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sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

Jogue a culpa no amor - Mais um romance bacana lido por mim

Jogue a culpa no amor
Lynne Graham

Capítulo 1.

Quando seu novo assessor de investimentos terminou de falar, Rauf Kasabian olhou com expressão séria além do estreito do Bósforo, para a Cidade de Istambul.
Mas naquela ocasião se sentiu imune a mágica e relaxante vista de sua cidade. Suas amargas recordações triunfaram sobre a mag-nífica vista, ao igual que sua raiva.
De maneira que a família Harris se tinha dedicado a jogar com seu dinheiro e Lily ia voar a Turquia em pessoa para lhe pedir o que? Que tratasse a sua família de
um modo especial? E por que motivo ia fazê-la?
Que sua família escolhesse precisamente a Lily como emissária era um insulto!
Serhan Mirosh olhou a seu chefe com expressão ansiosa. Se teria excedido ao tomar medidas imediatas naquele assunto? Era ver-dade que as quantidades das que se
tratava podiam considerar-se mero trocado para um magnata dos meios de comunicação como Rauf Kasabian. Mas Serhan se orgulhava do atendimento que pres-tava aos mínimos
detalhes de seu trabalho. Descobrir o que estava sucedendo com o pequeno investimento que seu chefe tinha feito naquela agência de viagens inglesa lhe tinha parecido
um esforço louvável, e lhe tinha estranhado que seu predecessor tivesse permitido aquelas irregularidades sem intervir.
- É escandaloso que não tenha recebido benefícios em dois anos - continuou com cautela.
Baseando-me no acordo ao que chegou com Douglas Harris, exigi a devolução da quantidade investida inicialmente mais os benefícios que deveria ter obtido durante
este período.
- Agradeço que tenha sacado à luz este tema - disse Rauf com um frio gesto de consentimento.
Serhan relaxou ao ouvir aquilo.
- Não entendo por que a senhorita Harris se empenha em reunir-se agora com você. Fez caso omisso da negativa que lhe en-viei por fax e ontem recebi uma segunda
solicitação para que lhe conceda uma citação entre o quatorze e o quinze. Mal faltam doze dias.
- Os ingleses podem ser muito renitentes - murmurou Rauf.
- Mas sua insistência resulta grosseira - se lamentou Serhan - Que sentido tem que venha essa mulher aqui? Já passou o momento das explicações. Ademais, o
dono da agência é seu pai, não ela.
Rauf decidiu não aumentar a confusão de seu empregado infor-mando-o de que, quando a tinha conhecido, três anos atrás, Lily Harris estava fazendo práticas como professora
de jardim de infância.
- Deixe aqui o relatório e eu me ocuparei do assunto. - Também me agradaria que averiguasse onde vai alojar a senhorita Harris.
- Num centro turístico do mar Egeu - disse Serhan, sem ocultar seu desconcerto ao saber que seu chefe ia fazer-se cargo pessoal-mente daquele assunto insignificante.
- Pode ser que a senhorita Harris creia que Gumbet está perto de seu escritório central em Istambul.
- É possível - Rauf contemplou o relatório com expressão dis-traída - Quando a conheci, a geografia não era seu ponto forte.
Serhan esteve a ponto de deixar escapar uma exclamação de surpresa ao ouvir aquilo, mas se conteve e saiu do escritório. Enquanto o fazia, perguntou-se como reagiria
seu chefe quando se inteirasse de que a agência de viagens Harris tinha defraudado aos construtores turcos que tinha contratado para construir uns chalés para
a agência.
Uns minutos depois, Rauf afastou para um lado o relatório com um frio reflexo na mirada. Estava escandalizado pelo que tinha lido; não ia ter piedade com Lily.
Recordava seus olhos, azuis como um céu de verão, dizendo-lhe que ele era o centro de seu universo.
Um sorriso cínico curvou sua sensual boca ao pensar que tinha acreditado em sua sinceridade, em sua inocência. Como muitos ho-mens antes que ele empenhados em possuir
a uma mulher em par-ticular, tinha esquecido momentaneamente toda cautela. Por sorte, sua debilidade tinha durado muito pouco e se tinha recuperado a tempo.
Mas muito antes de conhecer Lily, Rauf já tinha reconhecido o que em outra época tinha sido seu principal defeito e a origem deste. Sentia grande afeto por sua
mãe, mas esta lhe tinha enchido a cabeça desde que era pequeno com uma série de absurdas idéias sobre o romantismo das mulheres que depois não lhe tinham cau-sando
mais do que pesar.
Mas sua inocente mãe não estava ao tanto do nível bem mais básico ao que se relacionavam as mulheres e os homens da geração de Rauf, e considerava vergonhosa a
fama de mulherengo de seu filho. No entanto, Rauf se alegrava de ter compreendido finalmente co-mo eram para valer as coisas. As mulheres passavam por seu dor-mitório
sem causar-lhe arrependimentos de consciência por ter se aproveitado se sua natureza, pretensamente mais débil e confiada. Depois de livrar-se da
absurda noção de que o mero desejo era amor, desfrutava de sua liberdade tudo o que podia. Decidiu que ia desfrutar revendo Lily. Sem dúvida, ela devia crer que
sua beleza, unida às recordações de sua breve relação, bastariam para amaciar lhe o coração, mas ia averiguar muito cedo o equivocada que estava.
Lily desceu as escadas com sua mala. Suas três sobrinhas, Penny, Gemma e Joy, estavam jogando no quarto de estar, e o som de seu riso fez que sua tensa boca se
distendesse num sorriso. Falava muito bem de sua irmã o fato de que suas três filhas pudessem rir daquele modo à vista de uma série de acontecimentos que poderiam
ter destruído a uma família menos unida. Fazia mal um ano que
Brett, o marido de Hilary, tinha ido viver com a melhor amiga desta.
Naquela época, Joy, a filha menor de Brett e Hilary, estava sendo submetida à última fase de um tratamento contra a leucemia. Por sorte, a sobrinha de quatro anos
de Lily já se tinha recuperado por completo, e a verdade era que, desde o momento em que a doença tinha sido diagnosticada, Hilary se tinha negado a contemplar qualquer
outra possibilidade. A irmã de Lily acreditava firmemente no poder do pensamento positivo e tinha precisado fazer munir-se de todas suas forças para enfrentar
aos duros momentos que seguiram.
Seu pai, Douglas Harris, tinha cedido seu cômodo chalé a Hilary e Brett quando se casaram e tinha seguido vivendo com eles. No acordo de divórcio, Brett foi compensado
com a metade do valor da casa familiar, casa na que não tinha investido nem um centavo e que nunca se ocupou de manter. Como resultado, a casa teve que ser vendida.
Pouco depois surgiram os problemas na agência de viagens de Douglas, da que se tinha feito cargo Brett até que se tinha divorciado. Só fazia um mês que Douglas,
Hilary e as três meninas se tinham mudado à pequena casa que ia ser seu lar no futuro ime-diato.
- Deverias ter deixado que te ajudasse com a mala! - disse Hilary desde a porta da cozinha. Era uma mulher alta e esbelta, com o cabelo castanho e curto,
mas o sorriso que dedicou a sua irmã não ocultou o cansaço de sua mirada.- Temos tempo para tomar uma xícara de chá antes de ir ao aeroporto. Despediste-te já
de papai?
- Sim, e quanto sairmos, vai levar às meninas ao parque.
- Isso está muito bem. - Temia que fôssemos precisar um abri-dor de latas para tirá-lo de sua habitação! - apesar de sua expres-são de alívio, a voz de Hilary
tremeu um pouco - Papai se encontrará melhor quanto voltar a sentir interesse pela vida. - Não faz sentido passar a vida pensando no que poderia ter sido, não te
parece?
Desde depois - assentiu Lily, e afastou a mirada dos brilhantes olhos de Hilary, pois era muito consciente de que sua irmã maior se considerava responsável de que
seu pai tivesse tido do que aban-donar a casa na que tinha vivido sempre e da depressão que estava sofrendo como conseqüência disso. - Não deveríamos repassar mi-nha
agenda antes de sair para Turquia? - O mais importante é do que vá ver a Rauf pára...
- Ainda segue preocupando-te a estúpida carta que nos mandou seu contabilista? - Hilary olhou a sua irmã com expressão de reprovação - Não é necessário. Como
já te disse, repassei os livros de contabilidade da agência e todos esses pagamentos foram rea-lizados. Mantivemos todos os apartados do acordo e as contas estão
em ordem. Esse assunto com Rauf Kasabian é uma tormenta numa xícara. Quando se dê conta de que seu novo contabilista cometeu um erro, estou segura de que nos pedirá
desculpas.
Mas Lily era menos confiada do que sua irmã. A carta do con-tabilista de Rauf, com sua pretensão de fazer-lhes devolver de imediato o dinheiro que este tinha investido
na agência, a tinha preocupado seriamente.
De fato, lhe teria agradado que sua irmã tivesse conferido com um advogado, ou inclusive com outro contabilista, mas Hilary já tinha escarmentado de todo o dinheiro
que tinha tido que investir em a-dvogados durante seu divórcio, e não estava disposta a pedir con-selho legal a não ser que fosse absolutamente necessário.
Lily se sentia pessoalmente implicada no assunto. Se não tivesse levado A Rauf a casa para conhecer a seu pai, aquele investimento nunca teria chegado a realizar-se.
- Deixa de preocupar-te com essa carta - insistiu sua irmã, que tinha interpretado a expressão preocupada de Lily com a facilidade de uma mulher que a tinha
criado desde seu nascimento. Enquanto servia um copo de suco a suas filhas, adicionou o mais importante é conseguir pôr em mãos de uma boa imobiliária as duas
casas que Brett fez construir em Dalyan. Quando as vendar, os problemas que estou tendo com a agência chegarão ao fim.
- Só assegura-te de que saiam ao mercado com um bom preço. Não posso me permitir esperar a que apareça o melhor concor-rente.
- Farei o possível para conseguir - prometeu Lily, e se per-guntou se sua irmã seria consciente de que sua expressão ainda se ensombrava cada vez que mencionava
seu ex marido. Hilary as-sentiu.
Aparte disso, concentra-te em fazer todas as viagens turísticas que possas pela zona. Com essa informação, poderia planificar uns bons pacotes turísticos para a
temporada de primavera.
Estou decidida a que a agência volte a seus bons tempos. Não podemos competir com as grandes agências, mas sim podemos oferecer um serviço exclusivo e personalizado
para clientes de alto poder aquisitivo.
- Me apontarei a todos os percursos turísticos que possa - Lily deixou que Joy, sua sobrinha mais jovem, se sentasse em seus joelhos e se abraçasse a ela.
Durante meses tinha estado débil como um gatinho recém nascido, e a todos lhes encantava ver como tinha recuperado a energia.
Depois de deixar às meninas ao cuidado de seu pai, Hilary levou Lily ao aeroporto.
- Sei que não queres que o diga... mas quero agradecer por tudo que fizeste para me ajudar durante estes
últimos meses - disse de repente enquanto dirigia.
- Não fiz praticamente nada ainda por cima me vejo recom-pensada com umas férias grátis!- caçoou Lily.
- Sair só de férias não é precisamente divertido, e sei que po-derias ter passado todo o verão na Espanha se não tivesses recu-sado o convite de tua amiga
por nossa causa...
- Como te inteiraste disso? - perguntou Lily, surpresa.
- Papai te ouviu falar por telefone com Maria e, ademais, estou segura de que não sentes nenhum desejo de voltar a encontrar-te com esse rato de Rauf Kasabian
- Hilary suspirou. - Mas a verdade é que nestes momentos não posso deixar às meninas e papai para ocupar-me pessoalmente do assunto.
Lily se obrigou a rir para tirar importância à preocupação de sua irmã.
- Depois do tempo todo que passou, seria um caso sem remédio se ainda me sentisse tão sensível a respeito de Rauf. E não o chames rato. Afinal de contas,
que fez para merecer esse apelido?
- Romper-te o coração! - replicou Hilary com uma aspereza que desconcertou a Lily -.Se aquele verão queria companhia feminina para passar o momento, deveria
ter escolhido a alguém maior e com mais experiência.
- Em lugar disso, se aproveitou de ti e depois te deixou planta-da sem uma palavra de advertência.
Lily olhou o tenso perfil de sua irmã, surpreendida por seu enfado.
- Não sabia que te sentisses assim a respeito do sucedido.
- Odeio esse tipo - disse Hilary sem duvidá-lo um segundo - E o odeio ainda mais desde que me dei conta do dano que fez a tua autoestima. Não é natural que
uma mulher de tua idade não saia com homens. Sempre foste um pouco tímida e reservada, mas depois do que te fez esse" tipo te escondeste em ti mesma e atiraste
a chave.
- Sinto muito... Deveria ocupar-me de meus próprios assuntos.
- Não importa - Lily teve que engolir saliva para desfazer o nó que se tinha formado na garganta, comovida pelo amor e a lealdade de Hilary, mas também
doida por sua perspicácia.
Ainda que sua irmã o ignorava, Lily se tinha forçado a sair com homens durante o ano anterior com a esperança de conhecer a alguém que pudesse fazer-lhe sentir o
mesmo que Rauf para poder livrar-se por fim de, seu passado. Só que não tinha sucedido."
Mas, felizmente, sua irmã estava equivocada com respeito à iden-tidade do homem que tinha feito minar a confiança de Lily no sexo oposto, e nunca lhe diria a verdade,
pois o último que queria era causar-lhe mais dor.
Era verdade que a repentina saída de Rauf lhe doeu terrivelmente, mas também o era que ele nunca mencionou o amor ou o futuro, ainda que sim lhe disse que não
tinha a intenção de casar- se nunca. Segundo ele, o que tinham compartilhado tinha sido tão só uma pequena aventura. Ela não sentia nenhuma amargura ao respeito.
Talvez fosse culpa de Rauf que se tivesse convencido a si mesma de que significava para ele mais do que na realidade significava?
Não, respondeu-se a si mesma. Então, era uma jovem inexperiente e tão apaixonada que não tinha querido enfrentar o fato de que naqueles tempos um homem sofisticado
como ele esperava que o sexo fizesse parte de qualquer relação, fora esta séria ou superficial. E, provavelmente: Rauf a tinha deixado porque tinha falhado naquele
terreno.
- Sim importa - murmurou Hilary com tristeza - Tens vinte e quatro anos e não deveria estar falando-te e interferindo em tua vida como se fosses uma adolescente.
Lily não pôde conter um sorriso, pois Hilary era uma autêntica madraça e não parava de intrometer-se.
- Não te preocupes por isso.
Quase quatorze anos mais velha que Lily, Hilary a tratava com fre-qüência mais como a uma filha que como a uma irmã. Sua mãe mor-reu por causa de uma série de complicações
pós parto pouco depois de dar a luz a Lily. Desde então, Hilary assumiu praticamente toda a responsabilidade de criá-la. Quando teve idade de ir à universidade,
renunciou a isso para seguir cuidando se de sua irmã pequena, pois não queria deixá-la constantemente em mãos de diversas cuida-doras nem de um pai que tinha que
trabalhar com freqüência como guia para os percursos turísticos que organizava sua agência de viagens.
Lily era muito consciente de quanto devia a Hilary, e teria sido capaz de fazer quase qualquer coisa por aliviar sua situação. Entre os compromissos familiares
e a luta por manter a tona um negócio que parecia ir-se a pique, sua irmã já tinha bastante problemas aos que enfrentar - E Lily lamentava não estar numa posição
em que pudesse resultar-lhe mais útil. Desafortunadamente, durante o curso trabalhava numa escola infantil que se achava a mais de tre-zentos quilômetros de distância
dela.
Em poucas semanas, quando começasse o curso, voltaria a seu trabalho e Hilary não poderia contar com ela para que lhe desse uma mão. Desafortunadamente, voar a
Turquia em seu nome era o único que podia fazer naqueles momentos por ela e, ainda que temia rever Rauf, aceitar aquela responsabilidade era o menos do que podia
fazer por sua irmã.
Quando, às duas da madrugada do dia seguinte, Lily chegou ao hotel em que ia alojar se, foi imediatamente informada de que tinha uma mensagem. Abriu o envelope enquanto
seguia ao botões.
O senhor Kasabian se encontrará com você às onze da manhã no hotel Aegean Court.
Durante o resto da noite dormiu intermitentemente, acordando em várias ocasiões sobressaltada pela vadia recordação de uns inten-sos sonhos que a inquietaram e
envergonharam. Sonhos sobre Rauf e o verão em que ela completou os vinte e um anos. Rauf Kasabian, o homem que a tinha convencido de que uma mulher podia chegar
a morrer por causa de um amor não correspondido. Como lhe tinha feito aquilo? Como tinha conseguido derrubar suas defesas? Ainda a desconcertava o fato de que
ela, que até então tinha recusado qualquer tentativa masculina de abordá-la, tivesse sentido tal feli-cidade e satisfação quando quem o tentou foi Rauf.
Quando saiu do hotel para tomar um táxi, sentia-se tão nervosa, que temeu adoecer. A carteira que levava consigo continha cópias da contabilidade da agência que
Hilary lhe tinha dado como prova de que em seu momento se tinham feito todos os pagamentos devidos a MMI, a empresa de Rauf. O taxista a deixou frente a um enorme
e opulento hotel cuja entrada estava enfeitada com uma longa fileira de bandeiras internacionais.
Rauf não tinha feito alarde de sua fortuna quando esteve em Londres. Ela não tinha tido nem idéia de sua verdadeira posição no mundo dos negócios até que seu pai
fez umas discretas averi-guações através de seu banco para averiguar algo sobre o homem que lhe estava oferecendo apoio econômico. O diretor do banco lhe sugeriu
que abrisse uma garrafa de champanhe para celebrar uma oferta tão generosa de um dos magnatas mais ricos e poderosos de 108 meios de comunicação na Europa.
Na grande sala de recepção do Aegean Court, Rauf se ajeitou em seu cômodo cadeirão e deu um gole em seu copo de água. Nunca bebia álcool durante as horas de trabalho.
Sabia que a planilha do hotel ia assegurar-se discretamente de que ninguém se sentasse demasiado perto dele; afinal de contas, aquele era seu hotel. Man-ter sua
reunião com Lily num lugar público faria que esta fosse breve e formalmente distante.
Também poderia tê-la levado a cabo em sua cobertura de luxo, mas este já estava ocupado por membros de sua família que esperavam que se reunisse com eles para comer.
O trio de encantadoras matriarcas da família Kasabian tinha eleito apresentar-se sem convite precisamente aquela manhã. Rauf reprimiu um gemido, pois seu bisavó
de noventa e dois anos, sua avó de setenta e quatro, e sua mãe juntas podiam formar um grupo aterrorisador. Talvez era culpa sua ser filho único? Por que tinha que
se converter no depositário das esperanças das três mulheres para a próxima gera-ção?
Afastou aqueles pensamentos de sua mente com um gesto irônico e voltou a concentrar-se em Lily.
Esperava sentir-se decepcionado quando voltasse a interditá-la. Nenhuma mulher podia ser tão bela como em outra época acreditou que o era ela.
De maneira que resultou especialmente irônico que quando Rauf viu aos dois porteiros do hotel correndo sem nenhuma dignidade para abrir a porta a uma mulher que
entrava no hotel, esta fora preci-samente Lily, objeto daquele exagerado nível, de atendimento mas-culino que só um grau muito elevado de beleza podia evocar.
Lily, que parecia deslizar-se mais do que caminhar, com seu vestido longo boiando a seu redor ao ritmo de seus fluídos movimentos. Seu cabelo, da cor de um milharal
banhado pelo sol, caía até sua cin-tura, ainda mais longo do que aquele verão. No entanto, sua discre-ta aparência era pura e calculada provocação, pensou Rauf
depre-ciativamente.
De fato, foi muito revelador ver como todos os homens junto aos que passava voltavam a cabeça para olhar, ainda que ela simulava não se fixar na revoada que causava.
Mas nenhuma mulher tão bela podia desconhecer o dom com o que tinha nascido. Se ele não se tivesse deixado enganar por aquele ar de inocência, se tivesse se limitado
a levá-la à cama para desfrutar de seu corpo, sem dúvida se teria dado conta então de que não só não era nada especial, senão que era uma experiente prostituta.
Enquanto Lily avançava na direção que lhe tinha indicado o recep-cionista, seu coração começou a bater mais e mais depressa. Ainda não podia crer que estivesse
a ponto de ver Rauf Kasabian de novo.
Quando este se levantou do assento que ocupava, a tensão que se apoderou de seu corpo foi quase dolorosa e ficou paralisada no lugar.
Rauf era tão alto... Media quase um metro noventa e seus largos ombros, estreitos quadris e musculosa constituição eram os de um homem na auge de sua plenitude
física. E a palavra lindo não bas-tava para descrever seu delgado e moreno rosto.
Rauf era tão atraente que inclusive nas abarrotadas ruas de Londres as mulheres tinham voltado a cabeça para olhar. Seus olhos podiam ser escuros como o chocolate
amargo, ou dourados como um pôr-do-sol.
As pernas de Lily se negaram a sustentá-la. Tinha se ruborizado ao dar-se conta de que se tinha detido
em seco para olhá-lo como uma impressionável colegial. Rauf não lhe facilitou as coisas avan-çando para ela para recebida a meio caminho. Em lugar disso, permaneceu
onde estava, esperando-a. Como era possível que tives-se esquecido até que ponto dominava tudo o que o rodeava? Como podia atraí-la com uma simples mirada de
seus hipnóticos olhos?
Rauf observou como se acercava. Era uma boneca perfeita e extraordinária. Suas recordações não tinham mentido. Quando o desejo triunfou enquanto a observava, enfureceu-se
consigo mesmo por ser tão débil.
Lily se deteve a bastante distância dele, alarmada por seu estado de nervos e o repentino esvaziamento mental que se tinha apode-rado dela.
- Passou muito tempo - disse sem alento. - Sim. - Te agrada beber algo?
- Er... um suco de laranja, por favor.
Rauf encarregou a bebida a um garçom que esperava perto da mesa e depois voltou a prestar atenção a Lily.
- Falaremos quanto antes nos negócios - disse com frieza -.
Não tenho tempo a perder.

Capítulo 2.

Desconcertada pela frialdade do recebimento, Lily agradeceu o parêntese que lhe proporcionou o garçom ao afastar uma cadeira da mesa para que se sentasse.
- Obrigada!
- É um prazer, senhorita - replicou o jovem com um sorriso de evidente admiração, até que uma seca palavra em turco pronun-ciada por Rauf lhe fez afastar-se.
- Suponho que terás notado que a meus paisanos lhes agradam especialmente as inglesas loiras - murmurou.
- Sim - contestou Lily, pensando no taxista que a tinha levado ao hotel e em todo a atenção masculina que tinha atraído desde sua chegada. Mas também
era consciente da proximidade de Rauf com cada fibra de seu ser, e ainda mais da tensão que sentia na zona de sua pélvis, perigosamente parecida à excitação.
Sentia-se tão inquieta por suas reações como aos vinte e um anos, porque nenhum outro homem tinha exercido nunca tal efeito sobre ela. Rauf se encolheu de ombros
com despreocupação. Aqui, e temo que também em outros lugares, as turistas inglesas têm reputação de serem as mulheres que mais rapidamente se podem levar um homem
à cama.
Lily ruborizou intensamente.
- Desculpa?
Rauf a olhou com expressão zombadora. Normalmente não costu-mava ser ofensivo, mas estava empenhado em afastar aquele ar de falsa inocência da expressão de Lily.
- Algumas mulheres inglesas se voltam loucas pelos homens turcos, assim que não podes culpar a estes por dar-te trela.
- Não era consciente de estar culpando a ninguém - Lily fechou os dedos com força em torno da carteira que descansava em seu regaço. Não podia crer que
Rauf lhe estivesse falando daquele mo-do. Desesperada por livrar-se do poder magnético que exercia sobre ela e desconsolada ao comprovar que o homem que em outra
época a recusou ainda a alterava, baixou a mirada e murmurou com brusquidão.
Disseste que não tinhas tempo que perder, assim que te parece se falamos sobre o mal-entendido que surgiu em referência ao acordo que fizeste com meu pai?.
Rauf a olhou com expressão divertida e ao mesmo tempo satisfeita. Tinha percebido com toda clareza que Lily o desejava, de maneira que tudo não tinha sido mentira.
Levantou uma sobrancelha com expressão zombadora.
- Não há nenhum mal-entendido a esse respeito.
- Tem que ter - disse Lily ao mesmo tempo que sacava os documentos da carteira com mão trêmula.
Perguntando-se que esperava conseguir esforçando-se em con-vencê-lo de que seu eficiente assessor de investimentos era incapaz de reconhecer um roubo quando o via,
Rauf soltou o alento com um gesto de impaciência.
- Não tenho intenção de examinar esses documentos. Teu pai leva mais de dois anos sem cumprir com o acordo econômico ao que fizemos. Isso é o único que
conta.
- Papai jamais deixou de cumprir um contrato - alarmada pela negativa de Rauf, Lily se inclinou e assinalou a primeira folha que tinha deixado sobre a mesa
-. Estas são as entradas do último ano no livro de contabilidade da agência. Uma considerável soma de dinheiro foi transferida a teu banco turco em Londres, a uma
con-ta conhecida como Marmaris Medeia Incorporated. Tenho todos os resguardos que justificam a transferência. Se isso não demonstra que teve algum mal-entendido,
não se que pode demonstrá-lo.
Apesar de que Rauf se tinha sentido imediatamente interessado pelo que tinha dito Lily Pois ele não utilizava nenhum banco turco em Londres, seguiu sem mostrar o
mínimo interesse pelo documento.
- Temo que tudo isso soa a um mal entendido destinado a terminar em mãos de uma brigada internacional contra a fraude. Lily se pôs pálida ao ouvir
aquilo.
- Se pode saber que estás sugerindo?
Que resulta muito suspeito que o nome Marmaris Medeia Incor-porated se pareça tanto ao nome sob o que opera minha própria companhia. - Que é MMI, Marmaris Medeia
Internacional!
- Não, e estou convicto de que sabes que isso não é verda-deiro - replicou Rauf em tom sarcástico, já totalmente convencido de que Lily tratava de procurar
algum modo de encobrir o sucedido. MMI são as iniciais de Marmaris Medeia Internacional. Qualquer dinheiro que se pague a Marmaris Medeia Incorporated não
tem nada que ver comigo.
- Nesse caso o dinheiro deve seguir na conta! - exclamou Lily, crendo que por fim tinha encontrado o erro - Não o compreendes? Ninguém na agência de viagens
se deu conta de que o dinheiro foi ingressado numa conta equivocada... - Oh, Deus meu! E se já se o gastaram?
Apesar de si mesmo, Rauf começava a se sentir mais interessado com cada segundo que passava. Lily parecia um autêntico anjo e, de não saber o que sabia sobre ela,
o atrativo de seus preciosos olhos azuis teria acabado por afetá-lo. Sua frase final, e se já se o gastaram?, tinha sido pronunciada com a convicção de uma autên-tica
atriz. Mas ninguém com dois dedos de frente teria acreditado numa história tão inverosímil. Se estivesse disposto a seguir lhe a corrente. Rauf estava seguro de
que encontraria a conta de Marmaris Medeia Incorporated totalmente vazia. Mudar o dinheiro de contas para ocultar aonde se dirigia e falsificar os livros de contabilidade
era um dos métodos mais rudimentários e comuns para ocultar uma fraude.
- Não escutaste o que disse? - perguntou Lily ao mesmo tempo que se punha em pé para enfatizar seu entusiasmo por aquela possível explicação. Parecia evidente
que, por causa de um estúpido erro, o dinheiro que deveria ter chegado à conta de Rauf tinha acabado em outra - Ou os pagamentos se foram amontoando numa dessas
contas inativas sobre as que costuma ouvir-se falar, ou alguém o tem estado passando muito bem durante os dois últimos anos com um dinheiro que te pertence.
- Felizmente, isso não é problema meu - respondeu Rauf com suavidade, ainda que voltava a operar a dois níveis diferentes; seu cérebro tratava de se desentender
de sua libido enquanto seu enfado aumentava. Quando Lily inclinou seu esbelto corpo para ele, se voltou enlouquecedoramente consciente do impulso de seus pequenos
peitos contra a tela do vestido.
- Mas é teu dinheiro... Talvez não te preocupa? - descon-certada pelo aparente desinteresse de Rauf, Lily se animou a olhá-lo aos olhos. Seu Coração pareceu
deter se um momento enquanto seus mamilos se excitavam inesperadamente. Envergonhada pelo que lhe estava sucedendo, baixou a mirada e voltou a sentar-se ra-pidamente.
Era possível que Rauf a alterasse ainda daquela maneira? Um intenso sentimento de humilhação se apoderou dela, pois jamais teria pensado de que, três anos depois,
ainda pudesse sentir se tão vulnerável diante a presença de Rauf Kasabian. Depois de tudo, não estava apaixonada dele, e o fato de que fosse atraente não era desculpa
suficiente para sua reação... ou sim?
O enfado superou a excitação de Rauf, que se estava recordando o cruelmente zombadora que tinha sido sempre Lily. Em outra época o atraiu com as mesmas miradas
lânguidas e com a mesma lin-guagem de seu corpo, mas depois se tinha mostrado arredia quando ele se tinha - atrevido a reagir ante aqueles convites. Mas seu truque
mais efetivo tinham sido três palavras inesquecíveis. Me dás medo confiou-lhe numa ocasião em tom de aparente desculpa, submetendo-o à classe de contenção física
que nunca tinha tido que pôr em prática com nenhuma mulher.
Ainda doido pela recordação daquelas injustas palavras, voltou a centrar-se no tema de que estavam falando.
A agência de viagens de teu pai não teria cumprido o contrato de todos modos, e te desejo sorte em tua teoria da conta inativa. No entanto, tudo o que se deve terá
que se pagar.
Tensa como a corda de um arco, Lily entreabriu os lábios, resse-cados por causa de seus nervos.
- Isso é o lógico, por suposto, mas....
- Não me agrada que me defraudem - interrompeu Rauf em tom gélido - De fato, faz falta muito pouco para converter-me num homem implacável.
- Só te estou pedindo que sejas razoável e examines estes papéis, e nem sequer estás disposto a fazer isso por mim - disse Lily em tom de reprovação. - Também
não é pedir muito, não? Por que me estás tratando deste modo?
- De que modo? perguntou Rauf com a mesma frialdade.
- Como se fôssemos inimigos, ou algo parecido - murmurou Lily, incômoda. Não há nada mais morto do que uma aventura amorosa morta, exceto uma aventura que
nunca chegou a sê-lo - replicou Rauf com cortante clareza.
Lily ficou muito quieta, como se lhe tivessem golpeado de forma inesperada. Mirou os papéis que Rauf se negava a examinar enquanto se esforçava por conter as lágrimas.
Acabava de escutar de seus próprios lábios o verdadeiro motivo pelo que perdeu o interesse nela. Uma aventura que nunca chegou a ser. Era tão denegrante averiguar
que o que cria ter compartilhado com Rauf não tinha significado nada para ele sem o sexo...
Sempre o tinha suspeitado, mas aquela confirmação tão direta tinha resultado realmente dolorosa. Tomou seu copo de suco e deu vários goles para tratar de relaxar-se
enquanto se recordava que tinha assuntos mais importantes nos que concentrar-se.
- Se está acabando o tempo - Rauf não se deixou afetar pela vulnerável expressão de Lily. Como já tinha averiguado fazia tempo, era uma atriz muito convincente
e, como então, o único objetivo que perseguia era sua carteira, não um anel de casamentos, como ele assumiu então de modo tão ingênuo.
Lily levantou a cabeça e respirou profundamente.
- Estou disposta a admitir que desde que nos vimos a última vez, a agência não foi dirigida como é devido. Faz dois anos, depois de um longo período de má
saúde, meu pai se retirou e Brett se fez cargo de Harris Travel. - Agora Brett se foi e é minha irmã Hilary a que se ocupa da agência.
Dizes que não se cumpriu com o contrato e que não estás disposto a admitir a desculpa de um erro humano. Mas se fazes questão de reclamar a quantidade que se te
deve agora mesmo, poderia signi-ficar a ruína da agenda.
- O mundo dos negócios pode ser muito duro. Sinto muito- mas não estou disposto a deixar-me amaciar - disse Rauf em tom irônico ao mesmo tempo que se perguntava
onde teria ido Brett Gilman. Mas não estava disposto a perguntar.
- Brett foi viver com Janice, a melhor amiga de Hilary - continuou Lily e Rauf notou, como já tinha notado no passado, que quando mencionava ao marido de
sua irmã sua expressão se voltava hermética -.Hilary e Brett estão divorciados.
De maneira que aquele era o motivo pelo que Lily tinha ido a Turquia para rogar sua indulgência e agitar suas longas pestanas ante ele! E o meloso de Brett se tinha
largado com outra mulher. A sensual boca de Rauf se comprimiu numa dura linha de desagrado. Ao que parece, só tinha que olhar um pouco além da ilusória pureza
da beleza de Lily para descobrir do que só era uma mulher sem escrúpulos disposta a mentir quando lhe convinha fazê-lo.
- Tenho a sensação de que na realidade não estás escutando nada do que te digo, mas o que estou dizendo é muito importante - enfatizou Lily em tom de rogo
- Se esses pagamentos que segundo tu nunca foram feitos...
- Sei com certeza que não foram feitos - interrompeu Rauf com agressividade -. Talvez temos que voltar outra vez sobre o mesmo?
Lily suspirou.
- Se os pagamentos não se fizeram foi por algum erro. Suponho que terás suficiente entendimento e paciência como para permitir que tratemos de averiguar
o sucedido, não?
- E por que ia ter paciência? - Rauf lhe dedicou uma mirada totalmente carente de amabilidade. Os construtores aos que tinha trapaceado a agência Harris Travel
se tinham mostrado pacientes e não lhes tinha servido para nada!
- Não sabia que fosses assim... - murmurou Lily, agoniada. Tinha sido Rauf sempre tão frio, tão duro e insensível? Seria possível que só tivesse imaginado
que possuía outras qualidades?
Decidiu tentá-lo de novo.
- Só te estou pedindo mais tempo...
- Não - disse Rauf com determinação. - Já me fizeste des-perdiçar suficiente tempo.
- Não vim aqui preparada para encontrar-me com uma situação tão desagradável! protestou Lily ou Não podes dar-me uma mão com isto?
- Aqui não conto com os meios necessários para fazer as comprovações necessárias no banco. Lily de joelhos e rogando lhe? A Rauf lhe agradou a idéia, apesar
de que sabia que de todos modos retiraria seu investimento da agência e arrancaria para sempre de sua vida a recordação daquela mulher.

