Vitor da Fonseca
Índice
PREFÁCIO DA 2. ^ EDIÇÃO... 7
INTRODUÇÃO 13
Capítulo 1
PASSADO E PRESENTE NAS DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM... . . 17
Os grandes pioneiros... 17
Perspectivas lesionais e cerebrais... ... ... . . 22
Perspectivas perceptivo-motoras das DA 24
Perspectivas de linguagem... ... . 29
Perspectivas neuropsicológicas das DA. 63
Perspectiva de integração... ... . . 65
Algumas perspectivas actuais... . g2
Modelo interaccional, de Adelman... ... . . g3
Teoria integrada da informação, de Senf g4
Teoria do desenvolvimento das capacidades perceptivas e cognitivas, de Satz
e Van Nostrand... . . g6
Teoria do atraso de desenvolvimento da atenção selectiva, de Ross... ... . 88
Hipótese do défice verbal, de Vellutino g9
Hipótese do educando inactivo, de Torgesen... . . 90
Modelo hierarquizado, de Wiener e Cromer... . 92
Capítulo 2
DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM: ANÁLISE CONTEXTUAL E NOVOS DESAFIOS... . . 93
Definição de DA 95
Expectativas sobre as DA 97
Modelos de avaliação das DA... 9g
Método de intervenção nas DA. 1Q
Novos desafios para as DA... ... . . 101
Problemática da définição da criança com dificuldades de áprendizagem 105
Modelos teóricos das dificuldades de aprendizagem... ... 113
CAPÍTULO 3
ETIOLOGIA E EPIDEMIOLOGIA DAS DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM... . 1I 9
565
INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
Aspectos gerais, condições associadas e problemas de definição... ... ... . 119 Factores etiológicos das dificuldades de aprendizagem 133 Factores biológicos...
135 Factores genéticos... ... . 137 Factores pré, peri e pós-natais. 140 Factores neurobiológicos e neurofisiológicos... 142 Factores sociais 148
CAPÍTULO 4
VISÃO INTEGRADA DA APRENDIZAGEM 163 Aprendizagem e comportamento. :. 163 Teorias da aprendizagem. 164 Aprendizagem humana e aprendizagem animal 166 Aprendizagem,
estímulo, reflexo e condicionamento... 167 Aprendizagem e motivação... . . 168 Aprendizagem, habituação e reforço... . 168 Aprendizagem e encadeamento 168 Aprendizagem
e discriminação 168 Aprendizagem e memória... ... . . 169 Aprendizagem, noção de desenvolvimento, noção de deficiência e de dificuldade de aprendizagem... ... .
170 Condições de aprendizagem: neurobiológicas, socioculturais e psicoemocionais 175 Sistemas psiconeurológicos de aprendizagem. . 177
CAPÍTULO 5
CONTRIBUIÇÕES DA PSICONEUROLOGIA PARA AS DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM. . 189
Relações entre o cérebro e o comportamento e entre o cérebro e a aprendizagem 189 Interdependência das capacidades psiconeurológicas da aprendizagem 206 Alguns factores
psiconeurológicos implicados nas DA 224
CAPfTULo 6
TAXONOMIA DAS DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM 243 Definições. 244 Dificuldades e incapacidades de aprendizagem (agnosias, afasias e apraxias)... 249 Dificuldades de
aprendizagem não verbais... . . 251 Dificuldades de aprendizagem primárias e secundárias 273 Taxonomia das DA e hierarquia da linguágem 277
CAPÍTULO 7
NECESSIDADES DA CRIANÇA EM IDADE PRÉ-ESCOLAR... ... . . . 303
Introdução... . . . 303
Necessidades da criança em idade pré-escolar . 305
Algumas reflexões práticas para a criança em idade pré-escolar . 314
CaPírULo 8
DESPISTAGEM E IDENTIFICAÇÃO PRECOCE DE DIFICULDADES DE
APRENDIZAGEM . 323
CAPÍTULO 9
DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM E APRENDIZAGEM... ... . . . 347
Factores psicodinâmicos e sociodinâmicos... ... . 350
566
ÍNDICE
Função do sistema nervoso periférico (SNP)... . 351
Funções do sistema nervoso central (SNC)... ... . 355
CAPÍTULO 1O...
ALGUMAS CARACTERÍSTICAS DAS CRIANÇAS COM DIFICULDADES
DE APRENDIZAGEM... . 361
Problemas de atenção. . 362
Problemas perceptivos. 364
Problemas emocionais. . 377
Froblemas de memória 379
Problemas cognitivos... 384
Problemas psicolinguísticos... ... 396
Problemas psicomotores 402
CAPÍTCTLO 11
PROFICIÊNCIA MOTORA EM CRIANÇAS NORMAIS E EM CRIANÇAS
COM DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM... . 407
Estudo comparativo e correlativo com base no Teste de Proficiência Motora
de Bruininks- Oseretsky... . . 407
CAPÍ1'CILo 12
ALGUNS ASPECTOS DA CARACTERIZAÇÃO PSICONEUROLÓGICA DA
CRIANÇA E DO JOVEM COM DISFUNÇÃO CEREBRAL M VIMA... . 441
Disfunção cerebral mínima (DCM) e confusão neurofuncional máxima 441
Caracterização psicomotora... ... . 447
Caracterização socioemocional e compQrtamental... ... ... 453
Caracterização cognitiva 455
CAPfTULO
DISSECAÇÃO DO CONCEITO DE DISLEXIA 459
Causas exógenas e endógenas... 460
Processo de leitura... ... . 462
Dificuldades auditivas (dislexia e auditiva disfonética). . 471
Dificuldades visuais (dislexia visual discidética) 472
CAPÍ'I'LILO 14
ALGUNS FUNDAMENTOS PSICONEUROLÓGICOS E PSICOMOTORES
DA DISLEXIA... ... . 475
Substratos neurológicos da leitura... ... ... 484
Perfil psicomotor da criança disléxica. Introdução à síndroma dislexia mais dispraxia 494
Algumas implicações para a mvestigaçao futura 507
CAPfrutO 15
DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM VERSUS INSUCESSO ESCOLAR... 509
CAPÍ'TULO 16
(IN)CONCLUSÕES... ... 521
BIBLIOGRAFIA 537
SIGLAS E ACRÓNIMOS... ... ... 563
567
PREFÁCIO DA 2. " EDIÇÃO
Pais, professores e responsáveis pela educação em geral, todos sem excepção, têm-se preocupado e preocupam-se com a questão das dificuldades de aprendizagem
(DA) em todos os graus de ensino e em todos os níveis de formação dos recursos humanos, visto que, em última análise, se trata de preparar o futuro de uma sociedade.
Portugal é certamente um país onde o problema das DA e o consequente fenómeno sociocultural e socioeconómico do insucesso escolar e profissional não tem
merecido dos líderes e dos responsáveis do sector uma abordagem integrada nem longitudinal, uma vez que a implicação deste facto crucial e controverso dos sistemas
de ensino e de formação joga cam a qualificação futura da força de trabalho duma nação e com a integração social plena dos seus cidadãos.
Com a taxa de ensino pré primário muito baixa, com as percentagens ameaçadoras de insucesso escolar nos ensinos básico e secundário, apesar dos novos sistemas
de avaliação, com a pobreza de recursos humanos e té cnicos do ensino especial, com a vulnerável qualifica ão cognitiva e social dos cursos técnicos e dos programas
de transição para a vida activa, com a impreparação cientifica e pedagógica assustadora de muitos cursos superiores, com cursos de formação profissional extremamente
limitados na adaptabilidade à mudanÇa tecnológica, com uma taxa de analfabetismo técnico efi ncional critica em termos de desenvolvimento económico, etc. , o panorama
não é animador e a meta da democracia cognitiva não será certamente alcançada na próxima década.
A <<exclusão de crianças, jovens e adultos com DA das políticas de educação e de formação não tem sido acidental, ela enferma de uma atitude passiva e pessimista
em relação ao potencial de desenvolvimento do indivíduo.
Conceber que, ao longo da evolução da espécie, o ser humano foi portador de potencial de modificabilidade e de adaptabilidade, independentemente das suas
dificuldadés adaptativas, e conceber que a criança, o jovem ou o adulto (porque não o idoso ?), ao longo do seu percurso educativo formativo,
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INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
têm potencial cognitivo de transformação e de criatividade, independentemente das suas DA, tem sido uma crenÇa" muito vulnerável e frágil, assunÇão esta que, infelizmente,
paira em inúmeros agentes de ensino e de formaÇão entre nós. As nossas taxas de reprovação escolar e os indicadores de aproveitamento aeadémico comprovam-no friamente,
apesar das camuflagens subtis que são conhecidas.
Se os agentes de ensino ou de formaÇão adoptarem uma atitude activa e optimista em rela ão ao potencial da pessoa (criança, jovem ou adulto), e se se criar
essa crença com DA, poderão ter a alternativa de maximizaÇão dos seus potenciais cognitivos e não o seu progressivo empobrecimento e, estarão certamente mais integrados
e realizados pessoal e socialmente e, consequentemente, mais preparados para os desafios das mudanças tecnológicas aceleradas que caracterizam as sociedades actuais.
Para se operar esta modificação estrutural de atitudes no contexto das DA, é necessário ter um pensamento educacional mais baseado no sentimento de competência
do que no sentimento de incompetência, quer dos actores do ensino, quer dos da aprendizagem.
Assim, como é impossivel dissociar em termos de desenvolvimento, a criança do adulto, também é irracional separar o ensino da aprendizagem, porque há entre
ambos uma identidade interactiva fundamental, na medida em que a aprendizagem ilustra e é condição do ensino; daí que seja difícil separar também as dificuldades
de aprendizagem das dificuldades de ensino.
Em síntese, para cada dislexia (termo que simplesmente quer dizer diflculdade de aprendizagem da leitura inerente à pessoa em formação) há uma dispedagogia
(termo que unicamente quer ilustrar uma dificuldade em diagnosticar e compensar as necessidades educacionais dos formandos). Sem expandir e ampliar os sentimentos
de competência das crianças ou dos formandos e dos professores ou dos formadores, não é possivel produzir mudanças qualitativas e substanciais no macrocontexto das
DA.
As crianças, os jovens e os adultos com DA ainda não são reconhecidos como uma nova taxonomia educacional, por isso estão perdidos conceptualmente entre
o dito ensino regular" e o dito ensino especial, transcendente e complexo, ou seja, o que separa a denominada unormalidade da dita excepcionalidade,
Independentemente de algumas iniciativas fragmentadas como o extinto PIPSE, as DA são vistas por muitos administradores e gestores educacionais como uma
verdadeira ameaÇa orÇamental quando os fundos para a edueação, para os serviços de apoio pedagógico, para o desenvolvimento de modelos, estratégias e adaptações
curriculares, para a investigação e inovação educacional, etc. são efectivamente de parca eftciência.
Directores de serviços de edueação e de formação, coordenadores, administradores, legisladores, professores, investigadores, psicólogos e médicos eseolares
e demais responsáveis, partindo de perspectivas diferentes e antagónicas sobre as DA, necessitam de informações válidas e cientificamente
PREFÁCIO DA 2. " EDI 'ÃO
fidedignas sobre esta polémica, não de meras opiniões ou palpites insubstanciados, pressupostos economicist. as ou administrativos, para suportarem os seus juízos
e decisões, que em último caso se reflectem no futuro de crianças, jovens e adultos considerados, justamente, nada mais nada menos, o maior capital de que um país
desfruta.
De acordo com a Organização Mundial de Saúde, as crianças e os jovens com DA representam hoje o maior grupo do sistema escolar (55%), comparativamente com
as crianças e os jovens supra ou sobredotados e ou <<normais com bom ou médio aproveitamento escolar (25%), os quais, desde a entrada no sistema pré-primário até
à saída do sistema universitário, nunca evidenciaram DA. A mesma fonte aponta crianças e jovens portadores de deficiências ou desordens (20%), que evidenciam já
necessidades especiais antes da entrada no sistema, ou eventualmente vêm a adquiri-las durante o seu percurso de desenvolvimento.
O número de crianças e jovens com DA é desconhecido no sistema escolar português, porque não há consenso sobre a sua elegibilidade ou a sua identificação,
mas a taxa de insucesso escolar é talvez a mais alta dos países da UE.
Cerca de 35 000 crianças no ensino primário são repetentes (fonte do Ministério da Educação de 1988; os números actuais são desconhecidos e imprecisos, tendo
em atenção o período experimental do novo sistema de avaliação). O número de jovens repetentes no ensino secundário reduz-se sensivelmente, mas sabe-se que tal é
devido ao abandono escolar e ao trabalho infantil, situações socioculturais de risco, verdadeiramente indutoras de fenómenos de exclusão social muito problemáticos.
A urgência, portanto, de uma perspectiva preventiva das DA desde a escola primária torna-se evidente à luz destes pressupostos; para isso é necessário apoiar
a investiga ão educacional que vise a identificação precoce, pragmática e económica de tais casos, o que implica necessariamente acções estratégicas de intervenÇão
compensatória.
Para se identificar crian as e jovens com DA, é necessário que se vá mais longe do que até à olimpica constata ão de repetências ou meros aproveitamentos
académicos abaixo da média, pois torna-se premente apurar psicoeducacionalmente uma gama de características que constituem uma definição de DA testável, defmição
hoje ainda inexistente no nosso sistema de ensino, e, quanto a nós, comprovativa da cristalina defesa dos direitos humanos inerentes à criança e ao jovem.
Das muitas definições já avançadas por eminentes investigadores e academias de renome internacional; a definição do Comité Nacional Americano de Dificuldades
de Aprendizagem (National Joint Commitee of Learning Disabilities - NJCLD 1988) é presentemente a que reúne maior consenso.
Pela importância que ela pode ter para pais, professores, administradores e investigado. r vejamos de perto a sua defmição de DA: <<DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM
é uma expressão genérica que refere um grupo
heterogéneo de desordens manifestadas por dificuldades significativas na
INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
aQuisição e no uso da compreensão auditiva, da fala, da leitura, da escrita e da matemática. Tais desordens são intrinsecas ao individuo, presumindo-se que sejam
devidas a uma disfi nção do sistema nervoso que pode ocorrer e manifestar-se durante toda a vida. Problemas na auto- regulação do comportamento, na atençâo, na percepção
e na interacção social podem coexistir com as DA. Apesar de as DA ocorrerem com outras deficiências (ex. : deficiência sensorial, deficiência mental, distúrbio socioemocional)
ou com infiuências extrinsecas (ex. : diferenças culturais, insuficiente ou inadequada instrução pedagógica), elas não são o resultado de tais condições. "
De facto, a expressão DA" é usada para designar um fenómeno extremamente complexo, independentemente desta definição. O campo das DA abrange uma desorganizada
variedade de conceitos, critérios, teorias, modelos e hipóteses. Efectivamente, as DA têm sido uma área obscura e uma espécie de esponja sociológica" onde cabe
tudo, desde os imensos problemas pedagógicos inadequados até a uma enorme variedade de factores estranhos ao processo ensino-aprendizagem.
