimo século.
-É difícil arrumar os enganos de todo um século -observou Meg.
-Depende de se as pessoas querem fazê-lo ou não. O povoado de Oak Grove é diabólico. O melhor que poderia passar seria que chegasse um desses tornados e o destruísse
inteiro.
A jovem se levantou do banco e balançou uns passos. A luz do sol havia dado lugar a uma névoa úmida e lhe custava ver bem ao ancião.
-Que acontece com esse povoado, além do fato de estar completamente isolado?
-Eles escolheram o isolamento. Tudo passou a princípios de século. Foi uma má época para as pessoas por aqui. A seca arruinou as colheitas ano detrás ano. Logo
chegaram as tormentas de vento, que acabaram com a metade das famílias. Os únicos que sobreviveram foram os que eram muito mesquinhos para morrer. Os que viam a
seu vizinho debater-se contra o vento e não saiam em sua ajuda. E essas pessoas mesquinhas se reproduziram entre elas ao longo dos anos e agora são os loucos sobreviventes.
As pessoas boas partem assim que podem e os maus ficam aqui.
-Nunca pensei que pudesse se acusar a um povoado inteiro.
-Não conhece bem a este. É mau.
-E por que Ethan fica aqui? Isso não o converte também em mau?
O velho a olhou diretamente aos olhos.
-Fica aqui porque sente que seu posto está aqui. Acredita que todo mundo é tão cruel, insensível e desumano como os habitantes de Oak Grove. Eles reforçam a
má opinião que tem da humanidade.
-E há algum modo de ajudá-lo? -perguntou Meg
O homem a olhou com uma mescla de surpresa e compaixão.
-E por que você iria querer ajudá-lo? Acaso não te mantém prisioneira aqui? Não ameaçou destruindo a seu pai e tudo o que mais te importa? Por que foste querer
ajudá-lo?
A jovem não se incomodou em perguntar como sabia tudo aquilo. Naquela casa, todo mundo, exceto ela, parecia saber tudo. Ela não sabia nada de nada e, quanto
mais tempo passava ali, mas confusa se sentia.
-Talvez, se o ajudasse, me deixasse partir -disse.
-Eu não contaria com isso. Ethan é muito teimoso. Ele culpa ao doutor Bailey e às pessoas do povoado da morte de seu pai, faz quinze anos, e está planejando
a vingança perfeita.
-E por que os culpa?
-Tem motivos para isso. Teve um ataque ao coração aqui, nos jardins. O doutor Bailey estava muito bêbado para ajudá-lo e as pessoas do povoado se negaram a fazê-lo.
Ferdy, o do posto de gasolina, tinha o único carro por aqui e não quis levá-lo ao hospital. Seu pai morreu quando Ethan havia completadp vinte anos.
-Isso quer dizer que tem uns trinta e cinco - calculou Meg rapidamente.
-Quantos anos cria que tinha?
-Não o sei. Não o vi alguma vez. Que ocorreu com sua mãe?
O velho fez uma careta.
-Sua mãe era uma mariposa inútil que não suportava ver seu próprio filho. Morreu em um acidente de carro quando ele tinha doze anos e, se quer saber minha opinião,
tivesse sido melhor que tivesse ocorrido onze anos atrás.
-Isso é terrível.
-O merecia pelo que fez a seu filho- repôs o ancião, implacável - . Todavia é possível salvá-lo, Meg, mas o tempo começa a acabar-se. Logo será muito tarde.
Acredito que você é uma espécie de presente divino, Sua última oportunidade.
A jovem sentiu uma aguda pressão no peito, que não tinha nada que ver com os efeitos da pneumonia.
-Última oportunidade de que?
-Isso terá que descobri-lo só - repôs ele, da névoa - . E não te culpe muito se não conseguir salvá-lo. Talvez já seja muito tarde.
-Salvá-lo de que?
Já não podia ver o ancião, só uma leve sombra na névoa.
-Salvar o de que? - repetiu - Não parta. Não me explicou..
-Estarei aqui - murmurou a voz dele na distância-. Quando me necessitar, estarei aqui.
-Quem é você? Como se chama?
-Joseph.
Megan não soube se o havia ouvido pronunciar seu nome ou se a palavra foi só um eco em sua mente. Chamou-o, mas não obteve resposta. Só a chuva que começou a
cair.


***


- Chamou-me Igor - disse Salvatore, com voz ofendida.
Ethan se tornou a rir.
-Pega-te. Depois de tudo, é o fiel mordomo do louco diabólico.
-A mim não resulta divertido. Há dito que você dormia em um ataúde.
-Não sabia que lhe interessava saber onde durmo. Terá que dizer-lhe.
-Ethan.
-Gostaria que deixasse de fazer isso. Cada vez que diz meu nome nesse tom, recorda a um professor de escola. Antes de te dar conta, estará me golpeando os nódulos
com uma régua.
--Talvez seja porque você estas comportando como um menino.
-Talvez. Gostaria ter visto se despedir do Lincoln. Deve ter sido divertido.
-Era o que esperava que fizesse verdade?
O jovem se encolheu de ombros.
-Não estava seguro. Podia ter sido o bastante estúpida para ir com ele. Isso facilitaria tudo.
-Que vais fazer com respeito a seu pai?
Ethan o olhou um momento,
-É que isso corre pressa? Pensava me concentrar em sua filha no momento.
-Vai começar um novo Centro Cívico em Alabama a semana que vem. Não é um de seus desenhos, assim que, se ocorrer algo, sua estivesse à margem. Talvez não precise
fazer nada.
-Crê que o persegui por salvar minha reputação?
-Não. Mas tampouco acredito que o tenha feito porque se preocupe com os operários. Faz muito que te conheço e não acredito que te tenha convertido de repente
em um coração compassivo.
-Certo. Mas tampouco desfruto sabendo que alguém pode morrer enquanto um homem ao que eu ajudei se enriquece a custa de sua morte. Reese Carey não estaria hoje
onde está se não fora por meus projetos. Portanto, parte da responsabilidade é minha.
-Mas também quer te vingar.
-Certamente, Sally. E vou fazer. Começando com sua filha. Onde está agora nossa convidada? Talvez chegou o momento de lhe dizer algumas verdades sobre seu pai.
-Não crê que ela o conhece muito bem? Que está de acordo com você?
Ethan vacilou um momento. -Não.
-Deus meu! -murmurou Salvatore-. Já se apaixonou né?
-Não seja ridículo. Só porque crê que é relativamente inocente...
-Você nunca crê que ninguém é inocente até que não tenha provas disso. E com Meg Carey só tem sua intuição.
-Sou um homem, Sally. Posso ser tão luxurioso como o que mais.
-Já o sei. O que não sabia é que fosse capaz de se apaixonar.
Ethan o olhou completamente horrorizado isso.
-Me deixe em paz. A palavra amor não é mais que um eufemismo que oculta algo muito mais biológico.
-E o que você sente por Meg Carey é algo biológico?
-Certamente. E se volta mais incontrolável cada dia.
-Esta no jardim de rosas. E está chovendo.
-E que diabos faz ali?
-Procurando o Joseph.
-E crê que o encontrou?
-Poucas pessoas o conseguem, mas ele já a procurou um dia, a noite em que estava perdida na chuva. Pode voltar a procurá-la.
Ethan assentiu.
-Não me estranharia nada. Essa garota tem a habilidade de atrair às pessoas.
-Comigo não deu resultado - disse Salvatore.
-De verdade? Então por que não deixa de tentar apartá-la de minhas diabólicas garras?
-Talvez porque estou preocupado por ti. Não por ela. Não se pode seqüestrar às pessoas assim, Ethan. Não pode mantê-la prisioneira indefinidamente. Antes ou
depois, você será perseguido por isso. Não esse grupo de covardes de Oak Grove, a não ser as autoridades do Estado. Talvez inclusive os federais. Não poderás te
sair com a tua por muito tempo
-E quem vai avisá-los? Não acredito que as boas pessoas de Oak Grove o façam, nem o covarde de seu pai. Ninguém mais sabe que está aqui, todos acreditam que
está na Europa.
-Estas brincando com fogo. Ethan.
-Não acredito que importaria muito se me queimar não te parece? Acredito que esta noite farei uma visita a Meg. Vá resgatá-la da chuva, Sal. Este clima não
é bom para seus pulmões. E será melhor que te assegure de que tem antibióticos suficientes para terminar os que lhe receitaram. Não queremos nos arriscar a uma recaída.
-Por que não? Isso a obrigaria a ficar mais tempo..
-Ficasse todo o tempo que eu queira. Ademais, quero-a sã. Tenho meus planos.
-Ethan...
-Já está outra vez com esse tom de professor. Vá trazê-la. Talvez seja tempo de voltar a mudá-la. Por que não a leva a seção romana?
-A que quarto ? -perguntou Salvatore, com desconfiança.
-Acredito que já teve bastante de Stephen King no momento, Ponha no quarto da Pompéia

***

-Onde está minha toga? --perguntou Meg, quando Salvatore a acompanhou a sua nova morada. Não gostou muito do ar austero de seu novo quarto, mas ao menos havia
uma cama enorme no centro, e até havia um braseiro em um canto. As paredes estavam cobertas de murais que não se interessou em olhar. No momento, o único que queria
era tirar a roupa úmida, comer algo e pensar no modo de sair dali.
-As mulheres não usam togas -repôs o homem, com tom sardônico-.O banheiro está por ali e sua roupa no armário. Tem que estar pronta dentro de meia hora.
-Pronta para que? Pensava tomar um longo banho. Os romanos eram famosos por seus balneários não? Suponho que aqui haveria uma piscina de estilo romano.
-Pode utilizá-la depois. Ethan quer que esteja pronta para o jantar.
-Para alimentá-lo ou para comer?
Salvatore ignorou seu sarcasmo.
-Não coloque jeans. Não gosta
Aquilo acabou com suas dúvidas sobre que colocar para jantar. Evidentemente, vestiria que seus jeans.
-Esteja pronta dento de uma hora - disse com frieza
A seção romana da casa incluía um pórtico do que saiam umas escadas que conduziam a um pátio adornado com estátuas de mármore. Meg o observou à luz do entardecer.
Pela primeira vez teria acesso direto ao exterior, a menos, claro, que Ethan decidisse voltar a encerrá-la com chave. Decidiu que, se deixava de chover, podia tentar
escapar aquela mesma noite
Claro que era evidente que no povoado de Oak Grove não ia encontrar muita ajuda. Talvez pudesse encontrar seu carro alugado, mas tendo em conta as dimensões
da casa, aquilo não seria fácil. O melhor seria agarrar um dos veículos da obra, não seria a primeira vez em sua vida que conduzia uma pá mecânica.
O problema com as pás era sua lentidão. Iria mais depressa andando. E o melhor seria esperar um par de dias até recuperar as forças por completo. Depois de tudo,
não havia pressa. A ninguém, inclusive seu pai, parecia importar que tivesse desaparecido. Entrou no banheiro e, quando saiu um momento depois envolta em uma volumosa
toalha, descobriu que suas calças não estavam já no chão onde os havia deixado. Em realidade, todos seu jeans haviam desaparecido de sua mala, ao igual a suas sapatilhas
esportivas. O único que ficava eram vestidos, e naquele momento pareceu que todos eram excessivamente rodeados ou muito decotados ou muito curtos.
Mas não teve mais remédio que escolher um. O de ponto negro era o mais cumprido e menos apertado e, procurava arrumar o decote com as mãos, não havia muito que
ver. Por que não havia perdido peso quando esteve doente? Conhecendo sua sorte, provavelmente havia aumentado três quilogramas, todos no peito
Ao parecer, os antigos romanos não tinham espelhos, assim que não pôde ver que aspecto tinha.
-Está pronta? -perguntou Salvatore, quem não se havia incomodado em bater na porta.
-Morituri lhe salutamus -murmurou ela, colocando-os sapatos de salto alto.
-Que há dito?
-Nada, só queria me pôr a tom com a decoração, Sal -replicou, apartando o cabelo do rosto-. Significa: os que vão morrer te saúdam.
-Não acredito que as coisas cheguem tão longe se você tiver cuidado -repôs o homem com seriedade.
A jovem o olhou horrorizada.
-Até tu, Brutus? Não me assusto facilmente.
-Já sei. Pior para você.
Saiu ao vestíbulo escuro sem incomodar-se em comprovar se a jovem o seguia.
Megan brincou um momento com a idéia de ficar onde estava, mas sabia que aquilo não serviria de nada. Ethan iria procurá-la pessoalmente ou enviaria a seu criado.
De todas as formas, só conseguiria postergar o inevitável.
-Espera, Igor -gritou à luz que se afastava. E se apressou a sair detrás de Salvatore.


Capítulo Oito


Se dirigiam para baixo, de novo para o centro da casa, em meio a uma escuridão iluminada muito de pouco em pouco por alguma lâmpada de gás. Meg cambaleava detrás
de Salvatore, amaldiçoando a estreiteza de seu vestido e a seu anfitrião.
- Por que diabos não podia viver sobre o nível do chão? Sabia que podia andar e que era o bastante forte para levá-la em seus braços pela escada de caracol do
torreão . Por que tinha que escolher viver clandestinamente?
Quando Salvatore a guiou através de uma porta ampla, encontrou a resposta a sua pergunta. Elegia os sótãos por sua falta de luz. Ali não havia janelas fechadas
que pudessem deixar entrar um raio de sol por entre as frestas.
Não era a mesmo quarto da outra vez. Não havia nenhuma luz lhe ofuscando a vista. Viu uma ampla mesa coberta com uma toalha damasco, com pratos da China e copos
de cristal. Havia sido disposta para uma pessoa. A ambos os lados da cadeira havia uns candelabros, mas a luz não chegava muito longe no quarto . Ele estava ali,
na escuridão, observando-a. Meg podia sentir o olhar dele sobre sua pele, examinando suas pernas, seus quadris e seu decote. Teve que reunir todo seu autocontrole
para não fechar o decote com as mãos.
Sentou-se imóvel. Salvatore colocou um prato de comida ante ela, encheu-lhe um copo de vinho e logo desapareceu entre as sombras.
Olhou seu prato. Frango em molho, arroz e espargos brancos. Estava segura de que o vinho seria francês e de qualidade. Suspirou.
-Você não gosta da comida? -surgiu a voz do Ethan da escuridão-. Diga Salvatore o que você gosta e ele o fará.
Daria algo por comer um hambúrguer com batatas fritas, acompanhada por um copo enorme da Coca-cola light.
-Sinto muito. O McDonald's mais próximo está a mais de cem quilômetros. A comida estaria fria antes que Salvatore chegasse de volta
O frango estava delicioso. Decidiu que podia viver um pouco mais sem junk food.
-Surpreende-me que você saiba o que é um McDonald's -disse, bebendo um sorvo de vinho.
-O sim, sei. O que não sei é o gosto da comida.
-Não esteve alguma vez dentro de um?
-Não.
A jovem se reclinou na cadeira, com a taça na mão.
-Você está perdendo algo estupendo.
-Se você o diz,mas suponho que sobreviverei. Que te pareceu nosso pastor local?
-O pastor Lincoln? Está como uma cabra.
-Vem de família. Seu pai e seu avô eram tão fanáticos como ele. Suponho que não quiseste aceitar sua ajuda. Tenho direito a esperar que esteja criando carinho
a este lugar?
-Espere tudo o que queira. Neste caso, foi questão de escolher entre o diabo ao que se vê e o diabo ao que não posso ver. Decidi que você podia ser menos perigoso
à larga.
-Não sei se me sentirei adulado ou ofendido -murmurou.
-Quando se decidir, faça-me saber. Terminou de beber sua taça, colheu a garrafa e voltou a enchê-la.
-Que é um succubus? -perguntou. Ouviu que o reprimia uma gargalhada.
-Chamou-te isso?
-Entre outras coisas, mas não sei o que significa
-É um demônio feminino que tem relações sexuais com os homens enquanto estes dormem -replicou.
A jovem ficou um momento em silêncio. -Não parece muito divertido -disse, ao fim. -Também designa aos casais sexuais dos demônios -acrescentou.
-Compreendo
Meg deixou a taça sobre a mesa. Sentia-se muito vulnerável para continuar bebendo vinho. Quase começava a excitar-se. Seria melhor que se limitasse a beber água
e procurasse manter a conversa a um nível pouco amistoso.
-Quando vai me soltar?
-Outra vez com isso?-perguntou o-. É muito aborrecida, Meg.
-Então, deixe me ir. Não acredita que já paguei suficiente pelos pecados de meu pai?
-Não.
-Um estúpido engano cometido faz cinco anos não é suficiente para destruir a um homem - disse ela.
-Nem sequer quando algumas pessoas morreram? Ou quando tenta culpar a outras pessoas?
-Sinto muito. Há-me isso dito.
-E crê que o único que dizer é que o sente para que tudo se arrume?
- Que outra coisa poderia fazer?
- Podia vir aqui em pessoa em vez de enviar a ti. Ou poderia haver dito que não voltaria a fazê-lo nunca mais ou algo assim - repôs Ethan, implacável.
-Mas você teria acreditado?
-É obvio que não, mas eu tenho certa vantagem sobre ti. Eu sei que segue fazendo-o.
-Não!
-Segue utilizando materiais de qualidade inferior e ignorando as especificações dos desenhos para economizar dinheiro e encher os bolsos. Arrisca vidas humanas
por avareza. Suas mãos estão manchadas de sangue e ainda por cima envia a sua filha para me convencer de que não o denuncie.
-Não acredito. Ele nunca faria ... Ele não poderia...
-Você não é tola, Meg, embora no referente ao seu pai seja bastante cega. Fez o mesmo no Instituto de Ciências do Minneapolis e com o Centro de Arte de Greenwich.
Antes ou depois, algum de seus edifícios cairá, mas gente morrerá.
-Não pode ser. Nunca poderia fazer algo assim sozinho.
-Claro que não. Tem ajuda de sobra com pessoas como George Dubocek e Brian Donegal. E também tem detrás a Administração. Gente como Mary Elder e Phillip Zarain
se encarregam de ocultar que o material é de baixa qualidade e que desaparecem algumas especificações. Está se livrando até que morra alguém mais e então sua casa
de cartas se derrube igual a esses edifícios que levanta.
Por um momento, Meg pensou que ia vomitar. Queria gritar, lhe dizer que era um mentiroso, que seu pai não era assim, mas os nomes que havia dado a detiveram.
Em sua memória começava a esclarecer-se alguns olhares estranhos interceptados e certos trabalhos pouco claros.
-E estava disposto a deixar que se livrasse? A deixar que continuasse arriscando a vida das pessoas sempre que eu ficasse aqui para distraí-lo? -pôde dizer,
ao fim. -Não.
A jovem levantou a cabeça. -Que quer dizer com isso?
-Quero dizer que não, que não pensava deixá-lo continuar. Menti a você. O. F.B.I, já foi informado. Seu pai está destruído, Meg. Acabará arruinado e provavelmente
na prisão.
-Nunca teve intenção de salvá-lo.
-Nunca.
-Eu poderia ter falado com ele. Haver feito entrar em razão.
-Há edifícios públicos em situações muito perigosas. O que poderia fazer a respeito?
-Você me fez prisioneira aqui com a promessa de que o deixaria em paz..
- Menti a você.
-Por quê?
O homem se aproximou mais dela e Meg pareceu ver sua silhueta na escuridão. Era alto, magro e misterioso. E, sem dúvida, perigoso.
-Por duas razões. Em primeiro lugar, é uma mulher inteligente. Tivesse-lhe advertido e talvez tivesse tido tempo de cobrir seus rastros. Isso dá muito bem e
não confio muito nos federais. Já foram enganados uma vez. Poderia voltar a ocorrer.
-E qual é a outra razão?
-Te queria aqui.
Meg sentiu que ruborizava e, como não sabia muito bem que fazer, pegou o copo de vinho e o aproximou dos lábios.
-Por vingança? -perguntou.
-Por muitos motivos, mas a vingança não era um deles.
Afastou-se nas sombras e a jovem acreditou que ia partir.
-E que lhe faz pensar que eu não tenha nada que ver com as atividades de meu pai?
- Sua cara
-Como diz?
-Tem cara de honrada. Posso ler seus pensamentos nesses enormes olhos azuis teus. Seria uma má jogadora de pôquer. Em sua cara se lê como em um livro aberto.
-OH, Deus! Espero que não.
Sem dar-se conta, havia falado em voz alta. Não queria que adivinhasse que se sentia fascinada por ele, nem que lesse sua estranha atração por um fantasma ao
que nunca havia visto. Procurou concentrar-se em coisas mais importantes.
- Você confia em mim?
-Não te disse que não se deve confiar em ninguém? Confio na inocência de seu rosto, mas confio até mais na investigação que realizei sobre ti.
-Uma investigação?
-Tudo, incluídos os nomes e a duração de suas duas aventuras amorosas, o histórico de seu dentista e o número de seu sutiã. Até os métodos anticoncepcionais
que utiliza. Sei tudo sobre ti, Megan Carey.
-Não -repôs ela-. Isso não é certo. Você não conhece meu coração, nem minha alma.
-Talvez não, mas estou aprendendo.
Aquela foi a frase mais horrível que havia escutado desde que chegou a Oak Grove, Arkansas. Apartou a cadeira e derrubou sem querer o copo de vinho.
-Agora desejo voltar para meu quarto.
-Isso é tudo? Eu acreditei que agora fosse me pedir que a deixasse voltar para casa.
- Isso serviria de algo?
-Não.
-Então, me conformo voltando para meu quarto.
-Sal vem para cá.
-Muito bem -repôs ela.
Se sentia incômoda com aquele vestido. Não queria imaginá-lo observando-a atentamente. Aquele pensamento a fez sentir-se nervosa, mas também irresistivelmente
excitada e não gostava daquilo.
- Te darei algo para te ajudar a dormir.
-Não necessito nada. O vinho será suficiente.
-Me diga uma coisa antes de ir.
-É obvio.
-Viu ao Joseph está tarde? - sua voz denotava só curiosidade.
-Sim. Por quê? Importa isso?
-Não. Muito poucas pessoas conseguem vê-lo. Deve haver gostado.
No tom da voz do Ethan havia algo estranho, algo que Megan não compreendia bem, mas Salvatore já havia chegado a seu lado, assim que desistiu de fazer qualquer
pergunta e se dispôs a segui-lo sem despedir-se de seu anfitrião.
Ao chegar a seu quarto , o gigante a deixou só e logo trancou sua porta com chave desde fora. A jovem se sentou na cama e olhou pela primeira vez os murais
romanos pintados sob ré as paredes de terracota.
Deu um pulo. Não podia acreditar o que viam seus olhos. Pegou o candelabro que Salvatore o havia deixado e se aproximou da parede.
Estava segura de que não havia bebido muito. Assim que tinha que lhe haver posto algo no vinho para drogá-la. Ou talvez tudo aquilo fora produto do retorcido
senso de humor do Ethan Winslowe. Aqueles não eram murais inocentes que representassem cenas da vida cotidiana dos romanos. Eram cenas inacreditavelmente eróticas,
quase pornográficas. Certamente, o pastor Lincoln as havia qualificado assim, mas o era o tipo de pessoa que tivesse considerado pornográfica uma novela florzinha.
Os quadros que havia ante ela eram extremamente explícitos, mas não carecia de certa graça.
Separou-se da parede. Sentia muito calor. Não era uma puritana e se considerava suficientemente sofisticada e perita naquele tipo de temas. Por que, então, se
sentia tão perturbada? Tão excitada? Talvez fora a Síndrome de Estocolmo, esse perverso estado no qual os seqüestrados se sentem atraídos por seus torturantes. Ou
talvez não fora nada mais que sua imaginação revivendo a lenda da Bela e a Besta.
Ethan Winslowe era uma besta, sim, e não havia nada de romântico no fato de que a mantivera prisioneira enquanto se dedicava a destruir a seu pai.
Apressou-se a recordar a si mesma que seu progenitor merecia qualquer castigo que pudesse cair e que, ademais, havia estado mais que disposto a sacrificá-la
em seu lugar. Fez o firme propósito de esquecer qualquer sentimento filial que ficasse, ao igual parecia ter esquecido sua responsabilidade paterna.
A cama do centro do quarto era de aspecto romano, mas estava equipada com um bom colchão moderno, Salvatore havia separado ligeiramente as cortinas e havia estendido
uma camisola branca de algodão sobre o leito.
O pegou e se dispôs a dirigir-se ao banheiro . Desde que chegou aquela casa, tinha pego o costume de trocar de roupa no banheiro . O havia feito por instinto,
mas naquele momento se perguntou pela primeira vez pelas razões daquela ação
Observou o teto, as paredes e os rincões do quarto . Quando por fim a descobriu, se surpreendeu de não haveria visto antes.
Podia ser uma câmara de vídeo. Era muito pequena e estava oculta de tal modo que parecia formar parte da decoração do quarto e podia ser produto de sua paranóica
imaginação, mas não o cria assim. Em alguma parte, separado dela por quilômetros de corredores e escadas, Ethan Winslowe estava sentado diante de uma tela de televisão,
observando-a.
Levantou o rosto para a câmara e por um momento pensou em lhe fazer um gesto obsceno, mas mudou de idéia. Aquilo nem sequer serviria para animá-la. O que tinha
que fazer era entrar no banheiro, onde sabia que nem sequer um homem como Winslowe teria a indecência de pôr câmara ou microfones. Podia inclusive arrastar o colchão
até ali e dormir no chão.
Mas não pôde mover-se. À luz das velas, os murais pareciam dançar diante dela. Um dos desenhos representava a uma mulher de generosas proporções, tombada em
uma cama muito similar a que tinha Meg, fazendo o amor com uma espécie de criatura mítica. Havia muitas criaturas assim nas lendas romanas, metade bestas, metade
homens, e sempre dotados de incríveis poderes sexuais. A daquele desenho em particular era escura e fascinante e Meg compreendeu muito bem a expressão de prazer
que revelava o rosto daquela mulher.
Pensou que, se Ethan WinsJowe queria espiá-la, o menos que podia fazer era fazer algo que compensasse seu esforço. Com um gesto lento e deliberado, levou a mão
até ao zíper situado na parte posterior do vestido.
Abaixou com lentidão, deixando que o vestido caísse em torno de seus ombros. Apartou a vista da câmara e a dirigiu para a parte do mural que tanto a atraia,
deixando que o vestido se deslizasse por seu corpo até cair a seus pés.
Podia sentir seus olhos sobre ela lhe tocando a pele. Levava roupa íntima negra, Um sutiã sem alças e uma calcinha de encaixe, ademais uma liga que sujeitava
suas meias de seda. Deteve-se um momento, estirando-se como um gato satisfeito e apartou uns passos de seu vestido caído. Sentia-se pecadora, sensual e deliciosamente
diabólica, parada ali, com sua sexy roupa íntima e os sapatos de salto alto.
Inclinou-se de modo que o cabelo lhe cobrisse o rosto e soltou lentamente uma das meias da liga. Deslizou-a pouco a pouco pela perna e tirou a contra gosto os
sapatos altos irresistivelmente eróticos e ela queria fazer sofrer Ethan Winslowe. A seguir tirou a outra meia. Desabotoou a liga e a jogou no chão, debaixo da câmara
de vídeo, com o mesmo aprumo e elegância que pode utilizar uma bailarina de strip-tease para arrojar sua roupa à multidão.
Pela primeira vez em sua vida não sentia que lhe sobrassem cinco quilogramas. Sentia-se voluptuosa.
Voltou-se uma vez mais de costas a câmara e desabotoou o sutiã, deixando cair o objeto no chão. Podia sentir os olhos do homem sobre suas costas. E parecia que
podia ouvir sua respiração, apesar de saber que estava muito longe.
Voltou-se para ele, vestida apenas com a calcinha de seda. Seus mamilos estavam endurecidos. Uma quebra de onda de calor a invadiu e se sentiu estranhamente
excitada. Inclinou a cabeça em direção a câmara e levantou os olhos, respirando profundamente. E introduziu seus dedos entre o elástico de suas calcinhas e as tirou
lentamente, muito lentamente, até ficar gloriosamente nua.
Uma estranha sensação de libertação a embargou. Uma confusão de vingança, uma provocação aberta. Abriu os olhos e ficou olhando fixamente à câmara. Logo, com
um sorriso de satisfação, meteu a camisola virginal pela cabeça, inclinou-se e apagou as velas.
Salvatore apareceu por detrás das telas de televisão. Não podia ver, portanto, o que estava observado Ethan.
-Já se retirou. Necessita algo.mais?
O jovem não se moveu. Não podia.
-Vai daqui, Sally. Vai agora mesmo.
-Ocorre algo? - perguntou o outro, começando a lhe dar a volta à mesa das telas.
-Vai - repetiu Ethan, com voz estranhamente rouca.
Salvatore se deteve..
-Tem que deixá-la partir. Você está muito alterando.
-Está me alterando, sim -repôs o jovem, com o mesmo tom rouco de voz-. E não vai a parte alguma . Deixe-me sozinho, Sally. Por favor, me deixe sozinho.
O aludido obedeceu e Ethan voltou a ficar só na escuridão uma vez mais, mas não estava sozinho. Nas sombras da tela número sete, Meg Carey estava deitada na
cama situada no centro do quarto, com a camisola branca envolvendo um corpo que... Um corpo que...
O corpo do estava a ponto de estalar. Não podia deixar de tremer e sabia que devia estar furioso com ela. Aquele strip-tease havia sido deliberado, o havia feito
de propósito, para lhe recordar que não o considerava um homem.
Mas o era. E mais preparado do que ela acreditava. Havia visto o rubor de suas bochechas e a dureza de seus mamilos e havia se dado conta de que, em seu deliberado
intento de burlar-se de excitá-lo, havia excitado também a si mesma.
Por um momento só pensou em ir correndo a seu quarto , aproximar-se dela na escuridão e tomar a força o que a jovem o havia devotado de um modo tão debochado.
Seu corpo e sua alma a desejavam apaixonadamente.
Mas seu coração queria algo mais. Não, não a tomaria então, quando estava meio louco de desejo por ela. Todavia não havia chegado o momento de jogar aquela partida.
Ainda não. Mas chegaria logo. Muito em breve.


