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sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

Adolecência e autonomia - O desenvolvimento psicologico e a relação com os pais

ADOLESCÊNCIA E AUTONOMIA, O desenvolvimento psicológico e a relação com os pais
MANUELA FLEMING


Para os meus filhos, Pedro e João

SUMÁRIO

PREFÁCIO, por Carlos Amaral Dias .............................................................................. 11

PREFÁCIO, por Eurico Figueiredo ................................................................................. 13 PREÂMBULO ...........................

..................................................................................... 15

INTRODUÇÃO Autonomia: a questão crucial do desenvolvimento adolescente ..................................... 19

PARTE 1 A ADOLESCÊNCIA E O PROCESSO DE AUTONOMIA

CAPITULO PRIMEIRO Mecanismos e contradições da socialização ................................................................ 31

CAPITULO SEGUNDO Teorias sobre a adolescência ........................................................................................ 41

1. Perspectiva Psicanalítica e Psicodinâmica .................................................... 41
2. Perspectiva Interaccional .............................................................................. 59
3. Perspectiva Social-Cognitiva ........................................................................ 77
4. Perspectiva Etológica e Sociológica ............................................................. 95

CAPITULO TERCEIRO A autonomia adolescente e a família ........................................................................... 99

1 . A influência da cultura ....................................... ........................................... 101
2. Família e classe social ................................................................................... 103
3. As atitudes dos pais ....................................................................................... 107
4. Conflitos entre pais e adolescentes ............................................................... 113
5. Interacções familiares ................................................................................... 123
6. A saída de casa dos jovens adultos ............................................................... 125
7. A idade e o sexo do adolescente ................................................................... 134

CAPITULO QUARTO Como os adolescentes percepcionam as atitudes dos pais ........................................ 143

1. A importância das percepções das atitudes dos pais para o desenvolvi-

mento psicológico da criança e do adolescente ............................................ 145
2. As percepções das atitudes dos pais e a relação pais-filhos .......................... 152

PARTE 11 OS "VERDES ANOS" EM PORTUGAL: PROCESSO DE AUTONOMIA, TRANSFORMAÇÕES NOS ADOLESCENTES E VÍNCULO AOS PAIS

CAPITULO PRIMEIRO Autonomia e atitudes parentais: apresentação duma investigação .......................... 159

1. Os objectivos da investigação ....................................................................... 161
2. Hipóteses .......................................................................................... ............. 163
3. Estratégia da investigação e Metodologia .................................................... 165

CAPITULO SEGUNDO Do desejo de mudar à capacidade de ser grande: resultados da investigação e conclusões .......................................................................

............................................ 171

1 . O significado da autonomia para o adolescente.... ........................................ 173
2. Do desejo de autonomia ao comportamento autónomo ................................ 177
3. Desobediência e submissão aos pais ............................................................. 201
4. Os sinais de mudança .................................................................................... 209
5. As dimensões da autonomia comportamental ................................... ........... 216
6. Autonomia, ligação afectiva aos pais e práticas educativas ........ ................. 221

PARTE 111 ADOLESCÊNCIA, AUTONOMIA E RELAÇÃO FAMILIAR: CONTRIBUIÇõES PARA A PSICOLOGIA DA ADOLESCÊNCIA

CAPITULO PRIMEIRO Processo de autonomia e desenvolvimento psicológico, no rapaz e na rapariga ................................................................................

................................. 235
CAPITULO SEGUNDO Para um modelo de compreensão da adolescência .................................................... 249 BIBLIOGRAFIA
............................................................................................................ 255

ANEXOS ......................................................................................................................... 271

PREFÁCIO

O presente livro de Manuela Fleming constitui obra de raro mérito no panorama científico e psicológico nacional.

Tendo como pano de fundo o processo adolescencial, e como suporte uma impecável e rigorosa investigação empírica, a obra que tenho a honra de prefaciar levanta questões
clínicas, preventivas e profilácticas cruciais em relação ao seu objecto de estudo.

Vários são os méritos do trabalho agora dado a público, para além dos já referidos:

- uma notável revisão bibliográfica, aonde com grande originalidade, se

"casam" os modelos sistémico e psicodinâmico.
- um questionamento fundamentado do que é realmente o processo adolescencial, aonde os saberes mais tradicionais e dados como aceites na literatura científica são
submetidos a uma crítica lúcida e rigorosa.
- uma recolocação outra, no plano epistémico, da questão das autonomias comportamentais no adolescente.

O livro Adolescência e Autonomia tem por base a Dissertação de Doutoramento em Psicologia Médica que a Professora Manuela Fleming apresentou no Instituto de Ciências
Biomédicas Abel Salazar da Universidade do Porto. Na altura tive ocasião de salientar a invulgar qualidade do trabalho e

a sua extrema importância para o enquadramento de novas investigações.

As questões então discutidas, e que pertinentemente são aqui colocadas,

12 Adolescência e autonomia

obrigam o leitor a repensar o lugar da família, do jovem e do grupo de iguais nessa por vezes dolorosa e árdua tarefa de crescer.

As dimensões do relacionar intrafamiliar, a partir das percepções das atitudes parentais pelo adolescente, são "julgadas" a partir do seu valor comportamental, ou
seja pela incidência que têm ou não nos processos autonómicos juvenis. E é aí que, por exemplo, as dimensões de amor ou hostilidade, de algum modo ainda mitificadas
pelo fundo ideológico aonde excessivamente são plantadas pelo discurso público (e para o público), nos aparecem como dinâmicas, isto é vinculadas às vicissitudes
singulares do sujeito em mudança.

É aí ainda que as ressonâncias etológicas da obra de Manuela Fleming nos remetem para a unidade primordial imanente à espécie, aonde o

biológico sustém a fantasia e aonde a fantasia emerge como "consequência" epigenética; a turbulência espiralada aonde o jovem exprime as suas

vicissitudes autonómicas, não abandona finalmente o potencial biológico, sem

que a estas pré-concepções não tenham de corresponder os modelos parentais, no caminho da consolidação dos objectos internos, recriados na infância.

A ênfase posta por Manuela Fleming no processo autonómico, verdadeira mudança catastrófica desenvolvimental, é um desafio aos nossos tradicionais modelos de pensar.
É aliás esta a riqueza da obra. Inteligente e elegante, pertinente e subvertora, nela se notam as invulgares capacidades da sua

autora e a rara preparação que neste nível possui. Psicóloga, conhecedora afinada das intervenções familiares, psicoterapeuta e detentora de uma sólida formação
psicanalítica, a Professora Manuela Fleming permite-nos com este

livro ir mais além na compreensão de um período etário aonde se joga o

futuro do homem singular e social.

O leitor terá com certeza, chegado ao fim do livro, com um sentimento que nos foi comum: o de sabermos mais alguma coisa, mas também alguma coisa mais sobre nós
mesmos.

Carlos Amaral Dias

PREFÁCIO

O livro para o qual a Professora Manuela Fleming teve a amabilidade de nos solicitar um prefácio, Adolescência e Autonomia, ver-

são de Dissertação do Doutoramento, é um trabalho a todos os títulos notável. É a realização mais importante na área, que durante a

década de oitenta a autora trabalhou com determinação e inteligência, alicerçada numa vasta cultura em Psicologia do Desenvolvimento e numa sólida experiência clínica
na psicoterapia do adolescente e na

terapia familiar.

O estudo da adolescência e família foi durante a década de oitenta o mais importante domínio de investigação do Departamento de Ciências do Comportamento do Instituto
de Ciências Biomédicas de Abel Salazar, Universidade do Porto.

O estado de deterioração em que se encontra a Universidade Pública, a dificuldade que tivemos em criar serviços clínicos autónomos, o desinteresse vigente pela investigação
nas Ciências Humanas não permitiu que prosseguíssemos com projectos onde confluíam disponibilidades de vulto com os Professores Amaral Dias, Celeste Malpique, Júlio
Machado Vaz e obviamente Manuela Fleming.

Numa época em que tudo se perde e nada se transforma fica, todavia, como marco mais significativo da década que passou e de que só podemos ter saudades, o magnífico
livro da autoria da Professora Manuela Fleming.

14 Adolescência e autonomia

Honra lhe seja feita por não ter desistido de investigar e lutar por melhores dias numa universidade em degradação quando nós próprios desertamos para outras áreas
de intervenção procurando aí propiciar as mudanças indispensáveis para a sociedade portuguesa.

Eurico Figueiredo

PREâMBULO

Escrever um livro sobre a adolescência revelou-se-nos um desafio a que não podíamos deixar de responder.

Porque a literatura de síntese é escassa e urge a laboriosa tarefa da sistematização dos conhecimentos produzidos, porque ele se inscreve num já longo percurso pessoal
de interesse pela adolescência, quer como investigadora quer como psicoterapeuta de adolescentes.

Vimos chegado agora o tempo do laborioso mas fascinante trabalho da escrita, escrita feita neste caso num jeito muito feminino de "corte e costura" já que o essencial
do trabalho consiste agora em resumir, aligeirar, seleccionar, reescrever a Dissertação de Doutoramento e outros trabalhos que sendo de natureza académica têm muitas
vezes e infelizmente aquele travo maçudo da linguagem conceptual, em código incómodo para o leitor comum.

Escolhemos como vertex a partir do qual lançar o nosso olhar e interrogação sobre a adolescência o vertex da autonomia, temática apaixonante e de grande pertinência
científica.

Com efeito, apesar da notável variabilidade intercultural do comportamento adolescente (Mead, 1970) e da larga disparidade que existe na conceptualização da adolescência,
as várias abordagens convergem num ponto comum: a autonomia, ou noutros termos, a separação de pais e adolescentes, é a tarefa desenvolvimental mais importante da
adolescência.

Interessa portanto que, quer como estudiosos da adolescência, quer como pais ou educadores em geral, nos debrucemos sobre ela.

16 Adolescência e autonomia

Pretendemos com esta obra tratar cientificamente um processo que reconhecemos de importância básica para a compreensão da transição adolescente: o processo de individuação
e separação entre pais e adolescentes.

Com efeito, e isto parece-nos importante dizê-lo, desde já, concebemos o

processo de autonomização adolescente como um processo em estreita interdependência com a individuação e como tal integrado num processo que se inicia na infância
precoce. Concebemos o processo de individuação como um

desenvolvimento universal, como um princípio organizador fundamental do crescimento humano. A individuação processa-se ao longo do ciclo de vida do ser humano, conhecendo
no entanto períodos de maior intensidade. Um desses períodos é a adolescência, quando o ser humano sente a necessidade de se tornar capaz de viver com maior autonomia.
Nesta fase do ciclo de vida a necessidade de se separar psicologicamente dos pais intensifica-se, assim como, noutras fases, essa necessidade poderá ser sentida
face_ a outras figuras significativas.

Por outras palavras e servindo-nos do pensamento fecundo do psicanalista João dos Santos, a adolescência " introduz um novo equilíbrio nos conflitos que resultam
de primitivos processos de vinculação, identificação, separação e reaproximação dos pais. O percurso evolutivo permite compreender melhor como pais e filhos persistem
ligados pela necessidade de manter e de superar a ligação" (cit. in Figueiredo, 1985a, p. 10).

Se a individuação é um processo intrapsíquico ele pode no entanto ser inferido a partir das manifestações desenvolvimentais observáveis, tal como

Maliler e seus colaboradores fizeram para estudar o Processo de Separação e Individuação nos primeiros três anos de vida.

O trabalho de investigação científica que temos vindo a realizar ao longo dos últimos anos numa grande amostra de adolescentes portugueses permitiu-nos estudar algumas
dessas manifestações desenvolvimentais, que designámos por comportamentos de autonomia. Entre outras questões, estudámos a

relação entre o processo de autonomia e as atitudes dos pais em duas dimensões do parenting: o afecto e as práticas educativas, duas vertentes basilares do processo
de separação e de individuação.

Os resultados encontrados e as conclusões a que chegámos nesse trabalho

Preâmbulo 17

farão também objecto desta obra e terão lugar destacado. Eles fundamentam o modelo de compreensão da adolescência que proponho a finalizar o livro.

Tivemos como preocupação, quer na concepção deste livro quer na discussão dos resultados da nossa investigação, conseguir não só uma compreensão das questões em
estudo como também integrar tanto quanto possível a dimensão individual com a dimensão familiar/parental. Partimos da assunção básica de que os quadros de referência
primordiais para a compreensão da autonomia adolescente são o individual e o familiar: por um lado os esforços do adolescente para se individuar e autonomizar, por
outro lado, mas de forma interdependente, o sistema familiar enquanto quadro social e emocional através do qual e em relação ao qual a individuação e a separação
ocorre e decorre.

Queremos deixar claro que embora o nosso trabalho de investigação não tenha abarcado, empiricamente falando, o contexto social e mais especificamente o quadro de
referência dos amigos e pares de idade, ele estará presente, ao longo desta obra, na nossa reflexão. Com efeito, concebemos as

relações de amizade como peças fundamentais na matriz relacional onde operam os mecanismos de vinculação e de separação.

A perspectiva em que nos situamos é a de que as relações com os pais e as relações com os pares e amigos têm dinâmicas específicas não se substituindo, e contribuindo
ambas para o desenvolvimento adolescente.

É nosso desejo que os leitores encontrem neste livro não só material abundante para estudo e reflexão, como ainda uma referência útil para o seu trabalho, quer como
estudante, quer como pai, quer como profissional.

Terminado o livro ele nasce para uma outra realidade... Espero que conquiste a sua própria autonomia e se constitua em desafio para novas produções.

Não esqueço os adolescentes que tão generosamente se dispuseram a

colaborar no trabalho de investigação, as Escolas Preparatórias e Secundárias do Concelho de Matosinhos e todas as pessoas que me ajudaram a torná-lo possível...

Manuela Fleming

INTRODUÇÃO . .

AUTONOMIA: QUESTÃO CRUCIAL

4TE DO DESENVOLVIMENTO ADOLESCEN

1. As crianças e os adolescentes tornaram-se progressivamente, no

decorrer dos séculos XIX e XX, objecto de uma solicitude e de uma atenção apaixonada, no seio da família e fora dela: na arte, na literatura, na ciência...

Segundo Ariès (1980), "a partir do século VIII, a afectividade retirou-se

das praias em que vagabundeava, acumulou-se na lagoa familiar criando assim um meio fechado de alta densidade sentimental" (op. cit., p. 226). Por outro lado, a
adolescência, antes etapa transitória curta e palco de rituais iniciáticos facilitadores da separação da família de origem e da aquisição rápida do novo status de
adulto, transformou-se, nas sociedades industrializadas do Ocidente, numa fase longa do ciclo de vida.

Após um longo período de imaturidade, dependência e protecção, o filho

do Homem, conhece, num curto período de tempo, um surto rápido de crescimento - a puberdade - que pelas mudanças biológicas, fisiológicas, cognitivas e outras, o
prepara finalmente para a autonomia. No entanto, uma longa moratória o aguarda antes do reconhecimento do seu status de adulto.

Prolongada a permanência no seio da família, o processo de transição da dependência para a autonomia transforma-se não só numa etapa longa do ciclo da vida como
numa etapa de alta "densidade sentimental" e densa

conflitualidade psicológica específica, adiando a separação física dos pais a saída de casa.

A transição de um estado de dependência e vulnerabilidade para um outro

de autogoverno, é um padrão comum a todas as culturas, mas as caracterís-

22 Adolescência e autonomia

ticas e vicissitudes da transição estão na dependência de um grande número de factores de ordem individual, familiar e social.

Nas civilizações ocidentais contemporâneas, que elegeram como um

valor essencial a independência do indivíduo, o seu direito a uma identidade pessoal, livre e autónoma, a separação dos jovens das suas famílias de origem é culturalmente
encorajada. Porém, e contraditoriamente, se a separação é encorajada, a disjunção entre a capacidade procriativa e a capacidade sócio-económica tem-se acentuado;
por outro lado, espera-se também que permaneçam fortes laços familiares e obrigações mútuas entre pais e filhos ao longo de toda a vida.

Estes e outros factores condicionam o evolutivo adolescente e reforçam o

carácter paradoxal que o processo adolescente já contém: o adolescente, que até aí foi amplamente gratificado pelas experiências vividas com os seus pais, aparece
com um desejo contraditório de se separar dos seus pais desejados. O paradoxo gera tensão e mudança: os dois pólos entre os quais a mudança ocorre são as gratificações
e as limitações da dependência infantil e as gratificações que a autonomia proporciona. O principal cenário onde a mudança ocorre é o cenário familiar, envolvendo
país e filhos numa teia complexa onde a problemática psicológica de ambas as partes, porque ambas a protagonizam, se sobrepõe e se emaranha.

2. Este paradoxo requer clarificação e uma nova área de estudo, que vai merecer a atenção das diversas ciências. A observação e a investigação sistemática da adolescência
na Psicologia e ciências afins inicia-se com Stanley Hall (1904). Desde então, a produção científica nesta área cresceu e alargou-se a muitas perspectivas e o leque
de observações, estudos empíricos, teorias explicativas é actualmente vasto, discrepante, polémico e até contraditório, mas sempre rico em novas produções.

3. Duma forma mais directa ou indirecta, explícita ou implícita, a autonomia, porque ligada ao processo de individuação e de separação e à formação da identidade,
encontra-se no âmago da reflexão sobre a adolescência,

Introdução - autonomia: a questão crucial do desenvolvimento adolescente 23

e a investigação sobre a autonomia tem-se revelado contínua e sistemática ao longo dos anos (Steinberg, 1987).

Porém e curiosamente o corpus de investigação permanece largamente ateórico e não-cumulativo (Hili & Holmbeck, 1986). Uma das razões apontadas prende-se com o problema
da definição e operacionalização do conceito de autonomia. Outra das razões prende-se com o facto de existirem diferentes conceptualizações teóricas dos mesmos aspectos,
tomando difícil derivar hipóteses claras e consistentes, pelo que as conceptualizações predominantes não se têm mostrado muito produtivas e úteis (Hill & Holmbeck,
1986, Steinberg & Silverberg, 1986).

Actualmente, verifica-se uni interesse acrescido pelos estudos sobre a

autonomia e as questões relativas à autonomia e à vinculação (attachrnent) são consideradas centrais para a compreensão da adolescência, quer na perspectiva individual
quer interaccional.

Com efeito, segundo afirmam Sabatelli & Mazor (1985), "os conceitos de individuação e de diferenciação sã o objecto dum interesse crescente nos últimos anos na literatura
sobre o desenvolvimento individual e sobre o sistema familiar" (op. cit., p. 619).

Os estudos nesta área integram-se, segundo a leitura que fazemos da bibliografia disponível, numa linha de investigação que se inicia com McDill (1930, in Dimock,
1937) sobre a emancipação e depois com Murphey et al. (1963), que estudam a questão da autonomia e da proximidade aos pais.

Esta linha de investigação nunca foi abandonada, No entanto, na maior parte dos casos, essas questões - a questão da autonomia e a questão da vinculação aos pais
- foram tratadas separadamente, procurando-se encontrar efeitos, relações de cada uma delas com aspectos individuais, familiares, sociais e outros. Muitas vezes
também a investigação empírica decorreu alheada da teoria não se enriquecendo dialecticamente. Um exemplo ilustrativo desta situação é formulado por Hill & Holmbeck
(1986) do seguinte modo: "A principal questão desenvolvimental posta por Blos e por outros autores nunca foi estudada, isto é, se sim ou não as transformações nos
vínculos aos pais conduzem a mudança intra-individual na autonomia" (op. cit., p. 182),

24 Adolescência e autonomia

Estes autores, marcos de referência obrigatórios nesta área de investigação, actualmente em incremento nos E.U.A., afirmam concretamente o seguinte: "Os estudos
das inter-relações entre a vinculação e a autonomia adolescente trarão contribuições especialmente significativas para o nosso

conhecimento na medida em que eles incidem simultaneamente sobre as transformações na vinculação e sobre as mudanças nos processos de auto-regulação dentro e fora
do contexto familiar" (op. cit., p. 181).

4. É dentro dessa grande área de investigação e de preocupação teórica que situamos o nosso trabalho.

O estudo que iremos apresentar na Parte 11 do livro debruça-se sobre uma

dimensão da autonomia adolescente, a autonomia comportamental, e procura contribuir para o aprofundamento do conhecimento, quer dos aspectos evolutivos, quer da
inter-relação que prevemos existir entre a autonomia comportamental e a relação pais-adolescentes.

No nosso trabalho, nós decidimos estudar a autonomia comportamental, conceito que fomos buscar a Douvan & Adelson (1966), que a definem como a capacidade de fazer
tarefas por si próprio, de tomar decisões evidenciando um sentido de auto-orientação.

A nossa opção prende-se com alguns considerandos:
- Douvan & Adelson (1966) trouxeram para o campo da adolescência uma discussão teórica sobre a natureza multidimensional da autonomia e diferenciaram três tipos
de autonomia: emocional, comportamental e de valores. A primeira refere-se ao abandono dos laços infantis aos pais, a autonomia comportamental refere-se, como dissemos,
ao comportamento e à decisão autónomos, e a autonomia de valores refere-se à capacidade de manejar com uma visão própria, sendo os valores aceites somente após sérias
considerações de alternativas.

- Ora, apesar da autonomia comportamental ter sido identificada como

uma dimensão basilar, tão importante como a autonomia emocional e a autonomia de valores e de Douvan & Adelson (1966) terem afirmado que as actividades comportamentais
dos adolescentes são marcos altamente salientes da

Introdução - autonomia: a questão crucial do desenvolvimento adolescente 25

transição da infância para a adultícia, a autonomia comportamental não tem merecido tanta atenção por parte dos investigadores como as duas últimas. Curiosamente,
apesar de ser uma assunção comummente aceite pelos adultos que existem diferenciais significativos na quantidade e qualidade de autonomia comportamental esperada
e desejada durante a adolescência, esses comportamentos raramente foram examinados empiricamente.

Por outro lado, a importância de estudar este aspecto da autonomia tem vindo a ser afirmada ultimamente por alguns autores de orientação interaccional, que afirmam
que lhe deve ser dada uma alta prioridade na investigação, e

por autores de orientação psicodinâmica. Destes, Hill & Holmbeck (1986) e

Steinberg (1987) em artigos de balanço, apontam não só para a necessidade de proceder a estudos sobre a " ligação/vinculação e sobre a autonomia/independência",
mas também a estudos sobre os "aspectos comportamentais da relação entre pais e filhos que se desenrolam no dia-a-dia" (Steinberg, 1987, p. 193). É nesta linha aliás,
da interface comportamental entre filhos adolescentes e pais, que se desenvolve actualmente, nos E.U.A., a investigação de várias equipas sobre a adolescência, cujos
investigadores seniores são Montemayor, HilI, Hauser, Grotevam, Yotmiss, entre outros.

Por estas razões, e de acordo ainda com Steinberg (1985), para quem "os

realinhamentos normativos" da adolescência são cognitivos, afectivos e

comportamentais, pensamos ser necessário trazer para esta área a dimensão da autonomia menos conhecida: a dimensão da autonomia comportamental, tal como ela é percepcionado
no dia-a-dia, na relação com os pais e com os pares.

Com efeito, o envolvimento em certas actividades tende a ser mais visível do que outros indicadores mais subtis da relação e o reportório comportamental que acompanha
o evolutivo adolescente, embora nem sempre explicitado, tem lugar proeminente em todos os paradigmas teóricos que se constituíram em tomo da autonomia adolescente.

5. Algumas problemáticas, que apresentaremos na Parte 1, se confrontam actualmente nesta área da Psicologia do Desenvolvimento e é nesses contextos que basicamente
o problema da autonomia tem sido discutido.

26 Adolescência e autonomia

Resumidamente, e para situarmos @penas algumas linhas de força, desde já diríamos que: segundo o paradigma de orientação "etológico-analítico" de Bowlby, prevê-se
que a autonomização não se traduza por uma quebra de laços afectivos aos pais segundo o paradigma de orientação mais empírica, a

predição é que a autonomização se faça num quadro de relações calorosas e

não-conflituais com os pais.

Pela nossa parte, o nosso trabalho como investigadora constitui-se como

uma tentativa de responder ao desafio lançado por Hill & Holmbeck (1986), que o formularam nestes termos: "Estudos sobre a mudança são aquilo que precisamos e nos
dois lados: o do vínculo e o da autonomia" (op. cit., p.
182).

PARTE I

A ADOLESCêNCiA E O PROCESSO DE AUTONOMIA


INTRODUÇÃO

Começaremos, nesta Parte 1, por situar a problemática da adolescência no
contexto sócio-histórico das sociedades ocidentais e tentaremos equacionar algumas contradições na socialização da autonomia, durante o período adolescente.

Nos capítulos seguintes discutiremos as perspectivas mais representativas, a partir das quais tem sido teorizada e investigada a adolescência: a Perspectiva Psicanalítica
e Psicodinâmica, a Perspectiva Interaccional, a Perspectiva Social-Cognitiva, e outras perspectivas, nomeadamente a Etológica e a Sociológica.

No final da Parte 1, abordaremos especificamente a questão da autonomia do adolescente no contexto das relações com os pais e das interacções familiares, alargando
a problemática aos jovens adultos. Neste capítulo procederemos a uma extensa revisão da literatura e daremos conta das mais importantes e actualizadas conclusões
a que os estudos de investigação empírica têm conduzido.

CAPITULO PRIMEIRO

MECANISMOS E CONTRADIÇõES DA SOCIALIZAÇÃO

Entendemos a autonomia como uma tarefa desenvolvimental iniciada desde cedo na infância do Homem e conhecendo a partir daí períodos de intenso crescimento. Um desses
períodos é a adolescência (do latim adolescere que significa crescer) e é para dentro desse período do ciclo vital que iremos dirigir a nossa reflexão.

A passagem de um estado simbiótico com a mãe na infância precoce (Mahler, 1968) para um estado de diferenciação e de autonomia pode ser

considerada uma invariante no crescimento humano; porém, as condições em

que essa passagem se processa conhece uma grande variabilidade consoante os diversos contextos em que decorre.

Nenhuma sociedade pode funcionar efectivamente, ou perdurar, se cada um dos seus membros não funcionar competentemente por si mesmo, se não contribuir com a sua
parte pessoal para a sobrevivência. Por outras palavras, todas as sociedades esperam que os seus membros adultos sejam auto-suficientes em determinado grau e esperam
que os seus membros jovens se

tomem mais autónomos (ou mais auto-suficientes) durante o período do seu

maior crescimento, desenvolvimento e socialização.

Todas as sociedades esperam portanto que um certo grau de autonomia e

de responsabilidade social seja atingido após a adolescência dos seus membros. A "quantidade e qualidade" de autonomia requerida difere, de acordo com as expectativas
relativas aos esteriótipos dos papéis sexuais e de acordo ainda com o sistema de valores de cada sociedade.

As sociedades industrializadas ocidentais, quadrante em que nos englo-

34 Adolescência e autonomia

bamos como país e como realidade cultural, erigiram como um dos seus valores centrais a liberdade individual, a possibilidade de atingir um estatuto

de indivíduo autónomo, capaz de decidir sobre a sua própria vida. A terapeuta Vivian Rakoff (1978) afirma mesmo que "até muito recentemente a individuação, a independência,
e o direito de dar prossecução a uma identidade pessoal têm sido percebidas como expressões do maior bem-estar social. Esta tem sido a ideologia essencial do século
vinte" (op. cit., p. 119).

No entanto, as sociedades ocidentais diferem na forma como preparam as suas crianças e adolescentes para a autonomia e, dentro de cada sociedade, os valores erigidos
pelas diferentes classes sociais moldam diferentes expectativas relativas à autonomia do adolescente.

A ARTE DE CRIAR...

A arte de criar e transformar em homem ou mulher o bebé humano não é contudo fácil. A antropóloga Ruth Benedict (1938) afirma mesmo que "a natureza dispôs a situação
dramaticamente: num lado, o novo recém-nascido, fisiologicamente vulnerável, incapaz de singrar por si próprio ou de participar por sua própria iniciativa na vida
do grupo, no outro lado, o homem ou a mulher adultos" (op. cit., p. 161). Acresce ainda que a nossa cultura enfatizou, muito mais do que outras, os contrastes entre
a criança e o adulto (criança assexuada /adulto apreciado pela sua virilidade; criança protegida dos aspectos feios da vida/ adulto enfrentando-os sem poder claudicar;
criança obedece/adulto comanda), o que a leva a considerar a existência de três grandes padrões de descontinuidade entre os papéis de adulto e de

criança: Estatuto responsável - Estatuto não-responsável; Domínio - Submissão; Papéis sexuais contrastantes.

Na sua opinião, estes três padrões de descontinuidade nos papéis esperados enquanto criança e mais tarde enquanto adulto (pai ou mãe), seriam em grande parte responsáveis
pelo stress e pela natureza tumultuosa (storn? and stress) da adolescência nas culturas ocidentais.

Mecanismos e contradições da socialização 35

Um outro padrão de descontinuidade que as sociedades industrializadas ocidentais conhecem actualmente é , segundo a antropóloga Margaret Mead (1970), o padrão pré-figurativo:
o fosso intergeracional criado pela impossibilidade da transmissão da herança cultural (transmissão do saber e da experiência dos pais para os filhos) devido à acelerada
mutação social (inovação tecnológica, novos recursos postos à disposição dos adolescentes não conhecidos na adolescência dos pais, etc.), o que coloca os adolescentes
perante novos desafios situacionais, transformando-os mais em "criadores de cultura" do que em herdeiros da cultura dos progenitores.

O CONFLITO DE GERAÇõES...

No entanto, esta visão não é partilhada por alguns historiadores que mimmizam a importância do "fosso intergeracional" e trazem uma outra perspectiva que nos parece
interessante contrastar com a anterior.

Segundo Gillis, um historiador que tratou a questão da juventude e da História na perspectiva da tradição e da mudança nas sociedades europeias: "Os membros jovens
de uma classe particular experienciam o mundo diferentemente da forma como os membros mais velhos o experienciam, mas

ambos partilham uma herança comum. A noção popular de "fosso geracional" ignora esta totalidade e deve ser usada só com grande precaução. Existem, é certo, diferentes
gerações [... 1 mas existe também uma enorme continuidade dentro duma classe, género, ou grupo étnico que liga as gerações numa visão e em comportamentos comuns
[ ... ]. Os jovens são tanto executores como herdeiros da tradição. Cada geração redefine as suas tradições de modo a dar resposta às suas necessidades particulares"
(Gillis, 1981, cit. in Youniss & Smollar, 1985, p. 173).

Também determinados mecanismos sociais podem afectar de modo contraditório o desenvolvimento da autonomia durante a adolescência.

Fasick (1984), um sociólogo canadiano, dá-nos um exemplo de como, na

sociedade norte-americana do vigésimo século, dois mecanismos sociais

36 Adolescência e autonomia

afectam de modo contraditório o desenvolvimento da autonomia adolescente: o sistema escolar e a economia de mercado em larga-escala. A contradição situa-se, segundo
o autor, no facto que a primeira contribui para o fomento e institucionalização da dependência no adolescente, o segundo pressiona para a capacidade dum funcionamento
autónomo e competitivo.

A contradição entre a pressão do mecanismo económico que põe muito peso na autonomia do jovem adulto e o sistema escolar que fomenta a dependência infantil representa
para o autor um padrão de descontinuidade no

condicionamento cultural de que fala Benedict (1938).

A cultura juvenil seria então na sua perspectiva, e de acordo com outros autores (Parsons, 1950, Burlingame, 1970, cit. in Fasick, 1984), uma invenção social do
século XX, que serve para tornar difuso o stress provocado pelas contradições dos mecanismos sociais: a pressão provinda da dependência em que é colocado o adolescente,
cuja estrutura de vida, quer na escola quer na família, é uma extensão da infância e da sua necessidade de atingir um sentido de autonomia. Segundo o autor, a integração
do adolescente na

cultura dos pares representa um difícil mas primeiro maior passo em direcção a uma vida autónoma, e o comportamento a área fundamental que mediatiza a autonomia:
"A arena dentro da qual os adolescentes afirmam a sua autonomia e realizam um estilo de vida distinto é no reino do comportamento -

não todo o comportamento, mas as actividades não essenciais orientadas para os tempos livres que consubstanciam a sua vida social com os pares" (op. cit., p. 150).
O compromisso com a cultura juvenil permite ainda na opinião do autor, deixar intactos compromissos maiores com os valores básicos partilhados pelos pais e pela
comunidade.

O PARADOXO...

Uma outra situação paradoxal, relativamente à posição da sociedade americana perante a autonomia adolescente, é identificada pelos investigadores americanos Hill
e Holinbeck.

Mecanismos e contradições do socialização 37

O paradoxo está, segundo os autores referidos, em que se continua a associar adolescência com luta-pela-autonomia ao mesmo tempo que se tem perante ela uma enorme
atitude de protecção, ou ainda uma atitude que visa retardar a chegada à adultícia: "A pressão sobre os jovens para adiar a transição para a adultícia é enorme apesar
de ser evidente que eles atingem a maturidade física mais cedo do que no passado" (Handlin et al., 1971, cit. in Hill & Holmbech, 1986, p. 147).

O trabalho, as experiências educacionais, raramente oferecem oportunidades para o desempenho de papéis sociais regulados pelos próprios adolescentes ou para o desempenho
duma conduta autónoma já que, se por um lado, lhes é dada maior liberdade, por outro lado, pais e professores controlam largamente o seu dia-a-dia passado quase
emfull-time na escola.

Segundo os autores ainda, esta situação teria levado alguns analistas do sistema escolar de nível secundário nos E.U.A., a criticar a passividade do papel de estudante
e a recomendar reformas destinadas a promover a autonomia.

Nós próprios, em trabalho anterior (Fleming, 1983), sublinhámos que a

disjunção entre a capacidade procriativa do jovem (maturidade biológica mais cedo atingida do que no passado) e a sua capacidade sócio-económica (acesso à casa e
ao emprego retardados) se tem vindo a acentuar, encorajando-se por um lado a separação do jovem da família de origem e retardando-a por outro lado, já que dum modo
geral o jovem permanece hoje até mais tarde no seio da família, situação que parece ser comum tanto nos

jovens europeus como norte-americanos.

Com efeito, o sociólogo francês Chamboredon (s/d)(@) identificou alguns índices do prolongamento do período de coexistência entre as gerações: a permanência duradoura
nos estatutos pré-matrimoniais e pré-parentais (casamento retardado e acesso retardado à paternidade), afirmando que "tudo se passa como se houvesse um atraso ou
uma transferência do momento do establishment" (op. cit., p. 16).

(1) Comunicação apresentada no "Colóquio Nacional sobre a Pós-Adolescência", Grenoble, Abril-Maio, 1983.

38 Adolescência e autonomia

Com maiores ou menores contradições, num contexto mais ou menos descontínuo entre gerações, a socialização dos adolescentes é sem dúvida um factor importante na
forma como adultos e adolescentes lidam com os problemas da autonomia.

O DESEJO DE AUTONOMIA...

Generalizado, contudo, é o desejo que cada sociedade tem que os seus

membros adolescentes se tomem indivíduos autónomos das suas famílias de origem e venham a integrar a comunidade adulta e a partilhar os seus valores

básicos: que assegurem, em suma, a reprodução biológica da espécie e a

reprodução cultural da sociedade.

Mas será que o desejo de autonomia é partilhado pelos próprios adolescentes? A investigação prévia responde afirmativamente à questão formulada: a autonomia aparece
como um valor fundamental na vida dos adolescentes (Konopka, 1983, Meyer, 1988), como uma das questões mais importantes e aliciantes associadas à expectativa da
entrada na adolescência (Williamson, 1985), como um dos aspectos mais interessantes da idade (Benaches, 1981). Nós próprios, em colaboração com outros autores (Figueiredo
et al., 1983) em trabalho de investigação prévio, pudemos verificar empiricamente a presença do desejo de autonomia, em adolescentes portugueses, no período peripubertário:
colocados perante o dilema entre a autonomia e a dependência da família, 48.0% dos rapazes e 46.8% de raparigas de 12-13 anos optam já pela autonomia e essa proporção
sobe de forma significativa com o aumento da idade.

No contexto das ciências mais empenhadas no estudo do desenvolvimento do ser humano, também a questão da autonomia merece um lugar proeminente. Teóricos de diferentes
orientações são unâmines em considerar a autonomia como uma questão central para a compreensão da segunda década da vida, seja a autonomia entendida como constructo
crucial, estádio ou tarefa desenvolvimental.

Mecanismos e contradições da socializaÇão 39

Greenberger (1984), autora de importantes obras sobre a adolescência, afirma concretamente - e a sua afirmação é sumamente ilustrativa do interesse posto pelas teorias
psicológicas no tema da autonomia - que: "0 funcionamento competente do indivíduo como uma entidade separada ou independente é um ponto focal de todas as teorias
psicológicas do desenvolvimento, [... 1 o tema major nas teorias da personalidade é que os indivíduos se

desenvolvam a partir duma posição de total vulnerabilidade e dependência face a outros para uma subsequente condição de competência e autonomia" (op. cit., p. 4).

A ILUSÃO DA DESVINCULAÇÃO...

Não queremos no entanto terminar este Capítulo, de carácter mais sociológico, sem referirmos o pensamento de Rakoff (1978), que alerta para os

perigos duma tónica excessiva posta pela cultura no culto do ser individual criando, na sua opinião, a ilusão da desvinculação.

Após ilustrar a "ilusão da desvinculação" através de alguns casos clínicos, Rakoff comenta: "Através do processo histórico de evolução democrática, foi-nos dado,
e numa escala sem precedentes, o direito de sermos indivíduos e independentes, É um grande privilégio, mas ele contém um grande perigo. O perigo é que podemos facilmente
perceber erroneamente o self? como totalmente independente" (op. cit., p. 129).

Somos, pela nossa parte, muito sensíveis à importância que assume no

evolutivo humano a relação humana, a necessária interacção permanente entre o self e o outro, ou ainda o self-no-outro e, neste sentido, partilhamos o

sentir de Rakoff ao criticar uma excessiva valorização cultural da independência como meta individual a atingir, porque "talvez não tenhamos suficientemente percebido
na natureza da identidade individual a extensão do quanto o self está sempre contido nos outros" (op. cit., p. 129).

Sublinhámos que a transição dum estado de dependência e vulnerabilidade para um outro de maior autogoverno, é um padrão comum a todas as

40 Adolescência e autonomia

culturas. Afirmámos também que as práticas educativas usadas para preparar o estado adulto variam com as características do meio social e que os dispositivos sociais
postos à disposição do adolescente, contraditórios ou paradoxais, afectam o decurso da transição.

Introduzida a questão da importância do contexto sócio-histórico, iremos a partir de agora centrar-nos na sistematização da informação científica disponível na área
de estudo em que nos situamos, tentando apreender as diferentes conceptualizações, teorizações e experimentações que a questão tem merecido por parte da grande comunidade
científica, também ela trabalhando em contextos e condições sócio-históricas diferentes.

CAPÍTULO SEGUNDO

TEORIAS SOBRE A ADOLESCÊNCIA

1. PERSPECTIVA PSICANAlÍTICA E PSICODINÂMICA

1.1. As contribuições de S. Freud, Anna Freud, P. Bios e outros autores

de orientação psicanalítica

Foi Freud quem, quanto a nós, primeiro destacou a importância primordial da separação- individuação adolescente ao equacionar, no início do século, os fundamentos
básicos da psicologia do desenvolvimento adolescente.

Freud vê na separação adolescente-progenitores, uma tarefa dolorosa mas essencial ao desenvolvimento do Homem e da Sociedade: "0 desligar do indivíduo da autoridade
dos pais é uma das mais necessárias, mas também uma das mais penosas realizações do desenvolvimento. É inteiramente necessário que se realize, e devemos supor que
todo o ser humano normal consegue, em certa medida, consumar essa separação. Com efeito, o progresso da sociedade depende, em geral, da oposição das duas gerações"
(Freud, 1909, p. 237).

Subordina a aquisição do estatuto de adulto, em termos maturacionais, à realização da tarefa da separação interna dos objectos primitivos, acentuando os aspectos
pulsionais e mudanças envolvidas pela ocorrência da puberdade. Freud afirma que "na puberdade, quando o instinto sexual faz as suas primeiras exigências, o antigo
objecto familiar incestuoso é retomado de novo e car-

44 Adolescência e autonomia

regado de libido [... 1. A partir daí, o indivíduo humano tem que dedicar-se à grande tarefa de se separar dos seus pais, e, até que esta tarefa não esteja cumprida,
ele não deixa de ser criança e não pode tornar-se membro da comunidade social. Para o rapaz a tarefa consiste em separar os seus desejos libidinais da mãe empregando-os
na escolha de um objecto de amor exterior"

(Freud, 1917, p. 336).

O processo adolescente é desde logo definido por Freud no duplo registo, um reflectindo o outro, em que ocorre: no registo da realidade externa, contemporâneo e
contextual, expresso na forma dum conflito de gerações e no

registo da realidade interna, no abandono das ligações aos primeiros objectos de amor e investimento em novos objectos heterossexuais extrafamiliares.

Um motivo poderoso para o adolescente se separar dos pais seria pois, na

perspectiva freudiana, a ressurgência da problemática edipiana. Defender-se da ligação edipiana implica o repúdio inconsciente dos pais e, por essa via, dos outros
adultos apanhados no papel de pais substitutos. O exercício da autoridade adulta encontra inevitavelmente aí uma área de conflitualidade a que o adolescente responde
idiossincraticamente.

O registo externo, modelado pelas circunstâncias históricas, cruza-se com o registo interno dum passado e presente internalizado, ou seja, representado e interpretado
pelo próprio indivíduo.

Anna Freud (1958), que enfatiza as mudanças quantitativas e qualitativas das pulsões instintivas e as defesas do ego enquanto determinantes da separação, afirma
que a libido do púbere "está na altura de se desligar dos seus pais e de catexizar novos objectos. O luto pelos objectos do passado é inevitável" (op. cit., p. 262).

A teorização do processo de separação interno da libido dos primeiros objectos de amor é retomada pelos autores de orientação analítica em termos

de perda de objecto e processo de luto, permitindo este novas identificações e

novos investimentos em objectos exteriores à família. Loewald (1962) fala de trabalho de luto enquanto processo de abandono gradual do objecto perdido mas envolvendo
também processos de internalização de elementos da relação

com o objecto a ser abandonado e adquirindo daí o significado de emancipação. Max Sugar (1968) descreve o "luto normal adolescente" em três fases:

Teorias sobre a adolescência 45

separação -protesto na adolescência inicial, desorganização, caracterizada de tumulto, rebelião, vazio e depressão, na adolescência média e a fase de reorganização
caracterizada por uma acalmia, na adolescência tardia.

A importância do luto dos imagos parentais e a escolha do objecto heterossexual é reforçada por Dias Cordeiro (1979) que vê nessas tarefas dois organizadores do
psiquismo adolescente, o segundo não podendo ocorrer satisfatoriamente sem a realização do primeiro.

Amaral Dias & Nunes Vicente (1984) aprofundam o conceito, afirmando que o luto adolescente pelo abandono do passado opera através de lutos parciais obrigatórios:
luto pela fonte de segurança, luto renovado do objecto edipiano, luto pelo ideal do Eu, luto pela bissexualidade e luto pelo grupo. A escolha de novos objectos de
amor exteriores à família, pressupondo já a

capacidade egóica de funcionar autonomamente dos pais, estaria portanto na

estreita dependência do trabalho intrapsíquico dos vários lutos.

Retomando a questão da autonomia adolescente, poderíamos então concluir que, segundo a concepção psicanalítica clássica, um motivo poderoso para o adolescente se
tomar autónomo seria a ressurgência da problemática pré-edipiana e edipiana. O adolescente torna-se autónomo porque, repudiando o laço incestuoso (edipiano) aos
pais, como meio para evitar a regressão a fixações edipianas e pré-edipianas, abandona também todos os laços egóicos aos pais (Josselyn, 1952, Balser, 1966, in Josselson,
1980).

Esta conceptualização, na estreita dependência do paradigma dinâmico ou

pulsional de Freud, tende a preconizar a existência, na fase adolescente, dum "ego fraco" perante um "sistema pulsional forte", a existência duma turbulência (turmoil)
emocional forte, necessária, desejável e sinónima de normalidade (A. Freud, 1958) e postula a existência de relações conflituosas e

pouco calorosas entre pais e filhos.

Com a obra de Peter Blos assiste-se a um alargamento e modificação das conceptualizações psicanalíticas dominantes.

Ao sugerir que durante a adolescência tem lugar um segundo processo de separação-individuação, Blos reintroduz a sistemática de Maffier na compreensão da autonomia
adolescente pondo a tónica na importância das relações de objecto.

46 Adolescência e autonomia

Blos (1962), que inicialmente tinha descrito as fases da adolescência, enfatizando a sua heterogeneidade em termos de posições e movimentos das pulsões e do ego,
confere, mais tarde, ao segundo processo de individuação, o estatuto particular de motor ou estruturador de todo o processo adolescente: "Para lá destes aspectos
típicos das fases adolescentes reconhecemos um

componente na reestruturação psíquica que puxa como um fio condutor, através de todo o trabalho da adolescência. Este inexorável componente manifesta-se com igual
pertinácia tanto na pré-adolescência como na adolescência tardia. É conceptualizado aqui enquanto segundo processo de individuação da adolescência" ffilos, 1967,
p. 62).

Blos (1967) acentua a perda das dependências familiares, de natureza emocional e afectiva, e põe o ênfase na mudança das relações objectais aos

pais. Postula como objectivos desenvolvimentais desta segunda individuação a aquisição dum sentimento de self autónomo e com limites bem determinados: "0 que na
infância é a ruptura da membrana simbiótica para se tomar uma criança individuada" (Mahler, 1963) toma-se na adolescência a perda das dependências familiares, o
abandono dos laços objectais infantis" (op. cit., p. 163).

As mudanças no self (introsado na infância com o self parental) e nas

representações objectais opera-se numa linha de continuidade relacional, contribuindo para estas mudanças os aspectos infantis e contemporâneos da relação: "0 afecto
acompanhando a perda de objecto tem sido ligado ao

estado de luto e trabalho de luto. Permanece normalmente uma continuidade na relação com o pai actual depois do abandono do carácter infantil da relação. O trabalho
da individuação adolescente está relacionado com ambos estes aspectos infantis e contemporâneos" (op. cit., p. 182), e a propósito da possível confusão entre as
representações dos objectos parentais afirma: "Esta confusão é agravada quando os pais participam nas posições mutativas do adolescente e se revelam incapazes de
manter o seu lugar de adulto fixo perante uma criança em maturação" (op. cit., p. 182).

Referindo-se ainda ao esforço que o adolescente faz para se separar das dependências infantis, identifica modalidades de separação que podem inviabilizar a separação
interna, referindo, como ilustração disso, os adoles-

Teorias sobre a adolescência 47

centes que ao forçar uma distância física, geográfica, moral e ideativa da família ou do local da sua infância, tentam evitar uma separação interna.

No que diz respeito às mudanças estruturais que permitem o desalojar dos objectos infantis internos, Blos introduz o conceito de perda do Eu parental, o

qual funcionaria até à adolescência, como auxiliar do Eu infantil. Esta perda implicaria o pôr a descoberto duma estrutura egóica mais ou menos intacta ou defeituosa,
consoante as condições em que ocorreu o primeiro processo de separação-individuação. O fracasso do processo de individuação na adolescência deveria ser portanto
atribuído, pelo menos em parte, a uma organização defeituosa do Eu, precocemente alicerçada.

Esta perspectiva tem sido apoiada por numerosos autores, que numa linha de investigação psicopatológica e desenvolvimental têm compreendido os quadros clínicos adolescentes
à luz das vicissitudes da separação infantil '1?.

Ainda no que diz respeito às mudanças estruturais, assume particular importância a tarefa da desidealização dos pais da infância, considerada por Blos como a parte
mais difícil da separação adolescente. Na adolescência tardia e na pós -adolescência, a emergência de qualidades integrativas associadas ao self permite um processo
adaptativo - uma revisão das primeiras identificações rejeitadas, provisórias e aceites. O "ego ideal", formação psíquica do final da adolescência e herdeira do
complexo de édipo negativo, toma conta da função reguladora do super-ego.

A plasticidade e fluidez do desenvolvimento típico da adolescência diminui: "A psicologia da adolescência deve então ser vista como um sistema energético que tende
para alcançar cada vez mais altos níveis de diferenciação até que se estabilize a si próprio num padrão" (Blos, 1962, p. 158).

Nesta perspectiva, poderíamos dizer que a autonomia é conceptualizada enquanto processo gradual de auto-regulação cada vez menos na dependência da esfera externa
parental, conduzindo a padrões de comportamento regulados agora essencialmente por uma instância propulsora: o ego ideal, onde se conglomeram as partes do s" mais
identificadas às partes boas dos

Os trabalhos desses autores foram por nós revistos e encontram-se em artigo: Fleming, M. (1983). "A separação adolescente-progenitores". Análise Psicológica, 4 (111),
521-542.

48 Adolescência e autonomia

objectos internos parentais, e permitindo ao adolescente projectar-se e projectar o seu próprio futuro com confiança.

As posições de Ruthellen Josselson (1977 a, b; 1980), apoiadas em material clínico (psicanálise de adolescentes) e observações empíricas na adolescência, aprofundam
a conceptualização de Peter Blos e constituem um ponto de reflexão importante para a compreensão da autonomia adolescente.

Com efeito, para Josselson (1980), o conceito de individuação é central para a compreensão do desenvolvimento do ego, permite ligar a adolescência a um processo
contínuo de desenvolvimento e permite ainda articular entre si outros processos centrais dizendo respeito ao ego adolescente: a autonomia e a formação de identidade.

A articulação operar-se-ia, segundo a autora, do seguinte modo: "A Autonomia é o outro lado da individuação. À medida que a individuação se processa, a autonomia
cresce. Isso depende se se olha para aquilo de que o adolescente se afasta (individuando-se) ou para aquilo de que ele se aproxima (ganhando autonomia)
Os aspectos do sujeito que se tomaram individuados e autónomos devem ser incorporados na identidade. Então, há uma sequência interdependente entre individuação /
autonomia / formação de identidade" (op. cit., p. 191).

De acordo com esta perspectiva, seria possível estudar o processo de individuação adolescente através do estudo dos comportamentos de autonomia, tal como Maffier
et al. (1975) fez para o período infantil, já que a " individuação é primariamente um processo intrapsíquico que é apesar disso afectado pela e expresso na realidade"
(op. cit., p. 193). Josselson encontra aliás um

paralelo entre as dinâmicas de individuação infantil e adolescente: a adolescência precoce apresenta muitas das características da subfase dos ensaios (practicing)
na sua ausência de ambivalência face aos pais, a adolescência média com a subfase da reaproximação (rapprochment) no seu desejo ambivalente de se ligar e de repudiar
o apoio egóico parental, traduzindo-se numa

ambivalência sobre a autonomia.

Encontramos assim uma conceptualização da autonomia alicerçada em

dois pólos, o da distância e o da reaproximação aos pais: "Tal como acontece

com a criança, a individuação do adolescente envolve ao mesmo tempo

Teorias sobre a adolescência 49

alguma distância face aos pais e esforços compensatórios para reestabelecer a

ligação" (op. cit., p. 195).