No campo educacional, muitos dos que ensinam estudantes normais" não têm dúvidas em sugerir para eles uma colocação segregativa e não integrativa. Não se
consegue um consenso na definição das DA, porque elas têm emergido mais de pressões e necessidades sociais e politicas do que de bases cientificas.
Há necessidade de compreender, portanto, que mesmo na presença de uma pedagogia considerada eficiente, as DA não desaparecem nas crianças ou nos jovens que
as evidenciam. De modo a minimizar a confusão crónica neste domínio, precisamos de uma aproximação científica ao estudo das DA. A falta de um enquadramento teórico
é assim, talvez, uma das razões do caos semântico do sector, porque a ambiguidade alastra e a criação ou a promulgação de serviços de apoio são ainda muito restritas
e limitadas.
Em Portugal, muitas crianças são identificadas com base em critérios psicopedagógicos arbitrários e em avaliações médicas e psicológicas convencionais. Não
existe uma identificação no sentido ecológico e psicoeducacional. Muitas crianças e muitos jovens são excluídos dos serviços de apoio, enquanto outros não são incluídos,
mesmo não tendo sido identificados objectivamente como revelando DA.
Quais são os pontos comuns e discordantes entre os estudantes com DA? Haverá subtipos de DA? Quais são as variáveis e os marcadores mais relevantes? Como
podemos identificar os problemas mais subtis ou mais marcantes? Quem está devidamente especializado para observar e (re)educar estas crianças e estes jovens?
Sem uma resposta adequada a estas perguntas, novas confusões vão conúnuar a emergir e provavelmente muitos gastos financeiros vão ser desperdiçados,
apesar de muitos pais continuarem mais ansiosos porque os seus filhos não estão a receber o apoio adequado e de milhares de professores,
10
PREFÁCIO DA 2. " EDlÇÃO
reeducadores, médicos, terapeutas e psicólogos praticarem diariamente a identificação e tentarem a reeducação e a reabilitação das crianças e dos jovens com DA.
Dos 100 comportamentos mais referidos nos estudantes ou formandos com DA pela literatura internacional especializada, os 10 mais referenciados são os seguintes:
problemas de hiperactividade, problemas psicomotores, problemas de orienta ão espacial, labilidade emocional e motivacional, impulsividade, problemas de memória,
problemas cognitivos de processa mento de infoimação, problemas de audição e de linguagem, sinais neuro lógicos difi sos e dificuldades especificas na aprendizagem
da leitura, da escrita e da matemática.
Isto é, as DA envolvem disfi nções num ou mais dos processos de re cepção, integraÇão, elaboraÇão e expressão de informação (sistemas neurofuncionais da
aprendizagem) que afectam o desempenho e o rendimento escolar.
Precisamos realmente de determinar na definição da criança e do jovem com DA o que é que não são (conceito de exclusão) e o que são ou o que revelam em termos
comportamentais (conceito de inclusão).
Em termos de exclusão, destacamos: l. o não aprendem normalmente; 2 " não têm qualquer deficiência (sensorial, mental, emocional, ou motora); e 3 ", não
advêm de meios familiares ou sociais de extrema privação cultural ou económica.
Em termos de inclusão, dèstacamos: 1. " evidenciam uma DA específica e não geral; 2. o revelam discrepância entre o seu potencial normal (em termos de quociente
intelectual - QI - ele deve ser igual ou superior a 80, sensivelmente, cerca de um desvio-padrão aquém da média que é de 100) e o seu perfil psicoeducacional de
áreas fortes e fracas que substancia a sua elegibilidade e o seu encaminhamento; 3. o revelam dificuldades no processamento da informação inerentes a qualquer processo
de aprendizagem.
O conceito de necessidades educativas especiais co sig ádó no Decreto-Lei n " 319/91 é um avanço de grande alcance, na, m i á e n que todos estes parâmetros
e pressupostos de definição estão c nsa 'á Qs. Falta agora juntar outros desafios relevantes para que a orgánizaçao da esposta dos serviços educacionais possa ser
mais humanizada é socialmente mais prospectiva em termos da qualificação de recursos humanos.
A questão das DA nunca poderá ser equivalente a uma questão pessoal ou individual, e muito menos uma questão de insucesso da criança ou do jovem formando,
porque não há caracteristicas ou comportamentos especi ficos do estudante com DA, isto é, as suas características em termos globais são semelhantes à dos outros
processos de avaliação de potencial e outros programas de intervenção mais adequados a cada caso, porque cada caso, porque cada criança ou jovem é um ser único,
evolutivo e total.
A inadequabilidade e a imutabilidade científica adstrita a muitos testes psicométricos deve dar lugar a outros processos mais dinâmicos e hipotéÚ
11
INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
cos, mais explicativos do que descritivos. O diagnóstico como conswcto deve-estar-a no, e não fechado, a diferentes níveis de análise (importâneia das equipas mùftidisciplinares;
pers ivar mais como a criança ou o jovem com DA vai aprender no futuródo que como não aprendeu no passado).
Regra geral, os que têm trabalhado só com erianças normais, com médio ou bom aproveitamento escolar, podem não compreender como pequenos problemas de aprendizagem
(de input ou output) podem influenciar o desempenho de crianças e jovens com DA. A tradicional avaliação psicométrica baseada no QI é ainda, em muitos casos, uma
base exclusiva para o encaminhamento educacional; consequentemente, pode haver o perigo de o sistema escolar ser super ou subinclusivo. A avaliação psicoeducacional
é uma das áreas fracas no campo das DA em Ponugal - cerca de 6 lo dos estudantes identificados com o insucesso escolar não satisfazem a definição de DA da literatura
internacional.
Em síntese, um número de crianças e jovens que experimentaram dificuldades na sala de aula regular pode ultrapassá-las através de uma instrução mais enriquecida
e individualizada. O objectivo da avaliação psicoeducacronal deve levar a melhores métodos e estratégias de intervenção, e aqui o desafio é mais do professor do
que do aluno, pelo que o seu treino especializado e o seu aperfei oamento têm de ser equacionados.
A demasiada confiança no QI, nas idades mentais e nos índices médios de aproveitamento escolar continua a guiar a maioria das decisões administrativo-educacionais
das crianças e jovens com DA no sistema escolar português, sem que se tome em linha de conta que a avaliação psicoeducacional só por si não tem relevância educacional
ou cunieular e raramente leva a um apropriado programa educaeional individualizado (PEI).
Os sistemas de ensino e de formação têm de enfrentar uma série de desafios para ajudar as crianças e os jovens com DA, senão vedamos-lhes os seus direitos
e comprometemos a qualificação futura dos nossos recursos humanos. A não ser que os vários técnicos de apoio educativo se dediquem a tais desafios, as grandes esperanças
dos pais e dos pioneiros na pesquisa educacional das DA terão os seus sonhos e esforços desfeitos. A crença no potencial humano de muitas crianÇas e muitos jovens
merece que nos dediquemos à resolu ão estratégica e atempada das suas difrculdades. É disso que trata este livro.
Nova Oeiras, Maio de 1999
O AUTOR
12
INTRODUÇÃO
Ao apresentar o actual volume, queremos alenar que não se trata de um trabaiho planificado ou eswturado como era nosso desejo. Compreende um esforço, modesto,
mas necessárío, para responder a algumas preocupações e a inúmeras confusões, dada a atenção que hoje a sociedade dedica à problemáúca da aprendizagem escolar.
O campo das di culdades de aprendizagem (DA) é fértil em concepções unidimensionais e em divisões conceptuais entre os diferentes profissionais que o integram,
nom ente médicos, psicólogos e professores. Toda a gente se convence de que o seù conhecimento é suficiente, independentemente de poucos esforços, estudos ou investigações
interdisciplinares terem sido tentados.
No sentido de criar temas de discussão interdisciplinar e cienúficopedagógica, vimos por agora lançar algumas reflexões que resultam de 10 anos de pesquisa
e intervenção no âmbito das DA, quer no respeitante à orientação reeducativa de crianças, iniciada no Centro de Investigação Pedagógica da Fundação Calouste Gulbenkian
(de 1972 a 1975) e continuada no Consultório Médico-Psicopedagógico e aprofundada no CLIMEFIRE, quer no que respeita à formação de professores do ensino especial
no Instituto António Aurélio da Costa Ferreira (IAACF) (1976, 1977, 1978, 1979) e de psicólogos no Instituto Superior de Psicologia Aplicada (ISPA), quer ainda nalgumas
tentativas; lamentavelmente acidentais e episódicas, que vamos fazendo em investigação.
Com o presente estudo pretendemos abordar alguns aspectos que tentam explicar porque é que algumas crianças, independentemente das suas inteligências normais,
das suas adequadas acuidades sensoriais, dos seus adequados comportamentos motores e socioemocionais, não aprendem normalmente a ler, a escrever e a contar.
A render envolve processos complexos e determinado número de con dições e oponunidadés. Os processos complexos, uns de natureza psicoló gica, outms de natureza
neurológica (condições internas psiconeurológicas),
13
INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
compreendem o perfil intraindividual do educando, que obviamente nos remete para os estudos das dificuldades de aprendizagem, da patologia da linguagem, da psicologia
clínica, da neuropsicologia e da neurolinguística e muitos outros conteúdos relacionados. As condições e as oportunidades, umas sócio e psicodinâmicas, outras culturais
e económicas (condições externas psicopedagógicas), compreendem o perfil científico-relacional do educador, que obviamente nos remete para os estudos das teorias
da comunicação, das teorias do comportamento, da modificação do comportamento, da psicoterapia e da psiquiatria, dos processos psicolinguísticos de transmissão-aquisição,
dos processos de informação, formação e transformação, dos processos de caracterização e observação pedagógica, dos condicionalismos sociais da educação e dá educação
especial, para o processo sistemático e total do ensino-e-da- aprendizagem etc. , para além de muitos outros conteúdos inter- relacioziados.
O objectivo prioritário deste nosso trabalho é contribuir para o estudo da natureza da aprendizagem humana e dos seus processos. Aprendizagem concebida como
a capacidade de processar, armazenar e usar a informação, ao ponto de a estruturar em condições de intervenção e investigação aplicada, para daí se obter dados que
impliquem a melhoria, o progresso, a compreensão e, fundamentalmente, a prevenção e a intervenção no âmbito da DA.
Pretendemos igualmente avançar com algumas relações entre os processos psicológicos e os processos neurológicos, uns em relação dialéctica com os outros,
em termos, inequivocamente, de aprendizagem humana e suas alterações e afinidades, e não em termos experimentais ou patológicos, que cabem obviamente aos neurologistas.
Não desejamos penetrar em competências alheias; apenas teremos de nos referir aos processos neurológicos na medida em que é hoje impossível separar o estudo da aprendizagem
humana e da linguagem do estudo do sistema nervoso, visto ser incontes= tável a afirmação de que é efectivamente o cérebro o órgão da aprendizagem.
De acordo com os dados da investigação, quer no âmbito da DA, quer no das dificuldades de leitura (dislexia), habitualmente identificados, embora sejam coisas
diferentes, há entre eles campos e inter-relações básicas a ter em conta. No entanto, muitas crianças que não aprendem a ler não apresentam dificuldades de aprendizagem
noutros conteúdos, enquanto outras revelam dificuldades em todas as áreas. Através da investigação, constatou-se que podem surgir crianças disléxicas com quociente
intelectual superior à média, enquanto crianças deficientes mentais educáveis obtêm níveis de competência na leitura.
A presente obra procura, preliminarmente, pôr em destaque os requisitos psiconeurológicos fundamentais da aprendizagem simbólica, visando apresentar posteriormente,
em segundo volume, sugestões e ideias quanto a modelos de identificação precoce, estratégias de planificação educacional,
14
INTRODUÇÃO
abordagens da intervenção reeducativa, processos de observação informal, de avaliação contínua e de caracterização pedagógica, etc. , com a finalidade de virem a
ser aplicados no ensino de crianças com DA.
Trata-se, simultaneamente, de um livro de estudo e de um manual peda gógico que pode ser útil e de interesse a educadores de infância, professores primários,
professores do ensino especial, reeducadores, professores do ensino secundário, psicólogos, terapeutas, orientadores escolares, médicos escolares, pais, estudantes
destas áreas, etc.
Basicamente, resulta do trabalho que desenvolvemos e orientámos com a colaboração de ex-alunos de Psicologia, quando fui rèsponsável pelo já extinto Depártamento
de Dificuldades de Aprendizagem na formação e pós- graduação de professores do ensino especial no IAACF; durante os anos de 1976-1979. No Gabinete de Estudos e Intervenção
Psicopedagógica (GEIPP) do ISPA, démos continuidade a outros projectos; porém, a exiguidade dos recursos e a incompreensão institucional não permitiram ir mais longe.
Visto tratar-se de uma introdução, os diferentes capítulos não se encontram analisados com a profundidade que o assunto réquer. De momento desejamos atrair
leitores na base de uma linguagem, tanto quanto possível, acessível e pedagógica, porém muitas vezes simplificada, não podendo evitar, noutras passagens, a inclusão
de termos técnicos e científicos.
O livro está estruturado numa dimensão mais teórica, pois procura reunir novas perspectivas com abordagens já publicadas em ar tigos dispersos em várias
revistas e que ágora se reunifica conceptualmente. Integramos aí aspectos introdutórios das DA que englobam perspectivas integradas da aprendizagem humana, dados
epidemiológicos e etiológicos, taxonomia das DA, características das crianças com DA, estudos de dislexia e do insucesso escolar, etc. Num segundo volume, e se este
resultar, com uma visão mais prática, procuraremos integrar aspectos da observação, do diagnóstico e da intervenção reeducativa, para além de apresentar alguns dados
dos nossos mais recentes trabalhos de investigação.
Não podemos deixar de focar que este trabalho resulta de uma certa contestação ao que se tem feito em Portugal, que neste domínio é preferenciado por perspectivas
francesas. Em certa medida, é um compromisso que assumimos com a nossa formação de pós-licenciado [Master of Arts (MA)) em DA e em Educação Especial pela Universidade
de Northwestern-Evanston, Chicago.
No interesse das crianças com DA, não meramente em afirmações pes soais ou em defesa de ucorrentes" pedagógicas, aqui abrimos um conjunto de estudos sobre
o tema.
Os nossos trabalhos visam e procuram essencialmente a troca de processos e ideias que possam vir a contribuir para maximizar e modificabilizar o potencial
simbólicó e cognitivo das crianças e, assim, optimizar a sua intervenção social e futura num mundo onde, de facto, a alfabetização e a cognição são condição sine
qua non da liberdade humana.
