LOUIS l'AMOUR
Maynard, assassino profissional e "mão direita do diabo", mergulha numa história apaixonante-uma história de névoa, de traição e de violência...
Aquilo era demasiado mesmo para um Sackett!
Ele podia vencer cinco homens a cavalo ou a tiro, mas descontrolava-o uma mulher em situação perigosa. Naquele trilho, a hora era de matar, quando ele achou chegado
o momento de livrar Sylvie de um bando de facínoras. E ele só percebeu que isto era uma cilada quando ela o atacou com uma espingarda e tentou envenená-lo. E quando
ele a tinha quase livrado dos seus raptores, então encontrou Penelope. Depois, ele ouviu a sua triste história e deveria ter fugido, mas por qualquer razão um Sackett
nunca aprende o caminho mais fácil.
Louis L'Amour escreveu de si próprio: "O meu bisavô foi morto pelos Sioux. Eu conheci os famosos pistoleiros, homens que lutaram em guerras de gado, homens que combateram
os índios no seu próprio terreno.
"O Oeste era mais bravio do que a pena do homem é capaz de descrever, mas os factos que utilizo, o terreno, as armas, os índios são reais. Percorri toda a região
a cavalo e ali cacei muitas vezes. Quando escrevo a respeito de uma nascente, essa nascente existe e a sua água é boa para beber."
Com esta experiência e esta autoridade, Louis L'Amour escreveu mais de 20 novelas acerca do Oeste.
Todas as personagens e situações que aparecem neste romance, são fruto da imaginação do autor. Qualquer semelhança com pessoas ou situações actuais ou passadas são
mera coincidência.
LOUIS l'AMOUR
O DOMADOR DE CAVALOS
LOUIS L'AMOUR o escritor mais solicitado pelos leitores do género, surge de novo na nossa colecção com "Mustang Man", cuja tradução deu em português "O Domador de
Cavalos".
Todos sabemos que, para além de ser um homem possuidor de sólida cultura sobre a problemática do "Far-West" - não é em vão que um seu avô foi assassinado pelos peles-vermelhas
- ele detém igualmente o segredo de, literariamente, fazer assemelhar o correr de um rio a um voo de andorinha ou o duelo mortal de dois pistoleiros nos parecer
a mais bela balada mexicana onde a morte, o amor e o vagido de um recém-nascido cantam a mesma ladainha à vida.
Dir-se-ia que Louis L'Amour trata um livro do Oeste com a souplesse de um jogador de cartas. O estilo é suave, felino e preciso, e o leitor é embarcado na aventura,
com os olhos bem abertos, enquanto as mãos vão e vêm, recolhendo as cartas, que são trunfos. Trunfos que trazem impressa a caveira da morte ou o movimento húmido
de uns lábios de mulher. A qualquer homem saudável tanto a morte como a mulher são dois permanentes desafios à sua capacidade de luta e de compreensão dos problemas.
Está aqui, talvez, a razão do êxito do estilo de Louis L'Amour. Há nele a identificação com o natural. Há nele a substanciação do evoluir lento das coisas, da Natureza
e dos sentimentos.
Quando lemos, por motivos profissionais, este "Mustang Man", tratámos de assegurar os direitos para Língua Portuguesa. O leitor veja como um Sackett, acossado por
um grupo de bandoleiros, cujo requiem para ele, é o laço da forca, se vê obrigado a defender a sua pele, a de uma garota histérica e a de um pequeno vaidoso, a braços
com as borbulhas da puberdade.
os editores
UM.
Quando desci da montanha rochosa, montado num bronco exausto, sabia que metade do Novo México devia vir atrás de mim, todos preparados para armar rapidamente o laço
para um enforcamento.
Ninguém disse que esperasse e que deixasse que me dessem um esticão no pescoço, e, por isso, quando percebi que me queriam deitar a mão, saltei para o primeiro cavalo
que encontrei, e retirei-me a toda a pressa. Confiava que aqueles rapazes perdessem bem cedo o entusiasmo, mas a verdade é que, possivelmente devido à falta de
distracções naquela região, eles demonstravam uma persistência que eu não esperava.
Por meu turno, corri o mais depressa que o bronco era capaz de me transportar, e, durante bastante tempo, consegui um avanço considerável. O pior era que o cavalo
tinha esgotado as forças para me salvar a pele, e, naquele momento, precisava desesperadamente de um cavalo folgado; se não o arranjasse, era mais do que certo que
nunca voltaria a ter necessidade de uma montada...
De súbito avistei um grupo de choupos, lá em baixo, e os choupos significam água em qualquer terra. Vulgarmente, a existência de água quer dizer que é provável encontrar
gado nas imediações, e, provavelmente, pessoas. E onde existem gado ou pessoas é muito possível encontrar um cavalo.
Esporeei o cavalo, fazendo levantar uma nuvem de poeira, e ao chegar junto das árvores verifiquei que o meu palpite tinha saído certo. Estavam ali efectivamente
vários cavalos, alguns excelentes. Preparei o laço e apanhei um belo mustang castanho, com crina e cauda pretas.
Fixei-o a uma árvore, pulei para o chão, retirei a sela da minha montada e coloquei-a em cima do cavalo castanho. Apertei a cilha com força e aprestava-me para
montar quando ouvi o estalido do cão de uma arma. Fiquei imóvel. A arma estava atrás de mim, mas a avaliar pelo ruído, a distância que nos separava não devia exceder
seis metros; em minha casa nunca me tinham ensinado a brincar com armas apontadas às costas. Em Clinch Moun-tains, no Tennessee, aprendíamos a utilizar as armas
muito cedo, ainda garotos, mas aprendíamos também a encará-las com respeito. Quando um homem nos aponta uma arma, não há razão para acreditar que ele não tencione
servir-se dela.
- Meu amigo - disse uma voz friamente -, acho que não é muito esquisito quanto ao sítio onde põe a sua sela.
- Pois eu acho que sou bastante esquisito. Se este não é o melhor cavalo da manada, mostre-me onde ele está, para lhe pôr a sela em cima.
O homem soltou uma risada, mas eu não ignorava que a espingarda continuava apontada. Não tinha dúvidas de que ele era um homem duro.
- Porque se julga com direitos sobre esse cavalo?
- Olhe bem para o cimo daquele monte rochoso. Quando vir uma nuvem de poeira, aparecer lá em cima, estará a observar aquilo em que baseio os meus direitos. Os rapazes
que devem estar a surgir trazem uma corda e querem servir-se de mim para se distraírem.
- Que fez você?
Arrisquei-me e resolvi voltar-me lentamente. O velho empunhava uma "sharps", de calibre "50",
usada para caçar búfalos, uma arma capaz de abrir num homem um buraco da grossura de um punho. O homem era franzino, mas possuía uns olhos invulgarmente frios.
- Puxei pela minha pistola um pouco mais depressa do que outro homem; o pior é que eu era um desconhecido, e o outro homem o proprietário de algumas terras e de
muitos bons amigos.
- Tem nome?
- Nolan Sackett.
- Ouvi falar em si. Ouvi chamarem-lhe fora-da-lei.
- Olhe lá para cima... Lá está a tal nuvem de poeira. Acho que não é a ocasião mais própria para se discutir a moral de um homem. Não há tempo para conversar a respeito
do meu passado, se lhe interessa que eu tenha um futuro.
Ele avançou alguns passos em volta de mim, a fim de poder ver bem o cimo da montanha. Depois perguntou:
- Que pensa fazer agora, Sackett?
- Parece-me que tenho de escolher entre uma corda e uma bala, ou uma corda e uma manobra arriscada. Sou tido como tipo rápido com o seis-tiros, e, portanto, é provável
que me arrisque a matar em vez de ser morto.
- Não me venceria, Sackett, mas aprecio a sua coragem. Salte para esse cavalo e desapareça. Conserve-se atrás daquela colina e não o verão. O canyon segue na direcção
de Yellow House, e poderá correr depressa pelo vale. Dê um pouco de descanso ao cavalo, de vez em quando, e ver-se-á livre deles.
Segui o conselho do velho. Mas, antes de partir, fitei-o e disse:
- Obrigado. E quando precisar de um amigo procure o Nolan Sackett. Ou qualquer outro Sackett, pois nós somos uma família muito grande.
O cavalo castanho arrancou dali como se tivesse fogo debaixo do rabo e quisesse ver-se livre dele.
O canyon bifurcava-se a certa altura, e tomei pelo desfiladeiro chamado Yellow House. Uma hora depois, quando voltei novamente ao cimo da montanha rochosa, não havia
sinais de perseguição. Meti o cavalo a trote, e, pouco depois, a passo.
Encontrava-me numa região selvagem, uma vasta planície cortada ocasionalmente por ravinas, ou pelos raros cursos de água que corriam para o Arkansas ou o Canadian
River, embora os dois rios ficassem para Norte da região onde eu cavalgava, sendo o Arkansas aquele que se achava mais ao Norte.
Este era o território dos búfalos e dos índios, e um homem podia perder a cabeleira enquanto o diabo esfrega um olho, numa área de mil milhas quadradas. Apareciam
frequentemente caçadores de búfalos, idos de aqui e além, alguns rancheiros pensavam em instalar-se, mas, na maior parte das vezes, limitavam-se a pensar no assunto.
Os fora-da-lei tinham aparecido por ali mais cedo. Ao Norte do Canadian ficava uma faixa de terra a que chamavam a Terra de Ninguém, e a Leste o Território índio.
Nenhum homem no seu juízo perfeito entrava naquela região sem uma arma pronta a entrar em acção, e vontade de se servir dela. Havia alguns canyons, como Paio Duro
e Yellow House, mas a região era quase exclusivamente rochosa, e a água escassa para quem não conhecia intimamente o território.
Os búfalos conheciam. Estes conheciam não só as raras nascentes e riachos permanentes, mas também lagos criados pela água das chuvas que, por vezes, se conservavam
durante várias semanas, e até meses, quando chuvia abundantemente. No entanto, mais frequentemente, a água desaparecia, ao fim de alguns dias; assim, seguir a pista
dos búfalos para descobrir água era uma tentativa que oferecia êxito muitas vezes.
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Nunca tivera motivos para crer que as coisas seriam fáceis para mim. Os únicos caminhos que eu conhecia eram longos e poeirentos, infernalmente quentes ou extremamente
frios. Durante os últimos anos, as noites que tinha passado debaixo de um tecto podiam contar-se pelos dedos.
Muitas vezes, uma pessoa apanha o título de fora-da-lei sem fazer o mínimo esforço neste sentido. Fora o que sucedera comigo. Por outro lado, posso também afirmar
que não fiquei muito incomodado. Nós, os Sacketes de Clinch Mountain, éramos boa gente, penso eu, embora mais pobres e rudes do que os que viviam lá para Cumberlands,
ou os que se tinham fixado na planície.
Vivíamos em terras pouco férteis, e produzíamos mais filhos do que colheitas; no entanto, éramos gente orgulhosa, e, naquela época, o orgulho de um homem defendia-se
de arma em punho. Não quero dizer que fosse este o processo mais correcto, mas o facto é que as coisas se passavam deste modo, e as autênticas batalhas de tiroteio
rijo não se travavam apenas no Temnessee, nem no Oeste. Assim se passava em todo o país, e, segundo diziam, na Europa também.
O próprio Andrew Jackson, ele, que foi presidente dos Estados Unidos, tomou parte em diversas cenas de tiroteio, e matou Charles Dickinson num duelo. Foi ferido
num ombro durante uma luta com os Bentons; e dizia-se que tinha entrado em cento e três duelos, como duelista, padrinho ou assistente.
E ele era um entre muitos. Raros eram os homens proeminentes que evitavam duelos ao entrarem na vida pública. Nenhum homem podia continuar a viver numa comunidade
em que se sabia que ele fora insultado e não lutara, de acordo com o que a honra exigia.
Eu, porém, não tinha muito que dizer a respeito dos duelos para defender a minha honra ou a de
outrém. Logo que atingi a idade necessária, parti para o Oeste e tratei de viver o melhor que pude. Pouco havia em casa, e, quando parti, passou a haver menos uma
boca para sustentar. As lutas que travei, depois da prolongada questão com os Higgins, tiveram quase sempre como adversários homens duros que viviam da mesma maneira
que eu.
Enquanto cavalgava, as planícies estendiam-se à minha volta, a perder de vista. Nem uma árvore, nem um arbusto; apenas as ervas rasteiras e poeirentas, e a extensão
infinita do céu azul-pálido.
Tirei da cabeça o velho chapéu amassado e enxuguei a banda de couro, que estava encharcada. O chapéu nunca fora grande coisa, e o buraco que lhe fizera um bravo
kiowa antes de morrer não lhe melhorara muito o aspecto.
A imagem do chapéu fez-me sentir melancólico. Um homem devia ter algumas coisas valiosas durante a vida. Até então eu sempre desejara um fato comprado numa loja,
mas ainda não conseguira realizar esta aspiração; nem sequer conseguira comprar uma boa sela. Possuía apenas aquilo a que pode aspirar um homem que não tem sorte
com as cartas ou que não partiu para o Oeste à procura de ouro. Havia pessoas que pareciam ter o condão de fazer dinheiro com facilidade. Este, no entanto, não era
o meu forte.
Todavia, não podia negar que montava um bom cavalo. Talvez o melhor que tinha tido em toda a minha vida; não havia dúvida de que estava em dívida para com o velho.
O velho parecera-me um tipo duro, e ter-me-ia furado a barriga com aquela espingarda de caçar búfalos se eu tivesse feito menção de levar a mão à pistola; porém,
quando pus as cartas na mesa e mostrei apenas um jogo sem valor, ele mudou de atitude.
De súbito, vi o carro.
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Havia alguns minutos que eu observava uma mancha distante, semelhante a uma nuvem no horizonte, com a esperança que não fosse prenúncio de uma trovoada. As trovoadas
surgem com uma rapidez incrível nas planícies, e os raios são mais violentos do que em qualquer outro sítio. Um homem sozinho numa planície torna-se um ponto de
atracção para o raio, isto sem falar num homem a cavalo e levando consigo uma pistola e uma espingarda.
A medida que me aproximava, comecei a ver que não se tratava de uma nuvem, mas, sim, do cimo de um carro coberto; e, ao lado do carro, encontrava-se uma mulher.
Ela achava-se a cerca de uma milha de distância, mas não tinha dúvidas de que era uma mulher. O que mais me chocou foi o facto de ela estar sozinha- não se via outra
pessoa nas imediações, nem quaisquer animais; nem cavalos, nem mulas, nem bois. Senti-me preocupado. As pessoas que se viam em apuros naquela região seriam capazes
de tudo por um cavalo, e eu montava um excelente animal. Por este motivo, não me dirigi directamente para o carro; principiei a descrever uma volta em torno dele.
A mulher acenou-me com a mão, mas limitei-me a corresponder à saudação e continuei a avançar em volta dela, sem nunca a perder de vista e com a mão sobre a espingarda.
Desviava o olhar apenas de tempos a tempos, a fim de explorar o terreno, pois pretendia averiguar de onde tinha vindo o carro, e o que sucedera aos cavalos ou aos
bois que o haviam arrastado até ali.
Cavalos... Seriam precisos seis cavalos possantes para puxarem aquele carro, e talvez dois outros animais de sela.
Continuei o meu percurso e deparei com os sinais do rodado do carro, duas linhas que se encaminhavam para o local onde o carro se achava retido.
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As rodas tinham cortado as ervas rasteiras... o carro era pesado, indubitavelmente muito pesado.
Neste momento, o homem cometeu um erro e moveu-se. Um homem imobilizado é difícil de distinguir, quando as roupas se confundem com as ervas e a terra, mas um movimento
atrai imediatamente a vista. Ele estava deitado numa ligeira depressão de uma pequena rocha, preparado para me arrancar o escalpe e o cavalo quando me aproximasse.
Afastei-me cerca de trezentos metros e peguei na "Winchester". Depois tornei a descrever a trajectória circular, e ele foi obrigado a deslocar-se para continuar
a vigiar-me. No instante em que concluí uma volta completa, constatei que o tinha ludibriado, e ele desistiu.
O homem mostrou uma certa esperteza não arriscando um tiro sem ter a certeza de acertar à primeira, e, comigo em movimento, o risco era muito grande. Mesmo que conseguisse
atingir-me àquela distância, eu poderia escapar-me ou, no caso de cair, o cavalo poderia fugir assustado. Sem parar de circular à volta dele, também eu poderia servir-me
da espingarda para tentar desalojá-lo.
Ele falou com a mulher, dizendo qualquer coisa que não pude entender devido à distância, e em seguida levantou-se, com as mãos vazias. Aproximei-me mais, conservando
os dois no enfiamento da minha arma. Era mais do que certo que ele devia ter uma pistola no coldre, e não me agradava a maneira como a mulher mantinha uma mão encoberta
por uma das pregas da saia. Um deles, ou ambos, podia tentar disparar de surpresa. Fiquei com a impressão de que tinha caído num ninho de cascavéis.
A cerca de cinquenta metros parei novamente, e observei o par, atenta e vagarosamente. Empunhava a "Winchester" como se fosse uma pistola, e considerava-me bom atirador
nesta posição.
- Você aí, deite a pistola para o chão, e diga a mulher
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que se ela não larga a arma, mato-os a ambos.
- Você mataria uma mulher?
- Se ela tencionar enfiar-me uma bala, mato-a tão depressa como a si. Diga-lhe para largar a pistola, meu amigo, se quer chegar a ver o por-do-sol.
Ele abriu a fivela do cinturão e deixou-o cair, e a rapariga, depois de se aproximar de um cobertor que se achava próximo da fogueira, largou a pistola. Fiz o cavalo
avançar até junto deles, observando-os com a mesma atenção com que uma pantera se acerca de uma cascavel.
Ele era um homem novo, magro, pouco mais do que um rapaz, e envergava roupas de citadino, cobertas de pó. Tinha um rosto largo, agradável, uma expressão jovem; no
entanto, depois de um exame mais atento, podia ver-se que os olhos dele nada tinham de agradável naquele momento.
A moça não devia ter mais de dezoito anos, e era bonita e elegante como um pónei. E eram ambos muito parecidos de feições.
Quanto a mim, sabia o que eles viam, e não era grande coisa. O meu queixo era largo e o nariz tinha sido quebrado, e transportava quase todos os meus cem quilos
sobre os ombros e o peito. O meu peito media um metro e vinte e cinco, tinha uma cintura estreita de cavaleiro, e os bíceps e o pescoço mediam cerca de quarenta
centímetros. Possuía punhos grandes e vigorosos; tinha uma musculatura como só se adquire a derrubar vacas bravas, cavalos selvagens, e homens duros e ainda mais
selvagens.
A camisa de lã que eu levava fora vermelha em tempos, mas havia desbotado, e o meu colete tinha sido feito com a pele de uma vaca malhada, branca e preta. Nada do
que eu usava era novo; achava-se tudo gasto, manchado pela chuva, riscado pela areia, incluindo eu próprio. Na cara, coberta por uma barba forte e bastante queimada
pelo sol,
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os olhos verdes afiguravam-se mais claros em contraste com a pele escura.
Tinha comigo uma bela "Winchester", e um par de seis-tiros com coronhas de osso, das quais somente uma estava à vista. Levava no cinturão uma faca de mato, e, por
trás do pescoço, uma faca de atirar, ambas com a marca "Tinker".
O carro que acabava de descobrir não era novo. Apresentava sinais de ter feito longas viagens, o que poderia não ter ocorrido há muito tempo, e o rapaz e a rapariga
estavam muito bem vestidos.
Encaixei o joelho no arção da sela, apoei o cano da espingarda em cima do joelho, sem desviar a arma do par, e principiei a enrolar um cigarro.
- Vão a algum lado - indaguei -, ou gostam deste sítio?
- Lamento - respondeu ele. - Creio que lhe causámos uma impressão errada.
- E têm também andado com companhias erradas. Por exemplo, a do homem que lhes roubou os animais que puxavam o carro.
- Que sabe a esse respeito?
- Não é difícil de calcular que não foram vocês que trouxeram o carro até aqui, e não vejo cavalos pelas imediações.
- Podiam ter sido roubados pelos índios.
- Nada provável. Eles teriam levado também os vossos escalpes. Não: foi alguém que os acompanhava, alguém que resolveu abandoná-los ao pé destas rochas; e, portanto,
vocês decidiam matar-me e fugir no meu cavalo.
- Pensámos que era um índio - disse a garota. Qualquer pessoa veria, a uma milha de distância,
que eu não era um pele-vermelha. Porém, não era a mentira que me irritava, mas, sim, a maneira tranquila com que se tinham preparado para matar um desconhecido.
Eles não pretendiam pedir-me que fosse buscar auxílio; a ideia resumia-se apenas a um assassínio. O rapaz procurara emboscar-se para atingir este objectivo. Se eu
tivesse corrido
para o carro ao ver o sinal da garota, estaria morto naquele momento, e eles sairiam dali montados no meu cavalo.
Apesar de irritado, sentia-me igualmente curioso. Que os teria trazido a este lugar? Quem eram? De onde tinham vindo? Aonde iam? E por que razão lhes teriam roubado
todos os cavalos?
À última pergunta poderia dar uma resposta. O homem que lhes roubara os cavalos devia ter medo do rapaz e da moça, ou desejar apenas o que se achava dentro do carro.
Se a segunda hipótese fosse verdadeira, a maneira mais fácil de realizar o objectivo seria simplesmente roubar os animais que tinham puxado o carro até ali, e esperar
algum tempo, até que o rapaz e a garota morressem ou fossem assassinados. O facto de se encontrarem naquele lugar argumentava em favor desta teoria, o carro achava-se
num ponto isolado, afastado de qualquer trilho. Ninguém no seu juízo perfeito conduziria um carro naquela região.
- Salte do cavalo e junte-se a nós - disse o rapaz. - íamos mesmo agora tomar café.
- Sim, aceito - retorqui, pulando para o chão e conservando o cavalo entre mim e eles. - Esta região é muitíssimo seca.
O meu comentário não provocou nenhuma reacção, o que deu mais força ao meu palpite de que eles não faziam a mínima ideia do sarilho em que se tinham metido. A verdade
é que não havia água muitas milhas em redor. Eles tinham dois barris dependurados no carro, mas eu podia jurar que não deviam estar muito cheios, e a água mais próxima
- se existisse - ficava a umas boas quarenta milhas de distância.
- Vocês meteram-se numa grande complicação
- comentei. - Terão muita sorte se conseguirem sair daqui vivos.
Olharam ambos para mim, como se não entendessem o que eu acabara de afirmar.
- Que quer dizer? - perguntou a moça.
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- A água mais próxima fica a quarenta milhas... se o riacho não estiver seco, o que sucede muitas vezes. Se o riacho não tiver água, terão de andar ainda mais vinte
milhas. Mesmo que pudessem arrastar o carro - o que não podem - gastariam vários dias no percurso. Vocês estão muito longe do trilho.
- Este caminho é um atalho.
- Quem quer que lhes disse isso, não gostava de vocês. O único sítio aonde pode levá-los este atalho é ao lado mais seco do inferno.
Ambos me fitaram com dureza.
- A vossa única solução é tentarem fazer o caminho a pé - disse-lhes. - Terão talvez cinquenta por cento de probabilidades.
- Mas está aí o seu cavalo - volveu ele, olhando-me friamente. - Eu e a minha irmã podíamos sair daqui no seu cavalo.
Eu já tinha encontrado gente abjecta, mas nunca vira nada parecido com aqueles dois. Estavam numa situação desesperada, mas, ou não avaliavam a gravidade da situação,
ou depositavam uma confiança desmedida neles próprios.
- Você não tem o meu cavalo, amigo, nem virá a tê-lo. E, mesmo que o tivesse, não saberia qual o caminho a seguir. Se conhecesse o caminho, começaria por não ter
vindo parar a este sítio...
Eles entreolharam-se. Não me acreditaram e continuavam a querer o meu cavalo.
- Têm talvez uma hipótese - acrescentei -, se eu conseguir arranjar que venha aqui com alguns cavalos para levar o carro. Isto é, se puder encontrar alguém que esteja
na disposição de vir até este sítio... Esta região é território dos Comanches. Os Kiowas estão instalados no Norte, e os Apaches a Sul e a Oeste. Ninguém gosta de
vir para esta região...
De súbito, tive um pressentimento. Eles não se mostravam preocupados porque esperavam por alguém ou por qualquer coisa.
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Algo que eles sabiam o que ia acontecer. Nada do que eu lhes dissera os havia impressionado. Eles estavam simplesmente à espera.
A tarde tinha-se quase extinguido e poucas horas faltavam para a completa escuridão. Estaria ali mais alguém? Alguém que eu não tinha visto, nem ouvido?
De repente, senti um leve arrepio de medo percorrer-me as costas. Achava-se ali alguém, algures, a vigiar-me.
- A povoação mais próxima é Borregos Plaza - continuei -, ou talvez Fort Bascom, para Oeste.
- Enquanto falava procurava descobrir de que direcção iria surgir o perigo.
Aqueles dois eram do Leste, mas não me pareciam meninos mimados. Pouco conheciam do Oeste, era certo, mas possuíam alguma coisa que não era difícil de definir...
eram frios como gelo e cruéis. A minha intuição dizia que eles eram capazes de assassinar sem necessitarem de um motivo.
Desde que abandonara as montanhas, tinha conhecido gente dura e impiedosa. Desordeiros e pistoleiros, homens que trabalhavam muito e que bebiam muito, mas que lutavam
quando se enfureciam ou quando lhes pagavam para lutar; e quando matavam era por fúria ou por dinheiro, ou, talvez, acidentalmente, mas nunca pelas razões por que
aqueles dois seriam capazes de assassinar.
A garota tinha deitado café numa chávena, para me oferecer. Eu tinha fingido desapertar a cilha da sela, mas não a aliviara um só centímetro. Não me saía da cabeça
a ideia de que quando chegasse a hora de partir não teria tempo sequer de apertar a cilha.
Fiz o cavalo mudar de posição e avancei na direcção da moça, conservando a montada entre mim e o ponto onde suspeitava que pudesse estar um homem emboscado. Detive-me
junto da fogueira, acocorei-me ao pé do fogo e relanceei o olhar por cima do ombro. Ao desviar o olhar,
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vi claramente a moça esconder qualquer coisa na algibeira da saia.
A vida que eu tinha levado não era de molde a fazer de mim um homem confiante. Nos montes do Tennessee fazíamos muitas transacções, e um garoto aprendia bem cedo
em quem podia confiar, mesmo tratando-se de gente da sua própria família. Era uma espécie de jogo, uma habilidade especial, e contavam-se inúmeras histórias curiosas
a respeito destas transacções, em que havia sempre alguém ludibriado. Tudo isto fazia com que nos tornássemos cépticos.
Por isso, quando a garota de olhos brilhantes me deu o café, eu aceitei-o, ávido por um gole, mas com medo que aquele fosse o último café que ia beber na minha vida.
Conservei a chávena na mão, tentando avaliar quanto tempo poderia manter-me naquela atitude sem levantar suspeitas.
Lá para Clinch Mountain havia um velho que conseguia estar a falar durante horas a fio, sem que depois alguém fosse capaz de se lembrar de uma palavra do que ele
dissera; limitava-se a proferir um chorrilho de frases, acumulando palavras como um homem a fazer um monte de feno com uma forquilha. Decidi falar, para ganhar tempo:
- Na altura em que os vi, começava a sentir-me farto da companhia, pois não se pode conversar muito com um cavalo. Nunca falou com um cavalo? Então é porque nunca
andou milhas e milhas nestas planícies desertas. Eu era capaz de jurar que os cavalos deste território sabem mais a respeito do que se passa por aqui e da vida de
cada um do que qualquer pessoa. Aqui, toda a gente conversa com os cavalos. Já me tem acontecido ter passado semanas inteiras sem ter ninguém com quem falar. Veja,
por exemplo, esta região. Um homem pode cavalgar durante dias sem ver uma elevação na terra, isto sem falar num homem ou num cavalo. Talvez se veja um antílope ou
uma manada de búfalos, embora nesta época já sejam quase raros.
Um homem pode atravessar muitas milhas nesta região, vendo apenas nuvens de chuva distantes e um ou outro falcão. Pouco mais há para ver... E viajar por este território
não é o que vocês podem ter imaginado. Se partissem daqui para Oeste, sabe o que encontrariam? Um canyon, talvez com noventa ou cem metros de profundidade. Esta
região é muito rochosa e, por isso, quando a terra abre uma fenda, aparece uma encosta a pique de quatro ou cinco metros, depois uma inclinação mais suave até ao
fundo, e pode acontecer que uma pessoa seja obrigada a andar muitas milhas antes de descobrir um ponto em que consiga descer para o fundo do canyon, ou um sítio
seguro para sair de lá de dentro.
"E nunca se encontram estes canyons senão quando se está quase em cima deles. Os Comanches costumam esconder-se dentro dos canyons e esperar ali pelos Comanches,
que vêm de Santa Fé para negociar com eles. Certa vez vi um acampamento de índios onde havia seis ou sete mil cavalos, alguns excelentes...
Ambos me observavam atentamente. Continuava com a chávena na mão, fazendo com ela gestos com que sublinhava a conversa, tal como o velho palrador que eu pretendia
imitar naquele momento.
- Os índios, por exemplo... Eles aparecem de repente, mesmo antes de suspeitarmos que se encontram nas imediações. E quando há mulheres... quando sabem que há mulheres,
eles perseguem-nas durante muitas milhas. Vocês os dois não seriam difíceis de apanhar. Qualquer garoto Comanche mataria os dois antes que se apercebessem da aproximação
dele. Sou da opinião de que, sem auxílio, não poderão sair daqui. Estavam a pensar no meu cavalo? Ele não poderia levar os dois até metade do percurso que teriam
de fazer... E o carro teria de ficar aqui. Calculo que sejam precisos uns seis bois para o levar daqui para fora, pesado como é.
20 - 21
- Por que razão supõe que o carro é assim tão pesado?
Sorri para o rapaz e empurrei ligeiramente o chapéu para trás, com o rebordo da chávena.
- Porque-havia de ser? Pelas marcas das rodas. Vê-se bem pela profundidade dos sulcos das rodas. Além disso, aposto que os índios já os localizaram e que estão a
cercá-los.
- Não diga disparates - exclamou a garota - Se eles soubessem onde estamos e quisessem atacar, já o teriam feito há muito tempo.
Soltei uma risada.
- Essa é a sua maneira de pensar, que difere muito da maneira de pensar dos peles-vermelhas. Eles sabem perfeitamente que vocês não vão sair daqui. Sabem bem onde
fica o canyon, e sabem o que vocês irão fazer quando chegarem lá. Entretanto, vocês serão obrigados a aproximarem-se do sítio que eles querem. Provavelmente, os
índios têm um acampamento a alguma distância, e quando vocês chegarem perto, eles atacam, para não terem de andar muito com as coisas que roubarem do carro...
De súbito, fingi lembrar-me do café:
- E esta, hem? Estive para aqui a falar, e o café arrefeceu! - Ao acabar de proferir estas palavras, entornei o café para o chão, pousei a chávena e peguei na cafeteira
com a mão esquerda. Na direita continuava a segurar a "Winchester". Deitei café até cerca de um terço da chávena, lavei-a e tornei a enchê-la. - É bom para aquecer
a chávena - expliquei. - Não gosto nada de beber café por uma chávena fria... Que estava eu a dizer?
As caras deles eram dignas de se ver. Não sabiam se eu era esperto de mais ou apenas idiota. Ele tinha ficado exasperado, mas a moça empalideceu de raiva. Emborquei
a chávena, e o café soube-me bem - tinha um gosto intenso a chicória, tal como o café que bebiam em Nova Orleães.
A beber o café, junto deles, não me sentia muito inquieto.
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Pelos cantos dos olhos vigiava o canyon, a leste, e conservava o cavalo dentro do meu campo de visão. Começaram a surgir sombras a sotavento do carro. E de súbito,
as orelhas do meu mustang ergueram-se. Pousei imediatamente a chávena.
O mustang, tal como todos os animais selvagens, era rápido a detectar o mínimo movimento. Muitos cavalos mostram uma grande sensibilidade ao som e ao movimento,
mas não há nenhum que chegue a um cavalo selvagem para dar a conhecer a iminência de sarilhos. As orelhas do mustang acabavam de revelar que o homem emboscado principiara
a mover-se.
Qualquer movimento brusco da minha parte poderia provocar a luta que eu pretendia evitar. Não me interessava aquela gente e não tencionava deixar-me caçar. Pouca
protecção podia arranjar na vegetação baixa, e, mesmo que fizesse uma tentativa nesse sentido, teria dois ou três deles a disparar contra mim. A menos que esperasse
até ao anoitecer... embora cada minuto que fosse passando aumentasse os riscos da minha situação, visto que a escuridão daria aos meus adversários maior liberdade
de movimentos.
Fiz avançar a "Winchester" segura em ambas as mãos, fitei o rapaz que continuava parado ao lado da irmã, e disse-lhe:
- Se vocês os dois pretendem sair daqui inteiros, é melhor dizerem ao vosso amigo que está escondido para aparecer, com as mãos levantadas.
Ambos se sobressaltaram. Olharam-me fixamente, enquanto eu fazia recuar o cão da "Winchester".
Ele empalideceu e replicou:
- Não percebo o que quer dizer.
- O melhor é dar-lhe o meu recado em voz alta. Tem trinta segundos para fazer o que eu lhe disse. Ao fim desse tempo, deixarei aqui os dois estendidos, à mercê dos
abutres e das formigas.
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O rapaz pareceu não acreditar na ameaça, e, quando começou a acreditar, não se mostrou muito disposto a obedecer.
- Você será o primeiro a marchar - prossegui. - Depois a garota e o outro vosso amigo. Tem só dez segundos e não estou interessado em perder tempo.
O meu indicador encostou-se firmemente ao gatilho.
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DOIS.
- Andrew - gritou a moça, em voz alta e clara -, sai daí com os braços levantados.
- Sylvie - protestou o irmão -, ele não disparava. Não se atreveria.
- Disparava, sim! Ele matava-te sem hesitar, Ralph, e acredito que me mataria também.
Ouviu-se um ruído no meio da escuridão, e, pouco depois, um rapaz gordo, com ar de imbecil avançou na nossa direcção. Teria talvez uns dezassete anos, mas a espingarda
que trazia na mão era bastante adulta.
- Deite a arma no chão - ordenei, já preparado no caso de ele tentar disparar. Ele olhou para mim, e depois desviou o olhar para Sylvie, para ela, não para o irmão.
- Faz o que ele diz, Andrew.
O rapaz pousou a espingarda no chão, com certa relutância, e em seguida sentou-se abruptamente, cruzando as pernas.
- Como eu ia dizendo, não quero arranjar sarilhos, mas estou muito habituado a eles. Aconselho-os a ter calma. Hão-de acabar por descobrir que as coisas aqui se
passam de uma maneira diferente, e que existe muita gente que dispara primeiro e só depois faz perguntas, se tiver perguntas para fazer... Muito bem, se puserem
de parte a ideia de me matarem, verei o que posso fazer para os ajudar.
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- Porque há-de ajudar-nos? - quis saber Ralph. Esta pergunta irritou-me. Afinal, porque não
havia eu de saltar para o meu cavalo e deixar que eles sofressem o que mereciam?
- Vocês têm armas - repliquei -, e não me agradaria que elas caíssem nas mãos dos índios.
Eles não acreditaram. Duvido que eles pudessem acreditar num motivo que não fosse inteiramente egoísta.
- Para qualquer direcção que forem, não é provável encontrarem alguém num raio de cem milhas. Ouvi dizer que Jim Cator tem um acampamento de caça aos búfalos perto
de Paio Duro, e as povoações que existem para oeste ficam a uma distância mais próxima de duzentas milhas do que de cem...
Eles estavam sentados, a observar-me atentamente, escutando todas as minhas palavras.
- Quem quer que os trouxe até aqui, meteu-os numa ratoeira bem preparada... mas existe a possibilidade de eu conseguir apanhar esse homem e de lhes trazer os cavalos
que ele levou.
- Se conseguisse trazer-nos os cavalos - disse Ralph - e matar o ladrão, eu dava-lhe cinquenta dólares.
- Há muita gente capaz de fazer esse serviço por cinquenta dólares - comentei - mas eu não. No entanto, seria mais fácil ir buscar os cavalos do que procurar alguém
que quisesse ajudar-vos. - Levantei-me abruptamente. - Vou ver se descubro o homem que roubou os cavalos.
Todos eles se puseram de pé imediatamente, de olhar atento, para aproveitarem a mais pequena oportunidade.
- Porque não espera até ao nascer do dia? - sugeriu Sylvie. - À noite não poderá seguir a pista dos cavalos.
Peguei nas rédeas e voltei o cavalo de modo a vigiar o trio por cima da sela;
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depois montei ràpidamente, com a espingarda a postos, cobrindo-os completamente.
- Não preciso de seguir a pista dos cavalos - repliquei. - Ele vai levar os cavalos para um sítio onde haja água. É aí que irei procurá-lo.
Virei a montada e descrevi um largo semicírculo em volta do carro, conservando-os sob a vigilância da "Winchester" até quase me perder na escuridão; em seguida mudei
abruptamente de direcção e conduzi o cavalo a trote até me afastar o suficiente. Acerca de uma milha do carro, fiz alto, tirei o chapéu e limpei o suor que se acumulara
na testa e na parte interior do chapéu. Tinha escapado da armadilha por um triz.
Depois iniciei a cavalgada pela noite, guiando-me pelas estrelas. Julgava saber onde estavam os cavalos roubados, e se estivessem no sítio em que eu pensava, teria
de estabelecer um plano antes de passar à ofensiva. Não me interessavam os ocupantes do carro, mas não tinha coragem para deixar uma mulher morrer na planície,
nem me agradava a ideia de ver as armas caírem nas mãos dos índios, que já tinham armas em número mais do que suficiente.
A noite estava fresca, e, apesar do facto do meu cavalo se sentir cansado, continuei a fazê-lo correr, correspondendo ele inteiramente ao que estava a exigir-lhe.
Tinha a impressão de que o mustang gostava tanto do grupo do carro como eu.
De vez em quando, desmontava e seguia a pé durante algum tempo, a fim de poupar o cavalo. Este tinha feito um grande esforço naquele dia, pois eu quase não lhe dera
um momento de repouso desde o princípio da manhã, mas sentia-me incitado por um palpite. Ali mesmo, dentro da região rochosa, havia um local que eu conhecia... fora-me
revelado por um Comanchero que ali ia dar água aos cavalos, quando vinha de Santa Fé para se encontrar com os Comanches.
Tratava-se apenas de uma abertura na rocha,
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com quarenta ou cinquenta metros de comprimento, e aproximadamente a mesma largura, mas que conservava uma porção de água no fundo, um pouco de verdura e um ou dois
choupos. Era possível que o local fosse conhecido pelo homem que eu procurava, embora poucos soubessem da sua existência. Se ele conseguisse dar água aos cavalos
naquele ponto, poderia conduzi-los depois para o Norte, e, cerca de quinze milhas depois, apanharia uma série de pequenos reservatórios naturais de água, assinalados
por choupos e salgueiros, alguns lagos de água potável ou simples poças. Daqui para diante poderia procurar atingir o Tule Creek, que lhe proporcionaria água a intervalos
frequentes ao longo do seu curso.
Via as estrelas mais brilhantes perto do horizonte quando cheguei às imediações do depósito de água escondido pelas rochas. Distingui o relinchar fraco de um cavalo,
um ruído breve, e tudo voltou ao silêncio anterior.
Avancei com rapidez. Deixei o cavalo com as rédeas pendentes e desloquei-me para a esquerda, onde um choupo marcava uma depressão no terreno, e fiquei à espera.
Os segundos foram-se escoando com enervante lentidão. O cavalo, exausto e ávido, deu alguns passos na direcção da água, conservando a cabeça voltada para o lado,
a fim de tropeçar nas rédeas. Era isto o que eu esperava, e que pretendia que acontecesse. Quem quer que ali estivesse julgaria tratar-se de um animal perdido. Pelo
menos, era esta a minha esperança.
O cavalo, inteiramente mustang, não se dirigiu para a água, como teria feito outro qualquer. Ergueu as orelhas, soltou um leve relincho, e obteve como resposta outro
relincho, vindo do fundo da abertura entre as rochas. Após um momento, o cavalo avançou mais alguns passos e estacou novamente. Desta vez, porém, parou por ter chegado
junto de alguém.