Nesta conceptualização, o crescimento da autonomia do ego processa-se através de acréscimos graduais de competência, mas preservando as relações

com os pais a cada momento. Assim sendo, se os laços objectais edípicos podem ser abandonados, tal como foi conceptualizado por Blos, eles não são cortados.

Para concluir e tentando sintetizar o pensamento de Josselson sobre a

autonomia adolescente diríamos que, de acordo com aquela psicanalista e investigadora:

- A autonomia, a individuação e a formação de identidade são fenómenos intimamente ligados e interdependentes: a individuação envolve a

separação psicológica da "realidade" pais e dos pais introjectados; o processo de individuação decorre ao longo da vida e envolve mudanças no grau de autonomia vs.
ligação (connectedeness); durante a adolescência subsiste a necessidade de ligação aos pais tal como subsiste a ambivalência sobre a autonomia; a essência destes
processos refere-se à consciência progressiva da necessidade de reorganizar o mundo interno de acordo com as mudanças desenvolvimentais.

1.2. A contribuição de Erikson

Autonomia, individuação e formação de identidade são, como vimos, fenómenos ligados entre si, influenciando-se mutuamente e, segundo pensamos, constituem os ingredientes
psicológicos principais da separação pais-adolescentes. A formação de identidade é facilitada por uma maior autonomia, a qual por sua vez é tanto maior quanto mais
o processo da individuação estiver avançado.

Nesta linha de reflexão importa introduzir aqui os aspectos da obra de Erikson, referência clássica fundamental quando se aborda o conceito de identidade na adolescência.

50 Adolescência e autonomia

Se, como vimos, a individuação é um processo que se inicia na infância precoce também de acordo com Erikson (1968), a formação de identidade não é um produto exclusivo
da experiência adolescente, mas uma consequência desenvolvimental duma multitude de experiências do passado e do presente que se organizam num todo coerente.

De acordo com a teoria psicossocial do desenvolvimento de Erikson (1950,
1968), a personalidade desenvolver-se-ia segundo uma sequência de estádios, cada um deles caracterizando-se por uma crise ou um conflito dominante. Da resolução
do conflito resultaria a possibilidade de avançar, com maior ou menor maturidade, para as tarefas desenvolvimentais do estádio seguinte.

Na perspectiva de Erikson, o conflito dominante na adolescência seria entre a formação de identidade vs. difusão de identidade. Os "produtos" das crises prévias
são integrados num todo coerente, num sentimento de ser distinto e diferenciado dos pais. O processo de formação de identidade inclui, nesta perspectiva, a integração
das identificações infantis precoces com outros

aspectos psicológicos e psicossociais, e a aquisição da identidade do ego liquida a necessidade desenvolvimental de novas identificações. O indivíduo ingressa no
entanto em novas crises desenvolvimentais (intimidade, generatividade) ao longo do ciclo de vida.

Segundo Erikson, esta procura de identidade força o adolescente a rejeitar e a revoltar-se contra os seus pais e aqui o seu pensamento vai ao encontro

das conceptualizações de alguns autores que revimos anteriormente. A função desta rejeição é libertar o adolescente das identificações infantis aos pais e do controlo
e da autoridade parentais, tendo aqui lugar importante os contextos psicossociais envolventes: pares, escola, outras instituições.

Infere-se portanto do seu pensamento que a formação da identidade só é possível com movimentos concomitantes de separação psicológica interna e

de distância física face aos pais, traduzidos em comportamentos de autonomia ou em experimentação. Através dos comportamentos de autonomia o

adolescente ensaia papéis e adquire capacidades: ele deve ser capaz de se

comprometer com uma ocupação e com uma ideologia e desenvolver a capacidade da intimidade. Marcia (1968) que desenvolveu o trabalho de Erikson, propondo uma tipologia
dos estatutos de identidade, afirma ser necessário, do

Teorias sobre a adolescência 51

ponto de vista desenvolvimental, que o adolescente experiencie um período de crise, caracterizado por um questionamento, por uma tomada de decisão activa, uma experimentação
em vários contextos sociais, antes dos compromissos de que fala Erikson, sob pena de não atingir um estatuto de achiever ficando preso às identificações e expectativas
parentais.

Trata-se portanto dum trabalho de integração das identificações infantis maternas e paternas, mas integradas agora numa nova configuração de objectos internos e
externos onde os pares são figuras proeminentes e cuja articulação ganha nova compreensibilidade à luz da conceptualização de Amaral Dias (1988) e que abordaremos
a seguir.

Vimos portanto o lugar de destaque que a experimentação (de papéis, capacidades, decisões, envolvimentos afectivos) assume na obra de Erikson e seguidores, para
os quais a identidade é consequência das experiências psicossociais ao longo da vida e "no seu melhor é um processo de crescente diferenciação" (Erikson, 1968, p.
23). Neste contexto, poder-se-á postular então que os comportamentos de autonomia de exploração e experimentação ao

longo da adolescência configuram os quatro estatutos de identidade definidos por Marcia: Difusão, Forclusão, Moratória e Aquisição conceptualizados como pontos de
um continuum que vai da menor para a maior maturidade.

Existe actualmente um imenso corpus teórico e empírico consistente acerca das questões relacionadas com a formação e os estatutos de identidade, cuja revisão não
cabe fazer aqui. Gostaríamos apenas de sublinhar que alguns destes trabalhos têm questionado a assunção de que a tarefa desenvolvimental de aquisição de identidade
esteja terminada no final da adolescência (Donovan, 1975) e que muitos destes trabalhos têm posto em evidência a extrema importância das percepções das atitudes
parentais para as vissicitudes da formação da identidade.

1.3. A contribuição de Bowlby

A inclusão das teorias de Bowlby parece-nos de grande interesse, dada a

riqueza que o modelo maturacional contém para a compreensão de meca-

nismos tão importantes como a vinculação e a separação.

52 Adolescência e autonomia

Embora não tendo trabalhado directamente com a problemática adolescente, tanto Bowlby como Ainsworth afirmaram que as teorias da vinculação são tão pertinentes na
infância como em qualquer outra época da vida e a

própria Ainsworth manifestou o desejo de alargar a sua própria investigação a outras épocas da vida: "0 que eu mais quero fazer é explorar as componentes da vinculação
das várias relações ao longo do ciclo de vida" (Ainsworth,
1985, p. 29).

Com efeito, as teorias da vinculação são compatíveis com um grande número de observações e posições teóricas (psicodinâmicas, biológicas, sociológicas) e constituem
um modelo explicativo geral sobre o comportamento e sobre o desenvolvimento.

Nesta perspectiva, parece-nos ser útil e necessário trazer para o campo da adolescência uma reflexão sobre os comportamentos de autonomia, indubitavelmente ligados
à vinculação, à luz desta perspectiva.

Pensamos aliás, que o modelo etológico-evolucionista de Bowlby constitui um paradigma teórico fundamental para a compreensão em simultâneo da problemática da vinculação
e da autonomia e, como tal, ele é um suporte teórico básico para a nossa própria investigação.

De acordo com Bowlby, a partir das tendências instintivas do bebé para a

vinculação à mãe (ou à figura fornecedora de cuidados), que se exprimem através de comportamentos de vinculação (sucção, abraço, sorriso, tendência para agarrar-se),
desenvolve-se um sistema interactivo entre o bebé e a mãe

ou a figura substituta. Neste sistema interactivo tem particular importância o

papel do feed-back ambiental como parte dum sistema de controlo que medeia o comportamento de vinculação.

Tecendo considerações genéricas relativamente à adolescência, Bowlby refere-se ao desenvolvimento das ligações de vinculação nestes termos: "Durante a adolescência,
a vinculação da criança aos pais cresce mais fracamente. Outros adultos podem vir a assumir importância maior ou igual à dos pais e a atracção sexual pelos pares
de idade entra em jogo [ ... ]. Num extremo, há os adolescentes que rompem com os pais; no outro extremo há os que permanecem intensamente vinculados e são
incapazes ou recusam dirigir o seu comportamento de vinculação para outros; entre estes dois

Teorias sobre a adolescência 53

extremos, encontra-se a grande maioria dos adolescentes cuja vinculação aos

pais permanece poderosa, mas em que as ligações a outros têm também muita importância [... 1. Para a maior parte dos indivíduos a ligação aos pais continua ao longo
da vida adulta e afecta o comportamento de inúmeras maneiras. Apelidar o comportamento de vinculação na idade adulta de regressivo é não

ver o papel vital que ele desempenha na vida do homem desde o berço até à sepultura" (Bowlby, 1969, p. 282 da trad. francesa).

Não há portanto, nesta perspectiva, desvinculação aos pais durante a

adolescência, mas sim crescimento da vinculação, embora de forma menos

intensa do que na infância, podendo esses laços alargar-se a outras figuras.

Lytton (1980) contribui para esta reflexão ao defender a vantagem de distinguir conceptualmente o comportamento de vinculação e a vinculação em si mesma, sendo esta
o laço, o sentimento de se estar ligado a uma pessoa e que inspira o comportamento. O vínculo persiste ao longo de toda a vida, mas exprime-se comportamentalmente
de formas diferentes. Relativamente à adolescência, Lytton acentua os aspectos comportamentais de afastamento físico, de passar mais tempo fora de casa, fora da
relação de grande proximidade com os pais, como índices do vínculo e não como comportamentos desvinculadores e na sua opinião "aparentemente, e só aparentemente,
um

processo de desvinculação sucede à vinculação" (op. cit. p. 285).

Steinberg (1983) descreveu o modelo de Bowlby em cinco proposições que nos parecem duma grande clareza descritiva e de que nos iremos servir para a nossa própria
reflexão:

1. Um indivíduo deve ter um modelo funcional interno do seu meio

ambiente e este modelo-do-mundo interno desenvolve-se ao longo do tempo e tem aspectos afectivos e cognitivos.
2. O indivíduo em desenvolvimento precisa de manter a proximidade

com os seus pais (e esta necessidade é particularmente duradoura na infância).
3. O comportamento correspondente através do qual os pais respondem a

esta necessidade é um comportamento de cuidados (care-taking behaviour).

54

Adolescência e autonomia

4. A criança em desenvolvimento precisa também de explorar o meio

ambiente, o que requer o afastamento das figuras parentais. O balanceamento entre o comportamento de aproximação e de afastamento dos parceiros muda à medida que
a criança cresce.
5. Estes quatro componentes do modelo: elaboração dum modelo-do-

-mundo interno; comportamento de vinculação à procura-de-proximidade (PSAB); comportamento de dar-cuidados (CB); comportamento exploratório (E) arranjam-se entre
si num sistema de controlo dinâmico.

Este arranjo operacional entre os componentes muda ao longo da vida e a sua evolução foi esquematizada e figurada por Steinberg (1983) da seguinte forma:

Legenda: S = Auto-estima, autoconfiança; E = Comportamento exploratório; CB = Comportamento

de dar-cuidados; PSAB = Comportamento de vinculação à procura-de-proximidade.

Teorias sobre a adolescência 55

De acordo com este modelo, na adolescência, o reportório de comportamentos exploratórios (E) aumenta e diversifica-se enormemente, mas num sistema de interacção
com as figuras parentais: o adolescente mantém um comportamento de procura-de-proximidade com os pais (PSAB) e espera receber deles um comportamento de cuidados
(C13). Desta interacção resulta uma maior capacidade de desenvolver comportamentos de exploração, os

quais por sua vez accionam em feed-back o sistema interactivo pais-adolescentes. A experiência do meio ambiente (E) e de laços vinculativos fortes aos

pais contribui para a elaboração do modelo interno do mundo (S). Nesta elaboração interna cabem as conceptualizações psicanalíticas anteriores, que na nossa perspectiva
não contradizem, mas complementam, o modelo de Bowlby.

Nesta perspectiva e de acordo com o paradigma etológico de Bowlby a(s) figura(s) de vinculação servem então de base segura a partir da qual se parte para uma exploração
activa do meio ambiente, num balanceamento gradual maturativo entre proximidade e afastamento aos pais e da qualidade dos vínculos primitivos e actuais dependerá
a maior ou menor capacidade de autonomização.

Através deste modelo é possível explicar não só a persistência dos laços familiares aos pais, mas também e em simultâneo a sua transformação, pressupondo concomitantes
transformações e rearranjos quer dos objectos internos quer das relações que esses mesmos objectos internos tecem entre si. Neste contexto, a vinculação (se não
for excessiva, como acentua Bowlby) é entendida como um laço afectivo persistente que promove os comportamentos de autonomia no adolescente e não como um laço que
promove a dependência.

Bowlby (1973) sugere que a autoconfiança e consequentemente a autonomia não é tanto "contar consigo próprio" como por vezes os estereotipos culturais sugerem ou
certas conceptualizações da autonomia têm veiculado, mas contar com o apoio dos outros para a partir daí construir a sua própria autonomia. Na sua opinião, "uma
autoconfiança bem fundada não só é compatível com a capacidade para contar com os outros, mas cresce com ela e é complementar dela" (op. cit., p. 359).

56 Adolescência e autonomia

Este modelo de compreensão da autonomia adolescente aproxima-se das mais recentes conceptualizações psicanalíticas que acentuam a importância das vivências emocionais
com os pares e outros adultos significativos, continentes (no sentido de Bion) auxiliares do processo de separação- individuação, permitindo em simultâneo a manutenção
de fortes laços vinculativos aos pais e a autonomia, onde os pais funcionam como porto de abrigo seguro, caldeadores da auto-estima e da autoconfiança do adolescente.

Assim, o adolescente confrontado com o desafio da mudança interna e

externa (mudanças corporais, de papéis, de relações perdidas e ganhas; novas

ideias e conceitos; novos ambientes e situações vivenciais) conta não só com

o seu "mundo interno", povoado (ou não) de "bons objectos" propiciadores de confiança básica e de segurança, mas também com as relações actuais com

os seus pais, pares, amigos e adultos significativos.

1.4. A contribuição de psicanalistas portugueses

Amaral Dias trouxe recentemente para o campo da teoria psicanalítica sobre a adolescência um contributo original, de inspiração nas obras de Bion e de Meltzer, que
aprofunda e enriquece a reflexão.

Na sua perspectiva, o adolescente faz um ataque ao continente parental, recusa o espaço envolvente porque "saturados que estão, os objectos e espaços parentais ameaçam
agora o jovem na sua autonomia e ânsia de liberdade" (Amaral Dias, 1988, p. 207). O luto interno e externo dos pais (mantidos até aí como auxiliares da criança),
a rejeição activa dos objectos parentais (Blos), é, na perspectiva do autor, uma consequência das ansiedades claustrofóbicas vividas pelo adolescente. A crise de
identidade (Erikson) é compreendida, neste contexto, na transição do continente parental para o continente grupal, sendo este último espaço privilegiado agora para
a projecção das ansiedades arcaicas reactivadas.

O "conflito de gerações" jogar-se-ia então dentro do grupo de pares, onde o adolescente pode ensaiar o contacto com as partes idealizadas e persecutórias de si (pais
idealizados e pais persecutórios) contidas por identificação projectiva, em outros iguais a si.

Teorias sobre a adolescência 57

Se o grupo de pares permitir novos arranjos de objectos e novos jogos identificatórios, responde não só à ameaça de perca de identidade e concomitantes ansiedades
agorofóbicas, como também cria condições para o estabelecimento duma identidade. Se não permitir, porque continente rígido ou porque apenas contentor de partes idealizadas
e projector de partes persecutórias, toma-se um grupo que fomenta a idealização omnipotente (de que o

grupo de toxicómanos é ilustrativo), mas não a possibilidade de crescer, de querer ser diferente sendo embora igual a si mesmo.

Assim, e seguindo o pensamento de Amaral Dias, se o primeiro luto, pelos selfs parentais auxiliares, anuncia a autonomização da família, o último luto, pelo grupo,
anuncia o homem individual, capaz de estar só e de estar com outros: com os pais, outros grupos ou adultos significativos, em novas ligações e novos desafios desenvolvimentais...
"retornado a si, o adolescente terminal deve trazer consigo uma família interna, inteira e unida, onde antes existiam objectos ameaçadores, exigindo o preço do resgate
pela raiva ou

pelo desejo" (Amaral Dias, 1988, p. 209).

Uma outra leitura do "conflito de gerações" faz Eurico Figueiredo (1985a) que vê o conflito pais-adolescentes como "inevitável e obrigatoriamente estruturante do
devir humano" (op. cit., p. 198).

O autor, que desenvolve em simultâneo uma reflexão sobre a autonomia adolescente, alicerça e fundamenta a sua tese sobre a invariância do conflito de gerações nos
resultados duma pesquisa sobre a dramaturgia clássica e

literatura contemporânea. Na tragédia, tal como na ficção mais actual sobre os "amores contrariados", o impasse entre gerações centrar-se-ia essencialmente em tomo
de conflitos agressivos entre membros do mesmo sexo e ligações eróticas entre membros do sexo oposto. Verifica ainda, a partir da análise do material literário,
que o desejo de autonomia encontra um eco conflitual nos pais, mais intenso e dramático nas díades mais atravessadas pelo conflito edipiano.

A capacidade destrutiva dos impasses no evoluir normal do conflito de gerações e o medo que eles provocam nas sociedades humanas encontrar-se-iam pedagógica, catártica
e esconjuratoriamente presentes na dramaturgia da Tragédia Grega, depositária de conflitos universais.

58 Adolescência e autonomia

Retomando alguns aspectos da sua perspectiva mais directamente relacionados com a separação adolescente, diríamos que o autor situa o conflito no cerne da relação
pais ~adolescentes, definindo-o como uma área de tensão entre gerações e articulando-o por um lado à problemática da idealização/ /desidealização dos pais e por
outro lado à problemática do narcisismo ou do amor próprio.

Na sua perspectiva, o adolescente, na procura de maior autonomia emocional face aos pais, depara com uma situação nova e conflitualizante da relação: a decepção
que lhe provoca o progenitor real quando comparado este objecto ao objecto parental interiorizado e idealizado durante a infância.

Este progenitor real e decepcionante funcionaria como uma dupla ameaça para o adolescente: a ameaça de renúncia precoce a projectos ideais e apreciados pelo adolescente
e a ameaça de depressão provocada pelo luto interno de aspirações que o adolescente teme não poder realizar. O ataque adolescente contra aquilo que nos pais o decepciona
seria portanto inevitável, despoletando por sua vez nos pais um ataque contra a origem da decepção destes, situada nos filhos.

O conflito de gerações estaria então no cerne duma dupla luta pelo Amor Próprio, travada quer pelos pais quer pelos filhos adolescentes, os primeiros para não perderem
o que foi capitalizado ao longo da vida, os segundos para atimentarem o Amor Próprio rudemente abalado pela desidealização dos pais.

Nesta perspectiva, em trabalhos de investigação em que participámos como co-autora (Figueiredo et al., 1983, 1985b), postulámos que, sendo o movimento de separação
psicológica da família de origem um movimento universal e presente em todas as épocas históricas, ele se deveria traduzir em aquisições psicológicas também elas
universais. Postulámos ainda que essas aquisições se fariam conflitualmente e com repercussões intra e interpsíquicas.

Os resultados da investigação demonstraram a natureza evolutiva de três conflitos: autonomia vs. dependência, desautorização vs. submissão e desidealização vs. idealização,
com predominância do primeiro pólo em todos eles, à medida que se transita para o estado adulto.

A resolução do conflito estaria ainda sob a influência da capacidade dos

Teorias sobre a adolescência 59

pais assumirem as perdas narcísicas decorrentes da perda de amor, autoridade e idealização, forma como vivenciam a assunção nos filhos duma maior autonomia. A decepção
mútua, quer nos pais quer nos filhos, bem como os conflitos externos daí decorrentes estruturariam assim o conflito de gerações na

sua forma intrafamiliar.

Pela nossa parte temos vindo a desenvolver teoricamente e a dar comprovação empírica à tese da importância fundamental que, na nossa perspectiva, o desejo de autonomia
desempenha no processo adolescente como movimento de progressão, mais do que os aspectos defensivos e regressivos da adolescência realçados pela literatura.

Desenvolveremos posteriormente a nossa própria contribuição, ao apresentarmos as conclusões a que tem conduzido o nosso trabalho de investigação nesta área.

2. PERSPECTIVA INTERACCIONAL

2.1. Primeiras abordagens

As perspectivas de orientação psicanalítica, cujas principais contribuições passámos em revista, enfatizam primordialmente os aspectos intra-individuais da individuação
na sua relação com factores internos e externos, mas não explicam a natureza do impingement mútuo que ocorre entre o adolescente e o seu meio.

No presente subcapítulo iremos passar em revista as principais contribuições que directa ou indirectamente abordam a autonomia adolescente e questões com ela relacionada,
sob a perspectiva da interacção pais-adolescente, derivada das teorias sistémicas sobre a família.

Esta perspectiva, em contraste com as anteriores, enfatiza primordialmente os processos interactivos ou transacionais dentro de família, inter e intrageracionais,
ligados ao processo de autonomização adolescente,

60 Adolescência e autonomia

As teorias sistémicas, desenvolvidas a partir dos anos 40, permitem pela primeira vez conceptualizar a família enquanto um sistema mantido através de processos de
feed-back, e esta nova conceptualização introduz uma nova

dimensão na explicação dos comportamentos humanos.

As contribuições vindas desta área aprofundam e permitem uma com-

preensão complementar aos processos adolescentes, os quais, pelas mudanças biológicas, psicológicas e sociais que acarretam, envolvem profundamente todo o sistema
familiar. A dimensão familiar é ainda mais crucial quando se

trata de analisar o processo de autonomia adolescente, envolvendo a separação entre adolescente e pais, eminentemente relacionada com o contexto

familiar, como temos vindo a constatar.

Aliás a autonomia adolescente tem merecido um lugar de destaque na

literatura sistémica, conceptualizada embora sob diversas designações: separação, autonomia, emancipação, individuação ou ainda diferenciação e

abordada sob múltiplas perspectivas. Do ponto de vista clínico, as terapias derivadas dos modelos sistémicos são, de um modo geral, particularmente indicadas nas
situações "em que existe uma falha na emergência do adolescente duma relação de dependência simbiótica com um dos pais ("problemas de separação") e em que cada membro
da família projecta qualidades ou

sentimentos em um outro" (Bruggen & Davis, 1977, p. 435).

Em 1965, Boszormenyi-Nagy e Framo, tentando construir uma ponte entre o intrapsíquico e os conceitos sistémicos, publicam uma obra pioneira: Intensive Family Therapy,
onde afirmam que "a separação dos filhos da família nuclear é um dos objectivos mais importantes a atingir no que se refere à sua saúde [e a] expressão duma fase
crucial do desenvolvimento da família" (op. cit., p. 105 da trad. francesa).

Os autores expõem nessa obra uma teoria das relações, que não pretende dispensar as teorias freudianas, mas alargar o campo de abordagem aos fenómenos supra-individuais,
transacionais. Descrevem o processo relacional através duma sucessão de cinco fases, às quais corresponderiam experiências intrapsíquicas específicas, ao longo das
quais a integração das percepções e

das atitudes relacionais internas e externas aumenta: a fase embrionária, a

fase de afiliação ou simbiótica, a fase de individuação, a fase de separação e

Teorias sobre a adolescência 61

a fase de reinvestimento. A fase de separação é, seguindo sempre os autores, um processo extremamente complexo e a sua realização requer que os objectivos das fases
anteriores tenham sido atingidos: é só após o estabelecimento

e a interiorização de relações íntimas, confiantes e recíprocas com os membros da família que os adolescentes poderão separar-se dos laços familiares e

substituí-los por ligações extrafamiliares. "Forças familiares variadas e complexas podem obstaculizar a separação dum membro, mesmo numa família
11 normal"" (op. cit., p. 106 da trad. francesa), afirmam Nagy e Framo.

2.2. A contribuição de Stierlin

É o estudo dessas forças familiares que vai estar no centro das atenções de alguns investigadores e clínicos. Desses trabalhos, merece-nos particular destaque a
obra de Helm Stierlin, psicanalista e terapeuta familiar, que trouxe para a problemática dos processos de individuação na família, e mais especificamente para o
processo de separação adolescente-progenitores, contributos teóricos e clínicos importantes.

A separação é entendida, na perspectiva intergeracional, enquanto movimento em direcção a uma relativa individuação mútua, e o seu estudo exige urna abordagem dialéctica
que permita pôr a descoberto as forças e padrões (propriedades sistémicas) da relação que moldam o seu curso e reciprocamente afectam a contribuição das partes que
se separam.

A contribuição activa dos pais para o processo vai ser evidenciada num trabalho (Stierlin et al., 197 1) onde se sublinha a importância das percepções parentais
sobre a separação, as quais seriam determinantes sobre todas as

outras: As percepções e expectativas sobre a capacidade de separação dos filhos são conceptualizadas enquanto factores, podendo em determinadas condições induzir
ou inibir a separação: as percepções de confiança nas capacidades do adolescente de crescer e tornar-se autónomo fomentariam a separação, a ausência dessa percepção
inibiria a separação; as percepções parentais teriam tanto menor influência quanto maior o grau de diferenciação e

maturidade do Eu adolescente (Stierlin et al., 197 1).

A influência da crise de integridade dos pais, tal como foi descrita por

62 Adolescência e autonomia

Erikson, nos problemas de separação e formação de identidade em adolescentes do sexo masculino perturbados foi também constatada, tendo o sucesso do tratamento desses
adolescentes sido atribuído à capacidade dos pais, e especialmente do pai, de elaborarem a depressão e a crise de integridade (Stierlin et al., 1972).

Mas a contribuição teórica mais vasta de Stierlin deve-se à construção de um modelo conceptual sobre a separação adolescente-progenitor, que sintetiza as sequências
transaccionais do processo, bem como os seus padrões de interacção recíproca. Este modelo, teria sido sugerido por Hegel nos seus

escritos sobre "0 Senhor e o Escravo", onde se descreve o paradigma duma relação diádica entre seres desiguais e em que mudanças de posição podem ocorrer como resultado
da mudança súbita e dramática da composição psicológica da relação.

Para Stierlin, tal conceito dialéctico das transacções humanas introduz uma perspectiva que alarga a visão psicanalítica tradicional das relações de objecto. Stierlin
(1974) define a separação como "uma espiral em expansão gradual de mútua diferenciação e individuação ocorrendo em níveis emocionais, cognitivos e morais" (op. cit.,
p. 3) e conduzindo a uma relativa independência para ambas as partes.

A partir do estudo das forças que interagem no seio do sistema familiar, o autor conceptualiza dois modelos de separação: o modelo centrípeto e o

modelo centrífugo, que corresponderiam às vicissitudes extremas do processo. O modelo centrípeto seria altamente captativo, gratificante dos comportamentos regressivos,
indiferenciador e provocando no adolescente sentimentos de culpa face à separação, incapacidade e dependência. O modelo centrífugo seria rejeitante, mistificador
da realidade exterior apresentada como fonte de gratificação e segurança, provocando no adolescente a tendência para estabelecer relações precoces com o exterior.
Os dois modelos teóricos descrevem dinâmicas familiares, que, sem serem necessariamente patogénicas (depende da altura em que se manifestam, da forma como se combinam),
podem agir negativamente na recíproca individuação e estar associados a certas formas de patologia, particularmente esquizofrenia no modelo centrípeto, e certas
formas de sociopatia no modelo centrífugo.

Teorias sobre a adolescência 63

A estes dois modelos corresponderiam diferentes conflitos de separação (Stierlin & Ravenscroft, 1972) ou modos transaccionais de separação (Stierlin, 1974): o acorrentamento
(binding), em famílias de tipo centrípeto e que corresponderia a uma forma de encadeamento afectivo, cognitivo ou moral

entre adolescentes e pais; a expulsão (expelling), em famílias de tipo centrífugo, que corresponderia ao abandono e/ou rejeição contínua do adolescente

e a delegação (delegating), em famílias onde agiriam forças centrífugas e centrípetas e que corresponderia a delegar no adolescente missões que ser-

viriam as instâncias psíquicas conscientes e inconscientes dos pais e em que a autonomia é permitida ou encorajada consoante a missão que se espera que ele realize.

Estes modos transaccionais implicam diferentes potenciais de crescimento e portanto diferentes vicissitudes no processo de autonomização adolescente.

Quando prevalecem os conflitos de acorrentamento, pais e adolescentes não podem separar-se adequadamente: o adolescente pode permanecer ligado quer por uma excessiva
gratificação regressiva quer por mistificação quer ainda por laços duma lealdade arcaica. Uma das possíveis "soluções do conflito" é a expulsão dramática, e quando
isto acontece a dor pode ser grande, mas pressagia um crescimento posterior. As oportunidades de crescimento falham se os conflitos são evitados ou abordados levando
ao retraimento progressivo do adolescente e ao abandono da sua luta pela autonomia. Quando prevalecem os conflitos de delegação, é a capacidade de perceber as missões
que lhe são incubidas que permitirá ao adolescente mudar a balança do poder psicológico e reclamar o seu lugar no mundo dos pares, mesmo que os pais, explorando
a sua lealdade, usem mais massivamente manobras de acorrentamento, intensificando-se a luta, geralmente bem sucedida, pela autonomia. Quando prevalecem os conflitos
de expulsão, a facilidade com que o adolescente pode contrair relações extrafamiliares não pressagia necessariamente uma autonomia conseguida, porquanto as experiências
de intimidade com os seus país falharam e o adolescente revela-se incompetente para estabelecer relações profundas, estáveis e consistentes.

Stierlin (1974) estuda ainda os comportamentos de fuga na adolescência

64 Adolescência e autonomia

enquanto modo de separação patológica, e correlaciona diferentes tipos de fuga com os modos transaccionais prevalentes na família.

Uma outra problemática, essencial à compreensão do processo e estudada

pelos autores, é a chamada crise da "meia-idade", altura em que normalmente ocorre a adolescência nos filhos. Stierlin (1974) sistematiza os modos

de resolução dos conflitos entre casais, e descreve a tendência que os pais têm para replicar junto dos seus filhos os modos como eles próprios se ligaram às suas
famílias de origem.

A importância dos conflitos não resolvidos, relacionados com a autonomia e dependência dos pais face às suas famílias de origem, tem sido sublinhada por vários autores
enquanto factor decisivo nas perturbações border- (2) line e narcísicas em adolescentes

A assunção básica presente nesses trabalhos é a de que a separação envolve as gerações presentes e também as do passado numa cadeia de ligações e separações que
apenas a perspectiva intergeracional permite compreender.

2.3. A contribuição de Zinner & Shapiro

Ainda sobre as vicissitudes da separação pais-adolescentes, merecem particular destaque os trabalhos de Shapiro e colaboradores que têm utilizado os

conceitos derivados das teorias de Bion (1961) sobre os pequenos grupos e também os conceitos de Identificação Projectiva, Parentificação e Lealdade.

Correndo embora o risco de simplificação excessiva, não nos alonga-

remos na descrição do conceito de Identificação Projectiva, conceito demasiado complexo para que a sua abordagem em profundidade possa ser feita (3) aqui

@2) Trabalhos que tivemos ocasião de rever e se encontram publicados em: Fleming (1983). "A separação adolescente-progenitores". Análise Psicológica, 4,111, 521-542.
(3) A esse propósito, remetemos para Amaral Dias (1988), Para uma Psicanálise da Relação, Porto, Ed. Afrontamento.

Teorias sobre a adolescência 65

A Identificação Projectiva é, no dizer de Zirmer & Shapiro (1972), um

modo de percepção e de comportamento nas famílias com adolescentes, e consoante o recurso mais ou menos maciço a esse mecanismo, ele pode indicar "qualidades empáticas
salutares" entre os membros da família ou reflectir "atribuições encadeadas, nas quais o filho permanece cativo da economia defensiva parental" (op. cit., p. 526).
Segundo ainda os autores, os pais podem usar a Identificação Projectiva para negar uma parte da sua própria vida instintiva ou ainda para manter a auto-estima, "transformando"
o filho adolescente numa extensão narcísica do self parental (maternal ou paternal).

A forma como Zinner & Shapiro (1972) compreendem a importância da Identificação Projectiva na relação pais-adolescentes recorre a uma com-

preensão do passado dos próprios pais: "A natureza do material projectado [... 1 contém elementos altamente conflituosos duma relação de objecto com os pais da sua
própria família de origem. Nestas situações a projecção por parte dos pais de elementos das suas próprias relações previamente internalizadas serve não somente uma
função defensiva, mas também a função de restaurar: a de trazer de volta à vida, através dos descendentes, os seus próprios objectos perdidos, bons e maus" (op.
cit., p. 526).

O conceito de Parentificação expande-se a partir do anterior. No meca-

nismo de Parentificação, o filho "colocado" num lugar de progenitor fica preso da necessidade de dependência e de gratificação infantil sentidas por um ou ambos
os pais. Esta tentativa de reviver uma relação passada numa

relação presente com o filho adolescente reflecte dificuldades do processo de separação dos pais da sua família de origem: "Independentemente de, na

realidade, os seus pais terem ou não gratificado as suas necessidades (de dependência), os seus objectos introjectados são sentidos como maus, privadores e não prestadores
de cuidados. Estes sentimentos infantis podem ser

transferidos e reprojectados no parceiro marital ou no filho" (Spark, 1968 cit. in Peppitone, 1980, p. 63).

Quanto ao conceito de Lealdade, um conceito-chave na teoria intergeracional desenvolvida por Nagy & Spark, ele descreve as "fibras fortes mas invisíveis que mantêm
juntas as peças complexas das relações comporta-

66 Adolescência e autonomia

mentais nas famílias" (cit. in Peppitone, 1980, p. 63), em que o afecto posto na relação é secundarizado face à lealdade.

O medo da perda de objecto (Zinner & Shapiro, 1972), o ganho do poder e controlo sobre os pais, mesmo a expensas do sacrifício da sua autonomia, são alguns dos factores
apontados como motivações no adolescente, tomando a dinâmica relacional recíproca e mutuamente gratificante.

A chave para uma separação bem sucedida no adolescente seria a capacidade de romper com as "velhas e invisíveis lealdades", a renúncia ao sacrifício da liberdade
pessoal, pese embora os ganhos secundários das perdas e

lutos sempre adiados. Por outras palavras, e parafraseando Nagy & Spark, "a liberdade ou a potencialidade para novos envolvimentos (compromisso amoroso, casamento,
paternidade) tem de ser confrontada com as velhas obrigações que puxam para os laços simbióticos duradouros" (cit. in Peppitone,
1980, p. 67).

O medo primitivo da perda de objecto, reactivado na adolescência, foi também reflectido por Williams (1973), terapeuta familiar, que advoga o

recurso à terapia familiar como fon-ria de resolver perturbações no adolescente relacionadas com os vínculos de dependência versus independência.

Williams (1973) chama a atenção para o facto de que o adolescente na sua luta pela realização da autonomia no seio da família, muitas vezes ameaça, dentro dele e
nos seus pais, medos muitos primitivos de perda de objecto e da separação a partir de envolvimentos simbióticos.

Os movimentos de autonomia poderão mesmo ser sentidos como uma rejeição da família, provocando por sua vez, movimentos de hostilidade nos pais para com o filho.

Uma forma de tentar resolver os seus problemas intrapsíquicos e os da sua família, postos pelos laços de dependência e independência, aparece actualmente em muitos
adolescentes na forma duma saída de casa precoce. No entanto, e Stierlin debruçou-se longamente sobre estas questões, estas saídas de casa, com a criação imediata
de fortes laços de dependência a um

grupo de pares, é uma pseudo-autonomia. De acordo com Williams (1973) "tais ligações de dependência aos pares - sem o desenvolvimento de mutualidade e de intimidade
significativas - pode resultar num grupo de adoles-

Teorias sobre a adolescência 67

centes que se apoiam mutuamente como órfãos numa tempestade, brincando meramente ao jogo da maturidade" (op. cit., p. 326). Se alguns conseguem atingir a maturidade
com sucesso outros fracassam e permanecem dependentes e sem possibilidade de transformar os laços que os ligam à família, simbolizados nas novas ligações aos pares.

Também Bowen (1966, 1978) trouxe contributos importantes para a com-

preensão deste tipo de dificuldades ao introduzir o conceito de corte emocional (emotional cut-off). O conceito descreve a maneira como certos adolescentes lidam
com os mecanismos de fusão não resolvidos e descreve modalidades de corte emocional, tais como o evitamento de contactos com grande carga afectiva com a família
ou a distância física, tentativas falhadas de conseguir a autonomia.

2.4. Outras contribuições

Os fenómenos da regulação da distância entre os membros da família têm também merecido a atenção dos investigadores. Ajustar a distância psicossocial à medida que
as fases de desenvolvimento são negociadas ou que a composição do agregado familiar se altera são tarefas nem sempre fáceis. Medos simultâneos de separação e intimidade
numa díade podem, na perspectiva de Byng-Hall & Campbell (1981), ser estabilizados por uma terceira pessoa (ou grupo de pessoas) sintomática, que agirá os seus sintomas
ou não, consoante os medos de separação ou de intimidade se manifestem.

Pensamos existir já, nesta área das teorias sistémicas e terapias familiares, uma vasta gama de conhecimentos, à luz dos quais a compreensão do processo de separação
adolescentes-progenitores se aprofunda e enriquece, mas

que pela sua extensão não é oportuno explanar aqui.

Recolocando as manifestações emocionais num contexto epistemológico

novo com implicações dinâmicas específicas, comportamentos que antes se

fixavam numa significação psicodinâmica individual ganham novas significações quando vistos na sua implicação sistémica familiar.

Muito sinteticamente, diríamos que, na perspectiva sistémica, quer a

68 Adolescência e autonomia

entrada na adolescência quer a saída de casa de um dos membros da família é sempre um factor de desequilíbrio da homeostase familiar. O adolescente está empenhado
em tomar-se autónomo e, preparando a sua saída de casa, muda a quantidade e a qualidade das suas relações com o sistema extrafamiliar, toma-se sexualmente activo
e pode vir a ser ele próprio pai ou mãe. A família entra necessariamente em transição: as funções homeostáticas e de mudança do sistema familiar são mobilizadas
no sentido da procura da manutenção do equilíbrio anterior ou procura dum novo equilíbrio, à custa de negociações ,explícitas e implícitas entre pais e filhos.

Por outras palavras e como diz Minuchin (197 1), "quando a criança entra na adolescência e tem de se adaptar quer à sua família quer ao cada vez mais importante
grupo de pares, ela exerce pressão para uma maior autonomia. Se a família quiser continuar como uma unidade saudável e encorajadora do crescimento, deve evoluir
do estado de família duma criança para uma família de um adolescente" (op. cit. p. 91).

A partir daí, a família tem de interagir não só com um membro mais competente como também com um sistema forte e por vezes competitivo: o

grupo de pares, com as suas regras e valores próprios acerca de questões como o sexo, droga, moda, estilos de vida, etc. "As questões dizendo respeito à autonomia
e ao controlo têm de ser renegociadas a todos os níveis", afirmam Minuchin & Fischman (1981).

Uma outra fonte de pressão dentro do sistema familiar, contemporânea muitas vezes com os rearranjos provocados pela autonomização do filho adolescente, é constituída
por acontecimentos relacionados com os avó s: os pais do adolescente em crescimento têm ainda de negociar uma reentrada na vida dos seus próprios pais, em fase de
declínio ou viuvez.

E quando a fase da separação física ou da saída de casa do adolescente se aproxima, essa mudança ressoa em todos os membros da família.

O sucesso ou fracasso da saída de casa do adolescente está inextricavelmente ligado à reorganização da família, quer ao nível dos rearranjos hierárquicos quer dos
novos canais de comunicação.

Se o filho que sai de casa desempenhava uma função importante na

homeostase familiar - veículo de comunicação entre os pais, filho parenTeorias sobre a adolescência 69

tificado, função de "pára-raios" - a família vai ter sérias dificuldades em reorganizar-se. Por vezes os pais ameaçam separar-se ou divorciar-se.

Uma das formas de o jovem estabilizar a família é desenvolver sintomas ou fracassar na autonomização, de modo a que os pais continuem ou voltem a

ocupar-se dele e a comunicar entre si. A instalação dum comportamento sintomático ou desviante no adolescente tardio assume, nesta perspectiva, o

significado de uma função necessária à manutenção da unidade familiar, ou

ainda "a função do fracasso é permitir que os pais continuem a comunicar

através e acerca do jovem, mantendo a mesma organização" (Haley, 1980, p.
31).

Outras vezes é o filho, a seguir que é catapultado para o lugar ocupado pelo anterior: "A tendência a recriar estruturas já existentes, passando um

novo membro para o padrão previamente estabelecido, é grande. Quando isso acontece, pode representar uma falha na adaptação à exigida mudança familiar" (Minuchin
& Fischman, 1981, p. 26).

Estas algumas das significações que podem assumir as dificuldades de separação e o fracasso na autonomização do adolescente.

O trabalho de Braverman (1981), baseado num conjunto de Terapias de Casal de pais de adolescentes, é ilustrativo do reflexo que pode ter no sistema familiar a autonomia
do filho adolescente, quando este é visto pelos pais como uma extensão narcísica e depositário das suas projecções. A sua separação psicológica, que neste estudo
decorria de um processo psicoterapêutico individual, sentida sobretudo pelo par como uma perda a evitar, resultou no aparecimento de graves conflitos no casal até
aí inexistentes, fracassada que foi a tentativa de catapultar outro filho, ou a esposa, para o papel que desempenhava o filho em processo de separação.

2.5. A investigação clínica e empírica

Centremo-nos agora nas contribuições de índole mais empírica que a

perspectiva interaccional tem trazido para as questões relacionadas com autonomia.

70 Adolescência e autonomia

Na perspectiva interaccional, o processo de autonomização envolve necessariamente as dimensões do conflito e do poder. O adolescente deseja assumir uma maior responsabilidade
pelos seus actos e a mudança da responsabilização dos pais para o adolescente envolve necessariamente mudanças significativas nas estruturas de poder e de autoridade
na família.

Este processo nem sempre decorre harmoniosamente: a mudança de papéis, a obtenção de um estatuto mais igualitário, de uma relação mais simétrica em termos de decisão
e de responsabilidade, envolve o conflito, a desobediência às regras, o desafio à autoridade parental.

Estas questões têm merecido a atenção dos investigadores, que, a partir do quadro conceptual sistémico e utilizando adequada metodologia de observação e medida das
interacções familiares, têm trazido importante evidência empírica para a área.

As investigações que se debruçaram sobre o conflito na interacção pais-adolescente utilizaram diversas medidas: acordo, desacordo, interrupções, discursos em simultâneo,
e no seu conjunto os resultados destas investigações indicam que as famílias normais, por oposição às famílias disfuncionais, evidenciam maior acordo entre os seus
membros, comportamentos de cooperação e maior capacidade de funcionar em tarefas de grupo. Nas famílias normais uma grande quantidade de conflitos não as incapacita
de realizarem tarefas de grupo, o mesmo não acontecendo em famílias disfuncionais (cf. revisões da literatura de Riskin & Faunce, 1972, Doane, 1978, Rodick & Henggeler,
1982).

As investigações que se debruçaram sobre os padrões de domínio utilizaram também elas diversas medidas: interrupções com sucesso, tempo de tomada da palavra, desempenho
na escolha, duração da afirmação, mas os

resultados destes estudos revelaram-se bastante inconsistentes. Apesar disso, é possível perceber uma tendência para que nas famílias normais, por oposição às disfuncionais,
se verifique um menor exercício do poder por parte do adolescente (Riskin & Faunce, 1972) Doane, 1978; Rodick & Henggeler,
1982).

Embora alguns dos trabalhos revistos não se debrucem directamente sobre a autonomia adolescente, os autores das revisões de literatura sugerem

Teorias sobre a adolescência 71

que as famílias normais respondem à emergência da adolescência duma forma mais adaptativa do que as famílias disfuncionais, o que, por inferência, nos permite postular
menores dificuldades no processo de autonomização do adolescente nas primeiras.

Alguns trabalhos merecem que nos debrucemos um pouco mais sobre eles.

Ferreira (1963) estuda a capacidade de tomada de decisão, uma dimensão importante da autonomia, através da observação da interacção familiar em

torno duma tarefa, em famílias "normais" e "patológicas" com um filho na adolescência inicial. O estudo revela que, nas famílias com um adolescente perturbado, a
tomada-de-decisão entre os membros é caótica e a participação do adolescente na tarefa é progressivamente menor.

No mesmo sentido vão os resultados dos estudos de Alexander (1973, in HilI, 1980) que compara a tomada-de-decisão em famílias com e sem problemas de delinquência
num filho adolescente entre 13 e 16 anos. O autor conclui que os seus resultados demonstram a existência, nas famílias normais e adaptativas, de mecanismos de apoio
recíproco, que mantêm a integridade do sistema.

Ou, ainda, como sugere um outro estudo com o mesmo figurino dos anteriores (Hetherington et al. 1971, in Hill & Holinbeck, 1986): "Os membros de famílias sem delinquência
podem discordar inicialmente, mas são suficientemente flexíveis para mudar as suas posições num modo mutualmente mais aceitável" (cit. in Hill & Holinbeck, 1986,
p. 162).

A evidência duma capacidade de adaptação e de mudança por parte do sistema familiar funcional, durante a adolescência de um dos seus membros, encontra também confirmação
num outro estudo interaccional (Jacob, 1974, in HilI, 1980). O autor verifica que as relações interpessoais no seio da família se transformam ao longo da idade.
O estudo compara padrões de interacção familiar em famílias com rapazes de 11 e de 16 anos e pertencendo a

estratos sócio-económicos baixo e médio. Os resultados indicam que os rapazes de 16 anos ocupam uma posição de maior influência e menor conflito na interacção com
os pais do que os de 11 anos. A estrutura de influência progride de pai = mãe -> filho para uma estrutura pai > mãe ---> < filho nas famí-

72 Adolescência e autonomia

lias de classe média e para uma estrutura mais instável pai = mãe = filho nas

famílias de mais baixo estatuto social.

O ganho de influência do filho de 16 anos far-se-ia a expensas do decréscimo da influência da mãe nas famílias de classe média e a expensas da influência do pai
nas famílias de mais baixo estatuto. Estes resultados viriam a obter confirmação no estudo de observação das interacções familiares, realizado por Steinberg (1981),
e a que faremos referência em capítulo posterior (Cap. 3.5.).

2.6. O problema da mudança individual e familiar

Os estudos que acabámos de referir e outros que iremos referir posteriormente (Cap. M.) sobre as transformações das interacções familiares põem em

evidência mudanças no sistema familiar, provavelmente na procura dum novo

equilíbrio mais consentâneo com as mudanças ocorridas nos seus membros.

Neste contexto, as mudanças cognitivas no adolescente, e que iremos desenvolver no capítulo seguinte, revelam-se de particular importância, já que permitem mudanças
substanciais na conceptualização adolescente das suas relações familiares, passadas e presentes.

Noutras famílias porém, a investigação clínica tem identificado padrões de interacção que são particularmente estáveis, e quando envolvem o adolescente podem ser
inibidoras das mudanças sistémicas necessárias para que a

sua autonomia progrida.

Stierlin descreveu, como vimos, algumas dessas interacções. Referimo-nos agora aos conceitos de fusão e triangulação, dois conceitos inter-relacionados, indicadores
do nível de diferenciação do sistema familiar (Bowen, 1978) e que descrevem interacções inibidoras da mudança.

A fusão refere-se à tendência para dois membros da família se misturarem um no outro de maneira tal que os limites entre indivíduos são esbatidos (Karpel, 1976),
e a triangulação refere-se a uma relação estável intergeracional, em

que na maior parte das vezes um dos progenitores está aliado ao filho adolescente e coligado contra o outro progenitor.

Teorias sobre a adolescência 73

Nestas formas de interacção, o adolescente pode vir a ver o seu esforço para a individuação altamente inviabilizado, já que aí desempenha funções necessárias para
a manutenção do sistema familiar, e a sua individuação pode pôr em risco a homeostase familiar.

Terapeutas familiares têm posto em evidência algumas funções mais frequentemente desempenhadas pelo adolescente triangulado: (1) a de "bode-expiatório", para o qual
são canalizadas tensões e conflitos familiares e que pode conduzir a uma identidade negativa no adolescente (Minuchin, 1974); (2) a de parceiro numa coligação de
um dos progenitores contra o outro e aqui o risco é do sacrifício da sua própria individuação ao serviço da regulação emocional do subsistema parental (Bowen, 1978);
e ainda (3) a de terceiro elemento, coligado ora com um progenitor ora com outro, correndo o risco duma identidade difusa e de ser acusado de deslealdade em caso
de opção por um dos progenitores (Minuchin, 1974).

As situações descritas e postas em evidência pela investigação clínica têm em comum o facto de que nessas famílias a aliança parental é fraca ou até inexistente.

Ora, uma fraca e inconsistente aliança entre os pais tem sido mais frequentemente encontrada em famílias com perturbações. Segundo a revisão de Doane (1978) "existe
forte evidência quanto ao facto de que as famílias perturbadas são marcadas pela preponderância de coligações pais-filho e uma

correspondente coligação parental fraca, bem como por uma relação marital conflituosa" (op. cit. p. 372).

Podemos afirmar que a importância do poder "tóxico" destas interacções está suficientemente ilustrada clinicamente e encontra-se também comprovada empiricamente
por alguns, infelizmente não muitos, estudos realizados nesta área.

Alguns autores têm preconizado uma abordagem integrada das duas perspectivas desenvolvimentais, a individual e a sistémica familiar (Peppitone, Cooper & Grotevant,
Sabatelli & Mazor) como forma de chegar a uma com-

preensão mais aprofundada do processo de individuação.

Nesta linha de preocupação realçamos o trabalho de conceptualização de Sabatelli & Mazor (1985) em tomo dos conceitos de individuação e de dife-

74 Adolescência e autonomia

renciação , em defesa duma integração das perspectivas teóricas: sistémica familiar e desenvolvimental individual.

A sua reflexão centrada em torno da formação de identidade na adolescência é no entanto pertinente para a análise das questões dizendo respeito à autonomia, intimamente
ligada aos processos de individuação e diferenciação.

Para esta análise os autores partem do princípio básico de que as duas perspectivas devem ser consideradas como interdependentes porque o processo de individuação
envolve os dois quadros de referência, o individual e o familiar, sem os quais não seria possível a sua compreensão.

A perspectiva desenvolvimental individual conceptualiza a separação a

partir da família tal como ela é vivida no mundo real e no mundo interno, mas a teia de relações na qual o indivíduo interage e muda só pode ser esclarecida pela
perspectiva sistémica familiar.

Os autores argumentam a necessidade duma conexão interdisciplinar, ao

mesmo tempo que advogam também a necessidade duma distinção conceptual mais rigorosa entre o conceitos de individuação e de diferenciação, ambos usados das mais
diversas maneiras por autores tanto duma orientação como da outra.

Sabatelli & Mazor (1985) propõem que a individuação seja entendida como um "processo através do qual o indivíduo procura renegociar a sua

dependência psicológica face aos outros [o que] envolve uma mudança fenomenológica reflectindo a forma como unia pessoa se vê na relação com os outros [... ] e o
grau até onde evolui reflecte-se no grau até onde uma pessoa está emocionalmente fusionada com a família" (op. cit., p. 622).