Capítulo Nove


Igual a todas as noites, Meg voltou a sonhar. Disse a si mesma que eram pesadelos, mas eram mais bem uma mescla de sonhos eróticos e horríveis que ao despertar
a faziam sentir-se nervosa, ansiosa e mais decidida que nunca a escapar.
Essa noite despertou na metade de um daqueles sonhos. O quarto estava muito escuro, com só uma luz muito tênue filtrando-se pela janela que dava ao jardim. Percebeu
um aroma de fumaça e uma cantiga distante. Levantou-se na cama, sacudindo a cabeça em um intento por limpar-se. O aroma de fumaça se fez mais intenso e os cânticos
mais próximos.
Seu primeiro pensamento foi uma continuação de seu pesadelo. Imaginou a uma horda de satanás procurando-a para um sacrifício de virgens. Ethan Winslowe era o
diabo reencarnado. Mas ela não era virgem, nem Ethan era a encarnação do diabo. Entretanto, o aroma da fumaça e os cânticos eram inconfundíveis e de uma coisa estava
segura. Não conseguiria voltar a dormir até que descobrisse o que ocorria.
Vestiu uma enorme camisa de algodão sobre a fina camisola e cambaleou para as portas de vidro que davam ao jardim. Todas estavam fechadas e o jardim parecia
escuro e deserto. Os cânticos e a fumaça não provinham dali. Avançou para a porta. Acreditava que estaria fechada com chave, mas girou o trinco em um gesto mecânico
e fico atônita ao ver que se abria. O vestíbulo estava completamente escuro. Vacilou um momento, perguntando-se se não seria melhor voltar para a cama, mas decidiu
seguir adiante e averiguar que era aquilo. Ao fim, pareceu-lhe mais fácil avançar sem luzes. O som das vozes, o aroma do fogo, indicaram-lhe o caminho.
Subiu dois lances de escada, baixou outro, girou à esquerda e logo à direita. E de repente viu uma luz que saía de uma sala. Não era grande coisa, só a claridade
que entrava por uma janela enorme, mas sabia que estava se aproximando das chamas. A janela estava aberta, mas tinha grades. Apareceu ao exterior e viu umas figuras
vestidas de branco. Eram pessoas cobertas com cortinas brancas, nas que haviam aberto uns buracos à altura dos olhos. Seriam uns trinta, de diferentes tamanhos.
A julgar pela altura de algumas das figuras, ali havia também meninos. Uma cruz ardia em frente deles, iluminando-os.
Agarrou-se às barras e se inclinou para frente em um esforço por entender o que diziam. As vozes não eram muito claras ,mas a mensagem sim. Os habitantes da
casa eram uma maldição e seriam varridos logo pela espada e o fogo.
Ao contemplar aquela manifestação de ódio fanático, um arrepio percorreu seu corpo. Reconheceu o tom agudo da voz do homem que parecia dirigir aos demais. Era
o pastor Lincoln conduzindo a seu rebanho. Alguns levavam tochas e a jovem se perguntou se haviam eleito aquela noite para fazê-los perecer pelo fogo.
Alguém de entre a multidão lançou uma lata de gasolina, que ao cair provocou um ruído de vidro quebrado. O som era muito longínquo para provir de algum lugar
da casa, e Meg contemplou horrorizada como alguém lançava uma tocha, que atravessou o pára-brisa quebrado de seu carro alugado e foi cair em seu interior.
O automóvel explodiu em meio de um ruído ensurdecedor e a jovem deu um passo atrás, horrorizada. Ao retroceder, chocou-se contra uma figura.
-Não te dê a volta -disse Ethan Winslowe, lhe sujeitando os ombros com firmeza.
Meg não poderia desobedecer embora tivesse desejado fazê-lo. Ele parecia incrivelmente forte. Ficou imóvel, sentindo o calor e a pressão do corpo situado a suas
costas. A violência do fogo parecia acalmar temporariamente à multidão. Meg viu que começavam a retirar-se, desaparecendo entre os campos.
-Já tiveram bastante por hoje -murmurou o homem, a suas costas-. Cada vez são mais violentos e destrutivos. Antes ou depois, tentaram queimar toda a casa...
- Por quê?
-Não o há ouvido? Acreditam que sou o diabo reencarnado e todos os que escolhem ficar aqui são tão maus como eu.
-Mas eu não o escolhi.
-Claro que sim. Você recusou a oferta do pastor Lincoln de te tirar daqui. E os habitantes de Oak Grove não são mais que um montão de supersticiosos que querem
eliminar tudo o que ataca o que eles consideram sua verdade.
-Você poderia falar com eles, lhes explicar que não quer lhes fazer mal.
-Poderia, mas não seria certo. Sabem que estou disposto a atormentá-los e se defendem do único modo que sabem.
-Por quê? -perguntou ela.
-Eu pensava que Joseph lhe havia explicado. Eles assassinaram o meu pai.
--Explicou-me isso. Seu pai morreu de um ataque ao coração.
-Morreu devido a sua negligência -a interrompeu, com voz vibrante de raiva--. Ademais, não lhes faço nada horrível. Proporciono-lhes um modo de vida e não apareço
pelo povoado para evitar que as pessoas se voltem louco ou cego.
-Então ,que é o que faz? Por que estão tão zangados e assustados?
--Não estão o bastante assustados -disse ele-. A maior parte do povoado é meu. Vou doar uma grande parte de terreno à Sociedade de Investigações Paranormais.
-Pensaram que trouxe o Satanás para ao povoado .
-Como posso fazer isso quando eu já estou aqui? -repôs ele-. Só pensaram que trouxe meus seguidores comigo.
-Não é uma brincadeira. Eles acreditam isso de verdade -disse ela.
Intentou argumentar com ele, mas uma estranha lassidão a envolveu e se inclinou para atrás, apoiando-se contra ele, seus ombros contra seu peito, suas nádegas
contra seus quadris.
-Eu não sou responsável por suas alucinações - tirou a camisa com suavidade-. De fato, não me preocupam absolutamente. Nem sequer quero pensar neles. Quero pensar
em ti.
As pessoas haviam desaparecido, o som das vozes se havia evaporado. A brisa noturna lhe acariciava o cabelo. Meg inclinou lentamente a cabeça para atrás até
descansar sobre o ombro dele.
-Isso é -murmurou Ethan, com voz hipnótica.
Passou um braço em torno do peito e a sujeitou com ternura contra ele. Era muito mais alto que ela e Meg se sentiu pequena e vulnerável. Fechou os olhos na escuridão,
enquanto ele a acariciava com movimentos deliberadamente lentos.
-Não deveria ter medo de mim - murmurou ao seu ouvido-. Eu nunca poderia te fazer mal. Nunca.
A beijou no lóbulo da orelha e a jovem começou a tremer.
-Ethan -murmurou ela, suplicante.
Levantou a mão para tocá-lo, para tocar seu rosto, mas ele a pegou e a obrigou a baixá-la com suavidade.
-Ou é da escuridão do que tem medo? -perguntou.
Soltou-lhe a mão e lhe tocou na parte dianteira da camisola.
-Poderia aprender a amar a escuridão, anjo meu. Poderias descobrir que é o único momento em que alguém pode estar verdadeiramente vivo, rodeado e acariciado
pela escuridão aveludada, aliviado por ela.
O coração de Meg batia violentamente. -Ethan -repetiu com voz suplicante-. Por favor...
-O que é que quer?-murmurou, lhe beijando o cabelo-. Quer me deixar e voltar para a luz do sol? Brilha muito. Fica aqui, querida. Fica comigo. Se entregue a
mim.
Aquilo era justo o que ela desejava. Queria ser absorvida por ele, queria algo que nem sequer podia imaginar, algo que o prometiam o corpo e as palavras de Ethan.
Como podia haver-se apaixonado por sua voz ?
-Deixa de lutar contra mim, meu anjo -murmurou o homem. Ele havia desabotoado os botões e lhe acariciava a pele nua-. Deixa de lutar contra você mesma. Se entregue
a mim.
Subiu a mão até as pernas dela e lhe acariciou entre as coxas. A pouca força que a jovem tinha se desvaneceu de repente. Tudo aconteceu muito depressa. Assim
que se pôs em pé, sentiu que não poderia sustentar-se. Abriu a boca para dizer algo, mas só pôde emitir um gemido de surpresa e de prazer. A última coisa que pensou
antes de cair foi que ia desmaiar pela primeira vez em sua vida.
Ethan a pegou antes que caísse ao chão e a levantou em seus braços. Era tão pequena e tão frágil! Na escuridão podia ver claramente suas pálpebras e seus lábios
suaves e pálidos.
Segurou sua cabeça e a beijou apaixonadamente na boca e, embora inconsciente, a jovem correspondeu a seu beijo e seu corpo se arqueou contra o dele. O homem
soltou um gemido e apartou a boca a contragosto. Sabia que, se seguia daquele modo, não poderia controlar se. De fato, teve que fazer um enorme esforço de vontade
para não tombá-la no chão e enterrar-se no corpo dela. Tremia de desejo e teve que fazer uso de todo seu autocontrole para reprimir-se.
Por mais que seu corpo a desejasse, não a tomaria aquela noite. Sabia que podia fazê-lo. A única coisa a fazer era levá-la de volta a seu quarto , terminar de
lhe tirar a camisola e continuar com o que havia começado. Para quando ela recuperasse o conhecimento, estaria muito excitada para querer que ele se detivesse.
Mas aquilo era muito fácil e muito rápido. A teria algum dia, mas isso seria quando chegasse o momento perfeito e o prazer pudesse ser tão intenso que lhe compensasse
pelo que viria depois. Porque depois teria que deixá-la partir.
Ao despertar pela manhã, Meg pensou que tudo havia sido um sonho. Deu-se a volta na cama, tampando-se com a pesada colcha de algodão e seus olhos encontraram
o mural que representava à criatura, metade besta metade homem, fazendo amor com a donzela. Apressou-se a apartar a vista. Aquilo havia tido algo que ver com seu
sonho. Recordava-o tudo muito bem, do aroma de fumaça até a sensação do corpo do Ethan contra o seu. Em realidade, o sonho havia sido tão real que quase podia seguir
cheirando a fumaça.
De repente sentou-se na cama, completamente acordada. Não era sua imaginação. Seguia cheirando a fumaça. O do fogo não havia sido um sonho.
Subiu a vista para observar seu próprio corpo. Seguia levando a camisola, mas uns quantos botões haviam sido desabotoados. Apressou-se a voltar a abotoá-los
e então viu o anel.
Era um anel de homem, muito grande para seus dedos. Alguém o havia colocado no quarto dedo da mão esquerda. Era pesado e, se não se equivocava, de ouro puro.
Olhou o desenho. Sabia o bastante de mitologia romana para reconhecer a imagem do deus esculpido nele. O pastor Lincoln teria um ataque se o visse. Era Jano, o deus
das duas caras, o deus dos princípios, do amanhecer e do entardecer.
Um arrepio lhe percorreu a espinha dorsal. Não havia sido um sonho. Ethan se havia aproximado dela na escuridão e...
Não queria pensar nisso. Não podia fazê-lo. Salvatore devia tê-la drogado. Ou talvez tivesse sido um sonho depois de tudo. Em qualquer caso, não pensaria nisso.
Se não, ficaria louca. Tirou o anel da mão e o atirou ao outro lado do quarto . Disse-se que estava farta de estar assustada e farta de ser seduzida por uma voz
e a presença fantasmal de um homem que nunca via. Decidiu que ia fazer todo o possível para vê-lo. Não importava se era como Freddy Kruger, o corcunda de Notre Dame
ou um dos intérpretes da noite dos mortos vivos.
Levantou-se e se dirigiu ao banheiro para tomar uma ducha. Decidiu vestir-se ali. Suas calças haviam voltado a aparecer, assim que colocou jeans e uma camiseta
de algodão.
Ao voltar para o quarto , viu uma figura na porta e esteve a ponto de soltar um grito até que se deu conta de que se tratava da Ruth. A mulher tinha uma expressão
estranha.
-Suponho que esteve olhando os murais -disse Meg-. São algo excêntricos não crê?
-Já vi outras vezes este quarto -repôs a outra-. Encontrei isto estou acostumada a ele -disse, lhe mostrando o anel.
Sem saber por que, Meg não queria que Ruth o agarrasse. Não queria que o agarrasse ninguém. Tirou e o apertou em sua palma.
-É meu -disse.
- Ele o deu
A jovem não o negou.
-Como você sabe que era do Ethan?
-Porque ele sempre o usava. Sempre. Não posso imaginar por que... -repôs Ruth, com voz preocupada.
-Eu tampouco o sei -disse Meg, sinceramente-. Quando despertei estava em minha mão.
- Você se deitou com ele ontem à noite?
Meg se voltou, horrorizada.
-Não seja repugnante.
-Não tem nada de repugnante. Eu fui sua amante durante cinco anos.
A jovem ficou atônita. Olhou fixamente a aquela mulher de meia idade e disse a si mesma que o que sentia era somente surpresa e não um enlouquecido ciúme.
-Eu achava que você estava casada.
-Fiquei viúva com dois meninos pequenos. Ninguém nesse maldito povoado quis me ajudar, me dar trabalho nem me dar uma mão. Meus filhos passavam fome, e nem sequer
tínhamos lenha para o fogo. Até que Ethan sugeriu um acerto.
-Um acerto que você aceitou? Ruth assentiu.
-Ao princípio não tive escolha. Tinha que cuidar de meus filhos e o era o único que estava disposto a me ajudar.
-Em troca de sexo.
-Acredito que me tivesse ajudado de todos os modos, mas eu não podia aceitá-lo sem lhe dar nada em troca. Foi um trato justo.
Meg não pôde seguir negando-se que aquela sensação ardente que a embargava eram ciúmes. -E alguma vez lhe viu a cara? -perguntou.
-É obvio que a vi. Ethan não me permitiu aceitar seu trato até que o tivesse visto, mas isso não supôs nenhuma diferença. Estava me oferecendo ajuda e, no fundo,
é um bom homem.
-E que...?
-Não penso dizer-lhe - cortou Ruth - Se o quiser que o veja, o a ensinasse. Enquanto isso, merece que lhe guarde o segredo.
Meg não insistiu. Sabia que havia sido uma perda de tempo.
-E que foi que acabou com sua relação? -perguntou.
-Conheci Burt e me apaixonei. Nem sequer tive que dizer ao Ethan. Sabia e me deixou partir com sua benção. Me salvou a vida, salvou a meus filhos e logo me deixou
partir quando quis ir. Havia algo por esse homem. Algo.
-E por isso você trabalha nesta casa?
-Os do povoado acreditam que sou uma prostituta da pior espécie. Talvez o seja. O único que sei é que Ethan nunca me fez sentir como uma. Quando me fazia amor,
eu me sentia... Amada.
Meg apertou o anel com tanta força que machucou sua palma.
-Mas agora está felizmente casada.
-Felizmente, sim. Não trocaria ao Burt nem minha vida com por nada no mundo, mas te direi uma coisa, Megan. Ethan é um homem muito diferente. Tudo o que faz,
faz o melhor. E isso inclui fazer amor. Estou apaixonada pelo Burt e me sinto completamente satisfeita com ele, mas não tem comparação com o Ethan.
Por um momento, Meg se deixou levar pelas imagens que as palavras da outra mulher suscitavam em sua mente. Logo fez um esforço por voltar para a realidade.
-Está por acaso se fazendo da Celestina, Ruth? -perguntou.
Surpreendida retrocedeu um passo como se a tivesse esbofeteado. Depois sorriu secamente.
-Não quero que sofra, Meg. Que lhe tenha dado esse anel, significa algo, algo que não me atrevo a imaginar. Não quero que lhe rompa o coração.
-Não tem coração.
-Se o tiver. Claro que o tem. E, se lhe fizer mal, terá que responder ante mim.
-Tem muita imaginação. Eu não tenho poder para lhe fazer mal.
-Talvez não -disse Ruth-. E suponho que não há nada que eu possa fazer para impedi-lo. Se me der um minuto, recolherei suas coisas.
Meg se sentiu invadida pelo pânico. -vai deixar me partir? -perguntou, surpreendida de seu medo.
A mulher negou com a cabeça. -Não. É uma mudança a mais. Disse que aqui há muito ruído para você. Suponho que o pastor Lincoln e seu grupo de fanáticos tornaram
a fazer das suas. Ethan quer que esteja em um lugar mais protegido, mas perto de seus próprios aposentos.
Aquilo encaixava bem com os planos de Meg. -me deixe ajudá-la -disse, cruzando o quarto
xx Mas a outra já havia terminado de guardar a roupa.
-Já terminei. Venha comigo
E saiu do quarto sem incomodar-se em ver se Megan a seguia.
A jovem vacilou um momento e logo se aproximou do mural que tanto a alterava. Levou a mão ao rosto da mulher e do demônio. Logo pareceu que a parede se queimasse.
Seguia segurando o anel na palma. Jogou-o sobre a cama e se dispôs a seguir a Ruth. Ao chegar à porta, se voltou, esvaziou um momento e logo voltou a agarrar
o anel e saiu correndo. Enquanto corria, o pôs no quarto dedo da mão esquerda e o sujeitou com força.