Poderia resultar divertido jogar um momento com as absurdas histórias e desculpas que lhe estava contando. Sentindo que por fim tinha seu atendimento, Lily voltou
a empurrar para ele os documentos que se achavam sobre a mesa.
- Dê-lhes uma olhada, por favor... e posso fazer-te uma pro-messa; passe o que passar, serás compensado.
Brett fez construir dois chalés de luxo cerca de Dalyan e tenho que me ocupar de que se ponham à venda. Harris Travel ainda conta com algumas metidas.
Enquanto olhava seus olhos cor azul violeta, Rauf reconheceu com crescente enfado que ela era a melhor propaganda da agência. Não podia crer seu descaramento!
Como se atrevia a contar-lhe todas aquelas mentiras? Talvez creia que tinha aceitado aquele encontro sem pôr-se ao tanto de todos os dados que tinha a sua disposição?
Que Lily fora capaz de mentir daquele modo só demonstrava que estava implicada até o pescoço naquele descarado engano! Naquele momento decidiu ter uma atitude mais
dura com ela.
Lily sentiu um grande alívio ao ver que Rauf tomava os documentos que tinha desdenhado fazia uns momentos.
- Não vou fazer-te nenhuma promessa - O tom grave e sen-sual da voz de Rauf lhe fez sentir um cálido e involuntário estremecimento.
- Oh, não, por suposto que não. Não espero nenhuma promessa nestes momentos - se apressou a dizer, convicta de que se mos-traria mais compreensivo quando
tivesse lido os documentos.
- Mas o tempo que vai levar-me revisar tudo isto tem um preço - disse Rauf, sabendo quanto ia desfrutar fazendo dançar Lily ao som de sua música. Talvez não
fez ela o mesmo com ele de um modo bem mais primitivo? Recordou com desprezo os gritinhos nervosos, que teve que suportar aquele verão enquanto Lily se debatia
entre explosões de entusiasmo e repentinos ataques de timidez para tê-lo bem enganchado. Jogou com ele como uma virtuosa do violino e o convenceu totalmente de
que estava tratando com uma nervosa virgem. Mas agora era ele quem tinha a batuta.
- Um preço?- repetiu Lily, confusa.
Rauf ladeou sua escura cabeça com a confiança de um caçador a ponto de atrair a sua presa.
- Tudo tem um preço neste mundo. Ainda não sabes isso?
- Não estou segura de entender-te.
Um sorriso irônico curvou os lábios de Rauf.
- É muito singelo. Se vou revisar estes documentos, terei que contar com ajuda.
- Não creio que isso suponha nenhum problema. Que classe de ajuda precisas?
- Só vou estar aqui umas horas. Esta tarde voarei de volta A Istambul para assistir amanhã a uma importante reunião. Depois penso ir ao meu sítio. - Sugiro-te
que te reúnas ali comigo e fiques uns dias. Precisarei ter-te a mão para responder às perguntas que surjam e para que me ajudes, em minhas averiguações.
Enquanto Rauf soltava aquela bomba. Lily abriu e fechou a boca várias vezes como se tivesse intenção de falar, mas em cada ocasião a cautela lhe fez morder-se a
língua. A perspectiva de passar uns dias no sítio de Rauf resultava inquietante. No entanto dadas as circunstâncias. Sua sugestão era bastante razoável.
- De acordo - concedeu, tensa.
Rauf estava seguro de que ia aceitar e sua evidente turvação não o surpreendeu o mínimo. Lily não podia perder a oportunidade de man-ter se ao tanto das averiguações
para tratar de eliminar quanto antes qualquer prova que a incriminava. No entanto, ao mesmo tempo ia ter que seguir fazendo-se a inocente. Antes de levá-la a Sonngul
se asseguraria de que fizesse uma visita inesperada aos chalé, dos que lhe tinha falado. Nem sequer a mentirosa mais expe-riente poderia livrar se com suas mentiras
daquilo!
- Quando queres que me mude para tua casa? - perguntou Lily, incômoda - Está longe?
- Está bastante longe. - Farei os arranjos necessários para que passem a recolher-lhe amanhã às doze.
- Eu me encontrarei contigo no aeroporto para que possamos ir juntos a Sonngul - enquanto olhava a plenitude dos rosados lábios de Lily, Rauf a estava imaginando
tombada em sua magnífica cama, oferecendo-se abertamente a ele na casa à que nunca levava ne-nhuma mulher por respeito a sua família.
Se aproveitaria de seu atual e ansiosa afã por comprazê-lo? Não, decidiu com feroz determinação. Não estava disposto a levar uma mulher a sua cama numas condições
tão sórdidas.
- Agradeço que estejas disposto a investir teu tempo neste assunto - Lily sentiu que os lábios lhe tremeram por causa da mirada de Rauf e ruborizou ligeiramente.
Reconheceu que estava desejando que a tocasse e se envergonhou por isso, mas não tanto como três anos atrás, quando suas próprias e contraditórias reações físicas
a tinham confundido e assustado.
Rauf se sentia molesto com a imagem proibida de Lily em sua cama, que se negava a abandonar sua mente. Já não lhe cabia a menor dúvida de sua culpa. Quanto reunisse
as provas necessárias, estava disposto a entregá-la à polícia. Não podia ter distinção entre sua forma de tratar Lily e a qualquer outro delinqüente. Atrevendo-se
a acercar se a ele com suas mentiras só tinha conseguido precipitar seu castigo, e o tinha feito num país cujo sistema judicial era muito menos liberal do que o
inglês.
Uma vez tomada aquela firme decisão, Rauf se levantou de seu assento.
- Temo que devemos dar por findo nosso encontro. Tenho um compromisso para comer. Desconcertada pela repentina conclusão de seu encontro, Lily se levantou
precipitadamente, mas para então já tinha perdido o atendimento de Rauf. Ao seguir sua mirada se fixou numa mulher idosa de cabelo branco que avançava para eles
bengala em mãos, acompanhada por um homem jovem.
Rauf apertou os dentes enquanto sua bisavó se acercava com a incomparável determinação de um míssil. Algum dos membros da planilha do hotel devia de ter lhe dito
que estava com uma jovem e bela estrangeira. Ao que parece, aquilo tinha bastado para que Nelispah Kasabian saísse disparada da cobertura para satisfazer sua curiosidade.
A senhora Kasabian diz... o empregado do hotel que estava atuando como guia de Nelispah dedicou a Rauf uma tensa mirada de desculpa antes de dirigir-se a Lily. A
senhora Kasabian diz que usa um ves-tido encantador. Rauf piscou e depois se fixou no vestido. Este era muito discreto e mal revelava que embaixo tinha um corpo
feminino, coisa que devia ter comprazido a sua poderosa bisavó. Toda a família conspirava para proteger a delicada sensibilidade de Nelispah da escandalosa atitude
moral de um mundo que a in-quietaria, pois seu coração não se achava em boas condições. Felizmente, nem via a televisão nem lia a imprensa, pois pensava que seu
marido, já falecido, nunca teria aprovado que se dedicasse a tais atividades.
- Tenho a honra de apresentar-te a minha bisavó, Nelispah Kasa-bian... Lily Harris - disse Rauf, arredio, ainda que falou com grande suavidade.
- Diga que me alegro muito de conhecê-la Lily devolveu o radiante sorriso da senhora Kasabian. A diminuta mulher apoiou uma mão no ombro de seu bisneto
e começou a falar em turco enquanto ele fazia um discreto gesto para que o empregado do hotel se afastasse.
- Lily tem um sorriso muito doce. Agrada-me o que vejo em seu rosto - confiou sua bisavó com alarmante entusiasmo. - Crês que quererá comer conosco?.
Tratando de não dar um respingo ante a ameaça do que pudesse surgir se Lily entrasse em contato com a equipe matriarcal de interrogatórios, Rauf murmurou uma desculpa
em turco e, depois de uma palavra de desculpa a Lily, acompanhou a sua bisavó de volta ao elevador.
Vendo o afeto que suavizou seus olhos enquanto o fazia, Lily apartou a mirada, doida pelo contraste com o modo em que a tinha tratado a ela. Mas aquilo era um
assunto de negócios, não era nada pessoal, recordou se em seguida.
Evidentemente, Harris Travel tinha dado uma mancada no referente ao contrato. Seria responsável Brett daquilo? Ainda que Lily detestava ao ex marido de sua irmã,
sabia que Hilary e seu pai sempre se sentiram impressionados pela eficiência com a que Brett se ocupou do negócio familiar e com o muito que trabalhava. Ainda
que os benefícios caíram a níveis decepcionantes, ninguém culpou a Brett por aquela realidade. Depois de tudo, não foi culpa sua que abrissem outra agência de
viagens muito perto.
Em qualquer caso, Lily era consciente de que Rauf só se tinha mostrado disposto a ceder um pouco quando ela tinha mencionado os chalés que devia vender.
- Minha limusine te levará de volta ao hotel disse Rauf quando regressou e enquanto a acompanhava à saída. Uma vez fora, Lily o olhou de soslaio, coibida
e preocupada por seu manifesto distan-ciamento.
- Aparte deste assunto... não podemos seguir sendo amigos? - perguntou impulsivamente.
Rauf a olhou com dureza, sem ocultar seu desprezo.
- Já não tenho cinco anos, nem tu também não.
Lily se ruborizou ao instante e lamentou ter falado.
- Por outro lado, - murmurou Rauf ao mesmo tempo que alongava as mãos para ela e a atraía para si num arrebato de raiva -, odeio decepcionar a uma mulher.
Ao sentir o Contato de seu poderoso corpo, Lily sentiu que seu coração se desbocava.
- Rauf... ?
A sensual boca de Rauf cobriu a dela com uma força explosiva. Por um instante, Lily ficou paralisada, mas depois, instintivamente, pôs-se de ponta do pé e lhe
rodeou o pescoço com os braços. Ao sentir a primeira onda de resposta de seu corpo, deixou escapar um suave gemido e inclinou a cabeça, permitindo que Rauf penetrasse
sua boca com sua língua. Com uma grosseria que a deixou totalmente confusa, Rauf voltou a liberá-la. Tinha se ruborizado.
Sentia-se tão consternado por sua impulsiva ação como pela inesperada resposta de Lily. Que diabos lhe tinha passado? As pes-soas de seu país não lhe agradavam aquela
classe de alardes em público.
Lily o olhou com expressão aturdida sem poder evitar sentir se orgulhosa de si mesma. Tinha conseguido permanecer entre os bra-ços de Rauf sem sofrer um irracional
ataque de pânico. Ao que parece, reconhecer aqueles inquietantes sentimentos e ter ido a conferir com uma psicóloga o ano anterior lhe tinha servido de algo.
- Isto não voltará a repetir-se - disse Rauf com firmeza enquanto abria a porta da limusine que esperava junto à calçada. - Entre nós já não há nada.
Então, por que a tinha beijado? Doida, Lily entrou na limusine lamentando ter se permitido em lugar de ter-lhe dado um empurrão. Sentia-se furiosa consigo mesma.
Ali estava, com vinte e quatro anos, ainda virgem e tão imatura como uma adolescente. Evidentemente, Rauf se tinha limitado a reagir ante os sinais que ela devia
ter estado enviando de forma inconsciente. Ao reconhecer aquilo seu enfado se esfumou, pois era ela a que se tinha procurado aquela humilhação. Mas quem teria podido
pensar fazia um ano que ia ser capaz de comportar-se daquela maneira com um homem? Enquanto a limusine a levava de volta ao hotel, sua mente se encheu de recordações
que normalmente não costumava permitir-se exa-minar...
Hilary se casou com Brett quando Lily só tinha doze anos. Era feliz ao ver a sua irmã tão apaixonada, e lhe encantou que Brett estivesse disposto a mudar-se ao
lar familiar em lugar de levar-se Hilary a algum outro lugar. Seu pai também estava super feliz, pois Brett sempre lhe tinha mostrado um grande respeito. Um ano
mais tarde, Douglas Harris pôs sua casa em nome de sua filha e seu genro.
Dois anos depois daquilo, quando tinha quinze anos, Lily viu pela primeira vez a Brett com outra mulher. Voltava da casa de uma amiga quando passou por um estacionamento
que se achava nos arredores da cidade. Ao ver estacionado o carro desportivo de Brett, acercou-se pensando que se estava ali poderia voltar com ele para casa. E,
efetivamente, Brett estava no carro... beijando e abraçando apaixonadamente a uma desconhecida. Desolada pelo que tinha visto, e também agradecida por não ter
sido vista pelo casal, Lily se sentiu tão desagradada, que esteve vagando várias horas pelas ruas antes de voltar para casa.
Até aquele momento de sua vida, Lily tinha contado a Hilary praticamente tudo o que lhe sucedia. Mas o que tinha visto aquele dia a deixou sem sua única confidente,
pois sabia que sua irmã adorava a seu atraente marido, e ademais estava gestante de seu segundo bebê. Passou várias semanas agoniada, perguntando-se que devia fazer,
até que finalmente decidiu falar com seu pai.
Mas Douglas Harris não reagiu Como ela esperava.
- Seguro que te confundiste - replicou de imediato, claramente enfadado.
- Mas os vi... era Brett, e era seu carro!
- Não Voltes a mencionar isso e não se te ocorra dizer-lhe nada a tua irmã! Brett e Hilary têm um casamento feliz. Como pudeste inventar uma história tão
perversa com respeito de teu cunhado?
A desmesurada reação de seu pai, que costumava ser normalmente um homem sensível e compreensivo, comoveu Lily. Teve que se fa-zer maior para compreender do que
seu desafortunado pai tinha investido demasiado na estabilidade do casamento de Hilary como para enfrentar-se à possibilidade de que Brett não fora o magnífico
genro que acreditava que era. E como podia ter previsto que a preocupação causada pelo que lhe tinha contado o levaria a cometer o erro de advertir a Brett que
tinha sido visto no estacionamento?
Com a rapidez de um raio, pois não tinha nenhuma lentidão no instinto de sobrevivência de Brett, este somou duas e duas e de-duziu quem o tinha visto. Aquela mesma
tarde foi buscar Lily no colégio e lhe deu um susto de morte com suas mostras de raiva e suas ameaças. A feliz vida familiar de Lily e a fé que tinha nos adultos
que a rodeavam se vieram abaixo naquele instante.
- Maldita bruxa fofoqueira! - Gritou Brett depois de parar o carro no mesmo estacionamento no que Lily o tinha visto, com a clara intenção de intimidá-la
- Doravante, mais vale que te metas só em teus assuntos. Volta a ir por aí contando histórias sobre mim e te asseguro que deixarás de ter um lar. Direi a Hilary
que sua precoce irmã se tem estado insinuando, e te asseguro que crerá a mim antes que a ti.
Então foi quando Lily aprendeu o que era viver atemorizada. Decidido a castigá-la por ter contado a seu pai o que tinha visto, Brett encontrou
rapidamente o tratamento mais adequado para fazer do que se sentisse ameaçada. Começou a olhar com ex-pressão lasciva as incipientes curvas de Lily e a burlar-se
dela em privado com desagradáveis comentários. Nunca chegou a tocá-la, mas Lily começou a viver aterrorizada temendo que algum dia o fi-zesse.
Quando chegou o momento de ir de casa e começar seus estudos na universidade, Brett a tinha convertido numa adolescente tímida e introvertida que se punha a tremer
só com pensar nos homens e o sexo.
Enquanto tomava um chuveiro na habitação do hotel, Lily se recordou com firmeza que aquele pesadelo pertencia ao passado. No entanto, o que mais amargamente lamentava
era do que, por culpa de Brett, quando conheceu Rauf Rasabian foi incapaz de manter uma relação normal com ele.
Reconheceu envergonhada que teria sido capaz de fazer quase qualquer coisa por ter uma segunda oportunidade com ele, mas Rauf tinha deixado claro que não queria
saber nada dela.
- E podia culpado por isso?, perguntou-se aquela noite, já na cama. Rauf tinha sido bastante amável ao descrever o que com-partilharam como aventura amorosa
que nunca chegou a sê-lo. Sabia que podia ter utilizado palavras mais duras. Poderia ter-lhe dito que se tinha comportado
mal jogando com ele ao rato e ao gato, e que ser tratado como um maníaco sexual não era pre-cisamente uma experiência fascinante...

Capítulo 3.