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Aguardei, sem mover sequer um músculo. Depois ouvi uma voz áspera, segredada. O homem chamava o meu cavalo para o ter à distância conveniente para deitar as mãos
às rédeas. O cavalo, sabendo que eu me encontrava nas proximidades, não devia permitir que um estranho lhe tocasse. Se fosse um animal perdido, a andar sem destino,
deixar-se-ia apanhar facilmente... pelo menos enquanto tivesse uma sela no dorso.
De súbito, o cavalo recuou bruscamente... era evidente que o homem tentara agarrá-lo, o que significava que ele principiava a dar mostras de impaciência.
O cavalo recuou outro passo e parou. Continuei à espera. Decorreram cinco minutos, talvez dez, e, de repente, o homem saiu da escuridão e estendeu a mão para as
rédeas. O cavalo recuou uma porção de passos, e senti vontade de o beijar, ao ver o homem persegui-lo.
- Alto! - Falei com a intensidade bastante para ele me ouvir, e, simultaneamente, armei o cão da espingarda.
O homem faz um movimento brusco, como se pretendesse esconder-se, mas voltei a falar. -'Não tente fugir! Não pode escapar.
- Quem é você?
- Um vagabundo. E esse cavalo é meu.
- Pensei que estava perdido. - Tinha-me levantado e avancei na direcção do homem, enquanto ele falava. - Não vi ninguém...
- São coisas que sucedem. Agora não se enerve... Tenho o dedo em cima de um gatilho muito leve.
Ele tinha-se voltado e encarava-me. Era um homem atarracado, de peito grande. Conservava o rosto na sombra. De súbito exclamou:
- Raios! Você é o Nolan Sackett!
- Deixe cair o cinturão.
- Mas escute...
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Comecei a sentir-me impaciente.
- Meu amigo, se pensa seriamente em tomar o pequeno almoço, o melhor é deitar o cinturão para o chão.
Ele levou as mãos à fivela, protestando:
- Ouça lá, Sackett. Sou o Steve Hooker. Encon-trámo-nos uma vez no "Nation", e não tem razão nenhuma para me fazer isto...
- Talvez sim, talvez não.
Logo que ele desapertou o cinturão e o deixou cair, obriguei-o a recuar, a fim de me aproximar e colocar o cinturão em cima do meu ombro. Em seguida segurei as rédeas
da minha montada e segui o prisioneiro até ao meio da abertura entre as rochas. Os cavalos lá estavam, seis excelentes animais de tiro e dois de sela. Lá em baixo,
entre os salgueiros, distingui uma fogueira que não era visível do exterior do maciço rochoso. Chegou-me às narinas o cheiro de café, e ocorreu-me subitamente que
não tinha ingerido qualquer porção de alimento sólido durante o dia inteiro.
Ao chegarmos junto da fogueira, ordenei que se voltasse para lhe ver a cara, e, reconheci-o, efectivamente. Ele tinha sido cocheiro de uma empresa de transportes,
e fora despedido por vender rações de gado que pertenciam à companhia. Tinha também, em certa ocasião, assassinado um índio inofensivo, em Forte Griffin. Ninguém
pareceu ligar muita importância a este incidente, mas daí para diante não houve quem se interessasse pelos seus serviços.
Obriguei-o a dar meia volta e atei-lhe ambas as mãos atrás das costas-; depois passei a corda em torno dos joelhos e dos tornozelos. Deixei-o num sítio onde podia
vigiá-lo, retirei a sela do cavalo, deixei que ele se espojasse no chão, e em seguida friccionei-o cuidadosamente com punhados de erva seca, prendi-o junto a uma
pequena área de erva fresca, onde podia alcançar a água quando quisesse beber.
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Retirei um bocado de toucinho do alforje, cortei-o em fatias finas para dentro de uma frigideira e parti metade de um pão comprado na última povoação por que passava.
Enquanto o toucinho fritava, servi-me de uma chávena de café e decidi conversar um pouco.
- Onde arranjou aqueles cavalos? - perguntei subitamente.
- São meus. Leve-os para oeste, para os vender no Novo México.
Fitei-o com uma expressão pouco agradável.
- Essa história talvez não fosse má para contar a um tipo do Leste, mas a verdade é que ninguém com o juízo todo se mete nesta região, especialmente com cavalos.
- E acrescentei:-Eu venho do Sul.
Ele não fez qualquer comentário, embora eu pudesse jurar que ele estava a pensar se eu teria visto ou não o carro abandonado.
- Como é que me descobriu? - inquiriu, passado um momento.
- Você deixou uma pista e eu segui-a. - E concluí, após uma pausa:-E deixou também uma mulher num local onde podia ser apanhada pelos índios.
- Aquilo não é uma mulher! É um autêntico demónio saído do inferno!
- A mim pareceu-me nova e bonita. E não achei que fosse um sítio muito próprio para abandonar gente inexperiente. - Fiz uma pausa, voltei o toucinho com um garfo
e acrescentei: -Você podia ser linchado pelo que fez.
- Eles acabavam por matar-me. Estavam a combinar assassinar-me. Eu ouvi-os!
- Onde é que os descobriu e se juntou a eles?
- Vi-os, primeiro em Forte Worth - respondeu o homem, depois de uma hesitação. - Estavam elegantemente vestidos e pareciam ter dinheiro. Pus o ouvido à escuta e
percebi que eles andavam a fazer indagações
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a respeito da região situada a oeste de Griffin.
- E então?
- Escute, Sackett. Você não é idiota. Por que razão havia um grupo de fedelhos como eles de se interessar por este território? Isto é terra de búfalos e de índios.
Há também quem diga que é terra de gado; por aqui não há hotéis elegantes, nem nada que atraia gente daquela.
- Qual é a sua ideia?
- Quero, meu amigo
- Ouro, meu amigo. Ouro em grande quantidade. Pensa que eles vieram à procura de terras de pasto? Nem por sombras. Aquilo que procuram é uma coisa que podem levar
com eles, e a resposta está naquele carro.
- Aí está uma coisa estranha. Eles nunca me deixaram ver, embora eu tentasse. Talvez fosse por isso que queriam matar-me.
- Aonde queriam ir?
Steve Hooker ficou calado, procurando provavelmente decidir o que poderia dizer e o que seria preferível ocultar. Entretanto comecei a comer o toucinho e o pão fritos,
directamente da frigideira. Sentia-me capaz de comer frigideira e tudo, mas tive de me conformar com cerca de uma dúzia de fatias de toucinho e metade de um pão
frito na gordura do toucinho. E bebi quase todo o café do Hooker.
- É melhor desenferrujar a língua - insisti, enchendo a chávena de café pela última vez.
- Ainda não resolvi se hei-de levá-lo comigo e entregá-lo aos fedelhos, ou de deixá-lo aqui. Se despejar o saco talvez lhe dê uma oportunidade.
- Para que toma essa atitude? Há muito a ganhar nisto... para nós dois.
Principiei a sentir-me melhor. Recostei-me contra uma pedra e observei o meu cavalo que pastava tranquilamente. Senti-me bem disposto e em paz com o mundo. Todavia,
tinha aqui aquele homem
de pés e mãos atados, e não estava na disposição de confiar nele com os movimentos livres, especialmente com a sonolência que me invadia.
- Que perguntas lhe fizeram eles?
- Bem, eles sabiam alguma coisa, não há dúvida. Creio que devem ter ouvido qualquer história ou lido qualquer coisa, mas tinham também conhecimento de factos que
muita gente ignora. Quero dizer, eles sabiam muito bem aonde queriam ir.
Hooker foi desfiando a meada, um pouco de cada vez. Ele tinha seguido o grupo quando este fizera o trajecto de Forte Worth até Forte Griffin, na diligência. Na realidade,
Hooker tinha ido na diligência com eles, sempre de boca fechada e atento às perguntas que lhe faziam. A pequena possuía um jeito especial para fazer falar os homens;
acima de tudo, dizia ela, interessavam-lhe os nomes usados no Oeste, que considerava tão coloridos e bizarros...
-'Quais, por exemplo?-indaguei.
- Cross Timbers... Llano Estacado... Boggy Depot... Rabbit Ears...
Hooker mudou de posição com certa dificuldade, mas não lhe prestei atenção. Pretendia sugerir que eu devia aliviar a pressão das cordas, uma coisa que nem me tinha
passado pela cabeça.
- Ela fez com que os homens que seguiam na diligência lhe falassem a respeito destes lugares.
- Fez perguntas?
- Montes delas. Levou metade da noite a fazer perguntas. O irmão acabou por adormecer, mas ela não. Continuou a explorar o que aqueles homens sabiam, e insistiu
bastante no que dizia respeito a Rabbit Ears...
Aproximei-me do grupo de salgueiros, cortei alguns troncos finos e quebrei alguns gravetos de um choupo tombado no chão. Reavivei a fogueira e fiz outra cafeteira
de café. Sabia alguma coisa acerca da região de Rabbit Ears, e ouvira contar também algumas histórias.
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Não passariam, provavelmente, de histórias de taberna, e Sam Hooker devia igualmente tê-las ouvido. E, tal como ele próprio dissera, não havia razão para que gente
da cidade desejasse frequentar aquelas paragens.
- Você deve ter tido o cuidado de os desviar dos trilhos - comentei secamente -, de modo a não encontrarem ninguém.
- Quando chegámos a Griffin - prosseguiu Hooker -, procurei a garota expliquei-lhe que sabia que ela pretendia um carro e um homem que o conduzisse, e que eu conhecia
muito bem o Oeste. E foi logo! Comprou o carro, cavalos e o equipamento necessário.
O homem fitou-me, antes de continuar:
- Pois aquela moça conseguiu enervar-me! E ele é quase tão diabólico como ela. Não sei bem dizer porquê - não era pelo que fazia ou dizia -, mas ela estava sempre
a espiar-me, e acabou por* me pôr nervoso... Depois, uma noite, ouvi-os a conversar. Eles julgavam que eu tinha ido dar de beber aos cavalos, mas eu resolvi voltar
atrás para escutar. A primeira coisa que ouvi a garota dizer foi: "Evidentemente. Para que havemos de gastar o nosso dinheiro com ele? Quando chegarmos a Rabbit
Ears ficaremos a conhecer o caminho de regresso, e, portanto, podemos matá-lo." O que mais me impressionou foi a maneira como ela falou, como se estivesse apenas
a perguntar que horas eram... Na manhã seguinte, tratei de avançar para Sul. A minha ideia era desorientá-los, para eles não poderem encontrar sozinhos o caminho
de volta, e terem necessidade de mim. Depois come-' cei a pensar.
- Calculo. Você começou a pensar que com aquele carro, os cavalos excelentes e o que o carro tinha lá dentro, poderia fazer bom dinheiro em Cherry Creek ou até em
Santa Fé.
- E então? Eles tencionavam matar-me!
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- Como é que conseguiu escapar-se com os cavalos? Eles não desconfiaram?
- Claro que sim! Não estavam um segundo sem me vigiarem. Resolvi dizer-lhes que íamos acampar a meia milha de um sítio onde havia água... porque havia muitos mosquitos.
- E você veio para aqui?
- Claro. Eles nunca mais dariam comigo. Era apenas questão de eu esperar algum tempo.
Era só esperar.
- E quanto a Rabbit Ears?
- Quem pode adivinhar? Ela não parava de falar na região. Quando os procurei, conservei a boca fechada e falei apenas o bastante para os obrigar a despejar o saco
quando chegasse a ocasião.
- Que lhe disse você?
- Que o nome de Rabbit Ears tinha sido dado à montanha por um chefe índio. Foi a única coisa que lhe disse.
Não existia uma razão lógica para que alguém viesse do Leste somente para visitar Rabbit Ears. A própria montanha não possuía nenhum interesse especial. Não muito
longe, para Oeste, existiam montanhas a valer, cobertas de árvores, e de neve durante boa parte do ano. A Montanha Rabbit Ears ficava afastada do Trilho de Santa
Fé, e nada tinha que a distinguisse de outros montes e montanhas. Não obstante, a curiosidade da moça poderia dissimular o seu interesse por qualquer outro ponto
da região.
Sam Hooker interrompeu os meus pensamentos passado um momento:
- Que pensa fazer?
- Vou devolver-lhes os cavalos. O resto é com eles.
- E quanto a mim?
- Você safa-se daqui da melhor maneira que puder. Você não é nenhum ingénuo; meteu-se nisto porque quis.
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- Obriga-me a sair daqui a pé?
- Não - repliquei, sorridente. - Pode voltar a trabalhar para eles, se tiver disposição para isso. Quando um homem começa uma coisa como a que você começou, já sabe
que se arrisca.
As chamas da fogueira dançavam fantasmagoricamente contra os braços frágeis e escuros dos salgueiros. Dei alguns passos até à sela, retirei de lá o meu cobertor
e o capote, e levei-os para junto da fogueira, mas para sítio imerso nas sombras. Deitei um pouco de combustível no fogo, descalcei as botas e preparei-me para passar
ali a noite. Tirei do alforje um par de moccasins e calcei-os... De noite, poderia ter de me deslocar inesperadamente, sem ter tempo para calçar as botas.
Depois soltei o meu prisioneiro e deixei-o fazer alguns movimentos, antes de o atar novamente.) Hooker era um tipo perigoso e, por isso, mantive-me afastado dele
meia dúzia de passos, empunhando a espingarda.
Com Hooker de novo atado e coberto com o seu cobertor, instalei-me para dormir. Quando adormeci estava a pensar em Rabbit Ears e no que aqueles desconhecidos pretenderiam
daquela região. Ocorreu-me então que não sabia qual o apelido da garota e do irmão, e este pormenor podia ser muito importante.
Embora no Oeste não fosse hábito fixar nomes durante muito tempo.
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TRÊS.
Ao alvorecer, deixei Hooker onde o encontrara, com um cantil, algumas provisões e as armas dele. Melhor, levei comigo o cinturão com as duas pistolas e, depois de
me afastar cerca de trezentos metros, abandonei-os no chão para que ele os fosse buscar. Depois reuni os cavalos e parti.
Para falar com franqueza, não me sentia ansioso para regressar junto do carro. De certo modo, não censurava Hooker, embora eu não fosse capaz de deixar uma mulher
à mercê dos índios. No entanto não estava disposto a correr riscos por causa deles.
Em toda a minha vida tinha conhecido alguns assassinos, mas nunca encontrara ninguém tão ansioso por matar como aquela gente. Mesmo quando uma morte não lhes trazia
a mínima vantagem. Fosse o que fosse que eles procuravam, não consentiam a interferência de ninguém, nem tão-pouco que pudessem desconfiar sequer de qual era o seu
objectivo.
De qualquer modo, não era eu quem iria servir-lhes de protector. Apreciava demasiado a minha vida para me meter com tal gente. As parelhas ser-lhes-iam devolvidas,
e, se quisessem sair dali, teriam de o fazer à custa do seu esforço e da sua habilidade.
A garota veio ao meu encontro. Não me restava nenhuma dúvida de que ela era o engodo, e, creiam-me, Sylvie era um apetitoso engodo
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para qualquer armadilha que se quisesse preparar a um homem, e sabia-o bem. Ela afastou-se do carro logo que me viu, ziguezagueando para evitar os cactos e pulando
para não tropeçar nos buracos do chão.
A certa altura parou e aguardou que eu chegasse ao pé dela.
A minha espingarda, cruzada à frente da sela, achava-se, no entanto, apontada para a rapariga, como que por acaso, e não se afastava do ponto onde ela se encontrava.
Sylvie mostrou as mãos vazias.
- Aqui tem os seus cavalos - disse-lhe -, e agora o resto é com vocês. O melhor é seguirem o meu conselho e voltarem para Forte Griffin. Vocês estão deslocados nesta
região.
Ela sorriu.
- Imagine, sr. Sackett! Eu julgava que gostava de mim!
- Você é uma garota muito bonita, Sylvie, e tão digna de confiança como um ninho de víboras. Mas aceite o meu conselho e abandone esta região. Vá para Leste, que
lá é que é o seu lugar.
A rapariga aproximou-se mais, fitando-me com aqueles grandes olhos escuros.
- Venha connosco. Por favor... Precisamos de si, sr. Sackett. Estamos sozinhos, e nenhum dos rapazes sabe conduzir os cavalos. - Ela estendeu o braço e tocou-me
na mão com as pontas dos dedos. - Sr. Sackett, venha connosco. Acredite, não se arrependeria... e eu ficar-lhe-ia muito grata.
Ela nada me prometia, mas, de certo modo, prometia-me tudo; e Sylvie era uma bela mulher. Porém, não a mulher que me interessava.
- Tenho muita pena - volvi. - Talvez estejam sozinhos, mas eu não confiaria em nenhum de vocês. Já têm os cavalos. Atrelem-nos ao carro e partam imediatamente. Sigam
a minha pista. Hão-de passar perto de água e aconselho-vos a encher os barris. Somente assim podem atravessar a
região seca, e, daí para diante, encontra-se água com certa frequência, quando se segue para Norte. O único obstáculo será o Canyon de Paio Duro... que chega a ter
trezentos metros de profundidade, em certos pontos.
- Não há ranchos? Nem povoações?
- Minha senhora, isto é território índio. Nem sequer encontrará caçadores de búfalos senão quando tiver andado um bom pedaço para o Norte. Dizem que há gente em
Borregos Plaza, na margem sul do Canadian. É boa gente, mexicanos de Mora ou Taos, e quase todos eles são criadores de carneiros. Se se portarem como devem, eles
vendem-lhes provisões e indicam-lhes o caminho para Norte... Como lhe disse, é boa gente, mas há um hombre de Santa Fé chamado Sostenes Archeveque... este dá cabo
de vocês logo que os veja. Ele anda por aquela região de vez em quando. Evitem-no, que é o melhor.
Segurei-lhe a mão durante todo o tempo em que estive a falar. Uma vez ou duas, ela fez menção de a libertar, mas achei que seria mais seguro conservar-lhe presa
a mão direita. Tive também o cuidado de não perder os outros dois de vista. Por fim, soltei-lhe a mão.
-Adios!-exclamei subitamente. Fiz o cavalo dar meia volta e parti a galope. Obriguei o mustang a pular três vezes na direcção do Norte, antes de me desviar bruscamente
para Oeste. Ao olhar para trás, distingui o brilho do cano de uma espingarda; achava-me, porém, a outros cem metros de distância, e seria muito difícil atingirem-me,
principalmente comigo em movimento. Continuei a galopar, muito satisfeito por me afastar daquela gente.
Só então comecei a pensar em mim próprio. Ali ia eu, a fugir a sarilhos, sem mais de oito ou nove dólares no bolso e sem quaisquer perspectivas de futuro. Para um
homem classificado como fora-da-lei, não se podia dizer que eu estava a tirar grande proveito da situação. Agora que reflectia no assunto,
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era forçado a reconhecer que nunca conhecera nenhuns fora-da-lei que fossem ricos. Aqueles que tinha encontrado viviam constantemente a fugir, correndo pelas planícies,
pelas montanhas, ou refugiados em esconderijos de bandidos, esfarrapados, sujos e miseráveis.
A caça ao búfalo estava a acabar. Pouco tempo faltava para que os búfalos fossem extintos, em todo o território, pelos caçadores. O que eu devia fazer era tentar
arranjar umas cabeças de gado e estabelecer um rancho ali mesmo, na Panhandle do Texas. Não tardaria muito que o gado principiasse a invadir todo o território.
Os caçadores de búfalos revelariam a localização dos bons pastos e dos locais onde a água era farta, e os rancheiros não precisariam de mais nada.
Eu tinha fama de homem duro, e isto era devido ao muito que tinha visto e ao facto de ter saído vencedor dos inúmeros sarilhos em que me achara metido, em vez de
sair derrotado. Atravessava-se uma época dura de guerra e de lutas, pois os índios só com relutância abandonavam as suas terras de caça, e até aqueles que nutriam
alguma simpatia pelos peles-vermelhas eram forçados a combatê-los, porque, a partir de certa altura, tornava-se impossível distinguir os amigos dos inimigos. Além
disso, não eram apenas os brancos que lutavam contra os índios; os índios andavam perpetuamente em guerra uns com os outros.
Desviei-me um pouco para Norte, sempre perto dos montes mais altos, cavalgando um pouco abaixo das cristas, sem ser visto e, simultaneamente, a uma altura que me
permitia ver grandes extensões de terreno. Quando distinguia uma nuvem de poeira, fazia parar o cavalo, saltava para o chão e esperava até que a nuvem de poeira
se afastasse, pois podiam ser homens brancos os que levantavam a poeira, e eu não tinha razões para supor que eles se iriam mostrar amigáveis.
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Durante todo este tempo, a minha mente procurava reunir tudo o que eu tinha ouvido a respeito de Rabbit Eears, e começava a recordar-me de uma história que escutara,
sete ou oito anos antes.
A história era já antiga, e fora-me contada por um mexicano que viera do outro lado do Rio Grande. Ele surgira no meu acampamento a meio da noite, e eu convidara-o
para ficar. Isto ocorrera numa região difícil e perigosa; quase todos os homens que se encontravam eram bandidos ou renegados escondidos da polícia de Davis.
Naquela altura andavam a monte homens como John Wesley Hardin e Eill Longley, isto para dar apenas dois exemplos. Mais para Nordeste, tinha morrido Cullen Baker,
segundo se dizia; a verdade é que nunca mais tornara a aparecer em parte alguma. Todos estes homens eram fugitivos da justiça de Davis.
Eu tinha recuado para o meio das sombras, a fim de deixar entrar o mexicano a que há pouco me referi, e ele entrou cerimoniosamente, de braços levantados. Era um
homem de certa idade, que, no entanto, conservava muitos vestígios de elegância. Trazia as botas cobertas de poeira, a respeito de ter tentado melhorar a sua aparência,
revelava sinais evidentes de longas caminhadas.
- Senor?...
Abandonei o esconderijo entre os arbustos imersos na sombra. Durante a minha vida tinha conhecido muitos mexicanos e era amigo de muitos deles, e, em muitas ocasiões
em que não podia entrar em contacto com os da minha raça, conservava-me vivo graças a jrijoles e tortillas que comia nos acampamentos de mexicanos.
- Entre e esteja à vontade - disse-lhe. - O café está pronto, e tenho feijões ao lume.
Jantámos juntos e, por fim, ele fez um cigarro e conversámos durante boa parte da noite. Ele não tinha cavalo; não me explicou como, nem porquê,
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e naquele tempo as pessoas não tinham o hábito de fazer muitas perguntas. Eu, por acaso, tinha uma montada a mais, um belo pónei malhado, bonito como uma estampa.
Até poucos dias antes, aquele pónei havia sido montado por um atlético Comanche pouco prudente. Andava sozinho, à procura de acção, e, quando me viu, tornou-se imprudente;
imaginou que eu era caça fácil e decidiu atacar-me. Afortunadamente, porém, eu não cessara de observar o trilho que deixava para trás e, ao ver que era seguido,
descrevi um largo círculo e surgi próximo do trilho para saber de quem se tratava.
Ao ver um Comanche com dois escalpes recentes, acerquei-me dele para lhe falar. O índio voltou-se, como se eu tivesse disparado, e fez menção de pegar na espingarda,
o que constituiu a sua segunda manifestação de imprudência, pois resolvi imediatamente apeá-lo, para que não voltasse a perseguir-me.
Ele pousou a mão na coronha da espingarda e eu enfiei-lhe uma bala no peito, fazendo-o desaparecer de cima do cavalo, como se ali nunca ninguém tivesse estado. O
Comanche era vigoroso; dei-lhe outro tiro, tomei conta do pónei e afastei-me daquelas paragens.
- Precisa de um cavalo - disse eu ao mexicano. - Pode ficar com o malhado. O Comanche que o montava já não precisa de cavalo.
- Gracias, senor - retorquiu ele simplesmente, embora com calor. Tinha motivos para se sentir grato. Naquela região e naquela época, o mais provável seria encontrar
homens capazes de o liquidar apenas para lhe roubarem as armas e tudo o mais que ele levasse consigo.
O mexicano bebeu mais café e, por fim, disse:
- Amigo, não tenho dinheiro. Não posso pagar-lhe o cavalo.
- É seu. Nada tem que pagar.
- O meu avô - disse o mexicano, um pouco inesperadamente
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- foi guia de caravanas no trilho de Santa Fé.
E esta? Seria uma informação muito interessante, se eu me interessasse pelo avô dele, o que não acontecia; tão-pouco me interessava pelo Trilho de Santa Fé, que
conhecia sobejamente.
- Foi lá que ele perdeu a vida. O meu avô era o homem que conduzia os carros de Nathan Hume.
Toda esta conversa se reavivou na minha memória; recordei-a como se tivesse sido travada na véspera, como se tivéssemos recentemente estado junto da fogueira a conversar
acerca da caravana de Hume. Os carros tinham vindo de Santa Fé e atravessavam as imensas planícies, com destino a Independence, no Missouri, ou outra terra qualquer;
tudo correra bem até ao momento de serem descobertos por um grupo de guerreiros Kiowas.
Os carros seguiam muito afastados uns dos outros, e nada foi possível fazer. Alguns dos homens reuniram-se em volta de Nathan Hume, contando-se entre aqueles o avô
do meu amigo mexicano, bateram-se rijamente e foram recuando para a Montanha Rabbit Ears, onde se instalaram para resistir ao ataque. Todos foram dizimados, com
excepção do mexicano, guia da caravana, que descobriu um buraco na rocha onde se refugiou. Os Kiowas escalparam todos os homens e mutilaram-nos, depois de lhes roubarem
tudo o que tinha valor, e em seguida retiraram-se. Algum tempo depois, o mexicano partiu a pé, de regresso a Santa Fé.
Ao chegar à cidade aconselharam-no a esconder-se, pois o governador tinha mandado um destacamento de soldados em busca de Hume, e ele seria preso se fosse encontrado.
Nathan Hume tinha-se dedicado ao contrabando de outro extraído secretamente da mina de San Juans. Perante esta situação, o mexicano tratou de desaparecer da cidade
utilizando uma mula emprestada e foi juntar-se a uma caravana que se dirigia para a Cidade do México. Ele tinha amigos na Cidade do México
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e planeava arranjar alguns homens que o ajudassem, e voltar ao local do massacre, porque estava seguro de saber onde se achava o ouro... e tinha a certeza de que
os índios não o tinham encontrado.
O pior foi que, pouco tempo depois de chegar ao México, deu uma queda grave de um cavalo. Fracturou a coluna vertebral e nunca mais tornou a andar.
O homem sabia onde estavam escondidos cento e cinquenta quilos de ouro, mas nada podia fazer para os ir buscar...
Foi esta a história que me contou o mexicano a quem tinha oferecido um cavalo.
- E nunca pensou em ir procurar todo esse ouro? - perguntei-lhe nessa ocasião.
- Certamente que sim, senor, mas... - ele encolheu os ombros... - tive um problema em Taos... uma questão com uma senorita... e fui perseguido até Las Vegas. Matei
um homem, senor, um homem que tinha muitos irmãos, primos e tios.
O mexicano lançou a ponta do cigarro para cima da fogueira, e sorriu.
- Aprecio a vida, senor, e sou um homem que se contenta com um pouco hoje e mais um pouco amanhã, ou depois. Se eu fosse para o Norte, poderia encontrar o ouro.
Poderia também encontrar uma sepultura, o que era ainda mais provável. Se quer aquele ouro, é seu, senor.
- Faz alguma ideia do sítio onde ele está?
- Existe um canyon fechado, com uma única saída e entrada, por trás de Rabbit Ears. Foi aí que eles se reuniram para lutar. Os ossos das mulas ainda lá devem estar.
Há lá um depósito de água, coberto por uma espécie de musgo verde, e por trás da pequena lagoa vê-se um buraco por baixo de um penedo. O ouro está escondido neste
buraco, coberto por pedras, e tem a marca o sítio uma cruz feita por Nathan Hume com uma espingarda partida. Não é difícil de descobrir...
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Separámo-nos na manhã seguinte. Depois de montarmos, ele estendeu-me a mão e despedimo-nos calorosamente.
- Seja cauteloso, senor, e não faça perguntas. Os mexicanos que extraíam o ouro têm netos e bisnetos, e sabem que os carros de Nathan Hume não chegaram ao Missouri...
Eles podem até ter falado com os índios.
Não era a primeira história de ouro enterrado e de minas secretas que eu tinha escutado. Histórias deste género eram contadas e recontadas por todo o território,
embora esta fosse novidade para mim. Não me esqueci dela e prometi a mim próprio proceder a uma investigação. No entanto, a rápida sucessão de acontecimentos fez
alterar os meus propósitos.
Em Serbin, uma vila do Texas onde eu tinha alguns amigos, matei um fala-barato que me provocou e fui metido numa cela. Porém, os meus amigos arranjaram um processo
de me escapar e deixarem o meu cavalo num sítio onde tinha fatalmente que o encontrar. Fui juntar-me a um grupo de vaqueiros que conduzia uma manada para o Kansas,
mas passei a ser um homem procurado pela lei.
Em Abilene, que era uma terra nova, pouco civilizada e frenética, soube que o meu nome era já conhecido. Estivera lá um primo meu chamado Tyrel, que tinha assassinado
um homem numa desordem na rua, informou-me alguém; só algum tempo depois consegui reconstituir o que efectivamente se passara. Tyrel tinha desafiado Reed Carney,
e obrigara-o a deixar cair o cinturão com as armas, em plena rua.
Ouvi contar muitas histórias acerca de Tyrel e Orrin Sackett, que eram originários do território de Cumberland Gap, e, devo confessar que poucas boas referências
escutei a respeito dos Sacketts.
Tudo isto se passara alguns anos antes. Eu agora cavalgava na Panhamdle do Texas, e atravessava Staked Plains,
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a caminho de Borregos Plaza, Adobe Wall, e a região dos acampamentos dos caçadores de búfalos. Atravessava uma imensa planície onde um homem, mesmo colocando-se
em pé sobre os estribos, não via a mínima elevação de terreno durante três dias.
Enfiei a espingarda na sela, empurrei o chapéu para trás, olhei as planuras infindáveis e abri a boca para cantar. Pelo menos esforcei-me por cantar, embora o meu
cavalo parecesse ter uma opinião diferente a este respeito. O céu era muito azul e as planícies perdiam-se no horizonte. Apesar de ter apenas meia dúzia de dólares
no bolso e talvez um grupo de linchadores a perseguirem-me, achava que o ar possuía um belo perfume, que o Sol tinha um calor reconfortante e que valia a pena viver.
Ao fim de algum tempo, o terreno passou a ser assinalado por pequenas colinas e algumas depressões onde havia árvores.
Oh, deixei a minha pequena em San Antone,
Lá longe, ao pé da jronteira,
Eu...
Um tufo de penas surgiu na crista de uma colina baixa, e surgiu um índio a algumas dezenas de metros, seguido por outro, e por outro ainda. Deparei com uma linha
de Kiowas que se estendia por cerca de duzentos metros. Eles cavalgavam vagarosamente na minha direcção, com as pontas das lanças viradas para o céu. Relanceei rapidamente
o olhar em torno de mim; do outro lado do vale vinham sete ou oito guerreiros, conduzindo os cavalos a passo.
Pelo menos uma dúzia de índios traziam espingarda, e não se mostravam apressados. A saída do vale encontrava-se livre, mas vários índios, colocados muito mais próximos
daquele lado, poderiam cortar-me o caminho com a maior facilidade.
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Deviam ser uns trinta, ao todo, e tinham-me encurralado.
Senti a testa encharcada em suor, mas, em compensação, a minha boca estava completamente seca. Já tinha tido ocasião de apreciar o que os Kiowas faziam por vezes
aos prisioneiros; encontrara, em certa ocasião, o que restava de alguns prisioneiros que eles tinham abandonado, e garanto que o quadro não era para homens de estômago
fraco.
Se fizesse qualquer tentativa para fugir, seria morto em menos de um minuto.
Desviei ligeiramente o cabalo e parti ao encontro deles, sem deixar de cantar.
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QUATRO.
A minha espingarda achava-se metida no coldre da sela, e tentar pegar-lhe equivalia a morrer imediatamente. A pistola que levava no cinturão estava presa ao coldre
pela correia que passava em torno do cão, uma necessidade para quem andava a cavalo por terreno difícil.
Continuei a avançar na direcção dos índios, conduzindo o cavalo numa trajectória que passaria entre dois guerreiros, separados cerca de trinta metros um do outro,
e não parei de cantar.
Nunca ninguém foi capaz de prever com exactidão o modo de pensar de um índio. Os índios eram curiosos como animais bravios, e, por vezes, tão temperamentais como
estes, mas a qualidade que eles mais admiravam era a coragem, porque sem coragem não se podia ser um bom índio. Eu sabia que nada conseguiria se fizesse uma tentativa
para fugir; e, uma vez posta de parte esta hipótese, não sou homem que se importe de correr, desde que seja contra alguma coisa.
O meu cavalo arrebitou as orelhas. Ele sabia que estávamos metidos num enorme sarilho, e não lhe agradava o cheiro dos índios. Senti todos os músculos do animal
tensos, na expectativa, preparados para um galope furioso.
Aqueles guerreiros, porém, não pretendiam caçar-me. Tratava-se sem dúvida de um grupo com pinturas de guerra,
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mas haviam deixado a sua aldeia com objectivos mais importantes em mente. Não obstante, se quisessem provocar-me complicações, achar-me-iam na disposição de responder.
O índio corpulento que se aproximava pelo meu lado direito seria o meu alvo. Se eles decidissem tomar uma atitude hostil, atiraria o cavalo contra eles e puxaria
pela pistola. Arquitectei todas as manobras no pensamento, enquanto continuava a entoar a canção a respeito da pequena que deixara em San Antone.
Ouvia atrás de mim o ruído dos outros cavaleiros que se aproximavam. Os que avançavam pela minha frente tinham abrandado ligeiramente, enquanto eu mantinha o mesmo
andamento. Levava a mão direita na coxa, a poucos centímetros da coronha da pistola.. Eu sabia que se conseguisse empunhar a pistola antes de me liquidarem, não
iria sozinho desta para melhor. E se havia uma coisa que eu soubesse fazer bem, essa coisa era disparar uma pistola.
Por volta de 1850 e 1860, em Clinch Mountains, os garotos mudavam os dentes já em contacto íntimo com armas de fogo. Pela minha parte, antes dos onze anos já andava
pelos bosques, armado com uma espingarda, caçando para alimentar a família, e pouco tempo me sobrava para me dedicar a outras coisas.
Continuei a olhar com firmeza para a minha frente, sem, no entanto, perder de vista os movimentos dos dois índios mais próximos, Havia muitos mais, mas seriam estes
dois que iniciariam as hostilidades; eles aproximavam-se cada vez mais. A minha espora afagava o flanco do mustang, pronta a lançá-lo para a frente.
Os índios prosseguiram a marcha vagarosa, eu também não parei, e achei-me em linha com os dois índios mais próximos. De repente, o que avançava pelo lado esquerdo
baixou a lança lentamente na minha direcção. Não fiz o mínimo movimento.
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Se tivesse exteriorizado o medo que ia dentro de mim, ter-me-ia trespassado com a lança, ou, pelo menos, tê-lo-ia tentado.
Ele colocou a lança de forma a tocar-me quase no peito. Fitei-o com um olhar firme. Levantei a mão esquerda sem largar as rédeas e empurrei a ponta da lança para
o lado, com lentidão e calma, e prossegui o meu caminho.
Acreditem que sentia a pele das costas arrepiada, e um estranho formigueiro por baixo da nuca, mas não me atrevi a olhar para trás. De súbito ouvi um rápido tropel,
mas uma voz rápida de comando obrigou-os a parar. Um dos índios, provavelmente um velho chefe, tinha-me salvo a pele. Conservei o cavalo a passo, e a minha cara
escorria suor, como se tivesse metido a cabeça debaixo de uma bomba de água.
Mantive o mesmo andamento até me sentir protegido por uma pequena crista, e em seguida esporeei o mustang. Corremos dali para fora, como se estivéssemos a ser perseguidos
pelas chamas do inferno.
Abrandei ao fim de algum tempo, seguindo o meu caminho com pequenos desvios propositados e percorri o leito de um riacho durante algumas milhas.
Andar pelo meio da água é o processo mais eficaz de esconder uma pista. As marcas dos cascos do meu cavalo manter-se-iam no leito do riacho durante uma hora, ou
mais, visto que a água corria com pouca velocidade, e era bastante límpida; dirigi-me para o lado da nascente e atirei terra em vários pontos, para turvar a água,
a fim de encobrir a pista, e também para dar ao curso de água mais detritos para tapar as depressões feitas pelos cascos. Tardaria algum tempo até o riacho recobrar
a limpidez anterior.
Os índios tinham-me deixado passar, muito provavelmente porque me respeitavam, ou porque o seu objectivo era caça mais grossa. A despeito disto,
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porém, era de admitir que alguns dos guerreiros mais jovens mudassem de ideias e que resolvessem seguir-me, atraídos pelo aspecto do meu cavalo ou das minhas armas.
Andando alternadamente a passo e a trote, consegui atravessar a imensa planície, sempre atento ao mínimo movimento, e utilizando todos os meios para obliterar as
marcas deixadas pelo cavalo. Avistei antílopes com muita frequência, e vi um ou outro búfalo, até algumas manadas, à medida que avançava para Norte. Mas não encontrei
mais índios.
A certa altura deparei com marcas produzidas por rodados de carros, mas os sinais tinham já alguns meses. Segui os sulcos das rodas, acampando à noite perto da água,
não partindo por vezes antes do meio-dia, a fim de dar maior descanso ao cavalo e mais tempo para ele se alimentar.
O terreno apresentava-se cada vez mais difícil. A minha barba tornava-se mais espessa, e os músculos e os ossos começavam a acusar intensa fadiga. Sentia-me coberto
de poeira e areia dos pés à cabeça, e metade da água que bebia não prestava. Todas as noites verificava o funcionamento das minhas armas, conservando-as prontas
para qualquer eventualidade.
Algures, ao Norte, ficava a vila mexicana de Romero. Era uma pequena povoação, fundada há bastante tempo. Os habitantes mantinham boas relações com os índios; dizia-se
que alguns eram Comancheros, que negociavam com os índios, a quem vendiam armas em troca do que os peles-vermelhas tinham roubado aos brancos que iam para Oeste.
Ninguém gostava dos Comancheros, nem mesmo os seus compatriotas. No entanto, nunca tive qualquer prova de que os homens de Romero fossem Comancheros.
Todavia, Borregos Plaza era a povoação que eu iria encontrar antes de Romero, e não tinha já uma grande distância a vencer para lá chegar,
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pelo menos em relação àquilo que no Oeste se considerava uma grande distância.
Ao nascer do dia penetrei no Paio Duro (em pleno coração do território dos Comanches), parei junto de um grupo de salgueiros e aguardei o por-do-sol, permitindo
que o cavalo se saciasse com erva fresca e bebesse água em quantidade. Quando as sombras principiaram a tornar-se alongadas, selei o mustang, procurei uma saída
do canyon, e só voltei a respirar tranquilamente quando me achei de novo na planície.
A pequena cantina de Borregos Plaza mostrava-se brilhantemente iluminada quando conduzi o cavalo a passo para o interior da povoação. Ouvi alguns cães ladrarem e
vislumbrei um ligeiro movimento no umbral de uma porta. Os desconhecidos eram bem recebidos em Borregos Plaza, mas os mexicanos que ali viviam tinham aprendido
a acautelar-se com eles. Aquela região era bravia e difícil, e os homens que por ali apareciam eram quase sempre indivíduos igualmente bravios e duros.
Fiz alto diante da cantina, prendi o cavalo, e, baixando a cabeça, atravessei a entrada. Havia um balcão com cerca de seis metros, e quatro mesas com cadeiras em
volta. Um mexicano gordo, de camisa branca, achava-se atrás do balcão, com os cotovelos apoiados no tampo de zinco. Perto dele encontravam-se dois vaqueiros, tisnados
pelo sol, que conversavam e bebiam. A uma das mesas estavam sentados dois homens mais velhos, um deles com a cabeça toda branca.
A sala era pequena, muito limpa e fresca, e dava, como sucedia em muitas construções mexicanas, a sensação de ser muito mais espaçosa do que era efectivamente. Todos
os olhos se voltaram para mim. Encaminhei-me para o balcão e pedi uma bebida.
- Vem de muito longe, senor?
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- Sim, de muito longe. Encontrei até um grupo de guerreiros kiowas.