Capítulo Dez


Megan começou a perder a conta dos distintos quartos nos que havia dormido. Com exceção do quarto da torre, no que esteve doente, nunca passou duas noites seguidas
em nenhum dos quartos aos que Ethan fez que a mudassem. Os seguintes três dias não foram uma exceção. Ruth a levou a um quarto de estilo sulino, com luz elétrica
e uma lareira acesa, onde passou só todo o dia, sem ver ninguém mais que ao Salvatore, às horas das refeições.
O homem foi o encarregado de transferi-la ao dia seguinte, levando-a a um quarto que parecia uma cópia exata de um apartamento de Park Avenue, exceto em lugar
de arranha-céu, das janelas do quarto piso se divisava o bosque.
Ethan seguiu sem procurá-la e sem aparecer. Em cada um dos quartos havia uma câmara de vídeo, mas a jovem não voltou a posar para ele. Trocava de roupa no banheiro
e procurava afastá-lo mais possível daqueles olhos vigilantes.
Ao terceiro dia, Salvatore a levou a um quarto muito moderno. Paredes brancas, quadros abstratos, um enorme colchão no chão e cadeiras nas que era quase impossível
adivinhar como sentar-se. Nas estantes brancas não havia novelas de Stephen King, a não ser livros sobre trigonometria.
-Quanto tempo vou ficar aqui? -perguntou, quando viu Salvatore entrar com uma bandeja.
A comida estava em consonância com o quarto. Nouvelle cuisine, em que havia mais cuidado com a apresentação que o sabor.
-Terá que perguntar ao Ethan -repôs o outro, encolhendo-se de ombros.
-O faria se pudesse vê-lo. Apague isso, já sei que não posso vê-lo. Quero dizer se dignasse voltar a me conceder uma audiência.
-Não sei.
-Quero saber que passou a meu pai.
-Pergunte a Ethan.
- Você não sabe? Eu acreditei que você era seu cão fiel, a pessoa que recolhe informação para ele, seu fiel servente e tudo isso.
-Sim sou, mas tenho que lhe perguntar se posso dizer-lhe ou não.
Megan sentiu que a raiva a invadia. Respirou profundamente para tentar acalmar-se.
-Salvatore, você se importa com Ethan ,verdade? Do mesmo modo que Ruth.
Pareceu ver uma faísca de malícia nos olhos do homem.
-Não do mesmo modo que Ruth, mas sim, faria algo por ele.
-E não se dá conta de que comete um grande engano ao me ter aqui? Se detiverem meu pai, a policia virá para me buscar.
-E que quer que eu faça? -perguntou Salvatore, imperturbável.
-Que me deixe partir.
O ancião não se moveu.
-E que faria se a deixasse sair?
Meg não queria acreditá-lo. Não queria confiar muito naquele raio de esperança que o outro o oferecia.
-Correria. Correria tudo o que pudesse e não diria nada sobre este lugar nem sobre o Ethan.
-Seu pai terá que ser julgado e Ethan é o que proporcionou a maior parte das provas. Não quererá você vingar-se?
-Sei o que me disse é certo, meu pai merece tudo o que lhe passe. Eu me disporia a viajar a Europa quando vim aqui. Prometo-lhe que, se me ajudar a escapar,
irei diretamente a Nova Iorque e pegarei o primeiro avião que saia, para a Inglaterra. Meu pai pode arrumar-se sozinho.
Deteve-se um momento e engoliu em seco. Sentia-se machucada por seu pai, mas não podia salvá-lo das conseqüências de sua avareza e não ia tentar fazê-lo.
O homem parecia estar pensando a sério em sua oferta.
-Pensarei -disse.
-Salvatore....
-Pensarei -repôs, cortante.
-Muito bem. Enquanto isso acredita que posso tomar um pouco de ar fresco? Parece-me que deixou que chover. Gostaria...
-A porta do jardim está aberta. Pode sair por ali -disse, assinalando a janela.
-E você pensará no que falamos?
-O farei, mas quero que me faça um favor.
-O que você diga.
-Não volte a despir-se diante da câmara.
Meg esteve a ponto de deprimir-se. Ruborizou-se profundamente. Havia estado disposta a jurar que Ethan era o único que a havia visto. A idéia de que Salvatore
tivesse sido testemunha de seu strip-tease produzia horror, mas não, estava segura de que o jovem nunca lhe tivesse permitido olhar.
- Ethan pediu-lhe que me diga isso? -perguntou, repondo um tanto.
Aquela vez viu claramente um brilho de picardia nos olhos do homem.
-Tenho que admitir que é você muito pronta -disse-. Trarei o jantar cedo. Tenho que ir ao povoado .
-E vai você a...?
-Já lhe disse que vou pensar. Enquanto isso, comporte-se bem. Ethan não necessita que pessoas como você o distraiam.
-Então por que não me deixa partir? Salvatore saiu sem pronunciar uma palavra mais e Meg temia havê-lo pressionado muito. Parecia haver alguma possibilidade
de que a ajudasse a escapar. Sabia que, se era assim, não o faria por ela, mas sim por Ethan.
Sob o olhar e examinou o anel que seguia usando no quarto dedo da mão esquerda. Era estranho, cada vez que o tirava, se sentia nervosa e incompleta. Ao final
lhe rodeou com uma parte de lã cor púrpura para evitar que lhe caísse. Por ilógico que parecesse, sabia que, se o perdia, se sentiria fatal.
Olhou pela janela. O dia estava relativamente claro, para variar, e dali via as roseiras. Pensou em Joseph. Precisava encontrá-lo, sentar-se à luz do sol e falar
com ele.
Sabia que Salvatore estaria fora aquela noite, assim seria o momento ideal para pôr em prática o que havia pensado. O problema era que tinha duas opções. Uma,
tentar escapar. Seu carro havia ardido por completo e não seria fácil sair a pé da zona.
Mas a outra escolha não era muito inteligente. Tratava-se de procurar Ethan Winslowe, de encontrar ao fantasma e enfrentar-se de uma vez por todas as suas fantasias,
a seus pesadelos e a seus terrores. De demonstrar a si mesma que era um ser humano de carne e osso, alguém digno de machucar. De quem não deveria assustar-se.
E logo poderia partir. Sabia que Salvatore a ajudaria, mas se ia, sem descobrir seu segredo, sua lembrança a perseguiria para sempre.
Aproximou-se da janela e saiu ao jardim.
-Esta aqui -disse a voz de Joseph-. Me perguntava quando voltaria a me ver.
A jovem caminhou para onde estava o ancião ajoelhado na terra e se deixou cair sentada a uns passos dele. Algo a impediu de aproximar-se mais. Era como se Joseph
tivesse um escudo invisível a seu redor para manter às pessoas a certa distância.
-Não deixam de me transferir de um lugar a outro. Está é a primeira vez em vários dias que estive perto do jardim.
O velho assentiu com a cabeça e o sorriu com doçura.
-E já tomou uma decisão, Megan?
- Sobre o quê?
-Sobre se vai deixá-lo ou a salvá-lo.
A jovem sentiu um nó no peito. -Como poderia salvá-lo eu?
Joseph se sacudiu de ombros. -Não estou muito seguro se soubesse. Foi abandonado por todas as mulheres de sua vida. Por sua própria mãe, a que lhe horrorizava
tanto vê-lo que o manteve prisioneiro nesta casa sem mais companhia que a dos serventes e a de seu débil pai. Pelo Jean Marshall, que voltou à universidade e lhe
deu as costas. Pela Ruth.
-Ethan não estava apaixonado pela Ruth -protestou, segura disso sem saber por que.
-Tem razão. Não o estava. Se tivesse estado apaixonado não a havia deixado partir com tanta facilidade.
-Quem é Jean Marshall? -perguntou a jovem.
-Uma professora de Física de Princeton.
-Como ?
- Como acredita que Ethan sobreviveu neste lugar sem sair alguma vez a nenhum lugar nem ver ninguém? Sua família contratava bons professores, que cobravam muito
bem por seu trabalho, em troca de manter a boca fechada sobre o que viam aqui. Tudo saiu bem até que chegou Jean Marshall. Ethan tinha então pouco mais de vinte
anos e se apaixonou perdidamente por ela.
-E o que ocorreu?
-Bom, para ser sincero, ela também se apaixonou por ele, mas era uma moça e ambiciosa, acostumada a viver na cidade. Não estava disposta a enterrar-se aqui e
Ethan não podia enfrentar às pessoas. Quando descobriu que estava grávida, abortou e partiu lhe deixando só uma nota.
-Oh, Deus meu!
-Tinha medo de que seu filho herdaria o defeito de Ethan. Compreendo seu medo. Nunca a culpo pelo que fez. Limitou-se a encerrar-se aqui mais decidiu que nunca
a ocultar-se, mas adiante, chegou a um acordo com a Ruth. Os dois se queriam até certo ponto, mas Ethan não se permitiu entregar-se muito a seus sentimentos. E,
desde que ela se casou, não houve ninguém em sua vida. Ninguém absolutamente.
-E você acredita que eu sou alguém? -perguntou Meg, tentando parecer zangada para ocultar outras emoções menos aceitáveis.
-Não sei. Estás aqui não?
-Quero partir.
O ancião a olhou e moveu a cabeça.
-Pode ir está noite quando partir Salvatore.
A jovem não se moveu em lhe perguntar como sabia aquilo.
-Antes quero ver o Ethan.
-Isso não é muito inteligente. Quando o tenha visto te resultasse mais difícil escapar.
-Por quê? Tanto medo tem de que alguém veja a sua deformidade que está disposto a me deixar aqui...?
-Não é tão singelo. Você já está vinculada a ele. Sabe bem, embora siga lutando contra esses vínculos. Se o vir, esses vínculos ficarão mais fortes e, quando
quiser te dar conta, já não poderás partir.
-As outras o fizeram.
-Sim, mas se o deixasse você, morreria -disse Joseph, com simplicidade.
Megan estremeceu.
-Não seja ridículo. A gente não morre por isso.
-Talvez não, mas se te aproxima mais dele, se não te partir agora, não estou seguro do que possa ocorrer. Ethan não é como os demais homens... Se for deixá-lo,
faça agora.
-Todavia não estou pronta para partir -repôs ela, teimosa.
Joseph fechou os olhos um momento.
-Então, tudo depende de ti. Escolhe bem, Megan. Sua vida está em suas mãos.
Levantou-se e se afastou dela. O sol havia se escondido detrás de uma nuvem e uma ligeira garoa havia começado a cair.
-Mas, Joseph...
-Confio em ti, moça. Se quer encontrá-lo, vai sempre à esquerda. Se quer partir, gira à direita.
-Não compreendo.
-Gira à esquerda, moça. Sempre à esquerda.
E se desvaneceu entre a garoa, deixando-a só no jardim.
Meg não tinha relógio e a pouca luz que entrava pelas janelas não servia de muita ajuda para calcular a hora. Em algum momento da tarde, Salvatore levou uma
bandeja de carne fria e salada. A olhou com frieza e a jovem não se atreveu a lhe perguntar nada. Sabia que seguia lhe dando voltas a sua proposta. Teria que esperar
a que tomasse uma decisão.
Esperou até que o eco de seus passos se perdessem na distância e logo propôs a girar o trinco da porta branca. Estava bem fechada. A única solução era sair ao
jardim e tentar encontrar um caminho do exterior.
Decidiu esperar até que caísse a noite. Se haviam levado seus jeans e seus tênis, assim que não teria mais remédio que sair descalça e colocar uma das túnicas
que Ruth havia pendurado no armário.
Deitou-se no colchão e dormiu. Quando despertou, o quarto estava completamente escuro. Estendeu a mão para acender uma luz e logo mudou de idéia. A pouca luz
da lua que entrava pela janela a ajudaria a mover-se pelo quarto e impediria que Ethan a visse em seus monitores.
A janela estava fechada. Golpeio-a com o punho, sentindo-se frustrada e se desesperada,mas o vidro era forte e não conseguiu nada. Olhou a seu redor, mas não
encontrou nada que pudesse jogar contra a janela. Não havia objetos de metal, nenhum adorno sobre os modernos móveis.
Isso lhe deixava apenas a outra porta. Talvez tivesse mais sorte forçando a fechadura. Depois de tudo, não havia motivo para que Ethan tivesse fechaduras de
segurança em todas as portas.
Olhou uma vez mais a seu redor. O objeto que pareceu mais apropriado para a tarefa era o garfo que descansava na bandeja. O pegou e começou a remover a fechadura.
A porta se abriu ao tocá-la. Era indubitável que alguém havia entrado enquanto dormia e havia fechado a porta do jardim abrindo aquela outra. Fico imóvel um
momento. Seus olhos estavam acostumados à escuridão. Pôde ver o corredor estendendo-se a ambos os lados de sua porta. À esquerda e à direita. Que era o que o havia
dito Joseph? À esquerda se queria escapar, à direita se queria encontrar Ethan? Ou havia sido o contrário?
Não pôde recordá-lo mais, de todas formas, não podia decidir o que queria fazer. Uma parte dela queria sair daquela casa infernal e voltar para a realidade da
cidade. Talvez pudesse encontrar a algum executivo aborrecido e confiável com o que casar-se e ter filhos e esquecer aquele momento de sua vida. -me guie, Joseph
-disse, fechando os olhos um momento.
Estava segura de que a felicitaria. Abriu os olhos e balançou lentamente pela esquerda.
Andou durante muito tempo na escuridão, girando sempre à esquerda. Subiu e sob rampas e escadas. Cada vez se introduzia mais e mais nas profundidades da casa,
consciente de que aquela viagem não terminaria no exterior. Ia enfrentar se com o fantasma.
Ao final do último corredor parou diante de uma porta de pedra. Sentiu a frieza do ar a seu redor e soube que estava no sótão da casa. Ethan estaria sem dúvida
detrás daquela porta. Também podia dar a volta e afastar-se. Se avançasse pela direita, sempre pela direita, poderia sair de ali e não ter que escutar nunca mais
aquela voz hipnótica e sedutora. Seria livre.
Estendeu a mão e girou o trinco. A porta se abriu para dentro.
O quarto estava mais iluminada do que havia esperado. Os candelabros estavam repletos de velas acesas e, depois de sua longa caminhada na escuridão, demorou
um momento em acostumar-se a aquela claridade.
Ethan estava sentado a uma mesa de costas para a porta.
-Voltou cedo, Sal -disse sem voltar-se.
Era alto, mas isso já o sabia. Suas costas eram fortes e o cabelo lhe chegava até os ombros. Usava calças negras ajustadas e uma camisa branca ampla. Ao momento
viu que seu corpo se punha tenso. Acabava de dar-se conta de que não havia sido Salvatore que havia aberto a porta.
E então inclinou os ombros com uma mescla de raiva e resignação. E lenta, deliberadamente, se voltou para ela.