Quanto ao conceito de diferenciação os autores propõem que ele seja definido "como uma propriedade do sistema que se refere aos modos através dos quais as distâncias
psicológicas são mantidas e as adaptações sistémicas feitas" (op. cit., p. 622). Decorre desta conceptualização que a forma como a individuação se processa em cada
membro da família está sob a dependência do nível de diferenciação do sistema familiar e que este será tanto maior ou

menor quanto o esforço individual posto na renegociação.

Os autores desenvolvem ainda uma crítica às teorias de Erikson e

Teorias sobre a adolescência 75

Josselson sobre a formação de identidade. Na sua opinião, Erikson ignora a

natureza das relações pais-adolescentes, tratando todas as famílias como uma constante, e Josselson, embora enfatizando a necessidade da renegociação com a díade
parental, ignora o papel da interacção familiar na determinação da forma como a individuação no adolescente se processa. Em suma, a individuação processar-se-ia
independentemente das características ou qualidades do sistema de relações pais-filho. Ora, segundo afirmam os autores, a investigação empírica tem posto claramente
em evidência a existência de factores familiares mediando a formação de identidade.

Esta mesma crítica seria extensível às questões dizendo respeito à autonomia, onde a investigação empírica tem posto em evidência, como vimos, a existência de factores
familiares mediando as tentativas do adolescente para se autonomizar.

Em contraste, afirmam os autores, a orientação sistémica sobre a individuação teria as duas perspectivas em atenção: a desenvolvimental individual e a familiar.
Sabatelli & Mazor (1985), tomando por base os trabalhos de teóricos sistémicos, tais como McCullough e Meyer, afirmam que: " A perspectiva desenvolvimental na literatura
sistémica familiar enfatiza os esforços individuais na individuação e construção duma identidade emocional separada durante a adolescência como um pré-requisito
para o desenvolvimento da capacidade para a intimidade e para o estabelecimento duma nova família" (op. cit., p. 628).

Esses esforços estariam - de acordo com a investigação produzida - na

dependência do grau de diferenciação do sistema familiar, a característica do

sistema mais crucial para a individuação e responsável pelos níveis de coesão e adaptabilidade do sistema.

E falar de individuação é falar de autonomia, já que "o processo de individuação tem um impacto no grau de autonomia e na separação psicológica dentro da relação
pais-filho, a qual por seu turno fornece feed-back ao sistema, reforçando por aí o nível sistémico de diferenciação" (op. cit., p.
628).

Nesta perspectiva, o processo de autonomia nos adolescentes estaria facilitado num sistema familiar bem diferenciado, por oposição ao sistema

76 Adolescência e autonomia

pobremente diferenciado, onde a mudança imposta pela acomodação às necessidades adolescentes se veria mais dificultada. "A família pobremente diferenciada, dizem
os autores, cria stress no indivíduo porque os esforços para conseguir uma maior autonomia psicológica, necessários durante a adolescência a caminho da adultícia,
são bloqueados pelo sistema" (op. cit., p.
629).

O emaranhamento (quer físico, quer emocional) cada vez maior na família ou uma ruptura súbita são nesta perspectiva, indicadores de dificuldades na separação, significando
que a capacidade de sair de casa não é necessariamente um indicador de individuação, já que o adolescente pode continuar psicologicamente ligado à família por um
alto grau de emocionalidade reactiva de coloração rancorosa. Esta questão prende-se aliás com o que atrás ficou dito, a propósito da lealdade e do corte emocional.

A autonomização do adolescente estaria portanto seriamente comprometida num sistema pobremente diferenciado. Referindo-se à obra de Boszormenyi-Nagy e Spark, os
autores sugerem que o adolescente em processo de separação é "mantido em linha" através de processos de feed-back que anulam os desvios aos padrões interaccionais
existentes, por exemplo fazendo sentir ao adolescente que ele está em dívida ou a ser desleal para

com os seus pais.

Por outras palavras, e citando ainda Sabatelli & Mazor (1985), "embora à superfície pareça que o fracasso no desenvolvimento e na maturação toma o

adolescente desleal para com as aspirações da sua família, a verdade é que cada passo conduzindo a uma verdadeira emancipação, individuação ou separação tende a
tocar na questão altamente emocional que todas as mães denegam mas desejam - permanecerem simbioticamente todos juntos na família de origem" (op. cit., p. 629).

A individuação do adolescente, entravada nas famílias pobremente diferenciadas, pode no entanto vir a desenrolar-se em fases posteriores, acelerada até pela entrada
na adolescência de um outro membro da família ou pelo acumular de tensões que forçam o sistema a mudança para novas formas de homeostase familiar.

Sabatelli & Mazor (1985) terminam a sua reflexão afirmando que a relaTeorias sobre a adolescência 77

ção recíproca e interdependente que Josselson afirmou existir entre individuação, autonomia e identidade está incompleta se não se tiver em conta a relação de diferenciação-individ

uação.

3. PERSPECTIVA SOCIAL-COGNITIVA

3.1. O raciocínio social-cognitivo do adolescente

A contribuição dos aspectos cognitivos, quer para processos de vinculação quer de individuação, encontra-se devidamente estabelecida na literatura sobre a infância.
Não cabe portanto aqui fazer-lhe referência exaustiva.

A problemática mais relevante para o processo de separação-individuação, e de crescente complexidade cognitiva, é a das relações de objecto e da permanência de objecto,
sendo a aquisição da capacidade de perceber a mãe como uma entidade separada a maior e mais necessária tarefa dos primeiros três anos de vida; da sua realização
com maior ou menor sucesso depende o

prosseguimento mais ou menos harmonioso e saudável do desenvolvimento psicológico da criança.

Segundo Maliler et al. (1975), "a partir de um estado cognitivo-afectivo primitivo, sem consciência da diferenciação self/outros, vai desenvolver-se uma das organizações
maiores da vida intrapsíquica e do comportamento, centrada sobre a separação e sobre a individuação" (op. cit., p. 16 da tradução francesa).

E se os processos de vinculação e de individuação pressupõem o desenvolvimento de capacidades cognitivas, também a transição do estado de criança dependente e vinculada
para a realidade de adulto autónomo pressupõe uma profunda mudança cognitiva.

Embora os conhecimentos sobre o desenvolvimento adolescente não encontrem o mesmo grau de profundidade daqueles que já existem sobre o

desenvolvimento infantil, pareceu-nos importante juntar à nossa reflexão as

78 Adolescência e autonomia

teorias que, no campo da perspectiva social-cognitiva, trazem contributos importantes para a compreensão da autonomia adolescente.

Sabemos pela teoria dos estádios de desenvolvimento cognitivo de Piaget que durante a adolescência os indivíduos desenvolvem uma nova forma de pensamento e de raciocínio,
e atingem o estádio das operações formais, caracterizado por um pensamento abstracto, complexo e flexível. A mudança qualitativa do pensamento operacional-concreto
para o pensamento operacional-formal, em resultado da equilibração, é gradual e o nível de maturidade atingido em todas as áreas de funcionamento não é necessariamente
idêntico (a competência social do adolescente pode ser inferior à competência académica, por exemplo).

Sabemos, em suma, que - graças ao crescimento das estruturas cognitivas, em complexidade e nível de abstracção - o pensamento do adolescente se caracteriza pelas
capacidades de pensar através de hipóteses, de pensar diferentes possibilidades e alternativas, de pensar acerca dos próprios pensamentos, de pensar segundo as perspectivas
de outros, de pensar o passado, o presente, e antecipar o futuro.

Três aspectos da transição do pensamento concreto para o pensamento formal são particularmente importantes para o desenvolvimento psicossocial do adolescente: "(1)
Os adolescentes tornam-se mais capazes de considerar uma variedade de circunstâncias e de acontecimentos que podem ocorrer, e

então são capazes de reconhecer as discrepâncias entre o real e o possível; (2) os adolescentes inferem cada vez mais as características pessoais, motivações e outras
causas que estão por detrás dos comportamentos e acontecimentos sociais; e (3) os adolescentes desenvolvem uma consciência de que diferentes indivíduos, incluindo
eles próprios, formam diferentes perspectivas no mesmo conjunto de circunstâncias" (Sprinthall & Collins, 1984, p. 170).

Estas mudanças cognitivas capacitam o adolescente a poder imaginar futuros papéis sociais, a equacionar possibilidades e escolhas, a atingir um raciocínio social-cognitivo.
As características do pensamento e raciocínio formal-abstracto estendem-se ao pensamento do adolescente sobre o seu

meio social, ao mundo das diferentes relações, perspectivas e pontos de vista. E se, como refere Elkind (1967), no início do processo adolescente a "audi-

Teorias sobre a adolescência 79

ência" é imaginária e construída pela própria fantasia, à medida que o adolescente cresce a "audiência" toma-se cada vez mais real, mais social, e susceptível de
ser pensada e integrada.

Neste contexto, a emergência do desejo de novos comportamentos de autonomia coloca o adolescente numa situação complexa: "sair à noite", por exemplo, é simultaneamente
um desafio às regras familiares, à possibilidade de encontro com os pares, experimentar-se num novo papel social, "roubar" tempo aos estudos... obrigando-o a um
raciocínio complexo sobre as múltiplas perspectivas que deve contemplar na tomada de decisão.

Alguns teóricos de orientação cognitivista e social -cognitivista têm vindo a discutir mais especificamente a autonomia, ou conceitos afins, no contexto de modelos
hierárquicos do desenvolvimento social-cognitivo. Referimo-nos ao modelo de Selman sobre a compreensão interpessoal, ao modelo de Loevinger sobre o desenvolvimento
do ego e ao modelo de Kohlberg sobre o

desenvolvimento moral.

A ênfase subjacente a estas conceptualizações reside nos conceitos de tomada múltipla de perspectiva e de raciocínio social inferencial.

Antes porém de abordarmos esses autores, parece-nos importante referir brevemente o pensamento de Piaget sobre a autonomia e a perspectiva crítica em que se colocou
perante alguns teóricos cognitivistas, que, na opinião de Piaget, dotaram o conceito de autonomia de demasiado individualismo e egoísmo (Youniss & Smollar, 1985).

3.2. As perspectivas de Piaget, Seiman, Loevinger e Kohlberg

Piaget discute o problema da autonomia no contexto do desenvolvimento moral da criança. A articulação desta área de desenvolvimento com a

autonomia volitiva é formulada por Berzonsky (1981) nos seguintes termos: "0 ponto capital duma moralidade avançada é o processo de tomada de decisão - realizar
a autonomia volitiva" (op. cit., p. 410).

Sucintamente, a teoria de Piaget consiste em considerar duas fases no desenvolvimento moral: numa primeira fase a criança desenvolve um raciocínio moral heterónomo
e a partir dos 8 anos a criança começa a desenvolver

80 Adolescência e autonomia

um raciocínio moral autónomo. Esta mudança coincidiria aliás com a emergência do pensamento operacional-concreto.

A criança inicialmente vê as normas como concretas e absolutas e capitula perante as regras dos pais e dos adultos. Mas, na segunda fase, que se

inicia desde a infância, a criança começou a poder internalizar essas normas e

a lidar com as questões morais de outra forma: controlando as suas atitudes a partir de dentro, mais do que de estímulos exteriores. Os valores começam a poder ser
relativizados e a noção de responsabilidade pessoal acentua-se.

Mas o aspecto que nos interessa aqui realçar é o carácter interaccional do conceito da moralidade autónoma. Piaget afirma que só através da relação e

da interacção com os pares de idade, os amigos, é que o indivíduo consegue atingir um grau superior de internalização das regras e normas sociais.

É por sua vez a capacidade cognitiva de admitir várias hipóteses, de lidar com valores antagónicos e considerar várias perspectivas e alternativas que lhe permitirá
na adolescência um nível superior de autonomia: gerir a sua

própria vida de acordo com as suas próprias ideias e princípios.

Na sua opinião, a pessoa autónoma "toma as suas posições na base de normas de reciprocidade e da discussão objectiva... e sabe como submeter-se às [normas] de forma
a fazer-se compreender" (Piaget [19321, 1965, p. 95). No pensamento de Piaget a autonomia co-constrói-se numa base de cooperação e de interdependência e o contexto
relacional assume particular importância para o crescimento cognitivo.

Esta perspectiva relacional sobre a autonomia foi retomada, na presente década, por investigadores americanos de que Youniss, Grotevant e Cooper são referências
importantes. O primeiro tem conduzido estudos sobre as

modalidades de comunicação na relação do adolescente com os pais e os amigos, e o seu impacto no processo de autonomização e os segundos sobre a

relação entre a individuação, a formação de identidade e a capacidade de assumir papéis.

Tendo por suporte as ideias de Piaget e Elkínd, Selman desenvolveu uma teoria sobre o desenvolvimento da tomada-de-perspectiva social (social perspective-taking)
e um modelo sequencial de estádios sobre o desenvolvimento da compreensão interpessoal das relações sociais.

Teorias sobre a adolescência 81

A relação é, na concepção de Selman, uma forma particular de interacção entre duas pessoas, pressupondo a capacidade cognitiva de fazer raciocínios sobre o self
e sobre a outra pessoa envolvida na relação. Este raciocínio complexo só é possível num nível de pensamento operacional-formal.

As mudanças na compreensão de si próprio e dos outros são duma importância muito significativa no desenvolvimento do adolescente e Selman identificou duas vias primordiais
através das quais ela ocorre: (1) "No reconhecimento de que os outros têm perspectivas diferentes da sua, e (2) na compreensão das formas através das quais essas
diferentes perspectivas podem afectar o comportamento de uma pessoa sobre a outra" (Selman,
1980, in Sprinthall & Collins, 1984, p. 171).

O modelo da compreensão interpessoal elaborado por Selman compreende cinco níveis de progressiva complexidade, na capacidade de tomada de perspectiva:

- Nível O: Perspectiva Egocêntrica (0 - 6 anos)
- Nível 1: Perspectiva Subjectiva (5 - 9 anos)
- Nível 2: Auto-reflexão ou Perspectiva Recíproca (7-12 anos)
- Nível 3: Perspectiva Mútua (10 - 15 anos)
- Nível 4: Perspectiva Societal-Simbólica (12 anos-idade adulta)

São estes dois últimos níveis que nos interessam particularmente para a

compreensão das mudanças sócio-cognitivas envolvidas na autonomização do adolescente. Ao nível "societal" Selman faz corresponder um nível de "arnizade interdependente
autónoma" (autonomous interdependent friendship) que pressupõe já um nível de mutualidade na relação e um nível societal-simbólico, ou seja, a capacidade de perceber
uma ordem societal de nível superior (legal, moral, espiritual).

O adolescente adquire pela primeira vez na sua vida a competência para reconhecer objectivamente o carácter interaccional das suas relações (o nível de mutualidade):
percebe a perspectiva do outro e reconhece o efeito do comportamento mútuo. Pode assim conceber as necessidades mútuas de autonomia nos parceiros e chegar ao nível
de interdependência autónoma: o reconhecimento da necessidade da ligação, do laço emocional de suporte, mas tam-

82 Adolescência e autonomia

bém o reconhecimento da necessidade da liberdade do outro para se envolver em múltiplas relações (necessidade de autonomia).

A elaboração de Selman, tendo por suporte a sua própria investigação e a

informação prévia que recolheu sobre a matéria, leva-o a concluir que: "À medida que as crianças crescem têm concepções de amizade que se apoiam duma forma cada
vez maior na compreensão da interdependência psicológica entre pessoas (as pessoas precisam uma das outras), que vêm as relações como sistemáticas e coerentes (os
amigos ligam-se ao longo do tempo) e que implicam uma compreensão da profundidade e complexidade dos pensamentos, dos sentimentos e da personalidade dos indivíduos
(um amigo ajuda-

-nos a perceber que tipo de pessoa somos nós)" (1981, cit. in Hill & Holtribeck, 1986, p. 172).

O desenvolvimento das capacidades cognitivas do adolescente e a sua

repercussão na compreensão cada vez mais crítica e elaborada das relações sociais e afectivas que o envolvem constitui sem dúvida um importante factor de mudança
nas relações e interacções familiares.

Selman aplicou o seu modelo de compreensão interpessoal às relações entre pais e filhos e identifica cinco níveis de compreensão, cujo desenvolvimento acompanha
em paralelo os níveis de compreensão descritos atrás.

Quadro 1 Níveis de concepção das relações pais-filhos de Selman

Nível Relação Pais-Filhos

o Pais como chefes
1 Pais como fornecedores de cuidados e de ajuda aos filhos
2 Pais como conselheiros guias e satisfazendo as necessidades
3 Pais e filhos mostram tolerância e respeito mútuo
4 As relações pais-filhos mudam à medida que as circunstâncias,

as capacidades e as necessidades de cada um muda

Reproduzido de Sprinthall & Collins (1984), Adolescent Psychology, Addison-Wesley Publ, p. 224

Teorias sobre a adolescência 83

Neste modelo, descrito no Quadro 1, a concepção de relação evolui de um
primeiro estádio infantil de compreensão egotista (Selman utiliza a metáfora "Parent as Boss", satisfazendo as necessidades imediatas do filho) para níveis mais
elaborados de compreensão, que emergem na adolescência.

Mais precisamente, Selman descreve na adolescência um estádio de compreensão baseado na tolerância e no respeito (nível 3), possível a partir das novas capacidades
cognitivas que tomam o adolescente capaz de conceber o

carácter mutual da relação, e a seguir um estádio de compreensão mais com-

plexo da relação: o reconhecimento das relações familiares enquanto sistema, susceptível de adaptação às mudanças individuais de cada membro.

No nível 3, a compreensão envolve a consciência de necessidades específicas nos pais e nos filhos e níveis desiguais de autoridade e poder na família. Esta compreensão
tem naturalmente consequências importantes para a forma como pais e adolescentes lidam com os conflitos, com a desobediência ou com a submissão em tomo das regras
e normas parentais, que a mudança comportamental ao nível da autonomia no adolescente necessariamente desafia.

Neste contexto, a reflexão de Selman parece-nos de grande acuidade quando afirma que: "Um bom entendimento não pressupõe um acordo absoluto mas sim o respeito pela
posição dos outros. A exigência de obediência por parte dos pais está ligada à sua necessidade de respeito, uma vez que constituem a fonte de autoridade no sistema
familiar. Os conflitos entre a necessidade de obediência aos pais e a necessidade de autonomia e independência são articulados no nível 3" (Selman, 1980 in Sprinthall
& Collins,
1984, p. 224).

Selman conceptualiza a autonomia adolescente numa perspectiva de articulação e de transformação das relações familiares, argumentando na base das competências do
"pensar-em-perspectiva", que emergem na adolescência. Num nível mais elevado de concepção da relação pais-filhos (nível 4), a compreensão subjacente é claramente
sistémica (as relações familiares mudam conforme as circunstâncias) e a autonomia é concebida num contexto de negociação entre pais e filhos.

Loevinger desenvolve o pensamento de Erickson sobre o conceito de

84

Adolescência e autonomia

identidade - um sentido emocional sobre o self, uma percepção de bem-estar e de coerência entre o passado, o presente e o futuro -, e procura compreender como é
que esse sentido, essa percepção sobre o self se desenvolve. Postula que a estrutura cognitiva conseguida sobre os pensamentos acerca do self é um aspecto fundamental
para a realização da identidade e

sugere uma sequência de estádios no desenvolvimento do ego. Esta sequência ilustra, na sua concepção, o processo de emergência da identidade à medida que o raciocínio
social se torna mais abstracto e flexível.

A cada estádio corresponde um estilo interpessoal que passamos a descrever, adoptando a sua própria descrição (Loevinger, 1976, p. 24-25):

Quadro 2 Estádios de desenvolvimento do ego e relações interpessoais de Loevinger

ESTÁDIOS

Pré-social Simbiótico Impulsivo Autoprotecção Conformista Consciência-Conformismo consciência

Individualismo

* Autonomia

Integração

CóDIGO

3
3/4

4

4/5

ESTILO INTERPESSOAL

Autista Simbiótico Receptor, dependente, explorador Conflituoso, manipulador, explorador Pertença, agradabilidade superficial Self vigilante relativamente ao grupo,
protector Intensivo, responsável, mútuo, preocupação com a comunicação Ad: Dependência percebida como um problema emocional, separada da dependência física ou financeira
Ad: Respeito pela autonomia, interdependência Ad: Apreciador da individualidade

Ad~ dc: 1-%evinger (1976). Ego Development, San Francisco, Jossey-Bass, Inc., pp. 24-25. h* h#~ adicional à descrição do estádio anterior.

Teorias sobre a adolescência 85

Ainda segundo a investigação de Loevinger (1976), os estádios predominantes durante a "adolescência precoce" (12-15 anos) seriam os estádios 2, 3 e 4, durante a
"adolescência média" (15-18 anos) os estádios 3, 4 e 5 e durante a "adolescência tardia" (18-21 anos) os estádios 4, 5 e 6.

A evolução far-se-ia de acordo com uma cada vez maior diferenciação do self face às normas sociais, progredindo na capacidade duma cada vez maior consciência de
si e dos outros, passando do respeito (estádio Individualista) à estima da individualidade (estádio Integrado).

De acordo com este modelo, os adolescentes que atingem o sexto estádio de desenvolvimento do ego são vistos como autónomos. O que se entende então por autónomo,
nesta perspectiva?

Loevinger descreve o estádio "autónomo" da seguinte forma: "0 controlo do impulso não constitui mais um problema neste estádio tardio de maturidade. O procedimento
moral característico é lidar com o conflito interno, deveres conflituais, necessidades conflituais, conflito entre necessidades e deveres, etc. As relações interpessoais
permanecem intensas, envolvem a consciencialização da inevitabilidade da interdependência mútua e da necessidade de autonomia. Enquanto uma mãe tipicamente consciente
(estádio pré-autónomo) se sente obrigada a proteger o filho dos erros que este possa cometer, uma mãe tipicamente autónoma reconhece que o filho necessita de aprender
à custa dos seus próprios erros". (1966, cit. in Hill & HoImbeck, 1986, p. 171).

O adolescente autónomo tem capacidade de integrar e de lidar com necessidades internas conflituosas e de ser tolerante porque respeita as necessidades de autonomia
nos outros e tem com eles uma relação de interdependência. A autonomia seria então esta capacidade de crescer com conflitos internos, resolvê-los e tolerar a ambiguidade
numa relação interpessoal de interdependência e respeito pelas necessidades dos outros.

Segundo Loevinger, esta autonomia não é portanto só interna, mas uma

autonomia social-cognitiva, na medida em que o adolescente reconhece e separa as suas necessidades das necessidades dos outros. Pode assim ter um

raciocínio social na medida em que reconhece o outro como um ser distinto com o qual interage, tendo essa perspectiva em consideração. A tarefa adaptativa às exigências
do meio social toma-se possível.

86 Adolescência e autonomia

O modelo que Kohlberg propôs para o desenvolvimento moral inclui também, tal como o modelo de Loevinger, um estádio dizendo respeito à autonomia.

Kohlberg (1979) retoma a conceptualização de Piaget e estuda o desenvolvimento moral ao longo do período adolescente, estabelecendo um

modelo hierárquico constituído por três níveis de desenvolvimento moral: pré-convencional, convencional e pós-convencional. O modelo concebe ainda uma sequência
invariante de estádios integrados nos três níveis mencionados, de progressiva complexidade em termos de raciocínio cognitivo. Cada nível descreve a forma como o
indivíduo raciocina e processa as questões que dizem respeito aos valores e à moral.

O nível pré-convencional tem sido identificado como predominante no

período da infância, e os níveis convencional e pós-convencional como predominantes na adolescência, mas um mesmo sujeito pode funcionar simultaneamente em dois
níveis conforme o tipo de questão com que se defronta.

O nível que nos interessa abordar aqui é o nível pós-convencional ou de princípios. Neste nível, Kohlberg identificou dois estádios distintos: no primeiro, o indivíduo
já é capaz de reconhecer a natureza arbitrária dos valores, no segundo estádio o indivíduo age de acordo com a sua consciência, segundo os princípios adoptados,
independentemente da sua integração nos

valores socialmente aprovados. Segundo Berzonsky (1981), "o raciocínio moral pós-convencional é verdadeiramente uma moralidade autónoma na medida em que o que se
considera mais são os princípios subjacentes às regras" (op cit., p. 380); é esta capacidade de concordância ou, pelo contrário, de inconformidade com as regras
sociais, que permite ao indivíduo uma posição crítica e construtiva.

Quer o modelo de Loevinger sobre o desenvolvimento do self, quer o

modelo de Kohlberg, remetem, na nossa opinião, para um processo gradual de diferenciação do self, diferenciação conseguida na permanente interacção com os pares,
os pais e outros adultos significativos.

Apesar da notável teorização sobre o desenvolvimento social-cognitivo na

adolescência, surpreendentemente pouca investigação empírica existe, tendo-

Teorias sobre a adolescência 87

-se o interesse da maior parte dos investigadores desenvolvimentalistas virado para a infância.

Dispomos no entanto de alguma informação dizendo respeito às duas questões que têm interessado particularmente os investigadores: a epidemiologia e a socialização
da autonomia social-cognitiva.

3.3. Epidemiologia da Autonomia Social-Cognitiva

A questão que nos interessa saber é qual a proporção de adolescentes que atingem os níveis que estão relacionados com a autonomia, tal como é conceptualizada na
óptica social-cognitiva.

Surpreendentemente, constatamos que a informação disponível é escassa, mas convergente: todos os autores citados assinalam que a proporção de adolescentes que atingem
esses níveis é baixa. Baseando-nos na informação compilada em trabalhos de revisão (Hill & Holmbeck, 1986), sabemos que os estudos epidemiológicos conduzidos por
Loevinger (Loevinger & Wesseler, 1970, Loevinger et al. 1970, Loevinger, 1985, in Hill & Holmbeck, 1986), referem que apenas uma fracção de cerca de 10% atingem
o estádio Autónomo, embora um outro trabalho (Hauser et al., 1984 in Hill & Holmbeck, 1986), com adolescentes de 14.6 anos de idade média e pertencendo a classes
sócio-económicas alta e média-alta, tenha encontrado uma fracção mais elevada.

A situação é idêntica relativamente ao nível terminal do modelo hierárquico de Kohlberg: vários estudos mostram que poucos adolescentes atingem o nível de "raciocínio
moral na base de princípios" (estádio 5), e quanto aos estádios de desenvolvimento da compreensão interpessoal de Selman, os

resultados referem que apenas 12% de adolescentes atingem o nível de "amizade interdependente autónoma".

Os autores da revisão que temos vindo a citar comentam estes resultados, afirmando que mais importante do que saber se o indivíduo atingiu ou não um estádio elevado
de raciocínio autónomo é saber que processos sócio-cognitivos antecedem a autonomia cognitiva e de que forma a socialização (parental, social) influi nesse desenvolvimento.

É sobre esta última questão que nos iremos debruçar.

88 Adolescência e autonomia

3.4. A Socialização da Autonomia Cognitiva

Vimos anteriormente que, na perspectiva de Piaget, a natureza da relação pais-filhos na infância é inerentemente hierárquica na medida em que a

criança acredita que as regras são externas e para cumprir. É só mais tarde e na interacção com os pares de idade que a criança desenvolve o sentimento de que pode
alterá-las, criar as suas próprias regras tendo por base uma compreensão da interacção. A relação pais-filhos, do ponto de vista da socialização, seria pois, inicialmente,
predominantemente unilateral (moralidade heterónoma), assente numa estrutura de autoridade claramente assimétrica em termos de reciprocidade.

Graças à emergência de um conjunto de novas capacidades cognitivas, o

adolescente pode pela primeira vez pensar a realidade "pais", pensar a relação com os pais e pensar-se a si próprio nessa relação, quer no passado quer no presente.
Esta capacidade de estar simultaneamente dentro e fora, imerso na família e vê-Ia "à distância", cuja dimensão intrapsíquica foi descrita em

profundidade pelas teorias psicanalíticas, coloca a família e o adolescente

numa nova situação.

É forçoso então admitir que a socialização parental tenha um impacto diferente no adolescente e que as mudanças ocorridas no adolescente tenham, também elas, um
impacto nas estruturas de socialização vindas da infância.

Esta questão tem sido abordada por investigadores na área das teorias sócio-cognitivas, numa preocupação de articulação com outras perspectivas, nomeadamente a perspectiva
psicodinâmica e a perspectiva interaccional sistémica. Dessas contribuições iremos destacar aquelas que, do nosso ponto de vista, mais esclarecimento trazem, directa
ou indirectamente, à questão da autonomia adolescente.

Uma contribuição teórica interessante para essa questão é a de Coser (1975, in Hill & Hohnbeck, 1986) sobre a relação dos papéis sociais e a autonomia individual.
Na sua essência, a teoria de Coser consiste em afirmar que, quanto maior for o leque de papéis sociais que o indivíduo tem de assumir e quanto mais complexa for
a articulação desses papéis, maior é a probabilidade do indivíduo desenvolver a sua autonomia e se tomar um adulto autónomo.

Teorias sobre a adolescência 89

Uma questão que se coloca é a da relação entre a autonomia e o conflito entre pais e pares, ao nível das novas expectativas de cada um destes sistemas de socialização.
Segundo Coser, um nível moderado de conflito entre as

normas e as expectativas de pais e pares será um factor de desenvolvimento de autonomia no adolescente. O adolescente, ao confrontar-se com diferentes perspectivas,
terá de desenvolver não só diferentes papéis sociais como ainda

a sua própria perspectiva.

Esta visão encontra algum suporte empírico no trabalho de Emerich et al. (1971, in HilI, 1980), cujos resultados indicam que só a partir da adolescência inicial
é que o indivíduo é capaz de conceber dois meios sociais distintos, nos pais e nos pares, e de diferenciar o seu sistema de normas e que, é na medida em que os diferencia,
que os pode integrar.

Um outro tópico em que a teoria de Coser pode ser aplicada com vantagens para a sua elucidação é a questão da relação entre a autonomia e uma prática educativa parental,
assente na explicação das normas.

Tivemos ocasião de rever alguns estudos que concluem que as explicações dadas pelos pais sobre a regras e normas familiares estão correlacionadas positivamente com
os sentimentos e os comportamentos de autonomia (cf. a rubrica: As Atitudes dos Pais, Cap. 3.3.).

A maior ocorrência de práticas educativas assentes nas explicações parentais, nas famílias mais diferenciadas do ponto de vista sócio-económico, dever-se-ia ao facto
de nessas famílias os pais lidarem com um mais vasto leque de papéis sociais, e portanto - e esse é o principal contributo de Coser
- esses pais seriam adultos mais autónomos.

Por outras palavras, o facto dos pais lidarem com uma rede complexa de papéis sociais dá-lhes a capacidade de uma maior tolerância em aceitar perspectivas diferentes,
maior flexibilidade e maior capacidade de negociar as regras e normas com os filhos adolescentes.

Debrucemo-nos agora sobre as contribuições empíricas ao problema que equacionámos atrás. Merecem particular destaque o trabalho de algumas equipas de investigadores
que, embora em linhas distintas, abordam, entre outros, o problema da interacção entre a autonomia e as relações familiares e

que têm como principais referências: Youniss, Hauser, Grotevant e Cooper.

90 Adolescência e autonomia

Yotiniss e colaboradores têm desenvolvido, desde 1970, uma ampla investigação sobre as relações do adolescente (dos 12 aos 19 anos) com o pai, a

mãe e os amigos, e o seu impacto em algumas áreas do desenvolvimento adolescente, nomeadamente a emancipação e a autonomia.

Para isso, os investigadores estudaram os seguintes aspectos: "interacÇões típicas e agradáveis", "comunicação", "conflitos", "obrigações percepcionais", "o self
na relação" e recorrem basicamente às percepções do adolescente das interacções e às concepções do seu self nessas interacções.

Tentaremos sintetizar aqui os seus resultados (Youniss & Smollar, 1985) mais directamente relacionados com as percepções parentais e a autonomia, problemática em
que a nossa própria investigação se insere.

(1) Percepções da relação Pais - Filha:

O pai é percepcionado pela filha adolescente como uma figura autoritária que orienta e define padrões de comportamento. A relação pai-filha é descrita como distante,
pouco conflituosa, mas desprovida de conteúdo emocional, intimidade, compreensão e aceitação.

A mãe é também percepcionada em termos de autoridade embora a relação mãe-filha seja menos distante e mais complexa. A rapariga adolescente respeita e confia na
mãe, sentindo-se livre para confiar mas também para desobedecer, o que permite um espaço de conversação e de intimidade, apesar da qualidade da comunicação nem sempre
ser a ideal. A vertente de autoridade implícita na relação mãe-filha é atenuada por momentos de proximidade relacional.

(2) Percepções da relação Pais - Filho:

O pai e a mãe são percepcionados pelo filho adolescente como objectos de respeito, a quem se deve obedecer obrigatoriamente.

A relação com o pai é essencialmente unilateral e distante embora exista um espaço para a realização de actividades em conjunto e discussão de problemas práticos
e objectivos.

A relação com a mãe é mais forte e directa o que permite a partilha de confidências e uma maior proximidade relacional. A posição de autoridade e

Teorias sobre a adolescência 91

disciplina é temperada com compreensão e "saber ouvir", possibilitando a comunicação nos dois sentidos.

(3) Percepções da relação Adolescente - Amigos:

A relação de amizade é percepcionada pelo adolescente como uma relação de suporte. É um espaço relacional que se caracteriza pela partilha de actividades, cooperação
e ajuda mútua, compreensão recíproca, aceitação e respeito pelas posições e opiniões diferentes. A relação adolescente-amigos possibilita um contexto em que o adolescente
se experiência como ser individuado e separado dos pais, contribuindo deste modo para o desenvolvimento psicológico e

formação da identidade.

(4) Emancipação e Autonomia:

O conceito de emancipação refere-se tradicionalmente ao insight que o

adolescente consegue ter sobre a sua dependência ao laço parenta] no passado. Desse insight progressivo resultariam ganhos no atenuar dos laços em relação aos pais.
Ora, Youniss e Smollar argumentam que os resultados dos seus estudos não sugerem que a emancipação seja consequência duma compreensão interna atenuadora do laço
emocional até porque a relação parental conserva a sua força; afirmam então que "uma descrição mais apropriada é a que considera que a relação é transformada e não
rompida, em que os adolescentes continuam a responder à autoridade parental ao mesmo tempo que se sentem mais livres dela" (op. cit., p. 160).

Quanto ao conceito de autonomia os autores propõem uma revisão do conceito, que tradicionalmente no seio das teorias cognitivas se refere à capacidade do adolescente
contar mais com o seu auto-raciocínio do que com a

aprovação parental. Contrariando esta concepção, os autores argumentam, tendo por base os resultados dos seus trabalhos, que, mesmo depois da emancipação ter começado,
os adolescentes continuam a procurar o apoio dos seus

pais para as suas ideias e que, mais do que um raciocínio autónomo, o que é típico na adolescência é uma co-construção cooperativa com os amigos e

pares de idade. Concluem que: "Os resultados sugerem que as teorias prévias sobre a autonomia exageraram a independência a expensas do reconheci-

92 Adolescência e autonomia

mento da importância da construção social e da sua base relacional" (op. Cit., p. 161).

Os resultados dos estudos de Yotiniss e Smollar dão claramente suporte empírico às formulações de Piaget e aos autores de orientação social-cognitiva que revimos,
questionando uma formulação mais puramente cognitivista. Nesta última formulação, o conceito de autonomia refere-se à utilização pelo adolescente do raciocínio auto-reflexivo
na conceptualização da realidade, e

de si próprio dentro dela.

Os trabalhos de investigação de Hauser e colaboradores contribuem para a literatura na área das "transformações" na relação familiar durante a adolescência. A variável
"período pubertário" é interligada com outras variáveis tais como idade, sexo, estatuto psiquiátrico e nível de desenvolvimento do ego, na tentativa de se avaliar
o seu impacto na interacção entre pais e filhos adolescentes.

Em 1984, Hauser et al., com base na perspectiva teórica de Stierlin dos constrangimentos parentais, constatam que o desenvolvimento do ego do adolescente está positivamente
relacionado com a maior parte dos comportamentos de mutualidade (aceitação, empatia, explicação), e negativamente relacionado com a maior parte dos comportamentos
de constrangimento (desvalorizar, julgar). Por outro lado, verifica-se que os adolescentes que sabem apresentar e defender o ponto de vista próprio, contribuindo
deste modo com

novas formas para a conversação familiar, têm tendência a apresentar níveis superiores de desenvolvimento do ego. Os padrões de interacção familiar estão pois relacionados
com o nível de desenvolvimento do ego do adolescente e, consequentemente, com o próprio desenvolvimento da autonomia, tal como ela é definida pelo modelo sócio-cognitivo.

Em 1985, Hauser et al., partindo de um estudo longitudinal com amostras clínicas (grupo psiquiátrico hospitalizado) e não-clínicas (estudantes), constatam que o
período pubertário surge como um momento de conflito em que se

observa um aumento de comportamentos constrangedores (julgar, desvalorizar) entre pais e filhos; há uma confrontação viva indispensável ao próprio processo de autonomização,
e os padrões de interacção com os pais tomam-se mais estruturados. O sexo é uma variável que encontra um impacto impor-

Teorias sobre a adolescência 93

tante em várias situações. Em áreas tais como as relações de amizade, namoro, actividades extrafamiliares e escolha ocupacional, a rapariga adolescente necessita
de aumentar os comportamentos conflituosos com os pais para um

nível elevado (comparativamente ao rapaz), de modo a combater a força dos esteriótipos sexuais.

Num trabalho de 1987, Hauser et al. encontram diferenças ao nível do

sexo nos padrões familiares de comunicação verbal. A análise do discurso revela que os rapazes e as raparigas falam mais com o pai do que com a mãe; o discurso apresenta
características cognitivas e afectivas e centra-se na resolução de problemas. Este viés em relação ao pai relaciona-se com o facto de apresentar uma orientação mais
cognitiva no seu discurso, enquanto a mãe é, por vezes, mais constrangedora. No entanto, deve-se sempre ter presente qual o contexto e a natureza da tarefa subjacente.

Grotevant & Cooper colocam a ênfase da sua investigação na análise das relações entre os padrões de interacção familiares e o processo de formação da identidade
e aquisição de competências de desempenho de papéis. O desenvolvimento é encarado numa perspectiva de continuidade e não de ruptura; o

processo de formação da identidade, e consequentemente a autonomia, emerge no contexto da redefinição mútua e progressiva da relação pais-adolescentes.

Os dados da investigação convergem para a constatação de que a ligação e a individualidade na interacção familiar estão relacionadas com a formação da identidade
na adolescência tardia e com o aparecimento de índices de autonomia no adolescente.

Num trabalho de 1982, os autores verificam que enquanto para os rapazes apenas as variáveis da interacção pai-filho são preditivas da exploração da identidade, para
as raparigas, variáveis das duas díades desempenham um papel preditivo (Grotevant & Cooper, in Hill e Holmbeck, 1986). Num estudo posterior (1983), constatam que
um grau moderado de ligação aos

pais relaciona-se positivamente com o processo de formação da identidade, enquanto que níveis elevados ou demasiados baixos de aceitação e abertura parental podem
inibir os comportamentos de exploração do adolescente. Os adolescentes com níveis altos de exploração da identidade parecem percepcionar positivamente o envolvimento
com a família, participam activamente

94 Adolescência e autonomia

nessa interacção e reconhecem que os outros são diferentes, mas que podem funcionar como suporte. Concluem que, na interacção pais-adolescentes, a

dimensão individualidade facilita o desenvolvimento do self adolescente como distinto e único, e a dimensão ligação fornece a segurança e a auto-estima que permitem
ao adolescente comportamentos de exploração. Partindo de uma amostra não-clínica de estudantes universitários, Grotevant e Cooper (1982) encontram que o desenvolvimento
da identidade e o desempenho de papéis parecem ser facilitados por um sistema familiar individuador, em que os membros apresentam as seguintes características de
interacção: responsabilidade na expressão do seu ponto de vista (auto-asserção); respeito pelos sentimentos, ideias e pensamentos dos outros (permeabilidade) e responsividade
e abertura às ideias dos outros (mutualidade).

A formação da identidade é um processo multidimensional que abrange diferentes áreas, incluindo a escolha ocupacional, as relações interpessoais, os papéis sexuais,
as ideias políticas e religiosas. Grotevant e Cooper orientam os seus trabalhos mais especificamente para a identidade ocupacional (1982) e para as relações de amizade
e namoro (1987). Constatam a existência de padrões de interacção familiares distintos, associados com a identidade relacional do adolescente. As raparigas com níveis
elevados de exploração ao nível das relações de amizade e namoro exprimem um maior afastamento da interacção familiar; pelo contrário, nos rapazes, a exploração
e a
interacção familiar pressupõem a dimensão ligação; a relação pai-rapaz, naquilo que implica de tolerância e encorajamento, é preditiva em relação aos
comportamentos de exploração no namoro. Estas diferenças de sexo estão intimamente ligadas às expectativas sociais atribuídas ao rapaz e à rapariga relativamente
às tarefas desenvolvimentais. Provavelmente, a necessidade de separação dos pais que a rapariga adolescente sente nos seus comportamentos de exploração reflecte
um esforço na tentativa de ultrapassar as restrições que lhe são impostas em domínios tais como as relações de amizade, tempos livres e desenvolvimento da carreira
(Grotevant Cooper, in press, in Cooper & Grotevant, 1987).

Teorias sobre a adolescência 95

4. PERSPECTIVAS ETOLóGICA E SOCIOLóGICA

Abordaremos neste capítulo as contribuições de alguns autores que, sob o

ângulo das perspectivas etológica e sociológica, se debruçaram sobre a questão da autonomia adolescente.

A investigação sobre a separação adolescente -progenitores, na área da etologia humana, embora incipiente, parece-nos promissora, porque, com a sua perspectiva pancultural
e funcional, estaria em posição de elaborar uma

descrição da adolescência humana normal.

O renovado interesse pela teoria da evolução tem-se concretizado em

algumas áreas da psicologia e nomeadamente em estudos de campo de base etológica, em primatas não humanos. São exemplo disso o estudo do processo de dispersão -
processo através do qual o animal sai do local onde nasceu para outro local -, que tem sido objecto de recentes pesquisas na

ciências naturais (Bekoff, 1977; Kleiman & Brady, 1978), bem como o

estudo da adolescência nos chimpanzés (Goodall & Hamburg, 1975).

Weisfeld (1979), não se debruçando em particular sobre o processo de separação, mas adoptando uma perspectiva etológica sobre a adolescência humana, afirma a existência
duma analogia entre esta e a de muitas outras espécies.

Na base de uma análise evolucionista, Weisféld aponta como desenvolvimentos básicos da adolescência: a maturação reprodutiva e a aquisição da independência face
aos pais.

O autor tenta demonstrar que as mudanças universais da adolescência são de base biológica e mais compreensíveis em termos de funções: "Através da análise etológica
começamos a perceber não só o que acontece na adolescência, mas também porque é que, e como, estas mudanças ocorrem" (op. cit., pág. 52).

Weisfeld & Berger (1983) apontam como estratégia de investigação básica a identificação de comportamentos de base biológica ou evolutiva e a descoberta das suas
funções evolutivas. Nessa linha, propõem uma primeira abordagem etológica das funções evolutivas dos seguintes aspectos da ado-

96 Adolescência e autonomia

lescência: surto de crescimento puberal, características sexuais secundárias, maior agressividade nos rapazes, fricção entre adolescentes e adultos, solidariedade
entre grupos do mesmo sexo, interesse pelas crianças, especialmente nas raparigas.

Os autores apontam para a necessidade de estudos interculturais, hormonais e comparativos: "Sem tal investigação, a natureza da adolescência humana permanecerá obscura"
(op. cit., pág. 13 1). Criticam ainda as teorias da aprendizagem, cognitivas e psicanalíticas porque insuficientes para explicar todos os aspectos envolvidos no
desenvolvimento e sugerem uma abordagem teórica geral, através da identificação das características universais da adolescência e o seu enquadramento num sistema
explicativo de maior amplitude.

Neste âmbito, a obra de Michael Bloorn (1980), Adolescent-Parental Separation, propondo um quadro de referência de base etológica, mas abarcando outras perspectivas,
merece a nossa atenção.

O autor desenvolve nessa obra os seguintes tópicos: (1) a correlação estreita existente entre o processo de separação na adolescência e os processos de perda e luto
descritos por outros autores (Freud, Bowlby, Parkes, Edelson), estabelecendo a diferença principal na opção ou desejo de separação que se verifica na adolescência;
(2) a importância do desenvolvimento cognitivo fazendo depender a identificação adequada da aptidão cognitiva; (3) o processo de separação nos pais, enquanto perda
duma parte da identidade parental e da orientação geradora (generative orientation), descrita por Erickson.

Sugere como quadro de referência global a teoria cibernética dos comportamentos de vinculação (control theory of attachment behavior) de Bowlby (1965). Propõe uma
nova avaliação do conceito de identificação e a elaboração dum "mapa etológico" que associe factos antes não associados: os processos de separação, identificação,
desenvolvimento moral infantil e os

objectivos de vida (life goals), apresenta, por fim, o síndrome borderline como a resposta patológica à separação e discute terapêuticas.

O autor descreve ainda, e essa é uma parte substancial da sua obra, o processo de separação adolescente-progenitores em estádios, segundo a sequência: controlo do
impulso para permanecer ligado; realização cognitiva da

Teorias sobre a adolescência 97

separação; resposta afectiva à separação; identificação; atenuação da relação pais-filho; e nova identidade e novas relações com os pais.

Identifica também as variáveis que, na sua perspectiva, afectam o processo: aptidão individual para a independência; influências cognitivas, incluindo a

permanência do objecto e os modos de adaptação assimilação-acomodação; natureza da relação pais-filho; experiências de separação do passado, dos pais e do adolescente;
influências culturais no processo de separação.

Bloorn avança a hipótese do carácter inato do processo de separação e

reavalia o conceito de identificação. Na sua perspectiva, e situando-se na

linha de pensamento de Bowlby (1973), o mecanismo de identificação estaria ligado ao processo de separação, enquanto motivação primária para a identificação, e não,
como na perspectiva de Freud, à problemática edipiana, enquanto identificação ao agressor. Segundo a perspectiva de Bloom, os

mecanismos de motivação internas são dirigidos para desencorajar a separação. Se esta ocorre, os mecanismos, nos últimos estádios da separação, são

dirigidos para tomar o indivíduo mais apto a sobreviver sem a relação perdida. Para o adolescente isto implicaria a capacidade de conseguir por si próprio, quer
física quer psicologicamente, o que era previamente providenciado pela pessoa que perdeu, por outras palavras, a capacidade de se identificar aos pais. A identificação
seria portanto, primariamente motivada, mais pelo processo de separação, do que pelo Complexo de Édipo.

Daí que o autor sublinhe a importância dada por todas as correntes de psicologia ao processo de identificação: "A propensão dos adolescentes para internalizar as
qualidades dos adultos à medida que se separam é uma

característica comum encontrada, quer nas culturas de caçadores e agricultores quer nas culturas de chimpanzés. Este facto confere um suporte adicional ao carácter
inato do processo. Toma-se também evidente que nas culturas que promovem o processo de identificação através do desenvolvimento da criança encontra-se muito menos
stress do que nas culturas que não o promovem. Na cultura americana contemporânea, por exemplo, os rapazes raramente vêem os pais em acção no trabalho. As normas
culturais inibem de facto esta observação e certamente não existem rituais que promovam a

identificação adolescente" (op. cit., p. 49).

98 Adolescência e autonomia

Sabemos que a abordagem etológica está na base de contribuições importantes para a psicologia do desenvolvimento, sobretudo na infância, de que a

teoria da vinculação de Bowlby é uma demonstração notável. Neste sentido, pensamos que o constructo teórico desenvolvido por Bowlby (1969), aplicando princípios
etológicos ao estudo do comportamento humano, pode revelar-se útil à investigação da separação adolescente-progenitores.

No âmbito da sociologia da família, encontramos um número restrito de referências a estudos sobre a adolescência. Segundo Grelley (1983), "o adolescente parece estar
ausente para não dizer excluído da sociologia da família" (OP. cit., P. 105) e os estudos que existem abordam o adolescente, não no interior da sua família, mas
na maioria dos casos em ruptura com ela ou já na posição, por sua vez, de jovem chefe de família. Os estudos que revimos, abordando o tema da "contracção" familiar
aquando da saída dum membro adolescente, descrevem esse período como

não conflituoso, em virtude do carácter gradual do acontecimento e da manutenção dos laços familiares, na forma de visitas e de ajudas mútuas (13lood,
1972).

Num estudo feito a famílias urbanas da classe média, já sem os filhos em

casa, Deutscher (1968) verifica que as famílias na sua maioria sentem esse período como tão bom, ou melhor em alguns casos, do que o que antecedeu a

partida dos filhos. A pesquisa do grau de satisfação conjugal em diferentes fases do ciclo de vida da família indicou um maior grau de satisfação em

famílias já sem os filhos em casa do que em famílias com filhos de mais de
18 anos ainda em casa (13lood & Wolfe, 1960).

Não podendo ser generalizados, estes dados parecem reforçar a ideia da separação como período natural do ciclo de vida, encorajado pela cultura, e

conduzindo, se não encontrar vicissitudes, a uma satisfação mútua, nos pais e

no adolescente.

CAPíTULO TERCEIRO

A AUTONOMIA ADOLESCENTE

E A FAMíLIA

1. A INFLUÊNCIA DA CULTURA

O adolescente faz a transição dum estado de dependência para um estado

de maior autonomia, entendida esta enquanto um grau mais elevado de autogoverno.

Esta transição sofre naturalmente a influência do tipo de socialização que ocorre no contexto mais largo do meio social e no contexto mais específico da família.
A extensão, em quantidade e qualidade, de autonomia está associada, entre outros factores, às normas, valores e expectativas culturais, bem

como ao tipo de socialização, de práticas educativas, que de alguma forma exprimem a cultura.

A variabilidade intercultural dos valores associados ao conceito de autonomia na adolescência foi comprovada empiricamente em estudos específicos e estudos de orientação
familiar. De acordo com a revisão de Poole et al. (1986) constata-se, por exemplo, que: (1) as sociedades com mais altos níveis de desenvolvimento económico, como
os E.U.A., valorizam mais a

individualidade e a autonomia, do que outras menos desenvolvidas, (2) os

adolescentes americanos apresentam maior capacidade de autodecisão do que os adolescentes hindus, mais guiados pelas decisões parentais e (3) as estruturas familiares
anglo-americanas atribuem um alto valor ao desenvolvimento da autonomia nos filhos.

Num estudo conduzido por Keith et al. (1969 in Poole et al., 1982), em

adolescentes dos E.U.A. e das Filipinas, verifica-se que embora não se tenham

encontrado diferenças entre o grupo rural e o grupo urbano nas Filipinas, 53

102 Adolescência e autonomia

itens (em 75) diferenciam claramente os adolescentes das duas culturas, evidenciando uma direcção comum em relação a uma expectativa mais precoce de realização de
comportamentos de autonomia nos adolescentes americanos.