- Teve sorte. Ainda está vivo.
- Ninguém entende os índios. Passei pelo meio deles, e nenhum me atacou.
Os presentes entreolharam-se. Era preciso coragem para passar pelo meio de um grupo de kiowas, e eles sabiam que, se eu tivesse revelado o mínimo indício de medo,
já não estaria vivo. E não tencionava contar-lhes o medo que tinha sentido.
- Está com fome, senor? Se quiser sentar-se, a minha mulher prepara-lhe alguma coisa para comer.
- Gracias. - Aproximei-me de uma das mesas e deixei-me cair sobre uma cadeira, exausto. Tirei o chapéu e passei os dedos por entre os cabelos. Se fechasse os olhos
adormeceria instantaneamente.
A senora trouxe-me um prato com feijões, carne e tortillas, e uma cafeteira com café. Era já tarde, e os outros dirigiram-se para as suas casas. O mexicano abandonou
o balcão, sentou-se à minha mesa e encheu uma chávena com café.
- Chamo-me Pio... Precisa de um quarto?
- Não... Durmo há tanto tempo no campo, que não seria capaz de adormecer dentro de casa. Irei dormir a qualquer sítio, debaixo de umas árvores.
- Não terá problemas. As pessoas que vivem aqui são boa gente.
- Estão por cá mais alguns desconhecidos?
- Esteve um homem... ele passou por aqui ontem, mas não se demorou muito tempo. Dava a impressão que tinha medo que viesse alguém a persegui-lo.
O mexicano olhou-me atentamente. Sorri, antes de responder:
- Está enganado. Não ando a perseguir ninguém. Pretendo apenas fazer uma viagem para Norte, até Romero, e depois, se as coisas me correrem de feição,
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talvez vá até às minas do Colorado.
Percebi claramente que o homem não tinha ficado muito convencido. Parecia-me um bom homem, e, naturalmente, não se importaria de esperar até obter informações que
o satisfizessem.
Quanto a mim, possuía a experiência suficiente para não criar sarilhos num local como aquele. Estas minúsculas povoações eram tranquilas porque as deixavam em paz.
Ali, cada homem tinha em casa uma espingarda de caçar búfalos e sabia atirar bem. Cada um daqueles homens tinha lutado contra índios, bandidos e quem quer que quisesse
lutar. Se um homem principiava um sarilho numa daquelas pequenas terras do Oeste, sabia que se arriscava a fazer o papel de alvo numa barraca de tiro. Além disso,
era quase certo que Pio devia ter ouvido falar das minhas actividades. As notícias deste género corriam depressa.
Depois de comer, e de beber bastante café, levei o cavalo na direcção de um grupo de árvores, ultrapassei-as e penetrei no prado contíguo. Retirei a sela ao mustang
e friccionei-o cuidadosamente, enquanto ele comia uma porção de milho que eu tinha trazido da cantina. Os cavalos do Oeste comiam muito pouco milho, mas o meu tivera
sorte; ao lembrar-me disto não pude deixar de recordar também a bondade do velho mexicano, que mo oferecera.
Até então não me atrevera a tirar a sela ao cavalo, com receio de ter de partir de novo a toda a pressa.
Estava uma noite invulgarmente silenciosa. Distinguia apenas o leve ruído das folhas dos choupos e um ou outro som abafado proveniente da plaza. Ouvi ainda a voz
de um coyote que cantava às estrelas. Enrolado em dois cobertores em cima do meu capote, dormi como um bebé... um bebé que nunca tinha passado uma única noite sem
o risco iminente de complicações.
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Ao amanhecer sentia-me com excelente disposição. Enquanto lavava a cara na água que corria para o bebedouro dos cavalos, reparei no pequeno carro que se achava parado
em frente da cantina. Um mexicano prendia uma parelha folgada ao carro, e o único som que se ouvia na pequena rua à sombra dos choupos, era o tilintar das correntes
do tirante.
Os meus dedos substituíram o pente, objecto que eu não tinha há mais de um ano. Selei o cavalo antes de ir buscar a navalha a um dos alforjes. Em seguida barbeei-me,
utilizando como espelho a água num dos extremos do bebedouro. Esta operação melhorou bastante o meu aspecto, embora, mesmo assim, nunca pudesse entrar num concurso
de beleza, principalmente por causa do meu nariz quebrado.
Quando acabei de me barbear passei um pouco de uísque pelo queixo, à laia de loção, e conduzi o cavalo até ao corrimão fronteiro à cantina. Um homem com uma vida
como a minha, nunca podia correr o risco de ser apanhado sem uma arma ou um cavalo por selar.
Entrei na cantina. Pio achava-se junto de uma mesa a que se sentavam três pessoas. E a primeira que vi foi a garota.
Era muito nova; teria talvez dezassete anos. Muitas garotas casavam com a idade dela, ou pouco mais tarde. Ela tinha cabelo ruivo, de um tom escuro, e olhos castanhos...
Era bela... mais alta do que a maioria das garotas, e tinha um corpo como música...
O homem de idade que a acompanhava era magro, de ar irritadiço, olhos cinzentos e bigode grisalho. Percebia-se imediatamente que não era homem para brincadeiras,
um indivíduo em cujo caminho ninguém quereria cruzar-se. O terceiro ocupante da mesa era um mestiço; afigurava-se-me meio-índio e era um homem magro, de meia-idade.
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Quando me sentei a mulher de Pio não tardou a aparecer com um prato de comida, um prato a transbordar, sinal de que devia ter notado na véspera que eu era um bom
garfo. Ela era uma daquelas mulheres que ficavam encantadas ao ver um homem sentar-se à mesa e despachar um prato cheio de comida.
O homem de idade olhou para mim duas ou três vezes, e a moça voltou uma vez a cara para me ver. Ouvi Pio proferir a palavra "Romero", mas nada mais percebi.
Pouco tempo depois, o mexicano veio sentar-se à minha mesa. Fez sinal à mulher para trazer outra cafeteira com café, e começámos a beber. Pio provou ser um bom bebedor
de café, e ambos esvaziámos a cafeteira num ápice.
- Aquela gente - disse Pio - vai para o Norte.
- Sim?
- Temo um bocado por eles... Ela é muito nova, a senorita. E os homens... bem, não estão habituados a andar por esta região.
- Então por que razão estão aqui? Nenhum homem no seu juízo perfeito traz uma garota como aquela para este território.
Pio encolheu os ombros.
- Eu trouxe a minha mulher. Faz-se o que é preciso fazer...
Tive vontade de fazer certas perguntas, mas desisti. Afinal, o problema não me dizia respeito. Eu ia safar-me dali o mais depressa possível, e o mais provável seria
nunca mais voltar àquele lugar.
O pior é que a história da caravana de Nathan Hume não me saía da cabeça. Se o ouro estivesse realmente escondido naquelas montanhas, talvez valessse a pena eu ir
lá deitar uma vista de olhos. Não queria nada com o grupo que me recusara a acompanhar, e seria muito provável que conseguisse chegar lá antes deles.
- É verdade que lhe chamam fora-da-lei, señor? Fitei o mexicano, mas não respondi.
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Chamavam-me efectivamente fora-da-lei, mas não gostava que mo lembrassem.
- Pois eu acho que o senhor é um homem honesto, um caballero. Acho que se pode confiar em si - disse Pio.
- Você acha o que quiser.
- Aqueles três... precisam de auxílio.
A minha mão, que se estendia para a panela dos feijões, deteve-se a meio do caminho.
- Mas não meu. Não, senhor. Não sou homem para acompanhar turistas numa região como esta.
- Foi só uma ideia.
- É melhor arranjar outra ideia. Sou um homem que gosta de viajar depressa no território dos índios. Sozinho posso correr e esconder-me quando é preciso, e seria
o diabo esconder um carro ou disfarçar a pista deixada pelas rodas. É com certeza o sítio aonde eles querem ir, e eu tenho assuntos que tratar.
- Mas a garota é bonita, e os Comanches...
- Tenho muita pena.
Pio calou-se. Talvez ele soubesse a meu respeito mais do que eu próprio me atrevia a admitir; a verdade é que continuou sentado à mesa, à espera, e eu, como qualquer
idiota, olhei para a garota, para o homem que parecia ser o pai dela e para o mestiço.
Ela era tão bonita, tão jovem e tão fresca, que desviei imediatamente o olhar; de outro modo acabaria por fazer o que Pio pretendia. Porém, uma pessoa não podia
olhar para aquela moça tão adorável sem pensar no que sucederia se os Comanches a apanhassem.
Por aquela época, no Leste, onde os índios eram pouco numerosos, falava-se já muito a respeito dos "pobres" peles-vermelhas, mas, creiam, quando víamos um índio
montado num pónei com uma "Winchester" na mão, ou uma lança, nem por sombras pensávamos em chamar-lhe "pobre". Era um guerreiro, um selvagem...
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um desconhecido para ele era sinónimo de inimigo, e os inimigos tinham de ser mortos ou, no caso de aprisionados, torturados para demonstrarem a sua bravura.
Pela minha parte já tinha tido complicações com Comanches, Kiowas, Arapahos, Utes, Cheyennes, Sioux, e quase todas as outras espécies de peles-vermelhas que existiam.
Não houvera problemas de maior com alguns, mas quando se tratava de combater, os índios não ficavam atrás de qualquer outro homem. Um dos maiores generais europeus
chamara-lhes "a melhor cavalaria ligeira deste mundo".
Quando um homem atravessava território índio devia proceder com todas as cautelas, esforçando-se por não ocupar mais do que o espaço que lhe fosse estritamente necessário.
Devia procurar não ser visto, e dormir sem acender uma fogueira, a menos que conseguisse dissimulá-la completa-mente. E, além de tudo isto, devia rezar, se fosse
crente, e à medida que ia penetrando mais profundamente, mais necessário lhe seria rezar. Era indispensável não correr o mínimo risco.
Pio conversou a respeito de carneiros. Falou acerca de gado. Não faltava muito tempo, dizia ele, para que os criadores de gado do Texas principiassem a trazer as
suas manadas para a Panhan-dle. Os búfalos extinguiam-se rapidamente, os índios seriam expulsos e as terras ver-se-iam invadidas pelo gado.
- E em seguida pelos agricultores - acrescentei com desgosto. A minha família dedicara-se à agricultura, se é que se podia chamar agricultura ao cultivo das encostas
da região de Clinch Moun-tains, mas não me agradava a ideia de ver aquele território invadido e retalhado pelos agricultores.
- Não, esta terra não presta para a agricultura - replicou o mexicano. - Nós já experimentámos. O vento sopra com muita força. Só as ervas se desenvolvem aqui.
- Bem sei - concordei, acabando de limpar o prato.
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- Quando houve o último furacão, até reconheci o gosto da poeira do Kansas. Conheci um homem na região de Brazos que sabia dizer em que condado estava só pelo gosto
da poeira...
Confesso que neste momento cometi um erro fatal. Tornei a olhar para a garota. É preciso não esquecerem que eu não via uma mulher branca há muito tempo, e que aquela
era muito especial.
- Muito bem, Pio - exclamei -, basta de conversa fiada. Vá dizer-lhes que tentarei levá-los até Romero.
- Bueno! - Pio sorriu. - Eu sabia que acabaria por concordar. Vou falar-lhes. Vou dizer para esperarem, que o senhor é bom.
Eu? Era a primeira vez em muitos anos que eu ouvia dizer tal coisa a respeito de Nolan Sackett. Sim, às vezes diziam: "Ele é bom a manejar a pistola", ou "Ele é
bom com a corda", ou "Ele é capaz de montar qualquer animal em pêlo", mas nunca ninguém tinha dito que eu era um bom homem.
Um homem tem de evitar uma situação como esta. É que trata logo de justificar o galanteio. E depois? Que espécie de fora-da-lei ele se torna?
Voltei a olhar, e a garota sorriu-me. Quanto a ela, não haveria problemas. Quanto ao mestiço, também não previa sarilhos, pois sabia lidar com mestiços. O velho
é que eu achava empertigado de mais para o meu gosto. Ele podia vir a revelar-se tão casmurro e difícil de lidar, como uma vaca velha.
Fosse como fosse, eu acabava de me meter naquilo. Decidi tomar mais uma chávena de café.
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CINCO.
Sentado à mesa, podia ver a rua pela porta aberta. O sol brilhava intensamente, embora a entrada da cantina estivesse imersa nas sombras das árvores enormes e vetustas
que se erguiam perto. Do outro lado da rua ficavam os choupos e os salgueiros, por trás dos quais eu tinha dormido na noite anterior.
Era agradável estar ali sentado, a olhar para a rua fortemente iluminada, e desejei ter uma casa assim, uma pequena cantina em qualquer lugar, perto de um trilho,
onde as pessoas parassem de vez em quando. Era raro assistir a uma cena tão pacífica.
No outro lado, um pouco abaixo, havia uma casa de adobe, parcialmente amurada, de que eu via apenas uma janela e um pedaço de parede. Era pequena e, provavelmente,
uma das primeiras casas que ali haviam sido construídas.
Pio acercou-se de novo da minha mesa, acompanhado pelos três forasteiros. Sentaram-se todos em volta da mesa, retirando do meu campo de visão parte da rua enquadrada
pela porta.
- Senor Nolan Sackett - disse Pio -, permita que lhe apresente o senor Jacob Loomis e a senorita Penelope Hume; e este chama-se Flinch.
A minha expressão não se alterou ao ouvir pronunciar o apelido Hume. Nem um músculo da cara se moveu,
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devido à minha grande experiência de jogador de póquer. Tive subitamente a ideia de que o Llano Estacado estava a ser invadido por gente com um objectivo comum.
- Como estão? - limitei-me a perguntar. A partir daquele momento e até eu averiguar qual era a posição deste grupo no caso, eram eles quem se encarregariam da conversa.
O homem chamado Loomis foi o primeiro a falar:
- Ouvimos dizer que se dirigia para Romero, e pensámos que talvez nos pudesse guiar até lá. Nós pagaríamos, evidentemente.
Ninguém tinha falado em pagamento até então, o que, para um homem com tão pouco dinheiro no bolso, se podia considerar uma boa notícia.
- É arriscado - repliquei, procurando não fazer qualquer comentário que me comprometesse. - É muito arriscado. Os comanches e os kiowas andam em pé de guerra, e
sentem-se irritados por causa dos caçadores de búfalos que vêm do Sul. Seria muito melhor não passarem daqui.
- No meio deste deserto? - retorquiu Loomis, em tom desdenhoso. - Meu caro, dar-lhe-emos cinquenta dólares para nos guiar e para lutar se houver complicações.
- Por cinquenta dólares - respondi com sinceridade -, lutaria com toda a tribo dos comanches.
O movimento de uma sombra atraiu o meu olhar. Perscrutando para trás de Loomis, nada mais vi além da rua batida pelo sol e de uma galinha solitária a esgaravatar
na terra.
- Estão a pensar em fazer uma paragem em Romero?
Confesso que esta pergunta era absolutamente desnecessária, porque ninguém se demorava em Romero, excepto os mexicanos que ali viviam. Romero era uma bonita e pequeníssima
povoação, situada no fim de diversos trilhos, nenhum dos quais muito frequentado.
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- Decidiremos isso na devida altura - volveu ele com impaciência, como se não lhe agradasse muito responder a perguntas.
- Muito bem, devem estar preparados para partir ao nascer do dia. E quando me refiro ao nascer do dia quero dizer à primeira luz do amanhecer.
- Eu tomarei essa decisão - disse Loomis bruscamente. - Eu é que lhe darei ordens.
- Não, se quiser que eu lhes sirva de guia. Se pretendem ir comigo, partirão quando eu disser, hão-de parar quando eu quiser, e farão o mínimo ruído possível. -
Levantei-me. Sentia-me intrigado com o leve movimento que me atraíra a atenção. - Resolva-se, senhor Loomis. Eu tenciono partir quando aparecer no céu o primeiro
raio cinzento de luz. Se querem ir comigo, têm de estar preparados nessa ocasião.
O homem não gostou nada do meu pequeno discurso. Não se sentia nada feliz comigo, o que me era totalmente indiferente. Cinquenta dólares era uma boa porção de dinheiro,
mas a minha pele intacta valia muito para mim. Além disso, chegara ali com meia dúzia de dólares e conservava ainda quase o mesmo dinheiro.
Como é óbvio, o nome da pequena não me passara despercebido... Hume. O homem que se dizia ter escondido o tesouro em Rabbit Ears chamava-se Nathan Hume. Algumas
pessoas podiam considerar este facto simples coincidência, mas eu não.
Loomis afastara-se da mesa e parecia ir levantar-se. Pousei a minha chávena de café e observei:
- Encontrei uns desconhecidos quando vinha para cá. Gente da cidade... um rapaz novo e uma pequena. - Ao ver a reacção dele, julgar-se-ia que eu o tinha esbofeteado.
- Não cheguei a saber o apelido deles, mas a garota chamava-se Sylvie. Para ser exacto, eles eram três. Não me agradaram muito.
Os olhos de Penelope pareceram tornar-se maiores e mais escuros, mas o velho ficou pálido de morte.
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Voltou a recostar-se na cadeira, e, durante' um minuto ou dois, não proferiu uma palavra.
- Viu-os?
- É verdade... Não gostei nada deles. - Olhei atentamente para Loomis, antes de perguntar: - Conhece-os?
Ele hesitou um momento, e, por fim, encolheu os ombros.
- Não tenho nenhum prazer em conhecê-los - respondeu. - Nenhum prazer... É uma gente que não merece a mínima confiança. - Loomis levantou-se. - Vem, Penelope. Amanhã
precisamos de nos levantar muito cedo.
Depois deles partirem, notei que Pio não tirava os olhos de mim.
- Que se passa, senor? Quem são essas pessoas de quem falou? Fiquei com a impressão de que ele tinha medo...
Falei-lhe de Sylvie e do irmão, apenas o suficiente para o pôr de sobreaviso no caso de eles aparecerem.
- Pareceu-me que eles tinham um parafuso desapertado na cabeça, mas o que os torna ainda mais perigosos é o facto de terem o aspecto de pessoas normais e decentes.
Não sei se ele acreditou ou não, mas deixei-o a pensar em Sylvie e nos companheiros, e abandonei a cantina. Estava fresco e agradável por baixo dos velhos choupos.
O cavalo saboreava a erva verde e fresca, e tinha água em abundância. Não encarava com muita satisfação o meu papel de guia.
De costas voltadas para um choupo, num ponto em que podia vigiar a rua, considerei a tarefa que tinha diante de mim... e não perdi de vista a casa abandonada e arruinada
que ficava quase em frente da cantina. Teria sido ali que notara o ligeiro movimento?
Os minutos foram passando lentamente, e eu continuava a vigiar, quase a dormir, mas atento a qualquer movimento.
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As sombras foram-se formando em torno de mim, e creio que ninguém podia ver-me claramente - isto é, que ninguém conseguiria identificar-me com segurança. O mustang
continuava a pastar junto de mim, o que me assegurava que ninguém surgiria inesperadamente pelo flanco sobre o qual eu nada via.
Enquanto aguardava, ia pensando no dia seguinte. Ao saírmos da vila, seguiríamos para Noroeste, ao longo do Punta de Aguas Creek, que desaguava no Canadian, a poucas
milhas de distância. Mantendo-nos a Sul do riacho, atingiríamos Romero ao fim de três ou quatro dias, dependendo este tempo da resistência que os meus companheiros
demonstrassem para aquele género de viagem e das complicações que tivéssemos de enfrentar. Com sorte, percorríamos dez ou doze milhas por dia.
Decorrido algum tempo, prendi o cavalo junto de outra zona onde as ervas estavam intactas, e, fazendo tilintar as esporas, encaminhei-me pachorrentamente para a
cantina e fui sentar-me lá dentro. Não vi Pio, mas a senora serviu-me bife de búfalo, ovos e feijões. Sentei-me a uma mesa de onde pudesse manter sob vigilância
a pequena casa de adobe do* outro lado da rua. Tinham passado escassos minutos quando vi entrar Penelope Hume.
Bem, sou forçado a confessar que não sei muito bem lidar com senhoras. Sou um tipo duro, rude, capaz de fazer praticamente qualquer trabalho e e de me meter em
sarilhos de todos os géneros. As mulheres, principalmente as novas e bonitas, parecem provocar-me um nó na língua, de tal maneira que mal consigo dizer uma palavra.
E Penelope era fresca e adorável, e tinha um belo riso cristalino. Como já disse, a garota era alta e bem feita. Além disto, quando andava fazia um homem sentir-se
nervoso.
- Senhor Sackett, posso sentar-me?
Há muitas coisas que ignoramos no sítio onde nasci,
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mas não há homem que não saiba que deve levantar-se quando se aproxima dele uma senhora. Pus-me de pé rapidamente, quase entornando o café, e só me sentei novamente
depois de ela se ter sentado.
Logo que se instalou do outro lado da mesa, Penelope disse-me:
- Senhor Sackett, estou muito satisfeita por ter acedido em servir-nos de guia até Romero, mas pensei que devia pô-lo de sobreaviso. Vão surgir complicações.
- Bem sei, mas não está habituado a lidar com Sylvie, Ralph e Andrew.
- Então conhece-os? Têm outro nome?
- O apelido deles é Karnes. São meus parentes, de certo modo, embora não haja relação de sangue entre nós. Mas eles sabem... bem, eles espiaram. Ficaram a saber
uma coisa que devia ser apenas do meu conhecimento, e agora pretendem chegar antes de nós ao sítio aonde vamos.
Não fiz quaisquer perguntas a respeito desta informação. O problema consistia em que, provavelmente, aquela gente julgava que o segredo do tesouro de Nathan Hume
era uma coisa que somente eles conheciam. Quanto ao esconderijo, se o conhecessem, isso, sim, seria algo que mais ninguém sabia. Eu tinha a certeza de não ser a
única pessoa que ouvira falar no ouro de Hume. A diferença residia no facto de as outras não conhecerem tantos pormenores como eu.
- Qual foi a razão que os fez aparecer por aqui, todos ao mesmo tempo?
- Quando a minha avó morreu, ela mencionou umas certas cartas no testamento, cartas essas que me deviam ser entregues, visto o meu pai e a minha mãe já terem morrido.
Sylvie e Ralph estavam presentes na altura da leitura do testamento, embora não tivessem nenhum direito de o fazerem.
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Como já disse, não existe nenhum laço de sangue entre nós. No entanto, eles assistiram à leitura do
testamento, e nele a minha avó referia que aquelas cartas mencionavam o sítio onde tinha sido enterrado o ouro de Nathan Hume.
- Alguém deve ter escapado e contado a história. Quero dizer, quando foi morto.
- Sabia da história?
- Ele era um homem muito conhecido. Tinha andado a conduzir caravanas entre o Missouri e Santa Fé durante muitos anos.
- O meu avô fez um desenho, escreveu algumas linhas e entregou o< papel a um rapaz índio. Ele pensou que o rapaz talvez escapasse, e, se conseguisse, devia mandar
o papel, pelo correio, para a minha avó. A carta estava endereçada e pronta. Pois bem, o rapaz conseguiu efectivamente fugir e mandou a carta.
- E onde é que Sylvie entra nisto?
- Depois da leitura do testamento, ela e o irmão mostraram-se muito amáveis. A Sylvie preparou chá para eu beber... Que tem?
- Ela também me ofereceu café para beber, uma vez...
- Podia ter tentado a mesma coisa consigo. Ela foi fazer chá e levou-o para a sala. Por sorte, distraí-me a escrever uma porção de cartas e esqueci-me por completo
de o beber. Depois fui-me deitar e, ao acordar a meio da noite, descobri a Sylvie a ler as cartas à luz de uma vela. Arranquei-lhe as cartas da mão, e ela ficou
furiosa. Sylvie ameaçou-me, riu-se de mim, disse que não havia ouro nenhum, e que, mesmo que o ouro lá estivesse, eu nunca conseguiria apoderar-me dele.
O Sol achava-se agora encoberto pelos choupos e projectava sombras através da rua. Um cão começou a subir a rua e parou subitamente. Notei que o cão farejava o ar
com inquietação, como se pretendesse encontrar qualquer cheiro que se lhe escapava.
Era agradável estar sentado naquela sala fresca a conversar com Penelope Hume.
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- Disse que os seus pais morreram. E Loomis... Quem é ele?
- Foi amigo do meu pai e também do meu avô. Ele ofereceu-se para me ajudar. Quanto a Flinch, encontrou-nos, ou fomos nós que o encontrámos, em Forte Griffin. Ele
tem-se mostrado sempre leal.
Já encontrara resposta para algumas perguntas. Se eu conseguisse obter também resposta satisfatória a respeito da misteriosa casa de adobe, sentir-me-ia melhor.
No entanto, tinha, pelo menos, uma teoria a este respeito. Continuei a observar o cão. Era um animal corpulento, que parecia ser o produto de cruzamento com um lobo,
e demonstrava a desconfiança característica dos lobos.
Conversámos a respeito de outros assuntos. Penelope falou-me da sua casa de Nova Iorque, e eu a respeito do Tennessee e, principalmente, da região em que nos encontrávamos.
- A gente desta região é bastante dura, minha senhora. Há gente boa e má, e existem por aqui muitos homens que vieram para o Oeste para fugir de alguma coisa, de
complicações em que se meteram. Encontram-se aqui homens das famílias mais antigas e com a melhor educação, a trabalhar ao lado de vaqueiros que não sabem ler nem
escrever. O pior é que muitos procuram o Oeste apenas para enriquecer, e tratam de se escapar logo que conseguem o que querem. E não se importam com o que deixam
ficar atrás deles, desde que levem a riqueza consigo...
Enquanto falava, pensava em como era agradável estar sentado ao- pé de uma garota como Penelope - eu, que nada tinha além de uma pistola, uma "Winchester", dois
velhos cobertores e um cavalo emprestado. E, provavelmente, nunca chegaria a possuir mais nada.
- É melhor ir andando - disse ela. - O senhor Loomis não ficaria nada satisfeito se soubesse onde eu estava.
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- Está em absoluta segurança na minha companhia - retorqui -, mas eu, no seu caso, não confiaria em ninguém. Há muita gente que não hesitará em matá-lo por causa
do que a senhora sabe acerca de Nathan Hume.
- Os meus queridos primos? Bem sei.
Não me refiro apenas a eles. Quando se trata de dinheiro ou de uma mulher bonita, não há muitos] homens em quem possamos confiar.
- Nem em si, senhor Sackett?
- Eu tenho fama de ser um fora-da-lei - respondi.
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SEIS.
Caía um chuvisco persistente quando Flinch retirou os cavalos da cavalariça. Era ainda bastante escuro, e descortinava-se apenas um leve traço acinzentado no horizonte,
por trás dos choupos. Prendi o mustang perto do carro e, de espingarda na mão, atravessei a rua na direcção da cantina.
A pequena sala achava-se iluminada por velas. O ambiente era acolhedor e quente, e notava-se o cheiro a comida que vinha da cozinha. Loomis estava já sentado à mesa,
com a cara ainda alterada por se ter levantado tão cedo; somente os olhos pareciam bem despertos. Puxei por uma cadeira e instalei-me defronte dele, e mal acabara
de me sentar quando entrou Penelope, que se dirigiu apressadamente para uma cadeira. Levantei-me para lhe aproximar a cadeira, e Loomis lançou-me um olhar irritado.
Não percebi se a irritação dele era devido ao facto de pensar que eu estava a fazer a corte à rapariga, mas não liguei importância. Flinch entrou logo a seguir,
silenciosamente como um fantasma, e foi sentar-se no extremo da mesa.
A mulher de Pio saiu da cozinha com uma travessa fumegante e uma cafeteira cheia de café. Comemos em silêncio, sentindo ainda os efeitos do sono. Eu, que devia concentrar
o pensamento na viagem que tinha diante de mim,
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não consegui afastar da mente os acontecimentos da véspera, e o cão-lobo.
Quem quer que tivesse estado na casa de adobe, havia-se retirado antes que o cão pudesse descobri-lo. Lembrava-me bem da maneira como o cão, com o pelo eriçado,
se aproximara da casa em ruínas, rosnando. Mais ninguém parecia ter reparado no animal.
O cão penetrara pela abertura da porta. Não se incomodou quando o segui, pois tinha-me visto aquando da minha chegada, no momento em que prendia o cavalo junto da
erva fresca, e habituara-se à minha presença nas imediações da casa de Pio. Ele apenas ergueu a cabeça enorme e tratou de farejar a casa deserta. O alpendre situado
por trás da casa de adobe mostrava o local onde um homem tinha dormido e fumado numerosos cigarros. O cão farejou cuidadosamente, e em seguida afastou-se, certamente
na direcção que o homem misterioso tinha tomado...
Quem seria? Steve Hooker?
Era ainda muito escuro quando saímos. O ar estava muito fresco e voltara a cair a chuva miúda. O velho carro rangeu quando os passageiros tomaram os seus lugares.
Flinch pegou nas rédeas e pôs o carro em marcha.
Pio veio para a rua no momento em que eu montava.
- Não me agrada isto, amigo - disse o mexicano. - A senorita vai meter-se em sarilhos, creio eu. Gostamos muito dela, a minha mulher e eu.
- Os piores inimigos dela vêm atrás de nós. São aqueles de quem lhe falei. Não lhes diga nada.
- Adios - despediu-se Pio. Afastei-me dele e encaminhei o cavalo para junto do carro.
Atravessámos o Canadian, que era praticamente um largo leito de areia e seguimos para Oeste, conservando-nos longe da margem, a fim de evitarmos os numerosos riachos.
Porém, por vezes andávamos no leito seco do rio,
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percorrido apenas por um estreito curso de água. Ao surgir o Sol, já nos tínhamos afastado bastante.
Cavalgando à frente do carro, fui batendo o terreno à procura de índios ou de alguém que andasse pelas proximidades. À medida que o dia ia clareando, fui conduzindo
o carro ora para a direita, ora para a esquerda, a fim de não deixarmos uma pista fácil de seguir. A maior parte das marcas que encontrei eram dos carneiros de Borregos
Plaza, ou de búfalos.
A chuva cresceu de intensidade, e tratei de guiar o carro para fora do leito do rio. Naquela região davam-se por vezes súbitas inundações, e eu não sabia com que
intensidade tinha chovido nas outras zonas atravessadas pelo rio.
Quando nos tínhamos afastado talvez uma milha do rio, notei um movimento no meio dos salgueiros que ficavam à nossa frente, e dois cavaleiros apareceram, vindos
do lado do rio. Àquela distância não conseguiria identificá-los. Por seu turno, eles pareceram não nos ver e continuaram a galopar.
Levei apenas alguns minutos para descer a encosta e descobir-lhes a pista. Eles tinham estado instalados num abrigo primitivo aberto na margem do rio, num ponto
de onde se via uma grande extensão de trilho, e os sinais indicavam que os dois homens haviam permanecido ali durante um certo tempo, à espera. Olhei na direcção
em que nos tínhamos aproximado e concluí que eles deviam ter-nos visto sair do leito do rio.
Quem seriam aqueles dois de cuja emboscada tínhamos escapado por mera sorte? Se não fossem as nuvens negras que eu tinha avistado a distância e a preocupação que
me causara a chuva intensa, teríamos caído na emboscada e sido liquidados com a maior das facilidades.
O ponto que eles tinham escolhido para nos esperarem era protegido por uma espessa cortina de arbustos,
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provida de um excelente campo de tiro através de aberturas feitas pelos desconhecidos. Eles poderiam ter-me liquidado e a um dos outros com os dois primeiros tiros,
e os restantes componentes do nosso grupo também não escapariam.
Estes dois homens eram do Oeste; isto podia eu afirmar pela maneira como montavam, e, além disso, haviam demonstrado ser peritos neste género de trabalho. Comecei
a procurar na memória, para ver se existia alguma pista que me pudesse revelar quem eles eram.
Tratava-se, decerto, de pistoleiros alugados, apostaria sem receio de perder. Quem eram os homens das imediações de Griffin ou de Forte Phantom Hill que poderiam
ser alugados?
Os nomes que me ocorreram não eram de molde a tranquilizarem-me. Eu conhecia diversos pistoleiros desta parte do país, e era difícil dizer qual deles seria o pior.
Os dois que nos tinham preparado a emboscada haviam feito um bom trabalho, bom de mais para poder ser ignorado.
Fiz o cavalo atravessar a passo a encosta verdejante, reflectindo acerca do que aconteceria se todos estes grupos que corriam em busca do tesouro chegassem a Rabbit
Ears ao mesmo tempo... E seria possível chegarem lá em primeiro lugar?
- Quem eram aqueles homens? - quis saber Loomis, quando chegou ao pé do carro. Agora o velho já não parecia ter sono.
- Caçadores de caça grossa, senhor Loomis, e, neste caso, a caça somos nós.
- Estavam à nossa espera? - perguntou, incrédulo. - Quem seriam?
- Homens pagos para nos caçarem numa emboscada. E tipos competentes, por sinal. Desta vez tivemos sorte, mas não podemos confiar que a fortuna nos sorria para a
próxima vez. Senhor Loomis, tinha previsto este caso quando concordei em acompanhá-los, mas creio que será preciso eu ir atrás deles.
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Se eu não conseguir dar cabo deles, serão eles que dão cabo de nós.
Loomis não pôs qualquer objecção, e, pelos seus comentários, concluí que estava mais preocupado com as pessoas que tinham pago aos dois homens do que com os próprios
assassinos. Não insisti mais no assunto, mas sabia que nos achávamos metidos num grande sarilho. A única maneira que conhecia para evitar que eles levassem a bom
termo o trabalho de que tinham sido encarregados era encontrá-los eu primeiro.
A chuva continuava a cair - um chuvisco ligeiro e persistente. A despeito de não se notarem sinais de inundação, o rio ia-se tornando mais largo e profundo. Prosseguimos
a nossa caminhada, acompanhando a margem a certa distância.
Cerca do meio-dia, fizemos um desvio seguindo o Punta de Água Creek. Tínhamos de seguir ao longo do riacho, evitando os locais mais prováveis para emboscadas, e
tentando manter-nos em campo aberto, sem oferecermos um alvo muito fácil. Esta tarefa não era simples.
O meu mustang castanho cobriu o dobro da distância do carro, batendo o terreno para a frente e para trás. Conservámos o rumo para Norte, à direita do riacho, e quando
acampámos no Redos Creck encontrávamo-nos a meia milha do ponto em que este fazia a sua junção com Punta de Água.
Quase ninguém falava. Todos estávamos exaustos devido à travessia do terreno difícil. Loomis parecia aborrecido e desconfiado. Demos de beber aos cavalos e em seguida
prendemo-los perto. Preparei uma cama para Penelope, e, depois de me afastar do acampamento, instalei-me próximo de uma parede rochosa, onde ninguém me poderia atacar
de surpresa e de onde vigiava o local onde estavam os meus companheiros.
O curso do Punta de Água desviava-se um pouco para Oeste e em seguida para Norte, mas, cerca de quatro milhas adiante, no ponto onde o riacho tinha o seu desvio
pronunciado,
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conservei o rumo para Norte. Pensei que poderia utilizar um pequeno estratagema para contrariar os planos dos dois homens que pretendiam matar-nos. No caso de nos
dirigirmos para Rabbit Ears e Romero, o caminho lógico a seguir seria acompanhar o riacho. Contudo, o Punta de Água Creek descrevia outro desvio para Norte, e decidi
cortar para Oeste e tornar a apanhar o riacho neste outro desvio.
Segui à frente, a inspeccionar o terreno, e fizemos uma boa tirada. A chuva havia cessado, mas as encostas mantinham-se húmidas e escorregadias. Entretanto, ia fazendo
as minhas conjecturas. Os dois homens tinham preparado uma emboscada à nossa frente... mas onde? Se eu descobrisse a resposta para esta pergunta, poderia talvez
engendrar uma maneira de beneficiar de um ataque de surpresa.
Mudámos abruptamente de rumo, avançando na direcção do Rita Blanca Creek, onde fizemos uma paragem para comer. Loomis passara a olhar-me com irritação. Ao vê-lo
subir até à crista de uma colina, comentei para Penelope, que se achava a meu lado:
- Ele ainda acaba por ser morto, se não for mais cauteloso.
No entanto, eu não estava a observar Loomis: vigiava Flinch. O mestiço trazia-me confundido. Era um homem competente, sossegado, que pouco falava, mas a quem nada
passava despercebido. Vira-o, em mais de uma ocasião, a examinar o terreno em busca de pistas. Naquele momento o mestiço reunia uma porção de gravetos para acender
uma fogueira.
Havia muitos troncos secos e arbustos na vizinhança do riacho. Flinch deslocava-se agilmente, como um animal selvagem, percorrendo o maciço de arbustos sem colocar
um pé num pequeno ramo caído. Um cavalo ou uma vaca não se preocupariam com estes cuidados, mas um veado, por exemplo,
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procederia exactamente como Flinch. Não o ouvíamos andar, e quase não conseguíamos vê-lo.
Teria sido apenas por coincidência que ele se encontrava perto quando Loomis procurava alguém para o acompanhar? Ele nunca dissera que conhecia a região que atravessámos,
mas eu tinha a certeza de que Flinch estava tão familiarizado com ela como eu, ou mais ainda.
Loomis regressou enquanto eu e Penelope conversávamos. Ele fitou a garota e exclamou, de mau modo:
- Penelope! Vem cá!
Ela voltou-se com arrogância.
- Senhor Loomis, não admito que me fale dessa maneira! O senhor não é meu pai, nem meu tutor!
Com a fúria que o possuía, eu apostaria em como ele lhe teria dado uma bofetada, se estivesse mais próximo da garota. Em vez disso, porém, olhou-a, encolerizado,
e retorquiu, procurando dominar-se :
- Abandonei todos os meus negócios para te acompanhar e para te ajudar. É esse o agradecimento que recebo?
Senti vontade de tirar o chapéu a Penelope ao ouvi-la responder tranquilamente:
- Senhor Loomis, estou-lhe muito grata por ter vindo, e agradeço-lhe, mas este facto não lhe concede o direito de me dar ordens. Se encontrarmos o ouro, será pago
pelos serviços prestados.
A cara dele ficou vermelha como um pimentão.
- Falas de mais! -exclamou, furioso.
- Se quer dizer que ela fala de mais acerca do ouro de Nathan Hume - engana-se. Ela só agora o mencionou, e além disso toda a gente deste território conhece a história.
Apostaria uma moeda de ouro em como até o Flinch a conhece. - Ao proferir a última frase, olhei atentamente para o mestiço.
Ele sustentou o meu olhar, não abriu a boca,
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mas não tive dúvidas de que ele também sabia da história.
- O nome dela teria sido o suficiente, se não houvesse outras razões.
Admito que menti ao dizer que Penelope não se tinha ainda referido ao ouro, mas a garota já estava metida em bastantes complicações, e eu queria deixar Loomis sem
terreno firme debaixo dos pés. Para mais, principiava a desconfiar dos verdadeiros motivos da atitude do velho. Ele não me parecia o género de homem capaz de acompanhar
desinteressadamente uma garota tão nova pelo Oeste, à procura de uma fortuna que poderiam vir a nunca descobrir.
- Esta região não é praticamente frequentada por viajantes - acrescentei - e o caminho que estou a seguir não é o que eu tinha planeado. Mas levá-los-ei até Romero,
se é lá que pretendem ir. Ou, se lhes agradar mais, posso levá-los directamente a Rabbit Ears.
Penelope reflectiu um instante e indagou:
- Qual é o caminho mais directo?
- Seguindo o Rita Blanca Creek, em minha opinião. A diferença é pequena, mas é uma diferença, e o terreno é muito mais fácil.
- Precisamos de ir a Romero - afirmou Loomis obstinadamente. - Tenciono comprar lá provisões.
- Se sabem onde está o ouro - sugeri -, o melhor é chegarem a Rabbit Ears o mais depressa possível, antes que toda a gente da região resolva partir para lá. Alguém
pagou àqueles dois para lhes armarem uma emboscada. Talvez o tivessem feito por conta dos Karnes ou a soldo de outra gente qualquer. Penso que o melhor seria andarem
depressa e chegarem a Rabbit Ears em primeiro lugar... se puderem.
Os meus argumentos pareceram acalmá-lo. Ele queria acima de tudo o ouro, desejava-o desesperadamente. Após uma pausa, Loomis disse:
- Está bem, leve-nos pelo caminho mais rápido.