Depois de terminar seu segundo ano de estudos na universidade, Lily tomou um trabalho temporário em verão como garçonete num bar de moda em Londres.
Depois da primeira semana começou a temer ir ao trabalho porque não se sentia capaz de enfrentar às brincadeiras e toques que as outras garçonetes agüentavam dos
clientes. No entanto, o salário e as gorjetas que recebia lhe tinham permitido seguir pagando o apartamento que compartilhava, de maneira que não se tinha visto
obrigada a ter que voltar a viver sob o mesmo teto com Brett.
Rauf se apresentou um meio dia no bar acompanhado de uma mulher.
- Por que estarão já comprometidos todos os homens ver-dadeiramente bonitos? se lamentou Annabel, seu colega e colega de andar enquanto Lily e ela esperavam
junto à barra a que lhes dessem seus pedidos.
- Em quem te fixaste agora? - perguntou Lily, acostumada às freqüentes queixas de Annabel sobre a falta de homens dispo-níveis.
- Está sentado com a morena do vestido branco.
Lily o procurou com o olhar. Sua altura e constituição, seus altos pômulos, forte nariz e carnosa boca combinados com seu lustroso cabelo negro o faziam sobressair
entre os demais homens que abar-rotavam o bar. Mas Lily teria afastado a vista de imediato se Rauf não tivesse jogado atrás sua arrogante cabeça e lhe tivesse
deixado ver seus extraordinários olhos de cor marrom dourado, que refletiam a luz de um modo quase hipnótico. Ficou olhando-o de forma involuntária, com o corpo
totalmente tenso, como esperando que fosse a suceder algo incrível mente excitante e quando os olhos de Rauf se encontraram com os dela foi como se alguém tivesse
acendido uma árvore de natal em seu interior. De repente, sentia-se elétrica, viva pela primeira vez.
- Como não! - murmurou Annabel ao ver a mirada de evidente apreciação que Rauf estava dirigindo a Lily.
Quanto ele te viu, eu fiquei invisível. Deverias levar um adesivo que dissesse sou lésbica, Lily. Ao menos assim os homens deixariam de perder o tempo contigo
e as demais teríamos alguma opor-tunidade.
Surpreendida pelo comentário de sua colega, Lily se voltou para ela.
- Repete isso?
Annabel se encolheu de ombros.
- O és, não? Pode que não tenhas saído do armário, mas tua forma de reagir com os homens o deixa bastante claro. Adivinhei-o faz tempo.
- Não sou lésbica - negou Lily com firmeza enquanto Annabel pegava sua bandeja da barra.
- Sei que não é assunto meu - disse sua amiga -. Só estou zelosa do linda que és.
Surpresa pelo fato de que alguém que a conhecia desde fazia dois anos pensasse aquilo dela, Lily foi atender a Rauf. Em nenhum momento o olhou diretamente, nem
também não a sua acom-panhante, mas, inclusive no estado de nervos em que se encontrava, fixou-se em sua voz grave e poderosa e no sotaque ligeiramente exótico
que enfatizava seu excelente inglês. O desastre se pro-duziu quando foi levar-lhes as bebidas. Estava a ponto de deixar um copo de vinho na mesa quando a morena
fez um movimento repentino e suas mãos chocaram. O copo caiu e o vinho se derramou sobre o colo da mulher.
- Estúpida! - gritou a morena como se Lily o tivesse feito de propósito -. Não te bastou com insinuar-te a meu homem, não? Também tinhas que me estragar o
vestido!
Enquanto o chefe de Lily se acercava rapidamente à mesa e ela murmurava uma cascata de desculpas ao mesmo tempo que rogava por dentro que se a engolisse a terra,
Rauf deixou um cheque na mesa e levou a sua histérica colega do pub a toda pressa. Lily não esperava voltar a vê-lo, mas no dia seguinte, quando foi trabalhar se
encontrou com um incrível ramo de flores e um cartão esperando-a.
- Sinto o sucedido de ontem. Rauf
Quando um tipo gasta esse dinheiro com flores, fica claro quem se está insinuando a quem - comentou seu chefe, divertido.
Lily teve que fazer verdadeiros esforços para frear a onda de re-cordações que lhe impediam dormir. Que dizia dela o fato de que ainda estivesse obcecada por uma
relação que Rauf tinha deixado atrás fazia tempo? Molesta por sua falta de autodisciplina, se combinou a amadurecer.
À manhã seguinte, quando Rauf chegou num avião privado ao aeroporto, encontrou Lily esperando-o.
Observou-a enquanto se acercava a ele com um vestido azul pálido e uma malha com o que devia estar assando-se por causa do calor. Seu cabelo dourado brilhava à
luz do sol e parecia tímida e muito jovem.
Um absurdo impulso de dizer-lhe que desse a volta e tomasse o primeiro avião de volta para casa assaltou a Rauf enquanto a olhava, mas em seguida reprimiu. Só lhe
estava fazendo o que ela fez a ele em outra ocasião: atraí-la para um caminho que parecia seguro até o último momento. Como reagiria quando se encontrasse olhando
ao abismo com a polícia esperando-a do outro lado?
Por enquanto não tinha entregado seus dados à polícia, mas o advogado do povo próximo ao lugar em que iam construir-se os supostos chalés já tinha um relatório
sobre o caso. Ademais, Rauf tinha averiguado que Lily aparecia como diretora de Harris Travel nos papéis oficiais da agência, e como tal podia ser considerada responsável
do sucedido. Mas o que Rauf desejava acima de tudo era a cabeça de Brett Gilman.
- Faz calor - murmurou Lily quando esteve junto a ele.
- E ainda fará mais - disse Rauf ao mesmo tempo que a tocava levemente nas costas para fazer-lhe girar em direção ao heli-cóptero que os aguardava.
- Vai ser um vôo muito longo?
- Mais ou menos uma hora ao todo. Vamos fazer uma paragem no caminho - sem transição, Rauf mudou de tema - Estás desfrutando de tua estadia em Turquia?
- Ainda estou me aclimatando. A semana que vem vou apontar-me a todas as viagens turísticas que possa. Hilary tem intenção de organizar visitas especiais
para a primavera... - Lily se interrompeu ao sentir que Rauf apoiava as mãos em sua cintura e a levantava até o helicóptero como se mal pesasse uns quilos
- Obrigada - murmurou.
Depois de sentar-se a seu lado, Rauf fez uma senha ao piloto para que pusesse o helicóptero em marcha e indicou a Lily que se pusesse o cinto de segurança.
Durante todo o vôo, Lily se dedicou a olhar pela janela. Desde ali tinha uma vista fantástica do brilhante mar azul turquesa que sobrevoavam, lotado de pequenas
ilhas e rodeado de magníficas praias. Ao cabo de uns minutos o helicóptero girou para o interior. Depois das calmas e preciosas vistas do mar, Lily se surpreendeu
ao ver uma mina de carvão quando o helicóptero começou a descer. As minas de carvão eram um negócio, recordou-se, e Rauf tinha mencionado uma paragem no caminho
possivelmente, algum de seus jornais ia publicar algum artigo de fundo sobre a mina.
Depois de sair do helicóptero, Rauf estendeu uma mão para ela para ajudá-la a baixar. Uma vez em terra, Lily se fixou num empoleirado caminho que se achava a poucos
metros deles.
Rauf a olhou atenciosamente.
- Sabes onde estás?
Lily negou com a cabeça, sem compreender por que lhe perguntava aquilo.
- Não tenho nem idéia.
- Creio que resolverás o mistério muito cedo - disse Rauf en-quanto a guiava pelo caminho para uma zona pavimentada na que se alçava uma opulenta entrada
que era o último que teria esperado encontrar a poucos metros da cerca que rodeava a mina.
Lily franziu o cenho. - É aqui onde vives?
- Nem sequer as pessoas daqui vive por estes pagamentos. Quem quereria olhar pela janela de sua casa e ver a escória da mina? - perguntou Rauf em tom zombador.
Lily já tinha captado o desdém que tingia cada uma de suas palavras, o brilho feroz de seus olhos. Quando o olhou, ele sustentou sua mirada sem pestanejar e ela
se ruborizou pois, apesar de que re-sultava amedrontador naquele estado de ânimo, também estava muito bonito. Desafortunadamente, aquela realidade não deixava de
jogar más passadas a sua concentração.
- Então, se não vives aqui, aonde vamos?
- Decidi fazer-te uma surpresa voando até os chalés cons-truídos por Harris Travel.
Lily piscou e depois riu brevemente.
- Nesse caso, temo-me que tens as senhas equivocadas. Os chalés estão cerca de Dalyan que, segundo tenho entendido, é um lugar precioso.
Quando se deteve, Rauf a tomou da mão.
Desconcertada, Lily flexionou os dedos nos dele e depois os deixou quietos ao sentir que uma cálida sensação ascendia ao longo de seu braço. Rauf a levou ao longo
do caminho pavimentado até um ponto no que se deteve e lhe soltou a mão.
Esta é a terra que Brett Gilman comprou por mal nada porque ninguém mais a queria.
Lily ficou olhando-o, aturdida.
- Não pode ser... isto nem sequer parece uma zona turística. Asseguro-te que este não é o lugar no que se construíram nossos
chalés...
Já que foi meu dinheiro que financiou o projeto, crês sinceramente que poderia ter cometido tal erro?
Lily se esforçou por pensar com clareza.
- Tu eras só um sócio silencioso...
Esse foi meu erro. Se tivesse feito questão de controlar a situação, o que fez Harris Travel aqui não teria sucedido porque eu não o teria permitido - replicou
Rauf com fulminante ênfase.
- Que queres dizer com o que fez Harris Travel aqui? - perguntou Lily, cada vez mais inquieta - Por que não me estás escutando? Este não é o lugar em que
se construíram os chalés.
- Deixa de dizer-me isso! - espetou Rauf, impaciente - Tenho no bolso uma cópia do contrato que Brett assinou com os construtores e outra da escritura de
compra da terra. Por mim como se tens todos teus arquivos no bolso! o tom de Lily subiu quase uma oitava e seu gênio saiu à luz porque nada do que Rauf tinha dito
ou fato desde que tinham subido ao helicóptero fazia sentido.. Tenho fotografias dos chalés quando estavam quase acabamentos e as vistas desde a parte dianteira
era magnífica. E não tinha nenhuma mina de carvão perto!
- É impossível que tenhas fotos dos chalés - disse Rauf, furioso por que se empenhasse em seguir mentindo apesar das provas.
Lily já estava procurando em sua bolsa as fotos que Brett tinha levado de volta A Inglaterra depois de sua última viagem a Turquia quando se deteve para olhar
os baldios terrenos que a rodeavam.
De repente riu, aliviada.
- Mas se aqui nem sequer há uns chalés com respeito aos que equivocar-se! - Por que não admites que estamos no lugar equi-vocado? enquanto Rauf a olhava como
se acabasse de dizer que podia voar sem asas, ela lhe entregou as fotos com expressão satisfeita. - Nossos chalés, Rauf.
Frustrado, ele jogou uma rápida olhada às fotos.
- É isto que demonstra, Lily? Que alguém com uma câmara pode tomar umas fotos dos chalés em construção de outra pessoa? Ou começas a dizer-me a verdade, ou
vou ter que pôr o assunto nas mãos da polícia.
Lily ficou paralisada ao ouvir aquela ameaça.
- A... polícia?
- Harris Travel defraudou aos construtores e provedores locais. O nome, as senhas e o número de telefone que lhes facilitou a agência eram falsos.
Intensamente pálida sob a luz do sol, Lily entreabriu os lábios, mas demorou uns segundos para poder falar.
- Harris Travel defraudou as pessoas? - Não... não sei de que estás falando.
Rauf soltou o alento com impaciência.
- Não há chalés. Nada se construiu além dessa entrada, e isso tens que o saber. Lily engoliu com esforço. Só então recordou que Rauf tinha dito que tinha
uma cópia das escrituras dos terrenos. Sem dúvida, aquela tinha que ser uma prova irrefutável de que se achava nas terras que comprou Brett... Mas aquele não era
ele lugar que Brett fotografou, e não tinha nenhum edifício à vista.
- Estás seguro de que os chalés não se encontram um pouco mais abaixo? - murmurou, olhando a seu redor sem compreender na-da. - Quero ver as escrituras.
Rauf lhe entregou um papel que Lily tomou com mão trêmula. Estava escrito em turco, mas quando olhou as assinaturas reconheceu a de Brett e viu um selo oficial
sobre ela. Seu cérebro estava funcionando a câmara lenta. Não podia aceitar o que Rauf lhe estava dizendo.
- Sigo pensando que os chalés têm que estar por aqui, em algum lugar. - Pode que estejamos na carreteira equivocada - sugeriu, emocionada - Costumavas falar-me
do grande que é teu país... não podes conhecer cada carreteira!
Estava tremendo como uma folha açoitada pelo vento, mas Rauf estava decidido a não cair vítima daquela cínica atuação destinada a convencê-lo de que era inocente.
No entanto, não pôde evitar sentir-se impressionado pelo magnificamente que estava inter-pretando sua estupefação e incredulidade.
- Não há chalés - repetiu.
- Tem que os ter! - protestou Lily.
A terra se comprou e os construtores foram contratados, mas depois de um primeiro pagamento ninguém voltou a ouvir falar do ex marido de tua irmã.
Ao sentir que suas pernas estavam a ponto de ceder, Lily deu uns passos atrás e se sentou numa rocha à sombra de um castanho.
Antes de que os construtores descobrissem que tinham sido enganados, fizeram este caminho e puseram os alicerces. Desde que fechou a mina esta é uma zona na que
mal há emprego, e os construtores receberam promessas de um bônus se as obras se realizavam com rapidez. Brett Gilman tinha um grande carro e pensaram que era rico,
de maneira que compraram mais material a crédito a um parente, confiando em receber o seguinte pagamento. Duas famílias se viram sumidas na pobreza por causa disto.
O estômago de Lily se encolheu ao ouvir aquilo. Que tinha passado? Que tinha feito Brett? Era possível que tivesse utilizado o dinheiro destinado aos chalés para
manter a agência? Odiava Brett, e ao princípio não podia compreender sua própria rejeição em aceitar o evidente, até que compreendeu que a segurança de toda sua
família estava na mesma balança.
Era óbvio que Brett tinha mentido uma e outra vez sobre os chalés. Tinha mostrado a Hilary e a seu pai fotos de outra obra e depois lhes tinha dado
outras com os chalés já construídos. Nenhum dos dois Suspeitou nada porque aquele projeto tinha sido de Brett desde o princípio. Para então Douglas Harris se tinha
retirado e Hilary só tinha começado a trabalhar em Harris Travel fazia uns meses. Até então, Brett tinha tido total liberdade para fazer o que lhe parecesse
oportuno. Que tinha passado com todo o dinheiro que deveria ter-se investido nos chalés? A única resposta possível era que Brett o tinha ficado. Não tinha chalés.
O único que tinha era um bocado de terreno baldio num lugar perdido. No entanto, Brett argumentou durante o divórcio que tinha direito à metade da casa na que
tinha vivido com Hilary porque Harris Travel ia ficar com dois chalés de luxo que a agência possuía no estrangeiro, e convenceu a dois advogados de que estes
existiam.
E sua pobre irmã tinha acabado agradecendo que Brett não reclamasse também parte da agência depois de ter-se passado anos trabalhando nela! Lily olhou ao esvaziamento
com expressão deso-lada. Não tinha chalés! Aquilo significava que o dinheiro do inves-timento de Rauf tinha desaparecido. Depois daquilo, que possibi-lidades tinha
de que a suposta confusão com as contas do banco fosse verdadeira? Ao que parece, Brett tinha estado defraudando à agência desde o princípio. Sua família ia ficar
arruinada e car-regada de dívidas.
Rauf observou a Lily, que estava sentada na rocha, paralisada pela comoção. Não deixava de olhar os alicerces como se ainda esperasse que em qualquer momento fossem
surgir dois chalés deles.
- Não posso acreditar... murmurou, movendo a cabeça. Como Brett pôde fazer algo assim a sua própria família? - Já per-
perderam tanto desde o divórcio...
Aquela foi a primeira vez que Rauf ouvia a Lily fazer um comentário negativo sobre Brett Gilman.
- Não tinhas nem idéia?
Lily piscou e o olhou pela primeira vez em vãos minutos.
- Como podes perguntar-me isso? Um dos motivos principais pelos que vim é para vender essas casas! Ainda não consigo assimilar que nem sequer foram construídas...
- Isso é compreensível de maneira que, ao menos no referente aos chalés, tinha-a julgado mal, concedeu Rauf a contragosto. - Ao que parece, e apesar de sua
relação com Lily, Brett Gilman tinha atuado sem seu conhecimento. Descobrir que seu antigo amante secreto também tinha mentido a ela devia ter resultado espe-cialmente
traumático para Lily, sobretudo tendo em conta que já devia ter sofrido bastante quando Brett decidiu divorciar-se de sua irmã para ir-se com outra mulher, não
com ela. Aquilo deve ter sido como uma bofetada no rosto. Uma bofetada
merecida, disse-se Rauf.
- Mas tu o sabias, verdade? - disse Lily com lábios trêmulos. Quando nos vimos ontem, já sabias que os chalés não existiam.
- Me inteirei de todo o assunto faz quarenta e oito horas, quando meu assessor de investimentos decidiu pôr-me ao tanto. Já que eu também tenho participações
em Harris Travel, dei ins-truções para que as famílias afetadas pelo sucedido sejam compen-sadas.
Lily o olhou através das lágrimas que ameaçavam com derramar-se de seus olhos. Parecia tão distante, tão controlado... Um soluço de impotência escapou de sua
garganta.
- Isso está bem murmurou. - Mas duvido muito que estejas pensando em compensar a minha família por suas perdas!
Rauf se acercou a ela, apoiou ambas mãos em seus ombros e a fez levantar-se.
- Vamo-nos daqui.
- Me sinto tão horrivelmente mau... como se tudo fora culpa minha! - Lily se deixou levar uns segundos por sua aflição, mas em seguida se controlou - Eu nunca
tive muito que ver com o negócio e ainda me custa crer que Brett tenha sido capaz de roubar literalmente a seus próprios filhos. - Só Deus sabe quanto o odeio,
mas papai e Hilary - sempre tiveram uma elevadíssima opinião de sua sagacidade para os negócios,
Rauf sorriu com desagrado acima da cabeça de Lily e passou um braço por suas costas Não ia deixar-se amaciar por suas lágrimas. Já que tinha conseguido quebrar
sua fachada, seguiria pres-sionando-a até averiguar tudo o que queria. Supunha que muitas mulheres recorreriam a uma memória seletiva à hora de recordar uma aventura
amorosa indefinida que nunca deveria ter tido lugar, mas sentia que Lily lhe devia ao menos a verdade.
- Nem sempre odiaste a teu cunhado.
- Não quando Hilary e ele se casaram.
- E também não quando, a instâncias suas, levaste-me a tua casa para que investisse no negócio familiar - disse Rauf com aspe-reza.
Lily se voltou a olhar, surpresa. A instâncias de Brett? Como sabia que Brett tinha desempenhado um papel importante em sua decisão de levar finalmente a Rauf
a conhecer a sua família?
- Talvez crês que eu acabei por dar-me conta de que tudo tinha sido uma montagem? Harris Travel precisava de um investidor e eu era rico. Pretendes fazer-me
crer que foi pura coincidência que decidisses apresentar-me a tua família precisamente então? - Eu duvido muito!
- É isso o que crês? - Lily estava horrorizada por aquela acu-sação surgida do nada. Como tinha podido chegar a crer Rauf que era tão fria e calculista?
- Apesar do que pareces pensar, não nasci ontem - replicou ele em tom depreciativo.
- Então eu não tinha nem idéia do rico que eras! - espetou Lily, enfadada e não me inteirei dos planos de expansão da agência até que chegamos aquele fim
de semana a casa e ambos ouvimos a Brett e a papai falando. O único motivo pelo que te levei a casa foi porque minha irmã se estava morrendo por conhecer-te!
- Oxalá pudesse crer-te - murmurou Rauf.
- De maneira que chegaste à conclusão de que o único que pro-curava era teu dinheiro... - Lily voltou a sentir a ardência das lágrimas em seus olhos -.
- E como explicas que aquele mesmo fim de semana falasse contigo a sós para dizer-te que to pensasses muito bem antes de investir em Harris Travel? - E daí
me contestaste? Estamos falando de negócios, algo sobre o que tu não sabes nada, Lily.
Desconcertado por aquele inquietante recordação, Rauf abriu a boca para dizer que sua aparente falta de interesse também podia ter sido um truque para esporear
a demonstrar sua generosidade para sua família. Mas finalmente não disse nada. Depois de tudo, estava vendo uma faceta de Lily que esta não lhe tinha permitido
ver nunca, e não tinha desejo de silenciá-la. Ali estava, prati-camente saltando de raiva frente a ele, sem que aparecesse por nenhum lado sua faceta vulnerável,
e estava fascinado com a visão.
- Tu sabias tudo, verdade? - espetou ela, furiosa - Mas agora que tudo saiu mal culpas a mim! - Pois eu sinto, mas o único erro que cometi contigo, o único
que lamento, é ter sido tão estúpida para apaixonar-me de ti.
A seguir, voltou rapidamente até o helicóptero e praticamente saltou a seu interior sem necessidade de ajuda. Quando Rauf se sentou a seu lado, ela voltou a cabeça.
Estava convencida de que não ia ser capaz de voltar a olhá-lo à cara depois de ter admitido
que tinha estado apaixonada dele. Como podia ter caído tão baixo? Rauf não tinha direito a escutar aquela confissão.
O helicóptero se elevou no ar. Rauf respirou profundamente para acalmar-se. Não era possível que se tivesse equivocado em tudo. Mas, talvez, a aventura de Lily
com Gilman já tinha acabado quando ele entrou em sua vida... sim, claro, seguro que aquela tarde saiu daquele hotel com Brett por motivos totalmente inocentes e
seguro que também mentiu com respeito a onde tinha estado por motivos igualmente inocentes. Tinha tantas probabilidades de que aquilo fora verdadeiro como de que
ela fora virgem, coisa que inclusive se atreveu a jurar-lhe então!
Estava furioso consigo mesmo. Estava permitindo que Lily voltasse a jogar com ele como então. Tudo o que tinha precisado para começar a fazer-lhe duvidar de sua
própria inteligência tinha sido dizer-lhe que tinha estado apaixonada de ele! Sabia exatamente por que o estava tentando Lily de novo. Seus hormônios não tinham
critério e não podia evitar sentir-se atraído por ela. Inclusive com aquela remangada malha o excitava!
Mas Lily exercia ainda aquele poder sobre ele porque era incrivelmente bela e ele não tinha chegado a ser nunca seu amante.
Se moveu no assento, incômodo, num esforço por relaxar sua excitação enquanto se perguntava involuntariamente se Lily mos-traria tanta paixão na cama como quando
lhe tinha gritado fazia uns momentos e por que não o averiguar? Depois de tudo, se Lily era inocente de toda culpa no assunto dos chalés, também devia sê-lo no
referente ao roubo das contas. Gilman se tinha posto em marcha e se tinha levado consigo seus fraudulentos benefícios, mas Rauf estava disposto a perseguí-lo e
pendurá-lo com prazer de uma corda por todos seus pecados...

Capítulo 4.

Quando o helicóptero aterrizou, Lily ignorou a mão que lhe estendeu Rauf para ajudá-la a baixar. Também não se fiava o suficiente de si mesma naqueles momentos
como para olhá-lo. Depois das revelações que lhe tinha feito, sentia-se ainda mais amedrontada do que ao princípio.
- Onde estamos? - perguntou enquanto por sua cabeça passavam outra dúzia de pensamentos ao mesmo tempo. Que, sem nenhuma justificativa, Rauf tinha decidido
que era uma caça fortunas. Que, também sem motivo, terá estado disposto a crer que ela, e provavelmente toda sua família, tinha conspirado com Brett para defraudá-lo.
Que a tinha levado deliberadamente ao lugar no que pretensamente se tinham construído os chalés para enfrentá-la com as travessuras de Brett. Que não tinha crido
uma só palavra do que lhe tinha dito...
Portanto, não precisava perguntar nada para saber que Rauf Kasabian não sentia a mais mínima compaixão por ela, nem por sua irmã e seus filhos, nem por seu pai.
- Em Sonngul, meu sítio - replicou Rauf - Não sei de ti, mas a mim me viria bem uma bebida.
Um ligeiro tremor percorreu o corpo de Lily. Aterrorizava-lhe rom-per a chorar. Sabia que aquela teria sido a reação lógica depois da impressão que se tinha levado,
mas não queria fazê-lo adiante dele. Rauf parecia ter-se convertido em seu inimigo, e num inimigo implacável. Estava disposto a pôr à polícia atrás de Brett, e
ainda que a ela lhe teria encantado ver a este entre grades, estremecia-lhe a perspectiva do que aquilo pudesse significar para Hilary e suas filhas.
Sua família vivia numa cidade muito pequena e as pessoas nunca eram amável com as fraudes e as quebras. Ainda que Hilary esti-vesse divorciada de Brett, Harris
Travel seguia sendo o negócio de seu pai, e aquilo seria o que as pessoas recordaria durante mais tempo. Depois de ter sido enganada por seu marido e ter perdido
a casa familiar no acordo de divórcio, Hilary não só ia ter que se enfrentar ao escândalo e a vergonha do processo contra Brett, senão que também ia perder o único
meio de sustento que tinha para sua família. Aquilo também romperia o coração de seu pai, pois o único orgulho que lhe ficava era seu bom nome.
- Devo chamar a Hilary - disse enquanto avançava junto a Rauf por um caminho bordeado de exuberante folhagem. - Tem que se in-teirar do sucedido com os chalés.
- Não estou de acordo em que faças um relatórios a tua irmã neste momento. - De fato, não quero que te ponhas em contato com ninguém na Inglaterra.
Atordoada, Lily olhou Rauf e viu sua expressão reveladora .
- Pode que tua irmã se tenha divorciado de Gilman - continuou ele - mas duvido que possamos fiar-nos de que vá guardar-se as más notícias para si. O mais provável
é do que lhe exija uma explicação, e não quero que Brett se inteire de que foi descoberto antes de que tudo o sucedido fique esclarecido.
- Pode que o que tu queiras não seja o que eu considere mais adequado para minha família!
- Se queres que facilite as coisas a tua família nestas cir-cunstâncias, farás o que te pedi. Se escolhes pôr-te em meu contra, recorda que te adverti.
- Me estás ameaçando - murmurou Lily, que começava a sentir-se enferma.
- Não te estou ameaçando - replicou Rauf com firmeza - Só estou expondo os fatos. Nestes momentos, não tenho motivos para fiar-me de tua irmã nem de teu pai,
mas estou disposto a não emitir nenhum juízo precipitado. - No entanto, se algum de vocês contar algo a Brett, voluntária ou acidentalmente, pode que este desa-pareça,
e nesse caso teria motivos para perguntar-me se ele foi o único ladrão de tua família.
- Muito obrigado por tua confiança - Lily se ruborizou enquanto assimilava as reveladoras palavras de Rauf.
- Te convém saber que terreno pisas.
Lily já o sabia. Encontrava-se sob a bota de Rauf e corria perigo de ser achatada. Por suposto que entendia a mensagem que estava recebendo. Ou deixava na ignorância
a sua irmã ou Rauf suspeitaria que Hilary ou seu pai tinham tido algo que ver com Brett.
- Sou teu refém? - perguntou.
Rauf lhe dedicou uma mirada tão erótica como uma carícia.-
- Te agradaria sê-lo? - perguntou com voz rouca. Lily se sentiu desconcertada e atraída por aqueles fascinantes olhos, e uma pequena chama de consciência prendeu
na parte baixa de seu ven-tre; sucedeu tão rapidamente que ficou sem alento. Afastou de imediato a mirada dele e a centrou na extraordinária casa que apareceu naqueles
momentos ante sua vista. Parecia uma casa de conto, rodeada de veneráveis carvalhos, e se limitou a olhá-la, as-sombrada. Com um telhado em forma de cúpula e uma
primeira planta sobressalente, tinha todo o aspecto de uma construção me-dieval e parecia totalmente feita de madeira.
- Sonngul disse Rauf com evidente orgulho, - É uma yali, que significa casa de verão em turco. - Faz
dois anos que fiz que a res-taurassem para dar uma surpresa a minha bisavó.
Uma casa de verão do tamanho de uma mansão. Lily respirou profundamente.
- Por suposto, também fiz construir uma longa extensão na par-te traseira - continuou Rauf - Na casa original, cozinhava-se e se lavava no pátio. - Também
não tinha dormitórios. - A família dormia no mesmo lugar no que vivia durante o dia.