IS
INSUCESSO ESCOIAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGbGICA
O CamPO das DA evoluirá, quanto a nós, na razão directa dos resultados
da investigação. É este o futuro desafio, e vai ser neste sentido que vamos dirigir o nosso esforço continuado, mesmo que momentaneamente seja rejeitado ou incompreendido.
A todos os nossos alunos do IAACF e do ISPA um obrigado especial
la motivação que constituíram. não só pelas leituras necessárias que exige
a preparação das suas aulas, bem como pelas reflexões e debates que nelas surgiram.
A todos os professores primários e secundários, professores do ensino es ial e psicólogos, que vão tendo a atenção, a paciência e a curiosidade pe o que
vamos transmiúndo em inúmeras acções de formação, outro obrigado pelos subsídios que deixam nos nossos diálogos realizadores. Aos nossos colegas de trabalho e amigos
Nelson Mendes, Maria Ceci ia Corrêa Mendes, Arquimedes Silva Santos, Ramos Lampreia, Olga Miranda, Helena Se ueira, Vítor Soares e mais elementos do ex-Gabinete
de Estudos e In rvenção Psicopedagógica do ISPA, um agradecimento significativo pela dinâmica das nossas conversas e das nossas realizações, bem como pelas sugestões
de alteração do texto, que em muito permitiram o alargamento, o refmamento e o aprofundamento das ideias que agora se materializam.
Outm agradecimento indispensável e necessário estende-se ao projecto CLiMEFIRE em prol da reabilitação humana em Portugal, onde se abrem perspectivas verdadeiramente
ímpares para concretizar as ideias aqui ex ostas. Principalmente aos seus responsáveis e à equipa de terapeutas da Miniclínica e a todos os demais colaboradores,
um obrigado muito especial pelo que nos têm proporcionado.
Não podemos esquecer igualmente a acção estimuladora dos nossos amigos e colegas espanhóis do CITAP (Centro de Investigação de Terapias A licadas
à Psicomotricidade) e italianos da SIPCOM (Società de Investig ione per la Patologia della Comunicazione e della Motricità), pela solicitação que nos têm feito
paca aí realizar cursos de formação nesta área.
Este livro é, também, com a gratidão que é necessário realçar, o resultado da compreensão de minha mulher por esta actividade e da tolerância dos
meus filhos, Saca, Rodrigo e João, por lhes ocupar o seu tempo livre em experiências, ou por lhes coibir esse direito quando me solicitam e não os acompanho.
Um agradecimento inconcluso paca os meus reeducandos e respectivos familiares, que muito nos têm ensinado e sem os quais este trabalho não seria
possível.
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CAPÍTULO 1
PASSADO E PRESENTE
NAS DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM
Os grandes pioneiros
A investigação em DA tem sido controversa e fundamentalmente pouco produúva no que respeita a um melhor controlo e a uma maior compreensão das suas causas
e consequências.
As teorias surgem escassas nas suas inter-relações, pois normalmente são apresentadas unidimensionalmente, muitas vezes de acordo com a formação inicial
dos seus proponentes.
Historicamente, as perspectivas oferecem-nos outros tantos factores aliciantes de análise e de reflexão. Se quisermos fazer uma análise histórica, necessariamente
superficial, a problemática das DA equaciona- se em paralelo com o desenvolvimento das sociedades. Nos séculos xII e xtv a entrada para a escola dava-se por volta
dos 13 anos. No século xv os Jesuítas estabeleceram a entrada para a escola aos sete anos e criaram as classes de nível que podiam ter crianças de oito anos e adultos
de 24. No séeulo xv nos reinados de Luís XIII e Luís XIV, a entrada para a escola é criada aos nove e aos cinco anos, respecúvamente. Em pleno século xvnI, as mudanças
de atitude decorrentes da filosofia de Rousseau e de Diderot levam ao ensino para todos e na base da diversidade". Mais tarde, já nos séculos xrx e xx, as ideias
de Montessori, Decroly, Froebel, Dewey, Makarenko, Mendel, Freinet, etc. , e tantos outros, reforçam a necessidade de a escola estar aberta à vida, ao mesmo tempo
que devia ser obrigatória para todos e não só para os filhos dos favorecidos ou privilegiados.
Na base desta simples abordagem, chega-se à conclusão de que a escola foi impondo exigências, ao mesmo tempo que se foi abrindo a um maior número de crianças,
aumentando as taxas de escolarização, o que, como consequência, implicou obviamente inúmeros processos de inadaptação. Quando os métodos que eram eficazes pára a
maioria não serviam, rapidamente se criava (e cria ainda hoje) processos de selecção e de segregação para outras crianças.
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INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
A escola pode humilhar, ameaçar e desencorajar, mais do que reforçar o Eu, libertar ou encorajar a criança. Temos o hábito de dizer que mandamos as crianças
para a escola para aprenderem. O que se faz tradicionalmente é ensinar-lhes a pensar erradamente, perdendo elas as suas espontaneidade e curiosidade, submetendo-as
muitas vezes a normas de rendimento e ef Icácia ou a métodos e correntes pedagógicas que estão na moda.
As crianças não podem continuar a ser vítimas de métodos, por mais populares que eles sejam. Temos de ajustar as condiÇões internas de aprendizagem, isto
é, as condições da criança (o que pressupõe um estudo aprofundado do seu desenvolvimento biopsicossocial), às exigências das tarefas educacionais, ou seja, às condições
externas da aprendizagem, ou melhor, às condições de ensino inerentes ao professor e ao sistema de ensino, ou seja, aos seus processos de transmissão cultural (Figura
I).
Condiçdes externas
ENSINO
T smis o I
Assimila ão
CRIANÇA i
DISLEXIA - PROFESSOR DISPEDAGOGIA Processo de i Sistema de ensino
aprendizagem
A comodação Aquisição
APRENDI7AGEM
Condiçdes intemas
Figura I - Interacção dos factores da aprendizagem humana
Na base da transmissão de conhecimentos estereotipados e de interesses ideológicos dominantes perde-se a dimensão sublime e majestosa da educação, ou seja,
o direito que todas as crianças (verdadeiros pais dos adultos) têm à cultura, naturalmente respeitando o seu perfil intraindividr al, a sua personalidade e a sua
origem sociocultural.
Já Binet e Simon, com base em estudos que mais tarde redundaram na psicometria, reconheceram que muitas crianças não podiam seguir o ritmo (programas, avaliação,
etc. ) escolar normal, de onde surgiram as justiftcações científicas, para a criação das famigeradas classes especiais".
Conclui-se, de facto, que, ao encararmos a problemática das DA, não as podemos analisar sem a noção de que a escola, como instituição, é essen
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PASSADO E PRESENTE NAS DIFICU1. IlADES DE APRENDIZAGEM
cialmente reveladora dos problemas da criança e não dos seus atributos e competências. A passagem da familia à escola primária constitui uma rotura muito significativa,
uma transição de ecossistemas. Trata-se de uma passagem brutal de um meio protector e seguro para um meio aberto e quase sempre inseguro.
A solução passa obviamente pela democratização socioeconómica anterior à escola, e evidentemente pela implementação de condições de segurança social e de
um ensino pré-primário de cobertura nacional que permita compensar a enormidade de factores desviantes do desenvolvimento: subcultura, mediatização, nutrição, padrões
de adaptação, códigos linguísticos, estimulação do desenvolvimento neuropsicomotor, facilitação de experiências interpessoais, etc. Sabe- se, por dados sociológicos,
que tais factores afectam mais as crianças de níveis socioeconómicos desfavorecidos, que, por consequência, se encontram ainda mais inadaptadas e desestimadas no
seio da escola e dos seus processos pedagógicos.
A escola, com os seus professores e métodos, não pode continuar a legitimar as diferenças socioeconómicas dos diferentes estratos sociais.
A ac ão preventiva é exterior à escola numa dimensão, e interior a ela noutra. E dentro desta última perspectiva que me quero situar, não esquecendo que
entre ambas, a exterior e a interior, se passam inter- relações dialécticas muito complexas e que obviamente se reflectem numa perspectiva mais ampla da problemática
das DA1.
Do cruzamento destes vectores de análise sobre o problema ressaltam modelos ideológicos e confusões conceptuais que complicam o quadro do caos semântico
que envolve os conceitos das DA e do insucesso escolar. A popularidade das justificações do insucesso escolar, à base de modelos encantatórios e exclusivamente
socializantes pode levar a um simplismo perigoso ou à ilusão de progresso, originando consequentemente medidas, decisões e serviços educacionais pouco eficazes.
A dúvida vem dos dois lados. De um lado a visão dogmática, que vê unicamente um modelo de explicação das DA na base de um problema so cioeconómico. Do outro,
a perspectiva somática, que se baseia na infalibilidade e na incontestabilidade do processo diagnóstico- intervenção.
Muito se descreve e investiga sobre as DA e o insucesso escolar, mas pouco ou quase nada se fez para modificar a arterioesclerose, do sistema escolar,
da propriedade privada da classe, da invulnerabilidade autoritária do diagnóstico, da formação dos professores e dos psicólogos e médicos escolares, etc.
As actuais teorias estão mais devotadas à descrição do que à prescrição, tornando o diagnóstico um fim em si próprio, muitas vezes alienado de preocupações
investigativas, mas pouco centrado na avaliação dinâmica e na maximização do potencial de aprendizagem da criança (ou do jovem) observados.
1 Noutros capítulos - <<Etiologia e epidemiologia das dificuldades de aprendizagem>> e <<Visão integrada da aprendizagem>> - apresentamos mais dados deste
problema.
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INSUCESSO ESCOIAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
A avaliação e a intervenção em DA são as duas faces do problema, devendo entre elas edificar-se uma complementaridade dialéctica na defesa dos direitos da
criança. A preocupação pelas necessidades educacionais especificas (NEE) das crianças pode ser menos dispendiosa e mais eficiente e rentável, na medida em que a
decisão nos parece muito simples, visto que está inequivocamente em causa a educabilidade máxima dos seus potenciais simbóticos e cognitivos.
Compreender as funções desviantes das crianças com DA depende, quanto a nós, de um fundamento teórico coerente e orientador de investigações sistemáticas,
para integrar pedagogicamente os dados obtidos de uma forma mais significativa.
É necessário destrinçar entre (crianças com DA>>1 e crianças normais>> a fim de se eliminar as expectativas negativas resultantes do insucesso escolar>>
e dos resultados dos testes. Para nós, haverá hipóteses de identificar um padrão (cluster) comportamental típico das crianças com DA; basta que para isso sejam produzidos
trabalhos interdisciplinares de investigação.
Tem-se encarado as DA na base de metodologias reeducativas (Fernald, Orton e Gillingham, etc. ), de processos de informação (Kirk, Chalfant, Scheffelin,
etc. ) de processos escolares (Larsen, Bateman, Adelman), de metodologias sofisticadas (McCarthy, Beecker e Engelman, Gentry e Haring) de processos neuropsicológicos
(Geschwind, Fried, Bakker, Masland, etc. ), etc. , cujos dados empíricos, encarados só em si, alicerçam teorias de validade reeducativa questionável.
As críticas às teorias das DA são facilmente ilustradas não só pelos conceitos unidimensionais ou unifactoriais que a caracterizam, mas também pela divergência
entre os diferentes profissionais, divergência essa intraprofissional e interprofissional.
Vejamos o primeiro aspecto, passando uma revista ligeira ao passado das DA através da apresentação dos conceitos e teorias de alguns dos pioneiros mais representativos.
As concepções unidimensionais iniciais tendiam para uma visão unidimensional, de que são exemplo os modelos psiquiátricos, psicométricos, neuropsieológicos,
pedagogizantes ou socializantes exelusivistas. Dentro destes podemos destacar as teorias de organização neurológica (Doman e Delaeato 1954, Zucman 1960, etc. ),
as teorias de dominância hemisférica (Orton 1931), as teorias perceptivas (Bender 1957, Frostig 1966, Cruickshank 1931, 1972, Wepman 1969, etc. ). Estas teorias
focam apenas um aspecto das DA com exclusão de outras abordagens. É óbvio que tais concepções estão inequiv amente marcadas pela sua limitação disciplinar.
Os estudos de Hallahan e Kauffman 1973, Myers e Hammill 1976, McCarthy e McCarthy 1969, Jonhson e Myklebust 1967, e de outros, evidenciam claramente a heterogeneidade
da populaÇão das crianças com DA.
Mais à frente apresentamos várias definições da expressão.
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PASSADO E PRESENTE NAS DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM
O modelo das teorias unidimensionais não respeita a interacção que está contida no conceito das DA, na qual as condições internas (neurobiológicas) e as
condições externas (socioculturais) desempenham funções dialécticas (psicoemocionais) que estão em jogo na aprendizagem humana.
Na aprendizagem humana, os factores psicobiológicos internos (da criança) encontram-se, permanente e dialecticamente, em interacção com os factores situacionais
externos (da escola, do professor, etc. ); daí os conceitos de dispedagogia, tão relevantes como os da dislexia.
Segundo Jeanne S. Chall 1979, o cenário anterior a 1950 e até 1960 nos Estados Unidos era mais ou menos o seguinte: Se se verificasse uma dislexia, prúneiro
ver o QI (quociente intelectual). Se o QI era normal, ver os problemas emocionais. Se os problemas emocionais não existiam, então ver a mãe ansiosa (pushy). Este
cenário, que se admite simplificado, ainda é muito praticado, ind pendentemente da posição multicausal, que é assumida em inúmeros trabalhos da especialidade. Geralmente,
durante esse período, a possibilidade de um envolvimento neurológico ou de uma inadequada intervenção do professor era quase sempre negligenciada e contestada. Muito
menos se faria referência a perspectivas de informação ou às perspectivas neuro e psicolinguísticas.
Rabinovitch 1960 é talvez o primeiro investigador a integrar aspectos neuropsiquiátricos no conceito da dislexia. Segundo o mesmo autor, o perfil da criança
disléxica pode ser provocado por:
1) Aspecto emocional - a capacidade está intacta, mas afectada por influência exógena negativa;
2) Lesão cerebral - a capacidade de aprendizagem está afectada, devido a uma lesão cerebral manifestada por défices neurológicos eviden tes
(clearent neurological deficits);
3) Verdadeira dificuldade de leitura - a capacidade de aprendizagem da leitura está afectada, sém qualquer lesão cerebral detectada na anamnese
ou no exame neurológico.
Continuando com o mesmo autor, o defeito (defect) encontra-se na capacidade para lidar com letras e palavras como símbolos, com uma capacidade diminuída
para integrar significativamente o material escrito. O problema parece refiectir um padrão de organização neurológica basicamente perturbado. Porque a causa é biológica
ou endógena, estes casos são diagnosticados primariamente como deficientes. Nesta afirmaçãó, feita há 20 anos, a explicação parte de uma pespectiva multifactorial,
para chegar a uma explicação unifactorial.
Imensas perspectivas ficam de fora, independentemente da validade de cada uma, em que se torna necessário realçar, evidentemente, os trabalhos dos pioneiros.