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Desviámo-nos do rumo que seguíamos. Atravessámos terras planas e estéreis, onde, no entanto, se encontravam algumas elevações a que não se podia chamar colinas,
mas que ofereciam certa protecção. Eu sabia qual o melhor processo de andar pelas planícies sem ser visto, pois a minha segurança dependia muito desta experiência.
Cavalgando incansavelmente, estudei o terreno com minúcia, e, subitamente, deparei com uma extensão rochosa posta a descoberto pelo vento. Ficava próxima de um aglomerado
de arbustos secos, na margem do riacho, e, por todas estas razões, resolvi que acampássemos ali. Era talvez cedo, mas eu tinha uma ideia que queria pôr em prática.
Fizemos uma pequena fogueira, aquecemos café e comemos um jantar ligeiro. Limpei a terra em redor da fogueira, para que as chamas não se propagassem pelos arbustos.
Depois juntei alguns troncos mais grossos, que iriam arder lentamente. Construí até uma espécie de suporte para outros troncos, com as partes mais finas metidas
nas chamas; deste modo, acabariam por cair ao fim de algum tempo, mantendo a fogueira em plena actividade.
Logo que escureceu completamente, reuni a minha gente, enrolei com panos as correntes dos tirantes para não tilintarem, e pusemo-nos em marcha, em plena noite, deixando
a fogueira a arder atrás de nós. Eu sabia que a fogueira, tal como tinha sido preparada, manter-se-ia a arder ou, pelo menos, a deitar fumo até bastante tempo após
o amanhecer, altura em que contava que estivéssemos já bastante longe. Partimos sob a protecção da rocha e seguimos junto às dunas isoladas. Estas dunas absorviam,
durante o dia, parte da areia arrancada pelo vento, e, assim, os sinais da nossa passagem não durariam muito tempo.
Era uma área onde as ervas cresciam em grandes aglomerados, com pequenas elevações, dunas, e areia solta, de vez em quando.
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Continuámos a progredir para Norte, conservando-nos afastados do riacho, mas caminhando paralelamente à margem. Avançámos em boa velocidade, e passava já da meia-noite
quando chegámos ao lugar que eu procurava, uma espécie de cova coberta de lama, situada numa concavidade entre as colinas baixas. Foi aqui que nos instalámos, para
passar o resto da noite sem fogueira.
Calcei os moccasins, abandonei o esconderijo e apaguei o nosso rasto. Em seguida levei o cavalo junto dos amentilhos, até um ponto onde eu sabia existir terreno
firme. Prendi o mustang e instalei-me, a cerca de cem metros de distância dos outros. Ninguém conseguiria aproximar-se de mim sem chapinhar na água, e, de qualquer
modo, o cavalo assinalaria a presença de qualquer pessoa. Resolvi dormir, sem a preocupação de acordar com uma faca nas costelas ou com uma pancada na cabeça.
Antes de adormecer, fiquei um momento deitado, pensando nos dias que tinham passado, mas, principalmente, nos que tinha à minha frente. Tentava prever o que iria
suceder, e, deste modo, preparar-me para reagir prontamente. Não existe processo de adivinhar o futuro, mas, por vezes, podemos prevê-lo com certa exactidão, se
formos capazes de saber a maneira como as pessoas pensam.
Em primeiro lugar, há algo de curioso no ouro e na sua descoberta, que altera profundamente os pontos de vista de um homem. Quando se tratava de ouro, eu não confiava
em ninguém, nem em mim próprio. Eu nunca conhecera a riqueza, e a visão de tanto ouro podia transformar-me num homem pior ainda do que aquilo que eu me julgava.
Além disso, o mesmo efeito podia exercer-se sobre os outros, e eu não sentia o mínimo de respeito por qualquer deles, com excepção da garota. Uma garota nova, sozinha
neste mundo e sem dinheiro, podia passar um mau bocado. Ela seria vítima de todos os atrevimentos e abusos, e a sua vida transformar-se-ia num inferno.
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Sucedesse o que sucedesse, era minha intenção que a garota recebesse o seu quinhão.
Também pensava em mim. Onde existia ouro, pretendia obter a minha parte; no entanto, não ignorava que quando aquele ouro fosse descoberto, cada um procuraria tratar
de si, e o diabo que ajudasse os outros.
A manhã não tardou a surgir. Estava ainda mal acordado, talvez porque a luz do dia era muito débil, quando ouvi um ruído leve na água. Abri os olhos e olhei para
o mustang. Este tinha as orelhas arrebitadas, e, fiz descer a mão ao longo do corpo e peguei na velha "Tinker".
Uma faca com a marca "Tinker" era uma autêntica jóia, com uma lâmina afiada como uma navalha de barba - eu barbeava-me muitas vezes com a minha -, mas ela era suficientemente
forte para cortar através do osso com a mesma facilidade com que cortava carne. Estas facas eram feitas por um vendedor ambulante que vinha dos confins das montanhas,
um cigano que vendia ainda outras coisas. E, de vez em quando, trazia uma "Tinker" para vender.
A água foi levemente agitada. Senti curiosidade em saber se a pessoa que se aproximava seria capaz de chegar até àquela espécie de ilha no meio dos juncos, e se
eu poderia vê-la antes de assentar os pés em terra firme. De súbito ouvi o rangido de uma bota molhada, ergui os olhos e vi Loomis, ali parado, com um machado na
mão.
Ele achava-se muito perto de mim, com o machado erguido, mas imobilizou-se quando os nossos olhares se cruzaram. Os olhos dele brilhavam intensamente, de ódio. Como
já expliquei, eu tinha passado uma boa parte da minha vida metido em dificuldades, e o meu pensamento reagia sempre em termos de luta. A maneira como ele segurava
o machado revelou-me que ia desferir o golpe sobre o lado esquerdo.
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Um homem que empunha um machado sobre o ombro direito, não pode cortar muito para este lado. Pelo menos com precisão.
Loomis, se fizesse uma tentativa para me acertar, atiraria o machado para o lado esquerdo; portanto, eu estava a postos para rolar para a direita e erguer-me de
um salto. Os nós dos dedos do velho estavam brancos, devido à força com que agarrava o machado, e o rosto dele era uma máscara de ódio. Compreendi subitamente que,
apesar de ser velho, Loomis queria não só o ouro, mas também a garota.
Pensei que ele tinha decidido não utilizar o machado, mas, de repente, soltou uma exclamação abafada e desferiu o golpe. A exclamação serviu-me de aviso, mas o machado
avançou muito mais depressa do que eu teria imaginado, e a lâmina não me atingiu por escassas polegadas.
Mal a lâmina do machado tocou no chão, pulei como um gato e encostei a ponta da faca ao peito de Loomis. Ele não teve oportunidade de erguer novamente o machado;
a faca estava colocada numa posição em que o mataria instantaneamente. Fitei-o bem nos olhos e disse-lhe:
- Loomis, você é um assassino nojento. Estou com vontade de o matar.
De qualquer das maneiras, eu estava metido numa encrenca. Se ele me tivesse assassinado, ninguém se incomodaria a fazer perguntas. Talvez Penelope as fizesse, mas,
além de não ter quem a apoiasse, eu não passava de um conhecido fora-da-lei. Flinch nada diria, nem pensaria no caso. Em contrapartida, se eu o matasse, ninguém
me acreditaria.
Continuei a fitá-lo - estávamos voltados um para o outro, separados talvez por meio metro - e desloquei a faca, arrancando-lhe um botão do casaco... depois outro,
outro e outro, até chegar com a lâmina por baixo do queixo de Loomis. Em seguida toquei com a ponta da faca na pele e fiz uma leve incisão.
- Sr. Loomis, não devia ter feito isso. Obriga-me a desconfiar de vocês. Vá, agora volte o rabo e vamos para o acampamento... E, não esqueça, sr. Loomis, não torne
a tentar nada deste género, senão faço-lhe o risco no cabelo com esta faca.
Ele transpirava furiosamente, e estava absolutamente aterrado. Recuou alguns passos, e, de súbito, voltou-se e correu pela água fora.
Selei o mustang, carreguei as minhas coisas, e, com a "Winchester" sobre o antebraço, contornei a lama e descrevi uma larga curva em volta do acampamento. Continuava
a ser minha intenção bater o terreno nas imediações, mas pretendia principiar por entrar no acampamento de maneira a poder ver todos os meus companheiros. Não queria
chegar ali e ser imediatamente apanhado de surpresa por alguém.
Penelope olhou-me de um modo estranho, mas não disse uma palavra. Eu pensava que Flinch sabia o que se tinha passado, pois o mestiço pouco perdia. Era um daqueles
homens que gostam de ficar de parte e que, depois, vão recolher os despojos a seguir à luta.
Reencetámos a marcha através da pradaria. Era mais do que certo que já deviam ter-se lançado em nossa perseguição, e, sem dúvida, avançavam, ao longo de riachos.
Porém, daquele ponto em diante, existiam muitas poças e pequenos lagos, e a água não seria grande problema.
Nessa noite acampámos numa depressão ao Norte do Carrizo Creek, um local que se descobria apenas quando chegávamos a escassos metros de distância.
Loomis mostrava-se impaciente e nervoso. Evitava-me, o que para mim era apenas motivo de satisfação. Acocorado junto do fogo, bebi café quente e conversei com Penelope.
Havia bastante tempo que eu não disfrutava de uma oportunidade de conversar com qualquer garota.
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- Deve ser cuidadosa - recomendei-lhe, por fim. - Não confie em ninguém. É uma garota muito bonita, e no que diz respeito a ouro e a garotas bonitas ninguém é digno
de confiança.
- E quanto a si, Nolan? - Foi a primeira vez que ela me tratou assim.
- Eu também não. Estou tão esfomeado por ouro como qualquer outro homem.
- E por mulheres?
- Sim, até certo ponto. A minha mãe habituou-me a respeitar as mulheres.
Ela permaneceu calada durante um longo momento e, por fim, disse baixinho.
- Não confio em ninguém, Nolan.
- Deve confiar em Loomis, pelo menos. De outra forma não teria vindo até aqui com ele.
- Ele tem idade suficiente para ser meu pai. Ou meu avô, quase. Além disso, quem arranjaria para me acompanhar? Você ensinaria alguém a encontrar um tesouro escondido,
e em seguida deixava-o sozinho, pura e simplesmente, esperando apanhar um quinhão?
- Não.
- Também eu não faria uma coisa dessas.
Afastámo-nos do acampamento antes da primeira luz da manhã. Viam-se agora numerosos arbustos, e mais cactos do que anteriormente. Retirei a "Winchester" do coldre
da sela e passei a cavalgar com a arma na mão. Descrevemos um ângulo para Noroeste, a caminho de uma passagem no Perico Creek, ao Sul de Rabbit Ears.
Eu e o meu cavalo seguíamos afastados, ora à frente, ora atrás do carro, mantendo-o sempre vigiado. Não obstante, eu procurava não oferecer um bom alvo pelas costas.
Onde estariam Sylvie Karnes e os irmãos? E que seria feito de Steve Hooker?
Subindo a uma pequena colina, vi o vulto de Rabbit Ears, ao Norte surgindo acima do horizonte e a uma grande distância. Eram apenas duas ele-
vações quase insuficientemente altas para receberem o nome de montanha naquela região. E mesmo àquela distância se percebia a razão por que lhe tinham dado tal nome.
Pareciam efectivamente as duas orelhas de um coelho.
Era quase meio-dia e estávamos a cerca de uma milha do vau. No terreno plano não se via a montanha, e nada disse aos outros.
O meu pensamento estava ocupado com a ideia de que a algumas milhas de distância se encontrava uma quantidade de ouro como poucos tinham visto, e, a menos que o
meu palpite saísse errado, meia dúzia de essoas achavam-se prontas para morrer por aquela fortuna.
Perguntei a mim próprio por que razão eu não dava o salto? Para que ia meter-me numa coisa que não me dizia respeito? O melhor seria deixar que os demoníacos Karnes
e os outros lutassem uns contra os outros... Valeria qualquer quantidade de ouro tal risco? Eu tinha as minhas dúvidas.
Para mim, teria sido muito fácil dar meia volta ao cavalo e afastar-me de tudo aquilo. A poucos dias de viagem para Oeste ficava Mora, onde tinha parentes. Ao Norte
as vilas mineiras, onde um homem podia governar-se, de uma maneira ou de outra. Com um leve puxão das rédeas, afastar-me-ia daqueles problemas, e nada mais teria
que me preocupasse senão os Comanches.
O pior é que estava ali uma garota e, embora eu não fosse bom, não podia deixar uma garota sozinha com uma matilha de lobos.
O bom-senso aconselhava-me a dar meia volta e a correr, mas, a despeito disso, fiz o cavalo avançar para o vau do Perico.
.. E a caminho de uma barrigada de sarilhos.
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SETE.
Steve Hooker, Tex Parker e Charlie Hurst encontravam-se sentados sobre as suas montadas do outro lado do vau, bloqueando o caminho. Todos eles tinham espingardas,
e conservavam-se imóveis. Hooker sorria. Eles esperavam certamente que eu parasse.
- Vocês querem alguma coisa? - gritei-lhes.
- Dêem meia volta e vão-se embora! -berrou Hurst. Nesta altura, eu tinha já atingido o princípio da água.
A água não tinha mais de vinte centímetros de altura e o leito do rio era bastante duro. Esporeei o cavalo, atravessei o vau, subi à margem oposta e achei-me junto
dos três cavaleiros, antes que eles tivessem bem a noção de que eu não ia parar e par- > lamentar.
Eles estavam convencidos que eu ia perder tempo a falar, mas quando me vejo diante de complicações não fico com disposição para conversas. Detive-me ao pé deles,
larguei as rédeas e cobri-os com a minha espingarda.
Hurst tentou dobrar bruscamente o tronco para a frente, mas o cano da "Winchester" apanhou-o por trás da orelha e obrigou-o a cair da sela. Parker avançava para
mim quando fiz avançar o cano da espingarda, acertando-lhe em cheio num dos lados da cabeça. Ouviu-se um som cavo,
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semelhante à pancada de um machado num tronco, e Parker ficou fora de acção. Agarrei prontamente as rédeas e apontei a espingarda contra Steve Hooker. Este fazia
um movimento para virar a espingarda para mim. Dei-lhe um tiro, propositadamente alto; acertei-lhe num ombro. Ele estremeceu, mas aguentou-se na sela, deixando escapar
a arma da mão. Hooker principiou a praguejar, e eu disse-lhe: -Ainda tem uma mão. Quer ficar sem nenhuma?
- Você meteu-se num sarilho dos diabos! - gritou ele para mim. - Sabe quem são estes homens?
- Decerto. Pertencem ao bando do Bill Coe. Conheço-os a todos e pode dizer a Coe que já sabe onde pode encontrar-me, quando lhe apetecer procurar-me.
- Acha que ele não o procura?
- Exactamente. Conheço o Coe e ele conhece-me a mim. Você teria de lhe pôr um bom peso de ouro nas mãos antes que ele se decidisse a procurar-me.
O carro desceu para a água e fez alto abruptamente.
- Que se passa aqui? - perguntou Loomis em voz alta.
- Nada de importância-respondi. Debrucei-me da sela e peguei Parker pelo colarinho, afastando-o do caminho. Ambos os cavalos, libertos dos cavaleiros, tinham-se
afastado para bem longe. - Continue a andar. Estes rapazes pretendiam obrigar-nos a parar, mas mudaram de ideias.
Penelope parecia muito chocada, e uma grande palidez cobria-lhe o rosto.
- Esses homens... estão mortos? - indagou.
- Não, minha senhora. Amanhã é que vão ter grandes dores de cabeça.
- Era necessário fazer isso? - quis saber Loomis.
- Como o senhor queria atravessar o riacho, era necessário. Quis que o levasse a um determinado sítio, e é precisamente isso que estou a fazer.
Esporeei o cavalo, subi a margem até ao trilho,
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e o carro seguiu-me ruidosamente. Não me interessava nada o que Loomis pudesse pensar, mas a expressão de Penelope preocupou-me. Há muita gente que ouve falar em
violência, mas nunca chega a ter contacto com ela, nem conhece homens habituados à violência. Uma coisa tinha eu aprendido havia muito tempo: não se deve perder
tempo a falar. Quando é preciso falar, deixa-se a conversa para depois da acção.
Durante todo o percurso, eu não cessara de procurar marcas dos rodados de um carro. Não me parecia que o grupo dos Karnes - Sylvie, Ralph e Andrew - pudessem andar
mais depressa do que nós, mas nunca é de boa política subestimar um adversário.
Atravessávamos agora outra imensa planície. Era uma região em que se viam veios de lava, aqui e além, erva castanho-amarelada, matizada de verde. Distinguia-se também
o verde vivo das mimosas e as estranhas formas dos cactos. Ouviam-se as cigarras a cantar incessantemente nos arbustos e, de vez em quando, via-se uma cascavel enroscada
à sombra do mato.
Esta era a região onde corriam os búfalos, a região do mustang, bravia e livre. Talvez eu nunca chegasse a possuir muito dinheiro na minha vida, mas tinha bem gravadas
as imagens desta terra maravilhosa, as imagens de um dos mais grandiosos cenários que um homem pode ter a bênção de apreciar.
O meu cavalo também gostava. Sempre que subíamos a uma colina, as narinas dele abriam-se mais para sorverem o vento, sacudia levemente a cabeça, com as orelhas espetadas,
de olhos fixos na distância imensa.
Nós éramos como que uma parte desta região, o mustang castanho e eu. As nossas naturezas adaptavam-se perfeitamente, e a nossa maneira de viver era a que a região
exigia.
Já me referi a William Coe. Coe não era homem
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que eu pudesse encarar de ânimo leve. Ele tinha um bando e estava aquartelado numa fortaleza rochosa, situada ao Norte do ponto onde nos encontrávamos, no Cimarron.
Os homens de Coe eram duros e desprovidos de escrúpulos. Coe era um homem sóbrio e, conquanto fosse efectivamente um fora-da-lei, não se deixava arrastar para qualquer
aventura. Eu não desejava sarilhos com Coe, e ele não procuraria sarilhos comigo... a não ser que houvesse bom dinheiro em jogo.
Se conseguíssemos arrancar da terra todo aquele ouro - cento e cinquenta quilos - haveria bastante dinheiro em jogo e tudo seria de admitir. Coe, porém, não se interessaria
em tirar um desforço apenas por eu ter maltratado alguns dos seus homens. Coe sabia bem que eles eram suficientemente crescidos para tomarem conta de si.
Coe conhecia-me talvez tão bem como eu próprio, porque as nossas relações eram muito antigas. Ele sabia que para mim os sarilhos eram uma espécie de irmão de sangue,
e que eu não era homem para recuar ou para me ir abaixo, sucedesse o que sucedesse. Quando os sarilhos surgiam, quando era forçado a enfrentá-los, tinha uma espécie
de reflexo,
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e atirava-me para a frente. Tinha em mim algo de bravio, uma temeridade exagerada que me desagradava. Não ignorava que as coisas tinham de ser encaradas com frieza,
que este era o melhor caminho, mas, por vezes, sentia-me como uma roda a girar loucamente e começava a atirar chumbo e socos ao que me aparecesse como perigoso obstáculo.
Ainda um dia havia de acabar estendido num sítio qualquer, por causa disto.
O vulto de Rabbit Ears era agora perfeitamente visível. Loomis e os outros distinguiam também as duas curiosas elevações. Aproximei-me do carro. - Ali está a montanha,
Loomis - disse ao velho -, e seja o que for que aconteça, já não deve tardar. Se pudermos chegar em primeiro lugar e apoderar-nos do ouro, talvez seja possível evitarmos
uma luta. Mas não dispomos, certamente, de muito tempo.
- De quanto tempo dispomos?
- Talvez um dia... talvez um dia e uma noite; não mais.
- Acha que foi o Hooker quem chamou aqueles loucos? Ou estariam eles a trabalhar por conta de outra pessoa?
- Penso que aquele número foi dirigido por ele, mas as coisas podem passar-se de modo diferente daqui em diante. Aqueles dois homens eram bandidos do bando de Coe...
e o abrigo deles não fica muito longe. Se Coe ouve falar no ouro, e se nós o conseguirmos retirar do esconderijo, teremos uma luta a sério.
- Coe tem muitos homens?
- Entre três e trinta; depende dos que estiverem de momento no covil. Mas serão em número bastante.
Deixei-me ficar para trás e segui uma trajectória paralela à do carro, a certa distância. Fui estudando o terreno, à procura de alguma pista. Notaram-se indícios
de certo movimento naquelas imediações, e este facto inquietou-me. Rabbit Ears não ficava muito longe do Trilho de Santa Fé, mas não era habitual tanto movimento
fora do trilho.
Eu era idiota em fazer esta viagem à procura de um tesouro de que nenhum quinhão me tinha sido oferecido. Guiara-os até ali, e, possivelmente, teria de escolher
entre abandonar ou não Penelope aos seus amigos e aos seus inimigos, ou continuar a acompanhá-los, meter-me em grandes sarilhos, e, provavelmente, não receber quaisquer
agradecimentos no fim.
Ela, porém, era uma garota bonita, com uns olhos brilhantes que conseguem grandes coisas, e eu tinha sido um idiota ao habituar-me a olhar para eles. Sendo eu um
homem pouco atraente, a exteriorização do romance no meu coração nunca
vai além do nariz quebrado, ou, pelo menos, as garotas parecem não ver para além dele.
Nos montes do Tennessee tínhamos poucos livros para ler, e eu pouco mais aprendi do que soletrar as palavras; todavia, existiam lá diversas obras de Sir Walter Scott,
e tínhamos também um professor ou um pregador que se encarregava de os ler. Eu sonhava ser Ivanhoe, e via-me como ele, mas era sempre visto pelos outros como se
fosse o cavaleiro Norman.
Apesar de idiota como era, andava sempre a meter-me em sarilhos por causa de uns lábios bonitos ou de uma expressão doce nos olhos de uma garota. Desta vez o caso
não era diferente. Mesmo quando me ocorreu a ideia de dar meia volta e partir, eu sabia que não podia fazer tal coisa, embora soubesse também que cada vez era maior
o risco de levar com uma bala nas costas, disparada pelo velho irritadiço que seguia no carro. Ou talvez disparada pelo mestiço tranquilo, que nada dizia, mas que
tudo via e ouvia. Era preciso ser cuidadoso em relação a Flinch, pois deste tudo havia a recear.
A montanha achava-se próxima e, por este motivo, acerquei-me do carro. O fraco que sentia por Penelope não obrigava a dar tratamento especial a Loomis. Se ele quisesse
sarilhos, eu me encarregaria de lhos servir, quentes e bem passados, e garantia-lhe uma valente indigestão.
- Lá está Rabbit Ears - disse ao velho. - Sabem certamente onde hão-de encontrar o ouro de Nathan Hume.
Loomis, que conduzia naquele momento, fez parar o carro, meteu a mão no bolso e pagou-me cinquenta dólares.
- Aqui tem o seu dinheiro - disse-me. - Já recebeu, e não encontramos mais utilidade nos seus préstimos.
Penelope tinha o olhar cravado num ponto indefinido, à sua frente. Dirigi-lhe a palavra.
- Que diz, minha senhora? Se quer que eu fique
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e que a acompanhe até sair daqui em segurança com o ouro, fá-lo-ei, sem exigir qualquer pagamento.
- Não - respondeu ela, sem me fitar. - Não, nada mais preciso de si. O Sr. Loomis tratará de tudo.
- Não duvido - retorqui. Virei o cavalo, mas não desviei o olhar, pois tinha a certeza de que Loomis não hesitaria em matar um homem pelas costas se dispusesse de
oportunidade. Naquele momento quase desejei que ele tentasse disparar, para ter um pretexto para o deixar estendido em cima do assento do carro.
Contornei uma colina baixa e parei junto da sombra de um grupo de mimosas.
Tornara a suceder: a donzela vira em mim apenas o cavaleiro Norman.
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OITO.
Tinham dado ordem para me pôr a mexer e, por conseguinte, não havia motivo para continuar ali. Penelope Hume não dissera uma única palavra para eu ficar. Além disso,
aquele terreno não era o que mais me agradava, e sentia já saudades de árvores e montanhas, embora nada tivesse a dizer contra as imensas planícies.
Rabbit Ears, com as suas duas saliências, era formada por rocha basáltica, ou lava, se preferirem. Existiam antigos vulcões para Norte, e toda aquela região havia
sido rasgada por chamas vulcânicas, muitos anos antes.
Como já disse, Rabbit Ears não constituía precisamente aquilo a que se chama uma montanha. Era antes um grupo de montes contíguos, de encostas suaves na periferia.
No ponto mais elevado devia ter cerca de trezentos metros.
Fiz o cavalo descrever um largo círculo em direcção ao Norte, bebi água, dei de beber ao cavalo no Rabbit Ears Creek, e em seguida acompanhei o curso do riacho
para Oeste. No flanco Nordeste da montanha encontrei uma brecha nas rochas, encoberta por arbustos e árvores baixas, onde havia uma zona coberta de erva bem verde,
irrigada por qualquer corrente subterrânea da montanha.
Prendi o cavalo junto à erva e, depois de trocar
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as botas por moccasins, trepei ao cimo da montanha. O Sol poente enviava os seus raios oblíquos, fazendo salientar todas as depressões da terra.
De um ponto situado ao pé dos arbustos próximos da margem do Rabbit Ears Creek erguia-se uma estreita faixa de fumo; devia ser, muito provavelmente, o acampamento
de Loomis, Penelope e Flinch.
Para Leste, talvez a umas sete ou oito milhas, distingui o que me pareceu um fio de fumo, e, perto deste, um ponto branco. A distância era tão grande, que, se o
sol não iluminasse o ponto branco, eu não o teria descoberto. Até mesmo o fumo poderia ter sido descoberto pela minha expectativa, depois de assinalar a minúscula
mancha branca. Esta não podia ser outra coisa além da lona de um carro... o carro dos Karnes, ou de outro grupo qualquer.
E Hooker? Hooker tinha ficado bastante ferido no ombro. Tex e Charlie Hurst ainda deviam sofrer de dores de cabeça. Seriam estas razões suficientes para os obrigar
a abandonar a luta? Pareceu-me improvável.
William Coe estaria no seu covil no Cimarron, muito mais próximo do que eu desejaria, pois Coe e o seu bando formavam um grupo duro e ameaçador. Ele lançar-se-ia
no combate ao mínimo sinal. E até ele próprio poderia dar este sinal.
O bando de Coe tinha atacado Trinidade, levava os seus ataques muito para Leste, chegando até Dodge, roubara gado pertencente ao Governo, em Forte Union. Eles tinham
coragem e audácia. Se decidissem caçar-me, ver-me-ia em graves complicações.
No lado Norte de Rabbit Ears, todas as ravinas desciam na direcção do Cienequilla Creek.
A localização do canyon fechado não era do meu conhecimento, e poderia ser num ponto qualquer entre a montanha e o riacho, ou até na encosta do outro lado.
Depois de descer a encosta, prendi o cavalo
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junto de outra zona coberta de erva e preparei uma cafeteira de café fresco, utilizando troncos que produziam muito pouco fumo. No canto onde me encontrava, o fumo
não poderia ser visto a mais de cinco metros de distância.
Um homem que pretende não ser visto, ou que percorre território índio, bem cedo aprende a descobrir locais como este. A sua vida depende desta habilidade. E se atravessa
muitas vezes regiões, como sucedia comigo, fixa na memória uma série de lugares que teria como pontos de escala nas suas viagens.
Sentado ao lado da fogueira, limpei a pistola, com a "Winchester" à mão, preparada para qualquer eventualidade. Em seguida examinei as minhas duas facas. A que eu
usava por trás do pescoço, dentro do colarinho da camisa, deslizou lindamente dentro da bainha. Numa ou duas ocasiões em que passara pelo meio de arbustos ou por
baixo de pequenas árvores, ficara com pedacinhos de folhas e de troncos.na bainha, e eu sabia que, provavelmente, viria a necessitar muito desta faca nos próximos
dias.
Mais tarde, já deitado debaixo dos cobertores, fiquei a olhar as estrelas através dos espaços entre as folhas das árvores. A fogueira estava reduzida a um monte
incandescente e a cafeteira encontrava-se ainda quase cheia. Apesar de me sentir exausto, não tinha vontade de dormir.
Os meus ouvidos principiaram a estudar todos os pequenos ruídos que me cercavam. Eram ruídos de pássaros, de insectos, de animais nocturnos, todos eles familiares
para mim. Porém, os sons tinham as suas diferenças em cada lugar. Os troncos secos produziam ruídos muito especiais; a erva e as folhas sussurravam de maneira distinta,
e não se encontravam dois lugares em que os sons fossem exactamente iguais.
Antes de adormecer, nunca me esquecia de analisar os ruídos que me rodeavam. Era um truque
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que me tinha sido ensinado por um velho mexicano, pastor e homem das montanhas.
Além disso, o cavalo encontrava-se perto, e, como já tive ocasião de dizer, não há nada melhor do que um mustang para avisar um homem de qualquer ruído estranho.
Neste aspecto, assemelhava-me muito a ele. Eu era uma espécie de homem-mustang, um homem que corria pela imensa pradaria, pelas mesas elevadas, as cristas solitárias.
Quanto a Penelope...
Não tinha tempo para pensar nela. Forçando os meus pensamentos a afastarem-se dela, considerei a situação. Sylvie Karnes e os irmãos queriam aquele ouro, e nada
os deteria para o obterem. Nunca tinha encontrado ninguém como eles, e a sua presença inquietava-me. Conhecera muitos tipos capazes de matar por dinheiro, por ódio,
ou por uma porção de outras razões, mas nunca vira ninguém com tamanho desejo de matar pelo simples prazer de matar.
Tão certo como dois e dois serem quatro, o café que Sylvie me tinha oferecido estava envenenado. Não me admiraria que ela tivesse deixado alguns homens mortos no
seu caminho, e que ainda viesse a matar alguns no futuro.
Loomis pretendia o ouro, mas queria igualmente a garota. Precisaria dela até descobrir o ouro. E depois? Este seria o momento em que Penelope se veria sozinha,
a enfrentar uma situação que talvez não pudesse resolver.
Teria ela efectivamente desejado continuar a viagem sem mim? Ou teria sido obrigada pelos outros a desenvencilhar-se da minha companhia? Penelope nem sequer me olhara,
ao dar-se a separação. Talvez a tivessem convencido, mas também era possível que Loomis a houvesse ameaçado.
A lei e a ordem eram feitas para as mulheres. Elas sentiam-se protegidas. No entanto, numa região bravia como aquela, uma mulher teria somente a protecção que os
homens quisessem.
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Penelope Hume achava-se muito distante de qualquer segurança da lei, e era até provável que ninguém soubesse onde ela estava ou para onde se dirigia. Loomis deveria
ter tido este cuidado. Se a garota não voltasse a aparecer, ninguém faria perguntas; se alguém as fizesse, ninguém lhe responderia. Muitos homens e mulheres haviam
desaparecido nas terras do Oeste, abandonados numa sepultura anónima, ou até sem qualquer sepultura.
A lei da região era a lei local, e administrada apenas nas povoações. Poucos agentes da lei se aventuravam nas terras não colonizadas, e menos que fossem agentes
federais, e, neste caso, a sua actividade limitava-se ao Território índio...
Estes eram os meus pensamentos no instante em que montei e acabei de descer a encosta da montanha, procurando não ser visto. O canyon fechado não seria fácil de
localizar, mas, para mim, que conhecia muito bem a região, a sua descoberta talvez não constituísse grande problema. Já o mesmo não sucederia provavelmente a Loomis
e ao grupo dos Karnes.
E se eu conseguisse lá chegar em primeiro lugar e trouxesse o ouro? Os tesouros são propriedade de quem os encontra, não é assim? Esta ideia inquietava-me. E Penelope?
Não me preocupava com Sylvie... Uma garota como esta saberia governar-se. Penelope era diferente. Não poderia deixar de lhe entregar uma parte do que descobrisse.
Ela era bonita, e uma pequena da cidade. Ambas as qualidades serviam apenas para a pôr em perigo. Era bastante bonita para atrair sarilhos, e possuía demasiada experiência
da cidade para lidar com a gente desta região.
Precisamente por trás de mim havia um sítio onde o canyon que eu percorria tinha uma abertura. Havia árvores ao longo do riacho, bem como árvores e arbustos em torno
da montanha. Abrandei a marcha e olhei atentamente em frente, procurando indícios de algum movimento.
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O melhor seria descer por ali, descobrir o canyon onde estava escondido o ouro, se pudesse, em seguida procurar Penelope e os outros, e tirar a garota de complicações.
Eu pensava que ela estaria em segurança até eles encontrarem o ouro ou fracassarem nas buscas; depois disto, Penelope seria uma presa fácil. Porém, não era minha
intenção abandoná-la, Ela precisava de alguém que a protegesse.
Tinha à minha frente alguns arbustos baixos; e na encosta da montanha meia dúzia de pinheiros.
Começava a contornar um penedo quando descobri subitamente um relâmpago de luz. Dobrei-me para a frente. Algo embateu violentamente contra a minha cabeça, e o mustang
relinchou. O som de uma detonação ecoou pelo canyon, seguida de outra; dei comigo deitado no chão, no meio de uma porção de pedras, a olhar para uma mancha vermelha
na areia.
O instinto dizia-me que era preciso sair dali, mas não consegui mexer um músculo. O meu cérebro ordenou-me que começasse a mover-me, mas nada aconteceu. De repente,
ouvi uma voz gritar:
- Ralph! Não avances mais! Sempre atirei melhor do que tu, e se te aproximas um passo mais, parto-te uma perna!
- Pen! Não sejas idiota! Viemos apenas ajudar-te. Se soubesses o que nós sabemos a respeito de Loomis...
- Não preciso de ajuda. Vai-te embora e deixa esse homem em paz.
- Mas ele também quer o ouro! Temos de nos ver livres dele, Pen!
- Vai-te embora, Ralph! Tu, a Sylvie e o Andrew o melhor que têm a fazer é voltar para casa. Vocês não sabem onde está o ouro, e só sabendo o poderiam encontrar.
Ralph soltou uma gargalhada desagradável.
- Nós não precisamos de o encontrar, Pen. Vamos deixar esse trabalho a cargo de Loomis e de ti!
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- Ouviste bem o que eu disse, Ralph. Vai-te embora e deixa-o em paz.
- Vou matá-lo, hen. Se não está ainda morto, vou matá-lo.
- Ralph - disse Penelope sem alterar o tom de voz -, se deres mais um passo e eu não conseguir fazer-te parar partindo-te uma perna, dou-te um tiro em cada perna
e deixo-te aí estendido. Ninguém te encontrará, excepto talvez os abutres.
Ralph deve ter acreditado na ameaça. Não percebi muito bem a razão por que ele acreditou, mas talvez ele conhecesse a garota melhor do que eu.
Durante toda esta conversa, continuei a não poder mover-me. Estava estendido no meio das pedras, aparentemente paralisado. Podia ver, podia ouvir, mas não era capaz
de me mexer. E não deixara de compreender que se a moça não aparecesse ali com uma espingarda, Ralph Karnes ter-me-ia liquidado.
Passado algum tempo, Penelope voltou a falar, mas de forma que apenas eu a pudesse ouvir:
- Senhor Sackett? Está bem?
Achei a pergunta idiota. Pensaria ela que eu ia ficar ali deitado se estivesse bem? Tentei falar e, finalmente, consegui articular um som muito fraco. Depois tentei
mexer-me. Fiz um grande esforço, senti uma espécie de enorme espasmo dentro do corpo, mas nada mais aconteceu.
Em seguida ouvi-a aproximar-se. Pelo menos, contava que fosse Penelope.
Ela desceu as rochas como se tivesse nascido no meio delas, sem deixar de olhar atentamente em volta, para se certificar de que não havia ninguém emboscado. De súbito,
apareceu ao pé de mim e observou-me. Fitei-a bem nos olhos.
- Ainda está vivo - comentou. Inclinou o corpo para a frente, aproximando-se mais. - Não pode ficar aqui. Ele vai aparecer com os outros. O Ralph sabe que o feriu.
Penelope colocou o meu braço sobre o ombro dela e tentou levantar-me.
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Não consegui, pois não dispunha de força bastante.
Por fim, mexi os lábios e falei:
- ...Cavalo... Vá buscar o meu cavalo...
Ela levantou-se rapidamente e afastou-se.
Entretanto tentei mover a cabeça, desta vez com alguns resultados; em seguida agarrei-me à ponta de uma pedra e fiz força. A pedra aguentou e ergui-me ligeiramente.
Com dificuldade, consegui levar a mão até à parte superior de uma rocha, mas a mão parecia inerte e caí novamente. Afigurava-se-me impossível obrigar os dedos a
fazer os movimentos que eu pretendia, e a cabeça principiara a latejar furiosamente. Não devia estar ferido com gravidade, pensava eu. Talvez pensasse deste modo
por saber perfeitamente que estar gravemente ferido naquelas circunstâncias era o mesmo que estar morto; todavia, tinha sido atingido na cabeça, ao que parecia,
e sofrera, pelo menos, uma paralisia temporária.
Para um homem que tinha passado a vida dependendo constantemente dos seus músculos e dos seus reflexos, nada havia de mais assustador do que o estado em que parecia
encontrar-me naquele momento. Até então tinha vivido à custa da força e à minha destreza em disparar qualquer arma, e, sem isto, eu não era nada. Nunca tivera oportunidade
para frequentar a escola e instruir-me. Se não pudesse contar com os meus músculos, nada mais me restaria.
Descobri que podia mover os dedos da outra mão, como uma garra, abrindo-os e fechando-os. Agarrei-me com essa mão à aresta de uma rocha e consegui levantar o corpo
até ficar de joelhos.
Eu sabia que era preciso sair dali. Os malditos Karnes não tardariam a aparecer para me caçarem. Se eu estivesse morto, quereriam ver o cadáver; e se não estivesse,
acabariam comigo.
Penelope reapareceu, trazendo o mustang. Surpreendeu-me a facilidade com que o animal a acompanhava,
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ele que era tão tímido com desconhecidos. A verdade é que aquela garota tinha qualquer coisa... e também coragem.
Quando o cavalo chegou ao pé de mim, agitou-se nervosamente ao cheirar sangue, que agora me ia escorrendo pela cara. Falei-lhe com suavidade:
- Calma, menino... Vá... calma...
Com a mão que trabalhava normalmente agarrei a correia do estribo. Penelope passou um braço em torno da minha cintura, e com o impulso dela e o esforço que eu fazia
no estribo, consegui pôr-me de pé. O cavalo, porém, deu um passo, e quase me estatelei outra vez. Foi a garota que sustentou o meu peso.
Principiámos a avançar. Quis mover as pernas, mas sem resultado. Ainda mal tínhamos percorrido vinte passos quando Penelope, depois de olhar para trás, por cima
do ombro, me largou abruptamente. Tentei desesperadamente agarrar o estribo com a mão para me aguentar sem ficar estendido no chão.
A garota levou a espingarda ao ombro e disparou quase no mesmo instante. Fez fogo uma vez mais. O mustang continuava a andar na direcção dos arbustos, arrastando-me
com ele.
- Anda, anda! -Ao ouvir-me, o cavalo, depois de uma breve hesitação, prosseguiu.
Ouvi uma detonação, e uma bala acertou na areia, perto de mim. O tiro que se seguiu perdeu-se noutro sítio qualquer acima da minha cabeça. O cavalo deu um salto,
mas continuei firmemente agarrado ao estribo até ele me levar junto de um grupo de zimbros. Depois larguei-o e caí com a cara na areia.
Penelope disparou outra vez, e em seguida ouvi-a correr sobre as rochas. Depois tudo ficou silencioso.
O mustang tinha-se imobilizado entre as árvores, com as narinas muito abertas. Eu tinha a cara húmida, devido ao sangue e ao suor, e todo o meu
corpo tremia. A "Winchester" estava na sela e eu não podia chegar-lhe.
Teria a garota sido atingida? Reinava um silêncio profundo. O sol estava muito quente. Chegava-me às narinas o cheiro da terra, do suor e do sangue. Levei a mão
ao cinturão, retirei a correia que prendia o "Colt" e empunhei a arma.
Não se notava o mínimo movimento, nem se ouvia um ruído.
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O cavalo sacudia a cauda, chegou o focinho junto de uns arbustos, e, subitamente, espetou as orelhas, atento. Ergui a cabeça, com esforço. Distingui apenas a parte
inferior dos troncos das árvores e rochas. Por baixo de mim havia sangue sobre a areia; sangue meu.