Também Poole et al. (1982), ao comparar 3 amostras de adolescentes, nos E.U.A., na Índia e na Austrália, ao nível das suas percepções sobre a sua

própria autonomia e ao nível do controlo exercido pelos membros da família nos seus comportamentos e planos, encontra grande variabilidade intercultural: os adolescentes
americanos, comparativamente aos outros, apresentam uma percepção mais elevada de autonomia e uma maior influência sobre as decisões familiares. O estudo permite
ainda identificar diferenças intra e

interculturais nas atitudes, materna e paterna, relativamente à autonomia.

O estudo é replicado, comparando adolescentes na Austrália e em Singapura (Poole et al., 1986) e a influência do factor cultural é de novo posta em

evidência: os adolescentes australianos tem uma percepção de maior autonomia e vivenciam um grau mais baixo de coesão familiar. Os autores concluem pela importância
do factor cultural principalmente na emergência da autonomia adolescente e na manutenção da coesão familiar.

Também Karidel & Lesser (1972), num importante estudo intercultural conduzido em duas sociedades industrializadas ocidentais, nos E.U.A. e na Dinamarca, trazem suporte
à tese da variabilidade intercultural.

Os autores examinam, numa amostra emparelhada de 2118 adolescentes americanos e dinamarqueses, os sentimentos subjectivos de autonomia em

alguns aspectos de interacção familiar. Relativamente ao factor cultural (controlado que foi o factor sócio-económico) os resultados indicam que os adolescentes
dinamarqueses relatam mais sentimentos subjectivos de autonomia do que os adolescentes americanos. O estudo permitiu correlacionar estes resultados com padrões de
interacção familiar diferentes numa e noutra cultura, a que faremos referência posteriormente.

Estes resultados evidenciam a importância da cultura na transição para a autonomia: ela modela as expectativas sociais, não só quanto à idade de emergência dos comportamentos
de autonomia como também à quantidade e

qualidade de autonomia conseguida.

A autonomia adolescente e a família 103

2. FAMÍLIA E CLASSE SOCIAL

Se, por um lado, constatamos que as diferentes normas e valores culturais produzem alterações na forma como as famílias e os adolescentes em geral lidam com as questões
da transição adolescente para o estatuto de adulto, por outro lado, essas normas, dentro dum mesmo contexto cultural, nem sempre são explícitas nem uniformes.

Nas sociedades industriais ocidentais, onde as mudanças sociais são rápidas e onde são por vezes os próprios adolescentes os definidores da cultura (Mead, 1970),
a indefinição quanto ao estatuto de autonomia adolescente permanece e encontra expressão na variabilidade intercultural dos deveres e direitos deste grupo etário.

Argumenta-se mesmo que a ambivalência quanto aos direitos dos adolescentes decorre em parte da incerteza sobre se os adolescentes podem ser considerados "pessoas
autónomas" ou não. As dúvidas sobre a autonomia adolescente radicam no problema da competência ou incompetência dos adolescentes em tomar decisões. Na opinião de
Melton (1983), por exemplo, a

competência do adolescente em tomar decisões foi largamente comprovada pela investigação psicológica e o seu reconhecimento como pessoa autónoma, plenamente capaz
de tomar decisões quanto às questões privadas (tratamentos médicos, contracepção, aborto, etc.), traria grandes benefícios psicológicos e sociais.

É de admitir que a indefinição das normas sociais, juntamente com outros

factores, alguns deles equacionados no Cap. 1, contribuam para transformar a socialização da transição do estado de dependência para um estatuto de pessoa adulta
numa questão altamente dependente das práticas educativas e

das interacções familiares.

Algumas famílias, numa mesma sociedade, concedem um grande grau de autonomia aos seus filhos adolescentes, outras, pelo contrário, reforçam os

padrões de controlo.

Uma das questões que, nesta área, tem interessado os investigadores é conhecer a relação que existe entre a autonomia concedida ao adolescente e

104 Adolescência e autonomia

a classe social de pertença. Vários estudos foram conduzidos nesse sentido: encontrar as correlações entre o estatuto sócio-económico dos pais e o grau de autonomia
nos seus filhos adolescentes.

Psaffias (1957) estuda a influência da variável classe social em adolescentes do sexo masculino, de origem étnica diferente (italiana, judia e outras

etnias) vivendo nos E.U.A., e correlaciona a classe social dos pais com a percepção da quantidade de autonomia que os adolescentes sentem ter em quatro dimensões:
Permissividade nas Actividades fora de Casa, Consideração pelo Julgamento dos Pais, Actividades com Implicações no Estatuto e Permissividade nas Actividades Relacionadas
com a Idade.

Psattias verifica que controlando a classe social, não se encontram diferenças devidas à emia, o que o leva a concluir terem os grupos étnicos sido assimilados à
cultura americana. A primeira constatação que nos ocorre realçar é que os adolescentes não percepcionam a autonomia como uma simples libertação da influência parental,
mas os seus sentimentos face à autonomia reflectem uma preocupação pelo julgamento que os pais fazem das suas opiniões.

Quanto à influência da classe social, os resultados indicam que as classes sociais mais baixas dão mais autonomia aos filhos nas "actividades fora de casa" e "actividades
relacionadas com a idade", e que as classes sociais mais elevadas têm mais em conta as opiniões dos seus filhos nas decisões. As famílias são equivalentes no que
diz respeito às actividades que afectam a reputação ou o estatuto dos seus filhos.

Psathas verifica ainda que, nas classes médias, a expectativa quanto à emergência dos comportamentos de autonomia se situa mais cedo no tempo do que nas outras classes.

Para Psattias, os resultados do seu estudo estão de acordo com trabalhos anteriores, segundo os quais os pais das classes médias se preocupam mais em favorecer a
independência dos filhos, mas são menos permissivas que os

das classes baixas.

A vida nas famílias de classe baixa, segundo Erickson (1947, in Psattias,
1957) é organizada de forma menos rígida, pelo que menos exigências são feitas à criança. Então, os padrões menos rígidos nas classes baixas levam a maior independência
devido não a um treino positivo para a independência,

A autonomia adolescente e a família 105

mas a um maior abrandamento do controlo parental, verificando-se maior permissividade quer nas actividades exteriores quer nas que se relacionam com a idade.

O nível mais baixo de independência dado pelas famílias de classe média nestas mesmas dimensões pode reflectir, segundo Psathas, uma atitude deliberada para socializar
a ansiedade, isto é, a manutenção de supervisão pode servir para tornar o jovem consciente da importância de um comportamento adequado em relação às normas sociais.

O facto de as famílias de classe média concederem maior participação na

tomada de decisões é interpretado pelo autor como uma forma de os pais estabelecerem regras de conduta e avaliarem o grau de aceitação destas normas nos filhos.
Tratar-se-á então de treino para a independência, mas também não será alheio o facto de as discussões familiares servirem a função de induzir maior conformidade
às normas parentais.

As conclusões de Psathas vão no sentido das de Nye e Kohn e os seus resultados contrariam os primeiros resultados encontrados nesta área por Dimock (1937), que não
encontrou nenhuma correlação entre a classe social e o estatuto de emancipação do adolescente.

Nye (1951, in Psathas, 1957) considera que o ajustamento pais-adolescente é "melhor" nos níveis sócio-económicos elevados, onde os adolescentes obtêm scores mais
elevados no sentimento de serem amados e de terem a confiança dos pais.

Kohn (1977 in HilI, 1980) estudou as relações entre a participação parental no mundo do trabalho e o comportamento face aos filhos, concluindo que: (1) as classes
trabalhadoras, comparativamente às classes médias, valorizam mais, nos filhos, a sua conformidade à autoridade (obediência) do que o autocontrolo e (2) os filhos
são punidos, mais pelas consequências daquilo que fazem, do que pelas intenções.

Segundo a revisão da bibliografia, feita por Hill (1980), encontram-se regularmente na literatura resultados consistentes com a formulação de Kohn sobre as variações
entre o "parenting" e a classe social.

Também Fasick (1984), baseando-se na literatura americana existente sobre esta questão, constrói um quadro síntese onde põe em correlação a

106

Adolescência e autonomia

"classe social", a "quantidade de autonomia comportamental" e a "importância da cultura juvenil", que passamos a apresentar:

Classe Social

Estrato Superior

Estrato Médio

Estrato Inferior

Quantidade de Autonomia

Comportamental

Pouca. Actividades rigorosamente supervisadas. No ensino privado. Socialização para funções de leadership.

Limitada. Usualmente no ensino oficial. Actividades supervisadas, mas muito mais liberdade.

Considerável. Frequente abandono escolar para trabalho com responsabilidade.

Importância da Cultura Juvenil

Pouco importante. Actividades lúdicas cooptadas pela socialização pró-adulto.

Importante. Fornece conteúdo cultural às relações com pares, orientadas para a autonomia.

Pouco importante. Autonomia lata.

Adaptado de: Fasick (1984). "Parents, Peers, Youth Culture and Autonomy" in Adolescence, Adolescence,
19(73), 143-157.

O autor conclui que o controlo e a influência parental tendem a variar directamente com os recursos sócio-económicos que os pais dispõem para ajudar os seus filhos
a conseguirem um estatuto social, e que a autonomia comportamental concedida tende a estar inversamente relacionada com o posicionamento dos pais na hierarquia social.

Quanto à importância da cultura juvenil na socialização do adolescente, os estudos indicam que a tendência vai no sentido duma relação curvilinear: a

importância é menor nos graus extremos da hierarquia social, ou seja, nas classes mais elevadas e nas classes menos elevadas. Nas classes sociais médias, onde o
controlo e a influência parental não são nem muito fortes nem muito fracos, a cultura juvenil tem mais tendência a florescer e a cooptar os adolescentes.

A autonomia adolescente e a família 107

Os resultados dos trabalhos revistos dizem-nos que os padrões familiares diferem quanto ao início no tempo do training para a autonomia, quanto à quantidade de autonomia
concedida, mas também que dentro da mesma

família o padrão familiar difere em função do tipo de autonomia: por exemplo, no estudo de Psathas, algumas famílias restringem a autonomia nas actividades fora
de casa, mas promovem a autonomia na tomada de decisão, na expressão de ideias, opiniões e juízos dentro de casa e noutras famílias encontra-se o padrão inverso.

Qual o impacto de cada um desses padrões no desenvolvimento psicossocial do adolescente?

Hill (1980) responde a esta questão afirmando que as teorias sobre o desenvolvimento adolescente defendem como mais desejáveis para o

desenvolvimento da autonomia as atitudes parentais mais orientadas para o

desenvolvimento do autocontrolo do que para a conformidade à autoridade externa.

O efeito da classe social de pertença da família na forma como esta lida com as questões da autonomia durante a adolescência dos seus filhos encontra-se demonstrada.

No entanto, "muitas formas de educar as crianças transcendem as circunstâncias sociais e económicas das famílias. Nos anos mais recentes identificaram-se algumas
diferenças importantes entre as famílias na socialização dos seus filhos" (Sprinthall & Collins, 1984, p. 216) e é no efeito desses diferentes tipos de socialização
- reflectidos em distintas práticas educativas, formas de exercício da autoridade, e outros aspectos de comportamento parental - sobre a autonomia que iremos centrar-nos
agora.

3. AS ATITUDES DOS PAIS

Apesar da notável variabilidade intercultural do comportamento adolescente (Mead, 1970) e da larga disparidade que existe na conceptualização da

108 Adolescência e autonomia

adolescência, as várias abordagens convergem num ponto comum: a autonomia, ou noutros termos, a separação de pais e adolescentes, é a tarefa desenvolvimental mais
importante da adolescência.

Porém, nenhum modelo explicativo sobre a relação entre a autonomia e os cuidados parentais se impôs de maneira determinante. Embora a maior

parte da investigação empírica nessa área, realizada essencialmente nos

E.U.A., tenha discutido os resultados encontrados à luz das teorias psicanalíticas, raramente derivou directamente as suas hipóteses a partir dessas mesmas teorias.

Os primeiros trabalhos datam dos anos 30 (Dimock, 1937, Sherman,
1946), mas o maior volume de investigações surgiria a partir dos anos 60, impulsionadas pelos trabalhos de observação directa de famílias, realizados por Baumrind.

De acordo com os resultados das diversas investigações de Baumrind (1966, 1967, 1968) constata-se que a maior ou menor autonomia no adolescente está associada a
dimensões do comportamento parental. Dimensões essas que viriam a revelar-se, em investigações produzidas também por essa

altura (Schaefer, 1965, Becker, 1964), serem dimensões relativamente independentes e reflectindo o essencial do comportamento parental: a dimensão

do afecto - "amor vs. hostilidade" - e a dimensão das práticas educativas

"autonomia vs. controlo". São também essas as dimensões das atitudes parentais que decidimos estudar no nosso trabalho de investigação já que são, reconhecidamente,
as

dimensões que melhor explicam a variabilidade dos comportamentos dos pais.

No essencial, Baunirind verifica que a autonomia na adolescência é fomentada por atitudes parentais que conjuguem em simultâneo a definição clara de limites e regras
para o comportamento e uma relação calorosa e de aceitação.

Esta mesma conclusão vem a ser confirmada por outros trabalhos, utilizando metodologias e conceptualizações diferentes, e trabalhando com outras variáveis do comportamento
parental, embora, de acordo com a opinião de Enright et al. (1980), ainda pouca investigação se tenha produzido sobre os

A autonomia adolescente e a família 109

efeitos dos cuidados parentais na autonomia adolescente. Iremos rever aqui alguns desses trabalhos.

As implicações das diferenças parentais no seu relacionamento com os filhos durante a adolescência foram profundamente estudadas por Elder (1963). A sua investigação
forneceu uma descrição prototípica dos estilos parentais, ou níveis de poder, e os seus efeitos concomitantes na autonomia adolescente.

O autor analisou a relação entre o grau de legitimação do poder parental, dado pela frequência das explicações das normas, e três aspectos no adolescente: a autonomia
(definida pela capacidade de tomar decisões e pelo sentimento de autoconfiança nos objectivos pessoais e nos padrões de comportamento), o desejo de se parecer aos
pais e a obediência às regras parentais. Fez esta análise em três níveis de poder parental, caracterizados por três tipos de interacção entre pais e adolescentes:
autocrático, democrático e permissivo.

Trabalhando com uma grande amostra de 7680 estudantes norte-americanos, representativa dum universo de 19.200 estudantes do 7.9 ao 12.9 ano de escolaridade, Elder
concluiu que a autonomia é mais típica nos adolescentes cujos pais são simultaneamente permissivos ou democráticos e dão frequentemente explicações como forma de
legitimação do seu poder. Os adolescentes que raramente recebem explicações encontram-se menos aptos a exibir comportamentos autónomos. Entre os pais que explicam
as suas decisões, os de estilo democrático são os que mais favorecem a autonomia dos filhos.

Outra conclusão de Elder é que os adolescentes são mais conformes aos pais como modelos, nas famílias de estilo democrático.

No mesmo sentido vão os resultados dum importante estudo, realizado nos E.U.A. e de âmbito nacional (considerado hoje referência fundamental nos estudos sobre a
autonomia adolescente), levado a cabo por Douvan & Adelson (1966). Esta pesquisa foi realizada numa amostra estratificada de estudantes americanos, representativa
da população estudantil geral e abarcou 3050 adolescentes, de idades compreendidas entre os 11 e os 19 anos.

Os resultados indicam que um estilo democrático de controlo parental se

associa a maior autonomia no adolescente; pelo contrário, pais autocráticos

110 Adolescência e autonomia

ou muito permissivos tem com grande frequência filhos com baixa autoconfiança e dependentes ou revoltados.

A autonomia está mais presente em adolescentes cujos pais permitem e encorajam os filhos a separarem-se gradualmente da família. Segundo os

autores, os jovens mais autónomos representam os pais como preocupados e

orientadores, mas não como severos. Eles participam na definição das regras que os governam e são capazes de se ver, nas histórias projectivas, a discordar dos pais.
Os dependentes e revoltosos dizem que a coisa mais importante que os pais esperam é a obediência e raramente admitem discordar dos pais.

Os resultados de Douvan e Adelson vão também em apoio das teses defendidas por Elder (1963) quanto à importância da fundamentação do poder exercido pelos pais.

Com efeito, Douvan & Gold (1966) comentam que as diferenças entre os sistemas de controlo, autoritário ou democrático, podem ser concebidas enquanto diferenças na
natureza dos sinais cognitivos fornecidos pelos pais aos filhos: os pais democráticos, mais do que os autoritários, apelam ao pensamento, à compreensão das regras
e podem exercer um controlo mais consistente em caso de desvio às regras estabelecidas. Na verdade, a inconsistência das regras e dos modos de as controlar encontra-se
com mais frequência nas famílias de adolescentes não autónomos e imaturos (Bowerrnan & Elder 1962, Peck & Havighurst 1960, in Douvan & Gold, 1966).

Estas questões são tanto mais importantes quanto se sabe empiricamente que os padrões parentais continuam a desempenhar um papel determinante na

orientação do comportamento adolescente: no estudo que temos vindo a referir, as raparigas em geral e os rapazes de 16 anos ainda indicam os padrões parentais como
os que mais pesam na tomada de decisão.

Nesta linha de investigação importa realçar o trabalho de Enright et al. (1980) que aprofundam a investigação conduzida por Elder (1963). Os autores criticam a ausência
de perspectiva desenvolvimental em Elder, na medida em que não estuda os efeitos diferenciais ligados à fase de desenvolvimento do adolescente.

Enright et al. conduzem o seu estudo sobre a autonomia e sobre a identidade adolescente em duas amostras de adolescentes em fases de desen-

A autonomia adolescente e a família 111

volvimento distintas, que designam por adolescência inicial (12-13 anos) e

por adolescência tardia (16-17 anos).

Os resultados encontrados pelos autores, se por um lado demonstram uma

forte correlação entre os estilos parentais e o nível de identidade alcançados encontram uma correlação menos nítida entre a autonomia e os estilos parentais, quer
no início quer na fase final da adolescência. No entanto, Enright et al. concluem que a autonomia beneficia com um estilo parental permissivo e

afirmam que os seus resultados apoiam a investigação prévia de Elder (1963).

O efeito principal ligado à variabilidade da autonomia proveio, neste estudo, da variável sexo, o que levou os autores a concluir que "a autonomia parece ser mais
influenciada pela socialização dos papéis sexuais do que pelo nível de poder parental" (op. cit., p. 544).

Na mesma direcção vão os resultados dum estudo longitudinal realizado durante 40 anos por Allaman et al. (1972, in Sprinthall & Collins, 1984) que demonstram a correlação
existente entre um estilo autoritário de parenting durante a infância e um comportamento não autónomo na adolescência e adultícia.

Os autores estudam num mesmo grupo de sujeitos - durante a primeira infância, aos 18 anos e aos 26 anos - a relação entre os padrões de cuidados parentais e a autonomia
revelada na adolescência e na adultícia.

Concluem que os sujeitos cujos pais foram exigentes e simultaneamente rejeitantes, frios e repressivos, eram, na adolescência e na idade de jovens adultos, indivíduos
não-autónomos e ansiosos procurando permanentemente a aprovação dos outros. Estes adolescentes vindos de famílias de tipo "autoritário" tinham tendência para pensar
que tinham pouco ou nenhum controlo sobre aquilo que lhes acontecia.

Partindo dum quadro de referência teórica mais específico do que os anteriores - as teorias de Bowlby -, Murphey et al. (1963) desenvolvem uma

interessante pesquisa sobre a relação entre a capacidade de realizar comportamentos autónomos e a interacção familiar, em adolescentes tardios, em fase de ingresso
na Universidade.

Segundo Murphey et al., os pais de jovens com resultados mais elevados, tanto em autonomia como em proximidade, tinham como principais caracte-

112 Adolescência e autonomia

rísticas: não eram completamente centrados no filho, mães com carreiras profissionais satisfatórias, pais e mães com grande clareza na área dos valores e modelos,
dando muito valor à autonomia e comportando-se de forma congruente com estes valores. Há nestas famílias uma definição clara de fronteiras entre pais e filhos. Os
pais/mães preocupam-se com que o filho internalize alguns dos seus valores, mas deixam-no livre para pedir ajuda apenas quando julgar necessário. Nestas famílias,
a diminuição do controlo parental é gradual. Os pais tendem a ter valores mais estáveis e consistentes, e são capazes de os comunicar aos filhos. Na vida diária,
demonstram congruência entre as suas crenças e acções tomando-se modelos para os filhos.

Inversamente, os pais do adolescente com baixa autonomia e proximidade reflectiam dificuldades em comunicar e reconhecer as necessidades e interesses dos seus filhos.

Este trabalho permitiu ainda verificar que os adolescentes "autónomos e próximos" eram aqueles que melhor lidavam com os problemas postos pela separação física (saída
de casa e ingresso no College).

O estudo da relação entre o estilo de controlo parental e a autonomia, bem como o estudo da relação entre a autonomia subjectiva no adolescente e a qualidade do
afecto percepcionado na interacção com os pais são questões centrais na investigação de larga-escala, conduzida por Karidel & Lesser (1969, 1972).

Os resultados encontrados dão consistência à investigação prévia no que diz respeito à influência do estilo de controlo parental: os adolescentes dinamarqueses,
provenientes de famílias predominantemente democráticas - em

contraste com as famílias americanas que, comparativamente, os autores dizem ter um estilo mais autoritário -, apresentam scores mais elevados de autonomia. Porém
o tipo de afecto, a qualidade de aceitação entre pais e

filhos aparece claramente neste estudo como a variável crucial, comum aos dois tipos de estilos parentais.

Quer nas famílias dinamarquesas quer nas americanas, os autores concluem que o sentimento no adolescente de ter alcançado autonomia está associado com interacções
positivas com os pais: (1) a percentagem de adolescentes que discute os seus problemas com os seus pais aumenta de 19% para

A autonomia adolescente e a família 113

48% quando se passa dos 14 para os 19 anos; (2) os que referem sentimentos subjectivos de autonomia mais vezes também referem que se sentem mais

próximos dos seus pais, que gostam de fazer coisas com eles, que consideram os seus conselhos e que querem ser como eles; (3) os que referem sentimentos subjectivos
de autonomia vêm os seus pais como "fora de moda" menos

frequentemente. Referem também menos frequentemente não só terem conflitos na relação com os pais como também serem as relações mais difíceis

agora do que na infância.

Os autores concluem que a autonomia subjectiva nos adolescentes se

associa com relações próximas e calorosas com os pais, numa atmosfera de

aceitação da influência parental.

A importância dos factores parentais, quer na dimensão do controlo quer na dimensão do afecto, para o desenvolvimento da autonomia durante a adolescência parece
não merecer contestação.

Martin (1975), em artigo de revisão, fazia a síntese das conclusões afirmando que "a evidência mais convincente nesta altura é a de que o comportamento independente
está associado com um padrão de interacção pais-filho em que os pais solicitam um comportamento apropriado à idade, fazem cumprir as regras firme e consistentemente,
encorajam, escutam e são ocasionalmente influenciados pela comunicação vinda dos filhos e fornecem uma quantidade generosa de afecto e aprovação" (op. cit., p. 508).

O autor lamenta contudo que os trabalhos de investigação publicados até a altura não permitam ainda avaliar a contribuição relativa de cada uma destas características.

4. CONFLITOS ENTRE PAIS E ADOLESCENTES

Os resultados do trabalho de Karidel & Lesser, em conjunto com o de outros importantes trabalhos realizados nas décadas de 60 e 70, visando não directamente o estudo
da autonomia mas a relação pais-adolescentes em

114 Adolescência e autonomia

geral, e abordando-a portanto indirectamente, estão no centro duma controvérsia sobre o carácter mais ou menos conflituoso do processo de autonomia:

- A autonomia adolescente processa-se predominantemente num contexto de ruptura e de conflito com os pais ou num contexto de transformação e de harmonia?

A questão teórica, tal como a colocam os investigadores, é, grosso~modo, a seguinte: as teorias psicanalíticas sobre a adolescência argumentam que o conflito, a
rebelião, a ambivalência e a desidealização caracterizam a adolescência normal e são necessárias para atingir a autonomia; nesta perspectiva, os sinais de autonomia
deverão estar correlacionados mais com uma orientação neutra ou negativa para com os pais (desvinculação ou rebelião) do que com uma orientação positiva.

Esta questão esteve presente na discussão dos resultados dos mais importantes estudos realizados corri grandes amostras de adolescentes, nos E.U.A., tais como The
Adolescent Experience (Douvan & Adelson, 1966) The Psychological World of the Teenager (Offer, 1969), Youth in Two Worlds (Kandel & Lesser, 1972), que temos vindo
a referir.

Em 1966, Douvan & Gold (1966) escreviam que " tradicionalmente, a questão da autonomia na adolescência tem sido concebida como uma luta: pai contra filho numa contestação
pelo domínio, filho contra mãe numa mais branda mas mais difícil e envolvente luta pela auto-definição e integridade, lidando o filho com a partida de casa somente
por meio da rebelião, mascarada ou fortemente representada, muda ou estridente" (op. cit., p. 485).

Ora, os resultados da investigação levada a cabo por Douvan & Adelson (1966) contrariam esta visão. Os autores afirmam não ter encontrado adolescentes clamando por
liberdade ou tentando desprender-se, nem mostrando uma resistência rebelde à autoridade. De acordo com os resultados, os autores concluem que a maioria dos adolescentes
tentam conseguir a sua autonomia gradual e apropriadamente e numa relação de respeito e consideração pelos pais.

Resultados idênticos são encontrados por Offer (1969) num primeiro estudo efectuado em 306 rapazes e depois por Offer & Offer (1975). Este último trabalho consistiu
num estudo longitudinal que contrastou as relações

A autonomia adolescente e a família 115

de adolescentes do sexo masculino com os pais, durante dois períodos: os

anos da adolescência propriamente dita, passados no nível educacional secundário, e a adolescência tardia, já no nível superior. Neste estudo os autores

referem que encontraram apenas 21% de adolescentes do nível secundário tendo experienciado um "crescimento tumultuoso", caracterizado por interacções pais-filho
tumultuosas e tensas (stormy and stressful ' ), mas apresentando fortes laços familiares. Segundo os autores "a maioria dos sujeitos descrevem os seus pais
como dignos de confiança e as suas mães como

compreensivas" (op. cit., p. 27).

Hill (1985), tomando por base a literatura, é peremptório nas suas conclusões: "Os estudos empíricos major disponíveis (Bandura & Walters, 1959; Douvan & Adelson,
1966; Karidel & Lesser, 1972; Montemayor, 1983; Rutter et al. 1976) e as revisões major da totalidade do corpo de investigação (Coleman, 1978; HilI, 1980; Montemayor,
1983) levam a concluir que o

período é problemático apenas para uma minoria de adolescentes e suas famílias nas sociedades industrializadas " (op. cit., p. 234).

Hill vê nestas conclusões um importante desafio colocado aos investigadores já que tornam míticas as visões sobre o carácter tumultuoso do processo adolescente e
pedem um aprofundamento de investigação.

A controvérsia reside portanto, sinteticamente, entre as designadas visão "clássica" e visão "empírica", tidas como campos de perspectiva antagónica sobre a natureza
das relações entre pais -adolescentes.

Coleman (1978) sistematiza as principais divergências entre os dois campos de visão. Segundo o autor, a visão "clássica", também conhecida pela tese do "storm and
stress", insere-se na linha de S. Hall e mais tarde das teorias psicanalíticas, e, a partir duma base teórica e clínica, tende a perspectivar a adolescência como
um período de tumulto e tensão, características inerentes ao próprio processo de desenvolvimento. A visão clássica, segundo a leitura dos investigadores que a têm
contestado, descreve as relações entre pais-adolescentes como inevitável e fundamentalmente tensas e conflituosas, num contexto de ruptura e desvinculação.

A visão "empírica" por seu lado, com base nos resultados de estudos em larga escala (e defendidos pelos autores dos trabalhos referidos por HilI,

116 Adolescência e autonomia

1985), embora não negando que a adolescência é um tempo de mudanças maior em todas as áreas de funcionamento, tende a perspectivar a adolescência como um período
calmo, harmonioso e caracterizado por relações entre pais e adolescentes predominantemente calorosas e pacíficas.

Montemayor, autor de importantes revisões sobre a natureza das relações pais-adolescentes (Montemayor, 1986), afirmou recentemente que "depois de
60 anos de investigação os empiricistas foram incapazes de documentar a

existência de angústia (distress) universal nas amostras de famílias não-clínicas com adolescentes" (Montemayor, 1986, p. 15).

Porém, nem todos os autores partilham a opinião de que se tratem de visões antagónicas ou contraditórias.

A crítica tecida em torno da controvérsia entre a visão "clássica" e a "empírica" tem contribuído, na nossa perspectiva, para esclarecer pontos de vista, e constitui-se
como um desafio para o aprofundamento do conhecimento sobre a adolescência. Por essa razão, pensamos ter interesse referir aqui as críticas que consideramos mais
pertinentes e construtivas.

Coleman (1978), por exemplo, que não contesta a natureza contraditória

das duas teses, argumenta que a visão empírica não só subestimou o vivido

interno das experiências emocionais do adolescente, como também não explica como é que os adolescentes lidam com as adaptações maJor exigidas, em consequência das
mudanças físicas, sociais e emocionais. Pensa, no entanto, ser possível reconciliar os dois pontos de vista, que nos seus extremos

são irrealistas.

A sua contribuição consistiu em propor, na base dos resultados empíricos que encontrou, o que designou por "teoria focal da adolescência". Trata-se de uma outra
conceptualização do desenvolvimento adolescente que tenta resolver as contradições das anteriores visões. Segundo Coleman: "Em diferentes idades, padrões particulares
de relacionamento e.@Ião em t'()co, no sentido em que se tomam mais proeminentes, mas nenhum destes padrões é específico a

uma idade apenas. Assim, à medida que os padrões se sobrepõem, questões diferentes entram em foco em diferentes tempos, mas só porque uma questão não é o problema
mais proeminente duma idade não quer dizer que ele não possa ser crítico para alguns indivíduos" (op. cit., p. 632).

A autonomia adolescente e a família 117

Resulta desta conceptualização que o stress derivado da necessidade de adaptações específicas a novos modos de comportamento raramente se concentra numa idade só,
o que daria razão à chamada teoria clássica da inevitabilidade do "tumulto e stress" e permitiria explicar também o carácter relativamente calmo e harmonioso defendido
pela visão "empírica".

Coleman sugere portanto que um processo de adaptação se espraia ao

longo de todo o período adolescente, permitindo uma reorganização constante das relações entre pais e adolescentes.

Também para Josselson (1980), "o que pareceu ser um enigmático cisma entre duas visões sobre a adolescência parece pelo contrário tratar-se de dois aspectos complementares
de um processo" (op. cit., p. 195).

Berzonsky (1981), por seu turno, afirma que "a controvérsia sobre o stoi-m-and-stress tem sido uma questão major na psicologia adolescente, pelo menos nos últimos
oitenta anos" (op. cit., p. 124) e sugere que foi enfatizada a questão errada. Na sua opinião, a questão que deveria ser colocada é a seguinte: "Quais são os factores
e acontecimentos que contribuem para o

stress e para as crises durante a adolescência e porque é que uns adolescentes são capazes de lidar melhor com os seus acontecimentos do que outros?" (op. cit.,
p. 124).

Nesta mesma linha de crítica e de preocupação se insere a reflexão abalizada de Montemayor (1986), já que é autor de importantes trabalhos de revisão e de numerosos
trabalhos de investigação na área da conflitualidade adolescente.

O autor afirmou recentemente que "é tempo de abandonar o debate acerca da natureza fundamental das relações pais-adolescentes. É muito claro que as

relações são usualmente harmoniosas em algumas famílias e discordantes e conflitijosas noutras. A questão importante e a única com resposta empírica é: que factores
contribuem para a variação na harmonia pais-adolescentes?" (Montemayor, 1986, p. 16).

A crítica mais fundamentada, e que fazemos nossa, vem de Hill (1985, Hill & Holmbech, 1986) que pela pertinácia das questões que tem vindo a

colocar, tocando aspectos profundamente relacionados com a autonomia adolescente, merece a nossa atenção e o nosso acordo,

118 Adolescência e autonomia

Um dos aspectos que preocupa os autores é que a contestação da universalidade do storm-and-stress possa mascarar e fazer esquecer as potencialidades das teorias
psicanalíticas e psicodinâmicas - as únicas teorias compreensivas - fundamentais para o levantamento das questões mais processuais e desenvolvimentais envolvidas
no estudo da autonomia e da vinculação adolescentes.

Ora a contestação da hipótese do storm-and-stress tem-se baseado fundamentalmente nas conclusões dos trabalhos de investigação sobre os conflitos, e essa investigação
merece algumas críticas.

Na opinião de Hill & Holinbeck (1986): (1) a investigação tem-se baseado quase só nos relatos dos membros da família sem averiguar os sistemas de "encobrimento",
mais ou menos consciente, dos conflitos ao investigador, (2) os conflitos são classificados de "mundanos", subvalorizados, e

esta avaliação é questionável, (3) os estudos existentes não foram concebidos para testar a teoria psicanalítica directamente (nem nenhuma teoria em

muitos casos), e a existência ou não de conflito não é sinónimo de relações próximas ou não, (4) a investigação empírica não diz como é que os conflitos estão implicados
na relatada relação entre os sentimentos positivos para com os pais e os sentimentos de autonomia pessoal, (5) os estudos existentes, embora dando informação sobre
os sentimentos para com os pais, não dão informação sobre a desvinculação (detachment) tal como ela é definida pela teoria psicanalítica, (6) embora quase todos
os trabalhos utilizem o conceito de conflito, pouca atenção tem sido dada por parte dos investigadores à definição de conflito, o que poderá estar na base duma subavaliação.

Também aqui, neste último tópico, Montemayor (1986) chama a atenção para o facto de que o conflito é uma medida imperfeita do stress e lamenta que pouca atenção
tenha sido dada à distinção entre conflito "positivo" e

"negativo". Na sua opinião "o conflito pais -adolescentes deve ser visto num contexto desenvolvimental, embora pouca investigação exista sobre os padrões desenvolvimentais
do conflito" (Montemayor 1986, p. 18).

Pelo nosso lado pensamos ser de grande importância toda a crítica formulada. Realçamos, no entanto, a questão do desajuste entre a conceptualização e operacionalização
empírica dos tópicos estudados e a conceptualização

A autonomia adolescente e a família 119

teórica derivada das teorias psicanalíticas desses mesmos tópicos, desajuste que, na nossa opinião, falseia o debate entre investigadores.

Estamos portanto de acordo com as críticas formuladas por Hill & Holinbeck e também com a posição de Montemayor quando questiona a existência duma natureza fundamental
das relações pais -adolescente e coloca o foco da atenção mais na compreensão dos factores ou variáveis processuais intervenientes no desenvolvimento adolescente
do que na natureza conflitual ou aconflitual das relações pais -adolescentes.

No sentido de apreender a evidência empírica produzida sobre a questão do conflito, procedemos à consulta e análise da literatura disponível nessa

área. Trataremos aqui apenas alguns trabalhos mais directamente relacionadas com a questão da autonomia.

Montemayor, em colaboração com Brownlec (1987), desenvolveu recentemente um estudo sobre o envolvimento e satisfação de adolescentes com os seus pais, procurando
encontrar diferenças nos estilos interaccionais materno e paterno e diferenças devidas a fases distintas de desenvolvimento (adolescência inicial: 12-13 anos, e
adolescência média: 16 anos).

Os resultados indicam que o envolvimento dos adolescentes com os pais (dado pelo tempo passado com eles) diminui à medida que a idade avança. Os autores verificam
também que, dum modo geral, os adolescentes passam a maior parte do seu tempo, ou trabalhando ou em tempos livres, afastados dos seus pais, estando o grau de satisfação
no tempo passado com os pais associado ao tipo de actividade: trabalhar com os pais é o que dá mais satisfação, mas o tempo de lazer sem os pais é também o que dá
mais satisfação; dum modo geral, o trabalho com o pai dá mais satisfação do que com a mãe.

Embora estes resultados não digam directamente respeito à questão da autonomia, é no entanto de realçar a importância que assumem na vida do adolescente os dois
contextos distintos: o familiar e o extrafamiliar, não como contextos antagónicos, mas provavelmente como bases de suporte necessárias para o desenvolvimento da
autonomia, quer no inicio quer no

final da adolescência.

Também Hill em colaboração com Holtribeck (1987) realizou recentemente um estudo sobre o desacordo relativamente às regras estabelecidas em

120 Adolescência e autonomia

famílias com adolescentes de 12-13 anos, enquadrando-o na linha de trabalhos produzidos anteriormente sobre a autonomia (Douvan & Adelson, 1966; Karidel & Lesser,
1972).

O estudo conduziu aos seguintes resultados: (1) não se encontram diferenças entre os sexos, quer nos pais quer nos filhos, relativamente à quantidade de desacordo;
(2) o desacordo é maior nas questões do dia-a-dia familiar do que nas questões dizendo respeito aos pares de idade; (3) o desacordo acerca das regras está correlacionado
negativamente com a percepção adolescente da aceitação parental, mas apenas na díade pai-filha.

Hakim-Larson & Hobart (1987) concebem um estudo sobre a relação entre a comunicação - uma das variáveis processuais identificadas por Monternayor (1986) - entre
mãe e filha e a autonomia adolescente.

Os autores pretendem examinar como é que a regulação maternal e a luta pela autonomia se reflectem na comunicação diádica e se os padrões de comunicação entre mãe
e filha são diferentes em distintos períodos do desenvolvimento da autonomia adolescente (na adolescência inicial: 13-15 anos e

na adolescência final: 17-18 anos), numa tarefa que consistiu em discutir a resolução de conflitos sugeridos por duas pequenas histórias.

Os resultados da investigação mostraram que as diferenças encontradas na comunicação diádica na adolescência inicial e na adolescência final entre mãe e filha eram
consistentes com as tarefas desenvolvimentais específicas à mãe (consistindo a tarefa em regular) e à filha (consistindo a tarefa em lutar pela autonomia).

Os resultados demonstraram que, à medida que a filha consegue ganhos na

capacidade de realização da autonomia, ocorre um balanceamento maior na comunicação da díade mãe-filha, mas que, apesar do ganho em certas dimensões de autonomia
emocional face aos pais, as adolescentes continuam a se.- influenciadas pelo controlo regulador das suas mães mesmo na adolescência final,

Estes resultados são consistentes com os de outras investigações, que referiremos posteriorinente, levadas a cabo por Hill et al. ( 1985), Hau
ser et al, (1984), Grotevant & Cooper (1985), também elas focando na
C0MLmIc@t_

ção entre pais e adolescentes e pondo em evidência transformações na interacção à medida que o processo de autonomia adolescente se desenvolve.

A autonomia adolescente e a família 121

Também Silverberg & Steinberg (1987), na continuidade de trabalhos anteriores sobre as transformações ocorridas na família durante a adolescência - que iremos abordar
em seguida -, conduziram muito recentemente unia investigação centrada na relação entre o bem-estar nos pais, o grau de conflito na interacção pais-filhos e o nível
de autonomia emocional em adolescentes dos 10 aos 15 anos.

O estudo conduziu aos seguintes resultados: (1) a experiência parental das questões dizendo respeito à sua identidade (mid-lift identity) está positivamente relacionada
com o nível de autonomia emocional relatado pelo filho- ~do~mesmo-sexo; (2) o bem-estar das mães, mas não dos pais, está negativamente relacionado com a intensidade
do conflito pais-adolescentes, (3) o

estatuto sócio-económico modera a relação entre o bem-estar parental e as

relações pais-filhos.

Os resultados relativos à autonomia emocional merecem-nos atenção particular. Este estudo demonstra que os adolescentes com um grau mais avançado de desidealização
dos pais, maior libertação das dependências infantis e com um mais elevado sentido dum ser individuado são também aqueles em cujos pais se encontra um grau mais
elevado de "sentimentos de reapreço e de auto-reavalição" nas suas vidas. Os resultados sugerem ainda que o desenvolvimento da autonomia emocional é vivida de modo
particularmente difícil pelos pais de rapazes, porque anunciadora duma partida eminente. o que estaria em consonância com os dados da investigação relativa à "saída
de casa" (home leaving) e que iremos tratar posteriormente.

Os autores afirmam ainda que os seus resultados apoiam a perspectiva psicanalítica sobre o desenvolvimento parental, que preconiza que os pais podem considerar melhor
as suas próprias opções de vida quando sentem os

seus filhos mais autónomos e capazes de autogoverno.

Os autores, cuJas hipóteses se fundamentam nas teorias psicanalíticas de Blos (1979) e de Benedek (1959. in Silverberg & Steinberg, 1987), sobre o

desenvolvimento parenta], discutem os seus resultados no contexto da controvérsia entre as chamadas visão "clássica" e a visão "empírica" e afirmam

que o,,, seus resultados confirmam as hipóteses da visão psicanalítica sobre a

natureza st@)i,ni-atid-slí-e,ys rias relações entre pais e adolescentes. No seu

122 Aciolescência e autonomia

entender "o facto de as mães serem adversamente afectadas pelo conflito com os filhos ou filhas dá suporte à hipótese do stress e sugere que o conflito (contrariamente
ao que acontece com a autonomia emocional nos filhos) parece afectar as mães mais directamente" (Silverberg & Steinberg, 1987, p.
309).

Estes resultados estariam aliás em consonância com os de Small (1985, in Silverberg & Steinberg, 1987), ao verificar que o nível de vinculação emocional dos pais
aos filhos está positivamente relacionado com a ocorrência de conflito nas díades, e que os pais cujos filhos relatam quantidades maiores de conflito também relatam
níveis mais elevados de stress.

Ao estudar separadamente as díades: mãe-filho e mãe-filha e pai-filho, pai-filha, os autores identificam ainda diferenças significativas: na díade

mãe-filha as mães apresentam, mais do que na díade mãe-filho, níveis mais elevados de insatisfação, de baixa auto-estima e de sintomas psicológicos. Os autores sugerem
que as mães têm relações mais íntimas com as filhas do que com os filhos, o que visto à luz dos resultados de Small, explicaria o maior

stress encontrado nessas mães.

Segundo Silverberg & Steinberg (1987) os resultados do seu estudo sugerem que as mães, mais do que os pais, sofrem os efeitos prejudiciais do conflito com o adolescente,
sendo uma das razões prováveis o maior investimento psicológico na família e no papel de parenting exercido pela mãe.

Os resultados deste trabalho sugerem-nos também que os conflitos rotulados de "mundanos", ou sem importância, por outros autores, parecem não o

ser assim tanto, sugerindo que é justamente em questões do dia-a-dia, como o

estilo de roupa, tempos livres, horas de entrada e ocupação, que a maior parte da interacção entre pais e adolescentes se processa.

Os trabalhos revistos até aqui, na sua grande maioria realizados nos

E.U.A., dizem fundamentalmente respeito a estudos efectuados com amostras de adolescentes estudantes, frequentando o nível da high school, (escolas secundárias,
no nosso sistema de ensino) e utilizam fundamentalmente uma

metodologia de investigação por questionário ou entrevista.

Outros estudos, mais centrados na adolescência inicial, têm sido realizados utilizando uma metodologia baseada na observação das interacções

A autonomia adolescente e a família 123

familiares e focalizadas no estudo do impacto do desenvolvimento adolescente nas relações familiares, pondo em evidência transformações nos

adolescentes mas também nos pais.

É desses trabalhos que nos iremos ocupar seguidamente.

5. INTERACÇõES FAMILIARES

Os estudos realizados nesta área, embora incorporando noções e metodologias do campo das teorias sistémicas sobre a família, não se reclamam desse quadro de referência
e discute-ii os resultados predominantemente à luz da perspectiva psicodinâmica.

Embora o foco não seja o estudo da autonomia, resolvemos incluí-los no nosso trabalho porque põem em evidência transformações ocorridas no sistema familiar, e apoiam
a noção de que a autonomia se desenvolve num meio social

em mutação e não é apenas um fenómeno intrapsíquico.

Muito sucintamente, que nos dizem esses estudos? Num estudo longitudinal conduzido com famílias de adolescentes do sexo masculino em diferentes estatutos: antes,
durante e após o período puberal, Steinberg (1981), na base de metodologia usando "uma tarefa de interacção familiar estruturada", verifica que a mudança no estatuto
puberal está relacionada significativamente com mudanças nos comportamentos familiares.

O autor identifica mudanças comportamentais nas díades mãe-filho e pai-filho, à medida que o adolescente progride no estatuto puberal, com uma

intensificação dos conflitos com a mãe no apex da puberdade e um ganho progressivo de influência do filho a expensas da influência materna, mas não

paterna. Por outras palavras, verificou-se uma mudança na hierarquia familiar que passa duma estrutura de maior influência de ambos os pais sobre o filho (pai, mãe
> filho), no início do período puberal, para uma influência maior do pai sobre o filho e deste sobre a mãe (pai > filho > mãe), no final do período puberal.

124 Adolescência e autonomia

Os padrões de interacção familiar no início do período puberal, são mais rígidos, mas tornam-se progressivamente mais flexíveis à medida que o rapaz se aproxima
do estatuto do adulto.

Os resultados indicam, segundo o autor, que as transformações nas relações entre pai, e filho púbere estão ligadas às mudanças ocorridas na sua

aparência física.

Steinberg discute os seus resultados à luz da perspectiva etológica: os

padrões de relação observados reflectem comportamentos sociais de várias espécies (assertividade dos machos face às fêmeas. deferência por parte das fêmeas para
com os machos adultos, mas não os jovens, assertividade por parte dos machos mais velhos face aos mais novos e deferência por parte dos mais novos face aos mais
velhos). Mas, fundamentalmente, Steinberg (1981) afirma que os seus resultados trazem confirmação às teorias psicanalíticas fretidianas. Segundo o autor "o conflito
entre o rapaz adolescente e a mãe e a

assertividade attendant por parte do pai podem ser vistas como reflexo da reviviscência do conflito Edipiano" (op. cit., p. 839).

Mas serão estes mesmos padrões de interacção familiar comuns às famílias com adolescentes do sexo feminino?

A investigação de Hill et al. (1985), embora encontre também modificações rias interacções familiares relacionadas corri o estatuto puberal, encontra no entanto
diferenças ligadas ao sexo do púbere.

Hill et aL (1985) conduzem uma investigação, que se pretende urna

réplica do estudo anterior, mas incluindo agora também raparigas de 12-13 anos. utilizando contudo unia metodologia diferente: um questionário de auto- _relato nos
filhos e rios pai@ e aplicado numa amostra em corte transversal.

Este estudo conduz a resultados multo semelhantes aos já encontrados por Steiriberi, ( 198 1 ) nos rapazes, irias a resultados algo diferentes nas raparigas.

Nas raparigas, a variação entre o estatuto da menarca (antes. durante e após) e as interacções familiares aponta para relações curvilineares na díade mãe-t'jlha:
o padrão de interacção altera-se durante a menarca, mas volta a estabilizar-se após, a meia:-ca, no padrão que predominara antes. Esta tendência altera-se rio entanto
quando a menarca ocorre antes, do "devido

tempo": nestes casos as alterações na díade mãe-filha não são temporárias

A autonomia adolescente e a família 125

mas persistem ao longo do tempo. Nestes casos em que os efeitos persistem verifica~se menor participação da filha nas actividades familiares, menor influência parental
e menor aceitação.

Dum modo geral, os autores encontram que as mães são percepcionadas como menos aceitantes pelas filhas num estatuto de pós-menarca do que pelas filhas num estatuto
pré-menarca, e a família é vista como sendo mais controladora. As filhas relatam com mais frequência serem nicrios influenciadas pelos seus pais, e procuram menos
a sua orientação alguns meses após a menarca do que antes.

Os autores concluem, dando de algum modo suporte à tese das relações de stoi-m-and-stress entre pais e adolescentes, que "existe certamente uni

período de stress e de tensão pouco depois da menarca na relação mãe-filha. E se a nossa especulação é correcta, tal stress e tensão podem persistir nas

famílias com raparigas precocemente maduras" (Hill et al. 1985, p. 315).

Os resultados encontrados estão em consonância com os resultados da investigação de Cantara (1983, in Hill & Holmbeck, 1986), realizado com

adolescentes do sexo feminino, na adolescência inicial (12-13 anos) e utilizando metodologia de observação das interacções familiares. O autor encontra, também ele,
perturbações temporárias na relação com os pais no apex do crescimento puberal podendo o conflito com os pais (e sobretudo com a

mãe) persistir nas raparigas precocemente maduras.

Os resultados destes trabalhos conduzidos na adolescência inicial conjuntamente com outros trabalhos de observação das interacções familiares, no

quadro conceptual fornecido pelas teorias interaccionais abordadas no

Cap. 2.2.), põem em evidência a ocorrência de transformações nas relações familiares à medida que o adolescente cresce e se aproxima da aparência física e do estatuto
de adulto.

6. A SAíDA DE CASA DOS JOVENS ADULTOS

Mas se a emergência da puberdade assinala o início dum período de grandes mudanças, quer no adolescente quer no contexto familiar, a emergência

126 Adolescência e autonomia

da sua saída de casa, na fase final da adolescência, assinala ela também um período com problemática específica, envolvendo pais e filhos em novas tarefas desenvolvimentais
necessárias para a concretização da autonomia.

A investigação sobre a saída de casa na adolescência final, questão que nos tem interessado particularmente e sobre a qual temos trabalhado, tem-se desenvolvIdo
sobretudo nos E.U.A.

A partir da década de 60, começa a surgir numerosa literatura vinda das Clinic College, toda ela salientando os problemas da separação e as crises de identidade
que a saída de casa e entrada na universidade propicia.

Apesar de representar uma forma natural de separação, em contraste com a separação induzida por dificuldades emocionais ou familiares, a frequência de manifestações
sintomáticas verificadas durante o V2 ano no College, quer nos adolescentes quer na unidade familiar, identifica este período como altamente gerador de stress (Wedge,
1958, Blaine et al. 1961, Dewees et al.
1961, Fotintam, 1961, lchikawa, 1961; Sanford, 1962 in Fleming, 1983).

Benedek (1954) sugere que os pais repetem com os filhos, de diferentes maneiras, degraus do seu próprio desenvolvimento e que em algumas circunstâncias conseguem
a resolução de conflitos a posteriori.

Em consonância com Benedek, Elson (1964) verifica que na altura da separação, por ocasião da ida para o College, alguns pais começam a reexaminar os seus compromissos,
quer na relação conjugal quer com os filhos. Podem ainda uma luta pela sua independência, como competidores

u

contemporâneos dos seus filhos, não em fantasia, mas agindo sobre os seus

próprios problemas não resolvidos. Nestes casos, as tarefas do adolescente tornam-se mais difíceis dado que ele deixa de poder ter a iniciativa da separação, e,
em vez disso, os seus pais se estão a separar dele.