Na nossa análise, qualquer campo de estudo não deve ignorar as pessoas e as ideias que influenciaram o seu desenvolvimento. Dando continuidade a uma apresentação
histórica dos primeiros investigadores, iremos de seguida referir alguns segmentos das suas perspectivas.
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INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
Perspectivas lesionais e cerebrais
ALFRED STRAUSS E HEINS WERNER
Os ioneiros Alfred Strauss e Heins Werner foram cientistas germânicos
que emigraram para os Estados Unidos após o regime nazista. O primeiro, psiquiatra e professor da Universidade de Heidelberg, o segundo, psicólogo e professor da
Universidade de Hamburgo. Súauss passou por Barcelona de 1933 a 1936, onde desenvolveu intensa actividade no campo, tendo abandonado a Espanha em plena guerra civil,
para se flxar no Michigan como psiquiatra investigador do Wayne Country Training School. Werner passou pela Holanda e flxou-se mais tarde também em Michigan. Ambos,
e com diferentes perspectivas, iniciaram um trabalho de investigação no âmbito das lesões cerebrais e da deflciência mental, aproveitando magistralmente os dados
e as conceptualizações dos trabalhos de Head (1926) e de Goldstein (1939).
Os trabalhos de Goldstein, em adultos cerebralmente traumatizados em consequência de acidentes de guerra, influenciaram os estudos de Strauss e Werner em
crianças com lesões cerebrais. As características de comportamento encontradas nos adultos, como por exemplo: comportamento concreto e imediatista, meticulosidade,
perseveração, confusão figura-fundo, reacções catastróficas, labilidade emocional, desorientação, extremo asseio, desintegração das capacidades de categorização,
etc. , levaram os dois autores alemães a inúmeras investigações, de que são conhecidos, fundamentalmente, os estudos em crianças deficientes mentais. É devida a
Strauss a distinção entre deficientes mentais endógenos (indicando uma deficiência mental devida a factores genéticos e/ou familiares) e deficientes exógenos (indicando
uma deflciência mental devida a déflces neurológicos provocados por doenças pré, peri ou pós-natais, originando, consequentemente, lesões ou disfunções cerebrais
de vários tipos).
Nesta linha, os seus estudos mais relevantes compreenderam a comparação entre crianças endógenas e exógenas em várias tarefas, tendo chegado a resultados
que demonstravam que as crianças deficientes mentais exógenas apresentavam:
1) um perfil desorganizado das funções perceptivo-motoras, quer nas funções visuo-motoras (praxias com pérolas), quer auditivo-motoras
(reprodução vocal de padrões melódicos);
2) dificuldades na atenção selectiva com problemas de discriminação entre estímulos relevantes e irrelevantes, ou seja, entre a figura
e o fundo na base de apresentações no taquitoscópio'
Aparelho que serve para medir a acuidade, a atenção, a discriminação e a compreensão de estímulos visuais.
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PASSADO E PRESENTE NAS DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM
3) traços de comportamento mais desinibidos, erráticos, impulsivos, des controlados, sociopáticos e descoordenados, aos quais vieram associar-se
os conceitos de hiperactividade (Strauss e Kephart 1940).
Em resumo, as características psicológicas que Goldstein encontrou em adultos lesados cerebralmente eram, de certa forma, idênticas às encontradas por Strauss
e Werner em crianças deficientes mentais, classificadas como exógenas. Com apoio nestes trabalhos, surgiram métodos pedagógicos de grande interesse, como sejam os
inúmeros processos de aprendizagem baseados na atenuação e na minimização de estímulos não essenciais ou irrelevantes que se encontram explicados em detalhe num
livro essencial, hoje clássico e fundamental para o estudo das DA - Psychopathology and Education of the Brain Injured Child, 16. a edição, de Strauss e Lehtinen
(1947). Estes dois autores afu'nzam nesse livro que dado que a lesão orgânica é medicamente intratável, os nossos esforços devem ser orientados em dois sentidos:
na manipulação e no controlo de envolvimentos superestimulados e na educação de crianças para exercitarem o seu controlo voluntário.
Provavelmente, sem o trabalho destes dois autores, o campo da defi ciência mental seria visto num contexto homogéneo, quando a investigação prova a existência
de significativas diferenças entre a deficiência mental e as DA. Devem-se a estes autores recomendações de grande significado para a compreensão do problema. Ambos
os autores advogaram que é necessário equacionar o campo das DA na perspectiva da psicologia do desenvolvimento. E mais: para eles, a evolução no terreno poderia
ser alcançada na base de um estudo comparativo entre a psicologia da criança normal e a psicologia da criança deficiente mental.
Para Werner, especiflcamente, é preciso ir mais além dos resultados nos testes estandardizados, i. e. , não basta quantificar (quocientizar); é necessário
analisar os processos mentais e os processos de assimilação, conservação e utilização da informação que estão por detrás dos resultados que a criança atinge nos
testes.
Strauss e Werner, há 40 anos, já preconizavam uma análise funcional na abordagem psicológica e educacional da criança deficiente mental. Não há diferença
nenhuma entre esta abordagem e a que se faz, ou pelo menos, a que se devia fazer, actualmente no campo das DA. De acordo com estes aspectos, e segundo os mesmos
autores, não basta preocuparmo-nos com o resultado num teste ou num subteste, mais sim preocuparmo-nos com como a criança realizou e atingiu tal resultado. Em complemento,
o que é evidente e importante. no diagnóstico são as situações críticas que evidenciam deternúnados distúrbios funcionais.
O alcance psicopedagógico desta dimensão é notável, principalmente pelo que se pode retirar guanto à planificação educacional a prescrever.
Cada criança deve ser avaliada nas suas possibilidades ou facilidades (abilities) e nas suas dificuldades (disabilities). Não há dúvida de que a partir
23
INSUCESSO ESCOIAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
daqui podemos organizar métodos, técnicas, materiais e processos que obviamente se terão de ajustar às necessidades educacionais (perceptivas, linguísticas, simbólicas
e cognitivas) específicas das crianças.
As recomendações destes pioneiros continuam válidas 50 anos depois, tão válidas e intrínsecas que em muitos centros de diagnóstico e de reeducação ainda
não foram tomadas em consideraçãn.
Perspectivas perceptivo-motoras das DA
William Cruickshank, Newell Kephart, Gerald Getman, Ray Barsch, Marianne Frostig, Glenn Doman e Carl Delacato
Estes sete autores, quatro dos quais já abordámos deferencialmente noutro livro (Fonseca e Mendes 1978), são reconhecidos como os defensores das teorias
perceptivo-motoras no campo das DA.
CRUICKSHANK
Cruickshank apresenta os seus trabalhos com crianças paralíticas cerebrais, de QI próximos da média, experimentalmente comparadas com crianças não deficientes,
tendo demonstrado que tais crianças revelam os seguintes traços comportamentais: dificuldades de discriminação figura-fundo, de formação de conceitos, de visuomotricidade
e de tactilomotricidade, etc. , confirmando, em certa medida, os resultados que Werner e Strauss obtiveram com crianças classificadas como exógenas. Este autor,
nas suas inúmeras investigações, defendeu a ideia de que é necessário fazer uma transicaçâo conceptual entre as crianças com paralisia cerebral (que são lesadas
cerebralmente) e as crianças com inteligência próxima do normal, exibindo características de comportamento muitas vezes associadas a lesões cerebrais mínimas (minimal
brain damage), mas nas quais não se pode, objectivamente, assegurar que sofrem de lesão do sistema ner oso central.
Estas crianças, frequentemente designadas por crianças com lesões cerebrais mínimas, (LCM) (minimal brain injured, Hallahan e Cruickshank 1973) são hoje
consideradas crianças com DA. Em muitos casos, e a literatura é ambígua e confusa nessa matéria, é impossível em termos históricos relacionar os estudos e as investigações
realizados com crianças com LCM e com crianças com DA. De qualquer forma, a espressão LCM é destituída de significação educacional, para além do estigma que cria
e da expectativa negativa dos pais e dos professores, pois alimenta a noção de que o problema é irrecuperável.
Por tudo isto, é preferívei optar pela expressão DA; pelo menos, parece-nos mais adequado educacionalmente. Cruickshank é conhecido como um pioneiro no campo
da tecnologia pedagógica e da arquitectura do envolvi
24
PASSADO E PRESENTE NAS DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM
mento estruturado da classe, nomeadamente com os materiais e cubículos que criou para reduzir os estímulos distrácteis dentro da sala de aula (ou na classe), tendo
ainda implementado processos de modificação de comportamento e processos de reforço contingente no campo das DA.
Kephart, Getman, Barsch e Frostig são autores a que já nos referimos noutro trabalho (Fonseca e Mendes 1978); no entanto, convém dizer que são, em conjunto,
defensores de uma perspectiva perceptivomotora integrada como meio de intervenção no âmbito das DA.
KEPHART
Kephart, com o seu livro The Slow Learner in the Classroom, apresenta um contributo filogenético no processo de aprendizagem humana, tomando como alicerce
duas teorias de Hebb: a da proporção entre o córtex associativo e o córtex sensorial (A/S ratio), e a da função associativa do córtex (cell assembly).
Segundo o mesmo autor, e de acordo com Hebb, Hunt, Pribram, Kendlery, etc. , o organismo humano, devido à grande diferença entre o córtex associativo e o
córtex sensorial, ou entre os sistemas cerebrais intrínsecos ou extrínsecos, é capaz de atingir comportamentos muito complexos, mas só quando estão adquiridos comportamentos
mais elementares e cumulativos. Tais aquisições evidenciam a hierarquia e a interacção entre os processos sensóriomotores e os processos perceptivo- motores, naturalmente
pondo em relevo o papel da estimulação precoce e das oportunidades de aprendizagem no desenvolvimento intelectual posterior.
ECEPÇÃO Presente EXPRESSÃO Input INTEGRAÇÃO Output Estímulo Resposta
Passado
Feedback
Resposta muscular MOTRICIDADE
Figura 2 - Modelo perceptivo-motor, de Kephart
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INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
Kephart, para além do seu trabalho no domínio da perceptivomotricidade é também responsável por uma teoria perceptiva baseada num modelo semelhante a um
servomecanismo, defendendo que os sistemas de input (sensação e percepção) são inseparáveis do output (motricidade). Noutras palavras, a percepção é indissociável
da resposta motora - não podemos pensar em actividade perceptiva e em actividade motora como dois aspectos diferentes; devemos pensar no termo hifenizado integrado
perceptivo-motricidade (Kephart 1960, ver modelo atrás).
Kephart defendeu, portanto, que as funções intelectuais superiores, como a simbolização e a conceptualização, dependem de aquisições perceptivomotoras básicas,
que por si próprias podem manifestar problemas e défices. Em dois dos nossos anteriores trabalhos (Fonseca 1977 e Mendes e Fonseca 1978) avançamos com aspectos mais
concretos sobre esta perspectiva psicomotora.
GETMAN
Getman, optometrista e colaborador de Kephart, é responsável por um modelo de desenvolvimento visuomotor e por técnicas apropriadas de grande interesse educativo:
Getman, influenciado por Renshaw e por Gesell, é co-autor de livros importantíssimos - Vision: Its Development in Infant and Child; The Physiology of Readiness,
que adiantaram inúmeros subsídios ao campo das DA já publicados algures (Mendes e Fonseca 1978 e Fonseca e colaboradores 1978).
BARSCH
Barsch, criador da teoria movigenética, também influenciado por Strauss e Getman, baseia o seu trabalho numa perspectiva de padrões espaciais de movimento
que, segundo ele, são as bases fisiológicas da aprendizagem. Tais componentes e dimensões do curriculo movigenético são os seguintes: força muscular, equih'brio
dinâmico, consciência espacial, consciência corporal, dinâmica visual, dinâmica auditiva, dinâmica tactiloquinestésica, bilateralidade, ritmo, flexibilidade e planificação
motora, também analisados anteriormente (Mendes e Fonseca 1978).
FROSTIG
Frostig, reconhecida como desenvolvimentalista, é criadora de testes e de processos de reeducação, tendo já sido abordada num dos nossos livros (Mendes e
Fonseca 1978) e num dos projectos de investigação (Fonseca e colaboradores 1978):
26
c
pTfVO ou SENSORIAL Cleitu al
1 SNO ou MOTOR (es l COMPETÈNCIA
COMP EN C COMPEl NCIA COMPETENCiA TÁCIlL
VISUAL
AUDITIVA
MOBILm E LINGUAGEM IpNUAL
Leitura de palavras com Compreende Identifica objectos y
Escreve com uma com a mão 0
Vocabulátìo o olho dominante va u) "o e frases dominante
5up r:o (5) Uúlização de uma adequado mão, de aco rio om Co o ade9 do
0 % m l%a) donunan e Idenúficaçáo " "r" pelo tacto
2QQO palavras Função bimanual stmbolos visuais de 2000 P av s
5- 22m Mdar e corter num Pe nenas frases (dexValidade) e de leuas e de frases simp (.
VIM 46m padrão assimétrico Diferenci ão táctil
L - 67m Com reende 10-25
ç Diferenciação de p
T 10-25 atavras 0 si ão cortical 5im los visuais palavras e frases
5- t3m Andar com os F ses de três e manual semelhantes de 2palavr
M o "'
V E - 28m br os em balanç p avr gilateralidade '1
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IV M -16m n
braços afastados p reCi ão da
L - 2a m A reciação de sons p
pteensão de objectos Apr<<iação dos psigni0caúvos sensação gnó
Criação de sons
L - li m mãos e oen percepção n 't""" sensaçóv ss %t!
Choro vital em Larga objectos gestalts estranhos
pOI 5- t m Rep çao relação a situações b
II M Z, 5m 5im t"Ca de neaça Rellexo de Babinski
L - 4, 5m Reflexo à luz Reflexo de Moro
Choro ReOexo de pr nsão
I MEDULA Nascimemo Movime ó 5bra os
Figura 3- Perf Il de desenvolvimento neurológico
INSUCESSO ESCOIAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
DOMAN E DELACATO
Doman e Delacato são autores contestados. O primeiro, fisioterapeuta, e o segundo, psicólogo escolar, são responsáveis por uma teoria de organização neurológica
(ver Figura 3). O seu trabalho The Treatment and Prevention of Reading Problems é uma adaptação de Gesell e de Temple Fay (neurocirurgião). As suas teorias criadas
para intervir em crianças com lesões cerebrais são alicerçadas em cinco premissas:
1) Pôr a criança no chão para treinar actividades que reeduquem as áreas lesadas cerebralmente;
2) Manipular externamente o corpo em padrões corporais característicos da lesão cerebral;
3) Treinar dominância hemisférica e a unilateralidade;
4) Administrar terapia de dióxido de carbono (o COz, segundo Fay, pode contribuir para a dilatação das veias, facilitando
assim a cir culação cerebral);
5) Estimular os sentidos para melhorar a consciência corporal.