Que tinha sucedido a Penelope? E onde estava Loomis? Por qualquer razão, não tinha ainda pensado nele, nem em Flinch.
Eram os Karnes que me preocupavam. Deviam ter sido os Karnes os responsáveis pelo tiroteio. E onde estaria Steve Hooker e os seus homens? Deviam certamente ter ouvido
o ruído dos tiros, mesmo que estivessem a algumas milhas de distância, porque os sons propagavam-se com muita facilidade naquelas extensas planícies.
Estendi o braço, enlacei uma raiz com os dedos e cheguei-me mais para o tronco de uma árvore. A árvore era muito estreita, mas eu não me encontrava em posição de
discutir.
O pior era nada conseguir ver. Dispunha de uma certa protecção embora ineficaz, mas não podia ver se alguém se aproximava.
E Penelope? Estaria viva? Não tinha nenhum meio de me deslocar para averiguar o que sucedera à garota. Tudo o que me era possível fazer era ficar ali, à espera,
de arma em punho.
O mustang bateu com os cascos no chão. Algures, uma pedra rolou. Larguei a pistola durante um momento, enquanto enxugava a palma da mão na camisa. Depois pousei
cuidadosamente a arma em cima de uma raiz e comecei a friccionar os músculos do outro braço,
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tentando dar-lhe vida. Doía-me muito a cabeça, mas o sangue parecia ter parado de correr. Tornei a empunhar a arma, receando o risco de ser apanhado sem ela.
Sentia um latejar incessante na cabeça, e tinha a garganta seca; precisava de beber água. Havia água no riacho e no cantil suspenso na sela, mas qualquer das coisas
me parecia tão intangível como a outra.
Apoiado no tronco de árvore, ergui um pouco mais o corpo. O silêncio parecia-me pesado de mais, e receava que alguma coisa tivesse sucedido a Penelope.
Perscrutei por cima dos arbustos tentando vê-la, mas não distingui sinais da garota. Olhei para lá da abertura do canyon e percorri com os olhos, vagarosamente,
a parede rochosa e os penhascos à entrada do canyon, e em seguida examinei a encosta pontilhada por árvores que se inclinava gradualmente até à crista.
Nada...
Então, de súbito, senti um ligeiro movimento atrás de mim. Voltei a cabeça e espreitei pela pequena clareira entre as árvores e os arbustos. O mustang tinha a cabeça
levantada e as narinas muito abertas, e olhava sobre a minha direita. Voltei mais a cabeça, com dificuldade.
Andrew estava parado entre dois aglomerados de mimosas, e com um cacto diante dele, que o cobria até à cintura. Tinha a espingarda erguida, pronta para disparar,
e os olhos do irmão de Sylvie examinavam atentamente os arbustos espessos, perto de mim, procurando descobrir-me.
E quando disparasse, atiraria para matar.
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NOVE.
Andrew Karnes não se encontrava a mais de vinte metros de distância, mas não podia ver-me com facilidade em virtude de eu estar escondido sob os zimbros baixos.
Os olhos dele moviam-se rapidamente, como olhos de uma doninha, buscando algo para matar.
Eu empunhava a pistola com a mão direita, e via-o olhando por cima do ombro esquerdo. Para disparar precisava de me voltar, o que não poderia fazer sem ruído. Já
tinha tido ocasião de observar Andrew e sabia que ele era rápido e ágil como um gato - e não podia mover-me sem lhe conceder a vantagem do primeiro tiro. A distância
era muito curta para me arriscar. Continuei imóvel, com a esperança de que ele não me visse.
Andrew avançou um passo. Os olhos dele desviaram-se novamente para o cavalo e tornaram a esquadrinhar o local.
Resolvi arriscar-me. Era obrigado a arriscar-me. Quando os olhos dele se fixaram nas rochas mais afastadas, eu rolaria para o outro lado e faria fogo. Não ia ficar
numa posição ideal para disparar, mas não tinha outra alternativa. Estava em jogo a vida dele ou a minha.
O mustang fez ouvir novamente o ruído surdo dos cascos sobre a terra dura, e Andrew olhou na direcção onde ele se encontrava. Não querendo perder de vista o meu
adversário, levantei a mão esquerda
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até junto do ombro esquerdo e, em seguida, fiz passar a mão direita por baixo do corpo.
Na realidade, não fazia ideia se seria capaz de realizar o meu intento. A mão esquerda principiou a mover-se diante do corpo. Os meus olhos não se afastavam de Andrew;
a mão direita começou a subir... e, de súbito, ele descobriu-me.
Andrew deve ter duvidado do que via. Ou talvez as sombras fossem muito profundas e ele não pudesse distinguir com clareza. O rapaz ficou como que paralisado durante
um instante. E, de repente, levou a arma ao ombro.
Movi-me ao mesmo tempo que ele; a mão esquerda pousou-se no chão e a direita avançou. A pistola disparou-se talvez cedo de mais, ou talvez ele tenha feito fogo precipitadamente;
a verdade é que a bala se esmagou no solo, exactamente no sítio onde eu tinha estado até fazer rolar o corpo.
O meu tiro saiu alto, e abriu um sulco na parte superior do ombro de Andrew, e o movimento involuntário obrigou-o a desviar a espingarda. Ele meteu outro cartucho
na câmara, mas não teve ocasião para disparar. O meu segundo tiro acertou-lhe na cara. Também este saiu alto, pois eu pretendia atingi-lo no corpo. A bala penetrou
por baixo de um dos olhos de Andrew e saiu pela nuca.
Ele caiu para a frente, de braços abertos, sobre o cacto volumoso. A espingarda, lançada para a frente no momento da queda, tombou em cima do terreno arenoso. Mantive
a pistola apontada, preparada para disparar de novo, mesmo até depois de constatar que a bala lhe tinha arrancado parte da nuca.
Com movimentos febris, retirei os dois cartuchos vazios do tambor e substituí-os por outros dois.
Fiquei à escuta durante algum tempo, mas não distingui o mínimo ruído. Agarrei-me aos ramos de uma árvore e, com espanto, verifiquei que conseguia pôr-me de pé.
Os efeitos do choque,
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que me tinham posto temporariamente fora de acção, estavam a desaparecer.
O meu primeiro movimento foi na direcção da espingarda, visto que a minha se achava na sela e eu não sabia onde estava o irmão Ralph. Dei alguns passos vacilantes,
peguei na arma e olhei cautelosamente à minha volta.
O silêncio persistia. Ignorava quantos pares de ouvidos tinham escutado as detonações e se conservavam agora alerta. Desejava apenas que Penelope fosse ainda capaz
de ouvir.
Continuava a doer-me a cabeça. Rodeava cada passo dos maiores cuidados, pois não fazia nenhuma ideia da gravidade do meu estado. Levei os dedos à cabeça. Havia um
sulco profundo por cima da orelha, que se estendia pelo couro cabeludo, quase até à nuca. Conduzi o cavalo à mão, porque em cima da sela seria mais facilmente visível,
e comecei a descer o rosto da encosta suave, que se dirigia para o riacho. Parava de vez em quando, tentando conservar as forças.
Antes de montar e de me afastar, estudei minuciosamente toda aquela área, sem, no entanto, no* tar sinais de vida ou de movimento. O que mais me preocupava era o
facto de não saber o que estava a passar-se e de ignorar onde estava toda aquela gente que se empenhava em deitar a mão ao ouro. Penelope estivera perto, mas acabara
por se reunir sem deixar rasto. E do outro lado das árvores, Ralph podia estar ainda à espera, isto para não falar da flor venenosa que se chamava Sylvie.
Havia grandes e velhos choupos e salgueiros ao longo do riacho, e água. Logo que cheguei ao pé das árvores, desmontei e saciei a sede. Sentia vontade de comer, mas
não pretendia arriscar a cabeça fazendo ali uma fogueira. A minha fome não chegava a tanto. O que desejava acima de tudo era arranjar um bom sítio debaixo de uma
árvore e dormir, coisa que não tinha a mínima oportunidade de fazer.
104
Próximo de mim achava-se um velho e enorme choupo, cujas folhas pesadas não paravam um momento de se agitar. Ao olhar para cima notei as ramadas vigorosas e ocorreu-me
subitamente uma ideia.
Depois de prender o mustang a um arbusto, improvisei uma bandoleira para a espingarda com dois troncos flexíveis, estendi os braços e agarrei o braço mais baixo
da grande árvore. As folhas e as outras árvores das imediações ofereciam-me um bom esconderijo. Fui subindo cuidadosamente, até atingir uma altura de cerca de seis
metros, que me permitiu ver toda a área que me rodeava.
A primeira coisa que vi foi uma nuvem de poeira. Achava-me ainda a uma certa distância, e os cavaleiros que a produziam estavam ainda encobertos pelas rochas. A
experiência dizia-me que devia ser cerca de meia dúzia de cavaleiros.
Não muito longe distingui uma porção de ossos, já muito esbranquiçados pela prolongada acção do sol. Seriam os ossos das mulas da caravana de Nathan Hume? Lembrei-me
então que havia sido ali travada outra batalha, uns cento e cinquenta anos antes, quando um exército de pioneiros espanhóis tinha derrotado um grande grupo de comanches.
Reinava uma grande tranquilidade. O único som era o produzido pelo murmúrio das folhas do choupo, que pareciam nunca estar quietas. Decorridos alguns minutos, e
quando me preparava para descer, vi Sylvie Karnes surgir de trás das rochas, montando um cavalo baio.
Onde teria ela arranjado aquele cavalo? Pouco depois vi aparecer Steve Hooker, Tex Parker e dois outros cavaleiros que não reconheci. Aquilo afigurou-se-me ser movimento
de mais para um só rapaz do Tennessee, mesmo tratando-se de um Sackett. O bom senso não cessava de me dizer que eu devia afastar-me o mais depressa possível.
Sylvie, por si só, equivalia a uma caixa cheia de dinamite
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e nada queria com ela. Quando descobrissem Andrew morto - tudo levava a crer que ainda nada sabiam - ficariam com mais uma razão para me quererem apanhar.
O ouro é uma coisa difícil de conseguir e difícil de conservar, e Nathan Hume, ao comprar ouro de contrabando aos mineiros espanhóis de San Juans, nem sonhara o
sarilho que viria a provocar. Os antigos mineiros espanhóis preferiam vender secretamente o seu ouro a homens como Hume, a perderem uma parte importante do valioso
metal em favor do governo espanhol ou mexicano, isto sem falar nos governadores do Novo México. Aquilo que Hume principiara ia ter agora o seu epílogo.
O grupo chegou a um pequeno prado, a cerca de um quarto de milha do riacho, e todos desmontaram. Tudo parecia indicar que iam acampar.
Desci cuidadosamente da árvore. Sentia uma certa dificuldade em virar o pescoço, a cabeça continuava a latejar dolorosamente, mas os músculos tinham readquirido
grande parte da flexibilidade. Montei e fiz o cavalo caminhar a passo pelo meio dos salgueiros e cruzando o riacho, que não devia ter mais de trinta centímetros
de água.
Passei o resto do dia a estudar a área, tentando descobrir o canyon fechado. Sabia apenas que ele ficava algures ao norte de Rabbit Ears, o que pouco valia como
informação. E durante todo o dia mantive-me afastado do grupo dos Karnes. Agora que eles se tinham aliado a Steve Hooker e aos rapazes do bando de Coe, os meus problemas
multiplicavam-se. É evidente que eu não podia desejar aos homens de Coe pior sorte do que uma aliança com Sylvie. Ela era muito capaz de os envenenar a todos quando
tivesse o ouro... se o alcançasse.
Ao chegar a noite encontrava-me bastante para norte; andei mais algumas milhas e acampei num pequeno curso de água que ia desaguar no Cana-dian. Como estava a sete
ou oito milhas de Rabbit Ears,
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calculei achar-me em segurança. Preparei uma pequena fogueira que poderia cobrir com o chapéu, fiz café e cozinhei um pedaço de carne. Trazia comigo uma boa porção
de carne fresca, de um pequeno búfalo que tinha caçado ao princípio do dia.
Quando me preparava para beber o café, o mustang, que bebia no regato, levantou subitamente a cabeça, com a água a escorrer-lhe da boca, e fixou a escuridão, do
outro lado da água.
Em menos tempo do que leva a contar, escondi-me na escuridão, com a "Winchester" pronta.
- Calma com esse gatilho, meu amigo. Venho à procura de ajuda, não de sarilhos.
Eu conhecia aquela voz. Enquanto continuava imóvel, tentando identificá-la, o homem falou novamente:
- Esse cavalo conhece-me muito melhor do que a si. Fui eu quem lho deu.
- Avance para eu o ver.
- Tem de dar-me algum tempo. Estou ferido.
Resolvi arriscar-me. Aquela voz parecia conhecida, e apenas um homem podia saber como eu tinha arranjado o cavalo. Desci até ao regato e atravessei-o.
O velho jazia sobre as ervas da outra margem, e estava em más condições. Fora atingido mais do que uma vez; a mão esquerda achava-se completamente coberta de sangue.
Porém, o velho não era homem para desfalecimentos. Ele devia ter percorrido grande parte da margem do regato, e somente um homem invulgarmente vigoroso resistiria
a tamanho esforço.
Peguei nele e transportei-o para o local onde tinha acampado. Ele não devia pesar mais de sessenta quilos, mesmo encharcado, e eu já tinha conseguido levantar pesos
três vezes superiores.
O velho encontrava-se bastante ferido, mas a mão esquerda era o que mais me intrigava. As unhas haviam sido arrancadas e todos os dedos
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estavam cheios de sangue. Não podia ter sido vítima de um acidente.
- Comanches? - inquiri.
- Parentes - replicou ele, sombriamente. - As vezes conseguem ser piores do que os índios.
- É por acaso aparentado com a família Karnes?
- Encontrou-os?
- É verdade.
Comecei por deitar café numa chávena e ajudei-o a beber. O velho estava muito trémulo e precisava de algo que o estimulasse. Bebeu o café quente e forte, enquanto
eu punha água a aquecer para lhe tratar dos ferimentos.
- Parece-me que todas as pessoas que se encontram em Staked Plains são aparentadas umas com as outras - observei - , e todas querem descobrir o ouro de Nathan Hume.
- Eu tenho mais direito a esse ouro do que outro qualquer.
- Mais do que Penelope?
- Não me diga. Ela está aqui?
- Está, a menos que a tenham assassinado. Ela ontem salvou-me a pele... É uma excelente garota.
Depois de ele ter bebido o café deitou-se enquanto eu lavava os ferimentos produzidos por duas balas, nenhum deles muito grave, embora o tivessem obrigado a perder
muito sangue. Eu já tinha visto homens escaparem de ferimentos muito mais sérios. Na minha sela havia sempre uma porção de panos para serem utilizados como ligaduras,
pois um homem em fuga não pode consultar um médico sempre que precisa. Tratei os ferimentos o melhor que pude.
As unhas tinham sido já arrancadas havia algum tempo, mas o facto de rastejar entre os arbustos reabrira novamente as feridas.
- Você deve conhecer alguma coisa que eles querem desesperadamente saber - comentei.
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- É verdade. Eu sabia onde estava o ouro. E sei exactamente onde fica o canyon fechado.
- Admira-me que o tenham largado com vida.
- Eles incendiaram-me a casa e fugiram, deixando-me lá dentro. Eu estava muito ferido e eles nunca pensaram que eu escapasse. Consegui enganá-los.
- Parece-me que toda a gente resolveu ir à caça do ouro, e todos ao mesmo tempo.
- Que havia eu de fazer? Trabalhei com Nathan quando era um rapazito, e sabia onde ele tinha escondido o ouro. No entanto, achava que não tinha direito a ele enquanto
a viúva fosse viva. Muitos outros o procuraram, mas não faziam ideia nenhuma do sítio onde ele estava. Eu conhecia bem a maneira de pensar do velho Nathan, e tinha
a certeza de ser capaz de descobrir o ouro. Nathan era meu primo direito e eu a única pessoa de família que tinha trabalhado com ele. Muitas vezes fui a San Juans
para negociar com os homens que vendiam ouro. Os Karnes não sabiam onde eu estava, até ao momento em que você encontrou o carro deles. Logo que viram o ferro do
mustang, um NH entrelaçado, ficaram a saber que eu não me encontrava longe. Esta era uma das razões por que eles queriam desembaraçar-se de si.
- Porque só agora decidiu ir procurar o ouro? O velho fitou-me intensamente antes de responder.
- Você ainda não viu aquele lugar, nem ouviu certas histórias. Pois eu ouvi... Não há um índio que seja capaz de passar uma noite naquele canyon, e muito poucos
têm coragem para lá entrar. Falam em espíritos malignos, e talvez tenham
razão.
- Ainda não me disse o seu nome.
- Harry Mims... Mas não me interprete mal. Não foram os espíritos que não me deixaram entrar no canyon, mas, sim, os Comanches. Fiquei sem carro e equipamento por
duas vezes,
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e por duas ou três vezes também ia perdendo a cabeleira. Uma vez tive sorte e consegui chegar ao canyon antes de eles me atacarem. Bem, ficaram-me com o carro, e
discutiram tanto sobre a divisão do que me tinham roubado, que eu me escapei e fui esconder-me até passar o perigo. Levei duas semanas para regressar a Las Vegas,
e nem dinheiro tinha para pagar uma refeição. Arranjei trabalho na limpeza de um saloon, e mais tarde passei para encarregado do bar. Passaram seis meses antes que
eu pudesse equipar outro carro...
- Como veio até aqui?
- A cavalo... Como havia de ser? Eles roubaram-me alguns cavalos e espantaram os outros, mas os animais voltaram quase todos. Selei um e meti-me a caminho. Levei
algum tempo, mas aqui estou.
O velho recostou-se, para descansar. Ele estava tão esgotado que não tinha coragem de lhe fazer mais perguntas. Alguém o tinha atingido, mais do que uma vez, e ele
perdera grande parte das forças que lhe restavam na longa viagem. Era impressionante pensar no que aquele homem passara para chegar até ali.
- Que pensa fazer agora?
- Ainda me pergunta? Vou buscar o ouro, ou evitar que eles lhe ponham as mãos em cima, e, garanto-lhe, hei-de matar o Ralph Karnes.
- E a irmã?
Harry Mims permaneceu imóvel durante um momento, e depois fitou-me.
- Sackett, eu sei bem que ela merecia, mas não sou capaz de matar uma mulher. Sylvie mostrou ser a pior deles todos quando se lembraram de me torturar. A ideia de
me arrancarem as unhas foi dela, e ela própria interveio na operação.
Não me custou a acreditar que Sylvie tivesse feito o que ele dizia.
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Mims adormeceu uns minutos depois, e tapei-o melhor com o cobertor. Ele não me tinha dito onde estava a montada dele, mas devia parar em qualquer ponto entre os
arbustos. No estado em que ele se encontrava, não poderia ter percorrido uma grande distância a pé.
A morte da viúva de Nathan Hume, nos confins da Virgínia, tinha provocado uma autêntica corrida à fortuna nas imensas planícies da Panhandle. Todos haviam decidido
ir à caça do ouro, e ao mesmo tempo. Por simples acaso, eu via-me metido no meio da corrida; e ali estava, amarrado a um velho que necessitava desesperadamente de
assistência, e talvez a uma garota, se conseguisse encontrá-la novamente.
E quanto às histórias dos índios? Devo declarar que eu nunca duvidava do que um índio me dizia. Muita gente afirmava que eles eram supersticiosos, mas a verdade
era que por trás de quase tudo o que os índios diziam havia sempre uma boa dose de veracidade e de senso comum. Recordo-me, por exemplo, de certa vez em que eu andava
pelo México; os índios disseram-me que não se aproximavam de determinado lugar, por este ser frequentado por espíritos malignos. Acabei por descobrir que houvera
ali uma epidemia de varíola, e que este era o processo utilizado pelos índios a fim de manterem o lugar de quarentena. Eles pensavam que tinham sido os espíritos
malignos os causadores da varíola... Pois bem, talvez existisse também alguma estranha história em relação ao canyon fechado.
Depois de ter descoberto os cavalos de Mims - ele trouxera quatro: dois de carga e um de sela, como reserva - tornei junto da fogueira e bebi mais café; e deixei
que as chamas se extinguissem lentamente. Mais tarde, quando estava já bastante escuro, desloquei-me para a minha cama, preparada nas sombras mais profundas, de
onde eu podia ver o velho Mims e os restos incandescentes da fogueira,
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sem correr o risco de ser descoberto por alguém que aparecesse no acampamento.
Acordei várias vezes durante a noite, e em todas elas fiquei atentamente à escuta. Por fim, quase já ao alvorecer, resolvi não dormir mais. Era vulgar eu passar
acordado bastantes horas da noite, pois um homem como eu devia estar permanentemente preparado para se levantar, com todos os sentidos bem despertos.
Permaneci imóvel durante algum tempo, recordando outras noites passadas noutros lugares em que escutara também os ruídos da noite. Não era uma vida agradável, esta
a de andar constante-mente em fuga.
A certa altura, comecei a ouvir qualquer coisa. A princípio não era um som definido, mas, sim, uma espécie de alarme dado pelos ouvidos; notei um movimento, mas
não pude identificar a sua origem.
Olhei na direcção da fogueira. Distingui ainda alguns pontos incandescentes; Harry Mims, envolvido por dois cobertores, continuava imóvel, ao lado da fogueira quase
apagada. Pude até ouvir o som da sua respiração débil.
Estendi o braço esquerdo, peguei no cobertor que me cobria e afastei-o cuidadosamente. Os moccasins achavam-se perto. Empunhando a pistola na mão direita, peguei
nos moccasins com a esquerda e calcei-os rapidamente.
Peguei numa pequena pedra e atirei-a a Mims. Acertei-lhe num ombro; deixei de ouvir momentaneamente a respiração dele. Estaria acordado? Um palpite dizia-me que
ele estava tão acordado e alerta quanto podia estar um homem bastante ferido.
Reinava uma grande tranquilidade, mas o silêncio agora era diferente. No lado norte do nosso acampamento, até os sons da noite tinham cessado. De súbito distingui
um ruído leve - o género de ruído que faz um ramo a roçar pelas calças de um homem.
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Alguém se aproximava - possivelmente mais de uma pessoa.
Levantei-me silenciosamente e recuei um passo. Fiquei mais perto da árvore e parcialmente encoberto pelos ramos. Mesmo que a minha cama fosse descoberta, eu encontrava-me
protegido pela escuridão e pela árvore.
Apesar da tranquilidade que me proporcionava a pistola, guardei-a no coldre e puxei pela faca.
A faca era preferível para uma luta próxima e silenciosa.
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DEZ.
Aguardei na escuridão, de faca em punho, confiando no gume afiado como o de uma navalha de barba. Conservava a faca apontada um pouco acima da minha cintura, com
o gume voltado para cima.
No riacho ouvia-se o ligeiro murmurar da água. As folhas dos choupos agitavam-se suavemente sob a acção da brisa. Pude distinguir o cheiro dos troncos queimados
na fogueira, e o perfume leve e aromático das folhas pisadas. Quem quer que se acercava fazia-o com grande destreza, pois não se ouvia mais nenhum ruído.
Comecei a sentir um certo cansaço nos músculos das pernas, mas não me atrevi a provocar o mínimo ruído ao mudar a posição dos pés. Uma pessoa que se movia tão silenciosamente
possuiria certamente um bom ouvido, pois são indispensáveis simultaneamente as duas qualidades: ouvir bem e não permitir que os outros nos ouçam.
De repente, distingui uma sombra num sítio em que até então não tinha existido nenhuma sombra. Tive de olhar segunda vez para me certificar de que os meus olhos
não me sugestionavam. Não havia dúvida: a sombra estava lá. Avancei um pouco, e, de súbito, ouvi segredar:
- Sr. Sackett?
Era Penelope.
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Senti um alívio tão grande, que apenas pude perguntar:
- Onde esteve?
Ela não respondeu. Aproximou-se apressadamente de mim e indagou:
- Quem está ali, ao pé da fogueira?
- Harry Mims. Sabe quem é?
- Sei, sim. É melhor acordá-lo. Precisamos de ir depressa, antes que nasça o dia.
- Que sucedeu?
- Já ouviu falar num homem chamado Tom Fryer? Ou em Noble Bishop?
- Também estão metidos nisto?
- Foi a Sylvie quem os trouxe. Não sei onde os descobriu, mas, pelo pouco que ouvi, calculo que as coisas vão piorar ainda mais.
- O Ferrara está com eles?
- Há também um homem magro e moreno. Não sei o nome dele. Chegaram esta noite ao acampamento, e fiquei com a impressão de que eles o conheciam.
Sim, conheciam-me, e eu conhecia-os bem. Praguejei intimamente. Penelope tinha razão - as coisas não podiam apresentar-se mais feias. Não existiam a oeste do Mississipi
três homens mais perigosos do que aqueles.
- Tem razão - concordei. - É melhor partirmos.
Mims sentou-se lentamente. Aproximámo-nos da fogueira e ele serviu-se da mão sã para se levantar.
- Ouvi a conversa - disse o velho. - Vamo-nos embora daqui. O melhor é deitar a mão ao ouro e fugir.
Gastámos poucos minutos para enrolar as camas e os cobertores, e para reunir os cavalos. Penelope montaria o cavalo de reserva de Mims, visto não ter nenhum.
Conduzimos os cavalos até ao riacho, montámos e passámos o pequeno curso de água. Mims ia à frente,
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por estar seguro do local exacto em que se encontrava o canyon fechado.
Não me agradava a ideia de um canyon fechado, que representava uma ratoeira em potencial - um canyon com uma única entrada, e, possivelmente, com paredes a pique.
Esta imagem cheirava a sarilhos - num problema que tresandava a sarilhos. Tornei a desejar que tivesse tido o bom-senso bastante para ter abandonado aquela região
e aquela gente antes de chegar a este ponto.
Penelope seguia atrás de mim.
- Você não é nenhuma menina mimada-observei. - Se fosse, não seria capaz de se aproximar do acampamento tão silenciosamente.
- Fui criada nos bosques de Virgínia. Antes dos dez anos já andava a caçar veados.
Ela não tinha o direito de me fazer crer que era uma pobre garota desprotegida, disse a mim próprio. Não estava certo. No fim de contas, era tão competente como
eu a andar nos bosques. E, além disso, tinha-me salvo a vida.
- Você salvou-me de uma grande complicação - disse-lhe, com certo esforço, pois não estava habituado a ser suplantado por mulheres. - Obrigado.
- Não tem importância.
- Onde está Loomis?
- Anda por aí. Perdi-lhe o rasto.
Penelope não me pareceu preocupada nem penalizada. Talvez até já tivesse compreendido as intenções do velho. E eu? Como é que ela sabia que eu não ia pegar no ouro
todo e fugir? Olhei-a com inquietação. Podia ter-me enganado desde o princípio a respeito dela. No entanto, de uma coisa tinha a certeza: Penelope não era nada semelhante
a Sylvie Karnes.
Não pude evitar um arrepio quando os meus pensamentos se fixaram em Ferrara, Fryer e Noble Bishop. Qualquer deles sozinho constituía um sério problema. Dos três,
ao mesmo tempo, nem era bom falar.
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Noble Bishop era um pistoleiro. Dizia-se que tinha assassinado vinte homens. Reduzindo este número a metade, ter-se-ia provavelmente a verdade - pelo menos o número
de homens que ele matara em recontros de que havia notícia. Não era possível calcular o número de homens que ele teria caçado em emboscadas, embora esta técnica
fosse mais do gosto de Fryer do que de Bishop. Por seu turno, Ferrara era um perito com a faca.
Todos eles eram bem conhecidos, assassinos que podiam ter ouvido falar neles por intermédio de Hooker, ou de um dos outros, e não perdera tempo a assegurar os seus
serviços.
Harry Mims, a despeito de velho e de se encontrar ferido, conduziu-nos rapidamente pelo meio das árvores, como se pudesse ver na escuridão. Continuámos atrás dele.
A certa altura, Mims parou à entrada do canyon e aproximámo-nos dele.
- Isto não me agrada - disse o velho. - Este sítio assusta-me.
- Tem medo? - Não deixei de me surpreender, pois sabia bem como o velho era rijo. Noutras circunstâncias, não duvidava que ele puxasse imediatamente da arma ao ouvir
esta pergunta.
- Chame-lhe o que quiser. Talvez os índios tenham razão. Não me agrada aquele canyon. Nunca me agradou.
- Já lá esteve alguma vez?
- Já... Descobri ali muitos ossos. Naquele sítio morreu mais do que um homem.
- Decerto. Os homens da caravana de Nathan Hume morreram ali, e é muito natural que estejam lá os ossos deles. Que outra coisa esperava?
- Refiro-me a outros. É como lhe digo: aquele sítio não me agrada.
- Então, tratemos de ir buscar o ouro e de fugir. Se não o fizermos, será melhor retirarmo-nos já, porque os outros estão aí a chegar, e não me interessa lutar sem
motivo.
O mustang parecia também não gostar do canyon.
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Tentou voltar para trás, lutou contra o freio, e fez tudo o que podia para evitar entrar. Os outros dois cavalos deram também indícios de nervosismo, mas nenhum
deles se comportou tão mal como o mustang.
Penetrámos no canyon e fomos imediatamente cercados pela escuridão. À nossa frente, Harry Mims tossiu e fez alto.
- Quer queiram quer não, teremos de esperar até nascer o dia. Há ali um pequeno lago coberto de resíduos de ervas, e ainda outras covas, mais ou menos profundas.
Não sei o que têm dentro, e não me interessa enfiar-me num destes buracos.
Continuámos imóveis, nenhum de nós com vontade de desmontar, embora não soubéssemos explicar porquê. Tratava-se de uma vaga inquietação que sentíamos, reforçada
pelo estranho comportamento dos cavalos. Por meu lado, não queria arriscar-me a desmontar e a ficar ao lado do mustang, não podendo conservá-lo bem preso.
Ouvi o ranger de uma sela.
- Vou desmontar - disse Penelope. - Vou dar uma olhadela por aqui.
- Espere! - exclamei. - Isto pode ser uma ratoeira. Salte para a sela e espere.
Bem, devo declarar que esperava uma resposta brusca, mas Penelope nem abriu a boca. Tornou a montar e ficou calada. O céu principiava a mostrar uns laivos acinzentados,
e não faltava muito para que surgisse a primeira luz da manhã.
Ninguém proferiu uma palavra durante os minutos seguintes. Por fim, Mims falou:
- Diga que eu tenho medo, se quiser, mas o meu único desejo é sair daqui o mais depressa possível.
Rochas e arbustos começavam a ver-se mais nitidamente, e podíamos já distinguir as paredes do canyon. Ninguém conseguiria sair dali a menos que utilizasse o caminho
por onde tínhamos entrado. Pelo menos era o que eu pensava naquela ocasião.
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- Pois a mim apetecia-me uma chávena de café
- comentei.
- Aqui não. Vamos buscar o ouro e dar o salto.
- As coisas não vão passar-se com essa simplicidade - objectei. - Nunca se passam assim.
Não obstante, sentia-me tão ansioso como ele para ir-me embora. O canyon produzia, efectivamente uma estranha sensação de depressão. Viam-se diversos grupos de ossos,
e nem todos pareciam suficientemente antigos para se poder afirmar que haviam pertencido aos homens da caravana de Nathan Hume.
De súbito, todos vimos o pequeno lago, que se encontrava muito próximo do cavalo de Penelope. Uma superfície imóvel, mortífera, coberta por uma espécie de fina poeira
verde. Penelope debruçou-se da sela e agitou a água com um tronco arrancado a uma árvore morta. Por baixo da camada verde, a água era oleosa e muito escura.
- Notou alguma coisa? - perguntou Harry Mims repentinamente. - Aqui não há pássaros. Tão-pouco vi insectos. Talvez os índios tenham
razão.
Aquele sítio principiava a dar-me arrepios.
- Muito bem - repliquei. - Pelo que ouvi dizer, o ouro deveria estar ali adiante.
Passámos em torno de várias rochas tombadas e avançámos um pouco mais. Encontrámos ossos. A queixada de uma mula, embranquecida pelo tempo, jazia ao pé de um monte
de costelas partidas. No entanto, o esqueleto não se achava separado em várias partes, como teria sucedido se os lobos e os coyotes se tivessem banqueteado com o
cadáver.
As paredes do canyon eram demasiado íngremes para que um cavalo as pudesse vencer, e, em certos pontos, nem um homem conseguiria subi-las. Os primeiros indícios
de vida que encontrei no canyon foram as marcas de cascos de cavalos selvagens. Diversos cavalos tinham passado por ali,
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não havia muito tempo, mas vi também marcas mais antigas, que se dirigiam para o fundo do canyon. Tive um palpite súbito. Fiz o cavalo dar meia volta e disse:
- Vocês vão procurar o ouro. Quero ir ver ali uma coisa.
Sem aguardar resposta segui as marcas mais recentes dos mustangs, e, acreditem, o meu cavalo pôs-se bem depressa em movimento. Não lhe agradava também estar dentro
daquele canyon fechado.
Os cavalos selvagens tinham subido o canyon e passado entre um aglomerado de penhascos caídos da parede rochosa. Depois de um caminho sinuoso entre rochas e mato,
dei comigo num estreito trilho que passava numa abertura íngreme entre as rochas, que quase não tinha largura bastante para permitir a entrada de um homem a cavalo.
O caminho continuava a subir, sempre a direito, em seguida descrevia uma curva, mas não me restava a mínima dúvida de que tinha o seu fim na mesa que ficava por
cima do canyon.
Existia, portanto, outra saída.
De súbito, ouvi um grito distante e voltei-me na sela, para olhar para trás. Não imaginara que me tinha afastado nem subido tanto. Vi Penelope lá em baixo, reduzida
a um pequeno vulto que me acenava com a mão.
Quando cheguei junto deles, Mims estava estendido no chão. Jazia com a cara virada para baixo, e, ao voltá-lo, distingui o tom azulado do rosto.
- Vamos levá-lo daqui para fora - exclamei. - Se nos atacam com ele neste estado...
Não fazia a mínima ideia do que ele tinha, mas afigurava-se-me que Mims havia desmaiado por qualquer motivo. Achei-lhe o coração rápido de mais, embora batesse com
força. Coloquei-o em cima da sela, atei-o para que não caísse, e dirigi-me para a saída do canyon. Encaminhámo-nos imediatamente para a protecção das árvores,
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sem que víssemos vivalma, e em breve nos encontrávamos entre os choupos e salgueiros, perto do riacho.
Nesta altura, o ar mais fresco do exterior do canyon e talvez o movimento em cima da sela pareceram reanimar o velho. Ajudei-o a descer, sentindo-me estranhamente
inútil, por não saber o que havia de fazer-lhe. Momentos depois, ele recobrava completamente a consciência.
- Costuma desmaiar? - perguntei-lhe. - Que sucedeu?
- Não sei. De repente, percebi que perdia os sentidos. E digo-lhe uma coisa: não quero mais nada com aquele canyon fechado. Há ali qualquer coisa esquisita. Chame-lhe
o que quiser, mas estou convencido que aquele sítio está assombrado.
Conseguiu sentar-se ao fim de algum tempo, embora o rosto continuasse extremamente lívido. Tentou beber água, mas o estômago recusou o líquido.
- Se vamos fazer alguma coisa, precisamos de actuar depressa - afirmei. - Andam mais pessoas por aqui, e descobrirão o esconderijo se perdermos tempo. Talvez seja
melhor eu ir buscar o ouro. Posso levar um dos cavalos e carregar nele parte do ouro, e trazer o resto no meu cavalo.
Penelope fitou-me durante um momento e, por fim, disse:
- Sr. Sackett, deve considerar-me uma garota completamente idiota, para o deixar ir sozinho procurar esse ouro.
- Nada disso. Se quiser, vá sozinha... talvez assim se sentisse mais segura. A minha ideia é deixar um de nós com o sr. Mims.
- Eu aguento-me sozinho - declarou o velho. - Vão os dois.
Para falar com franqueza, não sentia vontade nenhuma de voltar ao canyon, e ainda menos com Penelope. Ela tinha-me safado de um sarilho, mas agora necessitava do
meu auxílio. Não me parecia ser fácil tirar o ouro do esconderijo, e, por este motivo, não me interessavam outras preocupações
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- especialmente tomar conta de uma garota. Expus-lhe claramente este ponto de vista.
- Tome conta de si - retorquiu ela com energia - conquanto não se pudesse dizer que estivesse zangada. Pulou para a sela e eu imitei-a.
Quem nos visse não diria que íamos buscar um tesouro representado por cento e cinquenta quilos de ouro. Não parecíamos muito entusiasmados, e, quanto mais nos aproximávamos
da boca daquele canyon, mais devagar fazíamos andar os cavalos. Aquilo não me agradava e a minha companheira não parecia pensar de modo diferente.
Apesar da extrema resistência de que dera provas, Harry Mims acabara por ir-se abaixo, por qualquer razão que não entendíamos. Talvez houvesse ali um cheiro estranho,
de vez em quando... Não falei nisto, pois não sabia realmente se o que eu julgava notar existia, ou era mero produto da minha imaginação.
Foi quase à entrada do canyon que caímos na armadilha.
Penelope tinha desculpa, mas eu devia ter-me mostrado mais cauteloso. De súbito, surgiu Sylvie à nossa frente, e, logo que parámos, começaram a aparecer homens que
até ali tinham estado escondidos nas rochas e nos arbustos.
Caçaram-nos com toda a facilidade, devo confessar. E reunia-se ali um número de ladrões como poucas vezes se via. Estavam lá Bishop e também Ralph Karnes; Hooker,
com um braço ao peito; e estavam ali também Charlie Hurst, Tex Parker e os homens de Bishop.
- Muito bem, senhor Sackett - disse Sylvie - parece-me que podemos ajustar contas.
- Nem pense nisso.
Ela limitou-se a sorrir para mim, mas o sorriso desapareceu quando ela fixou Penelope.
- Apanhei-os, finalmente - prosseguiu Sylvie, num tom de voz que nada prometia de bom. - Exactamente onde eu queria apanhá-los.
- Onde é o tal canyon? - perguntou Bishop. -
A pergunta pareceu-me incrivelmente absurda, pois do sítio onde ele estava sentado podia ter atirado uma pedra para dentro do canyon, mas, a julgar pelo caminho
que tínhamos tomado, pensar-se-ia que tínhamos passado adiante. A verdade é que era necessário passar para o outro lado, a fim de evitar os penhascos aglomerados
à entrada.
- Há canyons em quantidade por aqui, Noble. É só escolher. - Indiquei o canyon onde se encontrava o ouro. - Aquele, por exemplo.
Ele mostrou os dentes num sorriso e volveu:
- Aquele já vocês viram. Descobrimos os sinais que deixaram ao sair. Se saíram daquele canyon, é porque o ouro não está lá. É melhor dizer-me qual é, Sackett.
- Isso queria eu saber. Como é que um homem pode adivinhar qual é o canyon, no meio de tantos, parecidos uns com os outros?
- É melhor arranjar maneira de adivinhar - disse Bishop.
- Não seja idiota, Noble. Escute... Estamos aqui há alguns dias. Quanto tempo julga que é preciso para pegar no ouro e dar o salto? Se soubéssemos onde ele está,
já íamos longe. Diz-se que Nathan Hume escondeu uma porção de ouro neste sítio. Sabemos que dois homens escaparam ao massacre, mas talvez tenham escapado mais alguns...
- Dois? - inquiriu Sylvie. Ela não sabia.
- Decerto. Houve um mexicano que conseguiu fugir - ele trabalhava para Hume. Mas o governador do Novo México queria deitar a mão a todos os que tinham trabalhado
com ele. Alguém avisou o governador de que Hume fazia contrabando de ouro sem pagar a percentagem respectiva ao governo, ou lá o que era que eles tinham naquela
época. Esse mexicano fugiu para o México, teve um acidente, partiu a espinha e nunca mais pôde voltar. Mas isto não quer dizer que algum parente dele não tenha voltado.
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- Está a querer insinuar que o ouro não está aqui? - inquiriu Ralph, com incredulidade.
- Eu diria que não - retorqui. - Bishop, nada sei a seu respeito, mas o Fryer trabalhou nas minas de Nevada e Colorado. Ele poderá dizer-lhes que ouro escondido
desaparece normalmente, ou ninguém consegue encontrá-lo. Existem homens que consumiram as vidas a procurar tesouros como este, e nunca encontraram nada.
- Isso é um disparate - interveio Ralph. - O ouro está aqui... nós sabemos que está aqui.