Elson compara dois grupos de estudantes, apresentando como sintomas

comuns a depressão, baixa de rendimento escolar, redução de actividades sociais ou s uperactiv idade. Num dos grupos verificou-se a existência, em todos os casos,
de dificuldades conjugais nos pais dos adolescentes, tendo estes o papel de depositários de queixas e de intérpretes recíprocos de necessidades e desejos dos pais.
A saída do filho teria provocado a confrontação directa do casal e a ruptura. Este grupo apresentou, em relação a outro onde

A autonomia adolescente e a família 127

não existiam dificuldades conjugais nos pais, um muito maior grau de sentimentos de raiva e culpa como reacção à interrupção abrupta da sua dependência aos pais.
O outro grupo, em que havia uma renúncia voluntária aos laços de dependência, apresentou apenas uma forte componente de dor. O stress em eco que certos pais vivenciam,
quando os seus filhos saem para o

College, pode precipitar um abandono parental antes que o adolescente esteja preparado. Elson propõe um tratamento que vise restaurar a iniciativa adolescente para
continuar a tarefa de separação emocional, ajudando-o a ultrapassar a depressão reactiva.

Dum modo geral, a investigação clínica produzida a partir dos organismos de saúde para Universitários indica que muitos dos problemas que trazem os estudantes a
estes organismos são manifestações sintomáticas da luta pela separação e individuação na adolescência tardia (Elson, 1964).

A investigação realizada com amostras não-clínicas traz no entanto uma compreensão mais virada para a dinâmica familiar.

A importância do factor parental na qualidade da separação, bem como a mudança na qualidade dos vínculos adolescentes -progenitores aquando da saída de casa, é evidenciada
pela investigação empírica realizada por Murphey et al. (1963), cujos resultados já apresentámos atrás.

Na mesma linha de orientação, largamente inspirada nas teorias de Bowlby, vai a investigação de Hotch (1979) que estuda em adolescentes tardios a relação entre diferentes
estilos de percepção da saída de casa e graus de " auto- s ufici êncía" (seU-sufficiency) e de "proximidade" (relatedness).

O autor constata que graus moderados de proximidade aos pais tendem a

estar associados a um "estilo activo" (agent style), definido como uma percepção de saída em que o adolescente é um elemento activo na separação, por oposição a
um "estile, passivo" (patient style).

De um modo geral, os teóricos e investigadores estão de acordo em considerar que a separação da família é uma das experiências mais universais da adolescência (Douvan
& Adelson, 1966), que a saída de casa constitui uma transição evolutiva importante na fase final da adolescência e início do estatuto de adulto (Murphey et al. 1963,
Sulivan & Sulivan, 1980), transição mobilizando grande envolvimento emocional e dificuldades de separação,

128 Adolescência e autonomia

quer nos pais quer nos filhos (Margolis, 198 1, Wechter, 1983; Fleming, 1986; Giami et al., 1987) e uma tarefa de cuja melhor ou pior resolução resultam efeitos
decisivos para as tarefas desenvolvimentais posteriores (Margolis,
198 1; Anderson & Fleming, 1986; Hoffman, 1984).

Contrariando a ideia predominante, oriunda sobretudo da investigação clínica, que tende a ver a saída de casa como um acontecimento trazendo sobretudo efeitos negativos
(conflito, stress), quer para os pais quer para os

filhos, Sullivan & Sullivan (1980) afirmam, pelo contrário, que "a separação física deve ser um acto positivo de autonomia permitindo que filhos e pais exibam duma
forma mais livre o afecto e a comunicação, sem medo de inibirem a luta pela autonomia" (op. cit., p. 94).

Sullivan & Sullivan referem que a autonomia adolescente envolve uma tarefa extremamente paradoxal que é a de aumentar a independência dos pais, mantendo em simultâneo
o afecto e a comunicação com eles, paradoxo igualmente vivido pelos pais, mas por ambos desejado. Os resultados da sua

investigação trazem grande confirmação aos seus pontos de vista.

Comparando dois grupos de rapazes, de 17 e 18 anos, um ingressando pela primeira vez no College, outro não, os autores verificam que o primeiro grupo exibiu um aumento
no afecto, comunicação, satisfação e independência na relação com os seus pais. Também encontraram um aumento na afeição das mães e da dependência em alguns pais,
face ao filho.

Os autores afirmam que a separação imposta pelo ingresso na universidade facilita o crescimento do rapaz em direcção ao objectivo desenvolvimental de se tornar funcionalmente
independente dos seus pais, reforçando simultaneamente os laços emocionais a eles.

No mesmo sentido vão os resultados de Keny (1986) que encontrou uma

associação positiva entre o relacionamento harmonioso com os pais e o bem-estar psicológico na adolescência tardia, e entre sentimentos de proximidade aos pais e
a competência social em contexto universitário.

Também Pipp et al. (1985), partindo das teorias que os adolescentes constroem sobre o desenvolvimento das suas relações com os seus pais, encontram, numa amostra
de universitários corri idade média de 19 anos, residindo fora de casa, sentimentos de grande proximidade aos pais (comparáveis aos

A autonomia adolescente e a família 129

níveis infantis) a par com um sentimento, mais forte do que no passado, de responsabilidade, domínio e autonomia.

Os resultados sugerem, na opinião dos autores, que o processo de individuação está ainda em movimento por volta dos 19 anos e concluem que o "processo crescente
de autonomização e responsabilização ocorre num

contexto de relação entre pai e filho, enlaçada e talvez protegida por um forte laço afectivo de amor" (op. cit., p. 1001).

Hofman. (1984) propôs, a partir fundamentalmente das teorias psicanalíticas sobre a separação-individuação (Mahler, Blos), uma conceptualização das diferentes dimensões
da separação psicológica adolescente e desenvolveu um instrumento de auto-relato destinado à sua avaliação.

Os resultados da investigação de Hoffman, realizada numa amostra

constituída por adolescentes universitários entre os 18 e os 22 anos, 62% dos quais caloiros, revelam que: (1) uma maior independência conflitual está relacionada
com um melhor ajustamento pessoal e sobretudo nas relações amorosas e (2) uma maior independência emocional está relacionada com

melhor ajustamento escolar. Contrariamente ao esperado, o autor encontra uma correlação negativa entre a independência de atitudes e o ajustamento pessoal. Na sua
interpretação, atitudes extremamente diferentes entre o adolescente e os pais podem reflectir uma reacção de rebelião ou uma ausência de independência conflitual.

Na mesma linha de preocupação - conceptualizar e medir o constructo de separação psicológica - vão os trabalhos de Moore e de Hotch.

O primeiro trabalho destes autores (Moore & Hotch, 1981) representa uma tentativa de obter dados normativos sobre a saída de casa adolescente.

A saída de casa não é conceptualizada a partir dos paradigmas teóricos existentes, mas a partir das próprias conceptualizações adolescentes. Ou seja, os autores
equacionam as perguntas: (1) Como é que os adolescentes tardios definem a saída de casa ou a separação da família e (2) Qual é para eles o

significado subjectivo destas definições?

Para isso, Moore & Hotch (1981) estudam as percepções sobre a saída de casa, numa amostra de adolescentes de ambos os sexos, de 18 anos de idade, através de entrevista
semiestruturada. O seu trabalho conduziu à identificação

130 Adolescência e autonomia

de oito categorias definidoras do constructo "saída de casa": controlo pessoal, independência económica, residência separada, separação física, afiliação escolar,
dissociação, separação emocional e graduação. Os autores verificaram que as categorias "separação emocional" e "controlo pessoal" são duas configurações indicadoras
de saída de casa associadas respectivamente a uma

separação pais-adolescentes relativamente perturbada e não-perturbada.

Em trabalho posterior, Moore & Hotch (1983) investigam a importância relativa atribuída pelos adolescentes a cada uma destas oito categorias. Os autores verificam
que, numa amostra de universitários entre os 18 e os 21 anos, vivendo fora de casa, o grau de importância atribuída decresce, segundo esta ordenação: "controlo pessoal",
"independência económica", "graduação", "residência separada", "separação física", "afiliação escolar", "dissociação" e "separação emocional".

A categoria "controlo pessoal" - definida pelos itens: "tornar as suas

próprias decisões", "menor controlo parental", "fazer as coisas por si próprio", "sentir-se suficientemente maduro" - aparece portanto, na percepção adolescente,
como a dimensão mais importante associada à saída de casa. A

dimensão "separação emocional" - definida pelos itens: "sentir-se como

uma visita em casa", "sentir que já não pertence mais à casa", "não se sentir

ligado à família" - aparece como a dimensão menos importante.

Curiosamente os autores não encontram neste estudo diferenças significativas entre os sexos, embora considerem que é uma variável muito importante, mediando a percepção
da saída de casa. Moore (1987), após ter identificado as dimensões do constructo separação pais-adolescentes, a partir das conceptualizações adolescentes, verifica
que a forma como os adolescentes tardios realizam a separação física está associada com o seu bem-estar psicológico e com a maneira como percepcionam a relação com
os seus pais.

As dimensões "independência económica", "residência separada", "controlo pessoal" e "vinculação emocional" revelaram ser, em trabalho realizado por Anderson & Fleming
(1986), variáveis com alto poder preditivo, quer da "identidade do ego" quer do "ajustamento à universidade".

O estudo, conduzido numa amostra de universitários cuja média de idades era de 20.7 anos, pôs em evidência uma forte associação entre as variáveis

A autonomia adolescente e a família 131

em estudo: tanto uma forte identidade do ego como um melhor ajustamento psicossocial no adolescente estavam relacionados com percepções adolescentes de maior controlo
sobre as suas vidas, independência económica e residencial e sentimentos positivos de vinculação emocional aos pais.

Estes resultados apoiam os resultados empíricos prévios de Moore & Hotch (1981, 1982, 1983) que sugerem que as estratégias de saída de casa

acima tratadas estão positivamente associadas com uma separação dos pais bem sucedida.

O facto de serem as dimensões "controlo pessoal" e "residência separada" que contribuem para uma maior proporção de variância, mais do que a

vinculação emocional, sugere que se por um lado é importante a manutenção de laços positivos aos pais (Sullivan & Sullivan, 1980), a separação física e

o controlo pessoal sobre as suas próprias vidas é um importante factor de "contrapeso" na balança "autonomia-vinculação".

Campbell et al. (1984) avaliam a utilidade preditora das dimensões individualidade (individuality) e ligação (connectedness) na diferenciação dos quatro estatutos
de identidade preconizados por Marcia. Os autores utilizam como medidas da ligação as percepções de afeição e de comunicação com os

pais, e, como medidas da individualidade, as percepções de autonomia.

Os resultados encontrados trazem confirmação às teses defendidas por Cooper e por Grotevant, segundo as quais um balanceamento entre a ligação familiar e o encorajamento
à individualidade são necessários e facilitam uma saudável formação da identidade no adolescente.

Nesta mesma área conceptual - o modelo de individuação construído por Cooper e Grotevant - se alicerça a investigação de White et al. (1985, in Hill & Holinbeck,
1986), que conduzem um estudo longitudinal sobre a individuação e a vinculação, em grupos de jovens adultos, solteiros e casados, de
22, 24 e 26 anos.

Os autores descrevem três níveis hierárquicos de maturidade nas relações, principal foco da sua investigação: Nível 1 - "Focado nele próprio" (self-focused), Nível
2 - "Focado-no-papel" (rolefocused) e Nível 3 - " Individuado-ligado" (individuaded-connected). No Nível 3, que nos interessa mais particularmente, incluem-se os
"indivíduos que são altamente individuados,

132 Adolescência e autonomia

mas que também são capazes de se ligar a outros muito próximos em laços mútuos, recíprocos e íntimos" (White et ai. 1985, cit. in Hill & Holmbeck,
1986, p. 168).

Os resultados preliminares indicam que poucos indivíduos, entre os 22 e os 26 anos, se encontram neste terceiro nível de maturidade. As relações mantidas pelas raparigas
situam-se a níveis mais elevados do que as relações dos rapazes, e os scores de maturidade na relação com a mãe são mais altos do que com o pai.

De algum modo, estes resultados estão em consonância com os de Loevinger e de Kohlberg, na área das teorias sócio-cognitivas, que abordámos no Cap. 2.3.

A inclusão nesta investigação de jovens adultos, casados, é inovadora, dado que a tendência geral é trabalhar com amostras de adolescentes tardios, solteiros, e
de certo modo numa situação privilegiada - a de estudantes universitários -, o que por si só não permite grandes generalizações a outras

camadas da população.

A saída de casa é também, nos trabalhos revistos, motivada pelo ingresso na Universidade, o que cria circunstâncias especiais de análise: o adolescente sai, mas
regra geral, mantém-se num estatuto de dependência económica face aos pais e não constitui ainda família própria.

As saídas de casa por outros motivos e noutras circunstâncias sociais não têm merecido a atenção dos investigadores. Exceptuam-se os trabalhos de Lefebre & Morval
(1983) e de Giami et al. (1987) que realizaram investigações com

adolescentes canadianos e franceses respectivamente.

Lefebre & Morval (1983) analisam em dez famílias o período de saída de um membro adolescente motivado pelo casamento. Os resultados sugerem que o casamento é um
excelente rito de passagem, na delineação da separação entre pais e adolescentes, verificando-se uma desvinculação progressiva nos casos de coabitação. Os autores
sugerem ainda que os rituais escolhidos para a cerimónia são bons indicadores de alterações do sistema familiar.

Giami et al. (1987) analisam um outro tipo de circunstância: jovens entre os 18 e os 23 anos, sem filhos, vivendo em residência separada dos pais, casados ou não.

Os autores constatam que "a partida do domicílio familiar, longe de signi-

A autonomia adolescente e a família 133

ficar uma ruptura entre gerações, é marcada pelo deslocamento das transacções que reactivam os processos de comunicação" (op. cit., p. 854), quer ao nível do afecto
quer ao nível do comportamento. Os autores põem em evidência os movimentos de vai-e-vem, movimentos de separação e de ligação, períodos de permanência em casa e
outros fora de casa, sugerindo um processo de separação por ensaio e erro.

A maior parte da investigação empírica revista aborda a problemática da saída de casa num contexto de contemporaneidade: o adolescente encontra-se na fase de saída
ou já saiu de casa. Não conhecemos trabalhos que estudem a

forma como o adolescente antecipa ou fantasia a saída.

Interessados, nós próprios, pela investigação nesta área e deparando com

a inexistência de trabalhos que abordem a dimensão mais interna da representação imaginária da saída de casa, realizámos dois trabalhos de investigação sobre esse
tema.

O primeiro trabalho (Fleming, 1986) foi realizado numa amostra constituída por estudantes do ensino secundário, dos 18 aos 23 anos. O segundo trabalho (Fleming,
1988), numa amostra de universitários, dos 18 aos 25 anos. A partir da análise de conteúdo das histórias contadas pelos sujeitos, acerca de um personagem imaginário
que saía de casa, elaborámos e tratámos as seguintes categorias de resposta: (1) o contexto relacional e motivacional da saída, (2) a atribuição do sucesso ou fracasso
após a saída e (3) a vivência afectiva da situação.

A análise comparativa dos resultados encontrados nas duas investigações conduziu aos seguintes resultados:

Prevalecem, nos dois trabalhos, aqueles que concebem a saída num contexto de alta conflitualidade com os pais, embora seja superior a percentagem de sujeitos universitários
capazes de imaginar a saída num contexto relacional sem conflitos.

Por outro lado, enquanto que 64% do total da amostra do primeiro trabalho imaginaram uma saída por rejeição do meio familiar, a maior parte dos jovens universitários
imaginam já uma saída cuja motivação principal se prende exclusivamente com questões relacionadas com a afirmação de autonomia.

Tomados em conjunto, os resultados revelam também uma grande dife-

134 Adolescência e autonomia

rença quanto ao modo como os jovens das duas amostras fantasiam o futuro após a saída de casa: a maioria dos jovens universitários antevê um sucesso

total para o herói das suas histórias, ao passo que a maioria dos jovens e do

ensino secundário fantasiam um futuro negro ou adoptam uma posição de grande reserva, acentuando as dificuldades. Tal corno o estudo anterior, estão igualmente representados
nas respostas dos jovens universitários os factores

de sucesso/insucesso de ordem externa (emprego, formação) e os de ordem

interna (personalidade, esforço, persistência, preparação para a vida).

Os resultados atrás descritos para a terceira e última categoria de análise diferem, uma vez mais, dos encontrados para a amostra dos estudantes do ensino secundário:
enquanto que aí predominavam os afectos negativos, a

maior parte dos protagonistas das histórias dos estudantes universitários associam a saída a um envolvimento afectivo positivo.

Tornou-se-nos evidente, de acordo com os resultados das duas investigações, que a maioria dos jovens concebem a saída num contexto de alta conflitualidade com os
pais, como se lhes fosse difícil representá-la num

ambiente não-conflituoso, que os obrigaria a assumirem-se como os principais agentes dessa separação. Subjacente a esta dificuldade estarão sobretudo dificuldades
ao nível do processo de desidealização dos progenitores, necessariamente doloroso devido à persistência, durante a adolescência

tardia, de fortes vínculos e dependências afectivas aos pais.

O segundo trabalho (Fleming, 1988), que incorporou a amostra dos pais, contemplou ainda a análise das expectativas do pai e da mãe quanto à capacidade de autonomização
dos seus filhos. Os resultados apontaram claramente para a prevalência de expectativas positivas quanto à capacidade de os

filhos se autonomizarem com sucesso e para a manutenção de fortes laços afectivos entre pais e filhos.

7. A IDADE E O SEXO DO ADOLESCENTE

Os trabalhos revistos e comentados até aqui põem em evidência a variabilidade da autonomia adolescente, e todos eles identificam factores ou variá-

A autonomia adolescente e a família 135

veis, principalmente de índole cultural e familiar, que dum modo ou de outro contribuem e explicam essa variabilidade.

Duas outras variáveis, o sexo e a idade, revelam também elas contribuir para explicar as diferenças entre adolescentes, na quantidade e tipo de autonomia conseguida.
No entanto, são poucos os trabalhos que adoptaram claramente uma perspectiva desenvolvimental, tendo-se a investigação centrado, na

maior parte dos casos, na procura de correlações entre a autonomia e outras variáveis, negligenciando os aspectos diferenciais ligados ao sexo e à idade.

A evidência empírica mais consistente, provinda da investigação prévia existente, diz respeito à idade.

Passamos a apresentar os estudos que, utilizando quer amostras em corte-transversal quer longitudinal, conduziram a resultados consistentes e que permitem evidenciar
o carácter desenvolvimental da autonomia.

A maior parte desses estudos puseram ainda em evidência diferenças entre rapazes e raparigas, mas a evidência empírica neste tópico é mais controversa.

O estudo de Douvan & Adelson (1966), já por nós numerosas vezes referido, pôs em evidência que a autonomia comportamental sobe rapidamente durante a adolescência.
Os resultados revelaram que os adolescentes entre os
11 e os 18 anos exercem uma autonomia cada vez maior na escolha dos amigos e duma ocupação, na gestão do seu próprio dinheiro e em actividades fora de casa, com
os amigos.

Já no que diz respeito à autonomia emocional, os resultados não mostram uma mudança tão nítida: "Os adolescentes, e mais particularmente as raparigas, não abandonam
os laços emocionais aos pais com a facilidade com que mudam de companheiros" (Douvan & Gold, 1966, p. 486).

Na opinião dos autores, os adolescentes lutam primeiro pela autonomia comportamental e deixam esperar os problemas mais críticos da "desvinculação".

No que diz respeito ainda às diferenças entre sexos, Douvan & Adelson (1966) discutem os seus resultados no contexto da "autonomia moral", e concluem que os rapazes,
mas não as raparigas, desenvolvem progressivamente

os seus julgamentos na base de princípios autodefinidos.

136 Adolescência e autonomia

Greenberger (1984) realiza importantes estudos de avaliação da maturidade psicossocial, um em 1972 e outro em 1982, incluindo medidas de Autonomia e de Integração
Social, em grandes amostras de adolescentes, entre os 11 e os 17 anos. Quer num estudo (longitudinal) quer no outro (em corte-transversal) os resultados são consistentes:
verifica-se um aumento

nítido nos scores de autonomia quando se passa dos 11 para os 17 anos, sendo a subida nítida e gradual.

No mesmo sentido vão os resultados de Cooper & Peterson (1984, in Silverberg & Steinberg, 1987), que indicam que à medida que o adolescente

transita para a adultícia envolve-se em cada vez mais actividades orientadas para os pares e outros adultos, toma-se cada vez mais como-um-adulto em postura e aparência,
deseja e exibe cada vez mais autonomia.

Nós próprios, em colaboração com outros investigadores (Figueiredo et al., 1983, 1985b), desenvolvemos uma investigação destinada a analisar, do ponto de vista desenvolvimental,
alguns conflitos em tomo da autonomia

adolescente: desejo de autonomia vs. desejo de dependência, obediência vs.

desobediência aos pais, idealização vs. desidealização dos pais.

O primeiro estudo (Figueiredo et al., 1983), foi realizado numa amostra

de 1118 adolescentes, frequentando estabelecimentos de ensino preparatório e secundário do Porto, entre os 10 e os 19 anos, e o segundo estudo (Figueiredo et al.,
1985b), realizado 2 anos mais tarde e utilizando a mesma metodologia, foi realizado numa amostra de adolescentes entre os 12 e os 23 anos, estudantes, residentes
no concelho de Matosinhos.

Os resultados do primeiro estudo indicaram que: (1) o desejo de autonomia sobe em ambos os sexos, em sintonia com o aumento de idade, não se encontrando diferenças
estatisticamente significativas entre os sexos; (2) a obediência tem tendência para diminuir com o aumento da idade em ambos os sexos, com diferenças significativas
entre os sexos, no sentido de uma mais importante diminuição no sexo feminino a partir dos 14 anos; (3) a preferência pelo progenitor do mesmo sexo tem tendência
para diminuir com o aumento da idade, sendo essa preferência mantida até mais tarde (16-17 anos) pelas raparigas.

Concluímos na altura que "o desejo de autonomia na adolescência aparece como profundo e precoce, antecedendo cronologicamente o processo de

A autonomia adolescente e a família 137

diminuição da tendência para obedecer e idealizar o progenitor do mesmo

sexo. Como diferença entre os dois sexos temos o facto de no sexo masculino este aspecto ter um carácter progressivo, a desidealização precedendo a capacidade de
desobedecer, enquanto que no sexo feminino a ordem de precedência se inverte e o processo tem um aspecto mais brusco" (op. cit., p. 5 1).

O segundo estudo (Figueiredo et al., 1985b), constituído como uma

réplica do primeiro, foi realizado na amostra e em simultâneo com o trabalho de investigação que apresentaremos na Parte 11 do livro.

Este estudo utiliza como instrumento de medida do "desejo de autonomia" e da "desobediência" três histórias ou dilemas ilustrativos dos conflitos.

Os resultados encontrados mostram que: (1) o desejo de autonomia predomina em todos os grupos etários, prevalecendo de maneira altamente significativa a partir dos
14 anos, vindo a exprimir-se em 100% das respostas do grupo etário de 22/23 anos; (2) o desejo de desobediência exprime-se maioritariamente a partir dos 16 anos
ultrapassando ligeiramente os 80% no grupo etário dos 22/23 anos; (3) a preferência por Ideais Extrafamiliares aparece ainda mais tardiamente - aos 18/19 anos nos
rapazes e 22/23 anos nas raparigas.

A desobediência não tem, de acordo com a literatura disponível, merecido tratamento empírico substancial.

Talcott Parsons refere, a propósito das diferenças entre sexos, que "as

raparigas são mais dóceis, mais capazes de se conformar com as expectativas dos adultos, enquanto que os rapazes são mais recalcitrantes à disciplina e

desafiam mais a autoridade e as expectativas adultas" (1942, cit. in Peppitone, 1980, p. 147).

A investigação realizada por Celeste Malpique (1984), em meio piscatório (Afurada), leva-a a constatar diferenças nos estereótipos e expectativas culturais relativamente
à educação a dar aos rapazes e às raparigas.

De acordo com Malpique "a maior parte das mães entrevistadas pensa que a educação dos rapazes deve ser diferente das meninas: os rapazes com

mais liberdade, as meninas devem obedecer a outra disciplina, ficar mais presas, aprenderem a ser mulheres Na prática as meninas são mais vigiadas" (op.
cit., p. 154).

Segundo Pelipitone, (1980) os resultados da pouca investigação empírica

138 Adolescência e autonomia

que existe sobre este tópico tendem a confirmar as posições de Parsons, ao

porem em evidência uma tendência para a obediência mais significativa nas

raparigas do que nos rapazes.

Smith (1985), num estudo sobre a influência de pais e pares na autonomia comportamental, constata um aumento nítido desta, dos 13 para os 16 anos, com uma diminuição
da influência parental, o que, na opinião do autor, deve ser entendido "mais como uma tentativa de estabelecer a sua própria independência do que um movimento em
direcção à influência dos amigos" (op. cit., p. 15 1).

O autor revela-se surpreendido por ter encontrado resultados idênticos nos dois sexos, resultados opostos à sua antecipação, baseada na assunção, veiculada pela
literatura, duma maior rebeldia e independência nos rapazes do que nas raparigas.

A investigação de Peppitone (1980) permite concluir também pelo carácter desenvolvimental da autonomia adolescente. Os resultados apontam para uma diminuição da
dependência e um aumento gradual na afiliação aos

pares, entre os 12-13 anos e os 17-18 anos. Mas, contrariamente ao esperado, não se encontram diferenças significativas neste estudo entre rapazes e raparigas, tal
corno no estudo atrás referido.

Seguindo uma outra metodologia - as teorias construídas pelos próprios adolescentes sobre a evolução da sua relação com os pais desde a infância até à adolescência
tardia - Pipp et al. (1985) verificam que os adolescentes se percepcionam como indivíduos cada vez mais autónomos face aos país, desde a infância até a adolescência.

Na percepção dos adolescentes, o "salto" desenvolvimental maior situa-se entre os 6-10 e os 11-15 anos, períodos de maiores aquisições. Curioso é também verificar
que, na opinião do adolescente, os pais teriam uma percepÇão duma evolução menos acentuada (flutuações menos drásticas) da autonomia dos filhos.

Segundo os autores, é também nessa fase (entre os 6-10 e os 11-15) de maiores aquisições ao nível da autonomia que os adolescentes descrevem uma descida nítida na
percepção de amor, quer nos pais quer neles próprios face aos pais.

A autonomia adolescente e a famííía 139

Quanto à autonomia emocional, os resultados da investigação de Greenberger (1975, in Greenberger, 1984), confirmam as primeiras formulações de Douvan & Adelson (1966).

Greenberger constata, num estudo realizado em 1975, que as aquisições ao nível da autonomia emocional sã o menos acentuadas do que ao nível da autonomia comportamental.
A investigação conduzida em mais de 2000 adolescentes, no 11.9 ano de escolaridade (idade modal 17 anos), leva-a a concluir que a maioria dos adolescentes se sente
ainda muito próximo dos seus pais e que as raparigas tem graus significativamente mais elevados de emaranhamento nas relações familiares do que os rapazes. A autora
é no entanto prudente na avaliação dos seus resultados admitindo que o envolvi~ mento e a proximidade aos pais não implica necessariamente falta de autonomia emocional.

A investigação recente de Steinberg & Silverberg (1986), concebida com o

objectivo de estudar a inter-relação entre três aspectos da autonomia, a autonomia emocional, a susceptibilidade à pressão do grupo e sentimentos subjectivos de
autoconfiança ou autogovemo, e de estudar a variação de cada um

destes aspectos em função do sexo e da idade, numa grande amostra de adolescentes entre os 10 e os 16 anos, toma mais clara a questão do desenvolvimento da autonomia
emocional e traz evidência empírica importante para esta área.

Os resultados deste estudo indicam que a autonomia emocional sobe em função do aumento de idade. No período etário estudado, os adolescentes tornam-se emocionalmente
mais autónomos dos pais: formam de si próprios um

sentimento de sel mais individuado, abandonam algumas das suas dependências infantis e adoptam imagens menos idealizadas dos seus pais. Contudo, para a maioria dos
adolescentes, este desenvolvimento acompanha-se por uma crescente susceptibilidade à influência dos pares de idade.

No que diz respeito à "autoconfiança", os resultados indicam também aqui um aumento à medida que a idade cresce, embora com alguma flutuação. No que diz respeito
às diferenças entre sexos os autores encontram

resultados inesperados.

Verificam que as raparigas são mais autónomas do que os rapazes em todos os aspectos da autonomia estudados: as raparigas exibem uma maior

140 Adolescência e autonomia

autonomia emocional, são mais resistentes à pressão do grupo e descrevem-se como mais autoconfiantes.

Estes resultados, em conjunto com os anteriores, questionam a evidência empírica predominante relativamente às diferenças entre sexos. Com efeito, quer no domínio
da Sociologia quer da Psicologia, os rapazes são descritos como mais autónomos do que as raparigas (Gallatin, 1978). A informação empírica existente indica não só
que a maioria dos indivíduos, independentemente da sua classe social, se adapta durante a adolescê ncia aos estereótipos de papel sexual adequados, como ainda atribui
como características ou papéis adequados ao homem ser "activo e independente" e à mulher ser "passiva e dependente" (Gallatin, 1978).

De facto, o que verificamos é a inexistência de investigação empírica que analise na área específica da autonomia adolescente, e nas suas diferentes dimensões, as
diferenças entre sexos. Esta questão prende-se com o problema mais global da quase inexistência de estudos contemplando as raparigas, largamente ignoradas pela literatura
(Adelson, 1985; Smith, 1985), e

quando são referidas é de forma a reforçar acriticamente as imagens estereotipadas das mulheres (Smith, 1985).

De acordo com Poole et al. (1986) "a investigação dizendo respeito ao

crescimento da autonomia durante a transição adolescente para a adultícia nem sempre orientou as diferenças entre adolescentes na base do género" (op. cit., p.
314).

Os resultados da sua própria investigação, conduzida com adolescentes da Austrália e Singapura, a que já fizemos referência na rubrica A Influência da Cultura,
sugerem-lhe que o funcionamento da família é percepcionado diferentemente num sexo e noutro, embora o factor sexo seja mais fraco do que o impacto da cultura.

Na investigação de Enright et al. (1980), também já por nós referida na

rubrica A Atitude dos Pais, concebida para analisar a influência parental no

desenvolvimento da autonomia, os autores verificam que "a variável mais crucial mediando o desenvolvimento da autonomia na adolescência é o género" (op. cit., p.
543). Os seus resultados indicam que os rapazes têm

A autonomia adolescente e a família 141

scores mais elevados de autonomia do que as raparigas, o que os autores interpretam à luz da socialização dos papéis sexuais, encorajadora da autonomia nos rapazes
e da passividade e dependência nas raparigas.

Compreende-se portanto que a predição de Steinberg & Silverberg (1986) não fosse no sentido dos resultados por eles encontrados. A interpretação que fazem os autores
é curiosa: por um lado, sugerem que as noçõ es acerca das diferenças entre sexos na autonomia válidas há 25 anos atrás, não se revelam mais adequadas e precisam
de ser revistas, por outro lado, sugerem que os

rapazes exibem maior autonomia comportamental, precisamente porque têm mais dificuldade em estabelecer a autonomia no seu sentido genuíno.

Pela nossa parte, pensamos que uma conceptualização mais rigorosa do conceito de autonomia poderia esclarecer as diferenças encontradas entre investigações; saber
exactamente que dimensão da autonomia se está a medir tornaria possível uma confrontação de resultados e de elaboração de hipóteses explicativas mais fundamentadas.

Estamos, de um modo geral, de acordo com Adelson (1985) quando afirma ser necessário, na área da adolescência, incrementar a investigação baseada na diferença entre
sexos. Na sua opinião, as mulheres têm estado profundamente sub-representadas e, por vezes, não representadas, nos estudos com adolescentes - como aliás temos vindo
a verificar ao longo deste trabalho de revisão da literatura - o que constitui sem dúvida uma possível fonte de erro na Psicologia da Adolescência.

CAPÍTULO QUARTO

COMO OS ADOLESCENTES PERCEPCIONAM AS ATITUDES DOS PAIS

1. A IMPORTÂNCIA DAS PERCEPÇõES DAS ATITUDES DOS PAIS PARA O DESENVOLVIMENTO PSICOLÓGICO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

As interacções no seio da família são factores reconhecidamente muito influentes no desenvolvimento psicológico da criança e do adolescente e existe hoje uma enorme
evidência empírica dessa mesma influência. A orientação da investigação desenvolvimental nessa área, seguiu basicamente duas linhas: (a) o estudo da relação entre
o comportamento da criança e o
comportamento parental observados e (b) o estudo das percepções infantis e
adolescentes das atitudes e comportamentos parentais.

Numa e noutra orientação, o investigador encontra dificuldades metodológicas e segundo Martin (1975), que as equacionou, todos os métodos têm dificuldades inerentes.
O comportamento parental "real" é em si mesmo inacessível e obviamente todas as metodologias de observação (directa ou indirecta) introduzem bias nos dados recolhidos
(Lytton, 1980).

Das estratégias de investigação válidas para o estudo do efeito das atitudes parentais no desenvolvimento da autonomia adolescente, nós optámos por estudar, na investigação
empírica que temos desenvolvido no campo da adolescência, as percepções das atitudes parentais (PAP), opção que fundamentaremos a seguir.

146 Adolescência e autonomia

1.1. Porquê Estudaras Percepções

O estudo das Percepções das Atitudes Parentais (PAP) tem recebido por parte dos investigadores interessados na problemática da relação pais-filhos um lugar proeminente,
desde os finais do século passado. Segundo recolha efectuada por StodgilI, e citada na revisão feita por um grande estudioso desta matéria, Earl S. Schaefer (1965),
existia já em 1937 grande volume de estudos sobre as PAP, produzidos sobretudo entre 1894 e 1936, tendo dado origem a uma numerosa lista de métodos (tipo inventários)
utilizados na

medida das percepções. Corri efeito, cedo os investigadores se deram conta da importância deste constructo, pela sua validade e utilidade quer teórica quer prática,
revelando ser uni excelente indicador para o estudo das relações pais-filhos e suas implicações na psicologia do desenvolvimento, psicopatologia, ajustamento social
e outras.

Porque recorremos no nosso trabalho à percepção (necessariamente subjectiva) que os filhos têm do comportamento dos pais, para o estudo da sua influência na autonomia?

Porque, para além das numerosas dificuldades metodológicas que coloca a observação directa dos comportamentos, segundo as conclusões de numerosos autores, a que
faremos referência, as PAP podem ser mais importantes para os adolescentes do que o comportamento dos pais em si.

Num trabalho publicado sobre a relação entre as PAP e a estrutura do ego em pré-adolescentes, Ausubel et al. (1954) afirmam que "embora o comportamento dos pais
seja um acontecimento objectivo do mundo real, afecta o

desenvolvimento do ego da criança apenas na extensão e na forma em que é percebido por ela" (op. cit., p. 173).

A isto Ausubel et al. (1954) acrescentam uma razão metodológica. É que "parece razoável supor que as percepções das crianças do comportamento e

atitude dos pais podem ser medidas com mais validade do que estes fenómenos em si" (op. cit., p. 173).

Assim, de acordo com este autor e também com Schaefer (1965), o modo

como as crianças e os adolescentes percebem o comportamento dos seus pais é mais importante para o desenvolvimento da sua personalidade do que o

Como os aciolescentes percepcionam as atítudes dos pois 147

conteúdo do estímulo a que se refere, isto é, o comportamento dos pais propriamente dito. Argumenta ainda, de modo convincente, que os aspectos críticos das técnicas
usadas na medida das práticas educativas podem ser

melhor indexados através da interpretação adolescente do comportamento parental do que por outros meios.

Siegelman (1965), em artigo publicado nessa mesma data e referindo-se a numerosos trabalhos publicados entre 1954 e 1961, afirma que "a importância teórica da percepção
que o filho tem dos seus pais para a compreensão do desenvolvimento da sua personalidade foi largamente reconhecida" (op. cit., p. 163).

Estas afirrnações têm sido largamente confirmadas e alargadas a formulações mais globais sobre a psicologia do desenvolvimento humano. Assim e

de acordo com Kagan et al. (1978, cit. in Lytton, 1980, p. 292) é mais impor- tante para um desenvolvimento psicológico saudável a maneira como a criança se percebe
amada e valorizada em qualquer momento particular da sua vida, do que o afecto real prodigalizado pelos pais. Naturalmente e ainda segundo os mesmos autores, a criança
não falseia esses sentimentos e existirá uma alta correlação entre o sentimento de ser amado e o afecto parental dado.

Esta questão levanta o problema mais global da congruência ou discrepância entre as percepções dos filhos e dos pais. A leitura que fizemos dos trabalhos publicados
nesta área leva~nos a concluir que (1) as diferenças entre pais e filhos quanto às respectivas percepções reflectem mais diferenças na intensidade da atitude do
que na sua direcção (Jaworoska, 1981, McHenry et al., 1981; Brook et al., 1980; Lerner & Kriapp, 1975) e que (2) a

congruência perceptiva entre pais e filhos é maior quando se refere aos

aspectos negativos, quer na dimensão do afecto quer do controlo (Brook et al., 1980).

A abordagem das práticas educativas através do estudo das PAP assume

portanto que os comportamentos parentais são mediados pelo significado que o adolescente lhes confere (Schludermann & Schludermann, 1983; Litovsky & Dusck, 1985)
e que, dum modo geral, existe congruência nas percepções dos filhos e dos pais.

148 Adolescêncía e autonomia

Interessados no estudo das dimensões mais significativas do comportamento parental e no estudo do seu efeito sobre a autonomia adolescente, optámos, com base na
fundamentação explanada, pelo estudo das percepções adolescentes, ou seja, pelo estudo das atitudes parentais tais como elas são interpretadas pelo adolescente.

Algumas questões de natureza teórica e metodológica merecem no entanto a nossa atenção.

1.2. Algumas Questões Teóricas e Metodológicas

A existência de uma vasta literatura científica sobre as PAP (Ausubel et al. 1954; Kagan, 1956, Hoffman et al. 1960, GlidewelI, 1961, cit. in Siegelman, 1965), bem
como de inventários para coligir as percepções (Anderson,
1940, Ausubel et al., 1954, Bronfenbrermer, 1961, Brown et al., 1947, Cooper & Bleir, 1959, Elias, 1952, Hayard, 1935, Itkin, 1952, MacKinnon,
1938, Morrow & Wilson, 1 961, Myers, 1935, Stagner & Drought, 1935, Scott, 1941, Swanson, 1950, cit. in Schaefer, 1965), a inclusão de escalas sobre as PAP em inventários
de personalidade (Bell, 1934, Berdie & Layton,
1957, Rogers, 1931, Thorpe et al., 1939, cit. in Schaffer, 1965) e o grande incremento que a investigação nesta área tem conhecido até 'a actualidade, constituiem
sem dúvida, uma prova do interesse e validade desse constructo para o estudo da infância e adolescência, quer na perspectiva individual quer na perspectiva da relação
familiar.

No entanto, o grande número de trabalhos produzidos até aos anos 60 não foi acompanhado por um desenvolvimento rigoroso do modelo teórico e

dos instrumentos de medida. A proliferação de inventários, muitos deles usados unicamente uma vez pelo investigador que os criou e sem o aprofundamento construtivo
dos estudos anteriores, acabou por ter um efeito negativo, atrasando o processo de apuramento conceptual destes instrumentos. Nas últimas duas décadas começou então
a registar-se um movimento de tentativa de apuramento das medidas usadas para avaliar as percepções que os filhos têm do comportamento parental.

Como os adolescentes percepcíonam as atitudes dos pais

149

Nessa linha de orientação, merece particular destaque o trabalho de sistematização e de elaboração dos conhecimentos prévios feito por Schaefer (1959, 1961, cit.
in Schaefer, 1965), que se constitui ainda hoje como uma

referência básica.

Tendo por base a informação prévia, uma metodologia de recolha de dados provenientes da observação directa da interacção pais-filhos e os

resultados das Análises Factoriais dos dados recolhidos, Schaefer concebe um modelo circunflexo do comportamento parental.

Segundo Becker (1964), especialista nesta matéria, o modelo de Schaefer foi desenvolvido para "sumarizar um conjunto de estudos que sugerem que a

maior parte dos conceitos desenvolvidos nas duas décadas passadas para descrever os tipos de pais podem ser reduzidos a uma combinação de dois conceitos dimensionais
essenciais" (op. cit., p. 173).

Este modelo organiza os estilos educativos em função da sua posição em

tomo de duas dimensões ortogonais, que Schaefer designou por autonomia vs. controlo e amor vs. hostilidade, ilustrado na figura seguinte:

AUTONOMIA

Desvinculação

Indiferença o

Negligência

HOSTILIDADE

Exigência Agressiva

Autoritarismo

Democracia

a Cooperação

AMOR

Excesso de Indulgência

Protecção Indulgente Sobreprotecção

CONTROLO

150 Adolescência e autonomia

Este modelo bidimensional merece um grande consenso por parte dos especialistas da área.

Com efeito, os trabalhos realizados pelo próprio Schaefer e por outros autores a partir de diferentes dados e utilizando diferentes metodologias de tratamento dos
dados (análises factoriais, análise de clusters, análise conceptual das variáveis usadas na investigação) encontram resultados idênticos (Schaefer, 1959, 1961, Zuckerman
et al. 1958, Roe, 1957, Slater, 1962, cit. in Schaefer, 1965).

Grande parte da variabilidade dos comportamentos parentais é explicada por estes quatro factores, embora a terminologia usada para os designar e os

índices comportamentais que os traduzem possam diferir ligeiramente de autor para autor.

Alguns autores propuserani a introdução de alterações ao modelo de Schaefer. É o caso, por exemplo, de Becker (1964) que propõe a substituição da dimensão Autonomia
vs. Controlo por duas dimensões: Restrição vs. Permissividade (restrictiveness vs. permissiveness) e Envolvimento Ansioso vs.

Distanciação Calma (anxious-emotional involvement vs. calm-detachment), ou de Baumrind que propõe duas dimensões ortogonais, "respondingness vs. demandingness",
mas o seu modelo remete para quatro grandes estilos educativos que não diferem muito dos contemplados pelo modelo de Schaefer.

O modelo circunflexo de Schaefer permanece no entanto o mais consensual, e o Inventário que construiu na base do seu modelo, para medir as

Percepções das Atitudes Parentais - o CRPBI (Children's Report of Parent Beliavior Inventory) - permanece um dos instrumentos mais utilizados pelos investigadores.

Mais precisamente, podemos dizer que, actualmente, os instrumentos mais utilizados pelos investigadores interessados em medir as PAP são o "Parent Beliavior Inventory"
(Schaefer, 1965) o "Parent-Child Interaction Rating Scale" (Heilbrun, 1964) e o "Cornell Parent Beliavior Description" (Bronfenbrenner, 1961 in Devereux et al.,
1969).

Estes instrumentos, utilizados em múltiplas pesquisas com diferentes finalidades, foram recentemente avaliados por Ellis et al. (1976), que procederam a um estudo
conjunto destes três instrumentos no sentido de verificar

Como os adolescentes percepcionam os atitudes dos país 151

a sua validade, fidelidade, consistência interna das escalas e a medida das inter-relações existentes entre os três instrumentos.

Os autores concluíram não só pela validade destes instrumentos, dadas as

altas correlações encontradas, como ainda pelas vantagens oferecidas pelo inventário de Schaefer.

Nós próprios utilizámos uma versão encurtada deste instrumento, na nossa investigação, conforme iremos referir no Cap. LI, Parte 11.

Dum modo geral podemos verificar que a dimensão Amor vs. Hostilidade remete para a qualidade afectiva da relação com os pais e tem subjacente conceitos que vão da
aceitação, protecção, calor afectivo, à frieza emocional, rejeição total ou parcial.

Já a dimensão Autonomia vs. Controlo remete para as práticas educativas e tem subjacente conceitos de autoritarismo, indução, punição. Conceitos complexos, de operacionalização
difícil e nem sempre univoca.

Numa e noutra dimensão a variação da intensidade da Atitude Parental tem implicações diferentes sobre o desenvolvimento da criança ou do adolescente. Na dimensão
do Afecto, uma intensidade excessiva pode, por exemplo, não permitir o desenvolvimento duma identidade separada, necessária ao desenvolvimento das capacidades do
filho (Mahler, 1968, Baumrind,
1968). Na dimensão do Controlo terá por certo grande impacto a forma como as regras ou as normas são prodigalizadas: impostas, negociadas, dando (ou não dando) explicações
sobre o seu fundamento.

É de admitir ainda que as atitudes parentais sofram modificações consoante o nível de desenvolvimento dos filhos, do seu sexo, das suas características de personalidade,
da classe social, entre outros factores.

Todos estes factores contribuem para complexificar a relação pais-filhos pelo que qualquer modelo ou qualquer tipologia é sempre redutor face à enorme variabilidade
e complexidade das atitudes parentais. O isolamento das suas dimensões principais e o estudo do seu efeito sobre o desenvolvimento têm no entanto contribuído enormemente
para o esclarecimento e aprofundamento da problemática das relações pais-filhos, objecto de estudo onde a nossa própria investigação se insere e para o qual pretende
trazer con-

152 Adolescência e autonomia

tributos, no que diz respeito ao aspecto específico do desenvolvimento da autonomia no adolescente.

Vasta é no entanto a investigação empírica que se, tem debruçado sobre o

estudo das PAP na dinâmica relacional pais-adolescentes.

A fim de fundamentarmos o que acabamos de referir apresentamos a

seguir apenas alguns trabalhos que ilustram a diversidade de campos de investigação tendo por base as PAP.

2. AS PERCEPÇõES DAS ATITUDES DOS PAIS E A RELAÇÃO PAIS-FILHOS

Uma das questões que tem interessado os investigadores é a da variabilidade das Percepções das Atitudes dos Pais em função da cultura.

Ferreira & Thomas (1984), por exemplo, quiseram comparar a natureza

do comportamento de apoio e de controlo dos pais em dois contextos culturais diferentes. Para isso, administraram um questionário a 194 jovens americanos de 15-19
anos e a 199 brasileiros da mesma idade. Os resultados obtidos produziram uma estrutura factorial semelhante em oito dimensões do comportamento parental: coerção,
apoio, autonomia, companheirismo, indução, retirada do afecto, afecto físico e tentativas inconsistentes de controlo. Os rapazes adolescentes apontam mais coerção
e companheirismo nos pais do que nas mães. Os adolescentes de classe média percebem menos apoio afectivo e mais controlo inconsistente e encorajamento à autonomia
por parte dos pais do que das mães.

No que diz respeito aos efeitos resultantes dos diferentes contextos culturais, os pais brasileiros, em comparação com os americanos, são vistos como mais indutivos,
menos coercivos e dando mais autonomia. O pai brasileiro é visto como mais consistente nas suas tentativas de controlo e menos companheiro do que o pai americano.

Noutro estudo, que também teve em atenção o contexto cultural, compararam-se as percepções dos adolescentes dos papéis desempenhados pelos pais, na Austrália, Inglaterra,
Estados Unidos da América e Suécia (Goldman

Como os adolescentes percepcionam os atitudes dos país 153

& Goldrnan, 1983). Trabalhando com sujeitos entre 5 e 15 anos, os autores verificaram que os resultados obtidos em qualquer um dos quatro países traduziam o já tradicional
enviezamento sexual. A mãe era vista por todos os sujeitos como mais preocupada com os deveres domésticos e o cuidar dos filhos e tendo ocupações de baixo estatuto.
O pai era antes visto como dando-se bem em casa numa situação de lazer, ocupando funções de estatuto elevado e desempenhando papéis de autoridade e de liderança
na família.

Rohner & Pettengill (1985), por seu lado, analisaram a relação entre a

percepção da aceitação-rejeição e o controlo parental em adolescentes corcanos. Os resultados obtidos indicaram que as raparigas percebem a figura paterna como permitindo
ligeiramente menos autonomia que os rapazes. Em todos os outros aspectos não se registaram quaisquer diferenças entre rapazes e raparigas.

Resultado interessante é que, à medida que a percepção de controlo parental aumenta, aumenta também a percepção de amor parental, o que é verdade tanto para as mães
como para os pais. Isto é rigorosamente o contrário do que se regista em sociedades ocidentais onde, à medida que aumenta a

percepção de controlo parental, as crianças percebem maior hostilidade parental ou mesmo rejeição. Segundo os autores, o facto de se passar o contrário na Coreia
tem a ver com a valorização quer da família quer da obediência à sua autoridade.

Ainda na mesma linha, os resultados de Rolmer & Pettengill indicam que, na Coreia, pais percebidos como mais severos são também percebidos

como menos negligentes e indiferentes que os pais mais permissivos. Já nas

mães, um controlo muito severo é também visto como ligeiramente agressivo, hostil e rejeitante.

A questão do controlo parental foi também estudada por Kelly & Goodwin (1983), nos E.U.A., que investigaram a relação entre a forma percebida do controlo parental
e a aceitação/rejeição por parte dos adolescentes e três formas do referido controlo:

- autocrático: pais que raramente deixam os adolescentes expressarem

os seus pontos de vista sobre assuntos que têm a ver com o seu próprio comportamento;

154 Adolescência e autonomia

democrático: adolescentes encorajados a participar na discussão de assuntos relevantes para o seu comportamento, embora a decisão tomada seja claramente aprovada
pelos pais; permissivo: os adolescentes têm mais influência na tomada de decisões que tem a ver com eles ou com os pais.

As respostas ao questionário indicam que 83% dos sujeitos percebiam os seus pais como democráticos, 11 % como autocráticos e 6% como permissivos. Como os autores
previam, os sujeitos educados em lares democráticos tendem a reagir mais positivamente ao poder parental que os restantes.

Mesmo nos sujeitos em lares democráticos, foi detectada uma revolta encoberta contra o poder parental, que se manifestou na afirmação do direito de escolher os próprios
amigos e encontros.

As percepções também nos podem dizer alguma coisa sobre a estrutura

do ego da criança, em particular sobre os níveis de aspiração e tolerância à frustração. Segundo Ausubel et al. (1954), as raparigas percebem-se como

mais aceites e intrinsecamente mais valorizadas pelos pais o que, em sua opinião, tem a ver com o facto de as raparigas conseguirem o seu estatuto na

base de relações de dependência pessoal com outros, que as aceitam e valorizam, independentemente das suas competências (o que não acontece com os rapazes).

Ausubel põe a hipótese de as auto-percepções de rejeição e a valorização extrínseca (em contraste com as de aceitação e valorização intrínseca) estarem relacionadas
com um autoconceito concebido de forma mais omnipotente, níveis mais altos de aspiração do ego e tolerância à frustração, maior independência ideativa dos pais e
níveis menos avançados de maturidade da personalidade. No entanto, a hipótese apenas foi confirmada para os sujeitos que se percebiam extrinsecamente valorizados
pelos pais, mas não para os

que se percebiam rejeitados.

Refira-se que também o facto dos adolescentes viverem em famílias intactas ou separadas influencia as suas percepções. De facto, Parisli & Wigle (1985) registam
que os sujeitos de famílias intactas tendem a avaliar-se a si próprios e aos pais mais positivamente do que os sujeitos de famílias

Como os adolescentes percepcionam as atitudes dos pais 155

divorciadas. Por seu lado, Ambert & Saucier (1983) registam que os adolescentes percebem os pais separados ou divorciados mais negativamente que os pais viúvos ou
ainda casados. Quanto às mães, ainda segundo estes autores, as percepções diferem pouco em função do estatuto marital: percepção menos favorável das mães viúvas,
seguidas das mães separadas, e mais favorável das que vivem em famílias intactas.