Capítulo Onze


Meg não estava segura do que havia esperado encontrar. Talvez algo semelhante ao Lon Chaney com sua cara esquelética no fantasma da ópera, ou ao Freddy Krueger
exsudando sangue. Quando Ethan Winslowe se voltou lentamente para ela, estava preparada para ver quase qualquer coisa, exceto o que viu.
O lado esquerdo de sua cara se fez visível e a jovem respirou profundamente. Era incrivelmente formoso. Viu sua pele morena, um olho escuro e belo, uma boca
ampla e delicada e um pomo alto e bem desenhado. Era o rosto que havia visto iluminado à luz de um relâmpago, e que havia tomado por uma alucinação da febre. Então,
ele terminou de virar-se e Meg pôde ver o resto de seu rosto. Uma marca de nascimento separava seu rosto em dois, formando uma mancha de cor púrpura que se entendia
desde sua fronte até desaparecer no interior de sua camisa. Sua outra pálpebra caía ligeiramente sobre o olho e a boca se inclinava para cima, lhe proporcionando
uma ligeira expressão satânica. Era uma cara que parecia feita a propósito para assustar aos meninos, e o contraste com a beleza do outro lado a tornava todavia
mais monstruosa. Nenhum dos dois lados de seu rosto mostrava a menor expressão. A olhou imóvel, esperando sua reação. A jovem estava completamente horrorizada. Não
de sua cara nem de sua reação. Tinha medo de fazer ou dizer algo que não sentisse.
Esclareceu a garganta e levantou os ombros.
-Que esperas que faça? -perguntou-Que grite e me deprima?
O homem avançou para ela com movimentos ameaçadores.
-Outros o têm feito -disse.
Meg ficou onde estava, decidida a não retroceder.
-Não vejo por que. Tem uma marca de nascimento.
-É assim como chama você? -a interrompeu, com raiva-. Por que não dedica a dar-me conselhos? Fale-me das maravilhas da cirurgia a laser. Ou me diga que não
deveria ser tão presumido. Por que não me diz que há muitas pessoas pior que eu e que deveria estar agradecido com o que tenho?
A jovem o olhou, fascinada pelo contraste daquele rosto e pela dor que lia em seus olhos. -Eu nunca faria isso -disse-. Nunca lhe mentiria.
O homem estava já muito perto dela.
-Deverias me olhar por cima do ombro -disse com amargura-. Não deverias me olhar o rosto.
-Para evitar ficar louca ou cega? -perguntou ela.
Sentia desejos de tocá-lo, queria levantar à mão e tocar aquele rosto e acalmar de algum modo aquela dor. Desejava beijar aquela boca que por fim podia ver.
-Não tente me convencer de que minha cara não te dá asco. Está tremendo.
-Tem a habilidade de produzir esse efeito sobre mim.
Notou que o corpo do homem estava tenso. Sua raiva era tão grande que não a escutaria, não podia ver que ela não sentia medo nem asco.
-Saia -disse com amargura-. Se que te dou asco.
-De verdade? -perguntou ela.
Deixou de pensar. Ethan era alto. Ela era baixa e estava descalça. Ficou nas pontas dos pés, pegou o seu rosto com as mãos, o inclinou para ela e o beijou na
boca.
Ethan logo a estreitou contra ele, lhe devolvendo o beijo com uma paixão saturada de desejo. Meg sentiu que ia ser arrastada a um turbilhão de emoções. E o pior
era que desejava sério. Queria fundir-se com ele, perder-se no prazer e a escuridão que ele prometia.mais, se parasse, não sobraria nada dela. Deixaria de ter existência
própria. Aquele pensamento a assustou.
Se apartou do homem a olhou fixamente.
-Vê-o? Tem medo de mim.
Meg negou com a cabeça.
-Não-disse-. Tenho medo de mim mesma.
E saiu correndo.
Uma parte dela esperava que a seguisse, mas não ouviu passos a suas costas. Em sua pressa, chocou-se contra uma parede e logo voltou a avançar, respirando entrecortadamente.
Havia girado sempre à esquerda para encontrá-lo, assim que teria que girar à direita para escapar.
Quando chegou ao corredor de seu quarto , tinha a sensação de levar horas andando na escuridão. De seu quarto saia luz, uma luz que ela não havia aceso ao partir.
Deteve-se um momento na soleira da porta.
Podia seguir andando, mas não se sentia capaz de dar um passo mais. Parou na porta atrás dela e olhou um momento a câmara. Logo foi sentar se na esquina que
estava justo debaixo dela, fora do alcance daquele olho vigilante. Passou seus braços em torno dos joelhos e inclinou a cara. E então se pos a chorar.
Aquela vez, quando Ethan ouviu abrir a porta, soube com certeza que se tratava do Salvatore. Estava sentado no quarto de computadores, reclinado em uma cadeira,
com os pés sobre o console e os olhos fechados. Não havia nada que ver. As telas de televisão estavam desconectadas e as velas que iluminavam o quarto haviam começado
a apagar-se.
-Que ocorreu? -perguntou Sal assim que entrou.
Ethan sorriu na escuridão. Aquele homem o conhecia muito bem. Podia interpretar seus estados de animo sem medo a equivocar-se. Abriu os olhos e se incorporou
na cadeira, voltando-se para seu amigo.
-Encontrou-me.
-Maldição! Eu encerrei a essa bruxa...
-Não a chame assim.
Salvatore respirou profundamente.
-Esta bem. Encerrei-a, estou seguro. Pediu-me que a ajudasse a escapar. Eu estava seguro de que, se conseguia sair-se iria embora.
-Talvez tenha se perdido. Este lugar não é fácil de percorrer -disse o jovem com voz inexpressiva.
-Talvez -repôs Sal, duvidoso-. Que ocorreu ?
-Quer saber se pôs a gritar e se deprimiu? Não exatamente. É uma mulher muito forte.
-Tem que deixá-la partir -disse Sal.
-Talvez, mas a necessito aqui todavia.
-Você se destruirá. A policia começará a procurá-la antes ou depois e Reese Carey os enviará diretamente aqui. Foi uma sorte que não o tenha feito já. Quererá
vingar-se e não tem nada que ganhar guardando silêncio.
-Assim que comece a perguntar por sua filha, perderá sua única vaza. Eu tenho a maior parte das provas que há contra ele e o sabe. Também sabe que não disse
tudo o que sei ao Fiscal do Distrito. Não falará.
-Embora sua filha tenha desaparecido?
Ethan sorriu com amargura. -Acaso crê que Reese Carey é um homem decente? Estivesse pensando em seu próprio bem e se mostrasse mais que disposto a sacrificar
a sua filha em seu benefício. Provavelmente se havia convencido de que sou uma espécie de Príncipe Encantado e que nós dois estamos mantendo uma aventura amorosa.
-Deixa-a partir, Ethan. Poderíamos voltar para a ilha. Fomos felizes ali. Ali pode levar uma vida normal, longe deste povoado de loucos e longe dela. Você romperá
seu coração. Você se destruirá.
-Não crê que sou muito duro para isso?
-Não -repôs Sal, com sinceridade-. Acredito que ela te matasse. Deixa-a partir.
Ethan ficou um momento em silêncio, pensando na segurança de seu esconderijo, uma segurança que ela estava já destruindo com seus enormes olhos azuis e sua boca
suave, com seu corpo irresistível e seu espírito indomável.
-Todavia não -disse.
-Logo será muito tarde, Ethan.
-Todavia não, Sal -repetiu. Mas sabia que o outro tinha razão.
A porta de seu quarto se abriu de repente. Megan levantou a cabeça do colchão e ficou olhando ao Salvatore.
-Tem visita -lhe anunciou, hostil.
A jovem se incorporou até ficar sentada.
- Que?
-Já me ouviu. Tem visita. Quer vê-lo ou não?
-Vê-lo? Não acredito que possa ver de novo ao pastor Lincoln. Esse homem está completamente louco.
-Não penso discutir isso, mas não se trata do bom pastor. É um velho amigo dele. Diz que se chama Robert Palmer
-Rob? Rob está aqui?
Custou-lhe trabalho acreditá-lo. O verão anterior havia acreditado estar loucamente apaixonada por Rob Palmer. Havia sido um estúpido engano que terminou o mesmo
dia em que se deu conta de que ela não era a única mulher que recebeu os cuidados daquele atraente mentiroso. Entretanto, haviam seguido sendo amigos e colegas apesar
das ocasionais intentos dele por ressuscitar aquela aventura.
-Ao menos diz que se chama assim. Quer vê-lo?
-Quer dizer que me permite recebê-lo?
-Sim.
- Ethan sabe?
-Ethan sabe tudo
Megan estava segura de que devia haver uma armadilha em alguma parte.
-Que é o que quer? -perguntou.
-Suponho que quer resgatá-la -disse Sal, com tom aborrecido.
-E suponho que não me deixasse partir.
-Suponha tudo o que queira. Acredito que isso depende de você.
-Dê-me um minuto para me trocar.
-Não quer fazer a mala? -perguntou Sal.
Meg se deteve o lado do armário.
-Mas...
-Embora não tenha vindo a levar-lhe o fará se o pede você. Quer que guarde sua roupa?
-Isto é uma armadilha? -perguntou ela, nervosa.
-Não, Se quer partir com seu ex-amante, Ethan diz que pode fazê-lo.
A jovem o olhou fixamente. É obvio, ele também sabia que Rob havia sido seu amante durante uma curta temporada. Ethan não era o único que o sabia tudo.
-Estarei pronta em cinco minutos.
-Tome o tempo que queira. O esperarei.
Salvatore havia introduzido ao Robert no salão dianteiro de estilo vitoriano. Tinha o mesmo aspecto de sempre. Bem vestido, atraente e cômodo, inclusive naquelas
estranhas circunstâncias. Ao ouvir seus passos, se voltou para ela. Ignorando ao Salvatore, a estreitou em seus braços e a beijou na boca.
A jovem o apartou instintivamente, fazendo esforço por controlar seu desgosto ante o contato daquela boca tão branda.
-Rob -disse, aliviada.
-Tem muito bom aspecto, Meggie, estávamos preocupados com você. Primeiro desaparece você, logo detêm seu pai e você não dá sinais de vida. Temíamos que te tivesse
ocorrido algo.
-Quem estava preocupado? -perguntou ela.
-Quem? A companhia. Madeleine, por exemplo. E os membros da Junta Diretiva. É certo que até agora não haviam tido muito poder de decisão mais, com o Reese no
cárcere, tiveram que ficar a trabalhar.
- Reese está na cadeia?
-Bom, a verdade é que agora está em liberdade condicional, mas não pode sair do Estado. Por isso enviou a mim para te buscar. Não sabe quão terrível foi tudo,
Meggie. Uma verdadeira casa de loucos. Jornalistas por toda parte, todos os arquivos confiscados. Embora não acredito que possam decifrar a senha de computador que
inventei para os projetos especiais de seu pai. Faz falta algo mais que um especialista da policia para decifrar minhas senas.
Megan o olhou, esforçando-se todo o possível por ocultar seu horror.
-Soube o que estava fazendo?
-É obvio que sim. Igual a você soube.
-Eu não sabia -repôs ela, com voz débil. Examinou atentamente ao homem situado frente a ela. Era tão mau como seu pai. Estava disposto a pôr em perigo vidas
inocentes com intuito de fazer dinheiro.
-Não soube? -se sacudiu de ombros-. Reese me disse que sabia, mais não acredito que isso tenha importância. Pudeste fazer algum progresso com o Winslowe?
- Progresso?
Rob a olhou com certa irritação -Para convencê-lo de que o deixe. Sem a ajuda de Winslowe, o Governo não tem muito que fazer. Todavia pode salvar ou destruir
a seu pai. Suponho que, depois de todo este tempo, tenhas alguma influencia sobre ele.
-Nenhuma absolutamente. Rob a olhou um momento.
-Nesse caso, acredito que será melhor que te leve para casa. Temos trabalho.
-Temos ?
-Não te faça a boba, Meggie. Todavia podemos construir uma coberta. Desacreditar ao Winslowe. Não estivesse disposta a subir ao estrado e podemos tentar rebater
suas provas. Fazer que pareça como se tentasse que Reese carregasse com suas culpas. Depois de tudo ,que importa ao como constrói Reese seus edifícios? -a pegou
pela mão e sorriu, sedutor-. Vamos, querida. Juntos poderemos fazer algo. Podemos recuperar a companhia, enviar ao Reese de lua de mel e, quando voltar, ninguém
se lembrará de tudo isto. Convenceremo-lo de que se aposente e...
-Por que fala em plural? -perguntou ela, retirando a mão..
-Nomeei-te presidente temporária, Meggie. Necessitamos a nosso lado. Sem ti, eu tenho as mãos atadas.
A jovem sorriu. -Eu não vou voltar.
Rob reagiu como se lhe tivessem dado uma bofetada.
-Não seja ridícula. Não pode deixar seu pai na estacada. Se não fazermos algo, terá que enfrentar-se a muitos cargos. Talvez inclusive acabe na cadeia.
-Me alegro.
-Boneca...
-Não me chame boneca. Nunca gostei. Por isso a minha respeitada, Construções Carey pode ir para o inferno. A gente que trabalha para a companhia poderá encontrar
outro emprego mais decente. Meu pai pode pagar sua dívida, bem de seu bolso ou com uns anos de cárcere. Não vou ajudá-lo com mentiras. E não vou desacreditar Ethan
Winslowe para obtê-lo.
-Que demônios esteve acontecendo aqui?-grunhiu Rob.
-Que te parece com ti? Faz duas semanas que desapareci. E não estive sozinha.
-Deita-te com ele? Com esse monstro?
-Isso não é teu assunto. E o que ocorre entre o Ethan e meu pai não é assunto meu. Vai, Rob. Eu estou bem aqui.
O jovem sacudiu a cabeça.
-Assim sem mais? Quer ficar neste horrível lugar?
-Digamos simplesmente que não penso ir a nenhuma parte contigo. Quando estiver pronta para partir, o farei sozinha.
-Esta louca.
-Adeus, Rob. Dê lembranças a meu pai.
-Está bem.
Dirigiu-se para a porta, mas antes de chegar a ela, se voltou para fazer um último intento.
A jovem não estava preparada para o que ocorreu a seguir. Girou para ela de repente, a estreitou em seus braços e começou a beijá-la apaixonadamente.
Meg se rebelou contra ele. Pareceu ouvir um rugido de raiva em algum lugar, mas pensou que era produto de sua imaginação. Um momento depois, Rob foi afastado
dela e jogado contra a parede.
-Eu em seu lugar não faria isso - disse Sal, em um tom amistoso-. Ao senhor Winslowe não gosta que ataquem a seus hospedes. Especialmente a senhorita Carey.
Rob os olhou, respirando entrecortadamente.
-Que demônios há entre o Winslowe e você? -perguntou.
-Adeus, Rob.
O jovem abriu a boca para dizer algo, mas Salvatore o levantou em braços como se tratasse de um menino, abriu a porta, jogou-o fora e a colina depois disso.
Logo se esfregou as mãos.
-Não posso dizer que me impressione seu gosto em homens.
-Vá ao inferno -disse ela.
-Assim que, depois de tudo, quer ficar..
-Eu não disse isso. Só disse que não queria ir com ele.
-Está bem. A acompanharei ao seu novo quarto.
-Meu novo quarto? -gemeu ela-. É que alguma vez posso passar mais de uma noite na mesma?
-Não. Ethan quer assim. Ademais, não queremos mais visitas noturnas. O senhor Winslowe é muito ciumento de sua intimidade.
Pondo-se a andar por um dos corredores e a jovem vacilou um momento, duvidando entre segui-lo ou abrir a porta e convencer ao Rob de que a levasse até o aeroporto
mais próximo.
Mas não podia fazer isso. Recordava muito bem a pressão branda de sua boca e de suas mãos. E também o modo em que fala justificada a negligência criminal de
seu pai. E também recordava Ethan Winslowe, sua boca, suas mãos, sua força e sua necessidade. Olhou o anel que levava no dedo. As duas caras do deus pareceram então
ter sentido. No momento não iria a nenhuma parte. Ficaria exatamente onde estava.


Capítulo Doze

O frio e chuvoso abril deu passo a maio e com ele chegou o calor a aquele deserto rincão de Arkansas. Os botões se transformaram em flores: lilás, rosas e petúnias,
e Megan se acostumou a deixar abertas as janelas de seus diferentes quartos. Deixava-as abertas para que entrasse o ar cálido e o aroma da primavera, mas também
para Ethan. Sabia que às vezes se aproximava dela quando dormia. Então sonhava que uma mão lhe tocava a frente em uma carícia tão ligeira como o vento. Sabia que
a observava através do vídeo e que ficava a seu lado enquanto dormia, mas passou dez dias sem vê-lo.
Dez dias de mudar-se de quarto em quarto , sem mais companhia que a presença silenciosa do Salvatore e alguma visita ocasional da amistosa Ruth. Dez dias de
solidão, nos que se sentiu embargada por uma estranha serenidade enquanto esperava o inevitável. Que se aproximasse dela. Dez dias nos que às vezes despertava na
escuridão em metade da noite e se sentia só e assustada. Sabia que aquelas eram as noites nas que Ethan não havia ido vê-la e tocá-la. Aquelas noites eram as mais
duras. Acostumou-se a usar as túnicas amplas que Ruth havia levado, vestidos vaporosos que a envolviam em um fragor de seda. Com eles ia de quarto em quarto
perguntando-se quando voltaria a ver o Ethan.
Às vezes parecia ouvir sua voz hipnótica enquanto dormia e então seus sonhos se voltaram profundamente eróticos. Sabia que estava enfeitiçada, apanhada em um
encantamento que antes ou depois teria que romper, mas, no momento, se sentia estranhamente impotente, contente de deixar-se balançar em uma quebra de onda de sensualidade
em que todas suas necessidades estavam cobertas. Todas, exceto a necessidade que tinha dele.
Ethan tentou combater seu desejo por ela. Durante dez dias intermináveis lutou consigo mesmo, decidido a manter a distancia, mas foi uma batalha perdida. Não
podia resistir a tentação de ligar as telas de televisão. Observava-a acordada e a observava enquanto dormia e então sabia que era preciso que se aproximasse mais
dela. Tinha que respirar o mesmo ar e cheirar o aroma floral que parecia envolvê-la. Tinha que lhe tocar o cabelo. Salvatore estava equivocado. Seu cabelo não era
da cor da luz do sol. A luz do sol era brusca e brilhante e seu cabelo tinha o tom exato de um raio de lua sobre uma rosa branca.
Não deixava de repetir-se que tinha que deixá-la partir. A situação no povoado estava começando a fazer-se insustentável e ele se distraia muito com aquela convidada.
Se a deixava ir sem a ter tocado, poderia concentrar-se em seus planos de vingança. Mas se para isso, sua marcha podia matá-lo. Seu corpo vibrava de desejo insatisfeito.
E sua alma a desejava tanto como seu corpo. Temia estar ficando louco. Prometeu a si mesmo que aquela seria a última noite. Apagou o monitor, seguro de que Sal
estava no povoado e não na casa. Aquela ultima noite não queria nenhuma testemunha.
A jovem tinha um sono leve, mas Ethan tinha a habilidade de mover-se sem fazer nenhum ruído. Observou-a um momento enquanto dormia e logo estendeu a mão para
tocar ligeiramente a suave curva de seu seio. Sabia que, se a tocava, a despertaria e aquilo precipitaria o que havia estado lutando. Apartou a mão, como se lhe
queimasse, e uma sensação de raiva o invadiu. Se ficasse ali um momento mais, não poderia controlar-se e acabaria por possuí-la.
Saiu ao jardim e se deteve ao lado de um lago, contemplando o reflexo da lua. Seu desejo era tão intenso que todo seu corpo tremia. Em silêncio, jogou a cabeça
para atrás e a chamou, não com sua voz, a não ser com seu coração. Chamou-a para que se aproximasse dele, para que rompesse aquela separação que o estava destruindo.
Megan despertou bruscamente, arrancada do sonho por uma estranha força. Ficou um momento com os olhos abertos na escuridão, tentando recordar onde estava. O
dia anterior a haviam mudado a um amplo quarto grafite de branco, com cortinas de musselina branca em todas as janelas, incluído o vitral que dava ao jardim. O leito
era enorme e as cortinas, brancas também, de suave algodão egípcio. O resto dos escassos móveis, uma mesa e uma cadeira, também eram brancos. O único rastro de cor
no quarto eram as flores que havia em um pequeno jarro e que não reconhecia. Eram uns casulos vermelhos que despediam um aroma hipnotizador que impregnava o quarto
O pequeno jardim contínuo complementava bem o quarto. Todas as flores que havia ali eram brancas: rosas brancas, peônias brancas e lírios brancos. No centro
do jardim havia um pequeno lago cuja água azul evocava perfeitamente o azul do céu.
Levantou-se na cama e apartou a savana. Alargou uma mão para acender uma luz, mas a retirou imediatamente. Havia lua cheia e através dos vidros entrava bastante
luz do jardim.
Disse-se que devia deitar-se e tampar-se com as cortinas, defendendo-se assim dos fantasmas da noite, mas Ethan a estava chamando. O ouvia em seu coração. O
sentia próximo ao fim, esperando-a, chamando-a. E não podia ignorar aquela chamada.
Saltou da cama e apartou as cortinas. Embora o quarto estivesse em sombras, sabia bem que ele não estava ali. Havia estado, mas havia ido tocá-la, sem despertá-la,
e agora a chamava do profundo de sua alma torturada.
E ela respondia a sua chamada em um estado semi-hipnótico. O único que importava naquele momento era que Ethan, ao fim, estava-a chamando.
Caminhou cegamente pelo quarto e saiu ao jardim.
A paisagem parecia banhada pela luz da lua. As flores brancas brilhavam ligeiramente. No lago pôde ver o reflexo da lua, redonda e branca como as flores do
jardim. E também viu o reflexo de Ethan, vestido de negro, com o rosto voltado de costas a ela, de modo que ela só via seu cabelo escuro.
-Vêem a mim -disse.
E Meg não soube se havia pronunciado aquelas palavras em voz alta ou o havia falado diretamente ao coração. Dava igual. Avançou para o ele através do jardim.
Seus pés descalços se moviam silenciosamente pelo caminho de pedra branca.
Parou diante dele, temerosa de levantar a mão. Queria que ele fizesse o primeiro movimento. Seu rosto estava nas sombras, só o lado formoso de sua cara estava
algo visível entre seu cabelo. Intentou olhá-lo, mas teve medo e fechou os olhos, tremendo ligeiramente no cálido ar noturno.
Então a notou. Passou uma mão pelo pescoço e a obrigou a levantar o rosto para ele.
-Abra os olhos, meu anjo-disse com voz sedutora-, Me olhe.
Megan não teve mais remédio que fazer o que ele dizia. Abriu os olhos e o olhou sem temor. À luz da lua, a parte escura de seu rosto parecia desaparecer, deixando
sozinho o formoso perfil. Não importava. O que a atraia por volta dele era algo mais poderoso que seu rosto.
Ethan subiu a mão até lhe tocar a base do pescoço e o fecho que sujeitava a camisola. Sem deixar de olhá-la aos olhos, retirou-o e o objeto se abriu.
O homem aproximou a outra mão para retirar a camisola, que caiu brandamente a seus pés, deixando-a nua à luz da lua.
Não subiu a vista para observar seu corpo. Seguia olhando-a fixamente aos olhos, analisando a expressão de sua cara.
-Ficou -disse, com doçura-. Podia ter partido com o Palmer. Se houvesse tornado a pedir ao Salvatore, ele a deixaria partir.
-Não queria ir.
-Eu vivo na escuridão -continuou ele - Nas sombras, na segurança e o calor da noite. Se vier a mim, terá que viver também nas sombras.
Megan levantou a cabeça para olhar a seu redor.
-A luz da lua é suficientemente brilhante para mim -disse com calma.
Então, pegou seu rosto entre as mãos e lhe acariciou a bochecha com os dedos.
-Devo estar louco -murmurou-. Você me destruirá.
"Te amarei", quis dizer ela, mas de seus lábios não saiu nenhum som.
-Me destruirá -repetiu ele, fechando os olhos. E então a beijou. E ela se apertou contra ele porque precisava sentir o contato do corpo masculino contra o seu
e necessitava algo ao que aferrar-se. Ele era forte e musculoso e ela se sentia muito vulnerável em seus braços. Entreabriu os lábios disposta a aceitar o que queria
lhe dar.
Ele a separou um pouco e a beijou no pescoço. Logo, a pegou nos braços e a levou assim, pelas portas do viral, até depositá-la sobre a cama, onde ficou observando-a
como a havia observado tantas vezes enquanto dormia.
Megan o olhou interrogante, desejando-o mais do que havia desejado nunca nada em sua vida. Ethan não era mais que uma sombra na escuridão, uma silhueta vestida
de negro, um amante fantasma, e ela sentiu um súbito desejo de ver luz. Queria vê-lo, tocá-lo, conhecê-lo. Mas o instinto lhe disse que teria que aceitar suas condições,
assim se recostou contra o travesseiro, com os olhos meios fechados e esperou.
Ouviu ruídos de roupa e soube que estava se despindo. Queria levantar-se e tocá-lo, mas não podia mover-se. Estava tremendo, não de frio nem de medo, mas sim
de desejo. Desejava-o como não havia desejado nunca a ninguém.
E, um momento depois, ele estava na cama com ela, agarrando-a pelos ombros e estreitando-a contra seu corpo.
-Ethan..
O homem se recostou contra os travesseiros, beijando-a de um modo que estava a ponto de voltá-la louca. Não era possível alcançar um orgasmo só com um beijo
e, entretanto, estava incrivelmente perto disso. Ethan moveu as mãos para cima e ela notou que as aproximava pouco a pouco a seus seios. Sentiu que, se não a tocasse,
morreria.
O jovem se apartou um momento e a deixou tombada sobre o colchão. Megan alargou os braços para atraí-lo para si, mas Ethan pegou os pulsos e se os sujeitou
ao lado do corpo. O contato dos lábios dele contra seus seios lhe provocou uma sensação tão intensa que lhe era quase dolorosa. Intentou apartar-se, mas ele a sujeitava
pelos pulsos e lambeu brandamente um seio antes de mordê-lo ligeiramente. Depois concentrou sua atenção no outro seio.
A jovem gemeu e respirou entrecortadamente sem deixar de debater-se contra a pressão de suas mãos. Queria tocá-lo, empurrá-lo sobre ela, dentro dela. Seu corpo
estremecia de desejo. Necessitava-o e, entretanto, não podia dizer-lhe, o único que podia fazer era debater-se na cama tentando tocá-lo.
As mãos dele soltaram um momento os pulsos dela e rodearam seus seios, lhe acariciando os mamilos com os dedos. Depois desceu a boca, até seu ventre, até a curva
de suas coxas e ela não pôde protestar. Ele lhe beijou nos cachos dourados e logo abaixou mais a boca, produzindo nela um efeito devastador. Aquela vez se debateu
um momento e segurou sua cabeça com as mãos para tentar apartá-lo, mas ele a segurou nos quadris e a manteve imóvel. Um segundo depois, Meg já não tentava apartá-lo,
mas sim deslizava seus dedos entre os cabelos dele, arqueando-se sob as sensações que sua boca e sua língua produziam.
A escuridão a invadiu. Aquilo não tinha sentido. Normalmente, nem sequer gostava do que o lhe estava fazendo. Entretanto, naquele momento, sua língua, seus lábios
e suas mãos produziam um prazer indescritível. Não queria que fora assim. Queria dar-se a ele, não limitar-se a aceitar algo dele, mas Ethan não lhe deixava escolha.
Ethan sabia julgar perfeitamente suas reações. Sabia bem quando estava ao bordo da explosão e sabia como mantê-la ali. Como prolongá-lo de modo que ela seguisse
obstinada a seus ombros, soluçando de prazer, segura de que seu corpo não poderia agüentar mais até que ele lhe demonstrava de modo evidente que podia. E, entretanto,
não lhe bastava. Seu corpo vibrava sem cessar contra sua boca e ela seguia atirando dele, desejando algo mais, algo que não fora só sua boca e suas mãos, a não ser
todo ele.
Meg não foi consciente de que momento a soltou. Quando Ethan se estendeu sobre ela, deu-se conta de que, apesar de que as contrações seguiam lhe percorrendo
o ventre, ele já não a estava tocando.
Rodeou-lhe o pescoço com seus braços e enterrou o rosto em seus ombros. Ethan lhe levantou o rosto e a pegou entre suas mãos. A lua se havia escondido atrás
de uma nuvem, deixando-os inundados na escuridão. A beijou na bochecha e ela voltou a boca para encontrar a sua. Se moveu sob ele, separando as pernas para que
pudesse descansar sobre ela.
Então ele a possuiu de um modo interminável. Penetrou-a com lentidão e Meg soube, pela dor que notou ao princípio, que sua masculinidade era muito superior
a qualquer outra que havia conhecido. Quando ao fim esteve completamente dentro dela, colocou as pernas femininas em torno de seus quadris, introduzindo-se até mais
dentro e a jovem não pôde evitar um ligeiro gemido de dor.
-Tenho te feito mal? -perguntou o, com suavidade.
Meg sabia que se dissesse alguma palavra, ele se retiraria e a deixaria e ela morreria. Mas não podia lhe mentir. Não o mentiria nunca, assim que o beijou na
boca para silenciar sua pergunta e apertou as pernas em torno de seu corpo para introduzi-lo até mais dentro dela. Então chegou ao turno de estremecer-se e tremer.
Começou a perder o controle que havia mantido até então enquanto se separava dela lentamente para voltar a enchê-la um segundo depois. A jovem fazia caretas de dor
na escuridão, mantendo-se imóvel, decidida a não retroceder ante aquelas investidas.
Não soube bem quando tudo aquilo mudou. Quando desapareceu o último rastro de dor e se encontrou abraçando-o e apertando-se contra ele, soluçando e chorando
ante seus ataques. Era tão forte, tão poderoso, que todo seu corpo se sentia invadido, afligido por uma possessão que não queria que terminasse. Arqueou contra ele,
sabendo que não havia nada que pudesse lhe fazer alcançar as alturas de um momento antes e as alcançando, entretanto, até sem ser consciente disso.
A lua voltou a sair e encheu o quarto de uma luz chapeada. Ethan tinha o rosto separado do dela, assim que a jovem só viu seu perfil oculto pelo cabelo.
Megan o pegou pelo rosto e lhe deu a volta para que a olhasse de frente. Beijou-lhe a boca, o nariz e a parte marcada de seu rosto. Apartando-lhe o cabelo da
cara, seguiu lhe beijando o pescoço, no ponto em que a marca continuava para baixo e se perdia entre seus corpos.
O jovem parou um momento o hipnótico ritmo de seu corpo e ela temeu ter ido muito longe. Ethan olhou aos olhos.
-Te amo -disse ela.
Ethan fechou os olhos e uma expressão de dor, e algo mais que ela não soube interpretar, cobriu o seu rosto. Então começou a mover-se de novo a um ritmo lento
e deliberado, que aumentou logo pouco a pouco, até alcançar uma ferocidade desesperadora. Meg sabia, pela tensão de seu corpo, que estava a ponto de alcançar o clímax
e se perguntou por que se detinha de repente, como esperando algo.
E então soube que era o que esperava. O ouviu pronunciar seu nome enquanto os dois se perdiam juntos no mesmo turbilhão de loucura.
Até muito tempo depois, não pôde voltar para a realidade. Ele jazia em cima dela, com a parte marcada do corpo oculta no travesseiro branco e seu corpo muito
tenso. Soube que ia retirar-se e pensou que não podia deixá-lo partir. Passou os braços em torno do corpo e o estreitou com desespero.
Os músculos tensos dele se relaxaram e levantou uma mão para lhe acariciar as bochechas com ternura. Um momento depois, dormiu em seus braços.
A jovem sorriu. Depois de tudo, era humano e tão propenso como qualquer um a dormir depois de fazer amor. Era um alívio comprovar que tinha reações tão normais.
Meg jazia debaixo dele, acomodou-se sob seu peso. À medida que o tumulto de seu coração e de seu corpo começou a decair, aumentou o tumulto de sua cabeça. Não
tinha sentido. Não havia tido muita experiência, mas sim a suficiente para saber o que gostava e o que não e do que era capaz seu corpo. E ele havia demonstrado
que se havia equivocado em tudo, proporcionando uma experiência de tais proporções que duvidava que depois daquilo, pudesse voltar a ser a mesma.
Enquanto o observava dormir em seus braços, soube sem dúvida nenhuma que o era o único que lhe importava. O único.
Não sabia como havia ocorrido. Que estranho defeito de seu caráter a havia feito obcecar-se completamente por um homem que a havia seqüestrado, aterrorizado,
seduzido e encantado, mas não servia de nada perguntar-lhe Pela primeira vez em seus vinte e sete anos, estava apaixonada, irracional e completamente apaixonada.
Para sempre. Assim não teria mais remédio que procurar um modo de viver com aquilo. Ou de viver com ele, se ele assim o permitia.