- Desejo-lhes muita sorte. Fui contratado apenas para guiar esta gente até a esta região. Se encontrarem o tesouro, fiquem com ele. O esconderijo será fácil de descobrir
pelos ossos.
- Ossos? - Foi a primeira vez que ouvi Ferrara falar.
- Claro. Morreu uma porção de homens quando Hume foi assassinado, e outros morreram de então para cá. Os Comanches e os Utes dizem que o canyon está amaldiçoado.
Não há um índio capaz de passar uma noite nesse canyon, nem nenhum que passe por lá, a não ser num caso de vida ou de morte.
- Vêem? - interveio Hooker. - Era o que eu estava a dizer-lhes.
- Tirem-lhes as armas - ordenou Sylvie. - Faremos com que eles falem.
- Noble - continuei - ninguém me tira as armas. Julga que largo as armas sabendo o que me] espera? Como nada tenho para lhes dizer, a coisa nunca mais acabava. Se
querem arrancar-me algum segredo, terão de consegui-lo da maneira mais difícil.
- Não fale como um idiota - exclamou Ralph. - Podemos derrubá-lo com toda a facilidade!
- É muito provável. No entanto, apenas Noble me conhece, de todos os presentes, e sabe que não irei sozinho. Certa vez, vi um homem a disparar, apesar de lhe terem
metido dezasseis balas no corpo.
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A esta distância tenho a certeza que liquidarei dois de vocês... talvez três ou quatro.
Se eles principiassem o tiroteio, eu meteria o cavalo no meio deles, de forma a obrigá-los a hesitar, com receio de se atingirem uns aos outros.
Noble Bishop, porém, não era nenhum idiota. Conhecia suficientemente bem as armas para saber que uma pessoa não cai logo que apanha uma bala. Se formos atacados
por um homem em fúria, é preciso fazer a bala atravessar-lhe o coração, o cérebro ou um dos ossos maiores para o obrigar a parar. Por outro lado, um tiro inesperado
pode liquidar um homem instantaneamente: um perito neste género de ferimentos pode contar histórias muito curiosas a respeito do que acontece, por vezes, durante
uma cena de tiros.
Bishop não ignorava que eu estava numa situação desesperada. Ele sabia que eu era considerado um tipo rápido com a pistola, e que atirava para matar. E sabia também
que se desencadeassem uma cena de tiroteio, alguém havia de morrer. No meio de tal confusão, a sorte podia calhar a qualquer um. E, de acordo com o que eu dera a
entender, o ouro talvez nem sequer existisse.
Bishop, Fryer, Ferrara e, possivelmente, Parker eram bastante astutos para adivinharem o que eu faria, e não estavam interessados em arriscar a pele. E, além disso,
por que razão haviam de armar um tiroteio de resultados incertos, quando poderiam caçar-nos, um de cada vez, correndo um risco muito menor? E não seria preferível
deixar-nos encontrar o ouro e depois tratarem de nos roubar? Eu seguia facilmente o raciocínio deles, pois sabia o que teria passado se estivesse no seu lugar.
Bishop falou calmamente:
- Ele tem razão. - Não queria meter-se num tiroteio em que qualquer podia ficar ferido, e que poderia não dar quaisquer resultados.
O tempo e os números estavam do lado deles. Toda a ajuda de que eu dispunha resumia-se a uma garota
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e a um velho incapacitado, mas qualquer deles era capaz de acertar muito chumbo a uma distância tão pequena.
- Não vejo nenhuma vantagem em armar aquíl um tiroteio - prosseguiu Bishop. - Vocês vão tratar dos vossos assuntos e nós trataremos dos nossos.
Sylvie abriu a boca para protestar, mas mudou de ideias.
- Deixem-no ir. Matem só a moça. Ela tem direitos legais ao ouro. - Era incrível como uma pequena tão bonita conseguia ser tão perversa.
- Não se mata ninguém - disse Bishop. - Saiam todos daqui.
Obrigámos as montadas a dar meia-volta, e ao passar ao lado de Bishop, disse-lhe:
- Noble, se encontrarem esse ouro, não beba café feito por ela.
Continuámos o nosso caminho, e, quando olhei para trás, Noble ainda nos fixava. Um momento depois, ergueu a mão e fez um aceno.
- Eu estava convencida de que ia haver tiroteio - disse Penelope.
- Ninguém tinha estado a beber - retorquiu Mims secamente - e ninguém tinha endoidecido. Acabariam por morrer alguns deles, e nada se resolveria.
E tudo estava por resolver. Noble Bishop e eu iríamos resolver a situação, e a intuição dizia-me que esse dia não estava longe.
126
ONZE.
Eu calculava que Sylvie Karnes tivesse estabelecido contacto com Bishop em Romero. Todavia, assassino como era, Bishop fazia o seu trabalho com uma arma, o que,
segundo as minhas regras, era completamente diferente de usar veneno. A despeito disto, Bishop não deixava de ser um homem perigosíssimo.
- Como é que se desembaraçou de Loomis? - perguntou a Penelope, enquanto nos afastávamos.
A pequena encolheu os ombros.
- Quem disse que me desembaracei dele? Separámo-nos, e mais nada.
Não acreditei nesta versão, tal como não acreditava que não voltaria a ver o velho empertigado e duro.
- Se queremos conseguir alguma coisa - disse à moça - precisamos de entrar em acção o mais depressa possível. - Logo que acabei de falar, senti um nó no estômago.
Preferia enfrentar Bishop de arma na mão do que tornar a entrar naquele maldito canyon.
Mims estava em más condições. A perda de sangue deixara-o fraco como um gato, e mal conseguiu agarrar qualquer coisa com as mãos feridas. Não me surpreendia que
tivesse desmaiado no canyon, mas não me saía da cabeça que o velho perdera os sentidos por outro motivo diferente do estado de fraqueza em que se encontrava.
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As sombras tornavam-se mais alongadas à medida que avançávamos pela margem do riacho. Por fim, dirigimo-nos para uma pequena ilhota coberta de salgueiros. Não tinha
mais de vinte metros de comprimento e uns dez de largura, mas proporcionava um esconderijo razoável e um bom pedaço de verdura para os cavalos.
Pulei para o chão e ajudei Mims a desmontar. Senti-o tremer violentamente. Estendi no chão os cobertores dele, deitei-o: ele deixou-se cair com um profundo suspiro.
- É melhor fazer café - disse Penelope. - Todos nós estamos precisados.
Não se viam as estrelas enquanto eu apanhava gravetos ao longo da margem da ilhota.
A água corria com um sussurrar agradável. Preparei uma pequena fogueira por trás de um tronco caído de um volumoso choupo. O vento crescia de intensidade, o que
me preocupava, pois o ruído do vento podia cobrir os sons de alguém que se aproximasse.
Nenhum de nós falava. Estávamos todos cansados, e com os nervos tensos. Todos precisávamos de repouso, e Mims em especial. Ao olhar para o velho, senti uma impressão
desagradável. E ocorreu-me que embora eu fosse jovem, forte e rijo, naquele momento, era assim que os homens passavam a ser quando envelheciam. Era isto o que eu
via na cara de Harry Mims: velhice.
Ele bebeu café mas recusou comer; passado pouco tempo, mergulhava num sono inquieto.
Comentei para Penelope:
- Todo o ouro que aqui existe não vale a vida deste homem... É uma excelente pessoa.
- Bem sei. - A garota nada mais disse. Fui bebendo o café, enquanto tentava arrumar os pensamentos e planear os movimentos para o dia seguinte.-Eu preciso daquele
dinheiro, Nolan-prosseguiu ela, após uma longa pausa. -. Preciso muito dele. Pode dizer que sou egoísta, mas a verdade é que, se eu não conseguir o ouro, ficarei
absolutamente sem nada...
Como não sabia o que havia de responder, fiquei calado. Mas continuei a pensar no ouro. Não estávamos muito longe do canyon. Enquanto ia pensando, perguntei a mim
próprio se seria capaz de andar pelo canyon na escuridão. Exausto como me sentia, só desejava acabar com tudo aquilo e afastar-me para bem longe.
Aquele canyon preocupava-me. Um homem que conhece melhor do que tudo o lado duro da vida aprende a confiar nos seus instintos. A vida que ele leva exige este permanente
estado de alerta, de que um homem de vida segura e regular não necessita; os seus sentidos tornam-se mais aguçados e fazem-no sentir coisas que ele não pode explicar
por palavras. Eu não era um homem supersticioso, mas não deixava de pensar que naquele canyon se passava algo estranho.
Após uns momentos de reflexão, decidi não ir lá durante a noite. Seria já difícil descobrir o ouro durante o dia, isto sem falar no que seria caminhar, de noite,
entre penhascos e fragmentos de rochas, com o risco de cair num buraco de profundidade desconhecida.
Acima de tudo, queria ver-me livre de Loomis e de Sylvie e Ralph, e comecei a pensar neles. Com gente do Oeste, um homem sabia como lidar. Quero dizer, tudo era
tratado mais às claras, pela simples razão de não haver lugar para esconder coisa alguma. As pessoas eram quase raras, as povoações pequenas, e tudo o que uma pessoa
fazia era do domínio público.
Todavia, as coisas estavam a mudar, por causa dos caminhos de ferro e da gente que vinha para o Oeste. Os fracos e os incapazes, que a vida dura acabara por eliminar
nos velhos tempos, podiam agora vir para o Oeste, e em cima de assentos estofados.
Jacob Loomis era um homem que poderia ter vindo em qualquer época,
128 - 129
embora não pudesse ser considerado uma grande aquisição para a região. Sylvie e Ralph nunca teriam aparecido no Oeste a não ser por causa do ouro que eles supunham
ser fácil de conseguir.
Bishop podia tentar matar-me. Sabia também que Fryer não hesitaria em liquidar-me numa emboscada, mas isto era de esperar. Afinal, encontrávamo-nos em território
índio e um homem tinha de estar sempre em guarda. O veneno, porém, era outra coisa, e Sylvie e Ralph... bem, eles tinham algo de demoníaco, uma perversão...
Adormeci finalmente, apesar de saber que acordaria para enfrentar um novo dia de tiroteio e de sangue. Antes do próximo pôr-do-sol, haveria sangue derramado sobre
as rochas de Rabbit Ears.
As derradeiras estrelas pendiam solitariamente no céu, e um vento fraco agitava as folhas dos choupos, quando abri os olhos e procurei classificar os ruídos. Identifiquei-os,
um a um - o adejar das folhas, o murmúrio da água do riacho, o ruído tranquilizante dos cavalos a comer a erva. No meio do riacho, um peixe saltou.
Peguei nas botas e sacudi-as com os canos para baixo - as centopeias e os escorpiões arranjam maneira de se introduzir nas botas durante a noite. Em seguida calcei-as,
batendo com os tacões no chão, para as ajustar bem. Já tinha o chapéu na cabeça, evidentemente. A primeira coisa que um vaqueiro faz de manhã é pôr o chapéu na cabeça.
Prendi o cinturão, ajeitei o coldre no seu lugar e prendi a correia em torno da perna.
Ainda não surgira completamente a luz do dia. O lume estava reduzido a um pequeno monte incandescente. Espreguicei-me, para combater a dureza das articulações, tirei
a capa da "Winchester", e dirigi-me até ao riacho, a fim de me lavar e de esfregar os dentes com um pequeno tronco desfiado de salgueiro.
Deslocando-me sem fazer ruído, acerquei-me do mustang,
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afaguei-lhe a cabeça, ao mesmo tempo que lhe falava em voz baixa, carinhosamente. Em seguida selei-o, enrolei os cobertores e preparei-me para partir.
O velho dormia, respirando regularmente. O velho rijo, resistente como poucos, havia de recompor-se. Quanto a Penelope...
A garota tinha desaparecido. A cama continuava no mesmo sítio, mas ela sumira-se. E o cavalo desaparecera também.
O meu mustang não dera o alarme por ela ter saído do acampamento, por ser dos nossos, e porque ela tinha o direito de partir. E, além disso, eu dormia tão profundamente
que não ouvira nenhum ruído.
Ela não tinha o direito de se escapulir daquela maneira, mas eu também não tinha o direito de dormir de modo a deixá-la escapar. A verdade é que o que mais me irritava
acima de tudo era o facto de pensar que uma pessoa tinha abandonado o acampamento sem eu me aperceber - mas sentia-me igualmente inquieto. A minha vida dependia
muito de eu não dormir tão profundamente.
Ajoelhando, toquei no ombro de Mims. Ele abriu os olhos imediatamente, completamente desperto.
- A garota fugiu. Não faço ideia do que lhe sucedeu.
O velho sentou-se e pegou no chapéu.
- Deve ter ido àquele maldito canyon. É melhor irmos também.
Enquanto Mims se vestia, selei-lhe o cavalo, e, poucos minutos depois de ele ter aberto os olhos, tínhamos todo o equipamento preparado e carregado, e afastávamo-nos
do acampamento.
Fizemos os cavalos atravessar o riacho a passo e penetrámos no carreiro entre as árvores. O vulto de Rabbit Ears recortava-se, enorme, contra o céu. Uma codorniz
emitiu o seu canto no meio dos arbustos. Eu sabia que íamos a caminho de um ajuste de contas,
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e só desejava ver tudo aquilo acabado de vez.
Avançámos protegidos por todas as elevações, e só saímos para campo aberto ao atingirmos a boca do canyon. Viam-se inúmeros sinais de cascos de cavalos, mas não
conseguimos distinguir nenhum indício útil. Tal como anteriormente, o mustang nada queria com o canyon fechado, e entrou, hesi-tantemente, depois de eu o ter obrigado.
Pude constatar que vários cavalos haviam entrado no canyon desde a nossa retirada.
A primeira coisa que vimos foi Steve Hooker, e o homenzarrão estava morto. Jazia no chão, como um fardo, com um joelho dobrado, a pistola no coldre e a correia no
seu lugar, abraçando o cão da arma.
- Olhe! - exclamou Mims. O velho apontava para as marcas dos pés de Hooker.
Ele tinha caminhado, dando passos mais curtos do que seria normal para um homem da sua altura, o que dava a entender que ele tinha andado ali durante a noite. Ao
caminhar sobre terreno desconhecido e irregular, um homem teria de dar passos mais curtos.
Ele tinha caído após alguns passos vacilantes, e apoiara-se sobre as mãos e os joelhos. Levantara-se para prosseguir e tornara a cair. Desta vez levantara-se apenas
para dar dois ou três passos antes de tombar.
- Houve aqui alguma coisa durante a noite - sussurrou Mims, com uma nota de terror na voz. - Sackett, vou pôr-me a andar daqui para fora.
- Espere um momento. Não serve de nada perdermos a cabeça.
Nada parecia ter mudado desde a véspera, excepto a presença de Hooker. Pulei da sela e voltei o corpo. Não havia sinal de ferimento ou de sangue. O rosto dele estava
um pouco inchado e tinha um tom geral azulado, que podia ser resultante da luz da aurora,
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ou, simplesmente, imaginação minha.
As nuvens baixas que haviam surgido com o romper do dia achavam-se por cima de Rabbit Ears, e uma leve neblina corria em frente delas. O canyon constituía um local
lúgubre, com as suas rochas basálticas escuras e a sua misteriosa quietude. Não ouvi o mínimo ruído, e não vi pássaros, nem pequenos animais.
Que me tinha dito o mexicano naquela noite, em Neuces?
O ouro fora metido num buraco existente por baixo de um rochedo, e em seguida haviam-no coberto com pedras. O rochedo tinha sido assinalado com uma cruz. Quarenta
anos, ou mais, haviam decorrido sobre estes acontecimentos - eu não tinha uma ideia exacta acerca da ocasião em que Nathan Hume, apanhado nesta ratoeira, fora assassinado
com alguns companheiros.
- Procure uma cruz branca, Mims - disse ao velho, em voz baixa, pois não sabia se estava alguém à escuta. - Uma cruz riscada numa rocha por um homem que dispunha
de pouco tempo.
As nuvens cinzentas afiguravam-se ainda mais baixas e escuras, e pairava uma grande humidade no ar. Não gostei de sentir esta humidade; nada me agradava neste local
estranho e assombrado.
Meti a "Winchester" no coldre da sela, e atei o mustang a um arbusto próximo. Soltei a correia que prendia o cão do seis-tiros e encaminhei-me para a cova onde se
encontrava o rochedo. Na base deste, por baixo de uma cruz desenhada na rocha, via-se um monte de pedras de diversos tamanhos.
Olhei à minha volta.
- Esteja com atenção, Mims. Não olhe para mim... Veja se os vê aparecer.
- Onde estará a garota? - perguntou o velho com preocupação. - Ela não tinha razão para se escapar assim.
- Vamos tratar do ouro. Depois iremos procurá-la.
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Tenho o pressentimento de que Penelope sabe tratar bem de si.
O esconderijo era bastante lógico. Homens que procuravam defender-se dos índios retirariam para um local semelhante a este. Seria uma boa posição para estabelecer
uma linha de defesa, embora os índios, uma vez atingindo uma altura superior, os pudessem dominar com o fogo das espingardas.
Comecei a deslocar as pedras, arredondadas e achatadas, e quase todas de tamanho superior ao de uma cabeça humana. A despeito de me desempenhar da tarefa o mais
depressa que era possível, esforçava-me por fazer pouco ruído. Não procedia assim por suspeitar que estivesse alguém nas imediações; a verdade é que o canyon tinha
qualquer coisa que obrigava um homem a andar com passos leves e a falar baixo.
A minha cabeça, que só na véspera deixara completamente de doer, voltou a latejar, e sentia-me respirar com dificuldade. Momentos depois, afastei-me do rochedo,
e fui apoiar-me ao mustang. Era espantoso o que uma pancada na cabeça podia provocar.
Mims mostrou-se apreensivo.
- Sente-se bem? - perguntou-me. - Não está com muito boa cara.
- Uma dor de cabeça - expliquei - ainda por causa da pancada da bala de Andrew.
Ele olhou-me pensativamente.
- Não me tinha dito como é que apanhara esse ferimento. Foi então o Andrew, hem?
Que aconteceu ao Andrew?
- Para dizer a verdade, não foi o Andrew que me acertou com uma bala, mas, sim, o Ralph. O Andrew foi acabar a tarefa.
Junto do cavalo, o ar era muito melhor, conquanto me tivesse afastado pouco mais de um metro. Decorridos alguns minutos, retomei o trabalho. Porém, tinha deslocado
apenas meia dúzia de pedras
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quando comecei a sentir-me tonto. Parecia-me que iria ser obrigado a desistir.
- Se houvesse por aqui algum pântano-comentou Mims - eu diria que isso era o efeito de gás venenoso. As vezes, o gás dos pântanos corta a respiração a um homem.
Levantei-me novamente e aproximei-me do cavalo, com passos incertos. Peguei no cantil, enchi a boca de água, e em seguida despejei parte do líquido por cima da cabeça.
Um momento depois sentia-me melhor e continuei a retirar as pedras. E, quase imediatamente, descobri o ouro.
Tinha sido escondido numa cavidade natural da base do rochedo. Sem perda de tempo, comecei a tirá-lo do esconderijo.
Mims, apesar da sua fraqueza, veio ajudar-me. Sentíamo-nos arrastados por uma tremenda excitação. Eu ia entregando as barras ao velho Mims, que as guardava em bolsas
preparadas para o efeito, que se achavam sobre o dorso dos cavalos de carga.
Já não me preocupava com os ruídos. Não parava de tossir, e a respiração era cada vez mais difícil. Não ignorava que os outros podiam aparecer, de um momento para
o outro.
Quando, por fim, todo o ouro ficou carregado, subi a curta distância que me separava dos cavalos. Caí, levantei-me com esforço, e, enquanto soltava o mustang, passei
uma perna por cima da sela.
O cavalo não hesitou um segundo, e iniciou imediatamente o caminho pelo íngreme trilho que avançava pela montanha. Foi este pormenor que nos salvou.
Eu tossia tão violentamente, que pouco mais podia fazer além de me firmar na sela. Harry Mims vinha atrás de mim, transportando o ouro. Mal tínhamos principiado
a subir o trilho quando ouvimos o ruído de cavalos e vimos vários cavaleiros entrarem no canyon. A primeira coisa que eles descobriram foi o cadáver de Hooker;
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depois examinaram OS sinais deixados pelos nossos cavalos enquanto os carregávamos. Viram a cavidade do rochedo, de onde eu tinha retirado o ouro, e, pouco depois,
verificaram que estava vazia. Aglomeraram-se junto do rochedo enquanto nós continuávamos a vencer a subida.
Encontrávamo-nos ainda à distância de um tiro de espingarda quando nos descobriram. O ouro tinha estado ali, e agora viam-no escapar-se-lhes, quase por entre os
dedos...
Qual deles fez fogo, nunca cheguei a saber; nunca soube também quantos cavaleiros estavam lá em baixo. Vi Tex Parker, ou alguém montando; o seu cavalo, bem como
um homem que usava um sombrero e que seria possivelmente Charlie Hurst. Não vi sinais de Bishop, nem de Penelope. E distingui tudo isto apenas de relance, pois não
voltei a ter outra oportunidade.
Um dos homens levou a espingarda ao ombro e disparou. Vi a pequena chama saltar do carro, e, acto contínuo, o mundo inteiro pareceu ir pelos ares. Ouviu-se uma explosão
tremenda, e uma chama enorme irrompeu do canyon.
Caí no chão com um baque surdo, e nunca cheguei a saber se tinha sido atirado da sela pela explosão ou pelo cavalo assustado. Firmei-me sobre as mãos e os joelhos
e fiquei a olhar para o canyon.
Chamas irromperam do pondo da explosão, parecendo buscar todas as depressões, todas as covas existentes entre as rochas, acabando por alcançar um buraco nas rochas,
com cerca de um metro de diâmetro. Tínhamos visto este buraco, embora não nos tivéssemos aproximado dele.
De repente, do orifício da rocha principiou a sair um violento jacto de chamas, e o ar foi sacudido por um rugido terrível e incessante.
Levantei-me com dificuldade e dei alguns passos incertos, horrorizado, tentando fugir para longe daquele ruído infernal.
Não via o meu cavalo, nem Mims ou os seus cavalos de carga, mas, durante alguns minutos, o meu único pensamento era sair dali para fora.
Continuei a percorrer o carreiro, e vi Mims apenas depois de ter andado meia milha. O velho continuava sentado na sela, e tinha com ele os cavalos de carga. Mims
esforçava-se por agarrar o meu cavalo, mas o mustang estava assustado e não se deixava apanhar.
Fui subindo vagarosamente o carreiro. O mustang relinchou diversas vezes, mas, por fim, aquietou-se e deixou-me saltar para a sela.
Prosseguimos a caminhada para Oeste, sem outra ideia na mente que não fosse a de nos afastarmos o mais depressa possível da pavorosa visão e do ruído terrível. Já
me tinha sido dado ver homens morrer, mas nunca daquela maneira.
E onde... onde estava Penelope?
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DOZE.
Nenhum de nós sentia vontade de falar. Continuámos a avançar, sem destino preciso. Desejávamos apenas fugir para bem longe do canyon fechado, para bem longe daquela
horrível cena.
Foi Mims quem quebrou o silêncio:
- Deve ter sido algum gás... ou petróleo. Já ouviu a história daquele tipo da Pensilvânia que furou um poço de petróleo? Suponha que uma coisa destas se incendiava?...
Eu não conhecia a resposta, mas calculava que devia tratar-se de algo semelhante. Até o facto de termos connosco o ouro, cento e cinquenta quilos de ouro, parecia
ter sido esquecido pelo choque produzido pelo que se passara no canyon.
Só regressei completamente à realidade ao lembrar-me de Penelope... Onde estava a moça? Tinha a certeza de que Loomis não se encontrava no grupo aniquilado no canyon.
Tinham estado ali pelo menos quatro ou cinco homens, contando-se entre eles talvez Fryer e Ferrara, ou talvez outros amigos de Parker e Hurst.
- Precisamos de encontrar um bom esconderijo! - disse a Mims - e é preciso esconder este ouro em qualquer parte.
Continuava a tossir devido ao misterioso gás que se introduzira nos meus pulmões - a mesma coisa que matara, provavelmente, Hooker. Talvez ele tivesse sofrido mais
por ser apanhado durante a noite,
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ou talvez fosse fraco o coração do homenzarrão. Nunca saberíamos como as coisas se tinham passado, e não perdi tempo em conjecturas. Os vivos inspiravam-me muito
mais motivos de preocupação.
Steve Hooker traçara o seu próprio destino, seguira o seu trilho. Se este trilho o conduzira àquela morte trágica, talvez o tivesse poupado a uma bala fatal ou a
um laço bem apertado, pois o caminho que ele escolhera havia inevitavelmente de o levar a uma coisa ou a outra. Quando um homem inicia uma vida de violência, ou
quando decide viver do que rouba aos outros, encaminha-se naturalmente para um daqueles fins. Não é possível ganhar - as probabilidades são contra ele.
Mantivemos o rumo para Oeste, num trote regular, durante cerca de quatro milhas. Mims seguia à frente com os cavalos carregados, enquanto eu procurava apagar o nosso
rasto com um grande ramo de arbusto.
Quando voltei a aproximar-me dele, conduzindo o cavalo a passo, ao longo do Cienequilla Creek, Mims tinha feito alto junto de uma pequena elevação arenosa, quase
contígua à margem do riacho. Era exactamente o que pretendíamos. Descarregámos o ouro perto da margem, e em seguida deslocámos uma boa porção de areia para cima
dele. A areia estava seca, e quando concluímos a tarefa não havia nada que distinguisse a elevação das outras próximas. Apagámos os sinais da nossa permanência e
voltámos para trás.
Era ainda bastante cedo; o sol não se encontrava acima do horizonte havia mais de uma hora. O céu apresentava-se escurecido pela nuvem de fumo que pairava sobre
Rabbit Ears. No entanto, ficámos com a impressão de que o fumo se tinha tornado menos espesso.
Precisávamos de descobrir Penelope, no caso de ela estar ainda viva. Ela devia estar viva, pensava eu. Tinha de estar viva.
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Escapulir-se daquela maneira, a meio da noite... Não tinha pés nem cabeça, a menos que ela pensasse deitar a mão ao ouro antes de nós, ou de qualquer outra pessoa.
Mas que lhe teria acontecido? Como não estava no canyon no momento da explosão - disto estava eu certo - era forçado a concluir que algo a detivera, ou a pusera
fora de acção.
A certa altura disse a Mims:
- Nunca tinha pensado tornar a vê-lo depois de me ter emprestado este cavalo. O meu único pensamento era pôr-me a muitas milhas de distância.
- Não se enganava... Eles traziam efectivamente uma corda, e nunca tinha visto um grupo tão grande... - Mims soltou uma risada. -E estavam danados... A verdade é
que falaram até em linchar-me.
- Que é que os deteve?
- Eu tinha uma espingarda de repetição dentro da minha cabana. Logo que você partiu, tratei de carregá-la. Já tenho reparado que uma arma daquele calibre tem sempre
efeitos pacificadores. As pessoas, por muito excitadas que estejam, ficam mais calmas logo que vêem a espingarda... Bem, eles chegaram ali, quase loucos; mostrei-lhes
a espingarda e expliquei-lhes que você precisava de um cavalo urgentemente e que eu lhe cedera um. Só gostava também de ter tido a espingarda pronta quando a Sylvie
apareceu.
Nunca disparei contra uma mulher, mas ficaria com a consciência tranquila se a matasse...
Entretanto, havíamos chegado ao Rabbit Ears Creek e contornávamos o lado Sul da montanha, procurando atentamente alguma pista. E não levámos muito tempo para a encontrar.
Eram sinais do rodado de um pequeno carro, que seguiam para o lado Norte da montanha. Fizemos os cavalos abrandar o passo e seguimos a pista, com as espingardas
preparadas para qualquer eventualidade.
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Encontrámos vestígios de um acampamento que fora utilizado durante vários dias, mas que se achava agora deserto. Estávamos a poucas milhas do canyon fechado, e
o acampamento seguinte não devia ficar muito longe. Chegava já junto de nós o fumo do canyon; era pouco espesso, mas continuara a ser abundante.
Harry Mims parou a montada.
- Nolan, não quero dizer com isto que tenha medo, mas estamos a meter-nos na boca do lobo. Aquela gente deve estar perto, e tudo fará para nos arrancar o ouro.
- A garota precisa de ajuda - retorqui - e não me vou embora sem saber que ela está em segurança. Não era capaz de a abandonar.
- Mas que espécie de fora-da-lei é você?
- Ainda não sei bem, mas não me vou embora antes de a ver a salvo.
Continuámos a marcha, protegendo-nos com árvores e arbustos, e fazendo breves paragens para ficarmos à escuta durante alguns momentos.
De súbito, deparámos com o carro de Penelope - ou o que dele restava. Havia sido empurrado por um pequeno barranco, rodeado de arbustos secos, e em seguida incendiado.
Pouco restava além dos aros das rodas, os eixos e mais dois ou três acessórios de ferro. Ainda pairava sobre ele o cheiro do fumo.
Quase nada concluímos dos sinais existentes no terreno, além do facto de o carro ter sido empurrado até ali e de alguém ter espantado os cavalos. Houvera luta, a
julgar pela existência de cartuchos vazios, de um furo de bala numa árvore e por sinais de terra revolvida por vários cavalos.
- Aposto que eles não caçaram o Flinch - comentou Mims. - Pelo que me contou do mestiço, parece ser um tipo astuto.
Estávamos naquele momento a meio da tarde. Ficámos uma vez mais à escuta, mas não distinguimos o mínimo ruído.
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Cavalgávamos sob um céu escurecido pelo fumo oleoso que não cessava de sair do canyon. Continuámos cingidos às árvores e rochas que oferecessem protecção, atentos
ao mínimo alarme. Imaginava o que Mims pensava. Dava a impressão de que andávamos há uma eternidade. O que agora me apetecia era descansar e comer três refeições
regulares por dia. Desejava café que não fosse feito por mim, e comida de restaurante.
Havíamos chegado à encosta Leste de Rabbit Ears e atingido novamente o riacho. Chegou-nos às narinas o cheiro de uma fogueira e conduzimos os cavalos pela margem
de areia molhada do riacho.
Ambos sabíamos que os sarilhos não tardariam em surgir. Não era possível irmos ao encontro de um grupo daqueles sem esperar sarilhos. E, além disso, era preciso
contar com a presença de uma mulher, talvez de duas. As mulheres preocupavam-me mais do que qualquer dos componentes do grupo. Pode calcular-se o que um homem irá
fazer, mas com uma mulher nunca se sabe.
Certo fora-da-lei disse-me, um dia:
- Esteja sempre com atenção às mulheres. Nunca se sabe se elas vão gritar, desmaiar ou puxar por uma arma.
E lá estavam as duas, efectivamente. Quando nos aproximávamos, Sylvie e Penelope encontravam-se em frente uma da outra, perto da fogueira. Jacob Loomis estava sentado
numa rocha, voltado para nós, com os cobertores enrolados, a seu lado. Também lá estava Noble Bishop, de rosto imóvel, olhos atentos, e sem nada lhe passar despercebido.
Quanto a Fryer, que eu supunha ter sido uma das vítimas da explosão do canyon, achava-se ali, em tamanho natural, e mais mal encarado do que nunca. E o mexicano
encontrava-se a seu lado.
Flinch foi quem mais me inquietou. O mestiço não estava presente.
Os olhos de Loomis iluminaram-se com um brilho desagradável quando nos viu surgir por entre as árvores.
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Bishop olhou para mim, mas não fez o mais leve movimento. Entre mim e Bishop existia uma situação singular. Ambos tínhamos reputação de homens rápidos a manejar
as armas, e ambos sabíamos que se travássemos tiroteio um de nós poderia ficar gravemente ferido. Nenhum de nós ansiava por defrontar o outro, mas não ignorávamos
que os acontecimentos podiam arrastar-nos a um duelo decisivo.
Não perdi tempo a averiguar o que ali se passava, mas sabia tratar-se de algo a que era preciso pôr termo.
- Penelope - disse, logo que cheguei perto da moça - está tudo acabado. Iremos acompanhá-la a Santa Fé.
Bishop fixou-me. Perguntou:
- Que sucedeu lá em cima?
- O canyon deve estar cheio de gás proveniente de algum jazigo petrolífero. O gás escapou-se, e, como é pesado, ficou colado ao chão nos pontos mais baixos. Eu e
o Harry Mims estávamos no rebordo do canyon, e um dos homens-não sei qual- enervou-se e fez fogo. Sabem como é esta pólvora negra. Saltou uma chama do cano quando
ele disparou, e, de repente, todo o canyon explodiu, produzindo chamas nos sítios onde o gás se tinha acumulado. Aqueles homens ficaram impossibilitados de escapar.
- Nós fomos lá - disse Bishop. - Não vimos grande coisa, e não ficámos durante muito tempo. Somente vimos as rochas enegrecidas e um buraco nas rochas, por onde
saía um jacto de fogo.
- Durante quanto tempo ficará aquilo a arder? - inquiriu Fryer.
- Quem sabe? Talvez durante anos. Há-de arder enquanto existir ali o gás suficiente.
- E o ouro? - quis saber Ralph Karnes. Encolhi os ombros.
- O ouro? Creio que ninguém conseguirá deitar-lhe a mão durante muito tempo.
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- A não ser que - disse Sylvie, fitando-me intensamente - alguém o tenha tirado antes do fogo ter principiado.
- Existe essa hipótese-admiti-mas julgo que aqueles homens morreram todos ao mesmo tempo. Penso que nenhum saiu de lá com vida.
- Eu não me referia a eles - insistiu Sylvie. - Referia-me a si.
Durante um momento, ninguém proferiu uma palavra. Penelope fixava-me, formulando perguntas com o olhar brilhante. Por meu turno, tinha esperança de que as perguntas
da moça pudessem esperar.
- Bem - repliquei, esforçando-me por sorrir com a maior naturalidade - se eu tivesse todo aquele ouro, ia a esta hora a caminho de Denver. Creiam que não perderia
o meu tempo a conversar com vocês.
- Eu faria o mesmo - declarou Fryer. - Que viria ele aqui fazer?
- Veio por causa dela - disse Sylvie. - Não vêem que ele tem um fraco por Penelope?
Todos me fitavam. Encolhi os ombros com indiferença. Quando falei, tive o cuidado de não olhar para Pen.
- Está a brincar comigo, Sylvie? Com todo aquele dinheiro, nenhum homem precisa de procurar mulheres; precisa é de fugir delas. Um homem que chegasse a Denver com
todo aquele ouro, tinha de ter um trabalhão a correr com elas... Penelope é um caso diferente. Prometemos-lhe levá-la em segurança até Santa Fé. Mims é parente dela...
Eu conhecia bem a posição. Fryer acreditara-me com toda a facilidade, e o mesmo acontecera com o mexicano. Bishop... bem, este não se decidia ainda. Sylvie e Loomis
eram tão pervertidos, que não acreditariam em ninguém, e desconfiavam de toda a gente. Eu bem sabia que Sylvie nunca nos deixaria sair dali, se arranjasse uma maneira
de nos deter. E sabia também que, com dinheiro ou sem ele,
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Jacob Loomis queria Penelope. Queria Penelope naquelas colinas, sem ninguém mais nas proximidades. Li a determinação e a crueldade no olhar do velho.
Naquele momento, cheguei à conclusão de que era praticamente inevitável uma cena de tiros.
A última coisa que eu queria era trocar chumbo com Bishop no meio de toda aquela gente. Era muito provável que ele pensasse da mesma maneira, mas Sylvie ou Ralph,
ou talvez Loomis, poderiam carregar precipitadamente no gatilho, se não saíssemos dali rapidamente.
- Faça o favor de montar, Pen - ordenei à pequena. - Vamos partir.
Enquanto falava, examinava atentamente toda a cena, fixando os mais pequenos pormenores. A margem do riacho era baixa e plana, e subia um pouco junto das árvores
que rodeavam a clareira. Viam-se perto alguns penhascos de tamanho razoável. Alguns dos cavalos dos nossos adversários achavam-se sobre a nossa esquerda, parados
por baixo das árvores. O cavalo de Penelope, aquele que Mims lhe cedera, estava ao pé da parelha que puxara o carro. Os arreios tinham sido retirados a estes dois,
e ambos usavam agora freios do género utilizado pelos índios. Iria apostar que isto tinha sido obra de Flinch.
- Ela não sai daqui - disse Sylvie. - Isto é um problema de família, e trataremos de o arrumar precisamente aqui.
Bishop não abrira a boca. Interessava-me saber qual era a posição dele, mas enquanto eu não expusesse claramente esta intenção, ele limitar-se-ia a ouvir e a esperar.
- Não há motivo para complicações-retorqui- sejam ou não de família. Você e Ralph seguem o vosso caminho, e Penelope segue o dela.
- Encontrámos o Andrew - disse Ralph. Pronto... As coisas encaminhavam-se para o desenlace que eu previa, embora alimentasse
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ainda uma leve esperança de que as coisas pudessem desenrolar-se de outro modo.
- Você feriu-me, Ralph - expliquei - e o Andrew pensou em acabar o trabalho. Mas não conseguiu.
- Eu penso que você apanhou o ouro - interveio Loomis. - Se assim não fosse, porque teria tanta pressa de partir.
Fiz um gesto de indiferença
- Para que hei-de perder aqui o meu tempo? O espectáculo acabou.
Sylvie pareceu ceder.
- Está bem - disse a moça. - Vamos perdoar e esquecer. íamos mesmo agora jantar. Desmontem, que vou servir-lhes café.
As coisas estavam a ir longe de mais.
- Não gosto do seu café, Sylvie. Acho-o muito forte para o meu paladar. Pen, salte para o seu cavalo. Vamos partir... já.
Penelope dirigiu-se para o local onde se encontravam os cavalos e Sylvie cortou-lhe o caminho. Bastava eu fazer um gesto para ajudar a garota, que alguém se lembraria
de me dar um tiro.
Contudo, Pen não necessitava de ajuda alguma. Sylvie estendeu ambas as mãos para a frente, a fim de lhe agarrar os cabelos, mas Penelope não consentiu.
Se eu não visse, não teria acreditado. Não havia dúvida de que estava sempre a aprender. Ali estava uma garota que eu me empenhava em proteger e, afinal, ela não
precisava de mais protecção da que precisa um leão das montanhas. Sylvie atacou-a, com as mãos levantadas e Pen, rápida como um raio, atingiu-a com um violento soco
no estômago. Quando Sylvie abriu a boca para conseguir respirar e baixou os braços, ela aplicou-lhe uma tremenda bofetada que soou como a detonação de uma pistola.
Em seguida pegou nas rédeas do cavalo e montou.
- Detenham-na! - gritou Loomis. - Bishop,
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faça-a parar... ou dê-me uma arma para a obrigar a ficar aqui!
Bishop nem se mexeu. Lançou um olhar a Loomis e disse-lhe:
- É melhor sentir-se feliz por não ter uma arma, velhote. Nolan Sackett matava-o num abrir e fechar de olhos.
Abandonámos o acampamento e dirigimo-nos de novo para Oeste. Continuava a sentir-me apreensivo. Noble Bishop tudo faria para se apoderar daquele ouro, e eu não sabia
até que ponto ele tinha acreditado na minha história. A única coisa que eu sabia com certeza era que ele não se mostrara interessado em armar uma cena de tiros junto
do riacho. Havia gente de mais e armas de mais, e um homem sobreviveria apenas por uma questão de sorte, e não por ser mais hábil. Havia muitas possibilidades de
uma bala perdida atingir um alvo que ninguém desejaria.
Conservámos os cavalos num galope regular. O nosso objectivo era recuperar o ouro e sair daquela região o mais depressa possível, e eu alimentava a esperança de
nunca mais voltar a ver nenhum dos componentes do outro grupo.
Encontrávamo-nos a Nordeste de Rabbit Ears, cujos picos se apresentavam avermelhados pelo sol poente. Havia uma nuvem escura sobre o canyon e, apesar da distância,
continuávamos a ouvir o terrível ruído.
Dirigimo-nos para o Rabbit Ears Creek. De vez em quando, voltava-me sobre a sela, mas não distingui quaisquer indícios de que estivéssemos a ser perseguidos. Ao
atingirmos a encosta sul da montanha, as estrelas principiavam a surgir e anoitecia rapidamente.
- Eles não desistem, Sackett - disse Mims. - Hão-de tornar a aparecer.
- Decerto. Bem sei que eles hão-de aparecer.