A porta em forma de arco estava aberta de par em par. Era uma casa espaçosa e arejada, com altas janelas com contraventanas e tetos altos. Ao entrar, Rauf tirou
os sapatos e Lily o imitou. Na pri-meira planta tinha uma grande habitação com várias portas e Rauf lhe disse que aquilo se chamava a basoda. Cada rincão da habitação
era uma zona diferenciada. Rauf se acercou a uma delas e abriu um armário bar. A um lado tinha dois cômodos e elegantes sofás em ângulo desde os que se divisava
um calmo rio depois do qual tinha um denso bosque. Lily se tirou a malha e se sentou num dos sofás, mais descontraída graças à beleza e o silêncio reinantes:
Nunca lhe tinha agradado o sabor do álcool, mas naquela ocasião, serviu-lhe para aliviar a tensão que lhe tinha atenazado todo o corpo.
Rauf deixou seu copo na mesa sem prová-la.
- Ontem te julguei mal murmurou - Também fui muito gros-seiro. - Isso não é habitual em mim, mas estava muito enfadado e queria fazer-te dano.
Surpreendida por sua franqueza, Lily assentiu rigidamente e baixou a cabeça, pois as lágrimas voltaram a ameaçar com derramar-se. Finalmente, começava a ter uma
visão fugaz do homem do que em outra época se apaixonou tão perdidamente. Um homem incri-velmente orgulhoso e renitente, mas capaz de reconhecer um erro quando
o cometia, por muito que lhe custasse a seu ego. Também era um homem apaixonado e muito masculino que podia ser arrogante e dominante, mas que também tinha sido
capaz de fazer que seu coração se derretesse com um de seus carismáticos sorrisos. Felizmente, pensou Lily enquanto seguia lutando contra as lágrimas, Rauf não
lhe tinha sorrido nem uma vez desde sua chegada a Turquia.
- E por que querias fazer-me dano?
Perguntou, porque não se lhe ocorria nenhum motivo para isso.
Foi ele quem a deixou, e ela passou muito tempo depois atendendo ao telefone com a esperança de que fosse ele quem a chamava. Mas não estava esquecendo suas atuais
suspeitas sobre ela, ou ao menos sobre o possível envolvimento de sua família com as travessuras de Brett? Afastou aquele desagradável pensamento de sua mente, pois
era consciente de que não tinha controle nem influência alguma sobre o que ia suceder.
Rauf riu com aspereza.
- Como podes perguntar-me isso?
Lily o olhou e reconheceu a tensão que tinha no forte rosto que em outra época rondou de forma incessante seus sonhos.
- Sem dúvida deves sentir o desejo que acordas em mim con-tinuou Rauf com ênfase - Nem a procurei, nem esperava seu re-gresso, mas o desejo que sinto por
ti segue dentro de mim, como naquele verão.
Através da janela aberta, Lily podia escutar o rumor do água deslizando-se sobre as rochas. No silêncio que seguiu, aquele som pareceu invadir seus ouvidos enquanto
tratava de assimilar o que Rauf acabava de admitir. Estava dizendo que queria voltar a ficar com ela? Por que se não ia ter admitido que ainda a desejava? Voltou
lentamente o rosto para ele e suas miradas se encontraram.
- Sempre tratas de conseguir o que crês que não podes ter? - sussurrou.
- Evidente que... sim - admitiu Rauf em turco, como um fatal encolhimento de ombros, como se aquela fosse a norma inevitável para ele.
- Assim que, se digo que não, me desejarás ainda mais...
- Não deverias ter-me dito isso. Lily tratou de caçoar, dese-jando rir e chorar ao mesmo tempo, e então as lágrimas começaram a deslizar-se de modo incontrolável
por suas bochechas.
- Lily... não... - depois de um instante de dúvida,
Rauf se sentou a seu lado e a tomou entre seus braços, mas se deteve quando a tinha a poucos centímetros.
- Eu... sinto... - disse Lily, mas a confissão de Rauf tinha libe-rado suas lágrimas como nada mais
poderia tê-lo feito.
- Fui muito duro contigo - concedeu Rauf, e em seguida se perguntou por que tinha dito aquilo, ainda que não se questionou por que a estava abraçando.
- Não é culpa tua que Brett tenha resultado ser um canalha - Lily cedeu a seus instintos e apoiou a cabeça contra o forte peito de Rauf -. Mas agora mesmo
não quero pensar nele.
- Suponho que não - Rauf a apartou um pouco e utilizou uma mão para fazer-lhe levantar o rosto.
Era o momento ideal para exigir respostas. Sua outra mão se fechou em tomo ao passador que mantinha presa sua longa cabe-leira. Seus olhos dourados se fundiram
com os azuis de Lily durante um longo momento enquanto se recordava que ela tinha dormido com o marido de sua irmã, que era uma mentirosa expe-riente. Mas seguiu
olhando seus maravilhosos olhos azuis e se dei-xou levar por um sentimento de que mais dá totalmente atípico nele.
- Por que me estás olhando assim? - perguntou Lily, sem alento.
- Te estou apreciando - Rauf a inclinou sobre um de seus braços ao mesmo tempo que soltava o fecho que prendia seu cabelo. Fez cada movimento com exagerada
lentidão, esperando instintiva-mente seus protestos, sua retirada, como tinha sucedido uns anos atrás. Ainda estava surpreendido por como tinha reagido no dia an-terior
entre seus braços, pois não era bem como a recordava.
Lily mal podia esperar assentir de novo seus lábios nos dela.
- Fala sério?
- Muito... - disse Rauf com voz rouca, sentindo uma espécie de amarga diversão ao reconhecer sem nenhuma dúvida que a rejeição com o que se topou aquele verão
só pôde ser um plano deliberado para acordar seu interesse.
Sobretudo porque não pareces tão nervosa como costumavas.
Envergonhada, Lily baixou a mirada ante a inesperada recordação.
- Isso eu já superei.
Mas quando o tinha superado?, perguntou-se Rauf. No dia anterior, talvez, quando se tinha dado conta de que ele tinha o futuro de Harris Travel em suas mãos? Afastou
aqueles escuros e perigosos pensamentos de sua mente de imediato e deslizou os dedos pelos dourados cabelos de Lily.
- Sempre quis vê-lo solto deste modo.
- É demasiado longo... interpõe-se no caminho.
O hipnótico brilho dos olhos de Rauf tinha paralisada Lily. Mal podia respirar, e o coração lhe batia como se acabasse de correr a maratona. Notava os peitos tensos
e uma líquida sensação de calor se tinha apoderado de suas partes mais íntimas. Um repentino sentimento de culpa lhe fez pressionar as coxas.
- Me encanta... - Rauf deslizou as mãos até seus quadris e a levantou para si. - Prometo-te que não se interporá em meu ca-minho.
A seguir capturou os lábios de Lily com uma firme lentidão que fez que todos os sentidos desta enlouquecessem. Todo pensamento ra-cional a abandonou no instante,
dominado pelo prazer que lhe produzia o que lhe estava fazendo Rauf. Este explorou o interior de sua boca com sedutora experiência e ela fincou os dedos em seus
ombros enquanto pequenos estremecimentos de prazer percorriam seu corpo.
Rauf levantou sua escura cabeça.
- É hora de mover-se... - murmurou ao mesmo tempo que se punha em pé.
Antes de que Lily tivesse tempo de reagir, tomou-a nos braços. Ela o olhou, confusa.
- Posso caminhar...
- Me agrada levar-te em meus braços - contestou Rauf, e sorriu.
O coração de Lily bateu mais depressa ante o atrativo daquele sorriso.
- Vou levar-te para minha cama, güzelim. - Se não te agrada a idéia, diga agora...
Algo parecido ao pânico se apoderou inicialmente de Lily em resposta àquele convite. Não era demasiado cedo para aquilo? Mas estava disposta a recusar ao único homem
que tinha desejado em sua vida? Naquela ocasião, Rauf devia esperar uma relação adulta com ela, e ele não devia ver nenhum motivo pelo que não pudessem ir-se já
à cama. Apegar-se a seus princípios morais seria um triste consolo se voltasse a perder Rauf por isso. E, aparte dos nervos e a timidez, se era sincera consigo
mesma, a mera idéia de descobrir a paixão entre seus braços a fazia sentir-se débil de desejo.
- Lily...? - disse Rauf com gesto interrogante, temendo acabar de novo sob um chuveiro de água gelada.
Ela o olhou nos olhos e sentiu que um montão de borboletas se punham a revolutear em seu estômago. A modo de resposta, se ergueu e o beijou nos lábios. Ele sucumbiu
com um rouco gemido de apreço.
Passou se menos de um minuto antes que o cérebro de Lily come-çasse a funcionar de novo, e percebeu então que Rauf a estava deixando sobre uma enorme cama. A instantânea
tensão que sentiu a deixou petrificada no lugar.
Rauf se afastou para desfrutar da magnífica visão que tinha ante si, do cabelo de Lily estendido sobre a colcha como o de uma princesa de conto de fadas. Enquanto
tirava a jaqueta sem afastar a mirada dela tomou uma repentina decisão.
Não estava disposto a deixar que se marchasse de novo. Por que ia sentenciá-lo seu código moral a negar-se aquilo em sua vida privada? A levaria
de volta a Istambul e a instalaria num apar-tamento. Que seus parentes femininos pensassem o que quisessem. Aos trinta anos, tinha o direito indiscutível de viver
como lhe desse a vontade.
- Não posso afastar os olhos de ti... - confessou.
Lily olhou como se tirava a gravata e sua tensão aumentou. Ela também não podia afastar os olhos dele, e mal podia crer que estivesse em sua cama só dois dias depois
de sua chegada a Turquia. Sentia-se terrivelmente tímida, mas lhe parecia totalmente natural estar com Rauf. Afinal de contas, tinha permanecido em seu cora-ção
todo aquele tempo. Surpreendida pela verdade que se tinha negado a si mesma durante tanto tempo, olhou Rauf e compreendeu por que não podia resistir a ele. Nunca
tinha deixado de amá-lo.
- Fazes isto o tempo todo? se ouviu perguntar, sem nem sequer ter sido consciente de que ia fazê-lo.
Surpreso, Rauf deixou de desabotoar os botões da camisa.
- Quero dizer... - continuou Lily, que sentia que sua língua estava reagindo ante seus ansiosos pensamentos com mais velocidade da que teria recomendado a
prudência. - Só um beijo e depois dire-tamente a... a cama?
- Não desde que era um adolescente.
Lily se ruborizou.
- Só me perguntava.
Sem vacilação alguma, Rauf a tomou entre seus braços e a beijou com apaixonada intensidade.
- Mas agora somos nós... e isso é diferente - declarou, e em seguida se afastou para tirar a camisa.
Lily notou como lhe secava a boca enquanto contemplava seus poderosos músculos e sua pele bronzeada. Era um homem magnífico. Uma mata de cabelo encaracolado e escuro
marcava seus peito e ia descendo até perder-se em sua cintura. Quando começou a tirar as calças, Lily temeu sofrer um ataque do coração.
Só a base de força de vontade conseguiu permanecer na cama quando viu que sua cueca caía no solo. Talvez não tinha superado a fase do beijo com sobressalente?
Por que se não tinham atingido a da cama com tanta rapidez?
Um instante depois, sentiu que o colchão se afundava a seu lado e que Rauf a rodeava com um braço.
- És tão sexy... - murmurou ele com voz rouca enquanto come-çava a baixar-lhe o zíper do vestido.
- Para valer? - sussurrou ela ao mesmo tempo que sentia que o fresco ar da habitação acariciava suas costas.
- Por suposto. E tens uma pele incrivelmente suave - Rauf a beijou num ombro ao mesmo tempo que deslizava os dedos por suas costas.
Enquanto ela tremia de excitação, ele tomou sua sensual boca com faminta urgência e, uma vez mais, todo pensamento abandonou a mente de Lily. Seu vestido e seu
sutiã caíram ao solo sem que nem sequer se desse conta de que ele os tinha tirado.
Quando Rauf lhe fez entreabrir os lábios e invadiu a boca com sua língua, sentiu que cada centímetro de sua pele palpitava de anteci-pação. Nada mais existia para
ela naqueles momentos, nada mais importava, e submergiu os dedos nos escuros cabelos de Rauf para retê-lo contra si.
Mas quando ele se afastou e a levantou para retirar a colcha e deixá-la sobre o lençol o mundo real reclamou a Lily de novo. De repente, a visão de seus próprios
peitos nus e a consciência de estar vestida exclusivamente com a calcinha lhe produziram uma intensa vergonha.
Mas Rauf mal demorou um instante em voltar a estar junto a ela.
- És preciosa - disse com evidente convicção enquanto contemplava seus olhos azuis, seus lábios enrijecidos pelos beijos, sua magnífica cabeleira, que cobria
a médias um de seus peitos.
Lily sentiu que o coração ia estourar-lhe no peito quando percebeu o evidente desejo que brilhava nos olhos de Rauf.
- Devo advertir-te que... ainda não tinha... feito isto antes.
Surpreendido por aquela inesperada saída, Rauf tratou de não mostrar seu desagrado. Talvez seguia esperando Lily que acredi-tasse que era pura como a neve? Talvez,
como não lhe tinha feito ver que estava sabendo de sua relação com Gilman, sentia que devia seguir simulando. Mas resultava estranho que seguisse fazendo questão
disso depois daqueles anos.
- Isso te tira a vontade? perguntou Lily, preocupada ao ver que Rauf não dizia nada.
- Nada poderia conseguir isso - aliviado pelo fato de que Lily tivesse dito algo ao que podia contestar, Rauf tomou o caminho mais fácil. Estreitou-a de
novo entre seus braços e a beijou até deixá-la sem fôlego.
Uma sensação doce como o mel percorreu as veias de Lily quando ele lhe acariciou os seios, e mal pôde conter um gemido quando tomou entre os lábios uno de seus
excitados mamilos. Tinha come-çado a sentir uma insistente palpitação entre as pernas e, de repe-nte, notou que seu corpo a controlava, desesperado e faminto por
seguir experimentando aquele torturante prazer.
- Nunca desejei uma mulher como desejo a ti agora - admitiu Rauf, com a respiração agitada. Tinha dito a verdade, ainda que era uma verdade amarga para ele.
Mas aquela confissão emocionou Lily, que, a partir daquele momento, não teve mais dúvidas sobre o que estava fazendo: dando onde em outra época teve medo de fazê-lo
e compartilhando do mesmo mo- do.
- Eu sinto o mesmo - sussurrou ao mesmo tempo que olhava a Rauf com completa confiança.
Mas nem sempre tinham sido assim as coisas, e Rauf era muito consciente disso. Um perigoso sorriso curvou sua expressiva boca.
- Agora que Brett se foi?
Lily piscou, desconcertada, e de repente se perguntou, consternada, se Rauf teria suspeitado sempre que tinha algo estranho em sua relação com o ex marido de Hilary.
Mas não lhe atraía a idéia de falar-lhe sobre o desprezível comportamento que tinha tido Brett com ela quando era uma adolescente. Era possível que este nunca a
tivesse tocado, mas lhe tinha feito muito dano, e estava convencida de que Rauf se sentiria enojado se se inteirasse do sucedido... ou, pior ainda, talvez se perguntaria
se ela teria acalentado de algum modo os atendimentos de Brett.
- Eu sinto... não te sigo - murmurou, incômoda. Estava pálida e Rauf interpretou a tensão de sua mirada como um claro indício de culpa. Uma culpa que não
lhe produziu nenhuma satisfação, senão uma intensa raiva.
- Se alguma vez conseguisse pôr as mãos em cima de Gilman, o destroçaria.
Reprimindo seu enfado, se ergueu na cama e alongou as mãos para Lily para voltar a tomá-la entre seus braços.
- Pode que seja uma cama grande disse: mas isso não significa que tenhas direito a perder-te nela.
Lily se deixou envolver em seu cálido abraço. Ao mesmo tempo que sentia um intenso alívio pelo fato de que Rauf não tivesse dito nada mais a respeito, cada célula
de seu corpo se pôs em alerta vermelha ante a renovada força do desejo que a possuiu.
Sentiu que se perdia numa impotente mistura de nervos e anteci-pação ao notar a palpável, dura e ardente evidência da excitação de Rauf contra seu ventre. Então,
ele começou a acariciar com sua língua e a mordiscar seus mamilos até que a fez retorcer-se e per-der-se num mundo de maravilhosas sensações antes de que ele procurasse
com a mão a deslizante umidade entre suas coxas. Quando sentiu como acariciava com um dedo a parte mais sensível de seu corpo, um prolongado gemido escapou de
sua garganta. A intensidade do prazer foi crescendo até deixá-la sem alento.
- Rauf... - ofegou, e nem sequer sabia o que queria dizer, só que seu desejo era quase insuportável, e que a extraordinária dor que a consumia se estava convertendo
numa tortura.
Os olhos de Rauf pareciam um incêndio quando se afastou um momento para pôr-se proteção. Depois afundou as mãos sob os quadris de Lily e a penetrou de um suave e
experiente empurrão. Uns pequenos tremores de prazer assaltaram a Lily ante a sensa-ção inicial de seu membro alargando-a.
Então, ele disse algo em sua própria língua e voltou a levantar seus quadris para penetrá-la mais profundamente. Uma aguda apunha-lada de dor sacudiu Lily e, por
um instante, pôs-se rígida e foi incapaz de conter um surpreso grito de queixa.
Rauf sentiu a resistência demasiado tarde. Ficou paralisado, como se de repente tivesse começado a soar um alarme, mas o impulso de seu movimento já lhe tinha feito
penetrar a delicada barreira.
- Lily...? - começou, e a voz lhe falhou pela primeira vez em sua vida. .
- Não passa nada - murmurou ela, aturdida, adaptando-se com admirável rapidez a uma categoria de sensações que nem sequer tinha sonhado que existissem. -
Estou-me acostumando... oh... oh, sim...
Com os olhos firmemente fechados, rodeou Rauf com os braços, moveu cuidadosamente os quadris e foi recompensada com uma onda de prazer tão delicioso que ficou sem
alento, almejando mais.
Apesar de seu desejo, Rauf fez menção de retirar-se, mas ela se arqueou para ele para que não a deixasse, e Rauf sucumbiu afun-dando-se de novo nela com um rouco
gemido. A excitação de Lily e foi crescendo em intensidade com cada fluída penetração do corpo de Rauf no seu, até que atingiu sua gloriosa cume e pareceu estou-rar
num milhão de diminutos fragmentos de êxtases.
A tensão não permitiu a Rauf atingir a mesma recompensa. Retirou-se e olhou o feliz e inocente rosto de Lily e foi como se lhe
fincassem uma faca no peito. Liberou-a de seu peso e se tom-
bou a seu lado. Lily se apertou contra ele, beijou-o num ombro e suspirou com a satisfação de saber que por fim era uma mulher para valer. Ele passou um braço por
seus ombros e a atraiu para si.
- Me sinto tão... feliz - admitiu finalmente ela.
Naqueles momentos, seu mundo se limitava a Rauf. Estava entre seus braços. Amava-o. Finalmente tinha dormido com ele e tinha sido recompensada bem mais lá de seus
mais loucas esperanças.
- Preciso de um chuveiro - murmurou Rauf.
Quando Lily abriu os olhos para olhar como se afastava para o banho, não pôde evitar fixar-se em que ainda seguia insatisfeito... Sua gloriosa sensação de lucro
se apagou num instante. Era óbvio que Rauf não tinha desfrutado demasiado com ela na cama por que, apesar de que ainda estava excitado, não tinha querido continuar.
Ao que parece, o chuveiro resultava mais atraente do que ela. Mas por que? Que tinha fato de errado?.

Capítulo 5.

Rauf estava tomando, um longo chuveiro de água fria. Lily ainda era
virgem. Ainda estava desconcertado pela descoberta. Ia ter que ser sincero com ela. Aquela foi sua primeira decisão.
Tratou de imaginar uma cena na que lhe contava que, até o momento em que o tinha descoberto, tinha acreditado que tinha dormido com o marido de sua irmã. Fez uma
careta de desagrado. Não, não podia dizer-lhe a verdade descarnada. Lily ficaria horrorizada e se sentiria ofendida com razão. Como ia afligi-la admitindo que tinha
dado acreditado na existência de tal aventura até o ponto de tê-la deixado por isso? Como ia admitir que tinha acreditado que não só o tinha traído a ele, senão
também a sua irmã?
Todo aquele tempo, Lily tinha sido tudo o que assegurava ser, tudo o que ele tinha acreditado que era ao conhecê-la e quando ela lhe tinha dito coisas como, não
podemos seguir sendo amigos?, tinha-o dito para valer, no sentido mais limpo. Não tinha sido
uma sutil sugestão sexual de que naquela ocasião estava disposta a meter-se em sua cama.
Rauf gemeu e passou uma mão por seu molhado cabelo negro. Uma série de recordações anteriormente censuradas bombardearam sua mente em sua forma original. Recordações
de Lily aquele verão, antes de que rompessem. Em todas aquelas recordações, Lily resul-tava especialmente agradável, pouco materialista e de bom cora-ção. Para
começar, adorava os meninos pequenos e era capaz de demonstrar uma paciência infinita inclusive com os mais travessos. Também não costumava agradar-lhe
que ele gastasse demasiado dinheiro com ela e se molestava em preparar comida cada vez que saíam de excursão.
Cada vez fazia mais frio no chuveiro, mas Rauf estava imerso em suas recordações, nos terríveis erros que tinha cometido ao julgar Lily. Finalmente, tremendo,
pegou uma toalha.
Apesar de como a tinha tratado, Lily não podia saber o que tinha passado por sua mente durante todo aquele tempo, e não queria que o averiguasse nunca. Não queria
que chegasse a saber jamais do que era um tipo implacável, cínico e, ao que parece, com uma mente exageradamente suspicaz.
Tão só lhe ficava uma dúvida. Que tinha estado fazendo Lily com Brett Gilman naquele hotel? e por que tinha mentido depois dizendo que não tinha estado ali? Também
lhe intrigava a causa pela que tinha deixado de mostrar-se tão nervosa com ele. Que milagre tinha produzido aquela mudança? Deixa de preocupar-te por essas coi-sas,
advertiu uma voz em seu interior. Lily parece um anjo e o é, assim que deixa de duvidar da sorte que tiveste encontrando a uma mulher que não mereces.

Enquanto escutava o som do chuveiro, Lily se disse que devia levantar-se e vestir-se quanto antes.
Seguir nua na cama lhe resultava embaraçoso, e o orgulho que tinha sentido até fazia uns momentos por seu valor se tinha esfumado. Seu estúpido amor, e ainda mais
estúpidas esperanças, tinham-lhe feito perder o controle e não tinha tido que esperar muito para pagar por tanta estupidez. Por que não o reconhecia de uma vez?
O único que sempre tinha procurado Rauf nela tinha sido o sexo e, uma vez obtido, tinha-se sentido decepcionado.
Mas talvez não o tinha decepcionado sempre de um modo ou outro? Sua mente voltou à época em que o conheceu...
O magnífico ramo de flores que enviou ao bar para desculpar-se pelo sucedido só foi um prelúdio a sua reaparição naquele mesmo dia. E não desperdiçou nem um segundo
em deixar claras suas intenções. Jogou atrás sua atraente cabeça, dedicou a Lily uma de seus devastadores sorrisos e murmurou:
- Creio que ambos sabemos que só regressei para voltar a ver-te.
- Mas tens namorada...
- Não. Não saio com mulheres que gritam com outras mulheres em público. - Esperarei até que termines teu turno.
Lily nunca tinha conhecido a um homem menos consciente da possibilidade de uma rejeição. Esteve a ponto de dizer que não, mas quando olhou seus maravilhosos olhos
dourados e pensou na pos-sibilidade de que se fosse dali para sempre,- decidiu permanecer em silêncio.
Rauf a levou para seu apartamento para que se mudasse e Annabel a seguiu de imediato ao dormitório.
De acordo, de maneira que não és lésbica. Mas esse tipo esperará algo mais do que um abraço para quando acabe a noite, assim que não digas depois que não te adverti.
- Que queres dizer? - perguntou Lily, preocupada.
- É um tipo realmente sexy, assim que desfruta esta noite porque não voltarás a vê-lo - profetizou seu colega de quarto. - Dirás que não e ele não voltará
a perder tempo contigo. Depois de tudo, os tipos como ele sempre encontram garotas quando querem.
Rauf levou Lily para comer em um encantador restaurante turco e falaram durante horas. Sobretudo falou ele e ela escutou. Estava trabalhando no lançamento de uma
nova revista e ia passar em Londres todo o verão. Aquela primeira noite nem sequer tratou de beijá-la, mas reservou para si todas as horas livres que Lily tinha
naquela semana.
A seguinte noite a beijou e ela o aceitou sem problemas porque estavam num lugar público e não se sentiu ameaçada. Também des-cobriu que lhe agradava que a beijasse
A terceira noite, Rauf lhe pediu que o acompanhasse ao hotel e passasse a noite com ele, como se aquilo fosse o mais natural para ela.
- Não faço essa classe de coisas lhe disse.
- Claro que sim - disse Rauf . - Só tratas de jogar o eterno jogo feminino de fazer que um homem se desespere antes de dizer-lhe sim. - Mas eu já estava desesperado
aos poucos segundos de ver-te.
- Nunca dormir com um homem - murmurou Lily.
Produziu-se um longo silêncio.
- Estás dizendo que és...?
Lily assentiu rapidamente, ruborizada.
- Suponho que deveria dizer que seduzir virgens não é meu estilo, mas, para ser sincero, nunca me tinha encontrado nesta si-tuação e a idéia de ser teu primeiro
amante me deixa louco.
Aquela não era a compreensiva resposta que Lily esperava.
- O que acabo de dizer é que quero esperar até estar casada - disse, envergonhada.
- Mas eu não procuro uma esposa, e não tenho intenção de casar-me nunca - replicou Rauf - Venho de uma família na que, du-rante várias gerações, o casamento
a temporã idade era a norma. Tenho estado recusando potenciais prometidas desde que tenho dezoito anos. - Agrada-me minha liberdade. - Assim que, se queres algo
mais, não sou o tipo que precisas.
Lily lamentou que Rauf não lhe tivesse dito aquilo em sua primeira citação. Para então já era demasiado tarde, pois se tinha apaixo-nado dele. Mas quando acabou
a noite lhe disse que não queria voltar a vê-lo.
Recordou sua expressão de enfado e incredulidade, e o medo que lhe deu comprovar o gênio que tinha. Rauf não fez nem disse nada para demonstrar seu enfado, mas
ela não o tinha esquecido. Não a chamou em dois dias, mas no terceiro se apresentou no pub, ainda furioso com ela, mas tratando de ocultá-lo. Nada mais vê-lo, Lily
soube que, ainda que sua relação não tivesse futuro, aquele seguia sendo o homem de sua vida. Aquela mesma semana, Rauf lhe procurou outro trabalho como recepcionista
num salão de beleza da esposa de um amigo seu, coisa que ela agradeceu sinceramente.
Durante umas semanas desfrutaram de sua mútua companhia. A coisas só pioraram quando o sexo entrou a fazer parte da equação. Lily aceitou acompanhá-lo ao hotel
em três ocasiões diferentes.
Na primeira, Rauf lhe disse que não estava preparada para aquilo porque, quando tratou de ir além dos beijos, ela ficou literalmente paralisada. Na segunda, Lily
bebeu mais da conta com a esperança de livrar-se de suas inibições, e Rauf acabou tendo que a levar para casa no meio de um tenso silêncio. Na terceira ocasião
ela lhe disse que as vezes ele lhe dava medo. Rauf pareceu tão afetado por suas palavras que Lily sentiu de imediato uns arrependimento terríveis, pois sabia que
quem tinha o problema era ela, não ele.
Mas, surpreendentemente, Rauf aceitou aquilo durante uma tempo-rada e foi tão carinhoso com ela, que Lily não pôde evitar apaixonar-se ainda mais dele. No entanto,
quando Hilary lhe pediu que o levasse para casa, ela seguiu pondo desculpas. Então, Brett se apresentou um dia em seu apartamento justo antes de que Rauf fora
a recolhê-la.
- É hora de que enterremos o machado de guerra - disse Brett com um desagradável sorriso enquanto ela se encolhia depois da porta, à que ainda não lhe tinha
tirado a corrente - Hilary está desejando conhecer a esse tal Rauf Kasabian e te juro que me portarei às mil maravilhas se o levares para casa no fim de semana.
- Por que? Por que ias jurar isso?
- A Hilary lhe dói que mal vás para casa. Isso faz que me sinta mau.
Rauf se mostrou totalmente disposto a conhecer a sua família e, ainda que Lily se surpreendeu por seu interesse em investir em Harris Travel, foi um fim de semana
estupendo. Uma semana mais tarde, fizeram uma segunda visita à família porque o contabilista de Rauf tinha voado da Turquia para dar uma olhada à contabilidade
de Harris Travel. Pouco depois, Rauf e o pai de Lily assinavam um contrato. Mas, durante aquelas quarenta e oito horas, tudo o que pôde ir mal foi mau.
Lily estava inquieta pensando que Rauf voltaria a Turquia uns dias. Sua sobrinha Gemma estava má quando chegaram. Ao dia seguinte, Lily teve que substituir a um
empregado enfermo da agência de viagens. Então tiveram que levar Gemma a urgências e Hilary se pôs frenética porque não conseguia localizar a Brett.
Lily afastou de sua mente aqueles desagradáveis pensamentos e recordou que ao ir se despedir de Rauf no aeroporto naquela mesma tarde este não disse nada de voltar
a vê-la ou de não voltar a vê-la. Não disse nada de nada. E aquela foi a última vez que o viu ou teve notícias dele. Numa ocasião, chamou-o a seu telefone móvel
para saber se estava vivo e quando Rauf contestou não teve valor para dizer nada.
Quando Rauf voltou ao dormitório Lily o olhou com expressão horrorizada, pois tinha perdido o sentido do tempo. Sua intenção tinha sido estar vestida para quando
reaparecesse, de maneira que se cobriu completamente com os lençóis como se fosse uma menina, deixando que assomassem tão só umas mechas de seu cabelo.
Rauf se sentiu animado ao ver que Lily seguia na cama uma hora depois do sucedido. Ademais, seguia nua, o qual significava que, qui-sesse ou não, ia ter que o escutar.
- Lily...
- Vá-te. - Quero vestir-me!
Rauf se acercou à cama e levantou uns centímetros o lençol para olhá-la nos olhos.
- Me comportei como um completo miserável contigo, mas te asseguro que sinto um grande carinho por ti.
- Nesse caso, demonstra-o e vê-te - replicou Lily, pensando que Rauf sempre tinha utilizado muito a pouco comprometida palavra carinho quando estava com
ela. Mas aquela palavra não continha nenhuma promessa e, depois de esperar em vão durante longo tempo a seus vinte e um anos um telefonema de Rauf, tinha chegado
à conclusão de que também não significava nada.
- Não posso suportar que estejas enfadada e não me deixes abraçar-te! - protestou Rauf, frustrado.
Lily levantou a cabeça ao ouvir aquilo. Tinha parecido sincero.
- Não te entendo...
- E por que ias querer entender-me? - perguntou ele -. Sou um homem. Supõe-se que sou diferente.
- És demasiado diferente - disse Lily, impotente -. Não sei que terreno piso contigo.
- Estás em minha cama, sob meus lençóis e vou tirar-te daqui à força se não saíres por ti mesma.
- Falo e te prometo que levarás um murro!
Rauf contemplou com assombro a expressão de enfado de Lily.
- Só estava caçoando.
Lily sabia que não era verdadeiro. Àquele nível o conhecia muito bem. Rauf não teria duvidado nem um segundo em retirar o lençol. A paciência era algo desconhecido
para ele.
Finalmente, decidiu baixar o lençol até que sua cabeça ficou ao des-coberto. Nem sequer pensou no que estava fazendo porque, com cada segundo que passava, a sensação
de que Rauf tinha voltado a ser o homem que recordava de Londres se voltava cada vez mais intensa. Parecia mais descontraído, menos agressivo. Sua mirada refletia
calidez em lugar de frialdade e desprezo. Que tinha muda-do? Apesar de seus esforços, não conseguiu deixar de olhá-lo.
Rauf se sentou na cama.
- Me surpreendeu muito que fosses virgem. Sei que me disseste que o eras, e que hoje o repetiste, mas nem te acreditei então nem te acreditei agora.
Lily piscou ao ouvir aquela repentina confissão.
- Não me acreditaste então? - repetiu.
- Ao princípio sim respondeu Rauf, que tinha decidido optar pela verdade naquele tema - Mas as vezes me perguntava se não estarias tratando de que te propusesse
casamento.
Lily se pôs pálida e o olhou com uma mistura de ressentimento e reprovação.
- Tu me disseste desde o princípio o que pensavas do casa-mento. - Eu já sabia que o nosso não ia chegar a nenhum lado.
Estranhamente, aquelas palavras enfadaram sobremaneira a Rauf.
- Nossa relação não tinha futuro - continuou Lily, perguntando-se por que se teria posto tenso como se lhe tivesse dito algo ofen-sivo - Eu vivia na Inglaterra.
- Tu vivias aqui. - O único que querias era uma relação superficial.
- Eu não faço nada superficial - os olhos de Rauf brilharam retadoramente.
Lily franziu os lábios.
- Acabas de fazê-lo... aqui, comigo. A Lily lhe custou verda-deiros esforços mencionar algo tão íntimo, mas tinha que o fazer. Não sei o que esperava, mas
não o comportamento que tiveste depois. - Imagino que estavas totalmente centrado em ti mesmo, como de costume, e suponho que te deu o mesmo o que pudesse sentir
ao ver que lhe tinha decepcionado.
- Decepcionado? Crês que me decepcionaste? - perguntou Rauf, incrédulo, passando por alto o comentário anterior sobre seu suposto egoísmo, ainda que lhe tinha
doído. - Como pudeste pensar isso?
- Não quero falar disso agora...
Rauf passou uma mão depois da nuca de Lily, atraiu-a para si e devorou sua boca com uma paixão demolidora. Quando se levantou e começou a despir-se de novo, ela
o olhou assombrada.
A cueca aterrizara no solo junto aos vaqueiros negros. Magnífico como um deus grego, apresentava o atrativo adicional de uma descarada e poderosa ereção. Lily se
ruborizou até a raiz do cabelo.
- Poderia persuadir-te para que voltes a decepcionar-me? - perguntou ele roucamente.
Sem nem sequer pensar, Lily se deslizou na cama até adotar uma posição mais adequada e, dez segundos mais tarde, Rauf se tinha fundido com ela como uma segunda
pele. E se a primeira vez lhe tinha parecido incrível, a segunda teve que qualificá-la de selvagem. Depois, ficou dormida em braços de Rauf, boiando muito alto
acima do planeta Terra. Mais tarde, com uma energia que acompanhou Lily, porque pensava que ela não ia poder voltar a mover-se nunca mais.
Rauf atendeu a um telefonema, vestiu-se, disse que ia encarregar o jantar e que devia devolver o telefonema, já continuação saiu do dormitório.
O sol já se estava pondo quando Lily saiu da cama para banhar-se. Sentia-se como uma mulher perdida num sonho erótico. Sentia-se sublime.
Rauf a fazia sentir-se amada... mas sabia que aquele só era um amor sexual. Já não era tão ingênua como para crer que a incrível paixão que manifestava Rauf por
seu corpo pudesse significar algo mais.
És extraordinária, tinha dito. És perfeita para mim. Pareces-me irresistível...
Por enquanto, pensou Lily. Sabia que estava apaixonada por um homem que nunca a consideraria mais do que uma pequena parte de sua vida, que nem sequer sob tortura
lhe diria que a amava e que teria sumo cuidado de não lhe fazer nenhuma promessa que não fosse cumprir.
Rauf lhe tinha descrito numa ocasião o tradicional que era sua família, especialmente sua bisavó, sua avó e sua mãe. Quando tinha dezoito anos, começaram a convidar
às filhas de seus amigos dizendo-lhe que não tinha por que casar-se uns poucos anos mas que não tinha nenhum mal em eleger temporão e manter um longo compromisso.
Conscientes de que, graças a seu aspecto e a seu dinheiro, ia ser o alvo de muitas caça fortunas, seus familiares se mostraram deses-perados por encontrar-lhe uma
garota adequada inclusive antes de que fosse à universidade. Por suposto, dada a força do caráter de Rauf, todas aquelas manobras exerceram sobre ele o efeito con-trário
ao procurado. Permanecer solteiro se tinha convertido praticamente numa cruzada para ele.
Quando saiu do banho, Lily encontrou sua mala no dormitório. Estava a ponto de sujeitar-se o cabelo depois de secar-se quando recordou que a Rauf lhe agradava ele
solto e, sorridente, decidiu deixá-lo assim. Enquanto se punha uma saia verde e uma blusa branca de manga curta, pensou em quanto se tinha fortalecido seu caráter
desde que tinha dezesseis anos. Àquela idade, crendo que seu cabelo era o causador de que Brett lhe prestasse excessiva atenção, foi um sábado à cabeleireira e o
cortou ao duas. Hilary ficou comovida ao vê-la, mas Brett se limitou a sorrir e seguiu se insinuando. Agora o usava longo para ressarcir-se da tímida adoles-cente
que foi. Mas estava disposta a usá-lo solto para satisfazer Rauf.
Este estava na habitação principal da parte antiga da casa, falando ainda por telefone. Seu forte rosto se distendeu num sorriso de boas vindas ao vê-la. Passou
um braço por sua cintura, concluiu seu telefonema e saiu com ela a uma preciosa sacada exterior rodeada de flores. Um empregado doméstico levou bebidas e uma grande
variedade de aperitivos típicos do país em pratos pequenos.
Rauf foi explicando a Lily que era cada coisa que provava.
Foi uma comida fantástica. Inclusive Rauf parecia surpreendido pelo número de pratos que apareceram.
- Costumas comer assim cada noite? - perguntou Lily.
- Não, a não ser que seja uma ocasião especial - Rauf riu. - Esta festa só pode ser em honra de minha convidada. Como Sonngul está tão longe, não é habitual
que receba aqui a meus convidados, mas oferecer a máxima hospitalidade é uma questão de orgulho para nós os turcos.
Depois de comer, Lily começou a sentir-se culpado por ter deixado passar todas aquelas horas sem pressionar Rauf para que se pusesse a pesquisar o antes possível.
Quanto antes obtivesse as provas necessárias para demonstrar a culpa de Brett, antes poderia informar ela a Hilary das desastrosas perdas econômicas que estavam
a ponto de levar à ruína à agência de viagens.
- Talvez poderíamos - dar uma olhada agora aos extratos bancá-rios de Harris Travel - sugeriu, incômoda.
Rauf sorriu.
- Não preciso de tua ajuda para isso, güzelim.
- Mas não é esse o motivo pelo que me trouxeste aqui? - perguntou Lily, surpresa - Para ajudar?
- Isso era uma desculpa - admitiu Rauf. - Já se estão fazendo discretas averiguações através do escritório principal desse banco turco em Londres. Tenho bastante
influência e em seu momento obterei a informação oficial que solicitei.
Aquela explicação desconcertou Lily, pois em nenhum momento lhe tinha ocorrido pensar que Rauf a tivesse convidado a ir ali por outro motivo.
- Não me precisas em absoluto?
- Como podes perguntar-me isso depois de ter satisfeito todas minhas necessidades esta tarde? A mirada de desavergonhada intimidade que lhe dirigiu Rauf fez
que Lily se ruborizara. Mas como já te disse, também não queria que te envolvesse em minha investigação.
- Sabes ocultar muito bem teus verdadeiros motivos - disse ela, tensa.
- Nossa situação mudou desde que nos vimos no hotel Aegean. Então não confiava em ti - lhe recordou Rauf - Mas ainda quero obter as provas necessárias para
agarrar a Gilman. - Não penso desculpar-me por isso.
- A mim também me agradaria vê-lo entre grades... mas isso faria muito dano a minha família.
- Me temo que nisso não há margem para a negociação. Mas não vejo por que ia ter que sofrer tua família por isso.
- Ainda que não o vejas, sofrerão - murmurou Lily - Não poderás fazer nada para evitar isso.
Rauf parecia divertido.
- Claro que poderei fazer algo. Não permitirei que tua família se arruine. Simplesmente refinanciarei Harris Travel.
Lily ficou assombrada ante aquela generosa oferta, e não pôde evi-tar perguntar-se se seria o resultado direto de ter satisfeito todas as "necessidades" de Rauf
na cama. Foi um pensamento degradante que fez que lhe resultasse impossível seguir olhando-o aos olhos.
- Nem papai nem Hilary poderiam aceitar isso.
- Perderam dinheiro e tu perdeste dinheiro, mas Harris Travel é nosso negócio e responsabilidade e Brett era o marido de Hilary.
- Eu me ocuparei disso. Não tens por que preocupar-te por nada. Rauf deslizou um dedo pelo dorso da mão que Lily tinha apoiada sobre a mesa. - Confia em mim.
Ainda desconcertada, Lily retirou a mão e se pôs em pé.
- Se prometer não me pôr em contato com ninguém, me per-mitirás voltar ao hotel?
Rauf se pôs em pé ao instante.
- Mas por que ias querer ir-te?
- Porque sinto que o que passou hoje entre nós... e esta horrível situação com Brett se estão misturando demasiado.
Antes de que pudesse entrar na casa, Rauf se interpôs em seu caminho. Apoiou uma mão sob seu queixo e lhe fez levantar o rosto.
- Não queres que Brett seja levado a juízo disse em tom condenatório, e Lily se estremeceu.
- Claro que sim, mas não entendes...
- Pois faz-me entender.
Com toda a brevidade que pôde, Lily explicou a Rauf quantas adver-sidades tinha tido que sofrer sua família nos últimos tempos; a longa doença de Joy, que tinha
deixado esgotada a Hilary, a perda da casa familiar por causa do acordo de divórcio, e a posterior depressão de Douglas Harris. A expressão de Rauf se foi endu-recendo
segundo escutava o recital de tribulações, todas elas pro-vocadas ou exacerbadas pela inescusável falta de preocupação de Brett Gilman por suas filhas.
- Mas de nenhum modo quererão Hilary ou meu pai aceitar mais dinheiro teu - reiterou Lily com firmeza - E não quero que voltes a fazer essa oferta só porque
tenho dormido contigo! - Não vês como me faz sentir isso?
- Não. O que tu vês não é o que eu vejo. - És minha mulher e cuidarei de ti. - Isso não tem por que envergonhar-te e, que classe de homem seria se não te apoiasse
nesta crise? - Procurarei um modo de que possam aceitar minha ajuda econômica. - Se queres, podes considerá-lo puro egoísmo. - Como ia ficar-me de braços cruzados
enquanto tu te preocupas por tua família?
A sinceridade com que falou Rauf comoveu a Lily.
- Não vais voltar ao hotel- adicionou ele, ainda molesto por ela ter pensado naquela possibilidade.
- Mas deveria...
- Até certo ponto, eu também sou responsável da facilidade com que Gilman pôde roubar-nos. Lily franziu o cenho.
- Por que dizes isso?
- Meu último contabilista era um amigo da família. Devia fazer que se retirasse muito antes - explicou Rauf com pesar - Sua saúde estava debilitada e o trabalho
era demasiado exigente, mas não queria saber nada de deixá-lo. - Quando falhou o primeiro paga-mento de Harris Travel devia fazer-se de imediato uma inves-tigação,
mas não foi assim.
- Isso foi uma pena - concedeu Lily enquanto Rauf a acompa-nhava ao interior.
- O que passássemos isso por alto deveu fazer crer a Gilman que podia conseguir bem mais.
Lily reprimiu um bocejo culpado. Estava tão cansada, que não sabia se estava num sonho. Todos os acontecimentos das passadas qua-renta e oito horas começavam a
passar-lhe fatura.
- Estás totalmente esgotada - com um carinhoso sorriso, Rauf a tomou nos braços e a levou de volta ao dormitório, onde a deixou sobre a cama
Quando soou o telefone interno da casa, foi contestar. A notícia de que um policial responsável da aplicação da lei nas zonas rurais do país tinha ido até Sonngul
para solicitar uma reunião com Rauf cen-trou rapidamente a atenção deste.