Capítulo Treze


Observar a Meg enquanto dormia havia se convertido em uma obsessão para Ethan. Aquela noite estava deitada a seu lado. A jovem tinha os olhos fechados e a rosto
tampado pelo cabelo. Em algum momento da noite haviam trocado de postura e ela jazia naquele momento a seu lado, sem tocá-lo e com o queixo apoiado nas mãos.
O homem desejava tocá-la. Queria lhe apartar o cabelo e beijá-la. Tremia de desejo por ela, mas se manteve distante, remoto, consciente de que seu tempo se aproximava
de seu fim. Sabia que não devia ter chegado tão longe, mas não havia sido capaz de deixá-la partir sem havê-la possuído ao menos uma vez, sem ter provado o sabor
daquela pele sedosa e contemplado a paixão, a surpresa e o prazer que havia lido nos olhos dela ao fazer amor.
Recordaria aquele olhar durante toda sua vida. Seria o único que lembraria dela. Não podia suportar a idéia de deixá-la partir, mas isso era precisamente o que
pensava fazer. Sempre havia sabido que teria que fazê-lo antes ou depois. Essa noite havia sucumbido a tentação... E havia sido algo perfeito, quase celestial. Não
era de sentir saudades que os franceses o chamassem petit mart, a pequena morte. Fazer amor com Megan havia sido como um cataclismo, uma explosão triunfal. Não havia
vivido nunca nada parecido.
A jovem murmurou algo em sonhos e a necessidade de tocá-la lhe fez peremptória. Entretanto, não se moveu, seguia imóvel, prolongando sua tortura e sua agonia.
E, quando notou que sua força de vontade começava a lhe falhar, apressou-se a abandonar a cama antes de esquecer por completo sua resolução. Meg lançou um gemido
de protesto e estendeu os braços para tocar o espaço esvazio no que havia estado convexo, mas não despertou.
Ethan pegou sua roupa, que estava amontoada no chão, e se vestiu com lentidão sem deixar de olhar a rosto dela adormecido. Se havia levantado um pouco de vento
e as cortinas de musselina se moviam com o ar. Aproximava-se o amanhecer e para muito tempo que não sentia o calor do sol em seu rosto. Talvez Salvatore tivesse
razão. Talvez deveria voltar para a ilha, Talvez assim pudesse esquecê-la.
Saiu ao jardim e voltou um momento depois com os braços cheios de flores brancas. Megan não despertou e se limitou a sorrir brandamente quando a cobriu com milhares
de pétalas, cujo aroma se mesclou com a fragrância florida de seu corpo e o erótico aroma do sexo.
Sentiu desejos de tomá-la em meio de todas aquelas pétalas brancas. Queria jazer com ela entre as flores e possuir seu corpo e sua alma de um modo completo.
Desejava-a tanto e de tantos modos que só pôde fazer uma coisa. Partir e deixá-la sozinha.
Foi diretamente o quarto dos computadores. As velas se haviam consumido muito tempo antes, mas se aproximou sem dificuldade até sua enorme cadeira e se deixou
cair sobre ela. Só em seu quarto, soube bem o que tinha que fazer, mas não sabia como poderia fazê-lo.
Inclinou-se para frente e apoiou a rosto nas mãos. Sentia uma dor insuportável.
Megan estava sozinha. O perfume das flores a envolvia por completo, mas se sentia estranhamente desconsolada. Sabia que Ethan se havia ido de seu lado, o sabia
sem necessidade de estender os braços. O único que não sabia era o longe que havia ido.
A luz do amanhecer começava a abrir-se caminho por entre as cortinas de musselina. Sentou-se na cama e olhou as flores que cobriam o leito. Os olhos se encheram
de lágrimas e, ao estender uma mão para agarrar um das pétalas, o ouro puro do anel de Jano brilhou em sua mão.
Tampou-se com o lençol e se disse que não tinha por que preocupar-se. Ele não gostava da luz do dia. Ethan havia feito amor na escuridão e ela intuía que a escuridão
era algo mais que um modo de ocultar-se. E estava segura de que não queria ocultar-se dela, mas sim de si mesmo.
Ademais, ele havia deixado as flores. Uma manta de flores lhe cobrindo o corpo. Por que tinha a impressão de que aquela oferenda era seu modo de despedir-se?
Intentou apartar aquela idéia de sua mente e se repetia uma e outra vez que ele voltaria ao anoitecer. Só tinha que ser paciente e esperar.
Passou as horas e não entrou ninguém, nem sequer Salvatore, que sempre chegava pontual com a bandeja do café da manhã. Então a preocupação começou a apoderar-se
de Meg.
O jardim parecia diferente de dia. As flores brancas brilhavam menos com a luz do sol e o profundo lago já não refletia a luz da lua. Megan apareceu e divisou
uma figura familiar em uma esquina. Era Joseph.
Aproximou-se dele. O ancião estava inclinado ao lado de uma roseira branca, sem dar sinais de ter notado sua presença, mas a jovem sabia que havia sido notada.
Aquele homem havia estado ausente durante dias e o fato de que tivesse aparecido naquele momento não era simples coincidência.
Meg desejava lhe tocar o braço, tocar a outro ser humano, assegurar-se de que era de carne e osso, mas se conteve. Havia um pouco de etéreo em Joseph que, apesar
da amabilidade de sua expressão, a para desistir de tocá-lo, assim que se deteve uns passos dele e esperou.
Depois de um momento, o velho levantou a cabeça e a olhou com expressão impenetrável.
-Não faça mal ao moço --disse.
-Ao moço? -perguntou ela, confusa.
- Ethan. Já sei que é um homem adulto, mas não posso evitar seguir pensando nele como em um menino.
A jovem sentou-se na grama com as pernas cruzadas. O chão estava seco, aquecido pelo sol, e não poderia deixar de se perguntar porque ainda estava sentindo frio.
-Você o conhece de menino?
-Eu estava ali quando nasceu. Lembro do grito de horror de sua mãe. E suponho que ele também o recorda.
-A gente não pode recordar coisas do dia em que nasceu.
-De verdade? -perguntou Joseph-. Todavia não se deu conta de que Ethan não é como as demais pessoas? Não importa. Se tiver esquecido isso, teve muitas outras
ocasiões de observar o rechaço das pessoas, incluído o de sua mãe. E não se poderá suportá-lo durante muito mais tempo.
-Eu não o rechacei -repôs Megan, em voz baixa.
O ancião a olhou fixamente um momento e logo suspirou.
-Estes são maus tempos. Muito maus. Embora pudesse dar a Ethan o que necessita, não sei se ele poderia aceitá-lo. É um homem possuído pela raiva e isso acabará
destruindo-o se algo ou alguém não o impede.
-Não compreendo.
Joseph moveu a cabeça.
-As pessoas de Oak Grove tampouco são normais. Viveram muito isoladas e foram perturbados por loucos como o pastor Lincoln Green do Satanás e acreditam que Ethan
tem algo que ver com ele e nada nem ninguém vai convencê-los contrário. Especialmente, quando Ethan não deixa de incitá-los. Já estão começando a perder o controle.
-Todavia não compreendo.
-Ele é o dono da maior parte do povoado, sabe? Foi propriedade de sua família durante várias gerações. E está pensando doar as duas terceiras partes de sua propriedade
a uma organização não lucrativa. Inclusive pretende lhes construir as oficinas e o centro de conferências.
-Parece-me uma boa ação
Joseph tornou a rir.
-Ethan não está acostumado a dedicar-se a fazer boas ações. O mundo não lhe ensinou a ser bom. Está planejando construir o Centro de Investigações Paranormais.
Até pensa edificar dormitórios, zonas comunais para as pessoas interessadas em seguir as doutrinas da Nova Era.
-OH, Deus meu!
-Exatamente. Isso estaria muito bem na Costa Oeste ou no Nordeste, mas aqui, no coração da América, em meio de um grupo de pessoas que vêem Satanás em cada fibra
de erva, é um convite ao desastre. E vai se encontrar com ele. Já estão queimando cruzes aqui quase todas as noites.
-Todas as noites? - repetiu ela, com desanimo.
-Todas as noites. Estiveram celebrando reuniões, ameaçando fazendo todo tipo de coisas em nome de seu deus pessoal e vingativo. Ethan não se deteria até que
estejam fora de si. E eles não retrocederão até havê-lo destruído.
Megan sentiu um peso enorme no peito.
- Por quê? - perguntou.
- Porque ele pensa que mataram a seu pai. Porque a vingança é o único que o mantém com vida. Que outra coisa tem? Uma esposa, uma família, uma vida normal? Viveu
sua vida na escuridão e a escuridão forma agora parte dele.
-Mas alguém tem que lhe fazer entrar em razão.
-Salvatore o tenta, mas Ethan não é homem que escute a ninguém.
-E você? Por que não tenta falar com ele?
O rosto do Joseph adotou uma expressão tão de causar pena que Megan quase pôs-se a chorar ao vê-la. Por um estranho momento, a dor que expressavam seus olhos
recordou Ethan.
-A mim não escutaria nunca -disse.
A jovem não duvidou um momento de suas palavras. Sem dúvida, aquele era um homem que havia traído Ethan, bem de menino ou de adulto.
-Então terá que fazê-lo eu -disse.
O ancião a olhou durante cumprido momento.
-Acredito que pode ser muito tarde.
-Não diga tolices.
-Acredito que o melhor que pode fazer é ir antes que tudo desabe. As coisas foram muito longe. Os habitantes do povoado já não atendem a razões. O único modo
de ajudá-lo, seria partindo..
-Não o farei.
-Não acredito que tenha escolha -disse.
Olhou para o vitral de seu quarto . Ruth estava de pé ao lado das cortinas flutuantes.
Megan ficou de pé com inapetência. Se voltou para despedir-se do Joseph, mas, para sua surpresa, havia desaparecido, desvanecendo-se sem fazer ruído. Em algum
lugar daquela parede de pedra devia haver uma porta com as dobradiças tão bem engorduradas que permitia que as pessoas entrassem e saíssem em completo silêncio.
Olhou um momento o lugar no que havia estado antes e logo caminhou lentamente em direção da figura da Ruth.
-Sinto chegar tarde -disse a voz do Salvatore na escuridão.
Ethan não se moveu -Que hora é? -perguntou. -Mais das seis da tarde. Sua amiga deve estar subindo pelas paredes. Será melhor que lhe leve algo de comer. Logo
voltarei.
-Que ocorreu? -perguntou o jovem, cortante. Sal vacilou um momento.
-Tive alguns problemas no povoado
-Foi ontem à noite e estiveste mais de vinte e quatro horas fora? Parece-me que foi algo mais que alguns problemas. Acende a luz.
-Deixa-o já, Ethan.
-Acende a luz, Sally.
Salvatore não havia deixado nunca em sua vida de obedecer uma ordem, assim que fez o que o outro o dizia. Ethan fechou instintivamente os olhos ao notar a claridade
para dar-se a si mesmo tempo de acostumar-se à luz. Quando pôde, Olhou o rosto cheio de hematomas de Sal e começou a blasfemar.
-É mais chamativo que outra coisa -disse o gigante, movendo-se com muito cuidado.
-Que passou?
-Um grupo de tipos saltaram sobre mim na obra. Estavam fazendo o de sempre, lubrificando as máquina de sangue de frango e escrevendo "te arrependa ou perece".
Suponho que seriam alguns dos seguidores do pastor Lincoln. Todavia não posso acreditar que fui o bastante parvo para deixar que me atacassem.
-E que fizeram?
-Limitaram-se a me golpear sem piedade. Houvesse tornado antes, mas me romperam uma costela. Pensei que tinha que me enfaixar isso e não estava disposto a permitir
que esse médico bêbado me pusesse as mãos em cima. Especialmente tendo em conta que me pareceu vê-lo ali olhando.
-Matarei-o.
-Te tranqüilize, Ethan. Deus sabe que passei por coisas piores. Se não me tivessem pilhado despreparado, não haveriam podido me fazer nada -deu um passo para
ele--. Está seguro de estar fazendo o correto? Não pode deixá-los em paz? Voltemos para Saint Anne. Pode levar a garota contigo se quiser, mas vamos daqui.
-É muito tarde para isso, Sal. Muito tarde.
-Que ocorreu enquanto estive fora? --perguntou o outro com perspicácia.
-Nada -repôs Ethan, olhando-o aos olhos.
Não soube por que havia mentido. Nunca antes o havia mentido ao Salvatore, mas aquela vez não queria que a opinião de ninguém empanasse as horas que havia passado
na cama de Megan. Aquilo era algo que queria guardar para ele apenas.
Sal aceitou sua palavra.
-Que vamos fazer agora? -perguntou.
-Tem que tirá-la daqui.
-Quando?
-Assim que tenha arrumado tudo. Esta noite, se for possível. Amanhã demorará demais.
-O farei está noite -repôs Sal-, sempre que estar seguro.
-Estou seguro. Leve a daqui, por favor -suplicou Ethan, sem incomodar-se em ocultar a dor de sua voz.
-Assim o farei -repôs o gigante, dirigindo-se zangado para a porta.
Ao Ethan não o surpreendeu sua irritação. Sabia que, depois de tantos anos, como Salvatore se sentia possessivo e tinha ciúmes de qualquer que se interpor entre
os dois. Não havia oculto em nenhum momento que não gostava de Megan e o jovem sabia muito bem por que. Seu amigo havia sabido, como ele, que ela mudaria suas vidas,
que ia importar-lhe mais do que o havia importado nenhuma mulher.
Não voltaria a vê-la. Teria que resistir a tentação de procurá-la ou ter notícias suas nos anos vindouros. Seria o melhor.
Pensou nos habitantes do povoado . Sabia que estavam exaltados até a loucura. Ethan havia planejado assim. Antes ou depois deixariam de contentar-se queimando
cruzes e marcharian sobre a casa com suas tochas. Quando chegasse esse momento, esperava estar dentro.
Os operários da construção chegariam em dois dias depois a começar os alicerces do centro de investigação. Ninguém havia se aproximado da casa nos dois últimos
dias. Ninguém, exceto Ruth. Sem dúvida planejavam um assalto sangrento que podia acabar com todos eles.
Razão demais para tirar Megan dali. Supôs que faltavam alguns dias para que tudo estalasse, mas não queria correr riscos. A queria longe dali antes que alguma
coisa acontecesse.
Megan se sentou no meio da enorme cama, tremendo ligeiramente. Havia perdido a conta do tempo que estava naquela casa, mas de uma coisa estava segura. Era a
primeira vez que não a haviam trocado de quarto no meio da amanhã.
Disse a si mesma que aquilo era bom sinal, que Ethan queria que continuasse ali para voltar a reunir-se com ela, mas não o acreditava. Sabia que não tinha intenção
de voltar para seu lado.
Não havia tocado a comida que Ruth lhe levou, nem havia se mostrado muito disposta a falar com ela. Havia feito a cama ela mesma, para que a outra não notasse
nada estranho e havia mantido em segredo todo o acontecido a noite anterior. Não estava disposta a compartilhá-lo com ninguém, e muito menos com uma mulher que havia
compartilhado sua cama com Ethan Winslowe.
Era algo irracional e injusto, mas não suportava olhar a Ruth. Os ciúmes que antes havia sentido dela haviam aumentado até alcançar proporções preocupantes.
Pensar que Ethan havia tocado aquela mulher da mesma forma que a ela dava vontade de gritar.
Embora, no fundo de seu coração, sabia que não havia sido assim. Podia ter tido relações sexuais com Ruth durante anos, mas estava segura de que não havia compartilhado
com aquela mulher o que compartilhou com ela. Essas poucas horas haviam sido mais importantes para Ethan que todos os anos passados com Ruth.
Quando a noite começou a cair, continuava sentada na cama. Não se importou em acender a luz. O único que importava era que ele fosse para seu lado. Tremia de
desejo e não podia fazer outra coisa que esperar e tentar combater o medo que a embargava.
Ouviu a chave girar na fechadura e se sentiu morrer. Ethan nunca utilizaria uma chave. Não a necessitava. Ocultou a rosto entre as mãos. Não queria saber o que
era que a esperava.
-Pegue suas coisas -disse a voz hostil do Salvatore.
A jovem levantou a vista e olhou seu rosto cheio de hematomas e o olhar zangado de seus olhos.
-Vai me levar para outro quarto ? --perguntou.
Sal moveu a cabeça.
-Você está de partida. Esta noite volta para seu mundo.
Meg não se moveu. Não podia fazê-lo.
-Como? -perguntou.
-Preparei um carro. Tem gasolina suficiente para levá-la aonde precise ir.
-E se me nego a ir?
-Então eu a levarei até o carro, a conduzirei até o aeroporto mais próximo e a deixarei ali. Não poderá voltar aqui. E, se o fizer, provavelmente será muito
tarde.
-Muito tarde?
-Ou já haverá desaparecido este lugar ou teremos desaparecido nós. Aceite, moça. Ele não a quer. Terminou de brincar com você e agora quer que se vá.
Megan não se moveu. Em seu coração, a raiva começava a deslocar à dor.
-Quando? -perguntou.
-Tenho que revisar o carro. Voltarei a procurá-la dentro de uma hora. E não creia que pode tentar encontrá-lo e lhe suplicar. Não quer vê-la. Você se vai, tanto
se quiser como se não. Prepare-se. E, sem mais, saiu do quarto
A jovem esperou até que o som de seus passos desaparecessem na distância e logo se levantou da cama, tremendo de raiva.
Com mãos trementes, arrancou a camisola que tinha posto e colocou calças jeans e um pulôver. Ethan acreditava que podia seqüestrá-la, mantê-la prisioneira, lhe
fazer amor e logo despedi-la sem uma palavra? Pois estava muito equivocado. Nunca em sua vida havia sofrido a ignomínia de ser considerada uma aventura de uma noite
e não estava disposta a começar com aquele fantasma. Se queria livrar-se dela, teria que dizer-lhe pessoalmente.
Quanto a sua habilidade para encontrá-lo naquele labirinto, não duvidava absolutamente dela. No referente ele, possuía um sexto sentido. Teria que lhe dizer
no rosto que fosse embora. E então, e só então, talvez decidisse obedecer e partir.