Estes autores criaram o Institute for the Achievement of Human Potencial e atingiram grande popularidade, independentemente de grandes críticas da parte
de médicos, psicólogos e professores. Na base da sua teoria desencadearam-se grandes debates e controvérsias, exactamente por certos singularismos, nomeadamente
os da ontogénese do cérebro e da localização funcional, bem como os da eficiência dos seus métodos de tratamento.
1
zy
3
[ Figura 4- Esquema de organização neuroló gica. Os números identificam os níveis neuro I lógicos inferiores que afectam
os níveis
i superiores, que em contrapartida são afectados
[ por aqueles. A inoperância de um nível supe rior torna dominante o nível imediatamente
inferior (Doman e Delacato)
s.
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PASSADO E PRESENTE NAS DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM
Perspectivas de finguagem
Samuel Orton, Katrina de Hirsch, Samuel Kirk e Helmer Myklebust
Durante algum tempo os principais pioneiros no campo das DA sofreram grande influência dos trabalhos de Strauss e Werner, mais inclinados para as perspectivas
perceptivomotoras (ou psicomotoras, visto que no fundo a significação conceptual se encontra próxima deste termo de raiz francesa, como sabemos, e sobre os quais
já desenvolvemos vários trabalhos (Fonseca 1977, 1978, 1979).
Constatou-se historicamente, numa análise crítica, que pouca atenção se tinha dedicado aos problemas da linguagem, sabendo-se que é hoje inegável o papel
da linguagem no desenvolvimento global da criança, como é indubitável a relevância das funções receptivas e expressivas da linguagem na comPreensão das DA.
E incontestável que os problemas de linguagem (compreensão auditiva, fala, leitura e escrita) se encontram envolvidos preferencialmente no âmbito das DA;
todavia, o estudo aprofundado das suas variáveis não foi tomado em consideração nos primeiros trabalhos mais de índole perceptivomotora, como acabamos de ver, dada
a influência marcante de Strauss e Werner.
SAMUEL ORTON
Em 1930, independentemente de ser contemporâneo dos dois autores ale mães, Samuel Orton, um neuropatologista, iniciou os seus estudos sobre os efeitos das
lesões cerebrais na linguagem, utilizando para o efeito as primeiras comparações entre adultos e crianças.
Orton postulava a implicação hereditária da dislexia, para além de situar e localizar as repercussões das lesões cerebrais na linguagem. No seu livro clássieo
Reading, Writing and Speech, Problems in Children (1937) p8s em destaque as influências psicológicas e envolvimentais no desenvolvimento da linguagem, para além
de dar relevância à integração motora (motor integrating) da dominância hemisférica. Para este autor, a lentidão na aquisição ou a disfunção da dominância hemisférica
podem provocar atrasos e dificuldades na aprendizagem da leitura, suportando a necessidade de uma maturação e de uma hierarquização na dominância hemisférica e na
preferência manual.
Orton provou que todos os seus cásos disléxicos apresentavam uma ambi dextria revelada pela hesitação, a inconstância e a descoordenação da lateralidade.
As mesmás crianças evidenciavam necessariamente dificuldades no plano da dextralidade, impedindo-as de realizar tarefas com ambas as mãos, pois não se verificavam
nelas as divisões funcionais: iniciativa-auxilio, força-suporte, movimento-postura, etc. , que são a manifestação de uma dominância hemisfériea, por um lado, e de
uma cofunção integrada e inter-hemisférica por outro.
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INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
Enquanto não se estabelecer a lateralização no plano motor, segundo Orton, podem deparar-se-lhes inversões (omissões, substituições, adições, confusões,
repetições, etc. ) na leitura. As inversões surgem, visto que as palavras são armazenadas (recorded) no hemisfério não dominante, e consequentemente o indivíduo
pode trocar b com d, q com up", u com n, 6 com 9 ou as suas combinações dão lido como bão", pai como qai", 69" lido como 96", etc. (casos de estrefossimbolia').
Sem ter adquirido uma dominância hemisférica, a criança pode experimentar uma grande confusão, e portanto diflculdades na aprendizagem da leitura. Estas
afirmações de Orton são hoje incontestáveis, visto saber-se que a mielinização do hemisfério esquerdo se inicia por volta dos seis anos (Killen 1978), sendo posterior
à do hemisfério direito, o que põe em relevo o papel preventivo e facilitador da psicomotricidade na obtenção da laterali dade, principalmente quando tal intervenção
é assegurada no período pré- primário. As técnicas que Orton recomenda para superar estes problemas são ainda consideravelmente utilizadas, para além da motivação
que constitui o seu notável trabalho, do qual resultaram métodos pedagógicos e reeducativos (Orton-Gillingham, Approach to Teaching Reading).
Os seus métodos resultam da noção que Orton tem do Homem, veriftcando que a sua superioridade depende essencialmente de dois factores:
1) A comunicação com os outros seres da sua espécie
2) A dextralidade manual (tool user), dependente da assimetria funcional que está na base do desenvolvimento tecnológico da Humanidade.
É preciso notar, no entanto, que estes dois factores são controlados normalmente num dos dois hemisférios e, em 94% dos casos, no hemisfério esquerdo.
As expressões emocionais e gestuais, de raiz instintiva, iniciam-se muito cedo no desenvolvimento do Homem (de forma quase idêntica à dos animais); porém,
a linguagem simbólica é muito mais complexa e depende quase sempre da socialização.
A linguagem falada na raça humana surge sempre antes da linguagem escrita. De facto, para Orton a linguagem simbólica é uma série de sons e de sinais que
servem para substituir objectos e conceitos, podendo ser utilizadas para transferir e transmitir ideias".
A faculdade da linguagem (language faculty) - e este aspecto foi o que mais preocupou Orton - decorre de quatro estádios de desenvolvimento, a saber:
1) Compreensão da linguagem falada; 2) Sua reprodução;
3 Compreensão da linguagem escrita; 4) Sua reprodução.
1 Estrefossimbolia - confusão percepávovisual caracterizada pela tendência de orientar simbolos numa direcção similar, mas oposta (escrita em espelho) (Orton).
30
PASSADO E PRESENTE NAS DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM
Onon apresenta a evolução da linguagem em termos filogenéticos e ontogénicos, indo buscar dados à antropologia e à sua experiência de neuroanatomista. A
evolução da linguagem na criança começa a partir das lalações, desenvolvendo-se à medida que o mecanismo motor da fala se vai integrando com os centros auditivos,
a fim de produzir ecos dos sons vocais dos outros (ecolalias), sem se dar, todavia, a compreensão da sua significação. Mais tarde, a associação de sons a objectos
ou ideias que os representam vai-se operando em paralelo com a expansão do vocabulário, desde os nomes até às frases, passando pelos verbos. Passará depois gradualmente
para eswturas de linguagem mais longas e mais complexas. Só por volta dos seis anos a criança estará capaz de se adaptar a outros símbolos da linguagem, iniciando,
então, os processos da leitura e da escrita, que corres
3 - 2. o ginu jronta! e girus
precentral - cenrm grafomotor
4- 3. " convodução jrontal '
1- Girus angutar (área de Broca) - - cenuo de leitura
- cenun do conunlo
motor da fala
:. ::: : : : 1
:: ::. . . :,
FúMISFÉRlO ' '
ESQUERIlO 2 - 2. e 3. 8i - temOoraliscentro de compreensão das palavras e da5 frases
I
I-lEMISFÉRIO DIREITO
Figura 5 - O hemisfério esquerdo e o hemisfério direito. Um responsável pelas funções verbais, ouvo pelas funções não verbais. No hemisfério esquerdo encontram-se
assinaladas, segundo Onon, as quatro áreas fundamentais da linguagem
31
INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
pondem, segundo Orton, à maturidade anatómica ou fisiológica da região do girus angular, verdadeiro centro da leitura, ou centro privilegiado de associação neurossensorial,
localizado no primeiro sulco temporal do hemisfério dominante.
Através dos seus trabalhos de autópsia confirmou os seguintes teoremas:
1) A área da lesão é mais importante do que a quantidade de tecidos des truídos, reforçando a importância das áreas críticas da linguagem;
2) As lesões do hemisfério esquerdo são mais severas quanto aos problemas da fala ou da leitura, enquanto as mesmas lesões no hemisfério
não dominante não provocam desordens na linguagem.
Com estes fundamentos, Orton preconizou processos de aprendizagem de ordem analítica e fonética, visto ter provado que as crianças disléxicas não apresentavam
(?) diflculdades na linguagem falada. Ele começou por ensinar os equivalentes fonéticos das letras impressas (relação fonema-grafema). O som da letra foi associado
à apresentação de uma ficha com a letra escrita, levando a criança a repetir o som da letra, até a aprender. Tratava-se de um processo caracterizado por uma estimulação
auditiva, seguida de uma estimulação visual (ficha), culminando numa resposta (repetição) verbal do som da letra. Podia-se e devia-se utilizar igualmente o gesto
(padrão tactiloquinestésico) traçando a letra com o indicador, ao mesmo tempo que a criança reproduzia o som da letra. Primeiro os sons das consoantes com as várias
vogais e as suas associações adequadas, depois a introdução das sequências exactas da esquerda para a direita, conforme surgem nas palavras. A criança progredirá
na leitura oral, de acordo com Orton, utilizando as unidades" e combinações fonéticas, asabas com várias significações, as familias de palavras, os prefixos e sufixos,
as derivações simples e as construções gramaticais, etc.
Para Orton e os seus colaboradores iniciais- Gillingham, Stillman, etc.
-, a utilização do método global pode estar contra-indicada para crianças disléxicas visuais (word blindness ou diseidéticas), dado que a palavra no seu todo (gestalt)
as confunde e as prejudica.
Orton pôs em evidência o papel da identificação precoce e da intervenção preventiva, combatendo claramente os progt-antas de reeducação que só se iniciam
três anos mais tarde. Neste sentido Orton sugeriu a identificação na escola pré-primária dos seguintes tipos de crianças:
1) Crianças com manifestações de gaguez ou de atcaso de fala; 2) Crianças com dificuldades na compreensão auditiva;
3) Crianças dispráxicas (problemas de coordenação de movimentos); 4) Crianças com histórias familiares de canhotismo ou com atrasos de linguagem.
Para Orton, muitos dos atrasos e dificuldades no desenvolvimento da linguagem são função de um desvio no processo da superioridade unilateral
32
PASSADO E PRESENTE NAS DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM
do cérebro e de factores hereditários. O seu credo (Orton's credo) aponta para que cada desordem tenha o seu método específico de reeducação: se efectivamente formos
suficientemente perspicazes no diagnóstico e se provarmos que somos suficientemente "inteligentes" para desenvolvermos métodos de treino adequados para satisfazer
as necessidades de cada caso particular, então os problemas podem ser superados".
Orton, ao contrário de Strauss e Werner, não atraiu tantos discípulos; no entanto, a sua obra foi reconhecida após a sua morte com a criação da Orton Society
(OS).
A OS é uma das organizações mais dedicadas ao estudo das dificuldades específicas da linguagem (DEL) e das dificuldades de aprendizagem (DA). Estes dois
conceitos, todavia, não devem ser confundidos. As DEL consideram os aspectos receptivos, integrativos e expressivos da linguagem. As DA podem compreender aspectos
mais globais, i. e. , não verbais, práxicos e outros aspectos cognitivos e simbólicos, como por exemplo as aquisições (skills) necessárias ao cálculo.
A sociedade criada em nome de Samuel Orton, a quem se deve um dos primeiros trabalhos de investigação neste domínio, compreende como mem bros não só educadores
como médicos, psicólogos, pais, isto é, todos os que se interessam em proporcionar oportunidades educacionais às crianças com problemas de linguagem e de aprendizagem.
A sociedade tem vários ramos espalhados pela maioria dos estados da América do Norte, que são perfeitamente autónomos cientificamente. A sociedade mantém
um boletim anual e outras monografias de grande pro fundidade científica, reconhecidos inclusivamente nos países socialistas, como provam os inúmeros artigos publicados
no boletim por autores russos, checos, polacos, etc.
Outro aspecto importante da sua acção compreende a realização de conferências anuais iniciadas a partir de 1949, para as quais são convidados especialistas
de todo o mundo.
A função da Orton Society é predominantemente científica e não propagandista ou reducionista, no sentido de defender um sistema reeducativo oficial ou especial.
Procura ver as necessidades da criança quanto ao processo de aprendizagem e não defender um processo exclusivo de reeducação. A OS defende que a sua sobrevivência
depende do convívio e da comunicação científica entre proftssionais que directa ou indirectamente se interessem pelos problemas de aprendizagem da linguagem. Um
dos seus objectos fundamentais é a promoção da investigação e dos meios de prevenção e identificação precoces, quer no campo do diagnóstico, quer no campo da intervenção
pedagógica, quer ainda no campo das DEL, que são designadas correntemente por dislexia (DL). Este interesse científico tem crescido e evoluído, e para isso têm
contribuído inúmeros investigadores, psicólogos, pedagogos e educadores que anualmente nas conferências divulgám e debatem os seus resultados, exemplo que em vários
campos culturais devia ser seguido.
33
lNSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
Como causas mais relevantes para as DEL, a OS coloca as seguintes:
1) Atraso na aquisição das primeiras palavras;
2) Fala inadequada;
3) Dificuldade de aprendizagem e de retenção (memória) das palavras impressas
4) Inversões e rotações na escrita e omissões e substituições na leitura; 5) Repetição de erros ortográficos;
6) Problemas de lateralização e dominância cerebral;
7) Confusão em seguir instruções e direcções, quer no espaço, quer no tempo, como, por exemplo, direita e esquerda, em cima e em baixo,
ontem e amanhã;
8) Dificuldade em encontrar a palavra adequada na expressão oral; 9) Escrita ilegível e incompreensível,
para referir os mais significativos.
E evidente que a OS compreende uma associação científica de grande significado humano. De facto, só podemos considerar que ascendemos ao estudo do Homo sapiens
a partir do momento em que se domina um código visuofonético, que converte a linguagem falada em linguagem escrita. Quando não atingimos esse nível multissensorial
simbólico, justificativo de toda a evolução humana, e no fim, de toda a civilização, o nível de domínio da realidade é apenas o do Homo habilis.
A Orton Society (OS) procura, no fundo, combater o analfabetismo, como realidade universal, dado que provavelmente" dois terços da população mundial ainda
não conseguem ler nem escrever. Conseguú ler e escrever é um direito humano fundamental que deve ser edificado com base no respeito pela dignidade humana. Só através
da leitura e da escrita independentemente operadas o ser humano compreenderá a dialéctica da natureza e respeitará a civilização. É óbvio que aqui se ligam aspectos
sociopolíticos e socioculturais que tardam em ser resolvidos internacionalmente.