Capítulo 6.

O oficial se apresentou como Talip Hajjar e saudou Rauf com uma amável desculpa por sua intrusão. Talip era o oficial superior da pessoa que tinha preparado o relatório
sobre os tratos de Brett Gilman com os construtores que iam encarregar de construir os chalés. Ao que parece, depois de receber o que se lhes devia através de um
representante de Rauf, tinham decidido retirar a denúncia. No entanto, o oficial considerava que não estaria bem permitir que um estrangeiro desonesto se livrasse
de ser subme-tido ao processo judicial que merecia.
- Nunca foi minha pretensão que esse fosse o resultado - disse Rauf.
- Nesse caso, devo pedir-lhe que persuada às vítimas do roubo para que não retirem a denúncia. Só querem fazê-lo por respeito ao nome Kasabian, mas, dadas
as circunstâncias, um homem de negó-cios de sua reputação não tem nada que ocultar ou temer.
Enquanto tomavam um chá, Rauf explicou a Talip Hajjar o resto da história. Depois de pôr-lhe a par da presença de Lily em Turquia e da completa ignorância desta
sobre as atividades fraudulentas de seu cunhado, relatou-lhe tudo o que tinha sofrido sua família por causa deste.
- Se enfrentam à ruína por culpa de Gilman - concluiu com pesar - A família Harris nunca deixará de lamentar o dia em que a irmã de Lily se casou com esse
tipo.
- Inclusive ficaram sem casa! O pai cometeu um terrível erro ao confiar tão cegamente em seu genro - disse Talip ao mesmo tempo que fazia um expressivo gesto
com as mãos. No entanto, quem não deseja fiar-se totalmente de um membro de sua família?
- Se quer falar com Lily, lhe agradeceria que esperasse até manhã. - Já se retirou para dormir.
- Suponho que a jovem deve estar terrivelmente afligida por tudo o que averiguou desde sua chegada. Por enquanto, não vejo motivos para molestá-la. No entanto,
se a situação mudar, saberei onde encontrá-la.
Quando o oficial se foi, Rauf voltou ao dormitório, onde encontrou Lily profundamente adormecida. Tinha um aspecto tão encantador que, se não soubesse o esgotada
que estava, talvez se teria sentido tentado a acordá-la de novo. Tinha posto sua honra em jogo para que, apesar de que figurava nos papéis como diretora da agência,
não aparecesse de nenhum modo associada às atividades fraudulen-tas de seu ex cunhado. E o tinha feito gosto. Em compensação, Lily devia explicar-lhe que estava
fazendo naquele hotel com Gilman três anos atrás e, sobretudo, porque tinha eleito mentir a res-peito. Precisava esclarecer de uma vez por todas a única dúvida
que lhe ficava sobre ela.
Para o amanhecer, depois de um longo e reparador sonho, Lily abriu os olhos e viu a Rauf sentado no parapeito de uma janela, com a perna estendida e o olhar fixo
nela.
- Que sucede? - perguntou, imediatamente consciente de sua tensão.
- Não podia dormir. - Ronda-me a cabeça algo que sempre quis perguntar-te.
Lily piscou enquanto ele se acercava à cama.
- Ainda não estou totalmente desperta... mas vá adiante.
- Em certa ocasião, vi-te saindo de um hotel com o marido de tua irmã.
Desconcertada pelas palavras de Rauf, Lily se pôs pálida ao recor-dar aquela desagradável experiência.
- Mas como pudeste ver-me?
- Meu contabilista estava alojado no mesmo hotel aquele fim de semana e eu acabava de deixá-lo ali. - Estava no estacionamento quando te vi entrar e esperei
a que saísses...
- Se me viste, por que não o mencionaste? - perguntou Lily, cada vez mais perplexa e molesta. - Por que não te acercaste a mim?
- No entanto, asseguraste que não tinhas saído da agência em toda a manhã - concluiu Rauf, ignorando sua interrupção.
- De maneira que te sentaste a observar sem advertir-me que estavas ali! - espetou Lily sem ocultar sua irritação. E depois me
fizeste contar-te uma mentira inofensiva!
- Deverias ter-me contado a verdade! replicou Rauf, molesto pelo fato de que Lily se atrevesse a questionar seu comportamento quando era o dela o que estava
sendo questionado.
Lily afastou os lençóis e saiu da cama.
- Talvez não mentiste nunca em tua vida para evitar uma situa-ção embaraçosa?
A mirada de Rauf se endureceu.
- Estás evadindo-se da questão...
- Pelo que a mim diz respeito, a verdadeira questão é teu total defeito de decência ao pôr-me uma armadilha como essa! Que me dizes da confiança? e da sinceridade?
- Não te mostraste digna de minha confiança - disse Rauf com um desprezo que para Lily foi como uma chicotada.
Ao ver que ele baixava a mirada para seus peitos e dar-se conta de que estava nua, Lily cruzou os braços à defensiva.
- Não me digas! - replicou em tom sarcástico. - Explica-me por que motivo tiveste que me dizer essa mentira! - espetou ele.
Os lábios de Lily se comprimiram numa tensa linha.
- Aquele dia, três anos atrás, fez o que fez para cobrir as apa-rências.
- Preferiu mentir a admitir que sua pretensamente feliz família estava muito longe de ser o que parecia.
- Brett tinha uma aventura - admitiu com uma amargura que fez que Rauf a olhasse com mais atenção - E não era a primeira. Desa-fortunadamente, aquele dia Hilary
estava desesperada por encon-trá-lo porque Gemma tinha sido ingressada urgentemente no hospi-tal e não conseguia localizado em seu telefone móvel. Mas eu tinha
uma idéia bastante acertada de onde estaria. O costume local suge-ria que sempre levava a seus amantes ao mesmo hotel!
- Me estás dizendo que enquanto tu e os demais sabíeis que Brett era um mulherengo, Hilary não estava sabendo de nada e decidistes protegê-la mantendo-a na
ignorância?
Lily levantou o queixo com gesto desafiante.
- E por que não?
- Porque assim também protegias ao miserável de teu cunhado!
Lily olhou a Rauf com autêntica fúria por tê-la atacado. A inque-brantável crença de seu pai de que o que sucedesse no casamento de Hilary não era assunto seu tinha
sido o primeiro elo da corrente que a tinha obrigado a guardar o segredo.
- Eu não pretendia defender a Brett! Gemma estava chorando porque queria ver a seu pai... - Isso era o único que me preocupava aquele dia!
- E por que demoraste tanto em sair do hotel com Gilman? - perguntou Rauf com dureza.
- Porque fiz que chamassem a sua habitação desde a recepção e ninguém contestou - explicou Lily - Fui ao bar e ao restaurante, mas Brett não estava ali. Não
queria subir a sua habitação mas no final não me ficou mais remédio do que ir chamar a sua porta.
Rauf considerou aquele relato bastante assombroso, por não o qualificar diretamente de irreal. No entanto, Lily o tinha narrado como se não tivesse tido outra opção.
Poderia ter acreditado que tivesse escolhido permanecer em silêncio a primeira vez que se tinha visto enfrentada à infidelidade de seu cunhado, mas preten-der
que cresse que tinha passado por alto mais de uma aventura e do que se tinha rebaixado a ir procurar a Gilman no lugar em que estava perpetrando seu adultério já
era demais. Mas era evidente que Lily não via nada estranho no que acabava de confessar. No entanto, advertindo a Gilman tinha protegido a situação dele no círculo
familiar e tinha evitado que sofresse as conseqüências de seus atos.
- Por que não me dizes de uma vez toda a verdade? - Estavas apaixonada por Brett Gilman!
Ao ouvir aquilo, Lily ficou horrorizada.
- Como podes acusar-me de algo assim?
- É a única explicação que faz sentido depois do que me contou - replicou Rauf - Vou ao hamam antes de que fique completamente louco!
O hamam? Os banhos, recordou Lily distraidamente, o grande edifício abobadado que tinha no pátio e que tinha suposto que já não se usava. Rauf saiu batendo a porta
e ela se levou uma trêmula mão à testa.
Estava apaixonada de Brett. Estremeceu-se ao pensar nas pala-vras de Rauf. Que bem tinha feito não lhe contando o desagradável trato que tinha tido que suportar
de Brett até que se tinha ido de casa!
Mas o que mais a assombrada era o papel que Rauf tinha desem-penhado no sucedido três anos atrás. Aquele mesmo dia, depois de tê-la visto no hotel, depois de que
ela lhe tivesse mentido, levou-o ao aeroporto e nunca mais voltou a ter notícias suas. Seria possível que Rauf a tivesse deixado por causa daquela mentira? Uma
tor-menta de emoções agitou seu peito ao pensar aquilo: raiva, intenso pesar, frustração... Tão difícil era compreender que não tinha tido outra opção?
Não estava disposta a permitir que Rauf se refugiasse naqueles momentos no hamam, onde sem dúvida acreditava que ia deixá-lo em paz. Pôs-se rapidamente a bata e
saiu do dormitório.
Quando entrou no edifício em que supunha que estavam os banhos se encontrou num opulento vestuário com chuveiros, cubículos para mudar-se e várias prateleiras com
toalhas. Tirou-se a bata, envol-veu-se numa toalha e saiu à piscina coberta.
Enquanto se fixava numa toalha abandonada no solo, junto a borda, a escura cabeça de Rauf rompeu a superfície da água. Nadou para as escadas e saiu da piscina,
nu, magnífico. Depois, pegou a toalha sem dar-se conta da presença de Lily.
Ela sentiu que a boca se fazia água enquanto o olhava. Intensamente ruborizada, viu como se avolumavam os flexíveis músculos de seus braços enquanto se secava o
cabelo.
- Rauf...? - sussurrou, sentindo que a vergonha substituía o enfado e a frustração que lhe tinham feito seguí-lo até ali.
Ele não tinha ouvido em toda sua vida uma voz de mulher no hamam, e não ocultou sua surpresa. Era possível que alguns turistas esti-vessem dispostos a banhar-se
em grupos mistos, mas seus compatriotas eram bem mais inibidos e jamais sonhariam em usar uma casa de banhos junto com alguém do sexo oposto.
- Que fazes aqui? - perguntou ao mesmo tempo que rodeava sua cintura com a toalha.
- Precisava falar contigo sobre o que disseste... e explicar-me.
- E isso não podia ter esperado?
Lily decidiu ignorar a pergunta.
- Numa ocasião te menti, mas quero que compreendas qual era a situação por aquele então. - A primeira vez que vi Brett com outra mulher só tinha quinze anos.
- Só contei a meu pai, mas este me deixou bem claro que não queria saber nada e se enfadou muito comigo.
Desconcertado pelo que acabava de ouvir, Rauf se acercou a ela.
- Contigo? - Teu pai se enfadou contigo? - Mas como pôde enfadar-se contigo?
- Pensa em como eram as coisas em minha família por então. A papai sempre lhe tinha caído bem Brett, e confiava nele. Já lhes tinha cedido sua casa a Hilary
e a ele, e tinha permitido que Brett se fosse responsabilizando cada vez mais da agência...
- Teu pai temia que se afundasse o barco - disse Rauf, compre-endendo no instante por que tinha adotado aquela atitude o pai de Lily.
- Papai opinava que seu casamento e o que sucedesse nele era assunto privado - Lily não pôde conter um soluço -. Pode que até certo ponto tivesse razão, porque
Hilary era feliz com Brett. Adorava-o e pensava que era perfeito... mas ele nunca lhe foi fiel!
Molesto por não ter apreciado a complexidade da situação, e pelo fato de que Lily se tivesse visto exposta aos miseráveis costumes de Gilman quando ainda era tão
jovem e vulnerável, Rauf passou um braço por seus ombros para manifestar-lhe seu apoio. Lily se tinha visto envolvida num sórdido segredo familiar e lhe tinham dito
que permanecesse em silêncio. Que seu pai lhe tivesse feito suportar aquele ônus escandalizou a Rauf, mas que Lily tivesse seguido res-peitando cegamente a proibição
de mencionar o tema quando já tinha vinte e um anos, e que inclusive tivesse sido capaz de mentir-lhe para proteger a Brett, seguia resultando-lhe preocupante.
- Foi horrível compartilhar a casa com ele sentindo-me culpada pelo que sabia e pelo que Hilary não sabia. Cheguei a odiar intensa-mente Brett, e quando comecei
meus estudos na universidade, mal ia para casa para não estar perto dele de repente, Lily se apoiou contra Rauf e começou a soluçar de modo incontrolável.
Rauf estava a ponto de perguntar-lhe que, se aquilo era verdadeiro, por que antes de conhecer a sua família, e antes de saber quem era Gilman, tinha visto a este
numa ocasião saindo de seu apartamento em Londres. Sem dúvida, ainda tinha algumas pequenas incon-sistências que esclarecer, mas não podia duvidar da genuína dor
que tinha causado a Lily com suas acusações.
- Eu sinto muito - disse ela com voz trêmula. - Sinto ter-te men-tido...
Rauf tomou seu rosto entre as mãos.
- Agora já não importa, e esse miserável de Gilman não merece tuas lágrimas - disse, ao mesmo tempo que esfregava delicadamente as bochechas de Lily com seus
polegares.
Num instante, sem poder conter-se ao tê-la tão perto, reagiu com todo o fogo de seu apaixonado temperamento. Passou uma mão atrás de sua cabeça, atraiu-a para si
e a beijou com tal intensidade, que ela deixou escapar um gritinho de surpresa.
- Não posso resistir-me a ti... - murmurou contra sua boca. - Olho-te e sinto que um incêndio devora meu corpo.
Aquelas palavras bastaram para que um desejo repentino e incontrolável se apoderasse de Lily, que não protestou quando a fez tombar-se ali mesmo, no solo e, sem
deixar de beijá-la, retirou a ambos lados de seu corpo a toalha com que se tinha envolvido.
Tremendo, viu que a ardente mirada de Rauf descia até deter-se em seus peitos, cujos mamilos pareciam procurar com descaro suas carícias.
Como se tivesse lido a mensagem que estes lhe enviavam, ele inclinou lentamente a cabeça e deslizou a língua sobre um deles ao mesmo tempo que com uma mão separava
as coxas de Lily para aca-riciá-la onde tanto estava desejando ela que o fizesse.
A excitação se apoderou dela numa onda de tal intensidade, que a partir daquele momento não soube o que fazia. Rauf seguiu acari-ciando-a a seu desejo, até que
a consciência de Lily ficou exclusi-vamente centrada nas incríveis sensações que seu corpo era capaz de atingir. Quando um devastador clímax se apoderou dela e
a elevou até cumes inconcebíveis de prazer, um prolongado e gutural gemido escapou de sua garganta ao mesmo tempo que se apertava a Rauf, extasiada. Só depois se
deu conta, envergonhada e confusa, de que tinha atingido aquela maravilhosa cume sem que Rauf lhe tivesse feito amor, e que todo o prazer tinha sido exclusivamente
seu.
- Por que...? Quero dizer... - murmurou enquanto tomava freneticamente as bordas da toalha para cobrir-se.
Rauf afastou uma mecha de cabelo de sua frente.
- Não podia proteger-te... e não queria correr o risco de deixar-te gestante a admitiu com a respiração entrecortada, pois inclu-sive a perplexidade de Lily
diante o fato de que se tivesse contido era mais do que podia suportar sua consciência naqueles instantes. Volta ao dormitório e dorme-te, güzelim. - Falaremos
mais tarde.
Ao ouvir aquela referência à gravidez Lily se pôs tensa e compre-endeu que deveria ter tido o suficiente sentido comum como para ter pensado naquilo.
Levantou-se com ajuda de Rauf e, sentindo os membros ainda completamente frouxos, voltou ao vestidor sem olhar atrás. Rauf a fazia sentir-se como uma descarada.
Tinha-lhe feito compreender que não tinha conhecido a si mesma até que ele lhe tinha ensinado o que era a paixão.
Muito sério por causa da gravidade de uns pensamentos que já não podia evitar, Rauf se submergiu de novo na piscina. Desde a che-gada de Lily a seu país tinha se
comportado como um autêntico egoísta e a tinha tratado de uma forma totalmente irresponsável. A tinha levado a Sonngul e a tinha metido em sua cama prati-camente
de imediato e sabia que, muito cedo a metade da comuni-dade estaria escandalizado pelas notícias. O nível de moralidade que prevalecia nas zonas rurais de seu país
era bem mais restrito que o das cidades em que ele costumava mover, e não tinha nenhuma desculpa que oferecer em seu defesa. Se o rumor de suas relações com Lily
chegasse a ouvidos de Talip Hajjar, estava convencido de que este deixaria de crer de imediato na respeitabilidade desta.
Rauf esquadrou seus largos ombros e saiu da piscina. O enfado que tinha sentido para Lily tinha potenciado inicialmente sua atitude agressiva, e seu desejo por ela
o tinha levado a tomar um caminho desonroso antes de dar-se conta do mal que estava fazendo. Só tinha uma maneira de retificar as coisas e de proteger Lily: se casaria
com ela. Com toda a celeridade e discrição que pudesse oferecer-lhe seu dinheiro, poria um anel de casamentos em seu dedo antes de que sua reputação resultasse danada.
Lily merecia seu respeito e a proteção que podia oferecer-lhe seu nome.

Capítulo 7.