Capítulo Quatorze


Ethan estava sentado sozinho no centro da estranha mansão, esperando que ela partisse. Supunha que Megan também ia dar trabalho para ir embora. Depois do ocorrido
na noite anterior, devia estar confusa, mas, por outra parte, havia desejado escapar do momento em que chegou.
Embora, bem cuidadoso, sabia bem que o ocorrido na noite anterior havia sido algo extraordinário para os dois. O havia visto na expressão dos olhos dela e no
tremor de sua boca quando lhe disse que o amava.
Mas não havia duvida de que o superaria. Havia sido temporariamente enfeitiçada pelo lugar e as circunstâncias. Assim que voltasse para sua vida normal, ao mundo
brilhante da luz do sol e o ruído das cidades, se alegraria de ter escapado.
Inclusive havia uma remota possibilidade de que Ethan também conseguisse sobrepor-se. Podia escutar os bons conselhos do Salvatore, deixar aquele lugar, esquecer
sua vingança e voltar para a ilha. Ali ninguém o olhava e podia sentar-se ao sol e nadar no mar, respirar o ar puro e sentir a brisa tropical sobre sua pele. Ali
a luz do sol não era brilhante e cruel, a não ser suave e gentil e as noites eram cálidas e pacificas. Mas ele não desejava a brisa, o sol ou a água. Desejava a
única coisa que não podia ter. Megan Carey.
A jovem havia se perdido. Não havia feito mais que avançar cada vez mais profundamente na escuridão da velha casa, dobrando uma esquina atrás de outra e baixando
cada vez mais. Pareceu ouvir um ruído distante como o que fazem unhas ao arranhar. Salvatore o havia dito no dia de sua chegada que ali havia ratos. Então não havia
estado segura de se devia acreditá-lo ou não, mas, naquele momento, só na escuridão, não teve nenhuma dúvida de que estava no certo.
Reconheceu também uns chiados agudos que ouviu na distância. Eram morcegos. Levou uma mão tremente ao cabelo. Era certo que os morcegos se enganchavam no cabelo
da gente?
Ouviu um trovão na distância e fez um esforço por soltar uma gargalhada nervosa. Deveria haver ficado com a camisola flutuante e uma vela na mão. Então havia
sido a perfeita heroína vitoriana, mas as heroínas vitorianas não usavam jeans e pulôveres nem tênis Reeboks. E tampouco se sentiam consumidas de raiva por ter sido
seduzidas e abandonadas. Ethan a havia comparado com uma heroína virginal. Naquele momento, não era nada disso, era uma mulher dominada pela raiva e a determinação.
De uma coisa estava segura. Não iria embora dali até que o a jogasse pessoalmente.
Não soube muito bem quando sua determinação deu passo ao medo e o medo ao pânico. Soou um trovão mais forte que os anteriores, que pareciam sacudir todo o edifício
e fez que os dentes do Megan começassem a tocar castanholas. Gritou só na escuridão, só com os ratos, os ratos e os morcegos. Estava perdida e aterrorizada.
Não pôde dar um passo mais na escuridão do corredor. Não sabia o que podia encontrar. Sentou-se no chão e apoiou as costas contra a parede. Sentia frio, muito
frio.
"Ethan", pensou. "Ethan tenho medo".
Não viu nenhuma luz nem ouviu nenhum som, mas sentiu as mãos dele sobre seus braços, ajudando-a a ficar de pé. Chorando de alívio, a jovem jogou os braços ao
redor de seu pescoço e ficou nas pontas dos pés para procurar sua boca.
O homem tentou apartar-se, mas ela o pegou do cabelo e o obrigou a deixar o rosto imóvel enquanto o beijava. E, como se não pudesse fazer outra coisa, respondeu
a seu beijo com uma mescla de raiva e desespero.
Megan moveu as mãos para baixo. Tirou a camisa dele, sem pensá-lo duas vezes, tirou a dela, fazendo que os botões saltassem pelos ares e deixassem ao descoberto
sua cálida pele. Separou sua boca da dele e lhe beijou o torso enquanto suas mãos encontravam a fivela de sua calça e começavam a abri-la.
Ethan soltou um gemido de prazer e de dor quando ela se deixou cair de joelhos diante dele e logo a pegou pelos ombros, ajudou-a a incorporar-se e a separou
de si, empurrando-a contra a parede. -Não o faça -disse.
Megan tremia de desejo. Queria tocá-lo, queria lhe fazer coisas que nunca havia pensado que pudesse fazer a ninguém. Queria amá-lo de todas as formas possíveis
e, ademais, estava assustada, muito assustada.
-Não me jogue -suplico-lhe-. Não me obrigue a ir. Sei que não quer que vá. Sei que não quer.
Ethan lhe apertou os ombros um momento e logo a soltou e retrocedeu uns passos na escuridão.
-Você não sabe nada -disse-. Acabou-se o jogo. Volta para seu mundo, a seus amantes, a seu pai. Esquece este lugar. Esqueça de mim.
-Não posso. Te quero.
-Não! Acabou-se, Megan. Consegui o que queria. E agora quero que vá.
A jovem não duvidou de que falava a sério. Sua voz era fria e dura. Ouviu seu coração partir. Sabia que só podia fazer duas coisas. Tornar-se a seus pés e lhe
suplicar ou sair correndo.
Mas já havia suplicado e não o havia servido de nada. Ethan podia ver bem na escuridão. Podia contemplar a dor do rosto dela, enquanto que ela não via nada.
O silêncio pareceu interminável. Ao fim, ela se aproximou para onde sabia que estava e pegou seu rosto entre as mãos.
-Maldito seja, Ethan -disse com um grito sufocado.
E o beijou, com as lágrimas caindo pelas bochechas. Beijou com desespero os lábios frios dele. E logo, quando notou que ele começava a levantar as mãos para
ela, deu-lhe um empurrão que lhe fez perder o equilíbrio e se pôs a correr.
O sentido da direção que a havia falhado antes reapareceu então. Logo se encontrou na seção vitoriana da casa, no salão dianteiro que dava à porta principal
e ao alpendre. Esperou que a porta estivesse fechada igual a havia esperado que Ethan a seguisse através dos túneis, mas não o havia feito. E a porta se abriu sob
a pressão de seus dedos.
A noite estava muito escura. A lua se ocultava detrás algumas nuvens. Ouviu o som do vento e o ruído dos trovões. Um relâmpago iluminou naquele momento o carro
estacionado diante da porta.
Não havia dúvida de que sua bagagem estaria ali. As chaves estariam postas e o tanque cheio de gasolina.
Soou outro trovão e cobriu os olhos, sentindo seu corpo tremer de dor. Sentiu também que Ethan a estava chamando, mas o ignorou. Devia ser produto de seu desespero.
Ele a havia mandado embora. Não tinha mais remédio que ir-se.
Baixou correndo os degraus do alpendre e se meteu no carro. Girou a chave se pôs em marcha sem dificuldade, esgotando sua última esperança. Teria que partir,
a menos que algum deus generoso fizesse cair um raio diante do carro, lhe impedindo de sair. Girou o volante e saiu para o caminho.
"Megan"
Não era o som de seu nome. Era um grito de angústia, como o de um animal sofrendo. Não soava em seus ouvidos, a não ser em seu coração.
"Megan, se me deixar, morrerei. Megan".
Pisou no freio, mas o carro seguiu partindo, saiu do caminho e terminou incrustando-se em uma sarjeta ao lado da estrada. As luzes dos faróis seguiam acesas,
mas ela as ignorou. Saltou do carro e voltou correndo para Ethan.
Não foi para a casa. Daquela vez seguiu seus instintos e seu coração. Sabia onde encontrá-lo. Avançou para a esquerda, abrindo portões com travas dos distintos
jardins, ignorando os ramos que lhe arranhavam a rosto e se enganchavam em seu cabelo. Uma vez escorregou sobre o barro, mas voltou a levantar-se, com o coração
lhe dando saltos no peito e seguiu correndo para ele, ouvindo todavia seu grito de dor e desespero.
Ethan estava parado na metade de um jardim que ela nunca havia visto. Megan se deteve a entrada, todavia na escuridão, sabendo que ele estava ali até antes de
vê-lo. Então um relâmpago o iluminou. Levava calças negras e a camisa branca que ela havia desabotoado estava grudada a seu corpo com a chuva. Tinha o rosto levantado
para o céu, seu cabelo comprido caia pelas costas e a metade formosa de seu rosto expressava um desespero sem limite. E nesse momento se voltou para ela e a jovem
pôde ver ambos os lados de seu rosto, o belo e o escuro e leu neles dor e desejo. E amor.
-Megan -gritou.
E aquela vez ouviu o grito em seus ouvidos além de em seu coração.
Correu para ele a pegou em seus braços, estreitando-a com tanta força que a jovem acreditou que ia esmagá-la. Beijou-lhe o rosto uma e outra vez.
-Não me escute -lhe murmurou ao ouvido-. Não me deixe. Se me deixar, morrerei.
-Não te deixarei nunca.
-Tentei te deixar partir. Tentei te mandar embora. Sei que deveria...
-Shhh -disse ela, lhe cobrindo os lábios com os seus-. Não pode me abandonar. Esteja onde estiver, sempre lhe ouvirei. Sempre ouvirei. Não pode te liberar de
mim, Ethan. Te amo.
E já não tiveram necessidade de dizer-se nada mais. Ela tirou a camisa aberta e começou a beijar seu peito enquanto lhe desabotoava o cinto.
A noite anterior não o havia deixado tocá-lo. Naquele momento, ficou imóvel sob a chuva, lhe acariciando o cabelo, enquanto ela o beijava, sujeitava-o em suas
mãos e fazia amor com a boca. Megan sentia o calor de seu corpo e seus tremores e, quando não pôde suportá-lo mais, levantou-a e a beijou na boca, levantando-a nos
braços e avançando com ela para a casa.
A jovem não sabia onde estavam e não se importava nada sabê-lo. Dentro da casa, soltou-a e tirou a roupa com frenesi. Ela tremia tanto que não podia lhe ajudar,
mas tampouco queria fazê-lo. A única coisa que queria era tocar e beijar o corpo dele e possuí-lo até que não ficasse nada entre os dois, nenhum segredo, nada que
pudesse separá-los.
Um momento depois estavam os dois nus; ele a pegou nos braços, a apoiou contra uma parede e a penetrou de uma forma que a fez gritar de prazer.
Colocou as pernas dela em torno de seu corpo e a segurou pelos quadris, iniciando um ritmo bestial e murmurando palavras de amor, palavras desesperadas e ternas
que a excitaram cada vez mais até que acreditou que algo nela ia estalar abaixo a força de seu amor.
E algo estalou na verdade dentro dela, uma e outra vez. E Megan o sentiu logo explodir, a sua vez, em seu interior, enchendo-a com o úmido tumulto de seu amor.
Ethan tremia muito para poder sujeitá-la. E ela estava muito débil para sujeitar-se sozinha. Juntos se deixaram até cair abraçados. E, enquanto jaziam ali, em
seus braços, Megan sentiu que o desejava de novo. Queria voltar a viver aquela loucura. Queria abraçá-lo, rir com e chorar com ele. Queria ter seus filhos e curar
sua alma.
-Vamos dormir no chão? -pôde dizer ao fim, com voz todavia tremente.
Houve um longo silencio, que Ethan aproveitou para acariciá-la com ternura.
-Só até que tenha forças suficientes para te levar até a casa -disse ao fim.
-E que vamos fazer quando chegarmos à casa? -perguntou ela, rindo com suavidade.
-Suponho que voltaremos a fazer o amor -murmurou-. A menos que goste de me deixar dormir.
-Quer dormir?
-Não - Riu.
Levantou-se com ela nos braços e caminhou para a cama. O quarto estava às escuras. Megan notou que ele se sentava a seu lado e se inclinava sobre ela. Abriu
a boca para lhe perguntar algo e logo voltou a fechá-la.
Mas ele se movia bem na escuridão.
-Quê? -perguntou-. Que quer de mim? Se puder, lhe dar isso.
A jovem voltou a sentir-se excitada. Uma quebra de onda de desejo a recorreu o corpo. Não queria perdê-lo, mas tinha que perguntar-lhe.
-Podemos fazer o amor com a luz acesa?
Ethan ficou em silêncio e ela soube que sua petição o havia atormentado, mas não a retirou.
A cama rangeu e Megan acreditou que ia deixá-la. Logo, a luz inundou o quarto , uma luz brilhante que machucava a vista, Megan fechou os olhos com um coice e
os abriu um momento depois para olhar o corpo dele e seu rosto inexpressivo.
A marca era exatamente como ela a recordava, dividia seu rosto em dois, dotando o de uma trágica beleza. O que não sabia era que a marca se estendia por seu
corpo e terminava justo em cima de seu quadril, sentou-se e lhe beijou o lado marcado do pescoço. Logo lhe beijou o ombro e o mamilo antes de seguir lhe beijando
o estômago e a cintura. Ele permaneceu completamente imóvel.
Megan levantou o rosto e o olhou, perguntando se queria que ela continuasse ou se estava zangado por sua petição e sua reação. Então compreendeu que a claridade
não só o iluminava, mas sim iluminava também seu excesso de peso, seus quadris muito cheios e suas coxas excessivamente gordas. E retrocedeu insegura contra as cortinas.
Ethan sorriu então.
-Tem razão -murmurou, com voz sedutora-. É estupendo poder ver. Especialmente a alguém tão formoso como você.
-Eu não sou.... -começou a dizer ela, disposta a assinalar seus defeitos.
Ele lhe tampou a boca com a sua e se tombou a seu lado e Megan compreendeu que aqueles quilogramas demais não tinham nenhuma importância. Que, a seus olhos,
ela era realmente formosa. E isso era a única coisa que importava.
Dormiram um momento e logo despertaram. Voltaram a fazer amor e voltaram a dormir para despertar mais tarde. A luz do amanhecer se uniu à luz das velas. Megan
jazia nos braços de Ethan, muito satisfeita para poder dormir. Examinou o quarto .
Não era nenhum dos quartos nos que ela havia dormido. As cortinas eram cinza e as paredes de uma cor similar. O chão estava coberto com um tapete bonito Oriental
cinza e rosa. Nas paredes, havia inúmeros lustres e ao lado da cama havia uma torre de livros. Soube sem dúvida nenhuma que aquele era o dormitório de Ethan. Olhou
a parede de frente e seus olhos se encontraram com um quadro. Incorporou-se para olhá-lo melhor.
Era um nu de tamanho natural. E se tratava indubitavelmente dela. A havia pintado de cor, na confusão de fazer seu desafiante strip-tease diante da câmara. Havia
captado a perfeição de seu aborrecimento, seu ar de provocação e cada uma de suas curvas, mas também havia captado sua vulnerabilidade.
-Você gosta? -perguntou ele.
- Você o pintou?
-Acaso crê que tivesse permitido que alguém mais te visse?
-Se fez que Sal me mentisse. Por quê?
-Queria te fazer zangar. Afastar-te de mim. Diminuir de algum modo o poder que já tinha sobre mim.
A jovem o olhou com ternura.
-E deu resultado?
-Você o que acredita?
Megan voltou a vista ao quadro.
-Acredito que me quer de verdade. Acredito... Suas palavras se viram interrompidas por uns golpes estrepitosos na porta. A jovem soltou um grito e se meteu entre
as cortinas, tampando a cabeça com elas e abraçando-se a Ethan.
-Por que demônios a porta está fechada? -perguntou a voz do Salvatore.
-Porque queria fechá-la -repôs Ethan-. Que quer?
-Temos problemas. Para começar, e essa é a menor de nossas preocupações, essa garota não partiu ontem à noite. Deve estar rondando por ai. Deixou o carro em
uma sarjeta com os faróis acesos. A bateria se esgotou e demorasse horas em carregar-se e...
-Há dito que essa era a menor de nossas preocupações -lhe recordou Ethan.
-Sim. Ela voltará sem dúvida. Trata-se da Ruth.
-Que aconteceu com a Ruth?
-Esta no hospital de Milles Fork.
-Que lhe aconteceu? Quem a levou ao hospital ?
-Levou-a Burt. O médico estava muito bêbado para ajudá-lo. E os demais... -fez uma pausa-. A apedrejaram, Ethan. O pastor Lincoln os convenceu de que era a prostituta
da Babilônia que se deitava com o diabo e lhe jogaram pedras.
Ethan se levantou na cama, com expressão impenetrável.
-Atacaram-na por minha causa.
-Não, Ethan. Atacaram-na porque estão loucos e são estúpidos -disse Megan.
Havia esquecido que Salvatore não sabia que ela estava ali.
-Esta ai contigo verdade? -perguntou ao fim, com uma mescla de desaprovação e algo mais em sua voz.
-Sim -repôs Ethan.
Houve uma pausa.
-Nesse caso, será melhor que continue ai. Não sabemos o que essas pessoas podem estar dispostas a fazer. Uma vez que provaram o sangue, nada poderá detê-los.
Ou talvez estejam tão assustados e envergonhados pelo que fizeram que fiquem tranqüilos o tempo suficiente para que saiamos daqui. Você vai não é verdade, Ethan?
O aludido olhou o rosto interrogativo de Megan.
-Sim -disse-eu irei.
Ao ouvir o tom de derrota que expressava sua voz, a jovem não pôde evitar perguntar se iria só ou se a levaria com ele.