Para compreender o problema é necessário partir de um princípio básico. Muitos cientistas dos países desenvolvidos acreditam que 10%, ou mais, das crianças
em situação escolar actual evidenciam problemas de aprendizagem da linguagem. Para Portugal o número estimado é, para já, superior, o que equivale aproximadamente
a 100 000 crianças na escolaridade primária. As crianças com DEL, independentemente de serem normais e mesmo até com uma inteligência superior à média, não conseguem
aprender a ler e a escrever por métodos tradicionais, dado que eles não se adequam ao seu perfil de aprendizagem e, por consequência, às suas necessidades e diferenças.
A DL é uma condição, não uma doença, que deve ser atendida e compreendida por todos, e principalmente por pedagogos. As crianças com DL não podem aprender
com métodos tradicionais, ou em moda. Estas crianças, se não forem identificadas precocemente, encontram-se em risco. Tendem ao insuces
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PASSADO E PRESENTE NAS DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM
so escolar, a ter problemas emocionais, perdem a sua identidade- criatividade e surgem com problemas de adaptação social. São normalmente incompfeendidas por todos,
e muito especialmente por pais e professores. Se esta espiral de conflitos não for resolvida no momento oportuno, o fundo do problema poderá ser a delinquência ou
outra predisposição sociopática.
A escola afecta toda a gente, mas especialmente estas crianças, que precisam de métodos adaptados às suas condições e não de empirismos e intuições em que
muitas vezes se cai, dada a falta de conhecimento científlcopedagógico que circula nas nossas escolas. Não é de admirar esta situação, na medida em que nas universidades
ou nas escolas de formação de professores pouco se tem feito para estimular a sua formação científica avançada. Formação essa que tem de partir do estudo de problemas
de comportamento, de aprendizagem, de desenvolvimento, de neurolinguística, psicolinguística, etc. , que não se compadecem só com os estudos históricofilosóficos.
É cada vez mais urgente edificar uma investigação pedagógica interdisciplinar para apoiar a formação em exercício e operar medidas de prevenção, dando no fundo continuidade
à obra de Orton.
Voltando à Orton Society, é evidente que ela, como associação científica, interessa a pais, médicos, psicólogos, professores, directores escolares, políticos
e nesponsáveis administrativos e ao cidadão em geral. Aos pais, porque muitas vezes a sua ansiedade pode prejudicar as expectactivas quanto aos seus filhos, que,
sendo inteligentes, podem, porém, não apresentar resultados escolares satisfatórios, provavelmente porque a metodologia pedagógica não se adapta às suas necessidades
ou aos seus problemas peculiares. Interessa a médicos e a psicólogos, porque poderão detectar precocemente sinais de desenvolvimento e de aprendizagem e evitar problemas
de desajustamento emocional e de inadaptação sociocultural. A professores e responsáveis administrativos, porque assim podem reconhecer a necessidade da formação
contínua e a criação de condições e de opoztunidades para que todas as crianças portuguesas possam ser culturizadas e alfabetizadas. O professor em geral deve ter
consciência do problema, na medida em que tem de contar sempre com 10% das crianças da sua classe com problemas ou distúrbios de aprendizagem.
A OS, através do encorajamento que tem proporcionado à causa da prevenção das DA, encontra-se numa situação qualificada para alertar para vários problemas.
Dentro desses problemas, os mais relevantes são os seguintes:
1) A elevada percentagem de crìanças que não têm a quantidade e a qua lidade de experiências sensoriomotoras e perceptivomotoras que de verão
decorrer naturalmente desde o nascimento até à entrada para a escola primária. Para evitar esta situação dramática, a maioria dos países civilizados adoptou legislação
para tornar obrigatória a escolaridade a partir dos três anos, e não dos seis anos. Em Portugal, por exemplo, a situação do ensino pré-primário continua a ser apenas
pen
35
INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAG6GICA
sada nos gabinetes. É urgente, como meio preventivo de DA, criar em Portugal um ensino pré-primário com um cumculo pensado à luz de uma investigação psicopedagógica
e que tenha como base os processos de maturação psicológica e os processos de informação e des nvolvimento percepávo (auditivo e visual), linguístico (fonético,
semântico e sintáxico), motor (global e fino) e emocional (confiança, iniciativa, autonomia, segurança, etc. );
2) O cuidado especial que deve merecer a alimentação das crianças em situação de aprendizagem. Uma carência caloricoproteica pode
afectar gravemente as condições de escolarização. A escola primária portuguesa deveria pensar num suplemento nutritivo, principalmente às crianças de meios desfavorecidos
e que devem igualmente ser educadas em função das suas necessidades. Muitos problemas de atenção, hiperactividade e comportamento seriam rapidamente resolvidos com
uma nutrição mais qualitativa;
3) Outro problema importante põe em destaque o insucesso escolar pro vocado por repetências crónicas, cujo efeito na higiene mental das crianças
ou dos jovens pode ser causador de sentimentos de inferio ridade, de autodesvalorização, etc. O gosto pela cultura contrói-se na escola primária, na medida em que
a cultura deve ser vista não como uma forma selectiva de oportunidades, mas como meio de libertação e realização das crianças. Daqui decorre uma transformação de
currículos escolares proporcionando nos casos em risco" programas individualizados de aprendizagem e de enriquecimento curricular, evitando formas desumanas e pouco
dignas de segregação e de humilhação;
4) A necessidade de uma formação universitária dos professores primá rios, pois não trabalham com coisas ou objectos, mas com seres humanos
candidatos à hominização. A dignidade de um país passa pela sua cultura vivida e multiplicada e os primeiros a fazê-la têm de ser bem estimados e acarinhados, a
flm de se lhes exigir níveis de intervenção mais qualificados cientificamente. É pelos professores primários que se pode combater o analfabetismo funcional (de crianças
e de adultos) que entre nós é assustador e comprometedor em várias dimensões socioculturais e socioeconómicas.
KATRINA DE HIRSCH
Outro impo tante vulto no estudo das DA é Katrina de Hirsch. Com a influência dos gestaltistas (Goldstein, Werthein, etc. ) e com formação em Patolngia da
Fala, no Hospital de Doenças Nervosas de Londres, K. de Hirsch desenvolve intensa actividade com crianças afásicas, com uma grande prática nos domínios das disfunções
neurológicas. Tendo sido a fundadora
36
PASSADO E PRESEME NAS DIFICULDADES DE APRENDl7 AGEM
da primeira clínica de desordens da linguagem nos Estados Unidos (Pediatric Language Disorder Clinic - Columbia Medical Center), esta pioneira pode ser considerada,
como Orton e Myklebust, uma especialista da disfunção da fala, tendo nessa linha investigado os défices, recepúvos e expressivos, da linguagem em crianças disléxicas.
Dentro de tais défices, conseguiu detectar os seguintes:
1) Dificuldade em processar verbalizações linguísúcas complexas; 2) Problemas de formulação;
3) Disnomia;
4) Tendência para cluttering (confusão na produção);
5) Desorganização do output verbal;
6) Dificuldades espaciotemporais;
7) Dificuldades em formar esquemas de anteeipação do conteúdo de fra ses;
8) Limitação da compreensão da leitura.
Para além destes aspectos, marcados essencialmente pela sua formação inicial, K. de Hirsch também se debruçou sobre variáveis psicomotoras das crianças disléxicas,
caracterizando-as com um perfil diferenciado nas seguintes dificuldades: desorientação espacial; problemas visuomotores e de figura e fundo; hiperactividade e padrões
motores primitivos. A autora é da mesma opinião que Bender, associando estes aspectos ora a uma disfunção do sistema nervoso central (SNC), ora a problemas de desenvolvimento
e de imaturidade.
K. de Hirsch, noutra publicação editada na Europa (Folia Phoniatria), encontrou na criança disléxica os seguintes factores não linguísticos:
1) Dificuldades na rememorização visual;
2) Características dispráxicas;
3) Problemas de reprodução e configurações espaciais;
4) Problemas de cónfusão figura-fundo, em aspectos quer visuais, quer auditivos;
5) Problemas na reconswção de formas (gestalts) visuoauditivas; 6) Problemas na reconswção de gestalts visuoauditivos;
7) Problemas emocionais como hiperactividade, distractibilidade, desini bição, desorganização, alterações do eu, alterações da autoimagem,
fobia escolar e eultural, etc.
Pedagogicamente, K. de Hirseh recomenda que os métodos se centrem fundamentalmente na criança. Os métodos deverão ser, segundo ela, pers pectivados de acordo
com as necessidades específicas e individuais das crianças. A sua visão eclética integra ainda os trabalhos de Zangwill e de Kimura, pondo em destaque a importância
da dinâmica cortical e da dis
37
INSUCESSO ESCOIAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
função maturacional provocada pela patologia da linguagem. A mesma autora, com outros colaboradores, encontrou mais crianças prematuras num grupo experimental do
que num grupo de controlo, evidenciando a importância da maturação e do desenvolvimento harmonioso na origem das DA.
Por último, é devido a K. de Hirsch o primeiro estudo predictivo do inêxito na leitura. Estudando crianças de três, quatro e cinco anos em idade pré-escolar,
esta autora elaborou uma bateria com 37 tarefas contendo a avaliação de aquisições psicomotoras, da imagem do corpo e aquisições linguísticas. Na base do seu índice
predictivo, K. de Hirsch foi capaz de identificar correctamente 10 crianças em 11 que subsequentemente iam experimentar dificuldades de leitura no fim do segundo
ano de escolaridade (grade). Jansky chegou às mesmas conclusões após um estudo longitudinal de cinco anos, o que prova a validade do seu contributo para o esclarecimento
das DA.
SAMUEL KIRK
Uma das flguras mais relevantes do campo das DA é sem dúvida Samuel Kirk, que iniciou a sua carreira no âmbito da deficiência mental. Doutorado em Psicologia
pela Universidade de Chicago, este autor conseguiu sempre aliar à sua formação a experiência de professor numa escola de adolescentes delinquentes e de deficientes
mentais, caso único na história das DA, diga-se de passagem. É conhecida a sua dedicação pedagógica a um caso de um rapaz de 10 anos diagnosticado como aléxico (world
blind - cego para palavras), tendo utilizado com êxito um método de intervenção que o notabilizou e que inspirou o seu célebre e famosíssimo ITPA (The I!linois Test
of Psycholinguistic Abilities).
Figura 6 - Modelo de Osgood
38
ESTÍMULOS RESPOSTAS visuais motoras auditivos verbais
PASSADO E PRESENTE NAS DIFICULDADES DE APRENDl7 AGEM
Processo Processo Processo
. receptivo organizativo expressivo
.
1Á Recepção Associação ' Expr
; visual visual ma,
,
,
,
,
ir "' , ---
, ; t auditiva i
Estímulo Estímulo Resposta Resposta auditivo visual verbal motora
Completamento gramaúcal Completamento Subteste Completamentoauditivo
auditivo Combinação de sons
Figura 7 - Modelo u'idimensional do ITPA
39
INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
Influenciado pelos trabalhos de Monroe, Hinhselwood e Fernald (outra pioneira célebre a que nos vamos referir), Kirk seguiu estudos de neurologia, fisiologia
e psicologia experimental, tendo mesmo realizado trabalho laboratorial sobre os efeitos de lesões cerebrais em ratos. Com a sua experiência tutorial e investigativa,
prosseguiu sempre com a ideia de isolar variáveis do processo de comunicação, no sentido de determinar as suas importância e significação quer quanto às facilidades,
quer quanto às dificuldades de aprendizagem. Bastou-lhe para tal concluir um curso orientado por Osgood, a quem se deve um dos mais significativos estudos sobre
a comunicação humana.
O modelo de Osgood é caracterizado por dois níveis: o integrativo e o representativo.
No prime 'o a correlação estímulo-resposta compreende os eomportamentos fundamentais como comer e falar e as funções de contiguidade temporal e a função
do gestalt visual, ao mesmo tempo que inclui o nível mais complexo de integração que respeita à função gramatical e sintáctica da linguagem.
No segundo, a relação estímulo-resposta e resposta-estímulo compreende uma função dialéctica que relaciona aspectos significativos e cognitivos da linguagem.
Com base neste modelo, Kirk desenvolveu o seu modelo tridimensional adoptado no ITPA.
Após 15 anos de experiência clínica, Kirk e os seus colaboradores (McCarthy e Kirk, W. 1961) produziram um dos mais importantes testes na história das DA,
o TfPA. Sete anos mais tarde, em 1968, publicou a sua nova edição, tendo introduzido correcções nos aspectos mais susceptíveis de crítica, mormente os estatísticos
e os estudos de implicação educacional e reeducativa.
O ITPA consta de 12 subtestes subdivididos segundo o modelo de comunicação inspirado em Osgood 1957, que postula as seguintes aquisições cognitivas: canais
de comunicação (auditivovocal, auditivomotor, visuomotor, visuovocal, tactilomotor e tactiloverbal); processos psicolinguisticos (receptivo, organizativo e expressivo)
e niveis de organização (representativo ou significativo e automático ou integrativo).
As funções testadas no nível representacional são as seguintes: recepção auditiva, recepção visual, associação auditivovocal, associação visuomotora, expressão
verbal e expressão manual.
Quanto ao nível automático temos: completamento gramatical, completamento auditivo, combinação de sons, completamento visual, memória sequencial auditiva
e memória sequencial visual.
Um dos papéis fundamentais do trabalho que emergiu do ITPA foi o desenvolvimento das capacidades mentais das crianças deficientes, visto que aquele teste
discrimina facilmente as aquisições fortes das fracas, possibilitando, a partir daí, o desenvolvimento de programas individualizados de educação (Figura 7).
O ITPA cobre as idades compreendidas entre dois; quatro e oito; nove anos e é usado principalmente para diagnosticar intraindividualmente as capa
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PASSADO E PRESENTE NAS DIFICULDADES DE APRENDl7 AGEM
cidades e as dificuldades psicolinguísticas. Pode ser utilizado em crianças com DA, em crianças com DM, em crianças com LCM e em crianças com desordens perceptivas.
Seis funções ao nível representacional são avaliadas pelo ITPA. Duas envolvem os processos de recepção (descodificação) auditiva e visual, isto é a capacidade
de captar a significação de palavras e de símbolos visuais.
Exemplos
Da recepção auditiva:
Os rapazes brincam? Sim ou Não As cadeiras brincam? Sim ou Não As cadeiras comem? Sim ou Não Os cães comem? Sim ou Não
Da recepção visual:
Vês esta imagem?
Descobre aqui uma igual.
.
`e
Y "
Figura 8 - Imagens de recepção visual do ITPA
41
INSUCESSO ESCOIAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
Duas outras funções compreendem a associação auditiva e a associação visual, pondo em jogo uma relação de conceitos apresentados auditiva e visualmente.
Exemplos
Da associação auditiva:
O pai é grande; o bebé é O pássaro voa no ar; o peixe nada no O pão é para comer; o leite é para Eu durmo numa cama; eu sento-me numa
Da associação visual:
Apontar para a figura central. O que é que fica bem com esta imagem?