A percepção do comportamento parental é um bom indicador do ajustamento das crianças e dos adolescentes: do rendimentos escolar, dos distúrbios psiquiátricos e sociais.

Segundo Schaefer (1965), que refere uma vasta revisão da literatura até então publicada, o modo como as crianças relatam o comportamento parental está significativamente
relacionado com outros elementos da relação pais-filhos.

Segundo um estudo de Hower & Edwards (1979), as transacções parentais mais permissivas, com aceitação elevada e baixo controlo, parecem mais correlacionadas com
o desenvolvimento do carácter moral. No entanto, os dois autores notam que o controlo pode ser um facilitador do carácter moral nas crianças pequenas, tomando-se
contraproducente nos adolescentes mais velhos.

Wolk & Brandon (1977) trabalharam com adolescentes com comportamentos de fuga e verificaram que esses adolescentes, comparativamente a

outros que nunca fugiram de casa, vêem os seus pais como menos apoiantes e mais punitivos.

Os resultados obtidos pelos autores vão no sentido de outros trabalhos, que afirmam que os adolescentes com problemas comportamentais tendem a

ter pais extremamente rejeitantes, punitivos e negligentes.

Também Schaefer (1965) utilizou o seu questionário em dois grupos de adolescentes: delinquentes e não delinquentes. De acordo com os resultados obtidos, o grupo
dos delinquentes descreve, tanto a mãe como o pai, como

tendo valores muito altos em "autonomia extrema e falta de disciplina". O mesmo grupo descreve a mãe como dando mais afecto e o pai como dando

menos afecto que o grupo dos adolescentes normais. O grupo dos não-delinquentes dá do pai e da mãe uma pontuação mais alta que o grupo de delin-

156 Adolescência e autonomia

quentes quanto às medidas relacionadas com o controlo parental, excepto no

controlo através da culpa, onde acontece o contrário.

Ainda segundo Schaefer (1965), os sujeitos delinquentes descrevem de forma muito diferente os modelos de comportamento da mãe e do pai, o que também acontece no
grupo dos jovens normais, mas com diferenças menos vincadas.

Para verificar as diferenças de tratamento entre pais e mães em ambos os grupos, Schaefer recorreu a correlações tetracóricas que forneceram pistas interessantes.
Assim, o grupo normal percebe um comportamento muito similar entre o pai e a mãe. No grupo delinquente, as correlações são ainda positivas, mas mais baixas, o que
indica que os pais destes jovens podem ter uma política menos unificada e coordenada no seu comportamento para com

os filhos, ou enfatizam as suas diferenças nas práticas educativas.

Trabalhando com raparigas de 19-20 anos, estudantes, Heilbrun (1960) considerou dois grupos: ajustadas e não ajustadas. A comparação dos dois grupos mostrou uma
tendência para uma maior percepção do controlo maternal nas raparigas menos ajustadas, que também percebem as suas mães como mais hostis e rejeitantes.

Pelo que acabamos de ver, apesar da percepção do controlo parental ser

um elemento diferenciador entre adolescentes considerados normais e outros com problemas de ajustamento, não ficou esclarecida a direcção em que influencia o comportamento
dos adolescentes. Ou seja, não é possível dizer que mais controlo provoca mais desajustamento nem o contrário, porque o

factor controlo não surge isolado, antes aparece a interagir com o sexo, a idade e outros factores de dinâmica familiar na determinação do ajustamento e, assim,
actua em direcções diferentes consoante as situações.

Já é mais claro que os adolescentes com problemas comportamentais percebem as suas famílias como menos apoiantes e menos interessadas no bem-estar de todos os membros
(Fox et al., 1983).

As percepções do comportamento parental também servem para diferenciar os sujeitos normais dos que apresentam distúrbios psiquiátricos. E neste caso é bem mais nítido
que uma percepção elevada de controlo parental está associada à presença de distúrbios.

PARTE II

OS "VERDES ANOS" EM PORTUGAL: PROCESSO DE AUTONOMIA, TRANSFORMAÇÕES NOS ADOLESCENTES E VíNCULO AOS PAIS

A adolescência é a idade do contínuo morrer e renascer para outro, 11 do contínuo experimentar as fronteiras do possível, apresentando-nos, assim, rápidos enamoramentos,
um incessante unir e separar, num suceder, de revelações e de desilusões.

FRA~O AUERONI

CAPITULO PRIMEIRO

AUTONOMIA E ATITUDES PARENTAIS: APRESENTAÇÃO DUMA INVESTIGAÇÃO

1. OS OBJECTIVOS DA INVESTIGAÇÃO

Apresentámos já, na Introdução, as principais linhas de orientação do trabalho de investigação que temos vindo a desenvolver na área da Adolescência. Por diversas
vezes também fizemos referência aos resultados de alguns trabalhos, já publicados, que realizámos só e em colaboração. O estudo que aqui apresentamos insere-se portanto
numa linha de continuidade de pesquisa e num contexto que, tendo em conta a revisão da literatura, procura trazer novos conhecimentos para o campo.

A análise crítica do corpus teórico e empírico que fizemos permitiu-nos identificar as variáveis que mais impacto parecem ter sobre o processo de autonomização adolescente
e identificar as questões que, do ponto de vista teórico, merecem ser aprofundadas, bem como as questões deixadas em

aberto pela investigação clínica e empírica prévia, sobre a problemática da autonomia adolescente.

A partir desta análise, concebemos um plano de investigação que respondesse às questões equacionadas e que contivesse novas hipóteses. Inspirámo-nos fundamentalmente
nas teorias psicanalíticas sobre a adolescência e, de entre estas, mais especificamente nas teorias etológico- analíticas de Bowlby.

Pensamos que o modelo de Bowlby constitui um paradigma teórico fundamental para a compreensão, em simultâneo, da problemática da vinculação

162

Adolescência e autonomia

e da autonomia e, como tal, ele constitui o suporte teórico básico da nossa investigação.

Explicitado que foi o objecto do nosso estudo, a autonomia comportamental na adolescência, relembramos os objectivos: compreender a variabilidade da autonomia comportamental
nos adolescentes portugueses, através do estudo dos comportamentos nela implicados (os indicadores) e do estudo das relações entre a autonomia e o sexo, a idade
e as percepções que os adolescentes têm das atitudes dos pais, nas dimensões do afecto e das práticas educativas,

Estas são portanto as variáveis que seleccionámos e que, na nossa hipótese geral de trabalho, contêm potencialidades explicativas da variabilidade da autonomia comportamental
adolescente: o Sexo, a Idade e as Percepções das Atitudes Parentais. Relativamente a estas últimas, foram estudadas as dimensões reconhecidas como mais representativas
do parenting: o Amor, a Hostilidade, a Autonomia e o Controlo.

A abordagem do objecto de estudo fez-se, numa primeira fase, através do estudo de alguns aspectos da autonomia comportamental:

- o desejo;
- a capacidade de se autonomizar;
- a desobediência e submissão aos pais.

Um outro aspecto contemplado na nossa investigação diz respeito à emergência etária (idade de início) dos comportamentos, de autonomia. O estudo desta variável permitiu
um outro tipo de recorte e trouxe evidência para uma área que, a nosso conhecimento, estava por explorar.

Na fase ulterior da investigação centrámos a nossa análise num dos aspectos atrás referidos, a capacidade de realização da autonomia comportamental, que remete para
a competência efectiva do adolescente para agir determinados comportamentos, e estudámos a sua relação com as variáveis seleccionadas: o sexo, a idade e as percepções
das atitudes parentais.

Estamos agora em condições de explicitar mais concretamente as hipóteses de trabalho que pretendemos testar e que organizavam os objectivos do nosso trabalho.

Autonomia e atitudes parentais 163

2. HIPóTESES

Partimos da hipótese geral que consiste em afirmar a existência duma correlação entre dois fenómenos: a autonomia comportamental adolescente e o tipo (em quantidade
e qualidade) de relação pais-adolescentes, quer no

plano da ligação afectiva quer no plano das práticas educativas, e que essa correlação varia em função do sexo e também da idade do adolescente.

À questão de partida: "Que relação existe entre a autonomia comportamental do adolescente e a sua percepção das atitudes parentais?", o trabalho de exploração e
reflexão pessoal, que se lhe seguiu, conduziu à elaboração progressiva das hipóteses de investigação.

As hipóteses avançadas são as seguintes:

A. Hipóteses relativas à Autonomia Comportamental

- Rapazes e raparigas diferem na forma como lidam com o processo

de autonomia comportamental durante a adolescência, e é de prever a existência de diferenças entre sexos em determinados comportamentos de autonomia.
- Quer o desejo de realizar comportamentos de autonomia, quer a

capacidade efectiva de os realizar, manifestam-se em cada vez maior número de adolescentes à medida que a idade avança e é de prever a existência de proporções cada
vez maiores de adolescentes, quer rapazes quer raparigas, manifestando o desejo de exercer a

autonomia comportamental e com capacidade de a realizar.
- A capacidade para realizar os comportamentos de autonomia

envolve o desafio ao controlo parental e é de prever a existência de proporções cada vez maiores de adolescentes que não se submetem e desobedecem aos pais, à medida
que a idade avança.
- É de prever ainda que os comportamentos de autonomia assumam

importância diferente consoante a idade e o sexo do adolescente, pelo que se espera 'encontrar diferenças na idade de início dos comportamentos de autonomia.

164 Adolescência e autonomia

- A realização da autonomia comportamental envolve necessariamente as figuras parentais, pelo que é de prever a existência de padrões diferentes de submissão e
de desobediência às figuras materna e paterna, e diferentes ainda consoante o sexo e a idade do adolescente. Antecipamos um envolvimento mais frequente da figura
materna, comparativamente à figura paterna.

B. Hipóteses relativas à relação entre a Autonomia Comportamental, as

Percepções das Atitudes Parentais, o Sexo e a Idade

A competência demonstrada pelo adolescente para levar a cabo o processo de autonomia está sob o efeito de numerosos factores. Na nossa previsão, o sexo do adolescente,
a sua idade e as suas percepções das atitudes dos pais, estas últimas reflectindo a qualidade de relações pais -adolescentes, contribuem para a variabilidade da
autonomia comportamental. Assim sendo:

- Antecipamos que cada uma destas variáveis tem poder preditivo

sobre a maior ou menor capacidade de realização da autonomia comportamental.
- Antecipamos que o tipo de relação existente entre a capacidade de

realização de autonomia comportamental e as percepções das atitudes parentais será diferente consoante a fase desenvolvimental do adolescente, sendo sobretudo de
prever alterações no eixo do afecto (Amor e Hostilidade).
- Antecipamos que a capacidade de realização da autonomia comportamental está relacionada com a qualidade e a intensidade das percepções adolescentes das atitudes
parentais.

Mais especificamente, prevemos que:

a) A capacidade de realização de autonomia será tanto maior quanto

maior for a percepção de autonomia e quanto menor for a percepção de controlo, tanto na fase inicial como na fase terminal da adolescência.

Autonomia e atitudes parentais 165

h) A capacidade de realização de autonomia está associada de forma

positiva à percepção de Amor, e de forma negativa à percepção de Hostilidade. No entanto, prevemos que um score muito elevado na percepção de Amor poderá ter um
efeito inibidor sobre a autonomia comportamental, enquanto a percepção de Hostilidade andará sempre (seja qual for o valor da intensidade da percepção) associada
a uma menor capacidade de levar a cabo a autonomia comportamental.

3. ESTRATÉGIA DA INVESTIGAÇÃO E METODOLOGIA

Quatro tipos de estratégias podem ser seguidas na investigação sobre o

desenvolvimento humano: as estratégias transversais, as longitudinais, as sequenciais e as biográficas (Lutte, 1988).

Optámos na nossa investigação por um estudo transversal, o mais frequentemente usado pelos investigadores neste tipo de trabalho. Na estratégia transversal "examinam-se
os adolescentes divididos por grupos de idade e

reconstrói-se o desenvolvimento a partir das medias de cada grupo" (op. cit., p. 58). Esta estratégia tem, relativamente às outras, a vantagem de ser mais económica,
de conseguir uma grande quantidade de informação num curto

espaço de tempo e de permitir a formação de grupos homogéneos.

A técnica de recolha dos dados seguida foi o questionário. A amostra é representativa dum grande universo populacional de adolescentes, relativamente aos quais os
resultados são válidos.

3.1. A amostra

Partimos de uma amostra estabelecida a partir do universo total de estudantes do ensino oficial, com mais de 12 anos de idade e frequentando as oito

166 Adolescência e autonomia

escolas do ciclo preparatório e secundário do concelho de Matosinhos (7.264 sujeitos).

A amostra, representativa desse universo, é constituída por 994 sujeitos de idades compreendidas entre 12 e 19 anos, sendo 5 1 % do sexo masculino e

49% do sexo feminino, e esta representação de rapazes e raparigas é sensivelmente a mesma em todas as idades consideradas.

A média de idades é de 13.8 anos e o Intervalo de Confiança a 95% é de [13.739, 13.9751. A quase totalidade (98%) dos adolescentes residem com os seus pais naturais
(ou com pelo menos um deles), os seus pais são na sua grande maioria (96%) casados ou vivem juntos e em apenas 4% dos casos o adolescente perdeu um dos pais.

Trata-se de uma amostra representando um largo espectro sócio-económico indo a ocupação dos pais de um nível não-diferenciado até um nível altamente diferenciado,
o mesmo se passando relativamente ao grau de instrução que abrange desde os níveis menos qualificados (analfabetismo) até aos níveis mais elevados (curso superior
universitário).

3.2. Instrumentos de medida

3.2.1. A medida da autonomia comportamental

O instrumento de medida utilizado foi o Questionário de Autonomia Comportamental (Fleming, 1988), construído e validado por nós próprios no

decurso do trabalho (incluído em Anexo).

A pesquisa bibliográfica revelou que as dificuldades metodológicas do estudo empírico da autonomia permanecem e que não existem instrumentos de medida bem estabelecidos.

A maior parte dos instrumentos, construídos pelos próprios autores e

concebidos para os objectivos precisos da sua investigação, raramente foram retomados e submetidos a estudos de avaliação das suas capacidades psico~ métricas.

Autonomia e atitudes parentais 167

Constatámos também a inexistência de instrumentos especialmente concebidos para a medida da autonomia comportamental.

Neste contexto, optámos pela construção do nosso próprio instrumento de exploração e medida da autonomia comportamental.

O Questionário de Autonomia Comportamental (Q.A.C.) foi concebido para avaliar a incidência das respostas dos adolescentes, num conjunto de comportamentos de autonomia,
em várias dimensões da autonomia comportamental: o desejo de realizar, a capacidade de realizar e a desobediência aos pais envolvida na realização dos comportamentos
de autonomia. O adolescente, posto perante várias alternativas de resposta, escolhe a que melhor se

lhe aplica.

Optámos, não por derivar os itens a partir dos modelos teóricos prévios, mas partir das próprias representações adolescentes sobre @. ' ---mia

comportamental (cf. Capítulo 2. L, Parte 11). Este procedimento foi (s utilizado por Kurtines (1978), Moore & Hotch (1981) e recentemente @I/ada
também por Moore (1987).

Após a realização de uma Análise Factorial (cf. Cap. 2.5., Parte 11) foi possível chegar a uma medida de autonomia, que designámos por Capacidade de Realização
da Autonomia (CRA), traduzida num score.

3.2.2. A medida das percepções das atitudes parentais

3.2.4 1. Descrição do instrumento

O instrumento de medida utilizada no nosso estudo para avaliar as percepções adolescentes das atitudes parentais foi o Youth Perception Inventory (YPI) de Fred Streit,
uma versão revista do Children's Report of Parent Behavior Inventory (CRPBI) de Earl S. Schaefer.

Dado não existir uma versão portuguesa do YRI (nem de qualquer outro instrumento de medida dos comportamentos parentais), validada para a nossa população, procedemos
à sua validação através de um estudo de Análise Factorial. Os resultados desse estudo encontram-se descritos, muito sumariamente, a seguir.

168 Adolescência e autonomia

Esse estudo teve por objectivo reencontrar a estrutura factorial proposta por Schaefer (1965) e Streit (1978) e verificar a validade interna do instrumento (habilidade,
homogeneidade dos itens, etc.).

Após esse estudo, procedeu-se à transformação das respostas aos itens das subescalas isoladas pela factorização, em scores de percepções para cada sujeito.

A versão encurtada do CRPBI - o YP1 - foi utilizada no nosso trabalho porque este instrumento, pelas características que revelou possuir em

numerosos trabalhos de investigação, pareceu-nos ser o mais apropriado para a verificação das nossas hipóteses. Tivemos também em conta o facto de que a sua aplicação
anterior, numa população de adolescentes portugueses, conduziu a resultados consistentes (Alarcão, 1986).

O instrumento permitiu-nos medir as percepções adolescentes de quatro dimensões do comportamento dos pais: o Amor, a Hostilidade, a Autonomia e o Controlo.

A dimensão de amor vs. hostilidade, também referida por Schaefer pela designação de aceitação vs. rejeição, reflecte percepções de pais afectuosos, que valorizam
e dão um suporte emocional, vs. percepções de pais negligentes, rejeitantes e abandónicos. A dimensão da autonomia vs. controlo reflecte percepções de pais que permitem
que o filho tenha um desenvolvimento diferenciado dos pais vs. percepções de pais usando de restrições e limites ao

seu comportamento.

Após vários estudos em amostras distintas com o objectivo de testar a

validade do poder discriminativo das escalas, Streit (1978) chegou a uma

versão revista do CRPBI, composta por 104 itens e numa versão única dirigida à percepção conjunta e diferenciada da figura parental. O autor demonstra que o uso
da versão encurtada, face ao uso do inventário original mais longo, não resulta em perda de fiabilidade e de validade (Streit, 1978).

Embora Streit e Alarcão tenham aplicado o YP1 com os itens agrupados nas respectivas escalas, nós optámos, na nossa investigação, por uma aplicação do YP1 com os
itens não agrupados, para evitar o efeito de halo, necessariamente enviesador das respostas e portanto dos resultados.

Autonomia e atitudes parentais

169

3.2.2.2. Estrutura factorial do "Inventário de Percepções Adolescentes" e sua validade interna

Os factores extraídos, após os estudos que realizámos de Análise Factorial em Componentes Principais, organizam os itens em tomo das quatro dimensões molares referidas
por Streit: Amor, Hostilidade, Controlo e Autonomia.

As quatro escalas factorialmente definidas a partir da matriz dos nossos

dados medem as dimensões de parenting: Amor (Factor 1), Hostilidade (Factor 2), Controlo (Factor 3) e Autonomia (Factor 4) e compõem-se de 30 itens a primeira, a
segunda de 17 itens, a terceira de 10 itens e a quarta de 6 itens (apresentado em Anexo).

As escalas contêm a totalidade dos conceitos de Schaefer (26 conceitos) à excepção de um, o conceito de "Protecção".

Assim, encontramos nas nossas escalas os 25 conceitos:

ESCALAS

AMOR

HOSTILIDADE

CONTROLO

AUTONOMIA

CONCEITOS

Encorajamento da Sociabilidade (its 13 a 16), Encorajamento do Pensamento Autónomo (it 17), Tratamento Igualitário (its 22,
24), Avaliação Positiva (its 25 a 28), Partilha (its 29 a 32), Expressão do Afecto (its 33 e 36), Suporte Emocional (its 37 a

40), Estímulo Intelectual (its 41 a 52), Atenção Centrada no Filho (its 45 a 48) e Possessividade (its 49, 52)

Intromissão (it 58), Controlo Rígido (it 73) Punição (its 77 a 80), Irritabilidade (it 90), Rejeição (its 93 a 96), Negligência (its 98 a

100), Abandono (its 101 a 104)

Supressão da Agressão (it 64), Controlo pela Culpa (its 66, 67), Directividade Parental (it 71), Punição (it 78), Censura Permanente (its 82, 84), Avaliação Negativa
(its 85, 87), Irritabilidade (it 89)

Autonomia extrema (its 1, 4), Autonomia Frouxa (it 7), Autonomia Moderada (its 10 a 12)

NOTA: O enunciado dos itens encontra-se descrito em Anexo.

170 Adolescência e autonomia

Uma vez definidas as Escalas, procedemos em seguida ao estudo da Validade Interna do Inventário, a fim de verificar a sua consistência interna.

A validade das Escalas foi testada através de dois procedimentos: (a) a

correlação item-teste e (b) o coeficiente Alfa de Cronbach. (a) O procedimento da correlação item-teste: verificámos, através do valor e direcção da correlação encontrada,
a validade interna das escalas. Com efeito, os scores dos itens apresentavam correlações positivas elevadas e significativas (P < .01) com os scores totais das escalas
que o integram e

correlações negativas, baixas e significativas com os scores totais das escalas representativas das dimensões de parenting que no modelo de SchaeTer se lhe opõem
(Amor opõe-se a Hostilidade, Controlo a Autonomia). (b) O procedimento do coeficiente Alpha de Cronbach, um dos mais importantes do ponto de vista psicométrico,
permitindo medir a fiabilidade da escala que se pretende validar, conduziu aos seguintes valores: @ (Amor) .93, à (Hostilidade) = .79, @ (Controlo) = .65 e @ (Autonomia)
= .5 3.

Conforme podemos constatar, o valor dos coeficientes obtidos é bastante elevado pelo que podemos concluir tratarem-se de escalas com grande habilidade.

Dispomos agora de uma medida de Percepção das Atitudes Parentais permitindo medir quatro dimensões de parenting.

3.3. Procedimento

Aplicou-se um Questionário anónimo, autopreenchido, em setting escolar. O Questionário é constituído pelos Instrumentos de Medida e por uma parte destinada a recolher
dados sobre o sujeito e sobre a sua família (E.S.E., grau de instrução, etc.).

CAPITULO SEGUNDO

DO DESEJO DE MUDAR À CAPACIDADE DE SER GRANDE: RESULTADOS DA INVESTIGAÇÃO E CONCLUSõES

1. O SIGNIFICADO DA AUTONOMIA PARA O ADOLESCENTE

Começámos a nossa pesquisa pelo estudo do significado que tem para o

adolescente o conceito de autonomia, numa pequena amostra. Quisemos portanto saber o que é, para o adolescente, ser autónomo e ter autonomia.

A partir deste primeiro estudo, e tal como já referimos, construímos um

instrumento de medida da autonomia comportamental que nos permitiu aprofundar e prosseguir a investigação num universo populacional mais alargado de adolescentes
e descrito no Capítulo anterior.

- METODOLOGIA

A metodologia seguida neste estudo prévio foi a de proceder a uma Análise de Conteúdo (Bardin, 1977, Ghiglione et al., 1980) a partir de um teste

de "associação de palavras", às palavras indutoras: "autonomia", "ter autonomia", "ser autónomo", "já não ser criança", em diferentes grupos de sujeitos adolescentes
(N*= 40), recobrindo as mesmas idades que as idades da amostra da investigação posterior, mas frequentando outros estabelecimentos de ensino.

174 Adolescência e autonomia

-RESULTADOS

A análise de conteúdo realizada a partir do material recolhido permitiu~ -nos objectivar o significado que tem para o adolescente a autonomia.

Ser autónomo, anda no imaginário adolescente, associado ao conceito de

ter autonomia e exprime-se através da manifestação de um conjunto de comportamentos, designados pelos adolescentes como comportamentos de autonomia. São os seguintes
os comportamentos de autonomia que ' e o nosso

estudo apurou e que definem o conceito de autonomia adolescente:

1. Decorar a parte da casa onde durmo como quiser.
2. Usar a roupa e o penteado que gosto.
3. Gastar o meu próprio dinheiro como quiser.
4. Sair à noite.

5. Sair sem dizer onde vou.

6. Sair e entrar às horas que quero.
7. Passar fins-de-semana fora de casa (com amigos, por exemplo).
8. Passar férias sem a companhia de familiares.

9. Namorar.

10. Resolver os meus próprios assuntos ou problemas sem a interferência

dos pais.
11. Seguir as minhas próprias ideias (religiosas, políticas, áreas de estudo).

- CONCLUSõES

Toma-se manifesto que os adolescentes concebem a autonomia como um conceito recobrindo um leque variado de comportamentos distintos.

Constatamos, com interesse, a convergência entre as conceptualizações adolescentes de autonomia comportamental e o tratamento que a questão tem merecido na literatura.

Do desejo de mudar à capacidade de ser grande 175

Verificamos com efeito que grande parte dos itens reflectem dimensões comportamentais estudadas também por outros autores e operacionalizadas através de itens próximos
dos nossos (nomeadamente: Murpliey et al., 1963, Psathas, 1957, Poole et al., 1986, Smith, 1985, Coulbaut, 1981, Moore & Hotch, 1981, Hofiman, 1984, Moore, 1987,
cujos trabalhos revimos no Cap.
3, Parte 1).

Apesar da influência do factor cultural e sócio-histórico, parece existir consonância na forma como adolescentes de diferentes nacionalidades concebem a sua autonomia,
embora uma análise atenta dos itens permita também identificar aspectos específicos. A valorização do penteado, da decoração da parte da casa onde o adolescente
dorme, do namoro, enquanto sinais ou atributos de autonomia, são exemplo disso. Também as saídas de casa são aspectos que aparecem valorizados pelos nossos adolescentes.

Por outro lado verificamos também uma grande convergência entre as

conceptualizações provindas dos autores de orientação psicanalítica e os nossos próprios resultados.

Muito claramente, e como vimos, eles salientam a importância dos aspectos narcísicos envolvidos na separação, a importância da separação física e

dos comportamentos exploratórios (actividades fora ou dentro de casa, mas fora do controlo parental) em direcção aos pares ou outras figuras extrafamiliares, a importância
do estabelecimento de relações heterossexuais, integrando-os num conjunto coerente.

Ora os nossos resultados reflectem as dimensões atrás referidas: os itens
1 ("Decorar") e 2 ("Roupa") apontam mais explicitamente para a dimensão narcísica, (na nossa opinião, a dimensão narcísica está igualmente presente em todos os outros
itens), os itens relativos às saídas (itens 4, 5, 6, 7, 8) apontam para uma dimensão comportamental exploratória em actividades relacionais fora de casa e fora do
controlo familiar, com ensaios de separação física, mais (itens 7 e 8) ou menos (itens 4, 5, 6) prolongada, o item 9 ("Namorar") contém a dimensão da autonomia emocional,
com a procura de ligações heterossexuais extrafamiliares, os itens 10 e 11 remetem claramente para uma dimensão mais cognitiva, reflectindo aquisições estruturais
de suporte a todas as outras esferas de comportamento autónomo.

176 Adolescência e autonomia

Alguns destes itens têm merecido tratamento mais aprofundado na literatura sobre a adolescência, nomeadamente o "Namoro", e "Roupa", este último tratado em rubricas
como: "atitudes face as vestuário", "aparência física", "imagem corporal". É, no entanto, de sublinhar que a literatura tem realçado mais o "uso de roupa"; ora,
no nosso estudo, a referência ao "penteado" ocupou um lugar identicamente importante, chamando a atenção para um aspecto que Rosembaum (1979, cit. in Lutte, 1988)
diz representar simbolicamente o corpo, a sexualidade.

A relação entre esses comportamentos e a autonomia encontra algum eco

na literatura.

Salgueiro (1987) vê, por exemplo, na importância do "vestuário" uma

"segunda pele", uma luta pela posse do próprio corpo até aí considerado propriedade do objecto primário maternal, implicando também sempre uma relação com o outro,
que se aprecia como objecto estético.

Place (1975) afirma, por seu lado, que "a experiência do namoro desempenha um papel major na passagem da adolescente para a adultícia: a "experiência do namoro torna-as
capazes de se estabelecerem como indivíduos mais autónomos aos olhos dos pais e ajuda-as a estabelecer padrões de comportamento na relação com o sexo oposto" (op.
cit., p. 157).

No entanto, apesar da importância que a literatura tem dado a estes comportamentos, verificamos que eles não foram tratados globalmente como

fazendo parte dum mesmo constructo: a autonomia comportamental.

Pela nossa parte, pensamos que cada um dos comportamentos, embora englobadas num mesmo constructo, merecem ser distinguidos. Por isso, decidimos proceder ao seu
estudo, primeiro enquanto variáveis separadas, e

depois agrupadas numa escala, a fim de melhor captar a sua incidência nos adolescentes e a sua importância relativa, para os rapazes e para as raparigas, e nas diferentes
fases da sua evolução. Disporemos então duma cartografia mais fina que nos permitirá ler os caminhos e os contornos da passagem da infância para a adultícia, de
que a autonomia comportamental é um

dos muitos indicadores, e que os resultados dos capítulos seguintes consubstanciam.

Do deseja de mudar à capacidade de ser grande 177

Toda a investigação descrita nos próximos capítulos foi realizada na

Amostra e de acordo com a Metodologia descrita no capítulo anterior (Cap.
1.3., Parte II).

Convidamos o leitor a acompanhar-nos nesta viagem de exploração à descoberta da adolescência...

2. DO DESEJO DE AUTONOMIA AO COMPORTAMENTO AUTóNOMO

INTRODUÇãO

O estudo que vamos apresentar neste capítulo constitui-se como a resposta a um conjunto de questões que quisemos investigar sobre a autonomia adolescente.

Quisemos saber: Que autonomia desejam os adolescentes? Que comportamentos de autonomia levam a cabo? Quantos precisam de desobedecer aos pais para o conseguir? Que
transformação se dá ao longo da transição dos 12 para os 19 anos, e neste processo evolutivo o que distingue os rapazes das raparigas?

As categorias do Desejo e da Desobediência pouco ou nada têm interessado os investigadores da área, mais interessados no estudo das dimensões ligadas ao desempenho.
Nós pensamos, pelo contrário, que é necessário trazer para o campo dos estudos sobre a adolescência as dimensões do desejo e da desobediência, categorias de grande
riqueza conceptual. O seu estudo tem, aliás, merecido a nossa atenção em trabalhos que realizámos previamente (Figueiredo et al., 1983, Fleming, 1986).

O desejo remete para aspectos de dinâmica interna mais próximos da pulsão, a desobediência para aspectos conflituais em tomo da autoridade parental. A importância
destes dois conceitos encontra-se aliás amplamente evidenciada nas teorias psicanalíticas sobre o desenvolvimento infantil, bem

como na mitologia, nos contos e na literatura...

178

Adolescência e autonomia

A este propósito cito apenas, a título de exemplo, os investigadores Youniss & Smollar (1985) que concluíram a propósito das relações entre pais e adolescentes:
"As relações com os pais são descritas como relações de autoridade [... 1 ambos os pais são descritos como objecto de respeito e como

pessoas a quem o filho é obrigado a mostrar o seu respeito" (op. cit., p. 70), usando os pais a sua posição de autoridade quando entram em conflito ou desacordo
com o comportamento dos filhos.

- METODOLOGIA

Estabelecemos como objectivos deste estudo:

(a) a obtenção de dados normativos descritivos relativamente à incidência do Desejo de Autonomia, da Realização de Comportamentos de Autonomia e da Desobediência
aos pais na realização dos Comportamentos de Autonomia. (h) a análise dos efeitos ligados ao sexo e à idade do adolescente.

Partimos da matriz de dados recolhidos através do Questionário de Autonomia Comportamental (Q.A.C.), Fleming (1988), incluído em Anexo.

A metodologia seguida no estudo das variáveis Desejo, Realização e

Desobediência consistiu em definir, a partir das 11 categorias de resposta do QAC, duas amostras contrastantes: Amostra Controlo e Amostra Experimental, em função
da variável que pretendíamos estudar.

No tratamento dos dados procedeu-se inicialmente ao estudo das distribuições frequenciais pelas duas amostras constituídas e depois ao estudo das diferenças estatisticamente
significativas entre as duas amostras, tomando como variáveis independentes o sexo e a idade. Esta orientação é comum ao

estudo do Desejo, da Realização e da Desobediência.

No estudo dos efeitos ligados ao sexo e à idade procedeu-se às análises estatísticas apropriadas. Efectuaram-se testes de diferenças entre proporções: o Teste de
Qui-Quadrado e o Teste de Tendência Linear (T.T.L.) (Test for

Do desejo de mudar à capacidade de ser grande

179

Linear Trend), este último utilizado também para a análise das diferenças entre idades, dado tratar-se de uma variável ordenada.

-RESULTADOS

Porque pensamos não interessar ao leitor uma leitura de todas as análises estatísticas realizadas (4), decidimos apresentar aqui apenas uma síntese dos resultados
globais. Passaremos imediatamente a seguir às conclusões e à sua discussão.

Recordamos que as variáveis em estudo - que designámos por Comportamentos de Autonomia - são as seguintes (referidas no texto sob a forma de abreviatura e/ou item):

Comportamentos de Autonomia

Decorar a parte da casa onde durmo

como quiser Usar a roupa e o penteado que gosto Gastar o meu próprio dinheiro como

quiser Sair à noite

Sair sem dizer onde vou

Sair e entrar às horas que quero Passar fins-de-semana fora de casa (com amigos, por exemplo) Passar férias sem a companhia dos familiares Namorar

Abreviatura

Decorar

Usar Roupa Dinheiro

Sair Noite

Sair Onde

Sair Horas

Fins Semana

Férias Namorar

Item N.?

(4) A descrição em pormenor das análises e quadros de resultados pode ser consultada em: Fleming, M. (1989) Autonomia Comportamental na Adolescência e Percepções
das Atitudes Parentais, Dissertação de Doutoramento, 1C13AS, Universidade do Porto.

Adolescência e autonomia

Comportamentos de Autonomia

Resolver os meus próprios assuntos ou

problemas sem a interferência dos pais Seguir as minhas próprias ideias (religiosas, políticas, áreas de estudo)

Abreviatura

Item N.2

Resolver Assuntos

Seguir Ideias

10

11

ESTUDO 1: O DESEJO DE AUTONOMIA

A partir da análise das tabelas de resultados verificámos que (Fig. 1):

Fig. 1 - Desejo de Autonomia

100

80

60

40

20

o

Itens

Legenda:

2 11 3 1 10 6 4 5 7 8 9

= Desejo

1 - decorar 2 - roupa 3 - dinheiro 4 - s. noite 5 - s. onde 6 - s. horas
7 - f. semana 8 - férias 9 - namorar 10 - resolver 11 - ideias

Todos os Comportamentos de Autonomia são amplamente desejados pelos adolescentes. Em cada um deles, mais de 63% dos adolescentes responderam afirmativamente. Os
comportamentos "Usar a roupa e o penteado que gosto" e "Seguir as minhas próprias ideias" são os mais desejados (85,8% e 83,8% dos adolescentes, desejam realizar
esses comportamentos) correspondendo, poderíamos dizer, a um desejo comum a quase todos os adolescentes.

Do desejo de mudar à capacidade de ser grande

181

Mas como se manifesta o desejo de autonomia nas diferentes idades? A autonomia é igualmente desejada por rapazes e raparigas?

Fig. 2 - Desejo de Autonomia

Itens

2 3 4 5 6 7 8 9

- O - 12-13 anos - + - 18-19 anos

Legenda:

1 - decorar 2 - roupa 3 - dinheiro 4 - s. noite 5 - s. onde 6 - s. horas
7 - f. semana 8 - férias 9 - namorar 10 - resolver 11 - ideias

A análise dos aspectos diferenciais relativamente ao sexo e à idade no Desejo de Realizar Comportamentos de Autonomia conduziu aos seguintes

resultados (Fig. 2 e Figs. 7, e 8):

- O desejo de autonomia encontra-se presente na maioria dos adolescentes desde os 12 anos. Com efeito verificamos que a proporção dos adolescentes que desejam
aceder aos comportamentos de autonomia, face aos que não desejam, é muito elevada e percentualmente maioritária em todos os grupos etários considerados e em todos
os comportamentos estudados.
- As raparigas, mais do que os rapazes, manifestam o desejo de "usar a

roupa e o penteado que gostam" e o número de raparigas que desejam passar fins-de-semana e férias fora do contexto familiar aumenta progressivamente com a idade.

182

Adolescência e autonomia

- Os rapazes, mais do que as raparigas, manifestam o desejo de poder

sair sem o controlo parental e o número de rapazes que o deseja, bem como namorar e vestir-se à sua maneira, aumenta progressivamente com a idade.
- O aspecto diferencial mais marcante parece pois andar associado, nos

rapazes, ao desejo de ter comportamentos de saída (itens 4, 5, 6) e nas raparigas ao desejo duma aparência física a seu gosto.

ESTUDO 2: A REALIZAÇÃO DA AUTONOMIA

O estudo anterior forneceu-nos dados sobre uma dimensão interna: o desejo de concretizar a Autonomia Comportamental. Verificámos que em

quase todos os adolescentes existe o desejo de realizar os comportamentos de autonomia e que todos eles são, em percentagens muito elevadas, desejados.

Mas será que esse desejo encontra expressão comportamental? E em que itens e com que peso percentual? Em que itens a capacidade de realização comportamental mais
se aproxima ou mais se afasta do desejo?

A análise das tabelas de resultados indica-nos o seguinte (Fig. 3):

Fig. 3 - Realização de Autonomia

100

Legenda:

o Itens

2 11 10 1 3 9 8 7 4 5 6

M Realiza

1 - decorar 2 - roupa 3 - dinheiro 4 - s. noite 5 - s. onde 6 - s. horas
7 - f. semana 8 - férias 9 - namorar 10 - resolver 11 - ideias

Do desejo de mudar à capacidade de ser grande

183

- Dum modo geral, e como seria de esperar, a expressão comportamental fica aquém do desejo. Os resultados mostram-nos que se em

alguns aspectos o desejo se encontra realizado na possibilidade de se

comportar autonomamente, em outros aspectos são poucos os adolescentes que o conseguem. Com efeito, verificamos que:

- Mais de metade dos adolescentes apresentam capacidade de realização da autonomia ao nível da gestão do seu próprio estilo (roupa, penteado, decoração) e manifestam
um sentimento subjectivo de terem autonomia face aos Pais ("seguir ideias", "resolver problemas").
- Menos de metade dos adolescentes apresentam capacidade de realização da autonomia nos comportamentos de saída.

Passemos agora aos resultados a que nos conduziu o estudo das diferenças ligadas ao sexo e à idade em cada um dos comportamentos.

Fig. 4 - Realização de Autonomia

Legenda:

1 1 1 1 . Itens

2 3 4 5 6 7 8 9 10 11

-0 - 12-13 anos - + - 18-19 anos

1 - decorar 2 - roupa 3 - dinheiro 4 - s. noite 5 - s. onde 6 - s. horas
7 - f. semana 8 - férias 9 - namorar 10 - resolver 11 - ideias

184 Adolescência e autonomia

Conforme se pode verificar (Fig. 4 e Figs. 7 e 8), a autonomia comportamental sobe nitidamente com o aumento da idade, já que as proporções tendem a atingir os 100%
em alguns comportamentos.

- No final da adolescência, quase todos os adolescentes (mais de 80%)

dizem já ter adquirido a capacidade de escolher o seu próprio estilo (dão a imagem corporal que querem dar: roupa e penteado) e a capacidade interna de orientar
a sua própria vida (resolver os seus próprios problemas e seguir as suas ideias), podendo considerar-se estes como

comportamentos comuns e típicos do final da adolescência.
- Mas também, no final da adolescência, mais de 50% dos adolescentes

dizem ainda não ter conseguido adquirir a capacidade de: "Sair sem

dizer aos Pais onde vão", "Sair e entrar às horas que querem", "Passar fins-de-semana fora de casa" - apesar de serem itens amplamente desejados, como vimos atrás
- o que parece indicar serem

estes os comportamentos que permanecem até mais tarde sob o controlo parental.
- No entanto, apesar da grande variabilidade, todas as proporções

aumentam à medida que se transita dos 12 para os 19 anos, significando que cada vez é maior o número de adolescentes que apresentam comportamentos de autonomia,
chegando as proporções a atingir quase 100% em alguns itens.

Mas serão estes padrões de mudança idênticos nos dois sexos? A resposta é claramente negativa. Se ao nível do desejo latente rapazes e raparigas comungam dum mesmo
desejo de autonomia (com pequenas diferenças), já ao nível da sua realização manifesta, dada pelo comportamento, as diferenças são nítidas (Figs. 7, e 8).

- Os rapazes, significativamente mais do que as raparigas, têm comportamentos de saída quotidiana (itens 4, 5 e 6) e temporária (itens 7 e 8) e de namoro (item
9), e as raparigas apresentam, significativamente mais do que os rapazes, comportamentos de "uso de roupa" e "decoração" .

Do desejo de mudar à capacidade de ser grande

185

- Como esperado, a mudança comportamental é nítida nos dois sexos,

quando se transita dos 12 para os 19 anos: cada vez é maior o número de adolescentes que concretiza os itens de autonomia, verificando-se que o período de grande
aquisição de capacidades comportamentais se situa entre os 12-13 e os 16-17 anos.

Em síntese, verificamos que, enquanto ao nível do Desejo, os grupos etários extremos são relativamente homogéneos, não apresentando diferenças notórias (nem entre
idades, nem entre sexos). Já ao nível da capacidade de realizar a autonomia comportamental, não só o grupo etário dos 18-19 anos se distingue claramente do dos 12-13
anos, como as diferenças entre sexos

são nítidas.

ESTUDO 3: A DESOBEDIÊNCIA NA AUTONOMIA

Passar do desejo de ter autonomia de comportamentos à capacidade de os

realizar envolve seguramente, pelo menos em alguns comportamentos, a

capacidade de desobedecer aos pais.

Fig. 5 - Desobediência

60

50

40

30

20

Itens

2 11 1 10 9 3 4

Desobedece

5 8 6

Legenda:

1 - decorar 2 - roupa 3 - dinheiro 4 - s. noite 5 - s. onde 6 - s. horas
7 - f. semana 8 - férias 9 - namorar 10 - resolver 11 - ideias

186 Adolescência e autonomia

Neste estudo e no do capítulo seguinte (Cap. 2.3.) consideramos o grupo dos que desobedecem constituído pelos adolescentes que têm comportamentos de autonomia mesmo
sabendo que daí resultam problemas ou conflitos com os pais e o grupo dos que se submetem constituído pelos adolescentes que não têm esses comportamentos porque
os pais não os deixam.

Que resultados fomos encontrar?

A análise das tabelas de resultados (Fig. 5) indicou-nos o seguinte:
- Em todos os itens o padrão predominante é o da submissão. Com

efeito, apenas no item "Usar roupa" o número de sujeitos que desobedece é sensivelmente igual ao que se submete.
- A proporção dos que desobedecem é maior nos itens de dimensão

mais directamente ligada à imagem corporal ("Usar roupa" e "Decorar") e à tomada de decisões ("Seguir ideias" e "Resolver assuntos") e menor nos itens relacionados
com as saídas de casa implicando mais a dimensão relacional e do controlo parental.

Passemos agora, tal como nos estudos anteriores, ao estudo dos aspectos diferenciais entre as duas amostras, relativamente ao sexo e à idade.

Como se apresenta a Desobediência no início e no final do período adolescente? Pela análise da Figura 6 constatamos que se verifica uma tendência nítida para o aumento
da desobediência ao longo da idade.

Vejamos agora se o padrão de mudança encontrado em função da idade se verifica nos dois sexos.

Encontrámos padrões bem diferenciados:
- Enquanto que no rapaz os comportamentos implicando a desobediência aos pais são cada vez em maior número quando se passa dos 12 para os 19 anos e em todos os
itens estudados, na rapariga, os comportamentos de desobediência apenas se manifestam em proporções cada vez maiores com a idade, em certos aspectos como, por exemplo,
nos itens "Gastar Dinheiro" e "Namorar".

Do desejo de mudar à capacidade de ser grande

187

Legenda:

Itens

1 - decorar 2 - roupa 3 - dinheiro 4 - s. noite 5 - s. onde 6 - s. horas
7 - f. semana 8 - férias 9 - namorar 10 - resolver 11 - ideias

Sabendo nós que, ao nível do desejo, as proporções são muito elevadas e próximas em valor e que, ao nível da realização, os valores das proporções são baixos e apresentam
uma grande variabilidade, é de admitir que um dos factores explicativos se encontre na maior ou menor capacidade dos adolescentes desobedecerem aos pais.

Terminados os estudos parcelares, impõe-se uma leitura e unia compreensão conjunta dos resultados obtidos.

Na discussão que vamos fazer procuraremos uma compreensão global, entendidos os itens como expressões comportamentais, ou indicadores, dum conceito maior - a Autonomia
Comportamental - e nunca perdendo de vista os aspectos diferenciais ligados ao sexo e à idade.

Adolescência e autonomia

+ x

M

+ x .

M C.@

.O = w

x

w Q "? Iz@ z @@

+M y

.,--7

-0 +*

i

Do desejo de mudar à capacidade de ser grande

190 Adolescência e autonomia

-CONCLUSõES

1. A TRANSIÇÃO ADOLESCENTE, A AUTONOMIA E A RELAÇÃO FAMILIAR

1. Os nossos resultados comprovam que os comportamentos estudados são indicadores válidos da autonomia comportamental, já que, como os resultados indicam, o seu
desempenho é desejado pela maioria dos adolescentes (mais de 80% em alguns itens).

É de admitir, portanto, que estejamos perante um conjunto de comportamentos que assumem uma grande importância na vivência quotidiana do adolescente, em torno dos
quais, presumimos, se configuram interacções familiares de ampla densidade comunicacional e afectiva, com impacto mutativo quer nos filhos quer nos pais.

É de admitir também que estejamos perante o que Chamboredon (s/d) designa por "atributos da maturidade" , ou seja, os atributos que caracterizam determinada idade
na diversidade do seu acesso progressivo à maturidade. Na opinião do autor, os atributos remetem para "autonomias parciais e localizadas", através dos quais o adolescente
faz a ruptura com a família de origem "em vez de se negociar com uma passagem ritualizada de um estatuto claramente definido para outro" (op. cit., p. 27).

Identificámos algumas dessas autonomias parciais e localizadas. Não estamos, todavia, totalmente de acordo com o autor, já que, na nossa perspectiva, os comportamentos
de autonomia são equivalentes actuais dos ritos de passagem, com valor simbólico tão ou mais importante que os de antigamente, em tomo dos quais, adolescentes e
pais poderão negociar, com reajustamentos mútuos, o acesso à maturidade adulta daqueles.

2. Os nossos resultados confirmam as hipóteses delineadas e sustentam a

evidência teórica, clínica e empírica que tem colocado a autonomia como uma questão importante, senão central, na transição adolescente.

Com efeito, demonstrámos que o desejo de conseguir a autonomia comportamental se manifesta na grande maioria dos adolescentes e desde o

Do desejo de mudar à capacidade de de ser grande 191

período peripubertário, mantendo-se em cada vez maior número de adolescentes à medida que se caminha para a adolescência terminal.

A passagem do desejo de autonomia ao comportamento autónomo é um

processo de aquisição gradual de novos comportamentos, conseguido, para a

maior parte dos adolescentes, à custa da desobediência aos pais (ver como as

curvas de realização e de desobediência quase se sobrepõem nos itens 4 a 9, Figs. 7 e 8), ligada não só a factores de ordem familiar (os pais concedem maior ou menor
autonomia conforme se trate de um comportamento ou de outro) como a factores de ordem pessoal (outras aquisições desenvolvimentais).

Poderíamos dizer que o encorajamento sócio-cultural para a autonomia e o progressivo desenvolvimento dos recursos do adolescente (competências cognitivas, físicas,
psicossociais e outras) se combinam para propulsionar o

adolescente para o exercício efectivo da autonomia comportamental.

3. Se, na fase inicial e intermédia da adolescência, a subida da capacidade de realização da autonomia se deve à custa da subida da capacidade de desobedecer aos
pais (conforme se pode constatar pela observação das figs. 7 e

8), verifica-se que, a partir dos 16-17 anos, se assiste a uma tendência para uma descida na curva da desobediência, mais notória no sexo feminino, ou a uma estabilização
das proporções de desobediência, apontando provavelmente para uma capacidade de realizar a autonomia num contexto de menor conflitualidade com os pais.

É de admitir que esta fase corresponda ao que Selman designou por Nível
3 de concepção da relação pais-filhos e que se caracterizaria por uma tolerância e respeito mútuos. É aliás neste Nível que Selman situa a articulação dos conflitos
entre a necessidade de obedecer e de desobedecer (cf. Cap. 2.3., Parte 1). Diríamos então que, desde o início do processo adolescente, o conflito sobre autonomia
é inevitável, obrigando pais e filhos a um processo de transformação da relação e a um processo de maturação interna, com as concomitantes mudanças psíquicas. Dessa
transformação resultam ganhos maturativos em ambos: a possibilidade, nos pais, de capitular perante a desobediência, a desautorização e a outorgação do poder, permitindo-lhes
fazer novas adapta-

192 Adolescência e autonomia

ções à emergência da separação física futura, e, nos filhos, a possibilidade de aquisições internas no sentido da individuação e da formação de identidade.

À medida que o indivíduo internaliza, através de mecanismos de introjecção e de identificação, o que é externo, constrói simultaneamente a sua

autonomia com ganhos maturativos importantes ao nível do desenvolvimento das instâncias egóicas e super-egóicas. As internalizações que serviram para promover a
autonomia durante a infância servem agora para estorvar o desenvolvimento progressivo na adolescência. Neste contexto, a desobediência aos pais, em subida progressiva
na fase inicial da adolescência em todos os itens

e em alguns itens mantendo-se em progressão ainda aos 19 anos (ex: "Namorar", "Gastar o seu próprio dinheiro"), adquire um sentido e um valor maturativo, porque,
na nossa perspectiva, permite ao adolescente ganhar distância e criar diferença face aos pais, isto é, promove a transformação dos laços objectais infantis.

4. Os resultados obtidos, tal como os poder, s analisar através das curvas de evolução do desejo e da realização ao longo da idade (Figs. 7 e 8), mostram um padrão
comum em todos os itens: um notório desfasamento entre o desejo e a realização nas idades iniciais (12-13 anos), desfasamento que se

vai esbatendo ao longo da idade: as proporções têm tendência a aproximar-se

e a sobrepôr-se mesmo, em alguns itens, nas idades mais avançadas (18-19 anos).

Este padrão de desenvolvimento, sensivelmente idêntico nos dois sexos, sugere-nos uma interpretação que vai na linha de pensamento da psicanalista e investigadora
Ruthellen Josselson.

Na perspectiva de Josselson (1980) a adolescência precoce mantém muito das características da subfase de experimentação (practicing) e a adolescência média da subfase
de reaproximação (rapprochement), a primeira caracterizando-se pela inexistência de ambivalência, a segunda pela presença de desejos ambivalentes de repudiar e de
contar com o suporte egóico parental.

Josselson observa que: "De certa forma, a adolescência precoce é um

segundo estágio de omnipotência - uma pessoa desta idade sabe que pode fazer tudo, o self é completamente bom" (op. cit., p. 194).

Do desejo de mudar à capacidade de ser grande 193

A leitura que fazemos dos nossos resultados vem em apoio desta perspectiva. Com efeito, o desejo de adquirir autonomia manifesta-se em 70-80% dos adolescentes em
todos os itens, já aos 12-13 anos, o que, particularizando, quer dizer que mais de 70% dos adolescentes de ambos os sexos, com
12-13 anos, exprimem, por exemplo, o desejo de sair e entrar em casa sem

qualquer controlo parental (sem dizer onde vai e a que horas chega).