Capítulo Quinze


Ethan se levantou da cama sem dizer uma palavra e desapareceu em seu quarto adjacente que Megan supôs seria o banheiro .
A jovem suspirou, levantou-se, se envolveu em uma das colchas e abriu a porta, disposta a enfrentar a Salvatore.
À luz do dia, o homem não tinha muito bom aspecto. Seus hematomas pareciam até mais brilhantes que na penumbra. Megan supôs que haviam sido causados pelos mesmos
habitantes do povoado que haviam apedrejado a Ruth.
-Sinto a respeito do carro -disse.
O gigante a olhou fixamente.
-Deveria haver partido antes que fosse muito tarde -disse com voz sombria.
-Não podia -murmurou a jovem.
-Não, suponho que não -assentiu -. Levei suas malas a seu quarto . Suponho que quererá trocar-se -Olhou um momento a colcha que a cobria-. Ademais, tenho que
falar a sós com o Ethan -disse.
-De acordo -assentiu ela.
Não lhe ocorreu nada que objetar e ademais desejava tomar banho e trocar-se de roupa.
-Gire sempre à direita e chegará a seu quarto -disse-. E quando chegar, fique ali. Ethan saberá onde encontrá-la. Eu irei ao povoado para averiguar exatamente
como estão as coisas e não quero que o pastor Lincoln a encontre rondando por ai.
Megan sentiu um arrepio.
-Ficarei em meu quarto . Ao menos, até que venha Ethan para me buscar.
Salvatore bufou de desprezo e entrou no quarto.
Ethan não foi procurá-la. A jovem desculpou sua ausência de distintas maneiras e conseguiu dormir durante várias horas com a esperança de que, quando despertasse,
Ethan estivesse a seu lado, mas, ao entardecer, um pesadelo a arrancou bruscamente do sonho e seguia só no quarto. Olhou a seu redor, procurando em vão algo de comer.
Não recordava quando havia comido da ultima vez e se sentia faminta.
Em seus saques pela casa nunca havia visto nada que se assemelhasse a uma cozinha, mas tampouco a havia procurado. Talvez seu sentido da direção funcionasse
tão bem no referente à comida como no relativo Ethan, mas não acreditava que fosse ser tão fácil. Não necessitava a comida tanto como necessitava a ele.
Talvez deveria ir Ethan e preparar algo de jantar para os dois. A idéia de cozinhar para Ethan lhe resultava muito sedutora.
A porta de seu quarto estava fechada com chave. A olhou incrédula, incapaz de aceitar o fato de que o acontecido a noite anterior não tivesse significado nenhuma
diferença. Logo pensou que Salvatore era muito capaz de ter feito aquilo por sua conta e que Ethan estaria talvez perguntando-se por que não ia buscá-lo, mas não,
Ethan nunca se perguntaria isso . Se queria estar com ela, sabia onde encontrá-la.
Onde estaria Sal? Havia saído pela manhã quando disse que ia ver o que ocorria em Oak Grove e já era quase de noite. Estava fora muito tempo.
Decidiu que não ia ficar ali trancada nem um momento mais. Se não podia sair pela porta da casa, saltaria pelo jardim.
Saiu fora. O vento havia aumentado bastante e continuava trovejando à distância. Começou a procurar a porta que havia utilizado Joseph o dia anterior para desaparecer,
mas não encontrou nenhuma porta na parede. Não podia acreditar que houvesse se desvanecido sem mais diante de seus olhos, mas não parecia haver nenhuma outra explicação
lógica.
Subiu pela grade de rosas brancas, cortando as mãos na escalada, e se deixou cair ao outro lado, em um jardim de figueiras em miniatura e céspede bem cuidado.
Logo escalou outra parede, sentindo-se cada vez mais assustada. Algo não estava bem. Todos seus instintos o transmitiam uma sensação de perigo iminente. Chegou até
ela o aroma de fumaça e o ruído distante dos trovões se confundiu com o ruído de vozes.
O seguinte jardim não tinha paredes. Em seu lugar havia um labirinto de madeira, pouco mais alto que ela, um labirinto no que não teve mais remédio que entrar.
Não podia rodeá-lo e não estava disposta a voltar atrás.
Dentro do labirinto, os cânticos se fizeram mais claros e compreendeu que o pastor Lincoln e seus seguidores deviam estar perto. As vozes se fizeram mais nítidas
e próximas e o aroma de fumaça mais potente. O pânico a invadiu . Em outro tempo queimavam às bruxas e acaso Lincoln não a havia acusado de ser algo semelhante a
uma bruxa?
Deu a volta, assustada, mas o labirinto se estendia em duas direções e não sabia por qual optar. Pondo-se a andar por um atalho e então sentiu que algo ou alguém
a chamava. Voltou-se e viu Joseph lhe fazendo gestos de que se aproximasse. Sem duvidar um momento, deu meia volta e pôs-se a correr para ele. Quando chegou, ele
havia desaparecido, mas ela seguia correndo naquela direção enquanto as vozes se faziam cada vez mais fortes a suas costas.
Ao chegar a outro cruzamento, voltou a ver Joseph, lhe assinalando o caminho correto. Já não pensava em alcançá-lo. Contentava-se seguindo-o, afastando-se daquelas
vozes. Sabia que ele a levaria até Ethan e ele a protegeria. Ethan a amava e não permitiria que ninguém a tocasse.
Quase o conseguiu. O final do labirinto estava à vista, e havia começado a correr em direção à figura do Joseph, quando sentiu que umas mãos a sujeitavam e a
empurravam para baixo. Começou a gritar o nome do Ethan, mas uma mão, seguida de uma parte de tecido, tampou-lhe a boca. Algo azedo e acre chegou ao nariz e reteve
o fôlego enquanto se debatia com todas suas forças.
-O éter servirá -disse a voz do doutor Bailey-. Terá que respirar ou desmaiar por falta de ar.
-Diablesca - entoou o pastor Lincoln por cima de sua cabeça-. Será desencardida pelo fogo e o sangue.
Megan podia cheirar a fumaça e ver as chamas das tochas na penumbra do entardecer. Por que Joseph não a ajudava ? Voltou a cabeça e o viu o final do labirinto.
Observava-a, mas não parou para ajudá-la.
Deu uma patada com força e alcançou ao pastor, obrigando-o a soltá-la, mas havia muitas mãos dispostas a ocupar seu lugar e seus pulmões estavam a ponto de estourar.
Abriu a boca contra o trapo em um ultimo intento por gritar, mas a droga entrou em seu interior e a penumbra a rodeou. A última coisa que viu foi Joseph perto dela,
olhando-a com expressão ferida. E o estranho era que ninguém mais parecia dar-se conta de que estava ali.
Ethan estava sentado em sua cadeira com os punhos apertados. Levava cinco horas imóveis na escuridão, combatendo sua necessidade de ir procurar a Megan, lutando
contra sua raiva e sua culpabilidade. Ela não estava segura ali, nada poderia deter esses fanáticos. E era culpa dele, havia ido muito longe e agora Ruth jazia no
hospital, Sal havia desaparecido e Megan... Megan..
No momento estava segura, encerrada no quarto , com o jardim ao outro lado. Ninguém poderia chegar até ela.
Quando havia começado a perder o controle de tudo? Sempre havia organizado sua vida cuidadosamente, utilizando seu dinheiro e sua inteligência para levar uma
vida oculta e criativa.
Primeiro havia sido Reese Carey, com sua avareza que punha em perigo vistas humanas para poder encher os bolsos. Um homem que merecia ser castigado, sim, mas
não por ele. Se estivesse interessado apenas na justiça, teria enviado sua informação diretamente aos investigadores. Em lugar disso, havia planejado fazê-lo prisioneiro,
jogar como rato e ao gato para lhe fazer sofrer.
Mas Carey havia sido o bastante desprezível para sacrificar a sua filha em seu lugar. E, apesar de seus esforços, se havia apaixonado por essa filha. Megan Carey
era tudo o que seu pai não era. Valente, sincera, compassiva e fiel. Ademais, olhava-o sem medo. Não, pior até. Olhava-o com amor.
E ele carecia de defesas frente a aquele amor. Suas experiências com Jean Marshall e com a Ruth não o haviam preparado para o que sentiu ao apaixonar-se loucamente
pela primeira vez em sua vida.
E quem era Ethan para levar a vingança a um povoado de miseráveis fanáticos? Quem era ele para julgar? Havia escolhido ficar ali sabendo que sua presença assustava
e atormentava as almas daquela gente e, quando aquilo não pareceu vingança suficiente pela morte de seu pai, havia entregue a maior parte do povoado para que se
construísse o que seus habitantes consideravam uma empresa diabólica.
Mas não haviam reagido fazendo machucado. O haviam feito mal ao Salvatore e a Ruth. E sabia que, se pudessem, também fariam mal a Megan.
Não queria deixá-la partir. Não queria pegar a Megan e fugir dali deixando impune a violência daquela gente. Queria castigá-los, destruí-los, esmagá-los contra
o chão como a insetos maus. E por muito que amasse Megan, não podia renunciar à única coisa que o havia mantido vivo durante anos. O ódio que o impulsionava era
tão importante para ele como o amor que sentia pela jovem.
Mas não podia ter ambas as coisas. Isso o sabia muito bem. Não era preciso que Megan lhe desse um ultimato para saber que teria que escolher. E não se sentia
capaz de fazê-lo.
Embora estava demasiado escuro para adivinhar a hora, sabia que era tarde e Sal não havia retornado todavia. Megan estaria encerrada em seu quarto , provavelmente
faminta e furiosa.
Pela primeira vez sentiu ter desligado as câmeras de vídeo. Havia feito tanto por ele como por ela. Sabia que era sua naquela cama branca e não queria nenhuma
testemunha, nem sequer a câmara.
De repente notou uma dor aguda no peito. Megan o estava chamando. Já havia sentido outras vezes aquele grito, mas nunca tão saturado de terror. Levantou-se,
atirando a cadeira ao chão e caminhou pela casa na escuridão. Conhecia todos os passadiços secretos e túneis daquele lugar e uns momentos depois estava à porta do
quarto dela, mas a porta estava fechada ele não se havia detido para pegar a chave.
Lançou-se contra ela com todas suas forças, ignorando a dor que sentiu no ombro. O quarto estava deserto, com as cortinas de musselina ondeando ao vento. Saiu
correndo ao jardim.
Estava vazio. A grade coberta de rosas havia sido empurrada a um lado, mostrando sua rota de fuga. Ficou um momento imóvel, perguntando-se se, depois de tudo,
ela havia decidido deixá-lo. E então soube sem dúvida nenhuma que ela não havia tentado fugir dele, a não ser correr a seu encontro. Em dois segundos havia saltado
a parede do jardim e estava já ao outro lado. Vacilou um momento, sem saber que caminho seguir.
Por volta de anos que não via ao Joseph. Havia acreditado que não voltaria a vê-lo nunca mai, mas aí estava, de pé na parede de em frente chamando o Ethan. Chamando
a seu filho.
Aquela vez, o jovem não se molestou em escalar a parede. Empurrou a porta fechada com o ombro e entrou cambaleando no labirinto.
Soltou um grito de angústia. Conhecia o caminho através do labirinto, mas existia a possibilidade de que Megan e seus inimigos estivessem perdidos em alguns
dos becos sem saída.
-Megan! -gritou. Mas não houve resposta.
No labirinto não havia nem rastro dela. Nenhum som nem nada que denotasse que ali houvesse algum intruso. Talvez simplesmente se havia perdido e se havia assustado.
Talvez Joseph lhe tivesse mostrado o caminho de volta e estivesse esperando em sua cama.
E então tropeçou com algo. Inclinou-se e pegou a sapatilha esportiva. Percebeu o aroma de tochas de querosene e soube que a haviam levado. Uma raiva escura o
invadiu. Deixou-se cair de joelhos no barro, amaldiçoando e sujeitando sua sapatilha como se fora um talismã. Então levantou a vista. Joseph estava ali, distante
como o havia visto sempre desde no dia de seu nascimento.
-O bosquezinho -disse com voz débil-. A levaram ao bosquezinho . E começou desvanecer-se.
-Quanto tempo faz? --exigiu Ethan-. Quanto tempo?
Joseph se limitou a mover a cabeça, enquanto desaparecia.
-Espera! --gritou o jovem. Mas o ancião havia desaparecido no ar da noite.

Quando a levaram, Megan não podia ver nem ouvir nada. Apenas podia respirar. Supôs que a haviam jogado na parte traseira de uma caminhonete. Não tinha sentido
o tempo. Não sabia se havia estado inconsciente durante minutos ou durante horas antes de despertar naquele veiculo. Ouvia o ruído dos trovões. Ethan a encontraria
a tempo de salvá-la?
Talvez não houvesse motivos para estar tão assustada. Talvez se limitassem a exortá-la e lhe fazer confessar seus pecados, mas não acreditava nisso. Aquelas
pessoas eram muito fanáticas. Uma simples cerimônia de arrependimento não serviria para acalmá-los.
O veiculo parou bruscamente e se sentiu jogada contra um montão de pernas. Ouviu umas risadas nervosas, sentiu que umas mãos a colocaram de pé, atrasando-se
em seus peitos e suas nádegas e logo foi empurrada para fora e alguém tirou a venda dos olhos.
Era noite fechada. Os relâmpagos se sucediam a seu redor e o vento empurrava o cabelo contra o rosto. Tentou adivinhar onde estava. Era um bosquezinho de carvalhos.
Estava situado no alto de uma colina e as árvores estavam dispostas em circulo. No centro desse circulo havia uma pedra plana e grande. Parecia o lugar ideal para
um piquenique. Ou para um sacrifício.
Na distância pôde ver umas pequenas montanhas de materiais de construção. Aquele devia ser o lugar em que Ethan havia planejado construir seu centro de investigação.
Que melhor lugar para lhe deixar uma mensagem?
O pastor Lincoln se aproximou dela. Haviam atado seus pulsos e os tornozelos com umas correias de couro. Havia perdido um de seus tênis na luta e pensou por
um momento em Cinderela. Encontraria Ethan o sapato de cristal.
Sentia-se muito débil por causa do medo e da droga que a haviam dado. Teve que fazer uso de toda sua força de vontade para olhar tranqüilamente aos olhos do
pastor Lincoln. Desejou não ter estado amordaçada para ter podido lhe cuspir no rosto.
- Está disposta a se arrepender, irmã? -gritou o homem-. Trouxemos você para este lugar diabólico para curar o mal que invadiu nossa comunidade. Trouxemos para
o lugar das bruxas para que possa ae unir a elas ou ser desencardida pelo sangue.
A jovem olhou a rocha uma vez mais.
-Reconheceu o lugar verdade, Hecate? Suas irmãs dançaram aqui faz cem anos. E jogaram uma maldição sobre nosso povoado que durou até agora. E seu senhor, Ethan
Winslowe, é a culminação dessa maldição, mas nós desencardiremos este povoado mediante o sangue e o fogo.
Megan não se moveu. Não podia. Tinha medo de não poder controlar suas náuseas. Se vomitasse, sem dúvida se afogaria com aquela mordaça cobrindo sua boca. Limitou-se
a olhar a aquele fanático, muito aterrorizada para expressar seu medo. O olhou fixamente e ele deu um passo atrás, levantando as mãos como se quisesse espantar ao
diabo.
-Pecadora! -bramou-, mas terá seu castigo. Não na rocha. Não ao modo de nossos antepassados, a não ser ao nosso. Serás desencardida pelo fogo. E então a viu.
Uma estaca cravada profundamente na terra, que parecia um poste curto de telefone. Em sua base havia amontoado ramos, folhas e troncos, perto deles divisou umas
latas de aspecto sinistro. E compreendeu que era o que tinham lhe reservado.
Tentou correr, mas as correias que lhe sujeitavam os tornozelos a fizeram cair. Levaram-na a rastros até os carvalhos e a ataram ali.
-Doc, Fredy e você vigiem enquanto vamos procurar ao Winslowe. Faltam menos de três horas para a meia-noite. Estas coisas têm que ser feitas direito.
Megan olhou ao médico bêbado, que cambaleava ligeiramente, e a figura diabólica do homem que o havia enchido seu tanque de gasolina o dia em que chegou ao povoado.
-Não deixe que lhes engane, moços. Mantenham a mordaça e quando chegar a meia-noite estará preparada.
A jovem fechou os olhos e inclinou a cabeça.
-Acabou-se. Em um par de horas, você se reunirá com seu senhor. Por seu bem, espero que se trate do eterno Salvador e não de que comprou sua alma.
E um momento depois estava sozinha na colina com um médico bêbado e um velho diabólico. Só com a estaca e a fogueira cuidadosamente preparada, disposta para
o castigo, à espera de um fósforo e de uma vítima. Sozinha.


Capítulo Dezesseis

Ethan lançou uma maldição ao compreender que Sal havia levado o Mercedes. Claro que, por outra parte, não havia tido escolha. A bateria do Blazer havia gasto
quando Megan o deixou na sarjeta. Isso lhe deixava apenas com o Thunderbird 57 que havia sido o orgulho e a alegria de sua mãe. Sabia que o tanque estaria cheio
e que arrancaria de primeira, mas não estava tão seguro de que poderia circular pelas estradas cobertas de barro.
Ao menos sabia aonde a haviam levado. Embora não o houvesse dito Joseph, se o havia ocorrido ao sozinho. Havia escolhido cuidadosamente o lugar para a construção
do centro de investigação, planejando instalá-lo no mesmo lugar onde os antepassados dos habitantes de Oak Grove iam levar a cabo seus sacrifícios. Era lógico supor
que os seguidores do pastor Lincoln escolheriam aquele lugar para vingar-se.
Com o vento lhe movendo o cabelo e os relâmpagos brilhando sobre sua cabeça, Ethan podia ver a colina na distância, mas estava muito longe para saber se lá haviam
pessoas ou não. Ao pôr em marcha o enorme carro, lançou um juramento. Amaldiçoou a sua mãe por sua fixação às coisas bonitas e inúteis e seu rechaço ao seu filho
disforme. Amaldiçoou ao seu pai por sua debilidade. Amaldiçoou ao pastor Lincoln por seu fanatismo e aos habitantes do povoado por sua estupidez. Amaldiçoou a Megan
por ter abandonado seu quarto, por ter aparecido em sua casa, alterando seus planos, mas, sobre tudo, amaldiçoou-se a si mesmo porque a mulher que amava podia morrer
por causa de sua ânsia de vingança.
Tinha que detê-los. Tinha que chegar ali antes de que lhe fizessem algo. Tinha que terminar de uma vez por todas com a loucura que infectava aquele povoado.
O faria ou morreria no intento.
Seus olhos, tão acostumados à escuridão, viram as luzes dos faróis de uma distância de quilômetros, lhe dando tempo suficiente para girar o volante, colocar
o velho carro no bosque e apagar o motor. Ficou ali sentado, apertando o volante com as mãos, esperando e escutando.
Conhecia o ruído do ônibus do pastor Lincoln. Quando chegou a sua altura, viu que estava cheio de homens. Alguns se sentavam no teto ou penduravam das janelas.
Ao parecer, voltaram para sua casa. Detrás ia um comboio de caminhonetes velhas, e reconhecia a maioria dos habitantes do povoado Todos os rostos se pareciam.
Pálidos, com ar de hipnotizados, neles não havia nenhum sinal de vida além do ódio que expressavam seus olhos. Esperou que passassem. Megan não estava com eles.
Isso o sabia sem necessidade de vê-lo. Deviam havê-la deixado na colina para ir buscá-lo.
Não o encontrariam. Ia salvá-la. A encontraria, sairiam daquele lugar e não voltariam nunca mais.
Girou a chave no motor e não ocorreu nada. Tentou uma e outra vez com o mesmo resultado. O motor parecia estar morto. O carro não funcionava e ele estava ali
parado, com Megan a um lado e uma horda de maníacos assassinos ao outro.
Nunca em sua vida havia deslocado em outro lugar que não fora a pequena pista que havia construído na ala leste da casa. Nunca havia deslocado ao ar livre, onde
as pessoas podia vê-lo, mas isso foi o que fez naquele momento. Começou a correr, sem saber muito bem quanto tempo poderia manter aquele passo. A natação e os exercícios
o mantinham em forma, mas não sabia se poderia percorrer os dez quilômetros que o separavam da colina a tempo de tirar Megan dali. O único que podia fazer era tentá-lo.
Sempre havia gostado da noite, o manto negro que o escondia, mas já não. A escuridão ocultava o mal, tampava as ações perversas de Lincoln e seus seguidores. Enquanto
durasse a noite, Megan estaria em perigo. Quando saísse o sol, estaria a salvo. A salvo dos loucos habitantes de Oak Grove e a salvo dele.
Correu quanto pôde com o passar do caminho. Corria tentando controlar o medo que havia embargado seu coração. Sabia que tinha que salvá-la. Enquanto corria,
sentiu umas gotas de suor lhe escorregar pelo rosto. Só que sabia que não era suor. Eram lagrimas.
O estranho era que Megan não tinha medo. Tinha os tornozelos e os pulsos atados, o carvalho lhe machucava o rosto e, entretanto, não tinha medo. Estava sozinha
na colina, rodeada por raios e trovões. Um horrível destino a esperava. E não tinha medo.
Ao menos havia conseguido tirar a horrível mordaça da boca . Nenhum de seus dois guardas havia prestado a menor atenção. Sabiam que ninguém ouviria seus gritos.
A droga lhe provocava náusea e enjôos e a cabeça doía terrivelmente. E sabia que aquele era o menor de seus problemas.
O doutor murmurava algo entre dentes. Estava sentado ao outro lado da clareira, com uma garrafa na mão que, pelo modo em que a inclinava para beber, devia estar
quase vazia. Ferdy, o velho do posto de gasolina, passeava a seu redor olhando-a com luxúria. Meg sabia que estava procurando uma desculpa para lhe apertar as correias
e voltar a lhe tocar.
Fechou os olhos, aspirou o aroma da terra molhada e ficou a analisar sua falta de medo. Talvez se devia a que aceitava a morte. Talvez sabia que não havia escapatória
e que, quanto mais se debatesse e lutasse, pior seria.
Ou talvez fosse que não terminava de acreditar-lhe. A morte parecia algo irreal. As pessoas jovens e mais que um pesadelo. Abriu os olhos e viu Ferdy tomar um
gole da garrafa do médico. Podia cheirar o aroma das tochas de querosene e podia ver entre as sombras a silhueta da estaca. E sabia que aquilo não era uma brincadeira,
a não ser algo real.
Voltou a fechar os olhos, deixando que a brisa úmida lhe apartasse o cabelo do rosto. Havia sido em uma noite como essa que foi à cama de Ethan. Pensou no formoso
corpo de seu amado, em suas largas mãos e em seu belo rosto marcado e sorriu contra o tronco do carvalho.
-De que ri? -perguntou Ferdy, raivoso.
Meg abriu os olhos. O velho havia se aproximado dela. O médico roncava tranqüilamente, apoiado contra uma escavadora amarela.
A jovem se limitou a olhar fixamente ao Ferdy e ele ficou furioso.
- Não me olhe com esses olhos de bruxa. Conheço bem às de sua classe. Furcias pecadores que tentam aos homens e os fazem arder no inferno.
Pegou um ramo largo e bicudo do chão e aproximou da chama de uma das tochas.
-Eu posso apagar esses olhos. Posso fazer que deixe de olhar e de seduzir. O pastor Lincoln não se importará. Vai me elogiar. Sim, me elogiar por ter deixado
cego ao diabo --murmurou o velho, avançando para ela-. Sim, me elogiar.
E então se deteve, a expressão de seu rosto profundamente alterada.
Megan o estava olhando com curiosidade. Conhecia o perigo que corria, mas não parecia real. Nem sequer quando percebeu o calor do ramo aceso sentiu medo. Ficou
esperando, imóvel, olhando-o com olhos inexpressivos. O homem atirou o ramo ao chão. -Não! -murmurou, horrorizado-. Não! E começou a retroceder, sem olhar onde punha
os pés.
A jovem não pôde dizer nada. Ele seguia retrocedendo, se desse uns passos mais, cairia pelo precipício. Megan abriu a boca para falar, para lhe advertir, mas
não pronunciou nenhum som. O velho olhava aterrorizado a algum ponto situado as costas dela.
Deu um ligeiro tropeção e desapareceu pelo bordo do precipício. Não se ouviu nenhum ruído. Simplesmente desapareceu da vista, deixando-a só na escuridão com
a única companhia do médico adormecido. Começou a lutar por desatar-se, mas as correias que rodeavam seus pulsos estavam muito apertadas. O vento seguia uivando
e os trovões e relâmpagos rompiam de vez em quando a monotonia da noite. E, entretanto, a noite não estava completamente escura. Para o norte se via um resplendor
bastante grande. Meg cheirou a fumaça e soube que estavam queimando a casa de Ethan.
E então compreendeu por que não estava assustada. No profundo de seu coração havia estado segura de que ele iria a resgatá-la a tempo. Naquele momento se desvaneceu
aquela segurança e a dúvida a embargou pela primeira vez. Ethan estaria provavelmente no centro de sua casa sem ouvir nada. Suporia que ela seguia encerrada a salvo
em seu quarto e que Sal havia saído a vigiar. Não se inteiraria de nada até que cheirasse a fumaça e então seria muito tarde.
Tinha que voltar para ele. Tinha que lhe advertir, mas o resplendor do céu lhe fez compreender que era muito tarde. A casa já estava ardendo e talvez Ethan já
estivesse morto.
A mão que apertava a sua era acostumada e forte. Era uma mão que queria lhe infundir valor e esperança. Meg levantou a cabeça e olhou a seu redor.
Ali não havia ninguém. Alguém a havia pego a sua mão com firmeza e ali não havia ninguém.
Apertou os dedos e a mão invisível fez o mesmo. Esperou pacientemente, sem mover-se, e viu Joseph, sentado na terra a seu lado, lhe agarrando a mão.
-Têm-lhe feito algo?
O ancião negou com a cabeça. -Já havia saído. Vem para aqui, Megan. Vem te tirar daqui.
-Mas os outros...
-Não podem te fazer mal. Ninguém lhe fará mal -lhe assegurou Joseph, com gentileza.
A jovem olhou para o precipício.
-Ferdy...
-Está morto. Há uma caída de vinte metros até as rochas, Faz cem anos, um grupo de mulheres que se sentiam sós e se reuniam aqui para conversar e jogar a jogos
inofensivos. Os habitantes do povoado , dirigidos pelo avô do Lincoln, os levantou contra elas. Vieram aqui e empurraram essas pobres mulheres pelo precipício. As
duas que sobreviveram preferiram ter morrido. Megan estremeceu.
-Pode me desamarrar, Joseph?
-Não -repôs ele, extremamente de causar pena.
A jovem subiu a vista até onde se uniam suas mãos. Só viu a mão dela. Ele seguiu sentado distante e afastado, com o rosto expressando uma pena infinita e ela
então soube tudo. E aceitou o inacreditável. Apertou com força aquela mão que não podia ver, enquanto esperava Ethan.
Teve a impressão de haver dormido uns momentos. Quando abriu os olhos, viu o médico ficar de pé e aproximar-se para urinar na beira do precipício. Logo voltou
a seu lugar ao lado da escavadora.
Para então, a garrafa já estava esvazia e o homem a jogou no chão. Olhou Megan um momento e de repente pareceu horrorizado.
A jovem havia visto antes essa expressão no rosto de Fredy. O médico não se moveu. Não podia. Ficou ali sentado, muito pálido e com a boca aberta. Megan compreendeu
que não era ela a que o havia assustado. Era Joseph.
Olhou em direção a seu amigo para ver que era o que tanto os assustava. Seguia tendo o mesmo aspecto; velho, inofensivo e algo irreal. Nada que pudesse assustar
a dois homens maiores.
O médico ficou de pé e se aproximou deles.
-Você está morto -disse.
-Sim - repôs a voz do Joseph-. Você teve algo que ver com minha morte.
O médico estremeceu e se derrubou quase aos pés de Megan. Uma de suas mãos sujeitava uma agulha hipodérmica, que se rompeu ao tocar o chão.
-Queria facilitar ... Isto - disse-. Não posso... Deter o Lincoln, mas posso... Fazê-lo menos..
E então se deteve. Se havia desacordado. A jovem olhou a seringa rota.
-Que era isso? -perguntou.
-Algum tipo de narcótico, suponho -sussurrou Joseph-. Algo que te fizesse esquecer os planos de Lincoln -Olhou ao céu-. A tormenta se está aproximando.
-Sim -disse ela.
-E também os fanáticos.
-Sim -repetiu a jovem.
Sujeitou fortemente a mão do ancião e se dispôs a esperar. Esperar a morte ou esperar Ethan. Não tinha escolha. O médico começou a respirar entrecortadamente
a seus pés como um peixe fora da água. Um momento depois, Megan se deu conta de que já não para nenhum ruído. Jazia imóvel e frio e havia deixado de respirar.
Viu umas luzes ao longe. Lincoln chegaria antes de Ethan. E já não havia esperança para ela. Pensou em tentar alcançar a agulha rota, mas decidiu não fazê-lo.
Não ia morrer com covardia. A mão que aferrava a sua lhe disse que não ia morrer. Dava a impressão de que voltaram mais veículos dos que se haviam ido. As luzes
dos faróis iluminavam completamente a clareira e, entretanto, a multidão de pessoas que avançavam para ali parecia ter diminuído. Não se deteve para pensar naquele
mistério. Limitou-se a apertar a mão do Joseph e manter a cabeça alta.
O pastor Lincoln avançou diretamente para ela.
-Que tem feito, pecadora? Onde está Ferdy? Que lhe aconteceu doutor? Responde ou a ira de Deus cairá sobre ti.
A jovem começava a cansar-se dos sermões daquele homem.
-Joguei-lhes mal olhado e os dois caíram mortos -repôs, com toda a calma de que foi capaz.
Deu-se conta em seguida de que havia cometido um engano. O pastor Lincoln começou a gritar, suplicando a Deus e todos seus Santos que a matassem na confusão
e ordenando a seus seguidores que a castigassem.
Seus fiéis seguidores pareciam algo nervosos. O frenesi de uma multidão não está acostumada durar muito tempo e a viagem de ida a volta a casa de Ethan havia
sido longa. O fogo parecia havê-los acalmado, porque nenhum se moveu.
-Matou ao doutor -gritou Lincoln, vermelho de fúria-. É uma bruxa. Deve morrer.
Ninguém se aproximou. Todos estavam olhando algo que o pastor não podia ver. Ao homem sentado no chão detrás dela. O velho os olhava com ar ameaçador.
A navalha brilhou na escuridão e Lincoln lhe cortou as correias. Megan sentiu a umidade de seu próprio sangue ao ficar de pé.
O pastor a arrastou até a estaca sem deixar de gritar preces macabras. Na colina só se moviam eles dois. Os demais estavam como transfigurados, observando imóveis
a cena. Megan dava patadas, arranhava e se debatia, ignorando a navalha que tinha Lincoln na mão.
-Me ajudem -gritou aos outros.
Mas nenhum se moveu. Ninguém ajudou tampouco ao pastor, mas ninguém o deteve. Limitaram-se a continuar olhando, imóveis.
Lincoln a golpeou com força no rosto e a jovem caiu sobre a dura estaca. O homem levava umas cordas nas mãos para atá-la à pira funerária e Megan começou a gritar.
Sentiu sua presença antes de vê-lo. Os relâmpagos se sucediam sem cessar e o som dos trovões sacudia a terra. Apareceu por detrás do precipício, escalando a parede
de rocha e, enquanto a luz e os relâmpagos o iluminavam, Megan sentiu um repentino terror supersticioso.
Ethan parecia Lúcifer, o anjo caído. Seu comprido cabelo ondulava em torno de seu rosto. A beleza e a deformidade ofereciam um contraste demoníaco. Estava vestido
de negro. Deteve-se no bordo do precipício e olhou fixamente ao pastor.
-Se aparte dela.
Lincoln, dominado por um terror supersticioso, deixou cair as cordas, mas um momento depois recuperou sua fúria.
-Matem ao malévolo! -gritou aos céus--. Enviem seus raios e acabem com os demônios! Um terrível relâmpago iluminou a cena. O trovão que seguiu fez retumbar todo
o vale. O raio passou diretamente através do braço levantado do Lincoln, matando-o na confusão.
Foi um segundo de profundo horror. Os envolveu o aroma de fogo e à eletricidade. O pastor ficou imóvel durante o que pareceu uma eternidade e logo caiu ao chão.
Seu corpo cobriu a fogueira que havia preparado para a execução de Megan.