Apesar de que não o esperava, Lily ficou profundamente adormecida quanto sua cabeça tocou o travesseiro. Acordou quando uma em-pregada doméstica entrou no dormitório
com uma bandeja com comida, e se surpreendeu ao comprovar que já eram as duas da tarde; a intensidade de tudo que viveu durante os últimos dias lhe tinha passado
fatura.
Enquanto comia só podia pensar em Rauf. Tudo tinha sucedido tão rapidamente, e ela tinha estado tão disposta a fazer tudo para ter uma segunda oportunidade com
ele... Se ruborizou ao recordar a vergonhosa prontidão com que tinha sucumbido a suas carícias e, por um deprimente instante; perguntou-se vírgula tinha conseguido
transformá-la tão rapidamente numa descarada sem aparente vontade própria.
Mas não seria que sua antiga falta de segurança e auto estima estava voltando a aflorar em seu subconsciente? Pela primeira vez em sua vida, tinha alongado a mão
para tomar o que lhe agradava, e lhe tinha agradado Rauf. Sempre tinha desejado a Rauf. Ao re-conhecer aquilo, orgulhou-se de ter encontrado a coragem que até então
lhe tinha faltado. Sentia-se viva de novo, e fazia muita que não era assim. Quando tinha sido feliz par última vez? Aquele ve-rão com Rauf, três anos atrás.
Estava-se pondo um vestido cinza de manga curta que lhe tinha emprestado Hilary quando ouviu o som de um helicóptero ater-rizando. Acercou-se à janela e viu que
Rauf baixava do aparelho e se encaminhava para a casa O simples fato de vê-lo fez que seu coração batesse mais depressa.
Rauf tinha tida uma manhã excepcionalmente agitada. Tinha se ocupado dos arranjos para o casamento num remoto
povo montanhês no que mal tinha probabilidades de que alguém conhecesse seu sobrenome. Depois voou ao povo no que viviam os construtores defraudados por Brett Gilman.
Não lhe custou convencê-los para que mantivessem de pé sua denúncia depois de fazer-lhes compre-ender que não se sentiria ofendido se o faziam.
Antes de entrar na casa se deteve a bater um papo com sua devota governanta, Irmak, que mal tinha aparecido desde a chegada de Lily a Sonngul. Perguntou-lhe onde
estava Lily referindo-se a ela como a sua esposa e simulou não se fixar na expressão de surpresa, ex-citação e intensa alívio que Irmak foi incapaz de ocultar
ao ouvi-lo. Ainda que odiava mentir, já pensava em Lily como em sua esposa, e se era para consertar o dano que tinha feito, não o lamentava.
Depois entrou na habitação, onde ela o aguardava.
- Dormir muito - disse precipitadamente ao vê-lo, e não pôde evitar ruborizar se ao recordar o abandono com que se tinha en-tregado a suas experientes mãos
no hamam.
- Eu tinha vários assuntos dos que ocupar-me - disse ele ao mesmo tempo que apoiava ambas mãos em sua cintura e a atraía para si.
Quando Lily jogou atrás a cabeça para olhá-lo aos olhos, sentiu uma revoada de borboletas no estômago seguido de um revelador eflúvio de calor. Desejava tanto sentir
aquela dura e sensual boca sobre a sua que quase podia saboreá-la.
- Não, não vamos ir diretamente à cama, güzelim, - murmurou Rauf, como se Lily tivesse proferido aquele convite em alto. Fez que se sentasse no divã que
tinha depois dela e deu um passo atrás. Ontem me perguntaste se tinha o costume de manter repentinos e apaixonados encontros com mulheres e eu disse não desde
que era uma adolescente... uma resposta que deveria ter-me dado motivos para deter-me a pensar seriamente.
- Não compreendo... - disse Lily, repentinamente tensa. Lhe estava dizendo Rauf que lhe fazer amor tinha sido um erro? Um erro que lamentava e que não tinha
intenção de repetir?
- É possível que em meu país as mulheres e os homens sejam iguais perante a lei, mas se uma mulher opta pela liberdade sexual perderá seu bom nome - admitiu
Rauf - Se segues aqui em Sonngul e continuamos como até agora, serás vista como minha querida e, pas-se o que passe no futuro, tua reputação ficará irreparavelmente
danada.
Sua querida. Aquilo soava sexy, audaz, pensou Lily com certo orgulho. Amava a Rauf. Seu mundo cinza se tinha visto trans-formado em outro de cor, paixão, sol e
emoções. Não lamentava compartilhar sua cama. Se podia estar com ele, dava-lhe o mesmo o que pudesse pensar as pessoas.
- Compreendo... - disse, e baixou a mirada -. Isso não supõe um problema.
Rauf a olhou com expressão incrédula.
- Não?
Lily saiu de seu sonho quanto pensou em como reagiria sua irmã àquela idéia. Hilary se sentiria totalmente escandalizada se ela aceitasse fazer aquele papel na vida
de Rauf. Mas se aquilo era tudo o que tinha em oferta, em que lhe beneficiaria a ela deixar ao homem ao que amava? Lhe consolaria a mera idéia de ter feito o correto?
- A verdade é que é algo que deveria pensar detalhadamente - admitiu finalmente enquanto imaginava Hilary viajando para Turquia para dar-lhe a Rauf seu
merecido.
- Poderíamos optar pela outra alternativa - disse ele - Poderíamos pagar o preço por termos sido tão impulsivos e indis-cretos e casar-nos.
Lily ficou olhando-o, boquiaberta.
- Temo que é uma decisão que devemos tomar quanto antes - continuou Rauf - Minha família não aceitaria nunca a uma mulher que tenha vivido abertamente comigo
como minha esposa. Tanto a eles como a ti vos devo mais respeito do que mostrei até agora. Lentamente, Lily começou a respirar de novo.
- Vejo que falas em sério, mas não posso crê-lo. Não posso crer que estejas sugerindo que nos casemos só porque... bom, já sabes...
- O sei muito bem. - Ainda te desejo mais do que a nenhuma outra mulher que tenha conhecido.
- Mas isso não é suficiente, não é verdade? - Especialmente para alguém que sempre odiou a idéia de casar-se.
Rauf compreendeu naquele momento que tinha esperado que Lily aceitasse sua proposta praticamente antes de que acabasse de formulá-la. Tão arrogante que era?
- As pessoas mudam - disse.
- Mas tu disseste que nunca mudarias - lhe recordou Lily.
Rauf abriu as mãos num gesto de impaciência.
- Não deverias crer em tudo o que te dizem. - Isso foi a três anos. - Agora me dou conta de que uma esposa poderia resultar-me útil em muitos aspectos.
- Útil...? - Lily sentiu que seu coração se encolhia.
- Tenho três casas na Turquia, um apartamento em Nova York e outro em Londres. Minha esposa poderia ocupar-se deles e também poderia ser a anfitriã das festas
que dou. E com o tempo, creio que me agradaria ter um filho. Aquilo era algo no que Rauf nunca tinha pensado, e quando as palavras surgiram de sua boca, ficou
tão surpreso como Lily ao ouvi-lo.
- Em sério? - perguntou com uma mistura de surpresa e espe-rança.
- Em sério - contestou ele -. Assim que, que me dizes agora?
- Me agradaria ter quatro - disse Lily distraidamente, esfor-çando-se por manter os pés em terra. Rauf não lhe estava oferecendo amor, como ela tinha sonhado
em outra época, mas se queria casar-se com ela, não pensava recusar a oferta.
Rauf soltou lentamente o alento.
- Quatro?
- Dois? - negociou Lily, reconhecendo que tinha sido demasiado sincera.
- Já pensaremos nisso. Mas deveria dizer-te que já fiz uma reserva preliminar para casarmos numa cerimônia civil amanhã pela tarde.
- Amanhã? - repetiu Lily, desconcertada.
Tenho intenção de permitir que as pessoas creiam que nos casamos antes de vir a Sonngul - explicou Rauf sucintamente - Minha família se sentirá tão encantada de
que por fim tenha encontrado uma esposa que não creio que façam perguntas incômodas. - Serás recebida por meus parentes como se fosses a oitava maravilha do mundo.
- E quando se inteirem de que queres ter quatro filhos, porão um tapete vermelho lá por onde passar.
Lily se ruborizou e depois riu.
- Amanhã... - repetiu, sem poder crer ainda -. Que usarei?
- Nada que atraia demasiado a atenção para nós - aconselhou Rauf.
Lily não pôde evitar sentir certa decepção.
- Temos que nos casar como se fôssemos espiões numa operação secreta?
- Se não queremos que se descubra o fato de que mantivemos relações sem estar casados... sim. - É culpa minha que as coisas tenham que ser assim, mas a partir
de amanhã, poderemos deixar atrás esse desafortunado começo.
- Quando contar a Hilary, vai pensar que fiquei louca.
Como marido teu, poderei resolver o caos que Gilman deixou depois de si sem que tua família possa protestar demasiado disse Rauf, satisfeito.
- Suponho que como genro se te pode considerar todo um partido - murmurou Lily com um sorriso enquanto o olhava. Era o homem mais atraente que tinha visto
em sua vida e ia ser seu para sempre. Lhe estaria sucedendo realmente aquilo a ela? Deveria preocupar-se pelo fato de que Rauf se estivesse comportando de uma forma
estranha? Afinal de contas, tratava-se de um tipo muito cauteloso e muito pronto que se estava comportando de um modo muito impulsivo.
- Te encontras bem? - perguntou.
- Por que não ia encontrar-me bem? Na verdade, preciso de teu passaporte para preencher os formulários que me deram esta manhã - respondeu Rauf, que parecia
centrado em assuntos mais práticos.. - Também teria que conseguir uma cópia de teu certi-ficado de nascimento.
- Trouxe uma por medo de perder meu passaporte - Lily tomou sua bolsa para procurar ambos documentos.
- Excelente. Também terás que te fazer um breve exame médico antes de que a cerimônia possa seguir adiante. - Consegui uma con-sulta com uma doutora no mesmo
povo. - Eu já fiz o exame.
Lily acompanhou a Rauf à zona da casa que utilizava como escritório, equipada com tudo o último em alta tecnologia.
- Quando esperas averiguar algo sobre essa conta do banco em Londres? - perguntou.
Ele a olhou atenciosamente.
- Por que?
- Porque quanto o assunto fique esclarecido quero pôr a minha irmã a par de tudo o que fez seu ex marido - disse Lily. Ao ver que Rauf franzia o cenho,
adicionou - Pode ser que Hilary não esperasse ter notícias minhas de forma imediata, mas se não me ponho cedo em contato com ela começará a preocupar-se. Poderia
enviar-lhe uma mensagem escrita com meu celular. - Que te parece isso?
- Tens um celular?
- Sim.
- Minha desconfiança para ti era tão grande que, se o tivesse descoberto ontem, te teria tirado - admitiu Rauf - Espero obter a informação que solicitei nas
próximas quarenta e oito horas.
- Escreve uma mensagem a tua irmã informando-lhe de que te encontras bem. - Quando tivermos todos os dados, voaremos juntos a Inglaterra para dar-lhe as
boas e as más notícias em pessoa.
- Será muito melhor assim - comovida por aquela considerada sugestão, Lily dedicou a Rauf um luminoso sorriso.
Como atraído por um embruxo, ele se inclinou e a beijou. Quando ela se apoiou contra ele, Rauf deixou escapar um gemido de frustração e a afastou com delicadeza
de seu lado.
- Esta noite dormirei aqui abaixo. Doravante vamos respeitar as normas sociais...
- Mas se planejas simular que já estávamos casados... Lily se ouviu dizer aquilo e se ruborizou intensamente.
- Mas ambos sabemos que não o estamos disse ele com firmeza ao mesmo tempo que tomava o passaporte e o certificado de nascimento e começava a preencher
os formulários.
Rauf a tinha transformado numa fresca desavergonhada a uma velo-cidade incrível, reconheceu Lily mais tarde, tombada em sua cama a sós, tão feliz e excitada que
não podia dormir.
ÀS três da tarde do dia seguinte, Lily tocou com os dedos seu anel de casamentos, aspirou o aroma do ramo de açucenas brancas que lhe tinha presenteado Rauf e se
uniu a este para dar as graças ao oficial do governo que tinha presidido a cerimônia.
- Que disse? - perguntou depois enquanto voltavam ao carro que ia levá-los de volta ao helicóptero.
- Que, sem dúvida alguma, és a noiva mais linda que casou em toda sua vida - Rauf lhe dedicou uma mirada de aberta admiração: Lily estava preciosa com o
singelo chapéu de palha e o vestido rosa pálido que se tinha posto aquela manhã.
De volta em Sonngul, jantaram e tomaram café sob a pérgola do jardim. Depois, Rauf foi chamar a sua família para anunciar-lhes seu casamento.
- Direi só a meu pai. Ele pode ocupar-se de comunicar a notícia ao resto da família.
Lily estava aguardando seu regresso quando ouviu uma estranha musiquinha. Por uns instantes se perguntou de que se trataria, até que caiu em que se tratava de
seu celular.
Tirou-o rapidamente de sua bolsa e atendeu.
- Sou Brett...
Ao ouvir aquilo, Lily se ergueu no assento ao mesmo tempo que sentia como se lhe arrepiava o pêlo da nuca.
- Brett? Que queres?
Rauf estava a ponto de sair de novo depois de fazer seu telefonema quando ouviu que Lily pronunciava o nome de Brett. A surpresa lhe fez deter-se.
- Que fazes em Turquia? - perguntou Brett com aspereza.
Fria por causa do temor que sempre lhe tinha inspirado o ex marido de Hilary, Lily respirou profundamente para acalmar-se. Uma inten-sa raiva se apoderou dela ao
pensar em tudo o que tinha feito aquele miserável a sua família, mas conseguiu conter-se ao recordar que Rauf não queria que o pusesse sobre aviso.
- Se pretendes dar-me problemas de novo ou meter teu nariz onde não te corresponde, vais lamentá-lo! - espetou Brett.
Sem poder evitá-lo, Lily se sentiu enferma ao ouvi-lo.
- Não sei de que estás falando murmurou - Só estou pesqui-sando a oferta turística da Turquia para Hilary.
- Não me mintas.
- Rauf e eu acabamos de casar se ouviu dizer Lily, e se enver-gonhou de sua covardia, pois inclusive enquanto falava se deu conta de que estava utilizando
Rauf como um escudo, com a esperança de intimidar Brett.
- Te casaste com Rauf? - repetiu ele, incrédulo.
- Sim, assim me deixa em paz! - disse Lily com raiva -. Agora não podes ameaçar-me e não quero ter nada mais que ver contigo!
- De maneira que Kasabian se casou contigo... vá, vá! - de re-pente, Brett riu como se aquele tivesse sido a melhor anedota que tinha escutado em muito tempo
- Oh, que mundo tão maravilhoso, e, oh, que desastre ocorrerá se o noivo se põe a indagar.
- De que estás falando? - perguntou Lily, desconcertada pela zombadora resposta.
Quando estoure o assunto, mais vale que me protejas, porque se não o fazes, esse casamento teu também poderia acabar no lixo. Até mais!
Lily ficou olhando ao vazio, com o telefone na mão.
Até mais? Aquelas palavras a fizeram estremecer-se. Estaria Brett na Turquia? Depois de umas breves comprovações com o celular, verificou com alívio que o telefonema
tinha sido feita desde Ingla-terra Brett só tinha tratado de assustá-la. O sentido comum suge-ria que, depois do que tinha feito, aquele seria o último lugar ao
que quereria ir. Mas que assunto esperava que estourasse? O dos chalés que nunca chegou a construir? O dos benefícios que nunca tinham chegado a ser ingressados
nas contas de Rauf? E por que pensava que ia protegê-lo? Pelo bem de sua família? Por conservar as aparências? Mas naquela ocasião não tinha esperança para ele!,
disse-se Lily, enfadada. Não pensava deixar-se amedrontar nunca mais pelas ameaças de Brett.
Incomodado pelo diálogo que acabava de escutar, Rauf se encami-nhou para as escadas para não ceder ao instinto de enfrentar-se de forma imediata a Lily. Quando
finalmente tinha conseguido deixar de duvidar dela, tinha averiguado a verdade e, ironicamente, tinha-o feito através de seus próprios lábios. Já era em si suspeito
que Brett se tivesse posto em contato com ela. Depois de seu amargo divórcio, por que ia chamar à irmã de sua ex mulher, a não ser que tivessem mantido uma relação
que fora além dos limites normais? E por que chamá-la se, segundo Lily assegurava, odiava-o com todas suas forças?
¡Deixa-me em paz! Agora não podes ameaçar-me e não quero ter nada mais que ver contigo! Em algum momento, Lily devia ter estado apaixonada de Brett Gilman. E
por que não? Gilman era um homem loiro e atraente que devia agradar às mulheres. Era possível que Lily não tivesse dormido com o marido de sua irmã, mas, evidentemente,
Gilman devia ter sido consciente dos sentimentos de Lily por ele, e sem dúvida deve ter se aproveitado disso. Talvez, o sentimento de culpa fez recuperar a sensatez
a Lily, que inclusive quis confessar-se tudo a sua irmã. Teria ameaçado então Gilman em falar a sua esposa que Lily tinha tratado de seduzi-lo?
Quando chegou no alto das escadas, Irmak se acercou a Rauf com um telefone. Era sua mãe, Serena que estava muito excitada pela notícia que acabava de dar-lhe seu
marido. Rauf não disse uma pala-vra enquanto sua mãe sugeria que a cerimônia civil era só para os infiéis e lhe pedia que levasse Lily a Istambul para celebrar
um casamento como era devido. A seguir, pôs-se sua avó pára decide o mesmo, e Nelispah, sua bisavó, foi mais radical ao sugerir que tinha de que organizar outro
casamento e atuar como se a cerimônia civil nunca tivesse tido lugar.
- O que queirais... - murmurou Rauf, mal capaz de prestar aten-ção.
- Te encontras bem? - perguntou Nelispah ao captar com sua sagacidade habitual certa reticência no tom de seu bisneto.
- Sim - mentiu Rauf.
- Traz amanhã Lily para casa e nós nos ocuparemos de tudo.
Quanto pendurou, Rauf esqueceu o telefonema e se encaminhou inconscientemente ao bar. Serviu-se um conhaque com mão trêmula enquanto sentia que a raiva percorria
seu corpo como lava ardendo. Mas que ia dizer a Lily? Talvez tinha algum sentido que lhe dissesse algo?
Porque, três anos atrás, ele simplesmente tinha aparecido como um segundo homem na vida de Lily. Reconhecer aquela humilhação fez que um suor frio cobrisse sua
frente. Mas, era evidente. Tudo o que no passado o tinha desconcertado com respeito a sua relação com Lily encaixava agora em seu lugar; sua aversão a que a tocasse,
sua surpreendente rejeição a ir visitar a sua família... Quando a conheceu em Londres, devia estar tratando superar seu amor pelo marido de sua irmã, e sair com
ele só devia ter feito parte daquele esforço.
Ainda que Lily lhe tivesse dito recentemente que então o amava, só devia tê-lo feito em eu afã por esquecer um amor que ainda a fazia sentir-se culpado. Como podia
tê-lo amado quando era evidente que era Brett a quem ainda queria então? No entanto, Lily sim queria a ele agora, recordou-se obstinadamente. Mas ainda sentia algo
por Gilman em algum rincão oculto de seu coração? O fato de que tivesse rompido a relação não significava que tivesse deixado de amá-lo e que não fosse
tratar de salvá-lo se surgisse a oportu-nidade! E como reagiria quando Gilman fosse ao cárcere? Rauf soltou o alento ao pensar aquilo. Mas Lily era sua, recordou-se.
Nada nem ninguém ia interpor-se naquela realidade. Lily era sua esposa.

Se serviu outro conhaque. Não diria nada... Não podia dizer nada! Apaixonar-se do homem equivocado não era um crime. De fato, parecia que
Lily se tinha comportado exatamente como deveria tê-lo feito dadas as circunstâncias; não tinha tido aventura amorosa.
Tinha saído de casa e tinha permanecido afastada para resistir-se à tentação. Deveria sentir-se orgulhoso dela por isso, disse-se Rauf, quase com raiva. Mas aquilo
era algo que ainda sentia longínquo. Ainda se sentia demasiado desolado pelo que tinha escutado.
Tensa e pálida, Lily foi a procura de Rauf. Estava na baseada, olhando pela janela. Em seguida percebeu a rigidez de sua postura, a tensão de seus largos ombros.
- Suponho que a tua família lhe desagradou que te casasses com uma mulher à que não conheciam... disse, assumindo que aquele era o motivo pelo que não tinha
voltado à pérgola.
Rauf fechou os olhos um segundo antes de voltar-se.
- Não, nada disso. Ademais, ainda que brevemente, conheceste a minha bisavó.
- Provavelmente pensarão que cometeste o maior erro de tua vida ao casar-te de forma tão repentina com uma desconhecida - sugeriu Lily, decidida a inteirar-se
do pior. Consciente de que o es-tava olhando, Rauf fez um esforço por concentrar-se.
- Contei a meu pai que nos conhecemos faz uns anos. O que causou certa revoada foi a cerimônia no civil... creio.
Lily franziu o cenho.
- Crês?
- Temo que prometi levar-te amanhã a Istambul.
- Oh... - Lily mordeu o lábio inferior, inquieta - Tenho algo que te dizer. - Brett acaba de chamar-me no celular.
Impressionado por sua sinceridade, Rauf a olhou sem dizer nada.
- Não lhe disse que vais depor contra ele! - continuou Lily rapi-damente - Costuma sair com minhas sobrinhas as sextas-feiras pela tarde, e suponho que alguma
delas lhe mencionou que estava aqui. Suponho que isso deve tê-lo assustado, assim que lhe disse que vim para poder informar Hilary das principais rotas turísticas
da Tur-quia... - Também mencionei que nos tínhamos casado...
Sem dizer nada; Rauf avançou para ela, abraçou-a e a beijou apai-xonadamente, até que todo pensamento sobre seu ex cunhado abandonou sua mente.
- Por mim não há problema se queres fazer um costume disto... murmurou, Lily com os lábios enrijecidos enquanto Rauf a levava nos braços ao dormitório. Uma
vadia recordação do telefonema de seu ex cunhado passou por sua mente. - Não te molesta que Brett te-nha ligado?
- Em absoluto. É o lógico - Rauf conseguiu simular uma des-preocupação que estava longe de sentir - Mas não falemos dele em nossa noite de núpcias, güzelim.
- Em nossa tarde de núpcias - Sussurrou Lily, imensamente agradecida por sua reação.

Capítulo 8

À manhã seguinte, luzindo junto a seu anel de casamentos o anel de diamantes que Rauf lhe tinha presenteado depois da romântica noite que acabavam de passar, Lily
acabou tendo que fazer tudo precipitadamente. Depois de tomar café da manhã na cama e prometer a Rauf que só demoraria meia hora, revisou toda sua bagagem várias
vezes antes de optar por uma saia lilás e uma blusa que lhe pareceram mais formais do que o resto. Quando saiu do dormitório, Irmak a estava esperando junto a
uma das serventes da casa que falava inglês e que explicou a Lily que Irmak queria ensinar-lhe oficialmente a casa. Não querendo ofendê-la, Lily sorriu com a esperança
de que Rauf se mostrasse paciente.
Lhe encantava Sonngul. Era um lugar especial, fora do tempo, no que Rauf e ela tinham voltado a encontrar-se sem a intrusão do mundo exterior. Estava admirando
o maravilhoso e imenso armário cheio de roupa de cama que lhe estava ensinando Irmak quando Rauf apare-ceu e lhe dedicou uma típica mirada de impaciência masculina.
Temos que estar no aeroporto em menos de uma hora... para que estás olhando esses lençóis?
- Irmak quis ensinar-me oficialmente a casa - disse Lily em tom de censura.
Quando passavam junto à zona que Rauf utilizava como escritório, este se deteve um momento para retirar um fax que estava chegando naqueles momentos. Depois de
guardá-lo numa pasta que tomou consigo, voltou a reunir-se com ela.
- Se não tivesse tido trabalho esperando-me, me teria ficado na cama mais tempo.
À sombra das árvores que bordejavam o caminho que levava ao heliporto, Rauf deu um apaixonado beijo em Lily que fez que os sentidos desta praticamente se pusessem
a cantar. No aeroporto de Bodrum, Lily não pôde evitar sentir-se impressionada ao ver o bonito jet privado que os esperava com o logotipo de MMI gravado na fila.
Não há dúvida de que sabes como viajar, disse depois do despegue, enquanto contemplava a luxuosa cabine em que se achava e a quantidade de espaço que rodeava seu
cômodo assento de couro cor creme.
Não obteve resposta de seu marido e sorriu. Rauf estava sentado frente a uma escrivaninha que se achava no lado oposto, com o portátil aberto e totalmente concentrado
nos documentos que tinha levado consigo.
Rauf não se tinha dado conta de que um dos faxes que tinha chegado aquela manhã era a resposta do banco turco ao que tinha pedido informação. Portanto, ao jogar
uma olhada à folha não tinha entendido inicialmente por que aparecia o nome de Lily nela. Mas ao ver também o nome de Brett Gilman, e muito apesar de si mesmo,
compreendeu o que significava. Tinha que ter um erro. Mirou de relance a Lily, que o estava observando e lhe dedicou um mara-vilhoso sorriso, como se não tivesse
a mínima preocupação no mundo.
- Lily... - disse, sem nenhuma expressão.
Algo em sua voz fez que ela se pusesse tensa. - Que sucede?
Rauf se levantou e a olhou sem que um só músculo se movesse em seu rosto.
- Devias saber que ia averiguá-lo. - Por isso te casaste comigo, não é verdade?
Lily franziu o cenho.
- Que sucede?
Rauf se apoiou contra a quina da escrivaninha enquanto a incre-dulidade e a raiva cresciam em seu interior. Se o tinha posto tão fácil... Não podia crer que tivesse
sido tão estúpido! Para valer tinha acreditado que era ele quem controlava os acontecimentos? Em quatro dias, Lily tinha conseguido fazer-se com seu anel de casamentos,
ficando assim a salvo de toda ameaça.
Já dava o mesmo o que averiguasse. Lily podia permitir-se seguir olhando-o com aquele ar de inocência, pois sabia que não era nada provável que ele decidisse denunciar
a sua própria esposa. Tinha-se casado com uma ladra. Uma ladra mentirosa que tinha conspirado com Brett Gilman para roubar-lhe mais de duzentas mil libras. Tomou
o fax que tinha recebido e o colocou diante dela.
Lily tomou a folha e tratou de lê-la.
- Mas está escrito em turco...
- Estou seguro de que podes ler teu nome e o de Brett - disse Rauf em tom depreciativo.
Lily levantou o olhar para ele, assustada.
- Meu nome e o de Brett? - Que é isto? - De onde o tiraste?
- Gilman e tu abristes juntos uma conta para Marmaris Medeia Incorporated - disse Rauf em voz tão baixa que ela teve que se esforçar para escutá-lo - Já que
não adivinhas que passou? As fadas más passaram pelo banco e, tal e como esperava, esvaziaram a conta!