Figura 9 - Imagens de associação visual do ITPA
42
PASSADO E PRESENTE NAS DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM
As restantes funções ao nível representacional avaliam a expressão de conceitos em termos verbais e em termos manuais.
Exemplos
Da expressão verbal:
São dados cinco objectos (prego, bola, cubo, envelope e botão). Pede- se ao observado:
uDiz-me tudo o que sabes sobre -
Regista-se aqui todas as descrições espontâneas, bem como as categorizações verbais seguintes: nomeação, cor, forma, constituição, função, etc.
Da expressão manual:
Figura 10 - Imagem de expressão manual do ITPA
43
Mostra-se várias figuras (martelo, chávena e cafeteira, guitarra, faca e garfo, etc. ) e solicita-se ao observado a demonstração do uso em termos de gestos
intencionais.
INSUCESSO ESCOIAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
As outras seis funções avaGam o nível automático e integram as capacidades respectivas e expressivas, para além das funções de completamento e de
memória sequencial au itiv a e visual.
Exemplos
Da memória sequencial auditiva:
Reprodução simples de dtgitos: 9-i; 8- 1-l; 2-7-3-3; 4-7-3-9-9; etc
Da memória sequencial visual:
Exposição de sequências de imagens, para posteriormente serem reproduzidas por fichas coirespondentes.
Figura Il - Imagem de memória sequencial visual do ITPA
Para além destas situações, o TTPA inclui o completamento gramatical
para avaliar as redundâncias da linguagem oral na utilização da sintaxe e
das inflexões gramaticais. A combinação de sons (sound blending) está
incluída na função de completamento, exactamente para avaliar a capaci dade de sintetizar partes da palavra (s0abas). Eis assim, de um modo esque
máúco,
a apresentação de alguns itens do ITPA. Vejamos em seguida os
' seus resultados.
Vários estudos se têm se ido à ublica ão do ITPA. Vejam
' p ç os resumii damente alguns:
1) Um sobre a sua validade (Paraskevopoulos e Kirk 1969), onde foram
aúngidas correlações de 0, 41a 0, 67entce o quociente psicolinguístico
(QPL) dado pelo ITPA e o quociente intelectual (QI) dado pela
Standfor Binet Intelligence Scale (SBIS).
Verificou-se ainda que os subtestes de associação auditiva e de
completamento gramaúcal evidenciavam uma coirelação superior à
dos restantes, sendo os de completamento auditivo e de combinação
; de sons os que mostravam correlações mais baixas;
44
PASSADO E PRESEME NAS DIFICUlDADES DE APRENDIZAGEM
Associação
Descodificação 1 3 5 Codificação u >
z 2 a ó
7I
ó a 8D c
z
I I I
b 9 d
E e 0
Esúmulo Resposta
visual e verbal e
auditivo motora
Sem déficeÁrea fone Défice marginal Défice
Nivel representacional Nivel integracional
1. Descodificação auditiva 7. Integração verbal automática
2. Descodificação visual 8. Sequência auditivoverbal
3. Associação auditxvoverbal 9. Sequência visuomotora
4. Associação visuomotora a) Complemento visual automá 5. Codificação verbal txo '
6. Codificação motora b) Combinação de sons (Montne)
c) I. abirintos (WISC)
d) Memória de desenbos
(fnahatn-Kendal)
e) Velocidade perceptiva
Figura 12 - Modelo clínico do processo de leitura de Kass, indicando as áreas
fone, sem défice, com défice marginal e com défice
45
INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSlCOPEDAGÓGICA
2) Weener, Barnt e Semmel 1967 examinaram as intercorrelações dos subtestes, criticando que o ITPA não corresponde exactamente ao modelo teórico
de Osgood. Os níveis, os canais e os processos não medem as mesmas funções, visto que a análise factorial (rotação ortogonal) provou a existência de capacidades
psicolinguísticas isoladas e não uma capacidade geral, como defenderam Kirk e os seus colaboradores. Estes autores concluem que o ITPA surge com várias contradições
no plano da sua validade estatística e da sua consistência interna;
3) Ryckman e Wregerink 1969, adoptando um estudo de análise factorial (principal axis factor analysis), encontraram mais diferenças discri
minativas nuns níveis etários do que noutros. Aos três anos determinaram um factor geral com ênfase forte no canal visuomotor pondo em evidência a instabilidade
estatística dos seus coeficientes.
Independentemente das críticas que têm sido publicadas sobre o ITPA, umas com enfoque estatístico, outras na base dos problemas que se levantam ao nível
reeducativo, não restam dúvidas de que o ITPA é um instrumento valioso no que respeita à articulação indispensável entre o diagnóstico e os programas de intervenção.
Seria exaustivo apresentar nesta sinopse os inúmeros trabalhos de inter venção e aplicação do ITPA no ensino especial; de qualquer forma, podemos
acrescentar que ele foi amplamente estudado nos seguintes campos:
a) Dificuldades de leitura;
b) Desordens da fala; c) Deficiência mental;
d) Trissomia 21;
e) Grupos étnicos;
j) Crianças com paralisias cerebrais;
g) Crianças com deficiências visuais e auditivas, etc.
Pelo interesse que têm, principalmente para os professores, limitamo-nos a destacar dois desses trabalhos:
; i) O de Corrine Kass 1966;
! 2) O de Macione 1969, em que se apresenta, pelo interesse didáctico inerente, o respectivo perfll médio dos dois grupos experimentais.
No primeiro projecto de investigação, C. Kass encontrou uma relação sig nificativa entre a dificuldade da leitura e os resultados dos subtestes do
nível automático, incluindo também testes de velocidade perceptiva, de completamento (closure) e de memória visual. De acordo com a mesma autora, os problemas psicológicos
básicos das crianças com dificuldades na leitura são
46
PASSADO E PRESENTE NAS DIFlCU1 I)ADES DE APRENDIZAGEM
mais do nível automático e integrativo do que do nível representacional e simbólico. Estes dados vêm reforçar a tese das desordens no processo de informação
e demonstrar que os problemas das crianças disléxicas não se situam ao nível representacional, como se prova pelas suas capacidades em interpretar figuras, retirando
delas elementos de conteúdo e significações. Tais crianças parecem ter problemas em captar significações não de fi uras, mas de palavras. g
Baseado nesta interpretação, Kass apresenta o modelo clínico da página 45. O segundo projecto de Macione, conduzido com 28 crianças com dificuldades
de leitura, e com 28 crianças sem dificuldades, encontrando-se ambos os grupos, no momento da investigação no 3. o ano de escolaridade (grade), obteve os seguintes
perfs médios no ITPA:
Figura 13 - Resultados do I1'PA em bons e maus leitores
47
a M a 8 po sem dificuldade b Média de grupo com dificuldade e enças significativas entre cáanças com e sem dificuldade (p. > 0, 05)
INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAG lGICA
Deste projecto concluía-se que as crianças com dificuldades na leitura apresentam mais problemas nos seguintes subtestes do nível automático: completamento
gramatical e visual, memória sequencial visual, completamento auditivo e combinação de sons.
Destes dois estudos parece poder-se concluir de novo que o processo da leitura (a provar estão em evidência as dificuldades encontradas nas crianças disléxicas)
exige a presença de um conjunto de pré-requisitos de nível automático que raramente são tomados em at, enção nos programas pré-primários, primários e mesmo até reeducativos,
daí a importância destes dados numa perspectiva preventiva.
A interpretação dos resultados do ITPA permite detectar o pezfll intraindividual e o estilo de aprendizagem" das crianças com DA. Ao contrário do teste
de Frostig, o ITPA evidencia factores isolados (isola aptidões específicas) e avalia funções psicológicas discretas de grande interesse para o conhecimento do potencial
básico de aprendizagem das crianças, que evidentemente poderão ser muito úteis para a compreensão das facilidades e das dificuldades psicolinguísticas características
das crianças com problemas de aprendizagem simbólica.
A aplicabilidade educacional imediata do ITPA só por si demonstra a utilidade e a validade do instrumento criado por Kirk e colaboradores, que muito contribuiu
e contribuirá para o progresso e o desenvolvimento do campo das DA.
HELMER MYKLEBUST
Neste grupo de pioneiros orientados para as funções da linguagem resta- nos abordar Helmer Myklebust, professor de Patologia da Linguagem, professor de Psicologia
e professor de Neurologia e Psiquiatria. Recebeu o seu Ed. D. (Fducational Doctor) da Rutgers University em 1945 e foi director do Instituto das Desordens da Linguagem
da Universidade de Northwestern, por onde nos pós- graduámos.
Este autor, do qual recebemos influência directa e ao qual nos vamos referir constantemente nos próximos capítulos, foi o criador do quociente de
aprendizagem, e do conceito psiconeurológico de DA Sobejamente conhecido pelos seus trabalhos de investigação, nomeadamente nos catnpos da deficiência auditiva,
da afasia e das DA, tem vindo a contribuir significativamente com inú nerprocessos de diagnósticos e de reeducação (remediation), magistraimente descritos no livro
Learning Disabilities - Educational Principles and Practics, escrito em coautoria com Doris Johnson, nossa profes= sora na Universidade de Noithwestern (Evauston-Chicago).
Myklebust é o primeiro autor a quantiftcar as DA comparando o poten cial expectaávo das crianças e o seu nível de realização actual. A criaçãó do
quociente de aprendizagem (QA) resultou da necessidade de prover o diagnosticador (psicólogo, reeducador ou professor) de um instrumento que
48
PASSADO E PRESEME NAS DlFICULl7ADES DE APRENDI7AGEM
possibilitasse o parâmetro de discriminação entre uma criança com DA e uma criança deficiente mental, independentemente de se poder encontrar crianças deficientes
mentais e crianças de inteligência superior com DA.
O cálculo do QA aplica a seguinte fórmula para obter uma idade expec tativa (expectancy age):
= Idade expectativa
IM+IC+IEsc=IExp. 3
Depois de se obter os resultados do teste de inteligência, quer o verbal, quer o não verbal (performance ou de realização), o mais alto destes dois resultados
é utilizado para estimar a componente da idade mental, podendo aqui, segundo Myklebust, detectar-se se a DA é verbal ou não verbal. Avalia-se os dois aspectos, mas
considera-se o melhor resultado para indicar o potencial da criança. A idade cronológica indica a maturidade fisiológica. A idade escolar reflecte a experiência
educacional e particularmente as suas oportunidades de aprendizagem.
Depois de calculada a idade expectiva, esta é dividida pelo nível escolàr que a criança obtém em testes académicos (achievement tests), daí resultando o
QA.
Idade expectativá
= Quociente de aprendizagem Idade de leitura (escrita, cálculo)
= QA IL
Por exemplo, uma criança com a idade expectativa de 10 anos e lendo um texto para uma criança de oito anos obtém um QA de 80 na leitura. Reconhecendo a natureza
arbitrária da determinação do ponto onde o QA é sinónimo de uma DA, Myklebust no entanto fixa-o em 89 (cutoff score).
A criação do seu conceito psiconeurológico das DA" resulta da sua não-concordância com as definições mais populares, pois defende uma posição etiológica.
Mesmo referindo que o termo consubstancia uma etiologia de lesão cerebral (brain injury)', Myklebust adopta a designação para envolver manifestações de comportamento
e de aprendizagem.
O interesse que Myklebust pretende evocar situa-se na relação entre o cérebro e o comportamento, particularmente no que respeita à aprendizagem (wny main
intérest for more than a decade now has been the relationship between brain and behaviour particularly as these pertain to learningH 1972).
Visw surgir a necessidade de se reconhecer que a expressão lesão cerebral mínima' (l. CM) se refere mais a manifestações de comportamento do que à quantidade
de cérebm lesado.
49
INSUCESSO ESCOIAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
Podemos assegurar que o interesse de Myklebust se situa na compreensão dos factores e nos tipos de disfunções que afectam a aprendizagem. Segundo ele, tais
aberrações poderão ser de três tipos:
1) As que são de origem psicológica intrínseca;
2) As que resultam de problemas do sistema nervoso periférico' 3) As que derivam de desordens do sistema nervoso centcal. É mais sobre
este último aspecto que este autor se coloca.
Segundo o autor, nos Estados Unidos, durante muitos anos, imensas crianças com DA (e com aspectos de ajustamento social concomitantes) eram classificadas
como deficientes mentais, deficientes sensoriais ou emocionalmente perturbadas. Este panorama foi posteriormente combatido, tendo-se chegado à conclusão de que um
número significativo de crianças não aprendia nas escolas públicas, independentemente da sua inteligência normal, das suas ade quadas visão, audição e motricidade
e do seu ajustamento socioemocional.
A partir destes factos (que subsistem perigosamente no sistema escolar português por falta de uma definição e uma clarificação concisas), foi necessário
desenvolver um intenso trabalho de investigação para se adoptar uma classificação mais apropriada e significativa. Tal classificação teria de discriminar claramente
crianças deficientes mentais, crianças com lesões mínimas cerebrais e crianças com dificuldades de aprendizagem.
De acordo com Myklebust, trata-se de detectar crianças com disfunções no cérebro (disfunções psiconeurológicas), que não manifestam grandes anomalias neurológicas
(gross neurological anormalities), mas que frequentemente apresentam défices complicados na aprendizagem e no comportamento, mesmo que se verifiquem nelas potenciais
intelectuais médios ou elevados.
Foi necessário, e ainda hoje é preciso, encontcar dados e factos que pernútam obter uma defnição mais refinada e precisa da condição das DA e dos seus efeitos
específicos. O critério para o diagnóstico diferencial não é puramente uma questão de hostilidade entre vários profissionais - está em causa a felicidade de futuros
cidadãos, daí que muitos investigadones se esforcem para o obter.
O complicado problema da definição foi e é uma preocupação deste autor'' de facto, Myklebust começa por colocar o problema considerando que a população total
das pessoas lesadas cerebralmente inclui: paralisia cerebral, deficientes mentais e talvez (o sublinhado é nosso) outros. Nuns, os efeitos na aprendizagem e no comportamento
são visíveis e óbvios; noutros, o problema requer diagnósticos mais sofisticados e diferenciados, e dentro desta categoria Myklebust integra as lesões mínimas do
cérebro e as DA.
1 Sabe-se igualmente que uma pequena disfunção numa dada área do cérebro pode provocar grandes efeitos no comportamento, enquanto uma grande ou extensiva
disfunção noutra área resulta em alterações de comportamento mínimas. A questão está em saber quando é mínima a lesão, o que nos parece, para o conbecimento actual,
muito difícil de defmir, até porque, como afnmou Orton, a área e a sua localização funcional específica são mais importantes do que a quanti dade de tecido cerebral
lesado.