Penelope não dissera uma única palavra, o que
me agradava bastante. Ainda me sentia irritado
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pelo facto de ela nos ter abandonado naquela noite, sem dar uma explicação.
Tomando o vulto da Cienequilla de Barro Mountain como ponto de referência, mantive o nosso rumo para Oeste, e, já bastante depois do anoitecer, mudei várias vezes
de direcção, até estarmos protegidos pela sombra da montanha. Em seguida voltámos para Nordeste, na direcção do riacho onde o ouro tinha sido enterrado.
Mims fez a montada estacar repentinamente.
- Sackett, isto não me cheira bem - declarou! - Passa-se qualquer coisa.
Claro que havia qualquer coisa... Mas o quê? Tudo tinha sido fácil, demasiadamente fácil. Eu estava certo de que não tínhamos sido seguidos, mas talvez não houvesse
necessidade de nos terem seguido... E se nos tivessem espiado no momento de termos escondido o ouro? Ou descoberto nestas imediações, mesmo que não nos vissem esconder
o ouro?
Talvez soubessem aproximadamente até onde tínhamos ido, embora desconhecessem o ponto exacto. Recordei-me que naquele momento havia bastante fumo, as nuvens estavam
baixas e haveria, certamente, alguma árvore ou arbusto que servisse de esconderijo. Quanto mais pensava nisto, mais me convencia de que deviam ter estado à espiar-nos
do cimo de Rabbit Ears.
- Que há? - perguntou Penelope.
- O Mims tem o palpite de que vamos cair numa ratoeira.
- Como é isso possível? Eles estão lá todos?
- Estão?
Uma leve brisa agitou as ervas, mas não trouxe consigo o fumo do canyon, porque este se encontrava a leste do local onde estávamos. O céu mostrava-se carregado de
nuvens e a escuridão era profunda. Um dos cavalos bateu com os cascos na terra, com impaciência. Os cavalos queriam água,.: queriam repouso e queriam erva fresca.
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Um pressentimento dizia-me que eles teriam ainda de esperar algumas horas até conseguirem satisfazer estes desejos.
- Muito bem - disse para os meus companheiros - vamos.
Caminhando à frente, conduzi o mustang em passos vagarosos, parando frequentemente para escutar. No entanto, não havia outros sons além dos normais - o ruído dos
cascos dos cavalos e o ranger do cabedal das selas.
Parei de novo a cerca de duzentos metros do Cienequilla, mas também não distingui nenhum ruído suspeito.
Devia ter sido Flinch o homem que estivera a espiar da montanha, quer a ideia fosse dele, quer fosse dos outros. Como mestiço, meio índio, devia ter a agilidade
necessária para trepar a um ponto de Rabbit Ears de onde pudesse ver tudo o que se passava. Não devia ter-nos visto retirar o ouro, mas podia ter tirado algumas
conclusões da maneira como os cavalos de carga se deslocavam.
Que fariam eles agora? Ficariam escondidos até irmos buscar o ouro e carregarmos de novo os cavalos? Este seria o processo preferido por Bishop, mas teriam os outros
paciência para tanto?
De súbito, descobri o que ia fazer.
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TREZE.
- Harry, conhece o pico chamado Sierra Grande? A oeste daqui...
- Sim, conheço. A sete ou oito milhas para sul, há um veio de lava e um pico aí com uns cento e vinte metros de altura. Quando acabarmos de carregar o ouro, você
e Pen dirigem-se para oeste, para este monte de lava e escondem-se em qualquer sítio, a sul do pico. Podem dar água aos cavalos no Middle Fork do Burro, mas a água
não será problema. Existem muitas poças espalhadas por aquela área. Vão até ao Carrizo, se quiserem,! mas são cerca de trinta milhas, provavelmente perto de quarenta,
pelo caminho que tomam para atingir o pico. Eu, no vosso caso, não faria qual- quer desvio.
- E você? - perguntou Penelope.
- Está bastante escuro. Vocês afastam-se em silêncio e eles não darão por nada. Eu fico para trás, arrasto pedras, cavo na margem em vários sítios, para os fazer
crer que estivemos à procura do local. Deste modo, calculo poder dar-lhes uma hora de avanço, até eles aparecerem aqui.
- E quando eles aparecerem?
- Bem, é provável que surjam algumas dificuldades, Penelope. Duvido que eles acreditem na minha palavra, mas espero ser bastante convincente.
- E depois?
- Depois irei juntar-me a vocês.
Após um momento de silêncio, a garota disse:
- Eles são seis... sete, contando com a Sylvie... e você está sozinho.
- Talvez consiga escapar-me antes de eles me cercarem.
- Porque faz isso?
- Trata-se de uma grande quantidade de ouro.
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- Não seria mais fácil matar-me a mim e ao sr. Mims? Somos apenas dois.
- Estamos a perder tempo precioso com essa conversa. Seja como for, nunca fui pessoa para fazer as coisas da maneira mais simples. Vamos embora. Se tivermos sorte,
carregaremos o ouro e vocês partirão antes que haja complicações.
Dei meia volta ao cavalo e dirigi-me para o riacho. Eu tinha a convicção de que eles se achavam perto, e que esperariam até que desenterrássemos o ouro. Todavia,
não poderia jurar que Sylvie e Ralph seguissem este sistema. Nunca se sabia quando eles decidiam tomar uma atitude desvairada.
Cavámos a areia com as mãos, carregámos os cavalos, encarregando-me eu de contar as barras, tal como fizera ao enterrá-las. Quando todo o ouro acabou de ser metido
nos sacos, empurrei Mims pelo ombro, dando-lhe o sinal para partir.
Depois, em voz alta, para ser ouvido por alguém que estivesse perto, disse:
- Pois eu acho que foi mais para este lado!
- Procure você aí - volveu Harry, compreendendo a ideia. - Eu vou ver mais ao pé da água.
Penelope tinha parado a meu lado. Voltei-me para ela e segredei-lhe, quase colando a boca ao ouvido dela:
- Vão-se embora! Todos os minutos contam! Ela virou a cabeça e beijou-me rapidamente na boca. Fiquei tão surpreendido como se ela me tivesse cravado uma faca...
e isto ainda eu esperaria.
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Fenelope partiu imediatamente.
Estendi um braço, soltei uma pedra colocada no cimo da margem arenosa e deixei-a rolar, arrastando consigo uma porção de areia.
- Chiu!-exclamei em voz baixa. - Querem que apareça aqui toda a gente?
Dei alguns passos na escuridão, pisando propositadamente um tronco seco, e tratei de cavar na areia, utilizando um pedaço do tronco quebrado.
- É mais para diante - informei. - É para o outro lado, talvez uns três metros.
Os minutos foram passando. De súbito, concluí que era um grande idiota. A minha representação não ia enganar ninguém, nem conseguiria fazer ganhar o tempo bastante.
Olhei instintivamente para o mustang.
O cavalo achava-se perto, preso a uma estaca. Bastava um pequeno salto; estaria sentado na sela e poderia correr dali para fora. Quanto valia, afinal, o dinheiro?
A vida de um homem? A minha vida?
De repente, ouvi um leve ruído na outra margem do riacho. Sem hesitar, avancei para o mustang. O ruído repetiu-se. Podia partir do princípio de que não tinha amigos
daquele lado. Empunhei o seis-tiros e disparei contra o ponto de onde o som partira. Deixei-me cair na areia e corri quatro ou cinco passos, no instante em que o
fogo de duas armas se cruzava no sítio que eu acabava de abandonar.
Irromperam chamas bruscamente, e os arbustos da outra margem pareceram explodir. Alguém tinha pegado fogo aos zimbros secos. As chamas elevaram-se e toda a área
ficou vivamente iluminada. Quase simultaneamente ouvi detonações de pistolas e o estampido mais agudo de uma espingarda, e uma bala fez levantar uma porção de areia
à minha frente. Ouvi passos a chapinhar na água atrás de mim, voltei-me, distingui um vulto em movimento e disparei.
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O homem, que eu não identificara, apanhado pelo meio do corpo, foi estranhamente sacudido, e caiu. Tentou levantar-se, mas rolou imediatamente pela margem até entrar
na água pouco profunda.
Algo provocou um estremecimento na manga da minha camisa, e, de repente, dei comigo a correr, a cair, a correr novamente. Outro arbusto explodiu em chamas à minha
frente, e, nesse instante, vi o meu cavalo por trás das labaredas.
Vi também Ferrara, que subia a pequena elevação da margem do riacho. Trazia uma espingarda, que apontou contra mim, a menos de vinte metros. Eu tinha a pistola
na mão. Fiz fogo, lancei-me para um lado, e disparei outra vez. Ferrara tombou, tentou apontar outra vez, mas eu tinha-me escapado do seu campo de visão, voltara
para o leito do riacho e corria para o mustang. Subi de gatas pela margem, segurei as rédeas e saltei para a sela, sem tocar em nenhum dos estribos.
O cavalo, que não gostava de chamas nem de tiros, arrancou como uma flecha. Ouvi atrás de mim alguns disparos perdidos, e em seguida tudo ficou silencioso.
Com o mustang a galopar para norte, procurei as passagens ao longo do Canadian, sabendo que o meu primeiro problema consistia em afastar os meus perseguidores de
Penelope e de Mims, e do ouro.
Necessitava também de dar descanso ao cavalo. Qualquer mustang em liberdade é capaz de viajar durante vários dias, correndo durante grande parte do tempo e bebendo
muito pouca água. No entanto, transportar um cavaleiro era outra coisa.
Passado algum tempo meti o cavalo a trote ligeiro, mudei de direcção, e em seguida carreguei a pistola e a espingarda. Cerca de uma hora mais tarde, escondi-me numa
depressão próxima de um regato que desaguava no North Canadian, tirei a sela e os arreios ao mustang, deixei que ele se espojasse à vontade, e em seguida prendi-o
perto da água.
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Ao estender-me no cobertor que abrira sobre a erva fresca, disse a mim próprio que não seria capaz de dormir. Bastou um minuto para demonstrar que eu não passava
de um mentiroso: quando acordei, o Sol brilhava intensamente e os pássaros chilreavam alegremente nos salgueiros.
Permaneci imóvel durante alguns minutos, observando as zonas iluminadas pelos raios de Sol que passavam por entre as folhas, e de ouvido atento. Uma pega saltitava
sobre um ramo próximo, mas não tardou a voar para longe. Sentei-me, pus o chapéu na cabeça, sacudi as botas, calcei-as e levantei-me.
Ajeitei o cinturão, fechei a fivela, acerquei-me do cavalo e conversei com ele durante um momento, sempre atento a qualquer ruído. Prendi o coldre à perna por meio
da correia, voltei atrás e enrolei os cobertores. Procurei no alforge uma caixa de balas, já muito amachucada, e preenchi os espaços vazios da cartucheira.
Sentia fome, mas não dispunha de nada em condições para comer; tinha apenas um pouco de café, e, apesar de esfomeado não pensei em caçar, para não atrair as atenções
com o ruído dos tiros. Não seria esta a primeira manhã em que saltaria para a sela sem ter tomado o pequeno almoço, nem seria a última. Avancei até ao regato, bebi
água, dei de beber ao mustang e fixei-lhe novamente a sela.
Dirigindo-me para Oeste ao longo do Corrumpaw Creek mantive um rumo que passaria a norte de Sierra Grande. As nuvens dos últimos dias tinham finalmente produzido
alguma chuva, que principiava a cair, muito fria e persistente, obrigando-me a pôr a capa de oleado. De tempos a tempos olhava para trás, e nunca notei vestígios
de perseguição.
Teriam eles partido à caça de Mims e de Pene-lope? Ambos desfrutavam de um avanço apreciável, mas não poderiam andar muito depressa com dois cavalos bastante carregados.
No entanto,
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Harry Mims era um veterano, e, certamente, muito capaz de iludir uma perseguição.
Por outro lado, os dois homens que eu derrubara poderiam ter constituído uma razão para arrefecer o entusiasmo dos outros. Eles não podiam saber que eu não estava
na companhia de Penelope e de Mims, ou que me preparava para juntar ao velho e à garota. Não tinha tido oportunidade de avaliar os resultados dos meus tiros. Os
dois homens tinham sido atingidos, e eu esperava que não tivessem morrido, apesar do facto de homens feridos poderem vir a causar mais sarilhos do que mortos.
À noite, pouco antes do pôr-do-Sol, avistei um acampamento de pastores. Havia ali mais de mil carneiros, vigiados por três pastores e os cães respectivos. Os homens
estavam bem armados, o que se tornava necessário numa região de índios, embora não se encontrassem muito longe de povoações. Sentei-me junto deles e, ao fim de pouco
tempo, fiquei a saber que tinham vindo de Las Vegas.
Depois de comer, disse-lhes que era obrigado a partir.
- Não quero criar-lhes complicações - expliquei. - É muito provável que venham alguns homens a perseguir-me.
Um dos mexicanos sorriu, antes de explicar.
- Si, amigo. Também já fui perseguido. Vaya con Dios.
Separei-me deles e segui o braço sul do Corrum-paw até ao ponto em que este se perdia na encosta íngreme da Sierra Grande, onde me instalei para passar a noite.
Ao nascer do dia encontrei um planalto, que percorri em volta da base da montanha, até os contrafortes de lava e o pico solitário ficarem para Sul.
O planalto achava-se a cerca de cento e cinquenta metros acima da planície e proporcionava-me uma larga vista do terreno, na direcção das elevações de lava e do
pico. Sentei-me numa rocha plana
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e perdi algum tempo a contemplar a área em torno do pico.
Ainda mal amanhecera. Não notei o mais ligeiro movimento. Nenhumas nuvens de poeira... nada. Depois de ter gasto quase uma hora a vigiar, voltei a montar e deixei
que o mustang escolhesse o melhor caminho para descer a encosta. Atravessámos o vale, fazendo o possível por levantar pouca poeira, o que, depois da chuva que tinha
caído, não era grande problema.
Quando atingi os primeiros sinais de lava, passei a avançar mais cautelosamente, com a "Winchester" preparada.
Não estava ali ninguém... nem se distinguiam marcas da passagem de cavalos.
Ou não tinham conseguido chegar, ou as marcas haviam sido apagadas pela chuva. Inspeccionei minuciosamente toda a área, e somente uma vez, num ramo quebrado de um
arbusto, julguei encontrar indício de passagem de cavalos.
Por fim, regressei novamente às imediações do pico. Eu tinha-lhes dito para se esconderem a sul! do pico. Prendi o cavalo a um arbusto e principiei a subir sobre
a lava.
Não ignorava o que a lava podia fazer a umas botas, e, para mais, as minhas não estavam em muito bom estado. A raspar sobre a superfície áspera da lava, poderia
ficar praticamente sem botas. Decidi subir a um ponto elevado, uma vez posta de parte a ideia de atingir o pico, e olhei em volta.
A primeira coisa que vi foi um cartucho vazio, que rebrilhava à luz do Sol. E, um pouco mais adiante, projectando-se para fora de uns arbustos, distingui uma bota
e uma espora.
Levei pouco tempo a vencer a distância. Tratava-se de Harry Mims, e estava morto.
Tinha sido ferido pelas costas, bastante de perto, mas o velho, que possuía uma resistência invulgar, ainda se arrastara - assim o provavam as unhas
e as mãos ensanguentadas - , tentando deslocar-se sobre a lava.
Devia ter perdido a arma no momento de ser atingido. Não a vi nas proximidades e não perdi tempo a procurá-la. Eles tinham-no perseguido e, ao alcançá-lo, haviam-lhe
despejado um tambor de balas no peito.
Não havia outros corpos, nem cavalos, nem ouro, nem Penelope.
Penelope?... Senti um estranho frio penetrar-me no peito. E se ela o tivesse assassinado? E se ela o tivesse ferido pelas costas, e acabado por lhe encher o peito
de balas, para se certificar de que Mims não sobreviveria?
Quem, a não ser a garota, se poderia aproximar tanto do velho?... E onde estava Penelope?
Abandonei aquele lugar e cavalguei para Oeste, batendo cuidadosamente o terreno à procura de pistas. Depois de ter andado cerca de uma milha, descobri o sítio onde
vários cavalos, dois deles bastante carregados, tinham atravessado uma zona alagada, com os cascos a escorregar na lama.
Tornei a apanhar a pista, um pouco mais adiante. Porém, vencida outra milha, ao olhar para trás, julguei ver outro trilho mais para a direita. Aproximei-me e descobri
uma outra pista - deixada por um cavaleiro sozinho, que percorria um trajecto paralelo ao da primeira, e que parara frequentemente ao lado dos arbustos. Era evidente
que alguém andara a seguir a primeira pista. Eu não fazia ideia de quem seria o cavaleiro solitário, mas sabia que Penelope conduzia os cavalos e tinha a certeza
de que não havia marcas desconhecidas na pista que ela tinha deixado.
Ignorava quem eram os sobreviventes do grupo original dos nossos adversários, e, daqueles, quais os que poderiam andar a cavalo. Talvez todos.
Era quase meio-dia quando encontrei a outra pista.
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CATORZE.
O novo trilho assinalava a presença de quatro cavaleiros, vindos do Sul, e algumas das marcas pareceram-me familiares. Pertenciam a alguém do grupo de Bishop. Quem
era, então, o cavaleiro solitário que seguia Penelope?
A pista dirigia-se para Oeste e, de repente, terminava numa grande confusão de marcas. Fiz parar o cavalo, levantei-me sobre os estribos e estudei o terreno.
Os perseguidores haviam perdido a pista de Penelope e, ao tentarem encontrá-la de novo, tinham provocado um autêntico labirinto com os cascos dos cavalos. Descrevi
um círculo e procurei outra vez a pista do cavaleiro solitário. Pela maneira como ele tinha actuado, eu podia afirmar que se tratava de um perito; além disso, visto
ele encontrar-se à frente dos outros perseguidores, era muito provável que descobrisse aonde Penelope tinha ido.
A garota percorrera uma extensão de areia solta, onde os cascos não deixavam sinais claros. Depois, era evidente que ela tinha visto alguns pastores com um rebanho
e decidira simplesmente caminhar à frente deles, seguindo o mesmo percurso, para que a passagem dos numerosos carneiros apagasse os sinais dos cascos dos cavalos.
O rebanho avançara para Oeste, que era a mesma direcção que ela seguia, mas, apesar de tudo,
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não me senti satisfeito. Penelope não quereria ir para Norte, pois este rumo não a levaria a nenhuma povoação onde obteria uma protecção segura da lei. O caminho
para Oeste servia-lhe, mas era, em contrapartida, o mais óbvio. Cimarron ficava para Oeste, e Penelope podia dirigir-se para lá... mas podia também não o fazer.
Desejei que ela e Mims tivessem conversado a respeito deste assunto antes dele ser assassinado. O velho conhecia bem toda a região, e ter-lhe-ia fornecido informações
valiosas.
Os carneiros tinham proporcionado um bom disfarce para fazer desaparecer a pista dos cavalos conduzidos pela pequena, mas era muito provável que Loomis, Bishop e
os outros chegassem até às marcas deixadas pelos carneiros, e que acabassem por descobrir a pista dos cavalos. Mas também era de admitir que Penelope tomasse outra
direcção.
Penelope havia já demonstrado uma habilidade invulgar. Ela achava-se agora sozinha com cento e cinquenta quilos de ouro, dois cavalos de carga e um cavalo extra
para montar, visto que devia ter levado consigo a montada de Mims. Se lhe fosse possível, escapar-se-ia a todos os perseguidores, e eu tinha o pressentimento de
que ela abandonaria a protecção do rebanho o mais depressa que pudesse. Era óbvio que a garota seguia com um bom avanço em relação ao rebanho. Transportando consigo
tanto ouro, ela desconfiaria de toda a gente e não se arriscaria sequer a tornar-se muito notada, mesmo pelos pastores.
Segui o trilho dos carneiros pelo lado sul, atento a qualquer pista. O rebanho havia-se encaminhado para uma zona coberta de zimbros. Em torno destes havia uma
boa área de pasto. A cerca de uma milha viam-se dois picos quase iguais e, a norte destes, uma pequena colina.
Fiz alto ao atingir a colina e estudei o terreno. Os carneiros tinham-na ultrapassado pelo Norte; distinguiam-se marcas fora do grosso do rebanho,
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como sempre sucede, e sinais de patas de cães. Não descobri vestígios de cascos de cavalos, mas, embora não soubesse explicar bem porquê, não me sentia convencido.
Contornando a colina, passei entre os dois montes que lhe ficavam a sul. Eu andara em fuga um número suficiente de vezes para conhecer bem este lugar. Se Penelope
mudasse de direcção entre estes dois montes, os pastores vê-la-iam desviar-se até chegarem perto dos montes, mas, ao atingirem a passagem, ela já estaria em segurança,
pois eles não chegariam a saber para qual dos lados a garota se tinha dirigido.
No lado mais distante dos montes deparei subitamente com marcas de vários cavalos, uma das quais reconheci. E, depois de vencer mais uma milha, descobri mais. Penelope
aproveitara todas as áreas de areia solta ou de rocha, e não deixara praticamente nenhuma pista.
Agora a dificuldade era adivinhar o local para onde ela se dirigia. Cimarron era o que ficava mais próximo; se Penelope ultrapassasse o Cimarron,; podia atravessar
as montanhas e voltar ao Norte para Elizabethtown, ou prosseguir até Taos sem alterar o rumo. Tratava-se de um percurso perigoso, mas era forçoso reconhecer que
a pequena tinha coragem de sobra e que devia estar a seguir um plano estudado. Dizia-me um pressentimento que ela evitaria o Cimarron.
Era quase inacreditável, mas a verdade é que aquela garota vinda do Leste fazia pouco de todos nós. Uma moça muito nova, sozinha, com quatro cavalos e cento e cinquenta
quilos de ouro, atravessava uma região selvagem e deserta, dirigindo-se... para onde?
A partir daquele ponto a pista era bastante clara. Meti o cavalo a trote e segui as marcas dos cascos. Ela tinha atravessado o Canadian com um avanço substancial
sobre mim, mas pareceu-me que Penelope estava a obrigar os cavalos de carga
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a andar depressa de mais. Transportar um peso morto é muito mais exaustivo do que levar um cavaleiro no dorso.
Achávamo-nos agora numa região de gado, e, mais tarde ou mais cedo, ela acabaria por encontrar alguns vaqueiros. Em breve tive a prova deste encontro, ao reconhecer
mais uma manobra inteligente da garota. Ela trocara o seu cavalo e os dois de carga por três cavalos folgados. Porém, antes de efectuar a troca, tinha deixado o
ouro escondido nas colinas.
Ela tinha partido havia menos de uma hora quando atingi o acampamento dos vaqueiros. Notei imediatamente a presença dos cavalos de Penelope na remuda. Os animais
estavam exaustos, devido à violenta caminhada.
Não fiz quaisquer perguntas. Como sempre, convidaram-me para comer, e, durante a refeição, troquei o mustang por outra montada. Não era minha intenção desfazer-me
do mustang, e eles concordaram em que eu podia reavê-lo logo que quisesse.
- Vai para muito longe? - quis saber um dos vaqueiros.
- Sim. Vou a caminho de Mora, para visitar uns parentes. Chamam-se Sackett.
- Ouvi falar neles... - Olharam-me com interesse. Tyrel e Orrin eram bastante conhecidos no Movo México.
A última coisa que eu queria era que aqueles vaqueiros soubessem que ia em perseguição de Penelope Hume. Eles nada me diriam, mesmo que soubessem, pois tomariam
o partido de uma garota bonita, atitude que eu não lhes censurava.
- Encontrei um grupo de homens, a Norte daqui - observei. - Fareciam andar à procura de alguém...
O cavalo que me forneceram em troca do mustang era um animal negro, com sangue Morgan, uma excelente montada para qualquer conhecedor.
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Abandonei o acampamento e, pouco tempo depois, descobri o local onde a garota tinha escondido o ouro enquanto tratava da troca dos cavalos. Ela voltara a carregar
as bolsas com o ouro e partira, como se fosse perseguida pelas chamas do inferno. Sabendo que havia perdido algum tempo, pretendia certamente alcançar novamente
o avanço anterior.
Lembrei-me então de Forte Union... ela devia procurar atingir Forte Union. Havia lá uma guarnição de soldados, e a garota estaria em segurança. O pior é que não
deixariam de lhe fazer perguntas, e tornava-se difícil a uma pequena explicar a razão por que tinha atravessado aquela região com uma tão grande quantidade de ouro.
Porém, não havia dúvida de que Penelope se dirigia na direcção de Forte Union. A partir de certa altura, passei a vê-la, embora a uma distância apreciável. Não sabia
se ela me tinha visto, mas, se tivesse, devia calcular que seria forçada a dar uma explicação. Eu continuava muito interessado em saber quem tinha assassinado Harry
Mims - atacado pelas costas e a muito curta distância. Nunca mais voltara a descobrir a pista do misterioso cavaleiro solitário. Tão-pouco vira vestígios dos outros
perseguidores.
De súbito, compreendi para onde Penelope se dirigia. Ela seguia para Loma Parda.
A pequena vila, instalada nas proximidades do Mora River, era turbulenta e sangrenta, e constituía um local de divertimento para os soldados de Forte Union, e para
um grande número de pessoas de vida incerta e de ambos os sexos. Eu era conhecido em Loma Parda, mas, para Penelope, entrar na vila frenética com um carregamento
de ouro, era o mesmo que um cordeiro entrar numa caverna de lobos esfaimados.
Quando Penelope chegou à vila, eu não a seguia a mais de quatro ou cinco milhas, e nada podia fazer. No momento em que entrei em Loma Parda,
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os cavalos dela estavam já guardados na estrebaria e Penelope tinha desaparecido. Segundo parecia, eu era a última pessoa que ela desejava ver.
Pondo de parte o sáloon, onde sabia que a garota não estava, dirigi-me a um restaurante mexicano. Cheguei a uma hora de pouco movimento e fui bem acolhido. Conheciam-me
bem. A mulher que se acercou da mesa para me servir abanou a cabeça, com uma expressão de censura.
- Senor Nolan, que andou a fazer? Está cansado!
Virei-me para o espelho e deparei com a imagem de um homem grande, de barba crescida, que precisava de se barbear, de um banho, de cortar o cabelo e de roupas novas.
Precisava também de dormir três noites de sono atrasado.
- Senora - perguntei - , viu uma garota... uma garota com vários cavalos?
- Ah... Agora é uma garota? Si, vi-a. Ela chegou hoje, há muito pouco tempo.
- Onde está ela? Aonde foi?
- Aonde foi? Aonde se pode ir em Loma Parda? Ela não foi a parte alguma. Está aqui...
- Onde?
A mulher encolheu os ombros.
- Aqui... em qualquer sítio. Como hei-de saber? Do local onde estava sentado podia ver a rua
e toda a gente que passasse. Encomendei uma refeição e fiquei ali a comer e a beber café, esforçando-me por me manter acordado.
Àquela hora, pouco movimento se notava na rua. Dentro de pouco tempo a vila acordaria, apareceriam os soldados, transportados desde o Forte em carros, ou a pé, como
alguns preferiam. A vila ficaria à mercê da violência. Naquele lugar o homicídio era um acontecimento banal, e a menção a ouro lançá-la-ia num autêntico incêndio
de fúria. E Penelope encontrava-se ali, algures, com cento e cinquenta quilos de ouro.
E qual era o meu papel, afinal? Eu dera-lhe a oportunidade para fugir,
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dera a mesma oportunidade a Mims; ele, porém, tinha morrido, assassinado. Penelope não perdera sequer um segundo a procurar-me, nem me deixara qualquer sinal ou
aviso. Além disto, viera para esta vila, que, para mim, se afigurava o lugar mais inconveniente para ela se dirigir. Nem sequer me passara pela cabeça a ideia de
que ela conhecia tal lugar.
Uma parte do ouro pertencia-me por direito. Eu é que o tinha encontrado, que o tinha trazido do esconderijo, e, a despeito de tudo isto, aqui estava eu, com cerca
de quatro dólares no bolso, e uma feia cicatriz na cabeça, que servia para mostrar o que tinha passado.
Lembrei-me pela primeira vez do dinheiro que tinha recebido por ter actuado como guia de Loo-mis e Penelope. Cinquenta dólares.
Não estava arruinado. Cinquenta dólares equivaliam ao pagamento de dois meses de salário a um vaqueiro, e poucos trabalhavam por menos dinheiro...
Enquanto continuava sentado, a pensar em tudo isto, vi Noble Bishop entrar na rua, a cavalo. Acomranhavam-no Loomis, e Ralph e Sylvie Karnes. Percorreram a rua,
olhando para a direita e para a esquerda, todos de aspecto cansado e cobertos de poeira, apenas com os olhos brilhantes do fogo que somente o ouro consegue provocar.
Não me viram no restaurante, e se fossem à estrebaria o meu cavalo negro não lhes seria familiar.
Mas onde estava Penelope? E onde estava o ouro?
Subitamente, perdi a cabeça. Tinha-me estafado e corrido como um idiota, um excelente homem fora assassinado, bem como dois outros, certamente não tão afinados,
e, afinal, para quê? Para que uma pequena de olhos grandes e bonitos se pusesse a andar com o ouro, uma pequena que não tinha mais direito ao ouro do que qualquer
de nós?
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Que importava que Nathan Hume fosse parente dela? O ouro estivera ali enterrado durante muitos anos, e ela nunca o teria se não fosse eu.
Levantei-me da mesa tão bruscamente que quase a virei. Atirei meio dólar para o lado do prato, e dirigi-me para a porta.
A dona do restaurante veio a correr atrás de mim.
- Espere um momento, senor! O troco!
- Guarde-o. Dê-me de comer alguma vez que eu apareça aqui sem dinheiro.
O sol do fim da tarde provocava bastante calor, mas não me importei. Atravessei a rua e afastei as portas de mola do saloon do Baça. O próprio Baça achava-se ao
balcão. Os seus olhos semicerraram-se ligeiramente, quando me viu entrar.
- Baça - disse-lhe abruptamente - , esta tarde chegou a esta terra uma garota, e ela escondeu-se em qualquer sítio. Você sabe tudo o que se passa nesta vila - quero
encontrar a garota, e depressa!
- Tenho muita pena, mas...
- Baça, sou o Nolan Sackett. Você conhece-me.
Ele hesitou. Bastava uma ordem dele para surgirem quinze ou vinte homens duros. Se ele os chamasse, ver-me-ia metido numa encrenca dos diabos. Porém, naquele momento,
não me importava nada que ele os chamasse, e creio que Baça entendeu o meu estado de espírito.
- Ela está com a Annie. Não em casa dela... na cabana. Pode arriscar-se à vontade, Sackett. A garota tem uma arma e, pelo que ouvi dizer, está disposta a servir-se
dela.
- Não se servirá dela contra mim - afirmei. No entanto, logo que acabei de falar, fiquei com sérias dúvidas a este respeito.
Saí para a rua. O brilho intenso do Sol atin-giu-me como um punho, obrigando-me a pestanejar. Continuava a sentir-me possuído pela fúria - queria apenas encontrar
Penelope e descobrir a verdade.
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Tinha lutado por ela, ajudara-a a fugir, desencantara o ouro para ela - e, no fim, a pequena resolvera escapar-se sozinha.
Mims morrera. Tê-lo-ia ela assassinado? Como conseguiria outra pessoa qualquer aproximar-se tanto do velho? Estas interrogações cruzavam-me a mente, mas, no seu
íntimo, recusava-me a acreditar que tivesse sido Penelope.
A cabana da Annie ficava debaixo dos choupos da periferia da vila. Percorri a pé a rua poeirenta, desejando ter ali o meu cavalo. Nenhum vaqueiro digno desse nome
andava muitos passos numa rua quando o podia evitar, mas eu não tinha tempo para ir buscar o cavalo, e a distância era curta. Não esquecera que Bishop e os outros
estavam na vila e que deviam andar à procura da garota, e de mim também.
Foi a própria Annie quem apareceu à porta. Slanting Annie tinha trabalhado numa dúzia de sítios diferentes no Oeste, e eu encontrara-a em Forte Griffin e em Dodge.
- Annie, quero ver Penelope Hume.
- Ela não está aqui, Nolan.
- Annie - insisti, com irritação crescente - , já devias conhecer-me o suficiente para saber que eu não me contento com essa resposta. Sei que ela está aqui, e é
melhor que ela saiba que Loomis, Bishop e todos os outros estão em Loma Parda.
- Deixe-o entrar - disse a voz de Penelope. Annie afastou-se. Entrei na casa mergulhada na
penumbra e tirei o chapéu. Penelope envergava um vestido de viagem cinzento, e estava mais bela do que nunca. Até então eu não tinha conseguido ver até que ponto
ela era bonita.
- Sr. Sackett, pensei que tivesse morrido!
- Como Mims, por exemplo?
- Pobre tio Harry... teve muito pouca sorte. O Flinch matou-o.
- Flinch?
Porque não tivera pensado no mestiço?
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Ele tinha sangue índio em quantidade bastante para se aproximar de um homem sem este dar por isso.
- Espera que eu acredite nessa história?
- Decerto. Não pensa, com certeza, que eu matei aquele exelente velhote!
- Você parece saber manobrar bem quando as pessoas estão desprevenidas. - Deixei-me cair em cima de uma cadeira, e pousei o chapéu no chão, ao meu lado. - Precisamos
de ter uma conversa.
- Agora não - retorquiu Penelope, lançando um rápido olhar a Annie.
Annie olhou para ela, e depois para mim.
- Querem que eu saia, para falarem à vontade? Está em absoluta segurança com ele - acrescentou, dirigindo-se a Penelope.
- Que diabo de coisa para se dizer! - exclamei, sorrindo.
- Quero dizer que és um cavalheiro. Talvez sejas um fora-da-lei, mas és um cavalheiro.
- Bem... obrigado.
- Vou sair. Já tencionava ir ver a Jennie.
Ela pegou no chapéu, fixou-o com um grosso alfinete, saiu e fechou a porta.
- Você é artista a atravessar esta região - observei, com certo ressentimento. - O truque dos carneiros foi muito bom.
- Não consegui enganar ninguém.
- Sim, enganou-os a eles. - Fitei-a com dureza.
- A mim é que não conseguiu enganar.
- Tive um bom professor. Provavelmente o melhor de todos.
- Quem?
- Quem havia de ser? Você. Observei-o durante todo o tempo em que nos acompanhou. Você é um homem muito cauteloso...
Ela olhava-me com uma expressão curiosa, que eu não entendi muito bem.
- Não me perguntou pelo ouro - acrescentou.
- Ia agora perguntar.
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- Creio que não é grande coisa como fora-da-lei. Eu julgo que um bom fora-da-lei teria pergun-tado pelo ouro em primeiro lugar.
Relanceei o olhar pela divisão. Era uma sala pequena, dentro de uma pequena casa de adobe, mas estava bem mobilada - e nada tinha de espalhafatoso. Eu não percebia
muito destas coisas, mas tinha entrado num número de casas suficiente para distinguir o que estava certo e o que não estava certo.
- Como conhece a Annie? - indaguei.
- A tia dela trabalhou como costureira para a minha mãe. Eu sabia que ela estava em Loma Parda, e não conhecia aqui mais ninguém. Calculo que pense que uma garota
séria não devia sequer falar à Annie.
- Não penso nada disso. A Annie é uma mulher às direitas. Conheço-a há bastante tempo... por assim dizer... Sabe o que aconteceria se alguém soubesse que tem consigo
todo esse ouro? Esta terra iria quase pelos ares. E, precisamente neste momento, andam à sua procura.
- A Annie conhece um homem que tem carros. Ela arranjará as coisas para ele me ajudar a chegar a Santa Fé... - Penelope mudou de assunto: - Acabei de fazer café...
Apetece-lhe beber?
Enquanto a pequena foi à cozinha para trazer a cafeteira e as chávenas, encostei-me cautelosamente na cadeira de pelúcia. Para falar verdade, não confiava na resistência
do mobiliário. Eu estava mais acostumado a sentar-me em bancos, tarimbas e cadeiras dos bares, e além disso sou um homem bastante alto e corpulento. As peças do
mobiliário não pareciam feitas para o meu tamanho. Não obstante, a sala era confortável e admirei-a. Admirei até a coronha da pistola que se encontrava dentro do
cesto da costura colocado sobre a mesa.
Penelope reapareceu com o café, serviu-me uma chávena, e sentou-se à mesa, perto da arma.
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- O homem de que lhe falei parte esta noite - explicou. - Ele tem dez carros. A Annie conseguiu que um deles fosse para mim.
- Onde está o ouro?
Ela não respondeu à pergunta. Disse:
- Quero que fique com uma parte do ouro. Afinal, sem a sua ajuda nunca o teria encontrado, nem conseguiria conservá-lo em meu poder.
- Obrigado... Não posso ficar aqui, à espera que eles venham. Preciso de encontrar Loomis... e Flinch.
- Tenha cuidado com ele. Fui obrigada a fugir, percebe? Depois do Flinch matar o tio Harry, eu não podia fazer outra coisa. Fiquei com medo dele.
Continuava com a chávena na mão, mas não cessava de pensar rapidamente. Não é que eu fosse um tipo desconfiado, mas parecera-me que ela se tinha demorado para trazer
o café mais tempo do que seria necessário. Bebi um gole, pousei a chávena e levantei-me.
- Não vai comigo? - perguntou.
- Andarei por aí... E quando chegar a hora desse homem partir com os carros, eu voltarei aqui.
Debrucei-me e peguei no chapéu. Penelope tinha a mão perto da pistola, seria por acaso? Endireitei o corpo vagarosamente e vi que ela me fitava, com uns olhos extraordinariamente
brilhantes. O pior é que eu queria confiar nela, quase acreditava que poderia fazê-lo sem reservas, mas não era capaz de me arriscar completamente.
Passei diante dela, penetrei na cozinha e saí pela porta das traseiras. Parei no pequeno alpendre, voltei os olhos para o Sol, e pestanejei uma porção de vezes antes
de descer o degrau. Havia ali um pequeno estábulo, e, tanto a casa como o pátio ficavam à sombra dos choupos. Ouvi o ruído de alguém que se deslocava apressadamente
dentro de casa. Cheguei à esquina do lado da frente
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e examinei a rua, para baixo e para cima. A meira olhadela foi rápida, procurando distinguir qualquer perigo imediato, e a segunda mais demorada, esquadrinhando
todos os esconderijos possíveis.
Foi um leve ruído de movimento que me avisou. Voltei-me com rapidez, a tempo de ver Loomis erguer uma espingarda. A minha mão empunhou a pistola e atingi-o a meio
do corpo. Ambos os canos da espingarda se despejaram contra a terra, com um ribombar surdo.
Saltei instantaneamente para trás dos choupos, corri colado às traseiras de uma casa, abrandei, em seguida entrei tranquilamente na rua, misturando-me com vários
homens que saíam dos saloons.
- Que sucedeu? - perguntara alguém.
- Tiros, lá no fim da rua - respondi. - Talvez alguém a matar um peru.
Voltei-me e entrei no bar do Baça, onde reinava agora bastante animação. No entanto, não descobri sinal de Bishop.
A estrebaria foi a minha paragem seguinte. Retirei de lá o cavalo preto, selei-o, e deixei-o preso fora da cavalariça, mas bem protegido pelas sombras.
Ocorreu-me uma ideia e dei uma vista de olhos pela estrebaria.
Os cavalos de Penelope encontravam-se ali, incluindo os animais de carga, mas não descobri as bolsas que tinham servido para carregar o ouro. Eu seguia-a a grande
distância quando ela entrara na vila, e ela devia sabê-lo. Como não sabia onde morava a Annie, não podia levar para lá o ouro. Uma garota como ela, que atravessasse
a rua principal de Loma Parda com três cavalos, dois dos quais com carga, despertaria as atenções, e isto também ela sabia...
Penelope não levaria o ouro para a estrebaria, pois teria de o descarregar, sozinha,
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a menos que aliviasse as cilhas e deixasse cair as selas. Ela não se atreveria a fazer isto dentro de uma povoação, com receio que os sacos rebentassem, ou que alguém
sentisse curiosidade em saber por que razão as bolsas eram tão pesadas.
Portanto, o ouro devia estar algures, fora da vila, rapidamente descarregado e abandonado, antes de ela entrar em Loma Parda.
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QUINZE.
Parado junto ao cavalo, com uma das mãos em cima da sela, recordei o caminho seguido pela pequena. O género de local de que ela precisaria para esconder o ouro e
que não fosse descoberto acidentalmente por outra pessoa seria raro. Além disso, eu tinha-a seguido até Loma Parda. Como poderia então Penelope ter feito um desvio
sem que eu me apercebesse?