Encontramos assim um sentimento precoce de autonomia, expressa na

forma dum desejo de agir comportamentos, como se não tivesse pais ou entraves à sua liberdade pessoal. É provável que o adolescente procure organizar precocemente
um sentimento de individualidade, de diferença, desejando ser tratado como uma pessoa separada, e as saídas quotidianas do ambiente familiar, a separação física
por curtos períodos de tempo, lhe proporcionem um envolvimento com os pares e sejam plataformas de suporte para um conjunto embrionário de self-representações de
independência. É também este sentimento de autonomia (expresso na forma de um desejo) que lhe permite sentir-se a salvo das necessidades regressivas da infância.

Quando mais tarde, na subfase que Josselson aparenta à reaproximação, o

adolescente já adquiriu a capacidade de funcionar fora da esfera parental, ele experimenta um desejo crescente de restaurar a harmonia e utiliza a família como uma
base de apoio segura onde ele pode sempre regressar. Curiosamente, embora a tendência geral seja para um aumento da proporção dos que desejam, verificamos que, nos
itens das saídas quotidianas, as proporções dos sujeitos de 18-19 anos são inferiores às dos de 12-13 anos (Fig. 7 e 8).

De notar que Steinberg & Silverberg (1986) encontram por esta altura uma diminuição das atitudes e comportamentos orientados para os pares e diz que se trata dum
período de viragem no desenvolvimento da autonomia: os jovens começariam a integrar a autonomia emocional face aos pais com uma

autonomia comportamental menos orientada para os pares. Interessante também é constatar que a quase totalidade dos adolescentes, quer os rapazes quer as raparigas,
e tanto aos 12-13 como aos 18-19 anos, desejam ter comportamentos de saída de casa, sem o controlo parental. Curiosamente constatamos também que o exercício real
desses comportamentos é apenas conseguido por uma fracção pequena de rapazes (entre 9 e 17%) e extremamente

194 Adolescência e autonomia

pequena de raparigas (entre 2 e IM), sendo o padrão comum a submissão aos pais.

Estes dados sugerem-nos que o adolescente tenta alargar os laços verticais de pura filiação (aos familiares) a outros laços, estes horizontais, de afiliação (aos
pares e grupos de pertença), dando-se a liberdade de escolher outro ou outros sistemas de pertença com os seus rituais próprios (linguagem, atitudes, vestuário).

Por outro lado, o afastamento do círculo familiar abre a possibilidade de relações afectivas extrafamiliares com o desenlace na escolha dum parceiro amoroso e sexual,
escolha que não foi determinada (em princípio) pelas famílias.

É provável que estas tentativas de afiliação sejam sentidas pelos progenitores como ameaças à filiação, contendo o risco maior da perda ou ainda da traição (e vividas
reciprocamente pelo adolescente com ambivalência), o que explicaria, nos pais, a tendência para a interdição e nos filhos a tendência para a submissão.

5. Duas teses fundamentais têm predominado no posicionamento dos investigadores sobre o desenvolvimento adolescente: aquela que descrevemos anteriormente sob a designação
de tese do "turmoil", e aquela que vê o processo como essencialmente gradual, harmonioso e a-conflitual. No confronto entre estas duas visões, supostamente antagónicas,
alguns autores têm defendido a sua articulação mais do que o seu antagonismo.

Os nossos resultados vão em apoio desta última concepção: mostram-nos claramente a necessidade da desobediência aos pais, e portanto da inevitabilidade do conflito
(dum modo geral, as curvas apresentam um apex aos 16-17 anos), mas a transição parece-nos processar-se num contexto de mudança gradual, através de acréscimos graduais
de competência.

Estes dados sugerem-nos a existência de mecanismos de regulação da relação pais-filhos, capazes de lidar com o stress provocado pela mudança. Por outro lado, se
é lícito pensar que as mudanças biológicas e cognitivas são num certo sentido dramáticas, as mudanças ocorrem tão gradualmente, que não requerem adaptações súbitas
"nem no lar, nem ao espelho". Estamos em

Do desejo de mudar à capacidade de ser grande 195

crer que a maioria dos adolescentes lida com as maiores mudanças da transição sem tumulto nem turbulência, porque num timing que se estende por um longo período
de anos, permitindo a adaptação e o funcionamento de mecanismos de regulação no sistema familiar e porque existe, de parte a

parte, um esforço compensatório para reestabelecer a ligação, à medida que o

processo de separação e de individuação progride.

6. Quanto às mudanças relacionais entre pais e filhos que ocorrem durante a adolescência, vimos que duas concepções têm predominado na literatura científica sobre
o assunto: a que argumenta que a tarefa adolescente é tornar-se independente da influência parental e a que sustenta que para a maioria dos adolescentes, a qualidade
da relação permanece substancialmente contínua desde a infância e ao longo da adolescência.

Não é essa a leitura que globalmente fazemos dos nossos resultados. Na nossa perspectiva, eles apoiam uma terceira conceptualização que consiste em afirmar que a
relação pais-adolescente se transforma ao longo da transição adolescente, à medida que ela é renegociada pelos pais e pelos filhos.

O estudo das percepções adolescentes da relação com os seus pais (que apresentaremos no Cap. 2.6. desta Parte 11), permitirá elucidar as questões agora equacionadas
e confirmar ou infirmar a interpretação que os nossos

resultados por ora nos sugerem.

11. RAPAZES E RAPARIGAS, NA TRANSIÇÃO ADOLESCENTE

Numa análise puramente quantitativa, sem termos em linha de conta, a especificidade de cada comportamento, os nossos resultados indicam-nos que os rapazes desejam
mais a autonomia e são mais autónomos do que as raparigas, porque se verifica uma associação estatisticamente significativa entre as variáveis desejo e realização
e o sexo masculino em maior número de comportamentos.

Nesta perspectiva, os nossos resultados apoiam a evidência empírica que tem mostrado serem os adolescentes do sexo masculino mais autónomos do

196 Adolescência e autonomia

que as raparigas, e para a qual se tem encontrado uma explicação cultural: a socialização nas sociedades ocidentais tende a fomentar a actividade e a independência
nos rapazes e a passividade e a dependência nas raparigas (cf. a revisão de Gallatin, 1978).

Porém, a análise item a item, quer dos aspectos da autonomia onde não se

encontram diferenças quer dos aspectos diferenciais, leva-nos a um aprofundamento da reflexão.

1. Aspectos comuns

É curioso verificar que nos itens "Resolver os seus próprios problemas ou

assuntos sem a interferência dos pais" e "Seguir as suas próprias ideias (religiosas, políticas, etc.)", remetendo para um aspecto fundamental da autonomia: "a confiança
nas decisões e ideias pessoais", não encontramos diferenças estatisticamente significativas entre rapazes e raparigas nem no desejo nem na realização nem na desobediência.

Ora, este aspecto da autonomia tem merecido grande atenção por parte dos investigadores (Elder, 1963, Greenberger, 1984) e tem-lhe sido dado um lugar de destaque
porque se considera que este tipo de autonomia requer um

conjunto bem estabelecido de valores pessoais e fortemente internalizados. A pessoa independente distinguir-se-ia aliás da dependente, na opinião de Gallatin (1978),
por ter a capacidade de decidir e julgar as situações por si mesma.

Estes dados questionam claramente a conclusão anterior, derivada duma análise mais global, que tenderia a aceitar que os rapazes são mais autónomos do que as raparigas.
Se encontramos essa evidência nos itens de orientação mais externa, já na dimensão mais internalizada da autonomia a conclusão que se impõe é a de que ambos os sexos
a desejam e concretizam em idênticas proporções. Neste sentido, os nossos resultados vão em apoio dos resultados de Steinberg & Silverberg (1986), que encontram
maior proporção de raparigas (do que de rapazes) exibindo autonomia emocional, autoconfiança e resistência à pressão do grupo.

Do desejo de mudar à capacidade de ser grande 197

2. Aspectos Diferenciais

Tanto no desejo, como na realização, como ainda na desobediência, são os itens relativos às saídas quotidianas e temporárias de casa que aparecem neste estudo como
a configuração associada ao sexo masculino. Já, por sua

vez, são os itens relativos à imagem corporal e à imagem do espaço próprio no habitat familiar que aparecem associados ao sexo feminino.

Estes resultados sugerem-nos dois níveis de interpretação:

- Num primeiro nível, sublinhamos a importância da socialização no

desenvolvimento dos padrões de autonomia: é nos itens de maior orientação para as actividades fora de casa que encontramos diferenças consistentes entre os dois
sexos. Neste sentido, os nossos resultados confirmam os resultados de trabalhos efectuados noutros contextos culturais: eles apoiam a evidência empírica que tem
encontrado no sexo feminino uma maior preocupação pela aparência física e estilo de vestuário (ef. revisão de Gallatin, 1978) e uma maior competência na realização
de actividades extrafamiliares de carácter social no sexo masculino, se incluirmos nesta rubrica os nossos itens relativos as saídas quotidianas e temporárias de
casa.
- Num segundo nível de interpretação, questionamos a influência da

socialização como explicação única para as diferenças encontradas, e

perguntamo-nos porque é que, ao nível do desejo, encontramos de

novo a configuração: a aparência física associada ao sexo feminino e o desejo de saídas de casa ao sexo masculino.

É provável que estas duas configurações estejam relacionadas com uma

forma diferenciada de lidar com os conflitos ligados à separação da família?

Com efeito, a investigação de Cooper & Grotevant (1987) revelou diferenças nos padrões de interacção familiar relacionados justamente com a

198 Adolescência e autonomia

questão da autonomia: nas raparigas, o desenvolvimento psicossocial saudável requer um esforço mais concertado para estabelecer a autonomia, nos rapazes, um esforço
para manter maior ligação à família.

Ora, de acordo com Alishio & Schilling (1984), o desenvolvimento do relacionamento nos rapazes faz-se primordialmente através da realização (achievement) e da autonomia
(autonomy) e nas raparigas através da intimidade (intimacy) e do vínculo (attachment). Também Gilligan (1982, in Alishio & Schilling, 1984), num estudo levado a
cabo com raparigas, mostrou que elas se viam predominantemente como "ligadas" (connected), ou

seja, pondo maior ênfase nos cuidados físicos e emocionais a prestar aos

outros, por oposição a "pessoa separada" (separate person), que operaria num

sistema de maior reciprocidade sem ter em consideração os sentimentos dos

outros.

As raparigas, mais do que os rapazes, aspiram a inter-relações e laços afectivos fortes na família (MeDennott et al., 1983, Josselson et al., 1977b). Também a reflexão
teórica, de inspiração psicanalítica, levada a cabo por Notman et al. (1986), leva-os a considerar uma linha de desenvolvimento feminina separada, desde o nascimento
até a adultícia. Segundo os autores, o desenvolvimento da "feminilidade primária" (primary feminity), que se origina nas vinculações maternas precoces, amadurece
na adultícia na forma de "self-em-relação" (self-in-relation), numa interdependência mútua e no

desejo de ligação (connectedness). Franz & White (1985), numa reanálise da obra de Erikson, conclui que Erikson "enfatiza o desenvolvimento duma personalidade individuada,
e socialmente ligada a expensas da personalidade vinculada, ligada interpessoalmente e de orientação para os cuidados (care oriented)" (op. cit., p. 254), referindo-se
a primeira forrnulação ao rapaz e a segunda à rapariga.

Estas diversas contribuições apontam, em síntese, para uma maior orientação nas raparigas para o vínculo e para a inter-relação e nos rapazes para a ligação social
e contribuem para o esclarecimento da questão posta pelo trabalho de Cooper & Grotevant (1987) que começámos por referir.

Vistos nesta perspectiva, diríamos que os nossos resultados, embora insuficientes para concluir nesta matéria, vão tendencialmente nessa direcção.

Do desejo de mudar à capacidade de ser grande 199

Com efeito, os nossos resultados apontam para um comportamento exploratório (no sentido de Bowlby) mais activo no espaço social nos rapazes do que nas raparigas,
trabalhando os rapazes mais activamente para se separarem e para substituírem as experiências familiares por experiências sociais.

111. SíMBOLOS DE AUTONOMIA AO LONGO DA IDADE

Os resultados relativos ao desejo de realizar comportamentos de autonomia (ver Figs. 7 e 8) sugerem-nos o seguinte:

- Os itens de autonomia assumem um valor de símbolo de autonomia

em determinada idade, perdem esse valor em idades posteriores e

outros itens surgem com esse significado, funcionando =o precursores de novas mudanças comportamentais.

Com efeito, e explicitando melhor a nossa ideia, verifica-se que em alguns itens a dimensão do desejo não sofre oscilações ao longo da idade, mantendo-se as proporções
dos que desejam, elevadas mas estáveis ("decorar" e "usar roupa" em ambos os sexos e "sair horas" e "sair onde" nas raparigas). Estes resultados sugerem-nos que
estes itens são símbolos importantes ao longo de todo o processo adolescente.

Noutros itens porém, a incidência do desejo gradua-se ao longo da idade: Verificamos que nos rapazes, aos 12-13 anos, há uma elevada proporção dos que desejam as
saídas quotidianas sem o controlo parental, a seguir o desejo vem a manifestar-se nos itens "sair noite" e "fins-de-semana" e aos
16-17 anos são os itens "namorar", "férias" e "resolver problemas" que estão em nítida progressão.

Poderíamos então concluir que: nos rapazes, o desejo passa inicialmente por uma vontade de fugir ao controlo parental no espaço extrafamiliar, provavelmente associado
ao desejo de estabelecer novas relações de convivência, passa na adolescência intermédia por um desejo de alargar e diferenciar os espaços familiar e social e na
adolescência final por um desejo de

200 Adolescência e autonomia

separação física dos pais com estadias fora de casa; nas raparigas, o desejo passa inicialmente pelo ganho de uma autonomia interna, esse desejo alarga-se na adolescência
intermédia à necessidade de conquistar espaços de relação extrafamiliares, com saídas quotidianas e temporárias e à possibilidade de namorar e no término da adolescência
é o desejo de separação física ("férias") que está em ascensão.

Itens com valor simbólico de autonomia ao longo de todo o processo adolescente, em ambos os sexos, são os itens "seguir ideias" e "gastar o seu próprio dinheiro".
O primeiro, precursor do estabelecimento de uma identidade pessoal e social, o segundo, símbolo de poder, prestígio e elemento de troca essencial nas sociedades
ocidentais contemporâneas.

Dum modo geral podemos dizer que a sequência dos itens em ascensão quanto ao seu valor de autonomia faz-se segundo um padrão que vai da dimensão mais narcísica à
dimensão mais interpessoal e relacional.

O interesse cada vez maior pelos comportamentos de saída, comportamentos exploratórios num contexto social, têm uma função adaptativa e

visa na nossa interpretação providenciar experiências egóicas partilhadas com os pares, novos continentes (no sentido de Bion) para a relação e propiciadores de
novas identificações. Simultaneamente, o adolescente experiência um sentimento de ser distinto e cada vez mais responsável pelo que faz (item 10) e pelo que é (item
11), não querendo mais depositar a responsabilidade naqueles sob cuja influência e tutela sempre viveu e de quem espera o

suporte afectivo.

Muito recentemente, Chamboredon (s/d), a quem fomos buscar o conceito de "atributos de maturidade" afirmou ser necessário, nos estudos sobre a adolescência, não
só inventariar os diversos atributos de maturidade como ainda estudar para cada um o seu calendário de acesso já que, na sua opinião, existem atributos que perdem
o seu valor de escansão, ou seja, perdem o seu

valor de símbolo de maturidade, banalizam-se e "deslizam para o fundo de uma escala de idades" (op. cit., p. 19).

Se o nosso trabalho não esclarece os aspectos diferenciais que o "cursus

modal" toma dentro de cada classe social, ele delineia, identifica o padrão, sugere a direcção do calendário de acesso à maturidade adulta.

Do desejo de mudar à capacidade de ser grande 201

3. DESOBEDIÊNCIA E SUBMISSÃO AOS PAIS

-INTRODUÇÃO

A investigação sistemática sobre a família tem merecido, como vimos, um lugar de destaque no estudo da Adolescência e ela volta de novo a ser um pólo fundamental
de interesse dos investigadores (Steinberg, 1987).

Esse interesse inicialmente centrado na figura parental compósita (os pais) volta-se agora cada vez mais para a análise diferenciada do pai e da mãe e das relações
entre as várias díades, tendo em conta as diferenças entre

sexos: as diferenças entre rapazes e raparigas, as diferenças entre mães e pais

e as diferenças entre rapazes e raparigas na sua interacção com as mães vs.

pais. Steinberg (1987), comentando os resultados dum encontro recente entre investigadores, pergunta-se mesmo se as "relações pais-adolescente não deveriam ser caracterizadas
como quatro relações muito diferentes" (op. cit., p. 194).

Nos estudos anteriores nós procedemos à análise das dimensões do Desejo, da Realização e da Desobediência relativamente aos Pais, sem diferenciar o sexo dos progenitores.

No entanto, a importância destas questões levou-nos a introduzir na nossa investigação as variáveis "Ambos os Pais", "Mãe", "Pai" na dimensão da Desobediência vs.
Submissão.

Pretendemos assim aprofundar o estudo anterior sobre a Desobediência vs. Submissão, introduzindo novas interrogações:

- A quem desobedece mais e a quem se submete mais o adolescente?

Aos pais, percepcionados como uma figura conjunta, ou a uma das figuras parentais, percepcionada como separada? E neste caso, à mãe

ou ao pai?
- Quais as diferenças entre idades e entre rapazes e raparigas nos

padrões de Desobediência vs. Submissão relativamente às figuras materna e paterna?

202

Adolescência e autonomia

- METODOLOGIA

Com o objectivo de responder às questões levantadas, procedemos a

estudos, tendo por base a matriz de dados fornecidos pelo Questionário de Autonomia Comportamental (Q.A.C.). No estudo sobre a Desobediência partimos da análise
das distribuições dos sujeitos em função das figuras parentais com quem têm problemas, "com ambos" ou "com a mãe" ou "com o pai", na

categoria de resposta: "Faço, mas tenho problemas". No estudo sobre a Submissão, partimos da categoria de resposta: "Não faço porque não me deixam".

No tratamento dos dados efectuámos o Teste de Qui-Quadrado ou o Teste de Fisher para o cálculo das diferenças significativas entre sexos e o Teste de Qui-Quadrado
e Teste de Tendência Linear para o estudo das diferenças significativas entre idades.

-RESULTADOS

1. Envolvimento das figuras parentais na desobediência

Fig. 9 - Desobediência às Figuras Parentais

Legenda:

Itens

1 - decorar 2 - roupa 3 - dinheiro 4 - s. noite 5 - s. onde 6 - s. horas
7 - f. semana 8 - férias 9 - namorar 10 - resolver 11 - ideias

Do desejo de mudar à capacidade de ser grande

203

A análise dos resultados (Fig. 9), conduziu-nos às seguintes conclusões:

- Os adolescentes têm mais problemas com os pais, como uma figura

conjunta, a seguir com a mãe e por fim com o pai. Esta evidência é apenas contrariada no item "Roupa" onde a proporção da desobediência à mãe ultrapassa a proporção
a "Ambos os pais".
- sempre que os pais são identificados pelo adolescente enquanto

figuras separadas: (a) é a mãe que aparece mais referida como parceira na desobediência em todos os itens, à excepção do item "Namorar" onde o pai aparece tão representado
como a mãe, (b) é a mãe, muito mais do que o pai, que aparece envolvida na desobediência relativamente aos itens: "Decorar", "Dinheiro" e "Sair onde".

2. Envolvimento das figuras parentais na submissão

Fig. 10 -Submissão às Figuras Parentais

100

60

Legenda:

Itens

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11

- * - Ambos - + - Mãe Pai

1 - decorar 2 - roupa 3 - dinheiro 4 - s. noite 5 - s. onde 6 - s. horas
7 - f. semana 8 - férias 9 - namorar 10 - resolver 11 - ideias

204 Adolescência e autonomia

A partir da análise das distribuições encontradas e representadas graficamente na Figura 10, verificamos o seguinte:

- Os adolescentes submetem-se mais aos pais, vistos como uma figura

conjunta, a seguir à mãe e por fim ao pai, e este padrão é idêntico em

todos os itens.
- Sempre que os pais são identificados pelo adolescente enquanto figuras distintas é à mãe que o adolescente se submete mais.

Constatamos portanto, tal como no estudo anterior, a prevalência da figura materna enquanto figura mais vezes envolvida do que a figura paterna.

3. As diferenças entre rapazes e raparigas e entre idades

3. 1. A desobediência à mãe

Relativamente às diferenças entre idades, a análise das tabelas dos resultados obtidos conduziu-nos ao seguinte:

Nos rapazes: A tendência é para a ocorrência de conflitos associados à desobediência à mãe em cada vez maior número de adolescentes, à medida que a idade aumenta
e em quase todos os comportamentos de autonomia.

Apenas nos comportamentos dizendo respeito às saídas temporárias (itens
7 e 8) e à tomada de decisão (itens 10 e 11) a proporção de rapazes se mantém constante ao longo da idade.

Já no que diz respeito aos outros comportamentos, a proporção de rapazes com problemas com a mãe é cada vez maior e portanto máxima aos 18-19 anos.

Estes últimos comportamentos aparecem portanto, no nosso estudo, como pólos aglutinadores de conflito ligado à desobediência na relação mãe-rapaz ao longo do processo
adolescente.

Do desejo de mudar à capacidade de ser grande 205

Nas raparigas: Os resultados dos testes efectuados indicam-nos que, de um modo geral, a

proporção de raparigas que tem problemas com a mãe se mantém constante ao longo da idade em quase todos os comportamentos de autonomia. A excepção ocorre porém,
nos comportamentos relacionados com o vestuário

("Roupa"- X 23= 8.145, P = .043*) e com a gestão do dinheiro pessoal ("Dinheiro": X21 = 8.345, P = .003**) onde a tendência é para a ocorrência de um máximo de
conflitos aos 14-15 anos relativamente ao vestuário e para um

aumento gradual com a idade na gestão do dinheiro.

Estes comportamentos aparecem portanto como pólos aglutinadores de maior conflitualidade na relação mãe-rapariga.

3.2. A desobediência ao pai

Relativamente às diferenças entre idades, a análise das tabelas dos resultados obtidos conduziu-nos ao seguinte:

Nos rapazes: Os resultados indicam-nos que é cada vez maior o número de rapazes apresentando comportamentos de desobediência ao pai no item "Sair à

Noite" (X 21 = 7.006, P = .008*) e no item "Seguir as minhas próprias ideias" (X 21 = 4.267, P = .03 8 *) à medida que a idade sobe. O pico de desobediência ao
pai é máximo aos 14-15 anos no item "Resolver os meus pró prios problemas" (X 21 = 6.000, P = .014*) e máximo aos 16-17 anos no item "Sair sem

dizer onde vou" (X 2 =7.369, P =.021*).

Nas raparigas: Os resultados obtidos indicam-nos que a proporção de raparigas apresentando comportamentos de desobediência ao pai se mantém constante ao longo da
idade, à excepção do item "Namorar" (X 21 = 4.468, P = . 034*), onde a proporção de raparigas com conflitos com o pai aumenta progressivamente com a idade.

Assim, pela análise dos resultados no seu conjunto, podemos concluir que:

206 Adolescência e autonomia

(1) A figura materna encontra-se envolvida na conflitualidade associada à desobediência/submissão em percentagem superior à figura paterna em

quase todos os comportamentos de autonomia. (2) A figura materna, mais do que a figura paterna, introduz diferenças entre rapazes e raparigas na conflitual idade.
(3) A tendência é para que se verifique uma incidência cada vez maior de comportamentos de desobediência na relação mãe-rapaz à medida que o

adolescente transita do início para o final da adolescência, enquanto que na

relação mãe-rapariga a incidência se mantém mais ou menos a mesma no início e no final da adolescência. (4) A tendência é para que se verifique um aumento na incidência
nos comportamentos de desobediência na relação pai-rapaz à medida que a idade

sobe, mas apenas em alguns comportamentos, mantendo-se dum modo geral a

proporção de desobedientes constante dos 12 para os 19 anos, enquanto que na relação pai-rapariga a incidência apenas sobe no comportamento de

namoro.

- CONCLUSOES

Os nossos resultados confirmam a nossa hipótese de trabalho e demonstram claramente a existência de diferenças no envolvimento das figuras materna e paterna na regulação
dos problemas ligados à autonomia, durante a adolescência.

A figura parental compósita - ambos os pais - apareceu no nosso estudo, como a figura mais vezes referida pelos adolescentes, como a entidade reguladora dos conflitos
ligados à desobediência e à submissão.

Porém, nas outras situações em que, na percepção adolescente, os pais aparecem como figuras separadas, a mãe aparece, e tal como tínhamos previsto, inequivocamente
mais envolvida na regulação dos conflitos e portanto mais envolvida nas questões ligadas ao poder ou à autoridade.

Os nossos resultados sugerem-nos que nessas situações, a mãe, mais do que o pai, aparece como a figura disciplinadora, mas provavelmente também

Do desejo de mudar à capacidade de ser grande 207

como a figura que está em contacto permanente com os comportamentos quotidianos do adolescente.

A ocorrência de maior número de situações de desobediência e de submissão à mãe sugere-nos que os adolescentes interagem mais com ela, a quem provavelmente também
exprimem mais os seus sentimentos, desejos e

ideias, colocando-a num papel activo, regulador e orientador dos comportamentos, figura de autoridade, mas também de suporte.

Neste sentido, os nossos resultados vão ao encontro dos resultados de outros trabalhos por nós recenseados, que têm demonstrado que a mãe está mais envolvida psicologicamente
com a família e com questões relativas à casa (Steinberg, 1987), na comunicação com os filhos (Noller & Bagi, 1985), dá mais conselhos e orientação, recebendo também
mais auto-revelação e

partilhando mais atitudes com os adolescentes (Hunter, 1985, Norreil, 1984, Yotiniss & Smollar, 1985). Porém, os autores destes trabalhos não estudaram a figura
compósita, colocando à partida o adolescente perante a escolha entre a mãe e o pai.

Curiosamente, a investigação de Hauser et al. (1987) revelou que os adolescentes falam mais com o pai do que com a mãe, sendo esta mais constrangedora e o pai mais
orientado para a resolução de problemas.

A nossa investigação não fornece dados quanto à comunicação estabelecida com os pais, pelo que apenas podemos concluir que é à mãe, mais do que ao pai, que os adolescentes
se submetem e desobedecem.

Na negociação dos papéis familiares, que pensamos existir durante a adolescência, o adolescente procura ganhar mais autonomia e portanto maior autoridade e responsabilidade
sobre o seu próprio comportamento, no sentido duma transformação dum sistema de autoridade unilateral para uma maior reciprocidade.

Os nossos resultados sugerem-nos que essa transformação se desenrolará mais através dos pais, mas quando o adolescente os percepciona como figuras separadas, o processo
de transformação envolve mais a mãe. Se, como dizem Silverberg & Steinberg (1987), as mães são mais afectadas psicologicamente pelo conflito podemos especular que,
nessas situações, a mãe viverá com maior stress o processo de autonomia comportamental nos filhos adolescentes.

208 Adolescência e autonomia

À luz dos resultados dos trabalhos de Steinberg (1981) e de Hill et al. (1985), sobre as transformações ocorridas nas famílias, pudemos também especular que o ganho
de influência do adolescente, nestas famílias, se faz mais a expensas da influência materna do que paterna, mantendo-se a

autoridade paterna até mais tarde "intocada".

Os nossos resultados indicam ainda que as figuras materna e paterna polarizam em torno de si áreas de conflitualidade distintas quando se trata do adolescente do
sexo masculino ou feminino.

A mãe polariza no par heterólogo (mãe-rapaz) a conflitualidade associada aos comportamentos de namoro, estilo pessoal, gestão de dinheiro e saídas de casa e no par
homólogo (mãe-rapariga) a conflitualidade associada à gestão do dinheiro e ao vestuário.

O pai polariza no par heterólogo (pai-rapariga) a conflitualidade associada ao comportamento de namoro e no par homólogo (pai-rapaz) a conflitualidade associada
às saídas de casa e à tomada de decisão.

Se por um lado, e vistos os itens globalmente, a incidência de comportamentos de desobediência é máxima no final da adolescência, o período dos
14-15 anos aparece como um período critico, situando-se aí o pico da incidência em alguns comportamentos de autonomia.

A desobediência no comportamento de Namoro aparece neste estudo como polarizada em direcção ao progenitor do sexo oposto sugerindo o

envolvimento da problemática edipiana, que obviamente não tratamos no

âmbito deste trabalho.

Globalmente, as raparigas não desobedecem à mãe mais do que os rapazes, mas também não são mais submissas, contrariando estes resultados os encontrados com adolescentes
americanos, onde se encontrou uma proporção de desobediência à mãe superior nas raparigas (Youniss & Smollar, 1985) e

também os encontrados com adolescentes franceses, onde se encontrou maior submissão por parte das raparigas (Bianka Zazzo, 1966).

Interferem aqui, sem dúvida, factores culturais que não temos condições de aferir. É provável, tal como tínhamos salientado, que na nossa cultura os papéis familiares
atribuídos à mãe e ao pai, tal como o valor simbólico dos comportamentos, adquiram aspectos específicos, que apenas uma investi-

Do desejo de mudar à capacidade de ser grande 209

gação transcultural permitiria pôr em evidência. É no entanto de frisar que os

nossos resultados estão bastante em consonância com os de Celeste Malpique (1984, 1986) que confirmam, na comunidade que estudou (Afurada), a

importância da mãe, enquanto figura de autoridade. Através das entrevistas às mães: "Tornou-se evidente o poder que elas tinham sobre os filhos, e a segurança com
que aceitavam a tarefa da educação" (Malpique, 1986, p. 68), afirma concretamente a autora.

É provável também que a predominância da figura materna esteja associada ao facto que 44% das mães da nossa amostra são "domésticas", ficando em casa, enquanto que
94% dos pais estão empregados, trabalhando portanto fora de casa.

4. OS SINAIS DE MUDANÇA

-INTRODUÇÃO

Iremos agora explorar os dados de um outro aspecto relacionado com a

Autonomia Comportamental: o estudo da idade de aparecimento dos comportamentos de autonomia, tal como esse acontecimento é percepcionado e

recordado pelo adolescente. Ao perguntar ao adolescente em que idade pensa ter começado a agir determinado comportamento nós pretendemos, por um

lado, chegar a um timing evolutivo do surgimento dos comportamentos de autonomia, e, por outro lado, testar as diferenças nesse timing entre rapazes e

raparigas. Por outras palavras, pretendemos estudar a percepção interna do início da mudança comportamental independentemente da capacidade real de a concretizar
e estudar a maior ou menor precocidade comportamental dum sexo relativamente ao outro.

Trata-se como é óbvio dum estudo em retrospectiva, baseado na memória

(mais ou menos recente consoante a sua idade actual) que o adolescente retém sobre o seu próprio evolutivo comportamental.

Segundo Pipp et al. (1985), que utilizaram este procedimento para estudar

210 Adolescência e autonomia

o desenvolvimento da relação dos adolescentes com os seus pais desde a

infância, o método retrospectivo é usado como um index das concepções actuais do adolescente sobre a sua história desenvolvimental. A assunção subjacente a esta
metodologia é que as reconstruções cognitivo-afectivas são parte da adaptação no presente e não necessariamente representações exactas do passado, o que não retira
validade aos dados assim recolhidos.

Que expectativa ter relativamente aos resultados?

A antecipação que fazemos é que a maior parte dos comportamentos estudados terá o seu começo na adolescência inicial, no período peripubertário. Este período é referido
pela literatura como de grande crescimento e os períodos de grande crescimento são acompanhados de maior mudança comportamental.

Quanto ao efeito ligado ao sexo, a informação de que dispomos não aponta numa mesma direcção: por um lado sabe-se que o processo maturativo é mais precoce nas raparigas
(Douvan & Gold, 1966; Hurlock, 1979), por outro lado, a investigação sobre a influência dos factores sócio-culturais na autonomia indica que as expectativas sociais
vão no sentido de estimular mais forte e precocemente os comportamentos de autonomia nos rapazes do que nas raparigas (Bursik et al., 1985).

- METODOLOGIA

Os dados foram recolhidos através do Questionário de Autonomia Comportamental - Q.A.C. -, (Fleming, 1988).

As análises estatísticas realizadas consistiram em calcular a Idade Média de aparecimento etário. de cada comportamento (ou seja, a média das idades em que os adolescentes
dizem ter começado a ter cada um dos comportamentos de autonomia), desvio padrão, moda e mediana. O cálculo das diferenças estatisticamente significativas entre
as médias de idade de inicio para cada sexo foi efectuado através do Teste t de Student.

Do desejo de mudar à capacidade de ser grande

211

- RESULTADOS

A análise dos resultados (Fig. 11) indica-nos que a emergência dos comportamentos de autonomia se situa num intervalo compreendido entre as

idades de 10 e 14 anos. Em cinco dos 11 comportamentos estudados, (itens 3,
7, 8, 9 e 10) os valores da moda e da mediana situam-se aos 12 anos, apontando para uma probabilidade grande de ocorrência de transformações comportamentais nesta
idade.

O início da mudança comportamental, dado pela aquisição de novos

comportamentos (e porventura o-abandono de comportamentos da infância) ocorre portanto, confirmando a nossa hipótese, na fase inicial do processo adolescencial,
no período peripubertário estendendo-se até aos 13-14 anos.

Mas será assim para ambos os sexos? Ou existirão padrões de início diferentes para os rapazes e para as raparigas?

A análise dos resultados permite-nos verificar que, dum modo geral, não se verificam diferenças estatisticamente significativas nas idades médias de inicio do comportamento
entre rapazes e raparigas.

Mas nos itens "Roupa" e "Namorar" a diferença é nítida entre sexos: são

ig. 11 - Idade Média de Início dos Comportamentos de Autonom

16 Anos

14

- 12

10

8

6

4

2

o

1 2 11 103 7 9 8 5 4 6
- Idade Média

Legenda

Itens

1 - decorar 2 - roupa 3 - dinheiro 4 - s. noite 5 - s. onde 6 - s. horas
7 - f. semana 8 - férias 9 - namorar 10 - resolver 11 - ideias

212 Adolescência e autonomia

os rapazes que, comparativamente às raparigas, dizem ter tido mais cedo estes comportamentos.

É no entanto interessante verificar como se distribuem as percentagens de rapazes e raparigas (Figs. 2 a 12) em função da sua percepção de início de cada um dos
comportamentos.

A análise das figuras, para além de ilustrar graficamente as diferenças nas proporções entre rapazes e raparigas nos itens "Usar a roupa e o penteado que gosto"
e "Namorar", os únicos itens em que se verificam diferenças estatisticamente significativas entre sexos, permite-nos constatar que:

- A emergência de grande parte dos comportamentos de autonomia

situa-se já em elevada proporção (cerca de 30%) no período da transição da latência para a adolescência, pelo que aos 12 anos já cerca de
80% dos adolescentes apresentam esses comportamentos.
- Na fase final do período estudado, mais concretamente entre os 17 e

os 19 anos, aí quase não se verifica a emergência dos comportamentos em análise, apontando para uma fase de consolidação da autonomia comportamental (e porventura
da emergência de outros comportamentos não contemplados pelo QAC).
- O maior desfasamento entre as proporções de rapazes e raparigas

verifica-se no item "Namorar", apontando claramente para uma emergência mais tardia desse comportamento nas raparigas.
- O menor desfasamento entre as proporções de rapazes e raparigas

verifica-se nos itens "Resolver Problemas" e "Seguir ideias", dando suporte aos resultados anteriores, que os identificaram como itens muito homogéneos relativamente
ao sexo, no Desejo, Realização e Desobediência.

- CONCLUSÕES

Estes resultados sugerem que, apesar da influência do factor cultural que, como vimos através da literatura, é mais facilitador da expressão dos comportamentos de
autonomia nos rapazes do que nas raparigas -, a emergência

Do desejo de mudar à capacidade de ser grande 213

desses comportamentos no evolutivo adolescente segue padrões idênticos nos

dois sexos.

Nos comportamentos "Roupa" e "Namoro" a emergência dá-se contudo mais tardiamente nas raparigas do que nos rapazes. Segundo Bursik et al. (1985), as raparigas, muito
mais do que os rapazes, são expostas a expectativas inconsistentes no que diz respeito ao desenvolvimento da sua responsabilidade pessoal. Será este um factor explicativo
para as diferenças encontradas?

Os resultados por nós já encontrados no decorrer deste trabalho indicam-nos que, na adolescência inicial e sobretudo aos 14-15 anos (cf. Fig. 7, Cap.
2.2., Parte 11), a proporção de raparigas que tem de desobedecer aos pais para poder "Usar roupa" (50% aos 12-13 anos e 75% aos 14-15 anos) é maior do que a proporção
de rapazes (35% aos 12-13 anos e 58% aos 14-15 anos).

Será a percepção da abertura duma área de conflito familiar um obstáculo à emergência desses comportamentos nas raparigas?

Quanto ao "Namorar", é de admitir que os rapazes valorizem mais do que as raparigas a afirmação desse comportamento desde a entrada na adolescência - reforço da
auto-estima, afirmação da identidade sexual? - enquanto que as raparigas tenham tendência a "escondê-lo". O facto de os rapazes normalmente "andarem" com raparigas
mais novas do que eles reforça a ideia duma maior necessidade, nos rapazes, de exibir este comportamento.

Embora não se verifique uma grande diferença entre as idades médias de início dos comportamentos, não permitindo portanto grandes interpretações quanto ao significado
do timing de emergência dos comportamentos, encontramos a seguinte sequência temporal: os adolescentes iniciam o processo de autonomia comportamental pela dimensão
mais relacionada com a auto-imagem (mudanças ao nível do próprio), seguida pela dimensão mais cognitiva (tomar decisões, assumir responsabilidades), passando em
seguida à dimensão mais exploratória (início das relações heterossexuais, saídas temporárias do espaço relacional familiar) e por fim à dimensão mais próxima do
estatuto de adulto (as saídas de casa sem o controlo parental).

Entendemos o modelo sequencial sugerido pelos nossos resultados, mais como uma base de trabalho a ser explorada e eventualmente confirmada em investigação posterior
destinada a esse fim, do que como um modelo definitivo.

214

Adolescência e autonomia

A confrontação dos nossos resultados com os modelos teóricos descritivos das diferentes etapas da separação adolescente -progenitor, propostos por alguns autores
(Josselson, Bloorn, Peppitone), permite verificar alguma consistência entre os resultados obtidos e os modelos elaborados. Não nos parece porém sensato avançar muito
nesta discussão que nos afastaria dos objectivos modestos que nos propusemos com este estudo exploratório.

Fig. 12 -Decorar

Fig. 13 -Roupa

W.1wIlin

1(@-1 1 12 13 14 15 16 17 is 19

Idade início

0-11 12 13 14 15 16 17 18

Idade início

Fig. 14 -Dinheiro

Fig. 15 -Sair Noite

Idade início

Fig. 16 - Sair Onde

Fig. 17 -Sair Horas

idade início

10 11 12 13 14 15 16 17 18 19

Idade início

Do desejo de mudar à capacidade de ser grande

215

Fig. 18 - Fins de Semana

Fig. 19 - Férias

5

o

L.E

6-9 10-11 12 13 14 15 16 17 18 19 6-9 10-11 12 13 14 15 16 17 18 19

Idade início Idade início

Fig. 20 - Namorar

Idade início

Fig. 22 - Ideias

.i.w.

@9 10-11 12 13 14 15 16 17

Idade início

Fig. 21 - Resolver

LCIU.lÊ

.111111m.

19 @9 ](@ 11

13 14 15 16 17 IR 19

Idade início

216 Adolescência e autonomia

5. AS DIMENSõES DA AUTONOMIA COMPORTAMENTAL

Procedemos nos capítulos anteriores ao estudo de vários aspectos respeitantes aos itens definidores da Autonomia Comportamental.

Cabe agora proceder ao estudo e à interpretação da forma como os itens estão agrupados, ou seja, verificar as estruturas de resposta, testar as dimensões envolvidas
no conceito adolescente de Autonomia Comportamental.

Pretendemos também chegar à possibilidade de construir um score, uma medida de Capacidade de Realizar Comportamentos de Autonomia, susceptível de ser correlacionada
posteriormente com a medida da Percepção das Atitudes Parentais, pelo que se impunha verificar a estrutura dimensional subjacente ao conjunto dos 11 itens.

Com esta dupla finalidade procedemos então a um estudo de Análise Factorial em Componentes Principais, na matriz de respostas dos sujeitos que realizaram pelo menos
um comportamento de autonomia.

- ESTRUTURA FACTORIAL DO QUESTIONÁRIO DE AUTONOMIA

A Análise Factorial em Componentes Principais, cuja descrição não nos

parece oportuno trazer para aqui, conduziu-nos à obtenção de uma escala composta por 9 itens (foram afastados dois itens: "Usar Roupa" e " Dinheiro"). A consistência
interna da escala, determinada pelo Coeficiente Alpha de Cronbach, é de O.74.

Os resultados da análise factorial e a consistência interna da escala confirmam, por esta via, a validade dos itens usados para a construção do "pool" inicial de
itens definidores do conceito de Autonomia Comportamental.

A Análise Factorial em Componentes Principais com Rotação Varimax permitiu extrair 3 subescalas, saturando os itens que compõem cada uma

delas a mais de O.50 em módulo, apenas nesse factor. O Factor 1 explica
37.4%, o Factor 11 12.4% e o Factor 111 10.1% da variância total, e no seu conjunto os três factores explicam 59.9% da variância total.

Do desejo de mudar à capacidade de ser grande 217

Os itens que definem cada factor, tal como foram isolados pela Análise Factorial e a sua consistência interna dada pelo Coeficiente AIplia de Cronbach, são os seguintes:

Factor 1: "Sair à noite", "Sair sem dizer onde vou", "Sair e entrar

às horas que quero"; "x = .7 1). Factor 11: "Namorar", "Resolver os meus próprios assuntos ou problemas sem interferência dos pais", "Seguir as minhas próprias
ideias (religiosas, políticas, áreas de estudo, ete.); (a = .57) Factor III: "Decorar a parte da casa onde durmo como quiser",

"Passar fins-de-semana fora de casa (com amigos, por exemplo)", "Passar férias sem a companhia de familiares"; (a = .45).

Como é sabido, as medidas de consistência interna não são indicadores apropriados da flabilidade (reliability) quando as escalas são compostas por um número tão
baixo de itens. No entanto, o facto de duas das três subescalas apresentarem um valor de AIplia excedendo .50 é encorajante.

- CORRELAÇõESINTERFACTORES

Procedemos em seguida à análise das correlações interfactores a fim de verificar o grau de independência e o sentido da correlação na amostra geral e nos dois sexos.

Prevíamos a existência de uma correlação positiva moderada interfactores e os resultados da análise de correlações efectuada: Spearman Cocificients Correlation (cf.
Quadro 2), confirmaram a nossa previsão.

Com efeito, encontram-se correlações positivas moderadas e altamente significativas entre os 3 factores e em ambos os sexos, ou seja, quanto maior for a capacidade
de realização de autonomia numa dimensão, maior será também a capacidade de realização noutra dimensão. Assim, por exemplo,

218

Adolescência e autonomia

quanto mais o adolescente se sente capaz de decidir e optar autonomamente, maior autonomia consegue nas saídas e na separação física face aos pais.

Quadro 2

Correlações interfactores

Factor 1

Factor 11

Factor 111

Factor 11

Geral

S.M.

S.F.

Factor 111

Geral

.36**

S.M.

S.F.

Mas será que esta correlação interfactores idêntica nos dois sexos é tão forte na adolescência inicial como na adolescência terminal? A análise de correlações efectuada
permitiu-nos verificar que o valor da correlação entre o

Factor 1 e os Factores 11 e 111 tende a subir com a idade e que o valor da correlação entre os Factores 11 e 111 é sensivelmente o mesmo nos três grupos etários.

- INTERPRETAÇÃO DA ESTRUTURA FACTORIAL

Os resultados apontam para uma associação entre os comportamentos de saída quotidiana de casa, uma associação entre os comportamentos de saída temporária de casa
(pressupondo uma separação física prolongada dos pais) e uma dimensão mais complexa que associa no mesmo factor o estabelecimento de uma relação afectiva extrafamiliar
e o sentimento de ser capaz de se autogovernar (fazer e decidir coisas por si próprio).

Do desejo de mudar à capacidade de ser grande 219

Que significação atribuir a cada uma das subescalas isoladas?

A nossa interpretação conduz-nos à designação de três áreas de funcionamento autónomo que, embora correlacionadas, têm a sua especificidade:

- Designamos o Factor 1 por "Actividade Exploratória".

Os itens que saturam neste factor enfatizam a capacidade do adolescente gerir as suas actividades (no seu tempo e no seu espaço) fora do controlo familiar. Remetem-nos
para uma dimensão da Autonomia Comportamental que designamos por "Comportamentos Exploratórios", no sentido de Bowlby, já que o adolescente, embora tendo comportamentos
de afastamento (as saídas de casa), se mantém numa

relação de proximidade aos pais.

- Designamos o Factor 11 por "Autogoverno".

Os itens que saturam neste factor enfatizam a capacidade de gerir a sua própria vida, em direcção a um estatuto de adulto, e remetem para uma dimensão mais interna:
a capacidade de decidir e de se responsabilizar pelos seus próprios actos, iniciador da assunção dum projecto pessoal diferenciado. A saturação do item "Namorar"
neste factor denuncia a associação entre, por um lado, a capacidade de se envolver numa relação afectiva extrafamiliar e por outro lado, a aquisição das capacidades
internas de decidir e de se responsabilizar.
- Designamos o Factor 111 por "Espaço Próprio".

Os itens que saturam neste factor enfatizam a capacidade de diferenciar o espaço familiar do espaço próprio (decorar a parte da casa que o adolescente tem de próprio)
e a capacidade de funcionar num espaço diferenciado totalmente fora da esfera familiar. Neste factor saturam os itens que, na nossa perspectiva, constituem um grau
superior nos "Comportamentos exploratórios", apontando para uma necessidade desenvolvimental de maior afastamento da esfera familiar e maior investimento na esfera
privada e na esfera social (pares de idade, amigos, etc.).

220 Adolescência e autonomia

- CONCLUSÕES

Os resultados mostram que os adolescentes constroem o significado do conceito de Autonomia Comportamental em componentes distintos.

Com efeito, os factores Actividade Exploratória, Autogoverno e Espaço Próprio são próximos, no sentido em que exprimem áreas de funcionamento idênticas a factores
encontrados por Hotch e por Moore, estes trabalhando, tal como nós, a partir das conceptualizações adolescentes - e também por Hoffmann, este construindo os seus
itens a partir dos modelos de Maffier e de Blos.

Os nossos resultados, apesar da inevitável interferência de factores culturais, apoiam a investigação realizada por Youniss & Smollar (1985) que, como já referimos,
encontram como sinais comportamentais mais claros da Individuação os contactos limitados com os pais e a posse de vida privada. Com efeito, os nossos resultados
vão claramente em apoio do pensamento daqueles investigadores, quando afirmam que: "0 tempo passado fora dos pais é seguramente um aspecto comum da vida dos adolescentes
contemporâneos" (op. cit., p. 77).

Os resultados do trabalho de Yotiniss & Smollar (1985) demonstram que o tempo passado fora de casa é apenas fraca e secundariamente monitorizado pelos pais, através
de instruções antecipatórias ou comentários a posteriori e

que a maior parte das actividades do adolescente fora de casa não são partilhadas ou discutidas com os pais e acontecem sem o seu conhecimento.

Sair sem o controlo parental do espaço e do tempo a investir é, na nossa perspectiva, criar um espaço e um tempo para pensar, para formar e tomar

decisões sem o envolvimento parental directo.

Pensamos que os comportamentos de saída traduzem metaforicamente a

ponte entre a realidade familiar e a realidade social, protagonizada esta preferencialmente pelos amigos e pelo grupo de pares. É neste contexto relacional que a
auto-exploração ocorre: pensa-se, discute-se, partilha-se, co-constrói-se a realidade e a experiência (no sentido de Piaget) com os amigos, tece-se e

consolida-se o processo de separação- individuação.

Os nossos resultados indicam ainda que a correlação entre os factores

Do desejo de mudar à capacidade de ser grande 221

Actividade Exploratória e Autogoverno se toma mais forte na adolescência terminal, indicando claramente uma potenciação mútua: os progressos na dimensão mais externa
traduzem-se em progressos na dimensão mais interna e vice-versa, pondo em evidência as capacidades integrativas do ego em direcção a um funcionamento cada vez mais
auto-regulador e portanto mais autónomo.

6. AUTONOMIA, LIGAÇÃO AFECTIVA AOS PAIS E PRÁTICAS EDUCATIVAS

-INTRODUÇÃO

Pretendemos com este último estudo esclarecer a relação que existe entre a autonomia do adolescente e a forma como ele se sente amado ou hostilizado pelos pais e
ainda a relação entre a autonomia e o maior ou menor controlo que os pais exercem sobre o seu comportamento. Pretendemos ainda saber se a relação encontrada é diferente
consoante a idade do adolescente e ainda se é idêntica nos rapazes e nas raparigas.

Vamos portanto verificar a contribuição de um conjunto de variáveis: as

PAP (Percepções das Atitudes Parentais), a idade e o sexo, para a variabilidade da autonomia comportamental, bem como elucidar a relação existente entre a autonomia
comportamental e as PAP, ou seja, o efeito que diferentes graus de PAP têm sobre a Capacidade de Realização da Autonomia (C.R.A).

- METODOLOGIA

Como medida de autonomia comportamental nós iremos considerar a

C.R.A., ou seja o score obtido através da soma dos scores parciais das dimensões da autonomia comportamental (cf. capítulo anterior). Nesta medida,

222 Adolescência e autonomia

quanto maior for o valor do score, maior será a capacidade do adolescente para realizar a autonomia comportamental.

Como medida das PAP nós iremos utilizar, os scores de cada uma das

quatro dimensões em estudo: a PAP de Autonomia (PARAUT), a PAP de

Controlo (PARCONT), a PAP de Amor (PARAMOR) e a PAP de Hostilidade (PARHOST), obtidos através dos dados fornecidos pelo instrumento de medida já descrito (o Youth
Perception lnventory, cf. Capítulo 1.3., Parte 11). Também aqui, quanto maior for o valor do score maior será a intensidade de percepção nessa dimensão.

Procedemos neste estudo a dois tipos de análise estatística:

1 . A Análise de Regressão Múltipla (A.R.M.) no sentido de verificar a

contribuição: (1) do conjunto das variáveis PAP (PARAUT, PARCONT, PARAMOR

e PARHOST) (2) da variável idade e

(3) da variável sexo para a variabilidade da CRA.

2. A Análise de Variância Multifactorial (A.V.M.), tomando como variáveis a idade, o sexo e as PAP, no sentido de verificar o efeito que diferentes graus de intensidade
de PAP têm sobre a CRA.

Dada a grande quantidade de análises e de resultados a que conduziram estes estudos, restringiremos a sua apresentação aos considerados indispensáveis. Procederemos
no final a uma discussão global dos resultados.