Capítulo Dezessete


Alguém a pegou pelo braço. O corpo do pastor Lincoln estava ao seu lado, mas apartou os olhos dele e ficou olhando Ethan.
Na distância até se via o fogo que consumia a casa de Winslowe. Os relâmpagos desapareceram e começou a chover com fúria. Olhou Ethan desejando correr para ele,
mas aquela mão lhe sujeitava o braço com força. E o jovem lhe deu as costas.
-Venha comigo, Megan.
A voz era amável, familiar e, por um momento, acreditou que se tratava do Joseph, mas não era o, a não ser Salvatore, com o rosto coberto de feridas e hematomas
que o deixavam quase irreconhecível.
-Esta sangrando. Tem que ir ao hospital. E a polícia quererá lhe fazer muitas perguntas.
-Ao hospital? -repetiu ela, sem compreender-. A policia?
Olhou a seu redor e compreendeu que os fanáticos habitantes do povoado não haviam aplacado devido sozinho a impressionante morte de seu líder.
-Venha comigo -repetiu Sal, conduzindo-a para um carro de policia.
-A jovem intentou largar-se.
-Mas Ethan...
-Eu cuidarei dele. Sempre o faço. Vá com o tenente Dixon.
A jovem se voltou, perguntando-se se não havia algum modo de escapar de sua mão, mas Ethan seguia voltado de costas. Alto, remoto, dava a impressão de que nada
podia alcançá-lo. Nem sequer ela.
A viagem até o hospital de Millers Fork pareceu interminável. Estava sentada na parte traseira do carro patrulha, olhando as luzes do painel de comandos e respondendo
perguntas. Os policias informaram a sua vez do que eles sabiam.
Sal havia ido procurar ajuda no momento em que compreendeu o que ocorria no povoado O pastor Lincoln o havia deixado amarrado diante do altar da velha igreja,
mas as correias não haviam sido bem apertadas e as havia arrumado para escapar, roubar um carro e dirigir-se a Milles Fork, onde estava a delegacia de policia mais
próxima. Não havia tido muito trabalho convencer às autoridades. Os golpes de seu rosto e a presença de Ruth Wilkins no hospital haviam sido prova suficiente de
que algo violento estava ocorrendo em Oak Grove.
Chegaram demasiado tarde para salvar a casa de Ethan, mas a multidão estava tão enlouquecida que não se deu conta de que um grupo de carros negros se unia ao
comboio em sua viagem de volta para o bosquezinho. O tenente Dixon estava a ponto de intervir no momento em que o pastor Lincoln foi alcançado pelo raio. Megan deixou
de escutá-los. Aquilo não lhe importava. O único que importava era que Ethan havia ido salvá-la e, assim que a havia visto a salvo, havia lhe dado as costas.
Passou muito tempo no hospital. O pastor havia feito um corte nas costas que requereu vários pontos e tinha vários golpes e hematomas que tinha que limpar. Às
três da manhã não podia visitar Ruth, mas lhe disseram que a mulher se recuperava bem e teria alta em um par de dias.
Desejava desesperadamente voltar para Oak Grove, mas não tinha mais remédio que esperar. O tenente Dixon queria levá-la à delegada para interrogá-la.
Estava amanhecendo quando decidiram que já haviam lhe feito muitas perguntas. Havia três mortes que investigar. Todos haviam sido testemunhas do horrível final
de Lincoln, mas as mortes de Ferdy e do médico eram mais difíceis de explicar. Dixon havia visto dois mortos, mas a jovem sabia que a policia não poderia compreender
sobre Joseph assim.
Aquilo alargou até mais o interrogatório e Dixon não estava muito satisfeito quando decidiu deixá-la partir, mas não havia nada mais que ela pudesse lhe dizer,
já que nem ela mesma o compreendia tudo.
Ofereceram-lhe levá-la ao aeroporto mais próximo ou ao escritório de aluguel de carros, mas Megan recusou. Não levava bolsa, nem identificação, nem tinha a ninguém
a quem pedir ajuda. Certamente, não estava disposta a pedir nada a seu pai.
E o mesmo o ocorria com Rob Palmer. Não havia ninguém a quem pudesse recorrer, ninguém, exceto Ethan. E ele havia lhe voltado as costas.
Ao final, chamou a sua futura madrasta. Madeleine não fez perguntas, exceto para assegurar-se de que se encontrava bem e não lhe contou nada que não quisesse
ouvir. Disse que enviaria mil dólares imediatamente e que podia ir a sua casa e ela se ocuparia de tudo.
Pela primeira vez aquela noite, Megan se pôs a chorar. Queria uma mãe, alguém que cuidasse dela, a botasse na cama e espantasse aos demônios, mas, sobre tudo,
queria estar com seu fantasma. E tinha medo de nunca voltar a vê-lo .
Teve que esperar até as sete da manhã para poder alugar um carro similar ao traste velho que haviam lhe dado no dia que foi a casa de Ethan. Pensou um momento
naquela sucata destruída pelas mãos do pastor Lincoln e seus seguidores. Não seria fácil explicar para a companhia de seguros.
A tormenta da noite anterior havia passado por completo, deixando a paisagem úmida e limpa. A viagem interminável desde Milles Fork o parecia o dobro de comprimento
que em seu percurso no carro patrulha e Oak Grove parecia até mais um povoado fantasma que quando o viu pela primeira vez. Exceto pela presença da policia patrulhando
as ruas.
Antes de chegar à casa de Ethan, já sabia o que ia encontrar, mas, até assim, quando viu as ruínas fumegantes, deteve o carro e pôs-se a chorar.
Não havia ninguém à vista. Todos os edifícios haviam sido destruídos. Só alguns dos jardins haviam sobrevivido às chamas.
Saiu do carro, tremendo ligeiramente no ar frio . Não procurou o Joseph. Havia desaparecido, mas sabia que Ethan devia estar por ali. E ela não podia ir até
que o tivesse visto. Até que ele lhe tivesse pedido que partisse.
Encontrou-o no jardim da lua. As flores brancas haviam morrido devido ao intenso calor e o lago estava cheio de madeira meio queimada. Ethan estava sentado ao
sol e não se moveu quando ela entrou, embora deve ter notado sua presença.
Megan avançou pelo atalho de pedra e se deteve uns metros dele, esperando que ele levantasse a vista e a olhasse. Nunca o havia visto a luz do dia. A marca que
lhe cruzava a rosto era uma brincadeira cruel do destino para um homem bento com semelhante beleza, e o contraste resultava tão esmigalhado como sempre.
-Quem é Joseph? -perguntou ela, surpreendendo-se a se mesma.
-Meu pai -repôs Ethan.
-Seu pai está morto. Morreu faz quinze anos.
-Sim.
Aquilo explicava tudo, sem explicar nada.
-Onde está?
-Foi-se. Suponho que desta vez para sempre.
A jovem se aproximou um pouco mais dele.
-Que vai fazer agora? Vais reconstruí-la?
Ethan soltou uma gargalhada amarga.
-Não acredito que valha a pena.
-Então que vai fazer?
-Voltar para a ilha, suponho. Possuo quase a totalidade de uma pequena ilha perto da Martinica. Está longe, há poucas pessoas e me aceitam como sou -a olhou,
com expressão dolorida -. Que vai fazer você?
A jovem sentiu uma opressão no peito. Uma dor aguda que quase a deixou sem respiração.
-Peço e te suplico isso-. Peça-me que vá contigo.
-Não posso fazer isso.
-Por que não? Não me quer?
-Se te quero? É obvio, mas não vou te deter.
-Por que não? O único que tem que me fazer é pedir isso - ajoelhou-se no chão, a seus pés, sem tocá-lo.
-Não posso lhe pedir isso.
Megan estremeceu e se sentou sobre os pés.
-E eu não posso ir se não me pede isso. Não posso te seguir e me jogar a seus pés. Tem que me amar o suficiente para me pedir isso Tem que fazer esse pequeno
sacrifício -disse ela, com voz suplicante.
-Não.
A jovem ficou um momento imóvel, ajoelhada no barro. Logo se levantou lentamente tirou o anel de Juno, deixo-o cair sobre os joelhos dele e ficou de pé lutando
contra as lágrimas.
-Uma palavra -murmurou-. Um sinal e irei contigo.
Ethan levantou o rosto, e pronunciou uma palavra. -Adeus.

Megan seguia esperando que sua vida voltasse de algum modo à normalidade. Ficou um par de semanas com Madeleine e logo voltou a Chicago. Instalou-se de novo
em seu apartamento, visitou as oficinas de Construções Carey, despediu ao Rob Palmer e foi ver seu pai, mas tinha a sensação de viver em um mundo irreal.
De noite despertava, só na cama, e estendia os braços procurando Ethan. Era absurdo que, depois de vinte e sete anos de dormir sozinha, duas noites tivessem
mudado sua vida.
Esteve ao lado de seu pai no julgamento. Não disse nada enquanto ele tentava sair da confusão no que havia metido sua avareza. E, quando ao fim compreendeu que
não havia saída, aceitou sua desgraça.
Megan esperou até que se casou com a fiel Madeleine. Esperou até que começou seus três meses de condenação em um lugar quase tão elegante como o clube de campo
do que só ia os membros. E então, fez as malas e se dispôs a partir.
Talvez a memória de Ethan deixaria de persegui-la nos canais de Veneza e nos Campos Elíseos. Talvez sua lembrança não pudesse abrir caminho até Devon ou Viena,
mas duvidava.
Nem sequer estava grávida. Ao voltar para Chicago, havia tido a esperança de estar. Nenhum dos dois havia tornado precauções e uma gravidez a havia forçado a
voltar para seu lado. Mas não havia nenhuma gravidez. Ele a havia deixado só, em sua vida já não havia alegria nem esperança. Ethan tinha que amá-la o suficiente
para lhe entregar seu coração. Se não era assim, acabaria destruindo-a.
A seus olhos, sua vida ao seu lado poderia ser maravilhosa. Ele projetaria edifícios extraordinários e ela os construiria. Juntos podiam fazer algo, superar
todos os obstáculos, mas o não o acreditava assim.
O vôo de Chicago a Nova Iorque lhe pareceu mais comprido que de costume. Em Nova Iorque tinha que esperar três horas para pegar o avião de Londres. Dedicou-se
a andar pelos corredores observando aos viajantes. Homens de negócios, famílias, amantes. A empresa aérea com a que viajava tinha vôos para todas as regiões. Deteve-se
diante de um dos pôsteres para observar os lugares do destino dos aviões: Iowa, São Francisco, Honolulu, Tóquio, Vancouver, Martinica, Paris, Roma. O avião para
a Martinica saia dentro de quarenta e cinco minutos. A sala de espera não estava muito cheia. Megan ficou um momento imóvel no meio do terminal.
Deu meia volta, com a intenção de afastar-se da tentação. Pela extremidade do olho pareceu ver uma figura familiar, mas não se voltou a comprová-lo. Muitas vezes
lhe havia parecido ver Ethan na rua e havia resultado ser apenas um produto de sua imaginação.
Seu portão de embarque não estava longe do da Martinica. Uns quantos passageiros já estavam esperando, entre eles uma inconfundível figura. Quão mesma havia
visto um momento antes. Olhou ao Joseph através das filas de assentos laranja. Estava segura de que ninguém mais podia vê-lo. O ancião se limitava a olhá-la, inexpressivo,
esperando sua decisão. A jovem sentiu que as dúvidas a abandonavam e assentiu com a cabeça.
-Tem algum assento livre neste vôo?- perguntou à aeromoça situada na porta de embarque do vôo para a Martinica.
A mulher sorriu.
-Deve ser seu dia de sorte, mas acabam de cancelar dois bilhetes. Quantos?
-Só um.
-Vai embarcar um pouco de bagagem?
Megan se espigou.
-Temo que minha bagagem vai a caminho de Londres. Uma vez mais.
A aeromoça pareceu preocupada.
-Faremos todo o possível por enviar-lhe o quanto antes possível.
-Não se preocupe - repôs Megan, que começava a recuperar a confiança em si mesma - Não acredito que necessitarei muita roupa no lugar ao que vou.
A mulher a olhou fixamente um segundo e logo sorriu com ar de cumplicidade.
-Que sorte a sua - disse - . É muito atraente?
Megan lhe devolveu o sorriso, pensando no rosto marcado de Ethan.
-Muito - repôs.
Instalou-se no assento do guichê, impaciente por esperar.
-Precisa-te - disse a voz do Joseph a seu lado.
A jovem não se molestou em voltar-se. Sabia que, se o fizesse, não o veria, mas estava ali com ela, igual a havia estado àquela terrível noite no bosquezinho
de carvalhos.
"Eu o necessito" , disse, sem palavras.
-Vai com ele.
Se o vôo de duas horas de Chicago havia parecido interminável, o de cinco horas a Martinica resultou muito curto. Não tinha nem idéia do que ia encontrar ao
chegar. Não sabia onde estava Ethan. Havia mencionado uma ilha pequena, mas supunha que havia muitas por ali. Ao final, tudo resultou inacreditavelmente fácil. Quando
chegou ao pequeno aeroporto da Martinica, olhou a seu redor e viu uma figura familiar em um mostrador de aviões de aluguel. Avançou rapidamente por entre a multidão,
temerosa de que desaparecesse antes de poder alcançá-lo. Quando chegou a sua altura, deu-lhe um golpezinho no ombro de Salvatore se voltou e a olhou atônito.
-Que diabos está fazendo você aqui? -perguntou com rudeza.
Megan não estava disposta a deixar-se assustar. -Que você crê que faço? Que é o que faz você?
Para sua surpresa, o homem começou a rir - Alugando um avião para que Ethan possa ir procurá-la -moveu a cabeça-. Suponho que os dois tiveram a mesma idéia
ao mesmo tempo. Se não se decidiu a ir, juro que tivesse terminado afogando-o para conseguir que deixasse de sofrer. Sabia que você o destruiria antes ou depois.
Veio para ficar com ele?
-Sim. Se é que ele me aceite.
O gigante assentiu, satisfeito.
-Há um bote esperando para me levar a ilha. Pode levá-la -Olhou a seu redor-. Tem alguma mala?
-Não.
Salvatore voltou a rir.
-Suponho que não necessitasse nenhuma. Venha comigo.
Conduziu-a até um bote, no que esperava um silencioso nativo detrás do timão e a ajudou a subir a bordo. Logo se apartou. Megan o olhou.
-Você não vem? Voltará alguma vez?
-Alguma vez. No momento, tenho que encontrar minha própria vida. Cuide dele, Megan.
-O farei.
-Sei que o fará. Se não fosse assim, não o deixaria com você -lhe lançou uma caixa-. Vim recolher isto para que o levasse a você. Suponho que pode ficar com
ele.
E, sem dizer uma palavra mais, deu meia volta e desapareceu na meia luz do entardecer. Megan sabia o que ia encontrar na caixa. O anel de Jano havia deduzido
e se ajustava perfeitamente a seu dedo.
Enquanto o bote sulcava as águas escuras do Caribe, a jovem ficou sentada imóvel, maravilhando-se de quão baixa estava a lua e o muito que brilhavam as estrelas.
A ilha parecia ser a menor. Esperava que o nativo atracasse em um dos moles, mas, em lugar disso, deu a volta à ilha e levou o bote até uma praia banhada pela
lua. Logo a ajudou a descer. -Deve estar por aqui -lhe disse. E partiu, deixando-a só na areia.
Pondo-se a andar pela praia. Seus sapatos de salto se afundaram na areia, assim que os tirou e os jogou ao chão. A areia se pegava às em suas meias, assim as
tirou e também e logo jogou no chão sua jaqueta, sua bolsa, seu cinturão e seus pendentes e ficou apenas com um vestido branco de seda que flutuava a seu redor.
Então, com o coração palpitante, dispôs-se a procurar o Ethan. Viu-o antes que a visse. Estava de pé ao lado da água, descalço, sem camisa, com o cabelo recolhido
em um acréscimo e o rosto marcado iluminado pela luz da lua. As flores que cresciam a seu redor eram brancas, quão mesmos muitos séculos atrás haviam enchido o jardim
da lua. Quão mesmas haviam coberto seu leito. Megan sentiu um medo repentino.
-Vá com ele -murmurou Joseph-. Vá com ele. Sofre com ele se for necessário, mas fica com ele. E partiu. Aquela vez definitivamente. E com sua marcha desapareceram
as ultimas dúvidas de Megan. Havia querido que Ethan lhe desse uma prova de amor e o anel que levava no dedo era prova suficiente.
-Ethan --gritou, com voz firme
Ele se voltou para ela e estendeu os braços.

Fim!

Bonito, não acham?
Um bonito romance, gostei do livro, pois apesar de conviver ao
sol, me é sempre escuro, mas não feio nem aterrorizador.
É lindo, viver, amar e ser amado é lindo.

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