De súbito lembrei-me de que, efectivamente, não tinha seguido a garota até à entrada da vila.! Quando as marcas dos cavalos dela se confundiram com os numerosos
sinais de montadas e carros que saíam e entravam na povoação, eu havia deixado de seguir a pista, partindo simplesmente do princípio de que era para ali que ela
se dirigia.
Saltei para a sela e contornei o lado mais afastado da estrebaria. Em seguida desci a ruela que ia até à periferia da vila, conservando- me protegido dos olhares
indiscretos, podendo ser visto somente por alguém que estivesse na estrebaria.
Havia outro trilho que partia de Loma Parda para Oeste na direcção das Montanhas Sangre de Cristo, desviando-se para Sul, a caminho de Las Vegas, e continuando até
Santa Fé. Este trilho era utilizado ocasionalmente pelos carros que faziam serviço de carga. E se Penelope tivesse contornado a vila, chegado perto deste trilho
e escondido lá o ouro?
172
Menos de dez minutos depois eu seguia ao longo do trilho, em busca de esconderijos possíveis. Onde deixaria eu uma carga pesada, de forma a poder recuperá-la facilmente,
se estivesse no lugar de Penelope?
Havia ainda alguma luz, mas o Sol estava baixo e não tardaria em chegar a noite. O meu cavalo não produzia o mínimo ruído na areia solta do trilho. Apesar de toda
a minha atenção, não conseguia descobrir o lugar que procurava.
Então, no último momento, quando a escuridão era quase completa, distingui uma faixa de ervas pisadas e quase amarelas, e caruma e pinhas sobre as ervas. Fiz parar
o cavalo e examinei o local. Alguma coisa tinha estado naquele ponto, uma coisa que não se encontrava ali agora.
As marcas, vi claramente, tinham sido feitas por um pinheiro que não teria mais de três metros de altura, que caíra ou que fora cortado, tendo jazido ali durante
algum tempo.
A árvore continuava no local, mas achava-se agora deslocada para um lado, ainda presa à base por um pedaço de tronco. Alguém tinha agarrado o pinheiro pela parte
superior para o puxar para um lado, deixando a descoberto a zona onde ele tinha caído primitivamente, e onde repousara durante várias semanas, pelo menos.
Conduzi o cavalo para fora do trilho, prendi-o, e aproximei-me do pinheiro. Logo que desloquei a árvore para um lado, descobri as bolsas de carga, com o seu conteúdo
e a curta distância do trilho que seria seguido pelos carros. Cada uma das selas continha setenta e cinco quilos de ouro.
Peguei nas duas selas, uma em cada mão e endireitei o tronco lentamente. Caminhei durante cinquenta metros e parei para descansar, e, um momento depois, continuei
a andar. Cerca de vinte minutos depois regressei ao local e andei com o cavalo sobre toda aquela área, a fim de deixar uma porção de marcas confusas. Em seguida
regressei à vila
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e prendi o cavalo diante de um armazém que já tinha fechado.
Transportar aqueles cento e cinquenta quilos de ouro não constituíra para mim uma grande dificuldade, pois eu tinha crescido, habituado a manejar um machado de
dois gumes, a lutar com irmãos e primos, e, mais tarde, tinha trabalhado na carga e descarga de barcos no rio. Depois, habituara-me a domar cavalos selvagens e a
derrubar vacas de quatrocentos e cinquenta quilos. O facto é que eu tinha nascido forte, e era capaz de transportar tudo o que conseguia levantar do chão.
Porém, a mudança do esconderijo do ouro ser-me-ia útil apenas durante algumas horas. Ao nascer do dia, os outros começariam também a procurá-lo. Todavia, no caso
do homem conhecido de Annie partir com uma caravana, eu tencionava acompanhá-lo. A minha experiência incluía a condução de parelhas, mesmo em caravanas.
Parado na escuridão, ao lado do cavalo, fiz um rápido exame à pistola e às facas, pois não ignorava que era um homem em perigo. Calculei que os homens da caravana
pudessem ser encontrados no saloon de Baça, e foi para lá que me dirigi.
A casa estava quase cheia de soldados, que se viam sentados às mesas com as raparigas do bar. Aqui e além distingui alguns mexicanos de aspecto duro. Eram os homens
de Baça, indivíduos dispostos a tudo e com quem não se devia brincar.
Baça viu-me logo que entrei, e o olhar dele seguiu-me, enquanto eu abria caminho por entre a multidão. Ao chegar junto dele, pedi uma bebida.
- Obrigado, Baça - disse-lhe. - Encontrei-a.
- Bueno. A Annie disse-me que você era um tipo afinado.
- Uma coisa, Baça... Se houver por aqui sarilhos, nada tenho contra si.
- Si, compreendo. - Ele pegou num copo e serviu-me a bebida. - À sua boa fortuna, senor.
- Bebemos ambos, e em seguida ele pousou cuidadosamente o copo em cima do balcão. - Noble Bishop está em Loma Parda. Ele anda a perguntar por si.
- Não estou interessado em provar coisa alguma, Baça. Se ele quiser encontrar-me, terá de continuar a perguntar.
- É por causa da senorita?
Era melhor que ele pensasse deste modo do que começasse a tentar conhecer o verdadeiro motivo.
- Ela é muito bonita - retorqui. - E é uma senhora.
- Foi o que me disseram.
- E agora outra coisa... Procuro um emprego. Um emprego para conseguir desaparecer por uns tempos. A conduzir um carro numa caravana, por exemplo. Uma diligência
não me convém... Ninguém vê o cocheiro do carro de carga, mas o da diligência dá muito nas vistas.
- Está na vila um homem chamado Ollie Shaddock. Ele parte esta noite com alguns carros, e vai buscar mais a Las Vegas.
Dirigi-me para uma mesa colocada perto da parede, sentei-me e fiquei à espera de que Shaddock entrasse. Apesar de ser normalmente um homem paciente, sentia-me naquele
momento sacudido por uma enorme impaciência, talvez porque o ouro exercesse um peso invulgar na mente de um homem. Preocupava-me o facto de não ter tornado a ver
Bishop, Sylvie ou qualquer dos outros.
Logo que Shaddock chegou, Baça indicou-lhe a minha mesa. O que Baça pretendia, acima de tudo, era ver-se livre de mim.
Ollie Shaddock era um homem corpulento e sorridente, cujo cabelo louro principiava a ficar grisalho. Estendeu a mão para mim.
- Quem quer que use o apelido Sackett é meu amigo - declarou. - Eu também sou do Tennessee.
- Conhece o Tyrel e os outros?
- Fui eu quem trouxe a mãe e os irmãos mais novos para o Oeste. Eu sou de Cumberland.
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- E eu de Clinch Mountain.
- Há por lá muito boa gente. E tenho pessoas de família por essa região... Em que posso ser-lhe útil?
- Quero que me contrate como cocheiro, e não me importo até de fazer o serviço de graça. Pretendo apenas conduzir o último carro da caravana que parte hoje à noite.
Shaddock deixou de sorrir.
- Você tem alguma ligação com a garota?
- Mais ou menos. Eu é que vou carregar aquilo que ela julga que vai carregar. A garota receberá o quinhão dela em Santa Fé... e eu quero somente garantir que virei
a receber o meu.
- Você é um Sackett. Isso para mim basta. - Fez um gesto para encomendar uma garrafa. - Nolan, fui eu quem meteu o Orrin na política. Na realidade, foi pelo facto
de eu ser xerife numa terra do Tennessee que os rapazes vieram para Oeste... O Tyrel acabou a luta com os Higgins matando o Long Higgins. Cabia-me a mim prendê-lo,
e ele fugiu para o Oeste, a fim de evitar sarilhos... Está a ver, eu era amigo da família...
- Muito bem, pode deixar-me espaço para duas bolsas de sela carregadas no meio do carro?
- Claro que sim. - Shaddock encheu o copo. - Você conhece o Tyrel e os outros?
- Não. Tenho apenas ouvido falar neles. Naquele momento reinava a máxima animação
no bar, e tive vontade de sair. Além disso, queria ver se Penelope estava bem. A rapariga preocupava-me. Eu não consegui perceber claramente se ela queria liquidar-me
ou não. Era possível que ela tivesse estado na cozinha a deitar o café nas chávenas... mas podia também ter feito um sinal qualquer a Loomis.
Ollie Shaddock levantou-se pouco tempo depois, explicando-me o local onde eu devia encontrar-me com os carros. Fora uma grande sorte ele ser amigo da família, e,
para mais, um homem das colinas do Tennessee.
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Já ouvira falar nele, mas sabia apenas que Shaddock mantinha várias carreiras de carros de carga no Novo México e no Arizona.
Levantei-me poucos minutos depois, paguei a despesa e saí do bar por uma porta lateral. Baça ficou a observar-me, sem dúvida muito satisfeito por me ver partir.
E não se podia dizer que as lutas não eram vulgares em Loma Parda. A verdade era que a vila tinha já sido teatro de inúmeras batalhas sangrentas, travadas com todos
os tipos de armas.
A noite estava fria e tranquila. As estrelas pareciam maiores no céu escuro, e os choupos faziam ouvir o leve sussurrar das suas folhas. Fiquei parado durante um
momento, escutando o ruído das vozes e da música da pianola dentro do bar. Havia no ar um cheiro a madeira queimada.
Desloquei-me para o lado da porta, imobilizei-me novamente, e aspirei profundamente o ar da noite, enquanto os meus olhos se habituavam à escuridão. O que desejava
menos naquela ocasião era sarilhos. Tinha o ouro escondido, arranjara uma maneira de sair da vila, e devíamos partir dentro de menos de uma hora.
Caminhei ao longo da parede, na direcção da rua, e, por fim, parei na sombra, para examinar ambos os lados da rua. Distingui uma luz no fim da rua, em casa de Annie,
e decidi dirigir-me para lá. Annie devia estar a trabalhar àquela hora, e Penelope estava em casa, com certeza, à espera, tal como eu.
Bem sabia que ela não teria grande empenho em ver-me, pois eu não me considerava homem que atraísse os olhares das pequenas. Ergui as mãos e observei-as. Eram mãos
feitas para lidar com armas e ferramentas, para realizar todos os géneros de trabalhos, para levantar as cargas mais pesadas... mãos a que não pediam ternura, nem
era provável que viessem a pedir. Uma pequena como Penelope...
De nada servia pensar nela. Ela abandonara-me,
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sem se incomodar em deixar-me um sinal. Ela podia ter assassinado Harry Mims e podia ter-me preparado uma armadilha. Talvez as coisas se tivessem passado como ela
contara; talvez ela tivesse tido medo de ficar sozinha depois de terem assassinado o velho, mas eu não podia confiar nela. O pior era que a moça me parecia tão terna
e tão amigável, tão adorável, que, de vez em quando, o meu pensamento perdia a clareza.
Algures, talvez bem perto, estavam Sylvie e o irmão, e a verdade era que eu havia perdido pouco tempo a pensar em Sylvie. Em contrapartida, ela devia ter pensado
muito em mim, e o mais provável era que ela e Noble Bishop trabalhassem em conjunto.
Entrei na rua, parcialmente iluminada por diversas janelas, e encaminhei-me para o sítio onde deixara o cavalo.
O animal relinchou e esfregou as narinas delicadas na palma da minha mão, enquanto comia um torrão de açúcar escuro. Depois soltei-o e conduzi-o pelo meio da escuridão.
Pouco tempo faltava. Dentro de minutos, eu estaria sentado no banco de um carro de carga, saindo da vila. Iria buscar o ouro, metê-lo-ia dentro do carro, cobri-lo-ia
bem, e seguiríamos a caminho de Las Vegas e Santa Fé.
Qual seria a atitude de Penelope ao constatar o desaparecimento do ouro? Continuaria a viagem ou ficaria ali para tentar descobri-lo?
Com estas perguntas em mente, instalei-me na sela e circundei a vila, na direcção do local onde os carros estavam estacionados. Penelope não devia tardar.
O vento que soprava da direcção de Sangre de Cristo era agreste, estimulante para os pulmões, e trazia consigo o perfume dos pinheiros e o cheiro da neve distante.
Parei ao lado da igreja e examinei a rua. Ouvi um grito característico do Texas atravessar as paredes de um dos bares,
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e em seguida soou um tiro... Algum soldado ou vaqueiro a festejar alguma coisa a seu modo. Nas colinas que ficavam por trás da vila, um coyote falava com as estrelas,
queixando-se, a julgar pelos seus uivos.
Ao chegar ao pé dos carros, parei junto do último e prendi o cavalo à tábua das traseiras. Retirei a "Winchester" do coldre da sela e coloquei-a atrás do assento,
num sítio onde podia deitar-lhe a mão com facilidade.
Um homem surgiu do meio da fila de carros.
- Sackett?
- Estou aqui.
Ele acercou-se, com a brasa do charuto a brilhar intensamente.
- Você trabalha com aquela pequena?
- Sim, de certo modo.
- Ela ainda não apareceu, e está a chegar a hora de partirmos. Acha que ela teria desistido?
- Não me parece nada provável. - Fiquei um instante a pensar. Seria isto outra armadilha? Ela informara-me que ia partir naquela mesma noite. Devia sair dali e ir
procurá-la? Ou teria a garota sido finalmente apanhada por Sylvie e Ralph?
- Daqui a quanto tempo quer partir? - perguntei ao homem.
- Estou à espera de outro carro, que está a carregar ali adiante.
- Vou buscá-la. Ollie, Shaddock, disse:
- É melhor esperar aqui. Ela virá, se quiser.
- Eu vou ver.
- Sackett, ouvi umas conversas por aí. Aconselho-o a ter cuidado. Alguém tem andado a alugar pistoleiros. Você sabe como é Loma Parda... Aqui consegue-se tudo, desde
que se tenha dinheiro para pagar, e há coisas baratas, como o prémio a um assassino...
- Quem é que anda a contratar os pistoleiros?
- Não faço ideia.
Sabia-me bem o ar fresco da montanha a fustigar-me a cara. Não era uma altura propícia para morrer.
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Estranhamente, eu pensava menos no ouro que me bastava apenas recolher do que naquele vento agradável ou na pequena. Estava tão pouco familiarizado com a fortuna,
que, quando tinha algum dinheiro, gastava-o tão depressa, que pouquíssimo me ficava.
- Você está apaixonado pela garota? - perguntou Ollie.
Estava? Não me parecia. Não tinha sequer a certeza de saber o que era o amor, e sempre me defendera contra qualquer sentimento profundo por uma garota. E, afinal,
quem se apaixonaria por mim? Eu não passava de um homem alto e forte, que tinha apenas duas mãos vigorosas e uma arma.
Se se tratasse de outra pessoa, a minha resposta teria sido diferente. Aquele homem, porém, conhecia gente da minha família, e era do Tennessee.
- Ollie, não sei bem. Não confio inteiramente nela. A outra, a pequena chamada Sylvie, é veneno puro. Esta conheço eu. Mas Penelope... Não sei o que pensar.
- Vá com cuidado, Sackett. Aproximei-me do cavalo e troquei as botas por
moccasins.
- Ollie, hei-de voltar. Espere um pouco.
Não me separavam da casa de Annie mais de cento e cinquenta metros. Percorri a distância caminhando ao longo dos choupos. Sentia a boca seca, e o coração batia aceleradamente;
não sabia explicar se isto era devido ao facto de prever complicações ou por causa da pequena. Disse a mim próprio que era um disparate sentir-me assim por uma garota,
mas esta conversa de nada resultou.
Ouvi a música do saloon do Baça; havia homens a cantar, a beber e a rir, homens a jogar às cartas e a olhar para as raparigas, enquanto brincavam com moedas ou fichas
entre os dedos. Distingui os cavalos presos no corrimão, e vi um homem surgir da escuridão do passeio e atravessar a rua,
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na direcção do saloon, um homem que usava um largo sombrero, e que fazia tilintar as esporas ao andar.
Protegido pelas grandes sombras das árvores, parei e fiquei a observar a casa da Annie. As janelas estavam iluminadas e pareciam brilhantes e alegres. Apesar da
visão, senti um curioso vazio dentro de mim, um súbito desejo de possuir janelas numa casa só minha, uma casa onde regressaria ao terminar o trabalho, uma casa confortável
com uma mulher lá dentro, à minha espera. Não valia a pena perder muito tempo com estes pensamentos. Isto não era para Nolan Sackett.
Os moccasins não produziam o mínimo ruído enquanto eu caminhava por baixo das árvores. Havia há muito aprendido a deslocar-me como um animal selvagem pelo mato.
As botas teriam feito ruído, mas com os moccasins podia sentir os ramos debaixo dos pés antes de os pisar, e, deste modo evitá-los.
Parei de novo ao chegar a cerca de quinze metros da casa, conservando-me colado ao tronco de um choupo. Não distingui qualquer som. Aproximei-me e detive-me ao lado
de uma janela.
Penelope achava-se sentada à mesa, servindo café, e, do outro lado, estava Sylvie Karnes!
Ao lado de Sylvie, Noble Bishop; Ralph Karnes saía da cozinha com um prato com bolos. No momento em que pousou o prato sobre a mesa, ouvi Penelope fazer um comentário
qualquer a respeito da hora. E todas as cabeças se voltaram para o relógio.
Penelope acabou de servir o café e recostou-se, pegando na sua chávena. E ali estavam sentadas várias pessoas que eu julgava inimigas, a conversar e a beber café.
Nunca tinha visto nada semelhante. Afinal de contas, talvez eu fosse o único idiota do grupo.
Por fim, Penelope colocou a chávena na mesa, disse qualquer coisa a Sylvie acerca da louça, e foi buscar o chapéu.
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Depois voltou-se e dirigiu a palavra a todos, obviamente a despedir-se.
Silenciosamente como um fantasma, desapareci entre as árvores e regressei até junto dos carros. Ollie esperava-me com impaciência.
- Ela virá - informei.
- Falou com ela?
- Não, mas ela vem.
- A garota irá no carro que segue à frente do seu, visto que ambos querem parar.
- Quem conduz o carro dela?
- Um tipo bom... Reinhardt. Já está comigo há uma porção de anos. - Ollie olhou vivamente para mim. - Ainda não me tinha lembrado de lhe dizer uma coisa. Orrin Sackett
é meu sócio neste negócio. Um terço pertence-lhe.
- Ele tem tido êxito, creio eu.
- Sim, é verdade. Eu diria que Orrin é uma das figuras políticas mais fortes de todo o território.
Apoiado contra o carro, aguardando a chegada de Penelope, reflecti amargamente que Orrin nada tinha mais do que eu ao partir para o Oeste. Tinham-se educado à própria
custa, ele e Tyrel, e ambos eram agora tipos importantes na região, ao passo que eu tudo o que tinha atrás de mim eram trilhos poeirentos, desordens e esconderijos
solitários nos montes.
O facto de eu estar quase a deitar a mão a uma quantidade de ouro suficiente para tornar um homem rico durante toda a vida, pouco significava. O que importava era
o que um homem fazia com as suas próprias mãos, com o seu cérebro. O que eu ia ganhar desta aventura devia-o a simples sorte e à rapidez a manejar as armas. E, precisamente
naquele momento, nem sequer tinha o ouro.
Ela surgiu das sombras profundas.
- Sr. Shaddock, peço imensa desculpa por vir tarde, mas recebi a visita de alguns amigos e fui obrigada a conversar com eles durante uns minutos. Está pronto para
partir?
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- Sim, minha senhora. Pode subir para o seu carro. Este é o Oscar Reinhardt, que será o condutor do seu carro.
- Obrigada. - Percebi que os olhos dela procuravam distinguir-me no meio da escuridão. Ollie apontou para mim, explicando:-Nolan Sackett vai a conduzir o último
carro.
Ollie dirigiu-se para a frente da caravana, e Penelope aproximou-se de mim.
- Também vem? Ainda bem. - Ela hesitou. - Sou forçada a confessar que me sinto satisfeita por partir - prosseguiu apressadamente. - Quero ir para bem longe de tudo
isto... de todos estes crimes. - Penelope fitou-me. Eu distinguia perfeitamente o rosto oval na escuridão: - O pobre senhor Loomis foi atingido por um tiro. Não
morreu, mas está gravemente ferido. Não sei o que aconteceu.
- Esta região é muito perigosa - volvi. - Alguém o viu a andar pela escuridão e imaginou que ele queria matá-lo. Ouvi falar no tiroteio. Fizeram fogo duas vezes,
não foi?
- Não sei. - Penelope encaminhou-se para o carro e Reinhardt ajudou-a a subir. Poucos minutos depois ouvi o ruído do primeiro carro que se punha em marcha. Conforme
sucedia sempre neste género de caravanas, os carros não iniciariam a marcha regular senão quando entrassem no trilho. Alguns carros estavam parados fora do caminho,
e tomariam os seus lugares um após outro. O movimento seria sujeito a várias paragens até a linha ficar completa. A paragem de um carro não atrairia as atenções,
visto que diversos haviam de se deter, a fim de deixar lugar para os que seguiam à sua frente.
O carro de Reinhardt partiu e concedi-lhe um certo avanço. Eu conduzia oito poderosas mulas do Missouri, que não ofereciam dificuldades. Sempre me agradara segurar
as rédeas para comandar animais como aqueles.
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Avançámos lentamente enquanto se formava a coluna, mais devagar do que um homem a passo. Eu seguia atento aos pontos de referência que tinha fixado, e, chegado o
momento preciso, fiz alto. O carro da frente continuou a andar. Fiquei um instante à escuta, mas nada ouvi.
Enrolei as rédeas em volta do travão e saltei para terra cautelosamente, o mais silenciosamente possível.
Penelope podia estar metida naquilo com Sylvie e os outros, mas, se não estivesse, era mais do que certo que eles estariam a vigiar os carros em movimento. Deviam
saber que ela tinha o ouro, e que precisava de o recuperar em qualquer ponto do caminho. Estariam também a vigiar-me?
Descendo a pequena valeta da estrada, penetrei entre as árvores, e detive-me momentaneamente para escutar. Não julguei distinguir nenhum ruído anormal e dobrei o
corpo para pegar nas bolsas de carga. Pareceu-me ouvir um ligeiro movimento, atrás de mim, entre os pinheiros. Continuei à escuta, imóvel, mas nada mais ouvi. Meti
o braço na cavidade, retirei a primeira bolsa e depois a segunda. Tinha pensado em levar ambas, mas ficaria incapacitado de me defender se as levasse. Não era muito
rápido largar este peso e puxar pela arma... Teria de transportar uma de cada vez.
Levantei a primeira, atirei-a para cima do ombro e, conservando a mão livre em cima da pistola, regressei à beira da estrada. Aqui necessitei da mão livre para me
ajudar a subir. Venci a subida, coloquei o saco com o ouro dentro do carro, e fui buscar o segundo.
Ao dobrar-me para agarrar a segunda bolsa, escutei outra vez. Ouvi agora o som distante do movimento dos carros. Não se ouvia ruído especial do carro de Fenelope.
No entanto, pareceu-me distinguir alguns ruídos rápidos, a certa distância. Levei a segunda bolsa ao ombro e caminhei cuidadosamente até à valeta.
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Pousei o ouro na estrada, e voltei-me, para escutar com mais atenção.
Nada notei. Saltei para o leito da estrada, carreguei o ouro para dentro do carro, puxei o oleado para cima dos dois volumes e prendi-o com cordas.
Achava-me parado ao lado das mulas quando ouvi passos na estrada. Acabei por descobrir que se tratava de Reinhardt.
- Sackett? Aquela garota saiu do carro há mais de dez minutos. Sabe o que quer aquilo dizer?
- Creio que ela pretendia carregar uns volumes. Às escuras as coisas parecem diferentes, e ela, provavelmente, anda à procura do sítio onde os deixou.
- É só por causa disso?
Tal como Ollie tinha dito, ele era um bom homem, e, sem dúvida, honesto.
- Ouça - disse-lhe - é melhor ficar ao pé dos seus animais. Toda esta história é perigosa, e não vale a pena acabar por levar um tiro, nada tendo a ver com isto.
- Que diabo! Não tenho medo...
- Decerto que não tem, mas o caso é diferente. Você podia ser aqui assassinado, e sem qualquer motivo.
- Se aquela moça está em apuros...
- Acredite no que lhe digo. Ela sabe desembaraçar-se sozinha. Ela ou eu; você fica muito quieto. - Levei a mão à pistola. - Vou buscá-la.
Eu não sentia o mínimo desejo de entrar naquele escuro aglomerado de zimbros, com Penelope lá dentro, e só Deus sabia quantos outros mais. A medida mais inteligente
seria eu continuar onde estava e deixar que a garota saísse de lá pelos seus próprios meios.
Se eu fosse procurá-la, arranjaria apenas sarilhos. Não obstante, Penelope estava ali sozinha, e eu, como qualquer idiota chapado, fui atrás dela.
Naquele ponto não havia valeta - a estrada ficava ao nível do bosque.
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A margem do trilho era cercada por arbustos que chegavam à altura dos joelhos. Tentei passar por cima deles, a fim de não fazer ruído, mas não o consegui completamente.
Dirigi-me em primeiro lugar para aquele pinheiro derrubado, junto do qual ela escondera o ouro. Quando estava quase a chegar, notei um movimento próximo e senti
um leve cheiro a perfume. - Penelope?
Um corpo aproximou-se de mim e uns dedos femininos rodearam-me o pulso. De súbito, os dedos apertaram-se com vigor, o meu pulso foi empurrado para trás, e, simultaneamente,
o corpo feminino avançou contra o meu, com súbita violência. Salvou-me a fivela de prata que fixava o cinturão, juntamente com a minha reacção pronta, pois logo
que a ponta da faca embateu contra a prata, desviou-se para cima. A minha mão voou num movimento instintivo e atingiu o braço dela pela altura do cotovelo.
Como já tive ocasião de afirmar, sou um homem grande e muito forte, e esta pancada deve ter deixado o braço da moça adormecido. Ela largou a faca, e ouvi a lâmina
tilintar no chão. Quase no mesmo instante, todo aquele lugar foi iluminado por uma luz forte. Alguém tinha deixado cair um fósforo no topo do pinheiro seco.
Todos os que já viram pinheiros secos a arder podem imaginar o que sucedeu. A árvore ardeu com uma série de estalidos tremendos, cuspindo chamas, pegando fogo a
toda aquela área. E do outro lado da clareira, diante de mim, estava Ralph Karnes, e, não muito longe, Noble Bishop.
No momento em que as chamas irromperam, Bishop viu-me e eu vi-o também, e ambos compreendemos que as cartas estavam na mesa. A mão dele desceu para a arma, e o meu
instinto deve ter-me distendido os músculos, mesmo antes de eu me aperceber da necessidade,
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pois a pistola surgiu-me na mão... uma fracção de segundo mais rápida do que a dele.
Senti a chicotada da bala a roçar-me pelo pescoço, e vi Bishop dobrar o corpo pelo meio e principiar a cair. Agarrou-se ainda ao tronco de uma árvore e tentou apontar
novamente a pistola. Dei-lhe outro tiro.
Karnes fez fogo, mas, como não estava habituado a este género de combate, disparou depressa de mais. Deve ter dado um puxão ao gatilho, em vez de o comprimir com
firmeza, pois não me acertou. Eu não falhei. O rapaz recuou, levou ambas as mãos ao peito, e caiu por cima dos arbustos. Agitou-se durante um momento, como um animal
selvagem, e, por fim, imobilizou-se.
A erupção de chamas começava a extinguir-se e tratei de procurar Penelope. A garota achava-se parada no local onde o ouro tinha estado, quase sem se aperceber do
que sucedia, e não cessava de dizer:
- Desapareceu... Desapareceu...
Ouvi alguns gritos de excitação que vinham da direcção da vila, e vi a luz trémula de uma lanterna, conduzida por alguém que avançava para nós.
Sem uma palavra, peguei em Penelope ao colo e transportei-a para o meu carro.
- Continue a andar! - gritei para Reinhardt. - Procure juntar-se aos outros carros. Eu tomarei conta da garota.
- Ela está bem?
- Claro que sim... Vá, siga. Quero sair daqui. Reinhardt afastou-se, a caminho do carro dele.
Coloquei Penelope no assento do meu, subi para o lado dela e retirei as rédeas de cima da alavanca do travão.
Reinhardt pôs-se em movimento e nós seguimo-lo. Mentalmente, contei os meus tiros.
Restavam-me duas balas na pistola, e não tinha possibilidade de a carregar enquanto conduzia as mulas.
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A espingarda seguia atrás de mim, ao alcance da mão.
De repente, o carro principiou a mover-se e Penelope tornou à vida.
- Não, não! Não posso ir! O ouro ficou ali! Tenho de o encontrar!
- Não ficou ali, não - retorqui calmamente. - Foi mudado, pouco tempo depois de você o ter escondido.
A garota voltou-se para mim.
- Como sabe?
- Sossegue. É uma longa viagem até Santa Fé.
- Mas eu não quero ir para Santa Fé! Eu quero o ouro!
- Eles também queriam... Sylvie, Bishop e os outros. Veja o que lhes aconteceu.
O carro de Reinhardt parou, e, momentos depois, continuou a andar.
- Preciso daquele ouro - disse a garota, obstinadamente. - Tenho de ter aquele ouro. Não sei como hei-de viver sem dinheiro, e não há empregos para mulheres.
- Podia casar-se.
- Quando me casar, não será por precisar de alguém que tome conta de mim. Quero casar-me por amor.
- Que romântica - comentei friamente.
- Não me interessa... é assim que eu penso!
- Se você tivesse todo aquele ouro, apareceria logo alguém a querer casar consigo, para arranjar quem tomasse conta dele...
Reinhardt parecia estar a fazer um estranho percurso com o carro. Tinha voltado a parar. Continuei sentado, com as rédeas na mão, aguardando que ele prosseguisse.
- Além disso, nunca chegaria a descobrir o ouro. Aquele sítio já deve estar cheio de gente a querer saber quem matou e quem foi morto. Se pensa em voltar, acho preferível
esperar umas semanas.
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Depois de avançarmos alguns metros, perguntei-lhe:
- Teve uma agradável conversa com Sylvie, ontem à noite?
Ela voltou-se vivamente.
- Esteve a espiar?
- Pois claro. Um homem tem de saber o que se passa. Gosto de saber quem são os meus amigos.
- E pensa que não sou sua amiga? -É?
A garota permaneceu calada durante algum tempo. Depois respondeu:
- Devo ser. Você fez mais por mim do que qualquer outra pessoa. Creio até que nem estaria viva se não fosse você.
- Você salvou-me a pele quando eu estava caído por terra e ferido. Não deixou que o Ralph se aproximasse de mim. - Obriguei as mulas a andar mais depressa. - E você
fez um belo trabalho ao atravessar sozinha toda esta região.
- Se não soubesse que você vinha a seguir-me a distância, nunca o teria conseguido. Eu sabia que você tinha de estar ali, e tentei fazer o que você teria feito.
- Portou-se muito bem.
Nenhum de nós disse uma palavra durante alguns minutos, limitando-nos a ouvir o sacolejar do carro sobre a estrada e a observar as estrelas. Eu, porém, escutava
também outros sons. Agora, os meus ouvidos já estavam habituados ao ruído das rodas do carro, dos arreios e das mulas. Sabia o que estes ruídos significavam, e que
me cercavam, além destes, apenas os sons normais da noite.
Faltava, em qualquer sítio, uma peça do quebra-cabeças... Teria Penelope uma faca preparada para me furar as costelas?
- A Sylvie tentou espetar-me uma faca.
- Onde está ela?
- Ficou lá. Deve ter um braço bastante magoado, mas viverá... o que é ainda pior.
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- Ela é abjecta.
- Tive ocasião para descobrir isso. Tão certo como dois e dois serem quatro, mais gente há-de morrer por causa dela. Espero que nós possamos ver-nos livres dela.
Este "nós" foi uma espécie de escorregadela, mas Penelope não pareceu notar.
Perguntou, pouco depois:
- Que teria acontecido ao ouro?
- À noite, tudo fica diferente. Você, provavelmente, confundiu o local.
- E aquela árvore? Eu sabia que o ouro estava-debaixo daquele pinheiro caído!
- Há por ali muitos pinheiros caídos - comentei, despreocupadamente.
- Não o acho muito transtornado com o caso.
- E não estou. Nunca tive aquele dinheiro em toda a minha vida, e, portanto, se nunca mais o vir outra vez, não lhe sinto a falta.
Continuámos a avançar, trocando algumas palavras de vez em quando, e, por fim, ela adormeceu. Já tinha nascido o dia quando ela se sentou e começou a compor o cabelo
e a endireitar o vestido.
- Onde está o carro? - perguntou Penelope. - Atrasámo-nos muito.
- Aquele Reinhardt! Ele tem estado a andar muito devagar. Não dei por isso senão ao amanhecer. Só há pouco reparei que tínhamos ficado muito para trás dos outros.
De súbito, o carro que seguia à nossa frente fez alto. Ninguém se moveu. Apenas o carro ficou imóvel. Saltei para terra e aproximei-me do outro carro.
- Que se passa, Reinhardt? - exclamei. - Adormeceu?
Deparei com o cano de uma arma e, por trás desta, com os olhos negros de Flinch.
- O cinturão - disse ele. - Abra-o.
Não desejava correr riscos desnecessários com aquele mestiço. Movendo as mãos com infinito cuidado,
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desapertei o cinturão e deixei-o tombar no chão.
- A faca... tire-a da bainha e largue-a... apenas com as pontas dos dedos.
- Onde está Reinhardt?
Flinch indicou o interior do carro com um gesto de cabeça.
- Ele está bem - explicou.
- Qual é o seu papel em tudo isto, Flinch? Está a trabalhar com os Karnes?
- Trabalho para o Flinch. O meu avô combateu em Rabbit Ears. Ele era índio. Contou-me que o chefe branco tinha escondido ali alguma coisa. Ele já lá tinha ido procurar,
há muito tempo, mas sem nada encontrar. Quando ouvi em Forte Griffin uma conversa acerca de Rabbit Ears, tratei de ser contratado.
Da maneira como os carros estavam parados no trilho, Penelope não nos podia ver. Ouvi-a descer do carro, e distingui o som dos passos dela.
- Você também - disse Flinch à garota, quando a viu aparecer. - Fique aí. Ao lado dele.
Pela primeira vez, vi os lábios finos do mestiço repuxarem-se num sorriso.
- Afinal, é o índio que fica com o ouro.
- O ouro não está aqui, Flinch - protestou Penelope. - Está lá longe, em Loma Parda.
- O ouro está no carro dele.-Flinch indicou-me com um gesto. - Eu segui-o. Soube que ele o tinha encontrado, fui atrás dele quando o escondeu, e vi-o carregar o
ouro no carro dele. Agora é melhor eu tomar conta daquele carro. O ouro é muito pesado.
Penelope fitou-me, com incredulidade.
- Você é que tinha o ouro? Isto quer dizer que você...
- Agora vou matar. Primeiro você e depois ela.
- Deixe-a montar o meu cavalo e partir.
Ele nem sequer respondeu. Dei um pequeno passo para o mestiço.
- Para cima! - ordenou. - Manos arriba!
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Levantei as mãos até à altura das orelhas. Ele fitou-me, para ver o efeito que as palavras me produziam.
- Agora vou matá-lo. Vou ficar com a garota até amanhã.
- Eles acabam por enforcá-lo - disse-lhe. - Escute, Flinch, vamos...
A minha mão direita, a escassos centímetros do colarinho da camisa, moveu-se subitamente. A faca passou-me para a mão, a mão avançou como um raio, e ele disparou.
Senti o impacto da bala e ouvi o ruído surdo da minha faca. A lâmina tinha penetrado na pequena concavidade da base do pescoço, e penetrara até ao punho.
O mestiço abriu a boca exageradamente, mas apenas conseguiu projectar um jacto de sangue. Caiu para a frente, de joelhos, tentando agarrar o cabo da faca com ambas
as mãos, mas sem resultado. Eu tinha-a atirado com todas as minhas forças, e a faca estava bem presa.
Ele debateu-se, tossiu sufocado, e em seguida caiu para um dos lados, com a faca na mão.
Inclinei-me para a frente, retirei-lhe a faca dos dedos e enterrei a lâmina duas vezes na areia, para apagar as manchas de sangue. Penelope fixava o mestiço, com
os olhos arregalados de terror.
- Veja o que sucedeu ao Reinhardt - disse energicamente à garota. - Ande depressa!
Ela pareceu despertar, voltou-se e correu para o carro. Quando tornei a olhar para Flinch, este tinha morrido.
Prendi de novo o cinturão, tirei a cartucheira ao mestiço e atirei com ela para dentro do carro.
Reinhardt surgiu por baixo da cobertura de lona do carro, esfregando os pulsos.
- Eu acho que ele não seria capaz de me matar - dizia o velho. - Ajudei-o uma porção de vezes quando ele não tinha dinheiro.
- É melhor continuarmos a andar.
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O Ollie Shaddock deve estar intrigado com o que aconteceu.
O homem olhou para mim e em seguida para o cadáver.
- Que sucedeu? Ele estava muito seguro de que ia matá-lo.
Levei a mão ao colarinho e tornei a tirar a faca.
- Isto - expliquei. - Aprendi este truque ao sul da fronteira.
Encaminhei-me para o carro. Penelope acompanhou-me e ajudei-a a subir. Reinhardt ia já em marcha.
Ao fim de bastante tempo, a garota inquiriu:
- E você tinha o ouro!
- Sim.
- Que vai fazer com ele?
- Tenho estado a pensar nisso. Provavelmente, dou metade a si.
- Você dá...
- E guardo a outra metade para mim. Deste modo - prossegui - você ficará livre para casar por amor. E, com metade desse ouro, eu também não precisarei de ninguém
para tomar conta de mim, e, portanto, não casarei consigo pelo seu ouro.
Ela nada respondeu, e eu achei que não era necessário, da maneira como as coisas pareciam correr.
- Julguei que você tivesse ficado ferido, há pouco - disse Penelope, por fim.
Mostrei-lhe então o local onde a bala tinha atingido a minha cartucheira, na anca esquerda. A bala acertara nas pontas de chumbo de duas balas, fundindo-as numa
só.
- Ficarei com um ferimento profundo, a julgar pelas dores que tenho, mas sou o homem mais feliz que existe à superfície da terra.
O que eu mais desejava naquele momento era ter-me barbeado. E, antes de chegarmos a Santa Fé, ela tinha também o mesmo desejo.
FIM
NOTA DO AUTOR
Borregos Plaza ficava situada na margem Sul do Canadian River, a curta distância da intersecção do rio, onde viria a surgir Tascosa. Tascosa passou rapidamente de
cidade de crescimento vertiginoso e frenético a cidade-fantasma, e é presentemente o "Rancho dos Rapazes", instituição fundada pelos homens de negócios da Panhandle.
Romero, uma pequena vila na região do gado, possui muitas antigas recordações da época da caça aos búfalos e das lutas contra os índios. Poucas alterações sofreu
a região em relação à configuração que tinha na altura em que decorre esta história.
Rabbit Ears, montanha conhecida de muitos que viajavam pelo Trilho de Santa Fé, fica a pequena distância de Clayton, no Novo México. O canyon fechado existe lá efectivamente,
tal como existe o pequeno lago, que se encontra habitualmente coberto por uma película verde, formada por fragmentos de folhas e de plantas, tal como existe um buraco,
com cerca de um metro de diâmetro, na base de um penedo. Em torno da abertura do penedo, as rochas estão enegrecidas pelo fogo, como se tivessem sofrido os efeitos
de uma explosão de petróleo ou de qualquer gás.
Loma Parda, no Rio Mora, é agora uma vila-fantasma, a cerca de oito milhas a Noroeste de Watroos, no Novo México. Quando Forte Union foi abandonado,
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a vila principiou a morrer, embora em 1870 possuísse uma reputação sangrenta.
Na ocasião em que decorre esta narrativa, os caçadores de búfalos tinham ainda dois ou três anos favoráveis à sua frente, acabando depois por serem substituídos
pelos criadores de gado. Praticamente, a única gente que se achava radicada na Panhandle eram os mexicanos de Taos e de Mora, com os seus rebanhos de carneiros.
O Sostenes Varcheveque mencionado no princípio desta história foi um bandido muito conhecido, a quem se creditavam insistentemente vinte e três mortes. Acabou por
ser assassinado pelos próprios sequazes, quando a sua conduta se tornou desenfreada.
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