- RESULTADOS

1. Resultados da análise de regressão múltipla

A primeira análise realizada consistiu em fazer regressar os scores de CRA nos scores de PAP em ordem a verificar qual ou quais das quatro

Do desejo de mudar à capacidade de ser grande 223

dimensões trazem uma contribuição estatisticamente significativa para a

variabilidade dos scores de CRA e com que percentagem contribuem para essa variabilidade.

Os resultados (R 2 = .148, F = 42.8 (4, 989 g. L), p < .001) indicaram-nos que os scores de PAP explicam só por si 14.8% (R 2 = .148) da variabilidade total
da CRA, sendo os coeficientes de regressão para as PARAUT, PARAMOR e PAP.HOST significativamente diferentes de zero (P < .00 1).

Em seguida, incluímos a variável idade (como variável contínua) no sentido de verificar o efeito produzido por esta variável na quantidade de variabilidade explicada.

Os resultados da análise (R 2 = .261 F = 69.615, (5,987 g.l.), P < .001) mostram que, ao juntarmos a variável idade, o valor de R 2 sobe de .148 para .26
1, o que significa que o modelo, incluindo agora a idade, explica já 26. 1 % da variabilidade total da CRA.

A variável idade explica só por si 11.3%, aparecendo portanto claramente como a variável crucial para explicar a variabilidade da CRA.

Finalmente, incluímos a variável sexo, (que sendo uma variável categórica, entrou como "dummy variable") no sentido de verificar, tal como no passo anterior, o efeito
desta variável no modelo preditor.

Os resultados (R 2 =.296 F = 68.996, (6,986 g.l.), P < .00 1) indicaram-nos que, ao juntarmos a variável sexo, o valor de R 2 sobe de .261, obtido na análise
anterior, para o valor de .296, significando que o modelo, incluindo agora o total das variáveis, explica 29.6% da variabilidade total da CRA, sendo 3% atribuível
à variável sexo.

Na base destes resultados e confirmado o efeito da variável sexo, decidimos proceder a uma A.R.M. em cada um dos sexos, no sentido de testar o modelo preditivo das
PAP e idade em cada um deles.

Nos Quadros 3 e 4 apresentam os resultados encontrados. A sua análise permite-nos concluir que:

- As PAP produzem, tal como prevíramos, um efeito sobre a CRA no

adolescente, explicando só por si 19.4% da variabilidade total da CRA nos rapazes e 12.6% nas raparigas.

224 Adolescência e autonomia

Quadro 3

Regressão da CRA na Idade e nas PAP, no Sexo Masculino

Variáveis

Coeficiente de Regressão Padronizado

t

P

Idade

.426

10.453

.000***

PAP.AUT

.246

6.170

.000***

PAP.AMOR

-028

-636

.524 N.S.

PAP.CONT

-054

-1.317

.188 N.S.

PAP.HOST

-058
-1.392

.164 N.S.

R2 =.339

F = 51.197, (5, 499 g.l.), P< .00 1

Quadro 4

Regressão da CRA na Idade e nas PAP, no Sexo Feminino

Variáveis

Coeficiente de Regressão Padronizado

t

P

Idade

.345

7.877

.000***

PAP.AUT

.150

3.477

.000***

PAP.AMOR

-107

-2.136

.033*

PAP.CONT

-.088

-1.939

.0531 N.S.

PAP.HOST

-.092

-1.861

.0633 N.S.

RI =.226

F = 28.145, (5, 482 g.l.), P< .001

Tanto nos rapazes como nas raparigas, as variáveis com mais impacto no modelo preditor da CRA são a idade - a variável crucial - e a

Percepção de Autonomia (PAP. AUT).

Do desejo de mudar à capacidade de ser grande 225

Enquanto que nos rapazes essas são as variáveis que mais efeito produzem sobre a sua CRA, nas raparigas são igualmente importantes, embora o seu efeito seja menor,
as Percepções de Amor (PAP. AMOR) e de Controlo (PAR CONT). Quanto à direcção do efeito produzido, verifica-se que a CRA é tanto maior (1) quanto mais elevada for
a idade, (2) quanto mais elevada for a percepção adolescente de ter pais encorajadores de autonomia e (3) quanto menos elevada for a sua percepção de terem pais
dando muito suporte afectivo ou então de terem pais hostis. Embora o modelo linear agora testado, através da A.R.M., não satisfaça muito, uma vez que permite explicar
apenas 29.6% da variabilidade total da CRA (elevando-se este valor para 33.9% nos rapazes), é de prever que um modelo não linear se ajuste melhor ao tipo de relação
que a CRA tece com as variáveis estudadas.

2. Resultados da análise de variância multifactorial

Passemos agora à 2.@ etapa, ou seja: ao estudo do efeito que têm diferentes graus de intensidade de percepção adolescente das atitudes dos pais sobre a sua capacidade
de realizar a autonomia comportamental.

Por outras palavras, pretendemos responder à questão: 'em que medida a

CRA no adolescente está dependente da intensidade das percepções adolescentes do afecto e do controlo exercido pelos pais?

No sentido de criar grupos com níveis ou graus de intensidade de percepção diferentes, procedemos ao cálculo dos quartis a partir da distribuição dos scores das
PAP.

Criámos assim 4 níveis (correspondendo aos 4 quartis) dentro de cada PAP, que se graduam numa escala de 1 a 4, correspondendo o nível 1 ao nível de intensidade de
percepção mais baixo e o nível IV ao nível de intensidade de percepção mais elevada.

Começámos por testar o efeito da variável idade. As análises realizadas nos três grupos etários definidos (Adolescência inicial = 12/13 anos, Ado-

226 Adolescência e autonomia

lescência média = 14/16 anos e Adolescência final = 17/19 anos) levou-nos a

concluir que o factor idade introduz alterações significativas apenas no efeito entre a PAP. AMOR e a CRA, pelo que procedemos a análises separadas no

estudo desta dimensão.

No sentido de simplificar a apresentação dos resultados a que conduziram as numerosas Análises de Variância Multifactorial realizadas, apresentaremos os resultados
sob a forma de gráficos (Figs. 23 a 29). Realizámos também Testes de Homogeneidade de níveis, cujos resultados não apresentamos aqui, mas que apoiam a nossa análise.

A Análise de Variância Multifactorial (A.V.M.) tendo como V.1). a CRA e como factores o sexo e as PAP, nos quatro níveis de intensidade de percepção considerados,
conduziu às seguintes conclusões:

- A CRA varia de forma altamente significativa com o factor sexo,

sendo a CRA mais elevada nos rapazes do que nas raparigas, em todos os grupos etários considerados.
- Tal como prevíramos nas nossas hipóteses de investigação, o grau de

percepção de PAP nas quatro dimensões estudadas tem um efeito diferenciado sobre a capacidade de realização de autonomia comportamental do adolescente (cf. Fig.
23 a 26).
- O efeito produzido é ainda diferente num sexo e no outro, é menor na

adolescência média, e na Percepção de Amor a direcção do efeito varia em função da fase desenvolvimental em que o adolescente se

encontra (cf. Figs. 27, 28 e 29)
- As tendências de variação encontradas entre as PAP e a CRA são as

seguintes:

* A CRA aumenta quando aumenta também a intensidade de percepção de pais encorajadores de autonomia, tanto na adolescência inicial como na adolescência média e
final (cf. Fig. 23).
* A CRA diminui quando o adolescente tem uma percepção muito

elevada de pais exercendo controlo sobre o seu comportamento, e isto é sobretudo evidente na adolescência média e final (cf. Fig.
24).

Do desejo de mudar à capacidade de ser grande

227

A CRA diminui quando o adolescente tem uma percepção muito elevada de pais dando muito amor, e este efeito é sobretudo verificável nas raparigas e na adolescência
inicial e média, mas tende a inverter-se quando se caminha para a adolescência final. Com efeito, verifica-se que na adolescência final, quer nos rapazes quer nas
raparigas, a CRA aumenta quando o adolescente tem uma percepção mais elevada de pais dando amor. Este mesmo efeito é já encontrado na adolescência média, nos rapazes
(cf. Figs. 27, 28, 29). A CRA diminui quando o adolescente tem uma percepção muito elevada de ter pais hostis (cf. Fig. 26).

Fig. 23 - Scores Médios de C.R.A. em Função dos Níveis de Intensidade (N.I.) da PAP AUT

para a Amostra Total

CRA

200

Legenda:

- 1 - Rapazes - + - Raparigas

Níveis de Intensidade PAP AUT

Fig. 24 - Scores Médios de C.R.A. em Função dos Níveis de Intensidade (N.I.) da PAP CONT

para a Amostra Total

CRA

80

60

40

20

o

Legenda:

Rapazes - + - Raparigas

Níveis de Itensidade PAP CONT

228

Adolescência e autonomia

Fig. 25 - Scores Médios de C.R.A. em Função dos Níveis de Intensidade (N.I.) da PAP

AMOR para a Amostra Total

CRA

Legenda:

- * - Rapazes - + - Raparigas

Níveis de Itensidade PAP AMOR

Fig. 26 - Scores Médios de C.R.A. em Função dos Níveis de Intensidade (N.I.) da PAP HOST

para a Amostra Total

CRA

Legenda:

- * - Rapazes - + - Raparigas

Níveis de Itensidade PAP HOST

Fig. 27 - Scores Médios de C.R.A. em Função dos Níveis de Intensidade (N.I.) da PAP

AMOR, no Grupo Etário 12-13 anos

CRA

60

40

20

O

Legenda:

- 1 - Rapazes - + - Raparigas

Níveis de Itensidade PAP AMOR

Do desejo de mudar à capacidade de ser grande

229

Fig. 28 - Scores Médios de C.R.A. em Função dos Níveis de Intensidade (N.I.) da PAP

AMOR, no Grupo Etário 14-16 anos

CRA

200

150,

100 .

Legenda:

Rapazes - + - Raparigas

Níveis de Itensidade PAP AMOR

Fig. 29 - Scores Médios de CR.A. em Função dos Níveis de Intensidade (N.I.) da PAP

AMOR, no Grupo Etário 17-19 anos

250

200

150

100

50

o

CRA

Legenda:

- 1 - Rapazes - + - Raparigas

Níveis de Itensidade PAP AMOR

- CONCLUSõES

Pudemos afirmar que, de um modo geral, as nossas hipóteses obtiveram confirmação, o que traz consistência empírica ao modelo teórico que as fundamenta.

Conclui-se que existe uma relação significativa entre o processo de autonomia e as atitudes dos pais tal como elas são percepcionadas pelo adolescente.

Confirma-se o poder preditivo das Percepções das Atitudes Parentais, do

230 Adolescência e autonomia

Sexo e da Idade sobre a Capacidade de Realização da Autonomia Comportamental.

Confirmou-se ainda o efeito diferencial do Sexo no padrão de relação entre a Capacidade de Realização da Autonomia e as Percepções das Atitudes Parentais, o efeito
diferencial da Idade na Percepção de Amor e o efeito diferencial do nível de intensidade das Percepções das Atitudes Parentais sobre a

Capacidade de Realização da Autonomia.

O sentido da variação encontrado entre a Capacidade de Realização da Autonomia e as Percepções de Autonomia, de Controlo e de Hostilidade confirmou também as nossas
previsões. Já na previsão relativa à Percepção de Amor a nossa hipótese apenas foi parcialmente confirmada. Tínhamos previsto a existência duma correlação positiva
entre a Capacidade de Realização da Autonomia e a Percepção de Amor. Os nossos resultados dizem-nos que essa correlação é positiva, mas apenas em determinadas fases
do desenvolvimento: nos rapazes, a partir dos 14 anos e nas raparigas a partir dos 17 anos.

No seu livro, Fondements et Etapes de la Recherche Scientifique en

Psychologie, Michele Robert (1988) afirma que as hipóteses de investigação devem possuir as seguintes qualidades: serem operacionais, rigorosas, teoricamente fecundas
e verificáveis. A verificabilidade das hipóteses, dada pela sua confirmação ou infirmação, testemunha já da sua operacionalidade, rigor e fecundidade.

A confirmação da quase totalidade das nossas hipóteses, leva-nos a concluir tratarem-se de hipóteses teoricamente fecundas; a infirmação de outras, estimula-nos
à reflexão e à reelaboração dos dados prévios, e ao desejo de prosseguir e aprofundar o conhecimento sobre a adolescência.

Passemos agora à discussão das conclusões tiradas deste estudo:

Os resultados agora obtidos alargam e aprofundam a evidência empírica prévia, já que trazem uma contribuição importante para a compreensão de aspectos específicos
da autonomia, a autonomia comportamental, área em

que, como vimos, a investigação é escassa. Aprofundam ainda porque a literatura prévia não esclareceu, como vimos e como realçou Martin na impor-

Do desejo de mudar à capacidade de ser grande 231

tante revisão da literatura que produziu em 1975, o quanto, ou seja, qual a

contribuição de cada uma destas variáveis para explicar a variabilidade da capacidade de realização da autonomia comportamental, em suma, qual o

poder preditivo de cada uma destas variáveis. Os nossos resultados trazem ainda conhecimento para a área, porque põem em evidência que o efeito das

atitudes parentais sobre o desenvolvimento não é homogéneo, mas produz efeitos diferentes consoante o período desenvolvimental em que o adolescente se encontra,
ou seja, consoante as tarefas desenvolvimentais que leva a

cabo e os conflitos internos e externos com que lida.

Os resultados a que conduziu o nosso estudo indicam-nos que das variáveis estudadas - a idade, o sexo, as percepções de amor (PARAMOR), de hostilidade (PAP.HOST),
de autonomia (PARAUT) e de controlo (PARCONT) - a idade aparece como a variável crucial (já que só por si contribui com 11.3% para a variabilidade total da Capacidade
(?e Realização da Autonomia), o que, por um lado, fundamenta o carácter desenvolvimental da autonomia, e por outro lado justifica a sua inclusão como variável pertinente
nos modelos explicativos.

O sexo aparece também, no nosso estudo, como uma variável importante, já que contribui, por si só, com 3% para a variabilidade da Capacidade de Realização da Autonomia.

Os resultados sugerem-nos que cada um dos sexos lida com questões maturativas e relacionais diferentes e encontra vicissitudes desenvolvimentais específicas, no
exercício da autonomia comportamental.

A importância de estudar a variável sexo encontra-se portanto confirmada e valida a nossa opção em tomá-la como uma Variável Independente em

todos os estudos efectuados.

Os nossos resultados vêm em apoio dos autores que recentemente têm chamado a atenção para a importância de introduzir a variável sexo nos

modelos explicativos, a qual tem sido, como dissemos, ignorada ou tratada apenas como variável parasita na investigação fundamental. Vem ainda em

apoio dos autores que têm defendido a tese de "linhas desenvolvimentais" diferentes num sexo e no outro, opondo-se assim à ideia de uma Psicologia do Desenvolvimento
comum aos dois sexos.

232 Adolescência e autonomia

Os resultados indicam-nos que as Percepções das Atitudes Parentais produzem efeito sobre o processo de autonomia adolescente, já que, por si só, explicam 19.3% da
variabilidade da Capacidade de Realização da Autonomia nos rapazes e 12.4% nas raparigas.

Indicam-nos ainda que é a percepção de autonomia dada pelos pais a que mais impacto tem sobre a autonomia comportamental conseguida, colocando esta dimensão do parenting
como a dimensão fulcral para o desenvolvimento da autonomia comportamental.

Curioso, contudo, é verificar que, de entre o conjunto dos preditores significativos, aparece imediatamente a seguir, e com igual peso, as percepções ligadas à dimensão
do afecto: as percepções de amor e de hostilidade. Estes resultados demonstram a importância do vínculo afectivo para a compreensão da autonomia,

PARTE III

ADOLESCÊNCIA, AUTONOMIA E RELAÇÃo AMILIAR: CONTRIBUIÇOES,:I A PSICOLOGIA DA ADOLESCÊN>CIA

Sábia, fUt@cÍona I, ffi@çí@n- te corno os mod@,ks'didW .¥ticos despojados de enfeite, passa na rua a adolescente cheirando a leite.

Caminha soberana e enfática como as ave?s egípcias disfarçando no andar a lava que referve. Vai orgulhosa por transportar no peito duas cristas

reptícias, e do resto, que pressente, mas ainda não sabe ao certo

para que serve.

ANTóNio GEDEÃO

CAPÍTULO PRIMEIRO

PROCESSO DE AUTONOMIA E DESENVOLVIMENTO PSICOLÓGICO,

À questão de partida: "Que relação existe entre a autonomia comportamental dos adolescentes e as atitudes dos seus pais, tal como elas são percepcionadas pelos adolescentes?"
outras questões se vieram juntar, enriquecendo a ideia inicial, que nos motivou para a longa investigação, que resumimos e apresentámos na Parte 11 deste livro.

A progressiva exploração da literatura científica sobre a problemática, a nossa própria observação, a confrontação constante da teoria, dos resultados prévios e
dos nossos próprios resultados transformaram- se num exercício laborioso, mas gratificante: as perguntas encontraram respostas, se bem que as respostas tenham sempre
um carácter não-definitivo e levantem, de novo, novas perguntas.

Obviamente, as conclusões são válidas para o universo de que a amostra é representativa, pelo que não podemos generalizar. Cabe no entanto relembrar que se trata
de um universo de 7264 adolescentes estudantes, portugueses, dos 12 aos 19 anos, e residindo numa comunidade - o concelho de Matosinhos - muito diversificada do
ponto de vista sócio-económico, recobrindo a
actividade piscatória, agrícola e industrial.

A natureza predominantemente correlacional dos nossos estudos, desaconselha, obviamente também, as interpretações causais.

Estudos posteriores, que recolham não só as percepções adolescentes como também auto-relatos dos pais e ainda os padrões de interacção pais-adolescentes, entre outros,
permitirão esclarecer a direccionalidade da causalidade, como ainda uma compreensão mais aprofundada dos perfis emergentes.

238 Adolescência e autonomia

A par e passo fomos procedendo à discussão em pormenor das conclusões a que conduziram cada um dos trabalhos apresentados nos capítulos anteriores. Resta-nos um
derradeiro esforço de conceptualização e síntese sob a forma de conclusões gerais:

1. A autonomia comportamental é, na representação adolescente, uma
noção conceptual que encontra a sua expressão num conjunto de comportamentos. Assim, ser autónomo é poder:

- Decorar a parte da casa onde durmo como quiser
- Usar a roupa e o penteado que gosto
- Gastar o meu próprio dinheiro como quiser
- Sair à noite
- Sair sem dizer onde vou
- Sair e entrar às horas que quero
- Passar fins-de-semana fora de casa (com amigos, por exemplo)
- Passar férias sem a companhia de familiares
- Namorar
- Resolver os meus próprios assuntos ou problemas sem a interferência

dos pais
- Seguir as minhas próprias ideias (religiosas, políticas, áreas de

estudo, etc.).

Esta conceptualização alarga o conhecimento sobre a dimensão da autonomia comportamental; ela é coerente com algumas conceptualizações prévias, tendo por suporte
os modelos teóricos mais conotados com as teorias psicodinâmicas.

Ela reflecte dimensões comportamentais encontradas em outros trabalhos de investigação, realizados sobretudo na Europa e nos Estados Unidos da América, verificando-se
uma consonância na forma como adolescentes de diferentes culturas concebem a sua autonomia.

2. "Decorar a parte da casa onde durmo como quiser" remete para a
apropriação de um espaço personalizado no espaço familiar, para a afirma-

Processo de autonomia e desenvolvimento psicológico 239

ção de uma diferença, sinalizada através de posters e outros objectos conotados com valores culturais juvenis.

"Usar a roupa e o penteado que gosto" remete para a apropriação do corpo - até aí propriedade do objecto primário maternal - corpo sexuado que se quer atraente e
desejado.

"Gastar o meu próprio dinheiro como quiser" remete para a apropriação de um valor instrumental (poder, prestígio, estatuto, moeda de troca para outras actividades)
até aí sob controlo parental.

As saídas de casa quotidianas e por períodos curtos denunciam o desejo de novos espaços de relação fora do controlo espacial e temporal dos pais, comportamentos
exploratórios de ida e retomo ao espaço de protecção familiar.

"Namorar" reflecte o desejo de novos objectos de amor, da assunção de uma nova forma de relação com o outro, fora do espaço de afectividade familiar.

"Resolver os meus próprios assuntos ou problemas sem a interferência dos pais", "Seguir as minhas próprias ideias (religiosas, políticas, áreas de estudo, etc.)
remetem para a conquista de um espaço mental para pensar e

decidir, assumindo a responsabilidade do agir autónomo.

3. Todos estes comportamentos, indicadores da autonomia comportamental, são largamente desejados pelos adolescentes, e desde os 12 anos, pelo que admitimos tratarem-se
de "atributos de maturidade", cuja aquisição reflecte e conduz a níveis de maior autonomia.

4. Quer o desejo de realizar comportamentos de autonomia quer a

competência para os realizar quer, ainda, a capacidade de desobedecer aos

pais, mediação entre o desejo e a realização, manifestam-se em cada vez maior número de adolescentes à medida que a idade sobe.

O padrão é linear, na maior parte dos comportamentos, apontando para uma mudança progressiva, através de acréscimos graduais de competência.

5. A capacidade de realizar comportamentos de autonomia fica naturalmente aquém do desejo, mesmo na adolescência terminal, sobretudo nos

240 Adolescência e autonomia

comportamentos quotidianos de saída de casa, pelo que, é de admitir serem

estes os comportamentos que ficam até mais tarde sob o controlo parental.

6. A desobediência tem tendência a atenuar-se na adolescência terminal, apontando para uma progressiva capacidade de regular os conflitos com os pais nas questões
que dizem respeito à autonomia.

7. "Usar a roupa e o penteado que gosto" e "Seguir as minhas próprias ideias" são os comportamentos desejados e realizados por maior número de adolescentes e também
aqueles onde maior número de adolescentes desobedecem aos pais.

8. Relativamente às diferenças entre rapazes e raparigas, se, por um lado, em ambos se verifica um progressivo exercício da autonomia comportamental, a proporção
de rapazes ultrapassa largamente a proporção de raparigas, sobretudo nos comportamentos de saída de casa, mas o mesmo não se verifica relativamente aos aspectos
da tomada de decisão (resolver assuntos e seguir as suas próprias ideias).

9. Rapazes e raparigas não se diferenciam, nem ao nível do desejo nem

da realização nem da desobediência, no aspecto da tomada de decisão.

10. O que introduz a diferença entre rapazes e raparigas, no desejo e na

realização, são os aspectos da autonomia comportamental conotados, por um

lado, com os comportamentos exploratórios fora de casa (superior nos rapazes) e, por outro lado, com a imagem corporal (superior nas raparigas).

11. De um modo geral, a sequência dos comportamentos que vão aparecendo como proporcionalmente mais desejados, e portanto adquirindo valor simbólico de "atributo
de maturidade", faz-se segundo um padrão que vai da dimensão mais centrada na imagem corporal para a dimensão mais interpessoal e relacional, mostrando a direcção
do calendário de acesso à maturidade adulta.

Processo de autonomia e desenvolvimento psicológico 241

12. São os pais, percebidos como figura compósita, a quem os adolescentes desobedecem e se submetem mais. Porém, sempre que os pais são percepcionados enquanto figuras
distintas, é à mãe que os adolescentes desobedecem mais e também a quem se submetem mais. Ou seja, a figura materna encontra-se envolvida na desobediência e na submissão,
em percentagem superior à figura paterna, em quase todos os comportamentos.

13. A tendência é para que se verifique uma incidência cada vez maior de desobediência em todos os comportamentos no par mãe-rapaz, e apenas em alguns comportamentos
no par pai-rapaz, à medida que a idade deste sobe.

14. A tendência é para que se verifique uma incidência constante de desobediência em quase todos os comportamentos no par mãe-rapariga e

uma incidência cada vez maior de desobediência, mas apenas no comportamento de namoro, no par pai-rapariga, à medida que a idade desta sobe.

15. A emergência de alguns comportamentos de autonomia situa-se já, em elevada proporção, no período da latência.

16. A idade média de início dos comportamentos de autonomia, tal como

ela é dada pela percepção adolescente, estende-se num intervalo que se situa entre os 10 e os 13 anos, sendo os comportamentos quotidianos de saída de casa os que
mais tarde emergem.

17. A emergência dos comportamentos de autonomia segue padrões idênticos nos dois sexos. Apenas nos comportamentos de uso de roupa e de namoro a idade média de inicio
é significativamente mais baixa nos rapazes.

18. A sequência temporal de aparecimento dos comportamentos segue um padrão que parte da dimensão mais relacionada com a imagem corporal para a dimensão mais relacionada
com a tomada de decisão, passando em

seguida para a dimensão mais exploratória do espaço de sociabilidade extrafamiliar, através das saídas de casa sem a companhia de familiares.

242 Adolescência e autonomia

19. A conceptualização adolescente da autonomia comportamental organiza-se segundo uma estrutura composta por três componentes principais e

que designámos por: "Actividade exploratória", "Autogovemo" e "Espaço próprio". Estas dimensões da autonomia comportamental não são independentes, mas correlacionam-se
entre si positivamente e para valores moderados de correlação.

20. As percepções que os adolescentes têm das atitudes dos seus pais produzem efeito sobre a sua maior ou menor capacidade de realizar autonomia comportamental.
A percepção de que os pais encorajam a sua autonomia é a que mais correlação positiva tem sobre a referida capacidade. A seguir, em importância, vem a percepção
de amor: os adolescentes que sentem que existe amor na relação dos pais para com ele são também aqueles que manifestam maior capacidade de autonomia.

21. A capacidade de realização da autonomia comportamental do adolescente varia em função do grau de intensidade da percepção das atitudes parentais, nas quatro
dimensões estudadas. O efeito é ainda diferente em

função do sexo, e na percepção de amor a direcção do efeito varia em função da idade do adolescente.

22. As tendências de variação encontradas entre a capacidade de realização da autonomia comportamental e as percepções das atitudes dos pais, tendo em conta o sexo
e a idade do adolescente, são as seguintes:

- A capacidade de realização da autonomia comportamental é tanto

maior quanto maior for a intensidade de percepção de pais encorajadores de autonomia, e esta tendência verifica-se do início ao término da adolescência, tanto nos
rapazes como nas raparigas
- A capacidade de realização da autonomia comportamental diminui

quando o adolescente tem uma percepção elevada do controlo exercido pelos pais, e esta tendência verifica-se sobretudo na adolescência média e terminal.

Processo de autonomia e desenvolvimento psicológico 243

- A capacidade de realização da autonomia comportamental diminui

quando o adolescente tem uma percepção do amor dado pelos pais como "um amor muito grande". Esta tendência verifica-se sobretudo nas raparigas na adolescência inicial
e média, mas este efeito tende a inverter-se quando se caminha para a adolescência terminal: com efeito, verifica-se que em ambos os sexos, na adolescência terminal,
a referida capacidade aumenta quando o adolescente tem a percepção de que o amor dado pelos pais é grande.
- A capacidade de realização da autonomia comportamental diminui

quando o adolescente tem uma percepção de hostilidade muita elevada por parte dos pais em relação a ele, e esta associação verifica-se em todas as idades, e tanto
no rapaz como na rapariga.

Resta-nos realçar os aspectos inovadores que esta investigação traz para o campo do conhecimento sobre a adolescência e realçar aquilo em que nos parece que o processo
de autonomia dos adolescentes portugueses se diferencia de outros, tendo em conta a informação disponível e que apresentámos atrás.

A literatura existente, baseada nos dados da investigação realizada no

estrangeiro, tem posto em evidência, como vimos, uma correlação positiva entre autonomia adolescente e atitudes parentais encorajadoras da autonomia e da separação
(Murphey et al., 1963; Douvan & Adelson, 1966; Stierlin et al., 1974; Berzonsky, 1981) e uma correlação negativa entre a autonomia adolescente e o exercício dum
controlo autoritário por parte dos pais (Elder,
1963; Bautrirind, 1968; Douvan & Adelson, 1966; Enright et al., 1980; Berzonsky, 198 1, Karidel & Lesser, 1972 ).

Ora, nós constatamos no nosso trabalho - e aqui os nossos resultados trazem nova evidência à investigação prévia - que níveis moderados de controlo por parte dos
pais, pressupondo a existência de regras e de limites ao comportamento dos filhos, bem como uma percepção muito elevada de controlo na adolescência inicial, não
se traduzem numa menor capacidade de ser autónomo.

As conclusões do nosso trabalho sugerem portanto que as condições que

244 Adolescência e autonomia

mais favorecem o desenvolvimento da autonomia comportamental nos adolescentes portugueses são as que se verificam numa atmosfera familiar de encorajamento contínuo
da autonomia, do início ao final da adolescência e numa atmosfera de controlo parental baixo ou moderado, sobretudo na adolescência média e terminal.

É de admitir que, quanto mais os pais são percepcionados pelos adolescentes como figuras promovendo a autonomia, mais funcionem como modelos identificatórios válidos,
e sejam eles próprios adultos autónomos, valorizando e reconhecendo nos filhos a necessidade de se autonomizarem.

Pensamos que o encorajamento da autonomia, por parte dos pais, proporciona e estimula os movimentos exploratórios, a experimentação, o confronto com situações de
frustração ou de insucesso, estimulando também a gratificação e satisfação conseguida pela realização de tarefas sem ajuda parental, com o reforço consequente da
auto-estima do adolescente.

Os nossos resultados sugerem ainda que as práticas educativas parentais mudam em função da idade do adolescente, e aqui os nossos resultados são inovadores, no sentido
em que não apontam para uma única tendência, válida do início ao final da adolescência, mas para tendências diferentes consoante a fase adolescencial. Assim, o comportamento
parental além de proactivo seria também reactivo ao comportamento dos filhos, estimulando por um lado o desenvolvimento e respondendo adaptativamente às mudanças
ocorridas no adolescente, neste caso a sua progressiva capacidade de realizar comportamentos de autonomia. Estes aspectos sugerem a existência dum nível de reciprocidade
cada vez mais sólido na relação entre pais e adolescentes e o abandono progressivo duma relação marcada pela autoridade unilateral.

Estas mudanças sugerem ainda progressivas aquisições sócio-cognitivas do adolescente, nomeadamente as ligadas à compreensão das relações interpessoais, ao desenvolvimento
moral e ao desenvolvimento egóico no adolescente. Sugerem, por outro lado também, as transformações ocorridas no sistema familiar, nomeadamente nos mecanismos reguladores
do poder e da autoridade entre gerações.

Verificámos que na adolescência inicial e em ambos os sexos os adoles-

Processo de autonomia e desenvolvimento psicológico 245

centes com uma percepção muito elevada de amor por parte dos pais são também os adolescentes apresentando menor capacidade de realizar comportamentos de autonomia.
Porém, e a constatação desta crença é muito interessante, os adolescentes mais velhos (os rapazes a partir dos 14 anos e as raparigas a partir dos 17 anos) com uma
percepção muito elevada de amor

são também aqueles que obtêm scores mais elevados na autonomia comportamental.

Até à data, alguns autores têm afirmado que a autonomia é maior se o suporte afectivo dado pelos pais for grande. Este padrão tem sido apresentado como válido para
toda a adolescência, considerada esta, supomos, como

um todo homogéneo, como um processo influenciado sempre no mesmo sentido pelas atitudes parentais, desde o início ao final da adolescência.

Os nossos, resultados questionam esta assunção e apontam no sentido de que o efeito das atitudes parentais na dimensão do amor é diferente consoante a fase desenvolvimental
adolescente.

As teorias psicanalíticas têm afirmado a importância do investimento afectivo por parte do adolescente em figuras extrafamiliares, do abandono dos laços infantis
aos pais, do ataque ao continente parental, da desidealização das figuras parentais.

Nesta perspectiva, os nossos resultados sugerem-nos que um envolvimento afectivo por parte dos pais, sentido pelo adolescente como "muito intenso", pode, no início
do processo adolescente, dificultar as tarefas desenvolvimentais da autonomia e "enredar" o adolescente em gratificações infantis excessivas.

Alguns autores de orientação sistémica têm também posto em evidência a importância da qualidade e quantidade das interacções familiares no desenrolar do processo
adolescente. Stierlin, concretamente, descreveu modelos de interacção familiar que vão do encadeamento (binding) à expulsão (expelling) e pôs em evidência as vicissitudes
do desenvolvimento da autonomia ligadas ao excessivo encadeamento afectivo de pais e filhos entre si.

Interessante é verificar que se um excesso de amor obstaculiza a autonomia comportamental no início do processo adolescente, já nas fases subsequentes o mesmo não
se verifica. Estes resultados sugerem-nos que, no

246 Adolescência e autonomia

período inicial da adolescência (um período de grandes transformações biológicas e psicológicas), quando o adolescente se vê confrontado com a necessidade de afirmar
uma identidade separada, uma implicação afectiva excessiva por parte do pais (ou sentida como tal) pode ser vivida como intrusiva. Assim, o distanciamento dos progenitores
(e mais particularmente da mãe, figura mais envolvida) face às experiências emocionais do filho fica comprometido, não criando condições favoráveis para a auto-observação
e

para a auto-experimentação do adolescente.

Este efeito, de acordo com os nossos resultados, é mais significativo nas raparigas, o que vai ao encontro da evidência empírica prévia, que tem afirmado que uma
implicação afectiva excessiva por parte da mãe favorece a

hiper-socialização feminina, o conformismo e a dependência.

É provável que o adolescente médio e terminal se sinta menos ameaçado pela força dos laços afectivos aos pais, constituindo-se estes basicamente como fonte de auto-estima
e reforço para o narcisismo adolescente e como unia base afectiva segura, a partir da qual o adolescente pode desenvolver movimentos exploratórios, mas onde pode
também "regressar" sempre que disso sentir necessidade.

A relação encontrada entre a Capacidade de Realização de Autonomia Comportamental e a intensidade de hostilidade parental percepcionada, em

todos os períodos etários estudados - os adolescentes que percepcionam os pais como muito hostis são também aqueles que apresentam menor capacidade de realizar a
autonomia comportamental -, dá consistência a este

modelo explicativo.

A autonomização adolescente pressupõe, de acordo com Amaral Dias (1988), a capacidade de "atacar" o sistema familiar real e fantasmado (sendo os efeitos perceptíveis
através das remodelações operadas nas instâncias intrapsíquicas e nas relações interpessoais ocorridas ao longo do processo adolescente).

Este "ataque" maturativo pode no entanto ser ressentido (a literatura confirma-o) como uma agressão, uma ameaça ao equilíbrio pessoal e familiar, podendo provocar
nos pais atitudes ambivalentes de aceitação e rejeição.

Processo de autonomia e desenvolvimento psicológica 247

Se os pais são sentidos como fortemente hostis, provocando no adolescente o sentimento de ser rejeitado, este não encontrará condições favoráveis para desencadear
activamente o processo de afirmação da sua identidade, sob pena de maior rejeição.

Por outras palavras, o vínculo onde predomina uma percepção de hostilidade não constitui um vínculo seguro, qualidade que se revelou ser essencial para o desenvolvimento
da autonomia desde a infância precoce (Ainsworth, 1985) e que, de acordo com os nossos resultados, continuará a ser uma qualidade essencial durante a adolescência.

A presença deste factor poderá contribuir para o estabelecimento de laços de maior dependência e conformismo aos pais, atitudes de rebelião ou ainda o "adoecer",
quadros prováveis que a nossa investigação, só por si, não pode confirmar.

A interpretação que, globalmente, fazemos dos nossos resultados é que a percepção de ter com os pais uma relação de aceitação da individualidade e de afecto positivo
fornece o contexto emocional seguro e os fundamentos psicológicos essenciais para o prosseguimento do processo de separação-individuação durante a adolescência.
Contexto essencial também para o

início dos comportamentos exploratórios (no sentido de Bowlby) e auto-orientados, constitutivos da autonomia comportamental.

Inversamente, um grau pobre de envolvimento afectivo, reflectido através da percepção adolescente de ter pais hostis ou rejeitantes, não criará os

fundamentos psicológicos nem a base segura a partir das quais se podem levar a cabo as tarefas da autonomia.

No entanto, o contexto educativo e emocional, que no nosso estudo aparece como o mais favorável ao desenvolvimento das capacidades de autonomia, não é idêntico no
período inicial e terminal da adolescência.

Na adolescência inicial, um grau muito elevado de envolvimento afectivo aos pais pode criar condições para uma interacção familiar de tipo "encadeamento" (no sentido
de Stierlin) e não permitir que o adolescente leve a cabo as tarefas desenvolvimentais da autonomia.

Na adolescência terminal, um grau muito elevado de envolvimento afectivo aos pais acompanha-se duma maior capacidade de realizar autonomia

248 Adolescência e autonomia

comportamental, e é um grau muito elevado de percepção do controlo parental que não criará condições favoráveis ao seu desenvolvimento.

Como conclusão de síntese poderíamos dizer que, se o processo de autonomia pressupõe o ataque à autoridade parental, ele não envolve uma ruptura ou o ataque ao vínculo
emocional aos pais. Pelo contrário, para se separar é preciso que o adolescente se sinta ligado aos pais através de um vínculo seguro, o que comprova o rigor da
conceptualização de Bowlby. Pensamos portanto que é de todo o interesse trazer para o campo da adolescência as

teorias do vínculo, de raiz etológica e psicanalítica, teorias que na nossa opinião se encontram em grande sintonia conceptual.

Por último, gostaríamos que o nosso trabalho de investigação, retrato possível de um grande universo de adolescentes portugueses, se constitua como uma base e um
estímulo para futuras investigações e que ele contribua para o desenvolvimento e fundamentação das intervenções na adolescência, sejam elas de carácter preventivo,
clínico, pedagógico, cultural ou outras.

CAPíTULO SEGUNDO

PARA UM MODELO DE COMPREENSÃO

DA ADOLESCÊNCIA

A reflexão que temos vindo a fazer sobre a psicologia da adolescência, apoiada quer nos resultados da investigação empírica que acabámos de apresentar e no resultado
de outros trabalhos que temos vindo a realizar ao longo da década de oitenta, quer na experiência clínica adquirida com a psicanálise de adolescentes, consubstancia-se
num conjunto de proposições cuja articulação propomos como uma contribuição para um modelo etológico-analítico de compreensão do processo de desenvolvimento adolescente:

1. A autonomia, tarefa desenvolvimental central do período adolescente, é na representação adolescente um conceito relacional, envolvendo mudanças nas relações e
nas representações de si próprio e do outro.

2. A autonomia é uma aquisição a conquistar, dizendo respeito à apropriação do corpo e à conquista de um espaço mental para pensar e para se relacionar fora da família,
passando o grupo de pares a ser tão ou mais preponderante que o grupo familiar

3. O desejo de autonomia, enquanto aspecto do processo psicológico de separação-individuação, manifesta-se vigorosamente e encontra-se presente já no período peripuberal.
O desejo de encontrar novos objectos de investimento e de novos alvos para o sistema pulsional fora da família mantém-se presente, do início ao final da adolescência,
conferindo ao processo adolescente um carácter eminentemente progressivo, o que contraria a perspectiva

252 Adolescência e autonomia

clássica que conceptualiza a adolescência mais como uma defesa contra o movimento regressivo do que como um movimento progressivo,

4. O desejo de autonomia antecede cronologicamente a capacidade de desobedecer aos pais e, tal como o concebemos, funciona como a motivação básica para a mudança
e o motor para a separação psicológica dos pais.

5. No processo de consolidação da identidade, processo caminhando a

par e passo com o processo de autonomia, a rapariga adolescente recorre

mais à imagem corporal e à casa como organizadores da sua feminilidade, enquanto o rapaz adolescente recorre mais à apropriação de um espaço fora de casa como organizador
da sua identidade masculina.

6. A passagem do desejo de autonomia para a capacidade de se autonomizar é conseguida à custa do desafio à autoridade parental, à custa da desobediência aos pais,
pressupondo este conflito importantes remodelações nas

instâncias super-egóicas, ideais e normativas, e importantes rearranjos nas

interacções pais-filhos.

7. Comparativamente ao Pai, a Mãe é a figura mais envolvida nos conflitos em torno da autonomia do adolescente, sendo a figura sobre a qual recai a regulação dos
comportamentos, excepto no comportamento de namoro

onde o par mais envolvido é o par heterossexual (rapariga-pai, rapaz-mãe), evocando a persistência da problemática edipiana.

8. À medida que os adolescentes conseguem ganhos na sua autonomização, os pais vão sendo sentidos como figuras dando cada vez menos

amor, apontando para uma percepção cada vez mais realista ou menos idealizada dos pais. Se este aspecto do processo denuncia o luto pela infância, o luto pelos objectos
do passado, o desejo de autonomia revela o desejo de se chegar, pelo desenvolvimento, a objectos novos e enriquecidos. Ele denuncia o desejo de conhecimento do diferente,
no próprio e no outro. Ele opera na teia dos três vínculos definidos por Bion - L (Amor), H (ódio), e

Para um modelo de compreensão cio adolescência 253

K (Conhecimento) -, permitindo a ultrapassagem do impasse gerado pelo Amor e pelo ódio às figuras parentais e está ao serviço do vínculo do Conhecimento (K).

9. Mas se o processo de autonomia pressupõe o ataque à autoridade parental e uma certa rebelião, ele não envolve uma ruptura ou o ataque ao vínculo emocional aos
pais. Pelo contrário. Para se separar psicologicamente é preciso que o adolescente se sinta ligado aos pais através de um vínculo

seguro, no sentido em que Bowlby o define.

10. A capacidade de se autonomizar está na estreita dependência, não só da capacidade dos pais tolerarem ou encorajarem a separação psicológica dos filhos, estimulando
comportamentos exploratórios fora do círculo familiar, mas também na dependência da qualidade emocional do vínculo que liga pais e filhos adolescentes. A percepção
interna de uma relação onde predomina o amor dos e para com os pais é um património valioso, garantia de protecção contra o sofrimento provocado pela "mudança catastrófica"
que se

opera na adolescência, reactivadora de fortes sentimentos de amor e ódio que presidiram às primeiras relações infantis.

11. Se a emoção básica for o amor, o adolescente progride na sua capacidade de se individuar e de se separar. Se a emoção básica for a hostilidade, o adolescente
não encontra a base segura (no sentido de Bowlby) a partir da qual inicia o processo de separação e pode fracassar nessa tarefa que Freud definiu corno "a mais necessária
mas também a mais penosa realização do desenvolvimento humano". Não encontra também modelos identificatórios suficientemente válidos a partir dos quais edificar
o ideal do ego.

12. Se a consolidação de um vínculo seguro às figuras que fornecem os

cuidados se revelou ser uma qualidade essencial para o desenvolvimento da autonomia desde a infância precoce (Bowlby, Ainsworth, Maliler), ele continua a ser uma
qualidade essencial no desenvolvimento psicológico do adolescente. Os pais, agora tal como na infância, permanecem figuras de grande

254 Adolescência e autonomia

importância, já que o trabalho psicológico da individuação adolescente está relacionado quer com os aspectos infantis quer com os aspectos contemporâneos da relação
com os pais.

13. A existência de um vínculo seguro aos pais - dado por uma percepção, por parte do adolescente, de ter uma relação com os pais em que predomina o amor e a aceitação
e não a hostilidade e a rejeição - revela-se fundamental, já que o adolescente tem de tomar agora a iniciativa de se individuar, rejeitar activamente os objectos
parentais, continentes saturados (no sentido de Bion), incapazes agora de desempenhar cabalmente a sua função de receber, conter e modificar as identificações projectivas
e as emoções intensas dos adolescentes.

14. Concebemos o desenvolvimento psicológico do adolescente segundo um modelo em dupla espiral, composto por duas linhas de desenvolvimento
- a da separação-individuação e a da vinculação - separadas, mas em

estreita interligação, que adquire configurações diferentes consoante a fase inicial, média ou final do período adolescente e consoante ainda o sexo do adolescente.
Este modelo não aceita a perspectiva duma Psicologia da Adolescência concebida como um todo homogéneo, sugere antes várias teorias que respeitem a especificidade
das tarefas desenvolvimentais das diferentes fases.

15. A espiral em dupla hélice cria o paradoxo gerador da mudança: para se poder separar e individualizar, como um indivíduo portador de identidade própria, o adolescente
precisa de se sentir ligado aos pais através de um vínculo seguro. Não estando seguro dos laços que o unem aos pais, e temendo uma perda de amor pelo facto de desejar
separar-se deles, o adolescente pode retrair-se na marcha para a tarefa da individualização, dando lugar ao impasse ou à paragem do desenvolvimento psicológico.

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ANEXOS

ESCALAS DO "1NVENTÁRIO DE PERCEPÇõES ADOLESCENTES"

AUTONOMIA

1 .Quem te deixa sair quando tu queres (it 1)
2. Quem te deixa vestir como queres (it 4)
3. Quem não te obriga a fazer coisas quando te queixas que não queres (it 7)
4. Quem te deixa fazer o que queres (it 10)
5. Quem te deixa gastar o teu dinheiro como queres (it 11)
6. Quem te deixa ficar acordado até tarde sem pedires (it 12)

AMOR

1 .Quem te ajuda a dar festas para os teus amigos (it 13)
2. Quem gosta de estar com os teus amigos em casa (it 14)
3. Quem é que os teus amigos admiram (it 16)
4. Quem quer ouvir as tuas ideias (it 17)
5. Quem fala contigo sobre coisas íntimas (it 22)
6. Quem quer saber como realmente te sentes (it 24)
7. Quem diz bem de ti (it 25)
8. Quem fala nas coisas bem feitas que tu fazes (it 26)
9. Quem diz que tens bom feitio (it 27)
10. Quem fica feliz por te ver quando chegas da escola (it 28) li. Quem gosta de discutir assuntos contigo (it 29)
12. Quem gosta de sair contigo (it 30)
13. Quem gosta de fazer coisas contigo (it 3 1)
14. Quem passa um tempo agradável contigo em casa (it 32)
15. Quem te fala com uma voz carinhosa e amiga (it 33)
16. Quem te sorri com frequência (it 34)
17. Quem te acarinhava e beijava ao deitar quando eras pequeno (it 35)
18. Quem diz que gosta de ti (it 36)
19. Quem te faz sentir melhor depois de falar contigo sobre os teus problemas (it 37)
20. Quem sabe como te sentes quando estás triste (it 38)
21. Quem te anima quando estás triste (it 39) 22. Quem te faz sentir melhor quando estás com medo (it 40)
23. Quem gosta de falar contigo sobre assuntos do dia-a-dia (it 4 1)

272 Adolescência e autonomia

24. Quem te incentiva a ler (it 43)
25. Quem te diz onde poderás encontrar aquilo que queres saber (it 44)
26. Quem gosta mais de ficar contigo em casa do que sair (it 45)
27. Quem te faz sentir importante (it 47)
28. Quem te dá carinho e atenção (it 48)
29. Quem quer que passes bastante tempo na sua companhia (it 49)
30. Quem te dá muita atenção em casa (it 52)

CONTROLO

1 . Quem te está sempre a dizer como deves comportar-te (it 64)
2. Quem te diz quanto sacrificou por ti (it 66)
3. Quem te diz tudo o que fez por ti (it 67)
4. Quem deseja dizer-te o que deves fazer (it 7 1)
5. Quem te castiga quando não fazes o que se espera que faças (it 78)
6. Quem insiste para que acabes o teu trabalho (it 82)
7. Quem não te deixa em paz até fazeres o que te mandam (it 84)
8. Quem pensa que devias ter melhores resultados na escola (it 85)
9. Quem se queixa do que tu fazes (it 37)
10. Quem fica zangado contigo se não ajudas em casa (it 89)

HOSTILIDADE

1 . Quem não "liga" quando fazes qualquer coisa errada (it 6)
2. Quem pergunta aos outros o que fizeste fora de casa (it 58)
3. Quem é muito severo contigo (it 73)
4. Quem te castiga severamente (it 77)
5. Quem te castiga pela mais pequena coisa (it 79)
6. Quem arranja as coisas de maneira que andes sempre aflito (it 80)
7. Quem se zanga quando fazes perguntas (it 90) S. Quem reage como se estivesses a mais (it 93)
9. Quem te faz sentir que não te ama (it 94)
10. Quem parece satisfeito por se afastar de ti (it 96)
11. Quem parece não saber aquilo que precisas ou queres (it 98)
12. Quem se esquece de te ajudar quando precisas (it 991)
13. Quem não quer fazer coisas contigo Ot 100)
14. Quem não conversa muito contigo Gt 101)
15. Quem passa muito pouco tempo contigo (it 102)
16. Quem não quer falar muito contigo (ii 103)
17. Quem não dá muita importância a se és bom na escola ou em casa (it 104)

F: c

2 @ll

o 5 L@ CD

61

1

@

3 'C@.

274

Adolescência e autonomia

COMPORTAMENTOS

Idade em que comecei a fazer

1. Decorar a parte de casa onde durmo como quiser

2. Usar a roupa e o penteado que gosto

3. Gastar o meu próprio dinheiro como quiser

4. Sair à noite

5. Sair sem dizer onde vou

6. Sair e entrar às horas que quero

7. Passar fins-de-semana fora de casa (com amigos, por exemplo)

S. Passar férias sem a companhia de familiares

9. Namorar

10. Resolver os meus próprios assuntos ou problemas

sem interferência dos pais

anos

anos

anos

anos

anos

anos

11. Seguir as minhas próprias ideias (religiosas, políticas,

áreas de estudo, etc.)

anos

anos

anos

anos

anos

Este livro faz uma análise do estado actual do conhecimento científico sobre a Adolescência, oferecendo uma revisão das teorias psicológicas mais representativas
e dos trabalhos de investigação produzidos, oriundos de diferentes posições teóricas. Apresenta uma aprofundada investigação realizada com adolescentes portugueses,
na qual se apreende o percurso evolutivo dos rapazes e das raparigas, na dupla vertente: mudanças no comportamento e interferência das práticas educativas e dos
laços afectivos aos pais no processo de autonomia. O livro propõe, finalmente, um novo modelo psico16gico de compreensão da adolescência que tem em conta uma dupla
espiral em evolução: a do vínculo aos pais e o do separaçã o e autonomia, as questões cruciais deste período etário.

"A ênfase posta por Manuela Fleming no
processo autonárníco, verdadeira mudança catastrófica desenvolvimental, é um
desafio aos nossos tradicionais modelos de pensar. É aliás esta a riqueza da obra. Inteligente e elegante, pertinente e subvertora, nela se notam as invulgares capacidades
da sua autora e a rara preparação que neste nível possui".

Carlos Amaral Dias

"Adolescência e Autonomia é a realização mais importante na área, que durante a década de oitenta a autora trabalhou com determinação e inteligência, alicerçada
numa vasta cultura em Psicologia do Desenvolvimento e numa sólida experiência clínica em Psicoterapia do Adolescente e Terapia Familiar".

Eurico FIGUEIREDO

Um comentário:

Cris Bottaro disse...

Olá começo me desculpando por não ter podido vir aqui antes do Natal, fiquei sem internet uns dias, Mas estou aqui para deixar para você e sua fampilia meus melhores votos de felicidade! Muita paz, amor, saúde e felicidade!!! Um beijo enorme em seus corações!!! FELIZ 2012!!!