Capítulo 9

Lily se pôs lívida quando finalmente compreendeu de que estava falando Rauf.
- Eu não abri nenhuma conta com Brett! - protestou.
- Claro que o fizeste. - Está aqui escrito com toda clareza.
- Nesse caso, alguém cometeu um erro... ou Brett colocou meu nome. - Essa é a única explicação possível! - incapaz de suportar por mais tempo que Rauf seguisse
de pé e a olhasse daquela forma, Lily se pôs em pé.
- Não me faças perder tempo. - Não te acredito. Conspiraste com Gilman para roubar-me!
Lily se pôs a tremer por causa da frustração que lhe produziu ter sido julgada e condenada tão rapidamente.
- Isso não é verdade. Como podes pensar algo tão terrível de mim? - Sou tua esposa, por Deus santo!
A expressão de Rauf se escureceu visivelmente.
- Sim, és minha esposa. - Isso foi tudo um golpe mestre da tua parte. - Não deves ter parado de rir-te de mim desde que nos casamos...
- Já tive suficiente. Dado teu estado de ânimo, nem sequer vou tratar de falar contigo.
- Claro que vais fazê-lo! - espetou Rauf ao mesmo tempo que a tomava pelos braços e a fazia sentar-se de novo. E te advirto que tua habitual tática de pôr-te
a chorar não vai servir-te de nada nesta ocasião!
Os olhos azuis de Lily pareceram desprender autênticas chamas quando o olhou.
Nestes momentos, não choraria nem ainda que me atasses a um poste e ameaçasses tocar-me fogo!
- Por fim uma boa notícia - disse Brett em tom zombador - Também creio que precisas saber quando e onde começaram minhas suspeitas sobre Brett e sobre
ti...
- Em tua vívida imaginação, talvez?
Indignado pela depreciativa sugestão, Rauf dedicou a Lily uma mirada intimidadora.
- Recordas a Tecer Godian?
- Teu último contabilista? - murmurou Lily, desconcertada - O que foi a Inglaterra faz três anos para pesquisar Harris Travel?
- Tecer era um homem muito astuto. O último dia que fui a tua casa disseste que tinhas que ir à agência de viagens a dar uma mão porque um empregado estava
enfermo. - Tecer estava ali compro-vando as contas, e também estavas tu e Brett. - Ainda que Tecer não viu nada concreto, sim viu o suficiente como para preocupar-se.
- Que queres dizer?
- Tecer não sabia que eu tinha uma relação sentimental con-tigo. - Aquela mesma manhã, mais tarde disse-me do que acreditava ter captado algo estranho na
relação que mantínheis teu cunhado e tu. Segundo ele, não vos comportavas um com o outro como os mem-bros de uma família normal.
Ao escutar aquilo, Lily se pôs tensa por causa da surpresa. Teria captado Tecer Godian seu temor e nervosismo porque cria encon-trar-se a sós com seu cunhado na
agência? E teria notado também seu alívio quando se deu conta de que ele estava revisando os livros da contabilidade na habitação traseira?
- Não prestei atenção às palavras de Tecer até depois de espe-rar que saísses daquele hotel com Gilman! - continuou Rauf em tom depreciativo - Ainda que
te negas a admiti-lo, é evidente que esta-vas apaixonada pelo marido de tua irmã…
- Não foi isso o que teu contabilista percebeu! disse Lily, fu-riosa. - É uma pena que nunca perguntasses a Tecer que tinha querido dizer.
- Talvez crês que me teria rebaixado a falar de ti com um homem que não só era meu empregado, senão também um amigo da família?
- Se o tivesses feito, nos terias poupado a ambos muita infeli-cidade - contestou Lily, compreendendo finalmente que tinha feito suspeitar pela primeira vez
a Rauf da natureza de sua relação com Brett - Mas talvez só escutaste o que querias crer...
- E daí diabos se supõe que quer dizer isso? Estamos nos afas-tando do tema principal disse Rauf, tenso - Todas minhas suspeitas sobre tua falta de integridade
resultaram ser verdadeiras.
- E isso supõe um alívio para ti, não é verdade? - Lily o olhou com amargura Crês que amava a Brett, que só te levei a minha casa para que investisses em
Harris Travel, e que minha única motivação era tirar-te o dinheiro.
A Rauf lhe enfureceu que seguisse fazendo-se a vítima apesar das provas.
- Sim. Isso é o que devo crer.
Lily deixou escapar uma risada irônica.
- Nesse caso, suponho que também não te surpreenderá que te diga quanto lamento ter me casado contigo ontem.
- Isso não te crês nem tu! - replicou Rauf Se não fosses minha esposa, te entregaria diretamente à polícia!
- Suponho que a polícia pesquisaria o assunto com bastante mais profissionalismo do que tu. Afinal de contas, esse é seu trabalho. Assim que, vá adiante;
entrega-me, porque não quero voltar a ter nada que ver contigo!
- Te asseguro que, depois de umas noites no cárcere, não te mostrarias tão impertinente! - espetou Rauf, furioso - E estou seguro de que te casaste comigo
sabendo que ao fazê-lo te estavas protegendo contra qualquer possível ameaça de ir a prisão.
Lily riu depreciativamente.
- Deveria escrever um livro sobre minha vida como uma aventureira perversa e sem escrúpulos... só que não pareço ter tido demasiado sucesso, não crês?
- Que queres dizer?
- Segundo tu, eu amava a Brett e menti, roubei e enganei por ele, mas, por algum motivo, nunca tive valor suficiente para meter-me em sua cama. - Ademais
está o fato de do que me encontro praticamente arruinada até do que receba meu próximo salário, assim que também sou um completo fracasso como desfaucadora. E,
finalmente, meu maior erro parece ter sido casar-me com a pessoa a quem roubei, o qual não me prognostica precisamente um futuro feliz, não te parece?
Os atraentes rasgos de Rauf se endureceram.
- Se volto a receber outra resposta zombadora tua...
- Que farás? Divorciar-te de mim? interrompeu Lily com amargura. - Pois para que o saibas, quero o divórcio!
- Podes esquecer-te dessa opção - replicou Rauf no mesmo instante.
- E também podes ficar-te com teu maldito dinheiro. - Me considerarei afortunada em livrar-me do pesadelo de estar casada com um homem que não confia em mim!
- Estás casada comigo, e temo que não há volta atrás - disse Rauf, cada vez mais enfadado.
- Prefiro arriscar-me com a polícia. - Me entregarei para es-clarecer tudo isto de uma vez - Lily levantou o queixo num gesto desafiante.
- Não sejas estúpida! - espetou Rauf.
- Eu não pus meu nome nessa conta...
- Deixa de mentir-me! - Gilman precisava de teu nome no papel porque és uma das
diretoras de Harris Travel, o que significa que pode mentir e dizer que abriu a conta como empregado teu porque lhe encarregaste
que o fizesse assim. Como diretora, és responsá-vel do desaparecimento dos fundos que investi na agência.
Lily sentiu que seus joelhos começavam a chocar entre si e foi ocu-par um assento no lado oposto da cabine. Nunca tinha pensado que a adjudicação daquela direção
por parte de seu pai, nomeação que nunca lhe tinha proporcionado nem um favor, pudesse pô-la num aperto. Por fim compreendia por que Brett lhe tinha dito que teria
que o proteger. O mais provável era do que tivesse utilizado seu no-me pelos motivos explicados por Rauf, e não era de estranhar que se tivesse jactado quando lhe
tinha anunciado que tinha se casado com Rauf.
Teria compreendido em seguida que Rauf nunca apresentaria uns cargos que pudessem pôr em juízo a honradez de sua esposa. Mas Lily não podia suportar a idéia de que
Brett Gilman se escapasse sem receber o castigo que merecia.
Depois de recordar a tortura à que a que a sentenciou Brett quando era demasiado jovem e ingênua como lutar contra ele, Lily respirou profundamente para dar-se
forças. Estava muito pálida, mas uniu suas trêmulas mãos sobre seu colo e levantou a cabeça.
- É preferível que se responsabilize a mim que a minha irmã, que tem filhos, ou a meu pai, cuja saúde é muito precária - disse com firmeza.
- Quando vais parar de dizer tolices? - perguntou Rauf, exas-perado - Não vai ter nenhuma demanda pelo dinheiro roubado porque não estou disposto que minha
esposa seja considerada uma ladra!
- Mas isso suporia que Brett sairia ileso de tudo isto... e isso não poderia suportar - disse Lily - Causou tanta infelicidade a minha família, que quero
que pague por isso, ainda que isso signifique que tenha que agüentar que se suspeite de mim durante um tempo. Mas creio firmemente que a verdade sairá à luz, e que
se demonstrará sua culpa num juízo.
Rauf observou Lily com a inexplicável convicção de que, uma vez mais, contra tudo o que pareciam revelar os fatos, tinha-se preci-pitado tirando conclusões. Desde
onde estava praticamente podia sentir as chamas de fervor idealista que emanavam dela. Tomou o fax do banco turco com raiva.
O nome de Lily aparecia na conta, mas aquilo não queria dizer que ela o tivesse escrito ali. Depois de tudo, que teria impedido a Gilman ir com outra mulher loira
ao banco para abrir uma conta e mostrar alguma identificação subtraída de Lily sem que esta se tivesse dado conta? De repente, Rauf se sentiu seguro de que, se
pes-quisasse, se descobriria que a assinatura de Lily tinha sido falsificada. Lily tinha reagido com sincera raiva e era óbvio que não lhe assustava falar com a
polícia. Ademais, nenhuma mulher em seu são juízo ameaçaria com divorciar-se dele!
- Vamos nos reunir com minha família em pouco menos de uma hora disse em tom menos firme, pois temia ter voltado a julgá-la precipitadamente. Tinha voltado
a cair no mesmo abismo de dúvidas e amaldiçoou os ciúmes que tinham turvado seu juízo.
Sabia que tinha que consertar o dano que tinha feito e humilhar-se... só que o fazer não se lhe dava precisamente bem.
- Não penso seguir adiante com isso - disse Lily.
- Mas já me convenceste de que és inocente. - Não estava pre-parado para esse fax e quero desculpar-me por ter reagido assim. Os fatos sugerem que Gilman
tratou de incriminar te.
- É evidente que nunca foste capaz de confiar em mim - disse Lily tensa - Sempre suspeitaste de Brett e de mim...
- Já estou convicto de que nunca teve nada inapropriado em teus tratos com Gilman! - disse Rauf com feroz intensidade - Agora mesmo, esse miserável não me
importa nada. - Estou bem mais preo-cupado por nós.
- E isso por que? Apesar de que não podias confiar em mim, casaste comigo. - Encontro isso muito estranho e extremamente ferino - confessou Lily com voz
trêmula ao sentir a ardência das lágrimas - Mas assim são as coisas, e o que significa é que nunca me quiseste…
- Estás equivocada a respeito disso - cada vez mais tenso, pois Lily estava adotando uma atitude à que não sabia como enfrentar-se, Rauf avançou para ela
numa tentativa de tomar suas mãos. No entanto, Lily retirou as mãos.
- Não, não o estou... Desde o princípio ao fim, o único que quiseste de mim foi sexo, e isso é o único que segues querendo de mim. - E estás tão obsedado
pelo sexo, que inclusive estás disposto a seguir casado comigo apesar de crer que em outra época estive envolvida com o marido de minha irmã e que te roubei - disse
Lily em tom condenatório - Não creio que isso seja saudável. - Não creio que ninguém possa pensar que isso seja saudável.
- Posto assim não o parece, disse depois - Rauf se agachou frente ao assento de Lily para olhá-la aos olhos - Mas descrever tudo o que há entre nós como
mero sexo é injurioso.
- Eu penso o mesmo, mas também penso que simplesmente é assim - murmurou Lily, animando-se por fim a olhá-lo aos olhos - Também és o tipo mais desconfiado
que conheci...
- Mas só sobre esse tema - interrompeu Rauf- E esse tema é o miserável do Gilman e todos os mal-entendidos que teve entre nós por sua culpa.
- Não creio que possa considerar-se um mal-entendido que acuses a tua esposa de ser uma ladra.
- Tenho muito gênio forte e uma evidente e lamentável ten-dência a tirar conclusões errôneas com respeito a ti - Rauf tomou as mãos de Lily nas suas e atirou
dela com delicadeza para que se levantasse do assento. - Mas isso só sucede porque me preocupo muito por ti. - Sinto muito, güzelim.
Lily sempre tinha amado Rauf e, como resultado disso, tinha-se mostrado demasiado disposta a passar por alto os defeitos de sua relação. Mas a dura realidade lhe
tinha aberto os olhos e acre-ditava em tudo que ele tinha dito fazia uns momentos. Também teve que reconhecer que Rauf parecia incapaz de deduzir o que sucedia no
interior de sua complexa cabeça. Depois de tudo, tinha parecido muito afetado quando lhe tinha dito que seu único interesse por ela radicava no sexo e, no entanto,
nunca lhe tinha mencionado outra coisa.
- Estou segura de que poderás explicar a tua família que cometeste um erro ao casar-te com tanta precipitação...
- Ainda esperam que leve o erro para casa - interrompeu Rauf com ironia enquanto fazia que Lily se sentasse de novo e lhe abo-toava o cinto porque o avião
estava a ponto de aterrizar - Na famí-lia Kasabian, quando se casa, permanece casado.
- Pode ser que as mulheres Harris tenhamos o costume fatal de casarmos com os homens equivocados...
- Pôr-me ao mesmo nível de Gilman é um golpe realmente baixo.
Resultará bem mais cômodo para ti que tenhamos rompido quando esteja ajudando à polícia com suas investigações.
- Não vais ajudar à polícia em nenhuma investigação! - replicou Rauf, que compreendeu naquele momento que estava disposto a fazer qualquer coisa para proteger
Lily.
- E se para protegê-la tinha que ocultar a prova para asse-gurar-se de que não a relacionassem com os delitos de Gilman, assim o faria. Só teve que olhar
Lily e imaginá-la numa cela para que todos seus princípios éticos se cambaleassem.
Enquanto o avião aterrizava, Lily começou a duvidar das decisões que tinha tomado. No entanto, tinha que deter Brett. Que outras coisas terríveis seria capaz de
fazer se o deixavam livre? Talvez ia ter que passar o, resto de sua vida temendo àquele homem? E por que ia ter que perder Rauf seu dinheiro por ter-se casado com
ela? Isso não estaria bem. E estaria ainda pior que Rauf e sua família tivessem que sofrer a vergonha de que este se tivesse casado com uma mulher que corria o
risco de ser presa por fraude. Depois de tudo, se como diretora de Harris Travel podia ser considerada responsável do desaparecimento do dinheiro de Rauf, também
podia ser responsável pela fraude dos chalés. E como podia culpar Rauf por sua desconfiança quando o fax que tinha recebido do banco parecia uma prova convincente
de seu envolvimento no assunto? Como podia culpá-lo quando ainda tinha que lhe contar toda a verdade sobre sua relação com Brett?
O mais provável era de que Rauf sempre tivesse intuído de que não lhe estava contando toda a verdade, E aquele era o motivo de sua suspeita. No entanto, que sentido
tinha dizer-lhe nada agora que iam se separar? Porque era evidente que tinham que o fazer; se Brett ia ser processado, e se ela queria proteger Rauf do escân-dalo,
não tinha outra opção.
De maneira que se entregaria à polícia em lugar de esperar a que esta a detivesse. Tinha ameaçado Rauf com o divórcio só porque estava enfadada com ele? A idéia
de ficar sem ele era como prestar-se a que lhe arrancassem o coração sem anestesia.
- Não te culpo por pensar que poderia ser culpada - disse com tristeza enquanto caminhavam para o terminal no aeroporto de Istambul - Tens motivos pára...
- Não. Passasse o que passasse, deveria confiar sempre em ti.
- Como vais confiarem mim se venho de uma família que albergou durante tanto tempo a um tipo como Brett? - murmurou Lily, desesperada - É melhor que nos
divorciemos e do que não me menciones a ninguém. - Se os membros de tua família se desagra-daram pelo fato de que te tenhas casado sem convidá-los à cerimônia, é
possível que ainda não tenham falado de teu casamento com seus parentes ou amigos, de maneira que ninguém tem por que inteirar-se de nada.
Num repentino movimento, Rauf tomou uma mão de Lily como se o divórcio fosse tão iminente que tivesse que a sujeitar para impedi-lo.
- Sei que te desagradei muito com minhas suspeitas, mas não há motivo para falar de divórcio.
- Temo que não pensarás o mesmo se eu for presa.
- Se existisse o mínimo risco de que sucedesse isso, te tiraria de imediato do país declarou Rauf com uma firmeza que inquietou Lily, pois parecia sugerir
que existia uma possibilidade real de que se desse aquela situação. - Mas como não penso demandar a Gilman, isso não será necessário.
- Mas querias vingar se...
- Tu me importas bem mais do que a vingança - confessou Rauf - Tua tranqüilidade é fundamental para mim.
Ao que parece, Lily não estava disposta a conceder que pudesse professar-lhe nem sequer certo afeto, porque suspirou e, enquanto Rauf a ajudava a entrar na limusine
que os aguardava, disse:
- Por suposto, não quererás arriscar-te a que tudo isto saia à luz, como conseqüente bochorno para toda tua família. Podes levar-me diretamente á delegacia
- murmurou enquanto ele se sentava a seu lado - Não estaria bem que Brett se livrasse de...
- O que não está bem é que minha esposa fale de divorciar-se de mim! - espetou Rauf ao mesmo tempo que passava uma mão pela cintura de Lily e a atraía para
si -. Ou que, ainda sendo inocente, estejas disposta a ir à polícia para contar-lhes uma história que não poderão entender tão bem como eu. - Ambos temas ficam limpos.
Para sempre.
Lily teve que reprimir um gemido de desolação ao sentir a reação de seu corpo diante a proximidade de Rauf.
- Mas...
- As esposas turcas não costumam discutir com seus maridos. Pergunta a minha bisavó, Nelispab - aconselhou Rauf. - Podes tratar de manipular-me de outras
mil formas; isso está bem, e inclusive é algo que se espera de ti. - Mas discutir está mal visto.
- Mas quando a polícia averiguar que sou diretora de Harris Travel e Brett seja julgado pelo assunto dos chalés...
- És Lily Kasabian. Não fizeste nada mau, depois não tens nada que temer - murmurou Rauf, que não via motivo para preocupar Lily dizendo-lhe que a polícia
já estava sabendo que ela aparecia como diretora da agência - Como minha esposa, teu posto está a meu lado, e se surge algum problema, tem por seguro que eu me ocuparei
de tratar com eles em teu nome.
- Oxalá fosse assim a vida - disse Lily, que esteve a ponto de rir apesar da ansiedade que sentia, pois Rauf parecia crer real-mente que não tinha nada ao
que não pudesse enfrentar-se, nada que não pudesse arrumar.
- A vida comigo é e será assim, te prometo - Rauf olhou os lá-bios de Lily e teve que fazer verdadeiros esforços para não a beijar com toda a paixão que
a mera possibilidade de perdê-la tinha acordado nele.
No entanto, Lily o tinha acusado de procurar nela tão só sexo, e sabia que aquela acusação voltaria a persegui lo nos piores momen-tos possíveis. O último que queria
era acrescentar aquela impressão. Essa noite, quando se deitassem, se limitaria a abraçá-la, nada mais. E seguiria fazendo-o durante ao menos uma semana...
Como atraída por um imã, Lily foi deixando que seu peso descan-sasse contra ele, até que Rauf a surpreendeu apartando-a de seu lado com expressão preocupada. Envergonhada
por suas frustradas expectativas, Lily se retirou até o extremo do assento e tratou de concentrar-se nas ruas pelas que circulavam. Iria tudo bem, como tinha dito
Rauf? Nesse caso, não fazia sentido que se enganasse dizendo que queria divorciar-se.
Estava realmente obsedado com o sexo?, perguntou-se Rauf, que se encontrava embarcado em outro incômodo processo de auto análi-ses. Teria podido dizer que estava
obcecado com Lily, mas ela já deveria ter deduzido aquilo por sua conta. Quando um homem se casava com uma mulher quatro dias depois de vê-la, não podia dizer-se
que estivesse sendo especialmente racional, sobretudo se tinha passado a vida jurando que não ia casar-se nunca. Considerava Lily que a contenção sexual era uma
demonstração de carinho e romantismo inclusive durante o casamento? De repente, a conten-ção sexual lhe pareceu como uma escura nuvem ameaçadora.
Inquieta ante a perspectiva de ir conhecer à família de Rauf, Lily precedeu a este quando entraram na enorme mansão na que tinham vivido três gerações de Kasabian.
- Aposto o que queiras a que não lhes agrado.
- A Nelispah lhe agradaste nada mais ver-te, e meu pai estará feliz sabendo que não vai ter que voltar a escutar as queixas das mulheres da família porque
ainda sigo solteiro - disse Rauf anima-damente.
Quanto uma donzela abriu a porta, Seren, a mãe de Rauf, uma mo-rena pequena ligeiramente gorda e de uns cinqüenta anos, acercou-se a Lily para dar-lhe as boas
vindas em inglês. O pai de Rauf, Ersin, uma réplica daquele apesar de ter o cabelo claro, dedicou-lhe um amplo sorriso. Manolya, a avó, era a mais silenciosa das
três mulheres. Nelispah Kasabian tomou uma mão de Lily em seus frágeis dedos e a olhou com olhos chorosos ao mesmo tempo que assentia, satisfeita.
- Tu e eu temos que voar amanhã a Inglaterra - murmurou Ersin a seu filho enquanto as mulheres se punham a bater um papo.
- Repete isso? - disse Rauf, surpreso.
- Este promete ser um casamento muito tradicional - contestou Ersin -. Devemos perguntar ao pai de Lily se te aceita como esposo para sua filha.
- Queira ou não, já me tem como genro - contestou Rauf, ao que não lhe fazia nenhuma graça a idéia de separar-se de Lily, ainda que só fosse por um par
de dias. No entanto, ao pensar nisso mais detidamente teve que reconhecer que nunca lhe teria ocorrido casar-se com uma de suas compatriotas sem acercar-se primeiro
a sua família. - Mas tens razão. - Assim é como devem fazer-se as coisas.
- Quando voltes só a tua casa esta noite, terás descoberto uma das verdades mais tristes da vida - disse Ersin - Não é possível lutar contra Nelispah. -
Se desagradará se discutes e ficará des-troçada sete negas a cumprir suas expectativas e, como vais arriscar-te a que suceda isso?
Rauf franziu o cenho.
- Só? De que estás falando?
Se não estás disposto a admitir que já te casaste, não podes ser visto levando Lily a tua casa. - Quando falamos por telefone ontem, entendi que esse ia ser o arranjo...
Rauf... desde o outro extremo da habitação, a bisavó de Rauf estendeu uma mão para este.
- Ir só, sem sua esposa? - Talvez se tinham voltado loucos todos para pedir-lhe tal coisa? perguntou-se Rauf.
- Até que se celebre o casamento, Lily pode ficar conosco como se fôssemos sua família. Assim não terá fofoca - disse a anciã mulher, feliz.
Rauf apertou os punhos ao ver a mirada de rogo que lhe dirigiu sua mãe.
- Podes vir visitar Lily quando queiras - sugeriu sua avó Mano-lya para aplacá-lo.
- Mas não pode ficar a sós com ela - advertiu de imediato Nelispah - Caso contrário, a gente dirá que as coisas vão demasiado depressa e que a família
é demasiado liberal.
- Mas Lily já é minha esposa - disse Rauf secamente.
- A terás para ti o resto de tua vida, mas este é um tempo para o cortejo e as visitas - Nelispah falou como se todo o processo estivesse escrito em pedra
e ignorou por completo a referência de Rauf ao casamento civil - Suponho que não quererás que se diga que valorizavas tão pouco a tua noiva que não quiseste seguir
os ancestrais costumes de teu país.
Rauf respirou profundamente.
- Faz setenta anos era costume celebrar casamentos...
- Que duravam quarenta dias e quarenta noites - interrompeu sua bisavó, que conseguiu que Rauf se pusesse pálido -.Mas já não vivemos num povo e, ainda que
penso que é uma pena que os casamentos se celebrem agora com tanta precipitação, sei que terá que bastar com uma semana.
Rauf engoliu saliva. Uma semana; sete dias sem Lily. Estava horro-rizado. Mas ao contemplar os confiado e esperançosos olhos de sua bisavó soube que não podia decepcioná-la
com uma negativa. Quando assentiu, noventa e nove por cento da tensão que tinha atenazados a seus parentes se desvaneceu no instante.
- Devo explicar isto a Lily... em privado - murmurou Rauf.
- Deixa a porta aberta - disse Nelispah com o cenho franzido depois de ouvir o pedido de seu bisneto.
Lily tinha assistido àquela curiosa cena sem entender nada do que estava passando. A mãe de Rauf não tinha deixado de falar-lhe enquanto olhava a seu filho com
evidente tensão, mas agora todo mundo parecia feliz e descontraído, exceto Rauf, que estava ainda mais tenso que antes.
- Que sucede? - perguntou quanto esteve a sós com ele na habitação contígua.
Rauf soltou o alento.
- Ontem à noite te ouvi falar com Brett por telefone...
Em sério?…interrompeu Lily, que pensou de imediato que aquele devia ser outro fator que tinha contribuído a que Rauf se mostrasse tão desconfiado ao descobrir que
seu nome aparecia na conta aberta por Brett.
- Enquanto pensava no que tinha ouvido recebi um telefonema de minha mãe e... na realidade não recordo bem o que disse, mas parece que quando falei com Nelispah
lhe dei a impressão de que estava disposto a passar por um casamento mais tradicional para aplacar os sentimentos que tinha ofendido - explicou Rauf - Agora se
nega a reconhecer o casamento civil, o que significa que espera que nos comportemos como se ainda estivéssemos solteiros. Isso supõe que terás que te alojar aqui
sem mim até que nos casemos pela segunda vez.
- Oh... Mas ainda faltam dez dias para o casamento.
- Uma semana.
- Não. Tua mãe foi muito clara com respeito à data.
- Nelispah se está comportando como se nosso casamento no civil tivesse sido algo vergonhoso! - protestou Rauf.
- Não creio. Aceitou-me abertamente e não me agradaria ferir seus sentimentos.
Rauf assentiu apesar de si mesmo e depois comunicou a Lily sua intenção de voar no dia seguinte a Londres para visitar a sua família.
- Oh, não... Hilary te odeia! - exclamou Lily, consternada.
Rauf viu como se levava uma mão aos lábios ao dar-se conta do que acabava de revelar e não pôde evitar pôr-se tenso.
- Te odeia por como me deixaste faz três anos - adicionou rapidamente ela com uma careta de pesar.
Rauf pensou com fatalismo que cada um dos pecados que tinha cometido estavam voltando para perseguí-lo.
- E o assunto dos chalés... e o demais? - perguntou Lily, preo-cupada - Hilary e papai têm que se inteirar.
- Sim - reconheceu Rauf. - Eu me ocuparei disso. - Deveria chamar a Hilary.
- Sim, mas diga lhe somente que nos casamos. - Mas...
- Manejarei o assunto com tato. Agora também faço parte de tua família - Rauf tomou a Lily nas mãos e a atraiu para si- Quando voltar, te levarei a fazer
as rotas turísticas que tua irmã espera que faças, e ninguém poderá protestar por isso.
- Sentirei tua falta de todos modos sussurrou Lily.
Rauf reprimiu um gemido.
- Estarei de volta em menos de quarenta e oito horas, mas de repente me parece demasiado tempo... por que será?
Lily o rodeou pelo pescoço com os braços E se encostou a ele tudo o que pôde. Rauf estava a ponto de beijá-la quando uma discreta tosse procedente da habitação contígua
lhe fez conter-se.
- Estou desejando que chegue já nosso segundo casamento, güzelim.

As seguintes vinte e quatro horas resultaram realmente numa cor-reria para Lily. Quando chamou a sua irmã, Hilary ficou descon-certada ao inteirar-se de que sua
irmã se tinha casado com Rauf, mas se tranqüilizou ao saber que ia ter um segundo casamento mais formal.
- Assistiremos ao casamento, por suposto disse - Com um pouco de sorte, Rauf enviará seu avião privado a recolher-nos e nos pouparemos os bilhetes -
caçoou, divertida - A mudança, deixarei de chamá-lo rato e farei tudo o possível por que me caia bem.
Lily descobriu em seguida que se levava de maravilha com os parentes de Rauf e agradeceu com todo seu coração que a tra-tassem com afeto. Aquela tarde se celebrou
uma pequena festa à que pareceram assistir todas as mulheres conhecidas da família Kasabian. Lily era o centro de atenção, por suposto. Quando Nelispah Kasabian
começou a dar mostras de cansaço, ela mesma a acompanhou a uma habitação para que descansasse um momento.
Quando saiu, uma bonita morena vestida com um elegante traje de calça branca a interceptou para apresentar-se.
- Sou Kasmet. Conheço Rauf praticamente de toda a vida, e me surpreendeu inteirar-me de que ia casar-se. Depois de tudo, segue apaixonado de mim!
Lily piscou, desconcertada.
- Desculpa?
- Rauf nunca o admitiria, por suposto, apesar de que em princípios deste ano tivemos uma aventura. É demasiado renitente e orgulhoso. A sensual boca da mulher
se transformou numa tensa linha quando adicionou. - Mas quero que saibas que tu és só uma segundona. Rauf se apaixonou por mim quando éramos adolescentes e nunca
o superou.
Lily recordou então que Rauf lhe tinha falado daquele primeiro e decepcionante amor, e disse o primeiro que se lhe veio à mente:
- Tu deves de ser a garota à que encontrou numa ocasião com um de seus amigos! - ao ver que Kasmet se ruborizava intensamente, adicionou - Sinto muito... não
pretendia dizer isso - murmurou, afe-tada pela maldade da outra mulher, mas também envergonhada por sua reação.
Inesperadamente, Kasmet deixou escapar um amargo e breve riso.
- Tinha bebido demasiado e me comportei como uma tonta. Não amava ao homem com quem me casei depois de perder Rauf. Imaginas que pudesse preferir a outro antes
que a ele?
Lily se pôs pálida depois daquelas reveladoras palavras e, arredia a seguir escutando-a murmurou:
- Desculpe-me, por favor...
A festa continuou mas, a partir daquele momento, Lily se viu obri-gada a interpretar o papel de noiva feliz apesar de que sua mente era um redemoinho. Sabia que
Kasmet estava enfadada e ressentida e que só queria causar problemas e dor, mas o problema era que também conhecia o lado mais escuro de Rauf e seu forte caráter.
Ainda que tivesse esperado amar a Kasmet o resto de sua vida, Rauf nunca lhe teria perdoado sua infidelidade. Por isso o que mais lhe tinha desagradado tinha sido
de que Kasmet lhe tivesse assegurado que tinha tido uma aventura recente com ele. Por que ia ter-se envolvido de novo Rauf com uma mulher que o tinha traído? A
única resposta possível era que seus sentimentos por ela seguiam sendo muito fortes.
Pela primeira vez, Lily pensou que podia ter uma boa razão pela que Rauf só falava do carinho que sentia por ela: não tinha deixado de amar àquela mulher. Uma
mulher com a que nunca se casaria.
Lily sentiu que seu coração se encolhia. Já tinha conseguido assumir de algum modo que Rauf não a amava, mas a suspeita de que pudesse estar apaixonado por outra
mulher resultava devastadora.

Recém chegado depois de ter passado por Paris para fazer algumas compras, Rauf observou à quadrilha que se esforçava em subir o grande düzen lavrado pelas escadas
de sua casa familiar. Em oito dias, quatorze horas e trinta e sete minutos, Lily voltaria a estar junto a ele, em sua casa, em sua cama. Enquanto esperava, utilizaria
o tempo para demonstrar-lhe o maravilhoso que podia ser como marido: romântico, terno, carinhoso, considerado, sensível, pacien-te, magnânimo e tolerante.
Quando entrou na casa se alegrou de encontrar Lily a sós.
- Lily... - murmurou, satisfeito.
- Rauf... - Lily conseguiu sorrir apesar de seu estado de ânimo e lamentou que seu coração carecesse por completo de orgulho, pois se pôs a bater aceleradamente
ao ver a seu marido.
- Me sentiste falta? - perguntou ele. - Temos estado muito ocu-padas... os lábios de Lily se comprimiram numa tensa linha. Depois de tudo, Rauf lhe tinha levado
dois dias voltar para Turquia enquan-to seu pai tinha demorado menos de vinte e quatro horas em estar de volta. A entrada da quadrilha que levava o baú supôs uma
mo-mentânea distração.
- O düzen..., meu primeiro presente para ti - disse Rauf, que controlou o impulso de perguntar a Lily que lhe passava, recor- dando-se que sua falta
de fé nela devia ter-lhe feito perder vários pontos antes seus olhos. Abriu o baú e tirou uma grande caixa de seu interior.
- Que é? - perguntou Lily.
- O tecido para teu vestido de casamento. - É um velho costu-me que o noivo se encarregue de comprá-la.
Decidida a não se deixar impressionar, Lily levantou a tampa com expressão indiferente. E ficou maravilhada a ver um extraordi-nário tela de seda branca com um bordado
a mão em ouro.
- Oh... É uma preciosidade...
- Não me deixes vê-lo - advertiu Rauf ao ver que Lily estava a ponto de retirar por completo a
tampa.
- Pensava que tu a tinhas escolhido.
Rauf se encolheu de ombros.
- Se supõe que o noivo deve levar-se uma surpresa com o vestido o dia do casamento, assim fiz uma lista das coisas que sei que não te agradam e deixei que a
desenhista escolhesse o tecido. - Vai voar esta tarde até aqui para fazer-te uma prova.
Lily voltou a tampar a caixa e olhou Rauf com olhos sonhadores, pois o que lhe tinha contado lhe tinha parecido muito doce. Era inútil. Não podia comportar-se com
frieza com ele amando-o como o amava. Ainda que Rauf sentisse debilidade por Kasmet, não pensava cometer o erro de interrogá-lo a respeito. Que conseguiria pondo-se
a remexer em seu passado?
- Tudo o demais que há no baú eu escolhi - assegurou Rauf.
- Tudo o demais? - Lily foi olhar o interior do baú e ficou as-sombrada. Estava cheio de roupa.
- Teu enxoval... - Rauf a olhou com expressão divertida - Fiz que subam a roupa interior a teu quarto em outro pacote. - Não queria envergonhar-te.
- Me compraste lingerie?
- Sim, e foi uma experiência realmente erótica, güzelim.
O tom sugestivo de Rauf fez que a boca de Lily se secasse e que seu rosto ardesse. O som da bengala da bisavó e um murmúrio de vozes acercando-se lhes advertiu
de que estavam a ponto de ter companhia.
Meia hora mais tarde, Rauf levou Lily em seu carro para ver o sun-tuoso palácio Topkapi, que tinha sido a residência dos sultões otomanos durante ao menos quatrocentos
anos.
- Tudo bem? Como foram as coisas com minha irmã? - perguntou Lily enquanto se dirigiam ao palácio - Por que não me chamou? Imagino que se terá levado um desgosto
horrível ao inteirar-se do sucedido com os chalés.
- Disse que preferia esperar para falar contigo quando viesse para o casamento. - Quando lhe contei dos chalés, levou-se um gran-de desgosto e se enfadou
muito. Mas teu pai aceitou que eu compre Harris Travel como sócio igualitário - explicou Rauf Hilary não queria aceitar a princípio minha proposta, mas posso ser
muito persuasivo.
- Sim, eu sei... - Lily observou o forte perfil de Rauf e sorriu - Foste incrivelmente amável.
- Tua família passou por uma má época e queria ajudar.
- Sempre consegues o que queres?
- Tu foste um de meus poucos fracassos.
- E Kasmet? o nome da outra mulher surgiu dos lábios de Lily sem que pudesse evitá-lo. Rauf, que tinha detido o carro num semá-foro, voltou-se a olhá-la com
uma expressão mistura de surpresa e enfado.
- Onde a conheceste?
Lily se ruborizou.
- Assistiu à festa que organizou tua mãe. Rauf fez uma careta de desagrado.
- Meu pai ainda tem negócios com o seu, mas me surpreende que Kasmet tivesse o valor de assistir. - Não nos cai bem a nenhum.
- Segundo diz, ainda segues perdidamente apaixonado dela.
A expressão de Rauf foi de total incredulidade.
- Onze anos depois de encontrá-la na cama com outro?
- Nesse caso, suponho que não tiveste uma aventura recente com ela.
As buzinas começaram a soar atrás deles quando o semáforo ficou verde e Rauf se limitou a seguir olhando Lily.
- Ficaste louca? perguntou furioso. - Quem te disse isso? Ela? Ao ver que Lily não o negava, Rauf apertou os dentes e pisou o ace-lerador - Vou a sua casa
para deixar isto esclarecido agora mesmo.
- Não... não, por favor! - suplicou Lily.
- Se quer contar mentiras, terá que pagar um preço por isso!
- És minha esposa e não penso permitir que ninguém te desagrade...
- Me desagradarei mais se fazes uma montanha em um grão de areia - advertiu Lily - Depois do que me disseste, compreendo que Kasmet se estava deixando levar
pelo rancor...
- Te asseguro que depois de que fale com ela não terás por que voltar a agüentar esse rancor - prometeu Rauf.
Lily sentiu um grande alívio quando, uns minutos depois, Rauf pulsou o timbre de uma luxuosa casa e ninguém foi abrir.
- Estou desejando ver o palácio Topkapi - murmurou quando ele voltou ao carro.
Rauf a olhou um momento, inclinou-se para ela e a beijou com um fervor possessivo que eletrizou o corpo de Lily. Jogou a cabeça atrás e abriu a boca para que Rauf
penetrasse com a língua em seu interior.
Uns segundos depois, ele se afastou com um estremecimento.
- Quando te tenho perto, perco o controle murmurou. - Nem sequer nos lugares públicos consigo manter as mãos afastadas de ti!
- Pois vamos a um lugar privado - disse Lily sem deter-se a pensá-lo duas vezes.
- Não! disse Rauf com firmeza enquanto voltava a pôr o carro em movimento.
Lily tinha ruborizado até a raiz do cabelo.
- Mas estamos casados! - protestou.
- Temos toda uma vida por diante disse Rauf, que estava tendo que fazer verdadeiros esforços para resistir-se à tentação.
Uma hora mais tarde, à sombra do pavilhão do quarto pátio do palácio, Lily contemplou a espetacular vista do mar sem conseguir concentrar-se nela. Estava pensando
na rapidez com que Rauf tinha respondido a suas perguntas sobre Kasmet e comparando a aberta franqueza que tinha demonstrado com seu secretismo com respeito a Brett.
Não tinha deixado de utilizar desculpas para convencer a si mesma de que não precisava contar a Rauf a desagradável verdade do comportamento de Brett para ela, mas
contando-lhe as coisas só a metades não tinha sido justa com ele nem consigo mesma. Respirou profundamente e tomou uma repentina decisão.
- Quero contar-te algo, Rauf. - Quero que entendas por que sempre tive medo de Brett. Ele a olhou atentamente e assentiu, tenso.
Lily se encolheu de ombros antes de começar.
- Sei que é um medo irracional, mas o problema é que Brett começou a comportar-se mal comigo quando eu era demasiado jovem para saber como tratar a um valentão
como ele. - A primeira vez que o vi com uma mulher e contei a papai, Brett deduziu que tinha sido eu quem tinha contado. - Foi buscar-me no colégio e se pôs co-
mo um louco porque queria assustar-me. - Gritou-me e ameaçou dizendo que se voltava a falar sobre ele com alguém diria a Hilary que... que eu tinha tratado de seduzi-lo...
Rauf deixou escapar uma maldição entre dentes e tomou as mãos de Lily nas suas.
- Nem sequer agora sei se Hilary teria aceitado minha palavra contra a de Brett. - Estava louca por ele. - Pensava que era muito atraente e costumava caçoar
dizendo que as demais mulheres não deixavam de paquerar com ele. De maneira que me mantive em silêncio, mas isso não bastou para Brett. Odiava-me e lhe agradava
incomodar-me murmurou Lily - Não deixou de atormentar-me du-rante os três anos que morei sem poder sair de casa.
- Como? - perguntou Rauf.
- Quando não tinha ninguém mais perto, costumava dedicar-se a fazer comentários obscenos sobre como se estava desenvolvendo meu corpo... e coisas dessas...
- Lily teve que se esforçar para continuar falando. - Nunca pôs a mão em mim, mas eu vivia ater-rorizada temendo que algum dia o fizesse.
Rauf passou um braço por seus ombros e fez que se apoiasse contra seu corpo. Ele mesmo estava tremendo literalmente de raiva. Sabia que, se algum dia tinha perto
a Gilman, quereria matá-lo com suas próprias mãos. Que cego tinha estado ao deduzir que o que sucedia era que Lily estava apaixonada do marido de sua irmã! Ainda
que tarde, por fim compreendia a que se tinha referido seu contabilista quando lhe tinha dito que notava algo raro na relação que tinha entre Lily e Brett; Tecer
Godian tinha percebido o medo que Lily tinha de seu cunhado.
- Não disse nada a papai porque temia que Brett levasse adiante sua ameaça de dizer que eu tinha tratado de seduzi-lo. - E se me tivesse empenhado em demonstrar
que mentia, a verdade teria destroçado o casamento de Hilary. Não era capaz de enfrentar à situação...
- Como ias fazê-lo? - disse Rauf -. Deverias ter-me contado tudo isto a três anos.
- Me assustava que pudesses pensar que tinha alentado a Brett... - Ademais, para então já me tinha acostumado a manter o segredo - confessou Lily - Foi por
ele que comecei a me vestir como o faço; me esforçava para não chamar sua atenção.
- Só quando fui à universidade me dei conta de que era dife-rente das outras garotas. - Sentia-me tão nervosa com os garotos... Nem sequer me agradava que
me olhassem porque me faziam recordar a Brett e me sentia suja.
- Calma... calma - murmurou Rauf com voz rouca, sentindo uma estranha mistura de raiva e arrependimento por não ter sido mais compreensivo com ela.
- Quando me apaixonei de ti, tratei de esforçar-me mais - admitiu ela, quase dolorosamente - Depois de ti... bastante depois, pedi ajuda a uma psicóloga
porque sabia que não era normal sentir o que sentia.
Durante uns segundos, Rauf se limitou a mantê-la abraçada. Depois, levou-a ao restaurante do palácio, que se achava numa magnífica
sacada ao ar livre, e lhe fez perguntas sobre o asses-soramento que recebeu da psicóloga.
- O começo de minha recuperação foi compreender que estava permitindo que Brett arruinasse minha vida - disse Lily com uma irônica careta - A obrigação de
manter o segredo, a sensação de estar agarrada em minha própria casa, o sentimento de impo-tência... tudo isso foi conformando meu caráter. - Deixei que Brett me
convertesse numa vítima.
- E não pode dizer-se que eu te ajudasse precisamente com minha atitude - Rauf acariciou com delicadeza uma bochecha de Lily. - Não deixava de sentir tua reserva
para mim e procurei rapidamente a explicação mais fácil para teu comportamento. Mas não fiz nada por alentar tua confiança, güzelim.
Lily sentiu que a emoção apertava sua garganta e teve que engolir. Era muito agradável saber que já não tinha segredos entre eles. Rauf não tinha duvidado nem
um momento dela, o que lhe produziu uma intensa sensação de alívio.

Os dias que seguiram foram muito agitados. Entre os preparativos do casamento e as visitas turísticas que fez com Rauf, Lily mal teve tempo de pensar.
Na metade da semana, Rauf conseguiu as provas que demonstravam que a assinatura de Lily que aparecia no contrato com o banco no que Brett tinha aberto a conta era
falsa.
- É uma falsificação muito grosseira, e os especialistas mal preci-saram uns minutos para chegar a essa conclusão - disse, satisfeito - Gilman se crê muito
pronto, mas falha estrondosamente nos pequenos detalhes.
- Que vai se passar? - perguntou Lily, ansiosa.
- Não quero que penses nem um minuto nele - disse Rauf - Confia em mim. - Asseguro-te que nunca mais vai estar em condi-ções de fazer dano a ti nem a tua
família.
Quando só faltavam dois dias para o casamento, Rauf teve que se ausentar para resolver uns problemas que tinham surgido num de seus jornais. Lily começava a sentir-se
cansada depois de tantos dias de tensão e bagunça e consciente de que seus parentes iam chegar no dia seguinte, decidiu não assistir a um jantar à que tinha sido
convidada junto com o resto da família de Rauf para retirar-se a dormir antes da hora habitual. Estava a ponto de fazê-lo quando uma donzela chamou à porta de sua
habitação para dizer que tinha uma visita.
Toda tarde durante aquela semana, acompanhada das matriarcas da família, Lily tinha recebido as visitas e os presentes de vários dos convidados que iam assistir
ao casamento. Naquela ocasião, sem o apoio da mãe de Rauf, que costumava sentir-se super feliz em seu papel de tradutora, só pôde rogar para que seu inoportuno
visitante falasse inglês.
Mas quando entrou na sala de estar, o sorriso de boas vindas que curvava seus lábios se desvaneceu no instante ao ver o homem loiro que se achava junto à chaminé.
Brett lhe dedicou um desagradável sorriso.
- Não te tinha dito que nos veríamos cedo?
- Lily ficou petrificada no lugar.

Capítulo 10.

O medo lhe apertou a garganta e fez que se pusesse a carne de galinha. No entanto, enquanto olhava a Brett, sem poder crer que tivesse corrido o risco de apresentar-se
ali, começou a notar as mudanças nele. Normalmente vestia muito bem, mas naqueles mo-mentos levava um traje totalmente enrugado, precisava barbear-se e seus olhos
azuis estavam injetados em sangue. Quando avançou ao interior da habitação também notou que cheirava a álcool e percebeu em seu rosto o desespero que tratava de
ocultar.
- Sei que todos os Kasabian estão fora, jantando - disse Brett com intenção de intimidá-la. - Vi todos saírem da casa e estou
seguro de que quererás manter esta pequena visita de cortesia.
- E por que ia querer fazer isso? - ainda que a voz de Lily surgiu débil, já estava superando seu velho e instintivo medo a Brett e começava a vê-lo com
os olhos de uma mulher, não com os de uma adolescente assustada. Ainda que a família estivesse fora, a porta estava entreaberta e sabia que lá fora teria um empregado
doméstico esperando receber a encomenda de levar um chá para a visita.
- Como pudeste pensar que seria tão tonto como para crer que Rauf Kasabian se tinha casado contigo um par de dias depois de tua chegada? - se burlou Brett
O casamento do ano não terá lugar até passado amanhã. - Li num dos jornais de Kasabian. Mas o casamento do ano não chegará a ter lugar se decidir começar a falar...
Apesar de saber que não tinha nada que temer dele e que Rauf e ela já estavam casados, Lily se estremeceu. - Queria chamar à polícia, mas não sabia como deixar só
a Brett sem acordar suas suspeitas.
- Ah, não? - perguntou ao mesmo tempo que levantava leve-mente o queixo e o olhava com gesto depreciativo -. Pois se não o sabes, comunico-te que já não
podes fazer-me dano.
- Estás segura? - disse ele em tom irônico - Deixa que te conte um segredo. - Os pagamentos que se deviam a Kasabian segundo o contrato que assinou teu pai
com ele nunca chegaram a realizar-se. Antes ou depois sairá à luz o sucedido e se desatará um inferno para Harris Travel. - Mas se o dizes agora a Rauf, tu também
terás graves problemas.
- Não creio - replicou Lily, sem mostrar-se afetada. Brett tratou de ocultar sua surpresa sorrindo malévolamente.
- Isso demonstra o estúpida que és, porque quando abri outra conta para desviar o dinheiro dos pagamentos pus teu nome nela. Se eu caio, te arrastarei comigo.
- Direi que tínhamos uma aventura e que foste meu cúmplice de princípio ao fim. - De maneira que mais vale que permaneças em silêncio até do que te tenhas casado...
- Vejo que segues com tuas velhas ameaças, mas, além de que não me afetam, já estou cansada delas - interrompeu Lily seca-mente - Já não estás tratando com
uma adolescente assustada.
- Mas tu sim tens que estar muito assustado para ter-te atrevido a vir aqui...
- Sobe ao andar de cima - disse outra conhecida voz masculina a suas costas - Eu me ocuparei disto.
Nos segundos que seguiram à entrada de Rauf na habitação, Brett sucumbiu ao pânico Lançou-se para Lily quando esta se voltou ao ouvir Rauf e lhe deu um violento
empurrão em seu esforço por atingir a porta. Rauf foi depois dele como um leão enfurecido, mas só conseguiu dar-lhe um forte golpe antes de dar-se conta de que
Lily tinha caído. A raiva que lhe tinha produzido que Gilman se tivesse atrevido a acercar-se a sua esposa foi superada pelo temor a que esta tivesse ficado ferida.
Aturdida pela queda, Lily se deixou levar nos braços até o sofá mais próximo.
- Estás bem? - perguntou ele, ansioso.
- E Brett?
O golpe da porta principal ao fechar-se respondeu a sua pergunta. Rauf grunhiu de frustração. - Voltei uns minutos depois de que ele chegasse e chamei à polícia
de imediato. Deveria ter-me ficado fora até que chegassem, mas não pude suportar ouvir como te ameaçava!
- Me alegra que se tenha ido - murmurou Lily. Pensando que a detenção de Gilman justo antes do casamento poderia atrapalhar as celebrações, Rauf
se limitou a seguir abraçando a Lily enquanto lamentava não ter podido dar-lhe algum murro mais.
- E me alegra tanto que não tenha tido uma briga - adicionou Lily.
Sem dizer nada, pois sabia que Lily se sentiria decepcionada se admitisse ante ela que sentia uma grande frustração por não ter podido destroçar com suas próprias
mãos àquele miserável, Rauf a levou nos braços a sua habitação e depois desceu para falar com a polícia.
A família de Lily chegou no dia seguinte pela tarde. Douglas Harris parecia mais animado do que fazia tempo, e as três sobrinhas de Lily não cabiam em si de entusiasmo.
Depois das necessárias apre-sentações, e depois de falar com seu pai, que não fez mais do que elogiar Rauf, Lily foi a outra habitação com Hilary para poder falar
em particular.
Sua irmã lhe deu um emocionado abraço e depois suspirou.
- Não te chamei porque tinha demasiadas coisas que te contar. Para começar, ouvi que Brett e minha antiga amiga Janice romperam.
- Oh... bem - disse Lily -. Parece-me justo.
- Ao que parece, Brett tratou de fazer algo ilegal com o acordo de divórcio com Janice e a polícia interveio. Corre o rumor de que estava gastando o dinheiro
no jogo.
- No jogo? - repetiu Lily, desconcertada. - Suponho que isso explica o que fez com todo o dinheiro que roubou de Harris Travel - disse Hilary, sem molestar-se
em ocultar seu ressentimento. Mas estou agradecida por duas coisas; a primeira, que Brett tenha sido um pai tão desastroso, porque assim as meninas não jogarão
demasiado de menos o que nunca tiveram, e a segunda, ter-me dado conta tão cedo de que o homem com o que me casei era um canalha.
Lily piscou ao ouvir aquilo. - Em sério? O sabias?
- Desafortunadamente, não tinha nem idéia de que ademais não se podia confiar nele com o dinheiro - concedeu Hilary com um pro-fundo suspiro. Mas justo antes
de que nascesse Joy descobri que saía com outras mulheres. - Mas para então papai já nos tinha cedido sua casa e tratei de salvar nosso casamento pelas meninas...
- Isso posso entendê-lo, mas, se já não o amavas, por que pa-recias tão afundada depois do divórcio?
- O que pior nessas circunstâncias é saber do que desper-diçaste vários anos de tua vida. Decidi centrar-me em ser uma boa mãe e fiz como se não me inteirasse
das aventuras de Brett. Mas se tivesse sabido o que realmente estava passando, se tivesse sabido que te estava ameaçando... Hilary moveu a cabeça com amargo pe-sar...
faz tempo que o teria esquartejado!
Lily não tinha planejado contar aquilo a sua irmã para não a desagradar, mas se alegrou de que já o soubesse.
- Como te inteiraste disso?
- Rauf me pôs…um dia, não te ocorra criticar ele por isso, porque sei que, se ele não me tivesse dito, nunca me teria inteirado! Depois disso, inteirar-me
de que a polícia turca o persegue não me surpreendeu nada. Se soubesse onde está, eu mesma o entregaria. Hilary respirou profundamente para conter seu enfado - Quero
que o julguem e o prendam. - Quando Rauf me contou que Brett teve o valor de apresentar-se aqui ontem à noite para tratar de pres-sionar-te me ferveu o sangue!
As irmãs seguiram falando um bom momento antes de que Lily per-guntasse a Hilary que pensava de Rauf.
- É incapaz de dissimular que te adora - disse Hilary, divertida - Por que pareces tão surpresa?
- Depois do rapidamente com que se casou contigo, suponho que isso já o saberás. Eu não podia crê-lo! Te adora. Lily esteve a ponto de mencionar que Rauf
se tinha dado tanta pressa em casar-se com ela numa tentativa de proteger sua reputação, mas Hilary parecia tão iludida com a idéia de um romance verdadeiro que
não quis decepcioná-la. Rauf era cálido terno, romântico e tudo o que ela sempre tinha acreditado que podia ser, mas nunca tinha men-cionado a palavra amor, e Lily
já era tão feliz que estava decidida a não permitir que aquilo a preocupasse.
Os preparativos para o casamento começaram ao amanhecer do dia seguinte. Lily foi levada ao hamam envolta num gordo sarong e, ro-deada de mulheres que não deixavam
de bater um papo anima-damente, submeteu-se com gosto a todo o processo da cerimônia e permitiu que uma mulher forte como um tanque a esfregasse de cima abaixo com
uma luva que parecia papel de lixa. Foi divertido e riu muito. Finalmente, seu cabelo foi submetido a um banho de camomila que o deixou tão suave e brilhante como
a seda.
Uma vez fora do hamam lhe fizeram a manicura antes de que outra mulher especializada nisso desenhasse uma elaborada figura com henna em sua mão direita.
- É para dar uma pequena satisfação a Nelispah - sussurrou a mãe de Rauf junto a seu ouvido, e a seguir lhe explicou que a velha dama se tinha sentido um
pouco decepcionada quando lhe tinham dito que Lily não ia entrar no salão do hotel em que se ia celebrar o casamento montado sobre um cavalo branco.
Um par de horas mais tarde Lily fez uma pirueta ante o espelho, perdidamente apaixonada de seu maravilhoso vestido de noiva. O singelo e tradicional desenho que
tinha escolhido era perfeito para o delicado tecido, que também fazia ressaltar o precioso colar de ouro que lhe tinha presenteado Rauf. Sob o vestido levava uma
une de cetim azul que lhe tinha presenteado Hilary... além da roupa interior mais sexy que se tinha posto em sua vida.
Saiu da casa dos Kasabian do braço de seu orgulhoso pai para subir a uma maravilhosa e antiga carruagem atirado por dois cavalos brancos. Mas, sem dúvida alguma,
o momento mágico daquele dia teve lugar quando entrou no opulento hotel em que ia celebrar-se o casamento e viu a Rauf esperando-a. A mirada de admiração que lhe
dedicou foi tão evidente que Lily se ruborizou enquanto pensava no atraente que estava ele com seu elegante traje escuro.
- Me deixas sem alento, güzelim - disse ele com voz rouca en-quanto soava a marcha nupcial e a conduzia para o salão com toda a família depois deles.
Uma vez concluída a cerimônia, e depois da extraordinária comida que se ofereceu aos convidados cortaram juntos o bolo de casa-mentos e ofereceram a seus parentes.
Depois, Rauf deu um apai-xonado beijo a Lily que fez que o coração desta batesse mais depressa.
- Não esperava isso - disse sem alento enquanto ele a conduzia à pista de baile.
- É perfeitamente aceitável em nosso casamento o cálido sor-riso de Rauf foi como um raio de sol para Lily. - Mas não te surpreendas se desapareço mais tarde.
Minha família tem que levar à noiva até a porta de minha casa e depois nos livraremos deles durante todo um mês...
- Mas eu adoro a tua família! - protestou Lily.
- Amanhã saímos de lua de mel em meu iate pára dedicamos a percorrer a costa - disse Rauf, satisfeito - E se nos cansamos disso podemos ir a qualquer lugar,
fazer qualquer coisa...
- Voltar a Sonngul, por exemplo - sugeriu Lily - Segue sendo meu lugar favorito no mundo.
Depois de despedir-se de sua família, que ia ficar uma semana na Turquia com a de Rauf, Lily foi acompanhada pelos familiares deste até a porta de sua casa em
Istambul.
- Foi um dia maravilhoso - disse, feliz, enquanto ele a levava nos braços ao interior.
- Ainda não terminou, - Rauf a deixou de pé num maravilhoso dormitório cheio de luz desde o que se divisavam as águas do es-treito de Bósforo - Sabes que
nunca disse a uma mulher que a amo, e inclusive hoje me sento envergonhado de dizer a ti?
- Envergonhado? - repetiu Lily, incrédula.
- Mas meu amor é teu, e sempre o foi - proclamou Rauf, tenso.
- Sempre o foi... - repetiu Lily, hipnotizada pelo fato de ver Rauf esforçando-se em pronunciar umas palavras que tanto lhe custavam, mal capaz de pensar
no que lhe estava dizendo.
- Aos dezenove anos acreditei está apaixonado de Kasmet, mas não soube o que era o verdadeiro amor até que te conheci. Ela só feriu meu orgulho e me deu uma
desculpa para proclamar a partir de então que o casamento não era para mim - murmurou ele, sério - Ainda me faz ferver o sangue que te contasse todas aquelas ridí-culas
mentiras.
- Esquece. Só estava invejosa e queria estragar minha felicidade - disse Lily, bem mais interessada no que Rauf tinha ad-mitido fazia uns momentos.
- Faz três anos, quando nos conhecemos, eu era um tipo muito pronto, ou ao menos sério - Rauf fez uma careta de desagrado dirigida a si mesmo - Queria-te
em meus termos e, ainda que tu valias bem mais do que isso, meu habitual sucesso com as mulheres me tinha convertido num homem egoísta e arrogante. - Minha obs-tinada
crença em que nunca me casaria esteve a ponto de destruir nossa relação. Mas desta vez, quando voltamos a nos ver depois de três anos, estava ainda pior...
- A que te referes?
- Estava terrivelmente enciumado de Gilman. Pensava que esta-vas em Turquia só porque ele se tinha ido com outra mulher. Quando me dei conta de que eras
virgem, fiquei destroçado, mas os ciúmes estavam tão assentados em mim depois de três anos que comecei a suspeitar que, apesar de que não tinhas dormido com ele,
sim o tinhas amado. Os primeiros dias que estivemos juntos me comportei como se só me funcionasse um neurônio no cérebro.
Estavas com ciúmes de Brett...?
- Quando te ouvi falando por telefone com ele, sofri de novo a tortura de sentir-me traído.
- E apesar de tudo seguiste adiante com o casamento porque me amavas - deduziu Lily com imensa satisfação, pois Rauf tinha demonstrado que seu amor era o
suficientemente intenso como para superar qualquer obstáculo, incluindo seu orgulho.
- Faz três anos tratei de convencer-me de que meu amor por ti tinha morrido - confessou ele tenso - Mas agora sei com certeza que tu me amavas então e que
devo ter lhe feito muito dano...
- Isso é verdade concedeu Lily . De repente, foste embora e comecei a crer que só tinha imaginado
que tivéssemos compartilha- do algo valioso.
- Deduzi que o nosso relacionamento só tinha sido uma aventura mais para ti...
- Uma aventura mais? - repetiu Rauf, e riu com amargura - Passaram mais de seis meses antes de do que pudesse ver qualquer cabeleira loira pela rua sem do
que meu coração se pusesse a bater aceleradamente com a esperança de que fosses tu. Aquele ano trabalhei como um autêntico louco para deixar de pensar em ti a cada
instante.
- Nunca acreditei que pudesse existir um amor assim até que fiquei sem ti.
Lily não pôde evitar sentir-se ainda mais feliz ao inteirar-se do mau que tinha passado Rauf sem ela.
- E quando decidiste que seguias apaixonado de mim? per-guntou.
- Sempre intuí que meu amor por ti seguia oculto em meu interior, espreitando... - Rauf deixou escapar um profundo suspiro - Mas o mantive controlado até
que voltei a ver-te. - Então perdi a cabeça e comecei a tomar más decisões.
- Acreditei que me estava me vingando de ti quando te levei Sonngul, mas, na realidade, o único que estava fazendo era pro-curar desculpas para estar contigo.
Não me dei conta do que estava fazendo até que foi demasiado tarde. Mas soube que te amava na cerimônia civil...
- E por que não o mencionaste? Por que esperaste até agora?
- Te tinha tratado de uma maneira infame, e me envergonhava disso. - Não te tinha valorizado como deveria tê-lo fato. Não me considerava com direito a falar-te
de amor. O único que consegui foi causar-te mais pesar, e isso é o que mais lamento.
- Eu mesma me ocupei disso - reconheceu Lily -. Não me animava a contar-te o que tinha tido que agüentar de Brett...
- Eu notava que me estavas ocultando algo. - Não se te dá muito bem dissimular - disse Rauf com suavidade - Quando soube que ti-nha um segredo, minhas
suspeitas sobre a natureza de tua relação com Brett se negaram a desaparecer. - No entanto, esfumaram-se quanto escutei a verdade.
Lily se ruborizou.
- A sinceridade tem suas compensações.
- Mas uma ambiente de suspicácia e desconfiança não alenta a sinceridade Rauf a olhou com expressão tensa. - O único que quero perguntar-te agora é se crês
que algum dia poderás voltar a me amar.
Lily o olhou um longo momento antes de contestar. Não queria soltá-lo do anzol com tanta rapidez.
- Tudo é possível contestou .
- Meu amor é o suficientemente intenso como pára compen-samos a ambos, güzelim.
- Estou começando a crer que isso é verdade - Lily se acercou a Rauf até ficar a escassos centímetros dele, e o olhou aos olhos - Mas, por sorte para ambos,
eu também não fui capaz de superar o que sentia... e sigo perdidamente apaixonada por ti.
De imediato, Rauf a estreitou entre seus braços sem mostrar a mínima contenção.
- Não terás dito isso só para comprazer-me, não?
- Não sou dessa classe - disse Lily, divertida ante aquela sugestão. - Quero-te tanto como se pode querer e nunca conheci a ninguém que me tenha feito sentir
o mesmo que tu.
- Deve ter um montão de perdedores por aí, porque também não pode dizer-se que o que fiz seja precisamente digno de admi-ração - murmurou Rauf, e a seguir
reclamou a boca de Lily com paixão.
As coisas avançaram com grande rapidez a partir daquele momento. As cortinas se fecharam, as roupas caíram sem nenhuma cerimônia e os noivos caíram entre os lençóis
da cama conjugal para ressarcir-se pelas dez noites que tinham tido que dormir separados.
- Passei cada noite desta semana caminhando de um lado a outro da habitação... te jogava tanto de menos! - confessou Rauf.
Entre beijo e beijo, Lily acolheu em seu interior para sempre aquele sentimento de segurança e se deleitou com a faminta ternura de Rauf e a incrível felicidade
que refletiam seus olhos. Teve uma nova dimensão em sua forma de fazer amor, uma maravilhosa e satisfeita intimidade depois, enquanto permaneciam calidamente abraçados.
- Creio que já sei por que não me tinha apaixonado antes - murmurou Rauf - Uma espécie de percepção teve de advertir-me de que provavelmente ia ser uma experiência
embaraçosa na que ia pôr a prova minha humildade...
Lily sorriu.
- Mas eu sou tua recompensa... e reconheçamos - a humildade não é precisamente uno dos traços mais fortes de teu caráter caçoou, confiada -. Quero-te
ainda mais por ser tu mesmo.
- Com defeitos e tudo?
Lily assentiu.
Um sorriso radiante curvou os lábios de Rauf.
- És o melhor do que me passou na vida... Quero-te mais do que a tudo no mundo.
Vinte meses depois, em Sonngul, Lily deixou seu filho Themsi de quatro meses no berço.
Themsi acabava de começar a dormir mais ou menos seguido, e Lily sorriu ao recordara Rauf saltando ainda mais rapidamente do que ela da cama para ir junto a ele
quando chorava.
Mal podia crer que já levava um ano e oito meses casada. O tempo tinha voado porque nunca tinha sido mais feliz em sua vida. No entanto, quando Rauf e ela voltaram
de sua lua de mel ficaram desconcertado ao inteirar-se da repentina morte de Brett Gilman num acidente de carro. Ao que parece, quando sucedeu estava bêbado.
Apesar de tudo o sucedido, Hilary não pôde evitar sentir-se desolada ao inteirar-se de sua morte. Suas filhas tinham visto tão pouco a seu irresponsável pai depois
do divórcio que superaram seu pesar num tempo relativamente curto. Rauf tratou de persuadir a Hilary para que lhe permitisse comprar-lhe uma casa maior, mas
ela se negou. Tinha trabalhado muito para manter a bóie a agência de viagens e queria que o resultado de seu esforço se visse refle-tido na compra de uma nova
casa à que ir viver com suas filhas e seu pai.
Lily voltou a cabeça ao ouvir que se abria a porta do dormitório. Rauf entrou com a jaqueta no ombro e a gravata já afrouxada. Seus olhos brilharam enquanto se
detinham no vestido de noite cor água marinha que Lily tinha posto.
- Estás deslumbrante.
- É muito fácil impressionar-te - caçoou Lily.
- Nada disso. Quanto mais te olho, mais convicto estou de mi-nha sorte - disse Rauf enquanto entrava na habitação contígua, onde Themsi dormia sempre que estavam
em Sonngul. Praticamente o estamos vendo crescer - disse orgulhoso - Vai ser tão alto como eu.
Lily o olhou desde o umbral da porta e riu alegremente.
Rauf se voltou a olhá-la.
- De que estais rindo?
- Duvido que Themsi tenha crescido muito desde que te foste esta manhã.
Rauf se acercou a ela e a rodeou pela cintura com os braços.
- Pode ser que sim o tenha feito - disse, renitente, enquanto avançava com ela para a cama. - Mas suponho que não é muito provável - concedeu.
Ela se deixou cair na cama e atirou dele para que a acompanhasse.
- Odeio ter que deixar Themsi e a ti quando estou aqui - disse Rauf com voz ligeiramente rouca - Decidi que vou instalar um escri-tório mais completo para
poder atender todos os assuntos aqui.
- Me parece uma grande idéia.
Um devastador sorriso curvou nos lábios de Rauf.
- Tenho meus momentos, güzelim.
Lily lhe dedicou um sorriso travesso. - Quase todos os dias... sussurrou -. Por que crês que te quero tanto?
Rauf sorriu e lhe dedicou um olhar perdidamente apaixonada.
- Eu te adoro, e sabes disso.
Por suposto que Lily sabia que era amada, mas se sentia espe-cialmente bem porque a confiança e a segurança se tinham somado a sua felicidade. Procurou a boca de
Rauf com seus lábios e se rendeu ao prazer de seu mútuo amor.

FIM

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