50
PASSADO E PRESENTE NAS DIFICULDADES DE APRENDl7 AGEM
A deficiência específica, encontra-se na capacidade de aprendizagem. É esta característica a base da homogeneidade das crianças com DA, não obstante se
reconhecer muitos tipos e graus. Há uma integridade e uma competência geral, isto é, um potencial de aprendizagem normal mas que não tira proveito unormal" da experiência
e das oportunidades educacionais triviais, ou seja, as crianças não aprendem normalmente. Parece surgir uma espécie de dificuldade em actualizar o seu potencial.
Em conclusão, para Myklebust o critério deverá ser o seguinte: uma integridade geral e uma deficiência na aprendizagem (generalized integrity and a deficiency
in learning).
Os requisitos da aprendizagem normal e as características das DA são, de acordo com Myklebust, perspectivados nos dois quadros seguintes:
APRFNDIZAGEM NORMAL
Integração da experiência
Funções intersensoriais
Funções intra-sensoriais
Audição - Visão Tacúloquinestésico
Capacidades psiconeurológicas
Figura 14 - Modelo de aprendizagem normal, segundo Myklebust
51
INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPFIlAGÓGICA
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(dis)Capacidades psiconeurológicas ;
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Figura 15 - Modelo de dificuldades de aprendizagem, segundo Myklebust
O problema é demasiado complexo para ser tratado num livro de introdução e, para salvaguardar este aspecto, não nos alongaremos mais sobre este assunto;
no entanto, parece-nos que os dadõs neurológicos (sem querermos subestimá-los, evidentemente) não são necessariamente definitivos e conclusivos. Surge aqui a introdução
dos denominadns soft signalsl, ou sinais ligeiros, que podem ser igualmente detectados, segundo Myklebust, em testes psicológicos, educacionais e psicomotores, isto
é, em termos de evidências comportamentais.
' Muitos estudos baseados em novas tecnologias (ressonância magnética, PET-Tomografa por emissão de positrões), estâo clarificando estes sinais quando comparam
disléxicos com não-disléxicos.
52
PASSADO E PRESEME NAS DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM
Para Myklebust, a disfunção cerebral psiconeurológica (e este é um aspccto crucial, muitas vezes incompreendido por psicólogos e professores) que causa a
DA pode não ser, necessariamente, causada por lesão ou dano (damage). Ela pode ser evolutiva, podendo ocorrer numa base endógena, ou ser até de natureza hereditária.
Embora controversa, a investigação neste domínio vem apresentando factos que confirmam a disfunção cerebral em indivíduos disléxicos, após análise pós-mone
dos seus cérebros.
Assim, Galaburda e Kemper, estudando o cérebro de uma pessoa dis léxica, descobriram uma estrutura anormat das células neurológicas nas áreas que controlam
a função da linguagem.
uPela primeira vez se demonstcou que subsistem diferenças anatómicas no cérebro das pessoas disléxicas. Esta afirmação de Galaburda (neurologista) e Kemper
(neuropatologista) foi recolhida de observações feitas a um jovem disléxico de 20 anos, vítima de acidente de viação.
Na análise pós-mone, daquele cérebro, à base de uma nova técnica, a citoarquitectura, que permite a análise dos arranjos celulares por meio do estudo da
densidade das camadas e dos úpos de células, foram idenúficadas estcanhas anormalidades nas camadas das células do hemisfério esquerdo, onde se pensa que as funções
da linguagem estão localizadas.
Na área designada por tpt foram discriminadas pequenas convolução onde os padrões de organização das células se encontravam alterados, fusionados e desananjados.
Mais: nàs camadas mais superf, ciais do cónex, foram encontradas células onde elas normalmente não existem (ectopias e displasias) para além de se ter identificado
ilhas de tecido corúcal, (islands of comcal tissue) na substância branca do cérebro. Para aqueles autores, a área Ktptr, é normalmente maior no hemisfério esquerdo,
mas no cérebro dislézico, os dois hemisféricos apresentam o mesmo tamanho. Para ambos os investigadores, os disléxicos apresentam as áreas relevantes da linguagem
mais pequenas em ambos os hemisférios; outras anormalidades foram encontradas no hemisfério esquerdo, mas nenhumas no hemisfério direito. É óbvio que estes dados
não são suficientes para avançar com conclusões definiúvas; no entanto, vêm clarificar inúmeras hipóteses avançadas anteriormente. É preciso esperar por mais estudos
dos cérebros de pessoas disléxicas. Geschwind, outro elemento do grupo de estudos do Hospital Beth Israel, de Boston, declarou: embora ninguém possa ainda dizer
que estas anormalidades existem em todos os disléxicos, é, no entanto, a primeira vez que se demonstra inequivocamente uma alteração na eswtura cerebral do indivíduo
disléxico. "
Com estes estudos parece confirmar-se que os arranjos das esWturas cerebrais básicas dos disléxicos se eneonvam alterados (miswiring), sem a ocorrência de
lesão, hemorragia ou traumatismo pós-nascimento (ver Figura I 6).
A terminologia ideal deverá especif, car a deficiência na aprendizagem (Hdeficiência simbólican ou deficiência cognitiva) e indicar que essa defi
53
INSUCESSO ESCOlAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
ciência resulta de uma disfunção no cérebro, clarificando que é a neurologia da aprendizagem que está alterada.
Inicialmente, no entanto, como diz Myklebust, as primeiras manifestações são comportamentais e não neurológicas: as implicações mais óbvias são, porém,
de natureza psicológica".
É por esta razão que o autor sugere, e nós apoiamos profundamente, o termo psiconeurológico para designar a área de estudo que respeita às desordens de
comportamento associadas a disfunções cerebrais nos seres humanos.
Esta designação é distinta do termo neuropsicológico, que respeita as relações entre o comportamento e o sistema nervoso em organismos normais, e está geralmente
associada a trabalhos experimentais também em animais inferiores.
A psiconeurologia compreende, poztanto, todas as aberrações de comportamento que têm uma base neurológica, independentemente da idade em que ocorrem e da
etiologia.
É neste sentido que Myklebust se refere a desordens psiconeurológicas da aprendizagem (psyconeurological learning disorders). Esta terminolo
54
Figura 16 - As setas indicam os arranjos alterados das estruturas cerebrais
do indivíduo disléxico, com as camadas fusionadas
e excessivamente convolucionadas
PASSADO E PRESENTE NAS DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM
gia, reforça o autor, tem a vantagem de indicar que a desordem da apren dizagem é um tipo de desvio comportamental, ao mesmo tempo que encerra um problema de aprendizagem
e não um problema de incapacidade de aprendizagem (afasia, alexia, agrafia, etc. ).
Muitos problemas subsistem quanto à terminologia, ao critério e à definição que envolve o conceito de DA. Enquanto não se clarificar a complexidade do problema,
não vemos como se poderá, consequentemente, desenvolver programas educacionais apropriados às necessidades específicas das crianças.
Cada vez mais a escola se encontra confrontada com crianças com DA. A excepção à regra, nos nossos dias, são as crianças sem DA, ou melhor, sem distúrbios
ou problemas de aprendizagem. Tais crianças mal definidas são raramente detectadas ou identificadas, e como resultado dessa atitude negligente e indolente surgem
os evitáveis estigmas escolares do insucesso e do inêxito.
Modificações estruturais, legais, educacionais e científicas têm de ser implementadas na escola e muitas dessas alterações colocam em questão estes problemas
de clarificação.
O critério, a definição ou a clarificação destas crianças é urgente, como afirma Myklebust. Urge estabelecer por consenso tal critério essencial, salvaguardando
implicitamente os direitos da criança, na medida em que a clarificação da definição pode contribuir seguramente para a planificação, a estruturação, a organização
e a criaçãó de serviços e de técnicos, encorajando o desenvolvimento de programas de identificação e de métodos de intervenção.
Myklebust não omite este tipo de repercussões sobre o problema das desordens psiconeurológicas; por isso, desenvolveu intensa actividade investigativa no
sentido da criação de processos de identificação (ver exemplo da escala de identificação de DA) e de métodos de intervenção pedagógica.
Num dos seus estudos de identificação, Myklebust apurou que 75% a 85% das crianças com DA manifestavam sinais neurológicos evidentes, e que tais sinais poderiam,
em muitos casos, obter confirmação pelo elec t nencefalograma. Mais, o seu trabalho de identificação, que envolveu toda a população escolar dum distrito (cerca de
dois milhões de crianças), mostrou que um mínimo de 5% de crianças em idade escolar evidencia DA resultantes de distúrbios no cérebro. Outros autores, a este respeito,
avançam com cifras muito maiores. No mesmo trabalho, este autor demonstra que os problemas são cinco vezes mais comuns nos rapazes do que nas raparigas, sugexindo
que provavelmente alguns tipos de DA derivam etiologicamente de um factor genossómico.
Cada vez mais é possível encontrar factos que confirmam as relações entre o cérebro e a aprendizagem, e neste sentido a obra de Myklebust é um marco inequívoco
e primordial para a compreensão das DA, apenas pecando por falta de uma análise interaccionista do tipo biossocial.
55
INSUCESSO ESCOIAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
No seu trabalho, Myklebust equaciona o problema da linguagem num contexto psiconeurossensorial simplificado no seguinte esquema:
Figura 17 - Modelo psiconeurossensorial da linguagem, segundo Myklebust
A linguagem resulta da transformação de uma informação sensorial numa informação cognitiva, e este salto qualitativo, naturalmente com raízes antropológicas,
deve-se às sucessivas liberdades anatómicas que resultam da expansão do cérebro (Fonseca 1980). Para além de envolver este salto, do sensorial ao cognitivo, isto
é, da experiência às suas simbolização e significação, foram necessários muitos esforços obviamente de raiz biossócio- histórica.
Atingir abstracções de sinais, de signos e de símbolos é um privilégio do Homem. O Homem reage a um sinal ou a um estímulo sensorial quando este transporta
um significado, uma motivação.
A linguagem, ao contrário da comunicação (também inerente na comunicação animal), implica a capacidade de abstracção, nascida da experiência e integrada
no cérebro do Homem, por meio da linguagem interior, primeira e verdadeira dimensão da linguagem entre os seres humanos.
A significaçâo constitui a característica dominante da aprendizagem da linguagem (interior, receptiva e expressiva), visto ser a base do código verbal. Como
avança Myklebust - e este é um dado imprescindível para a compreensão das DA -, a linguagem é o resultado da transformação das informações sensoriais em símbolos
significativos. É a simbolização que torna possível o código que consubstancia a linguagem na espécie humana. O resultado desta transformação, como é fácil ver no
quadro acima referido, é naturalmente uma função do cérebro.
É o cérebro que aprende a significação e a prová-lo estão os trabalhos de Neisser 1978. Vejamos o que nos mostram esses trabalhos. Segundo aquele
56
PASSADO E PRESENTE NAS DIFICU1, 17ADES DE APRENDl7 AGEM
autor, os potenciais cerebrais evocados pelo termo rock são diferentes consoante a significação. Quando o termo significa rocha, o potencial evoeado é diferente
de quando a mesma palavra significa tipo de música, Parece provar-se que o cérebro codifica e processa a informação na base da sua significação e não meramente
pela sua produção ou expressão (unerance) vocal ou pela sua caracterização como palavra isolada numa frase, num periodo ou numa página.
A significação é tudo o que constitui a linguagem interior, ou melhor, é o comportamento representacional (re + presença, isto é, presença fixada
no cérebro como uma significação adquirida e consolidada vivencialmente i. e. , eorporalmente) resultante da experiência e, como tal, um verdadeiro produto do pensamento
necessário à transmissão de ideias.
Por outras palavras, a linguagem envolve uma significação. Esta, por sua vez, envolve um processo de informação e este, por último, implica um processo
de tradução e de equivalência, e, como tal, subentende um modelo cognitivo e uma estrutura que o operacionalize, isto é, um cérebro.
Para expressar ideias e sentimentos, o cérebro terá de munir-se de meios sistemáticos e convencionais de comunicação - gestos, sinais, sons, etc.
contendo significações. Vygotsky 1962 ajuda-nos aqui quando afirma que a palavra sem significação não é uma palavra.
Vejamos superficialmente alguns aspectos psiconeurológicos da lingua, gem. Por exemplo, recorrendo à Penfield e Roberts 1959, nos aspectos neurológicos da
linguagem falada há diferenças nos tipos de afasia produzida por lesões em diferentes áreas do córtex da fala (speech cortex). Nalguns easos, há mais envolvimento
sensorial - afasia sensorial -, noutros, mais envolvimento motor - afasia motora. Nesta, a fala está comprometida, enquanto a compreensão da fala está relativamente
intacta. Na outra, o inverso é verdadeiro. As unidades motoras (no lóbulo frontal) estão separadas espacialmente das unidades sensoriais (no lóbulo temporal). Mas
é claro que ambas estão localizadas na região geral das áreas corticotalâmicas da fala, situadas no hemisfério esquerdo, onde elas se encontram funcionalmente muito
inter- relacionadas. Esta afirmação, assinalada por Myklebust, garante-nos outros dados para a compreensão do seu conceito de DA.
Noutro exemplo, no que concerne à linguagem escrita, Myklebust analisa a leitura nos seguintes termos: a leitura implica uma "tradução" (transdução ou equivalência)
do que está imprimido na página, em equivalentes auditi vos que são. apreendidos previamente.
Por outro lado, a escrita, que é, como sabemos, reálizada pela mão dominante, mão essa controlada por mecanismos motores corticais do hemisfério
oposto (mão direita-hemisfério esquerdo, na maioria da população), compreende um movimento voluntário, inicialmente, e, posteriormente, um movimento automatizado.
57
INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
Lbbulo fiontal Fascículos (unidades motoras) c os
Á cea de Broca
Figura 18 - No lóbulo temporal situam- se as unidades sensoriais. A área
de Wernicke recebe os estímulos auditivos, compreendendo-os significativamente. A sua lesão não altera a fala (output), mas sim a compreensão; daí a designação de
afasia receptiva e ou central, A área de Broca, situada no lóbulo frontal, compreende as unidades motoras, que controlam o movimento dos músculos dos lábios, do
maxilar, da língua e das cordas vocais, incorporando os programas- articulemas - que produzem a fala. O girus angular actua como conexão entre as regiões auditivas
e visuais, centro básico da conversão do estímulo visual - optema - em unidades auditivas equivalentes - fonema -, ou seja,
o processo básico da leitura
Continuando ainda com Myklebust, o factor ideacional da linguagem, quer seja falado, lido, ouvido ou escrito, depende de certa porção de um hemisfério (normalmente,
o esquerdo). Esta localização funcional é uma aquisição filogenética própria da evolução dos mamíferos, citando Penfield e Roberts 1959. Outras funções intelectuais,
como a percepção, a rememorização, as generalizações, etc. , são feitas por áreas homólogas em ambos os hemisférios, que por sua vez se encontram coordenados e integrados
pelo trabalho do tronco cerebral.
A aprendizagem da linguagem, por consequência, envolve naturalmente o cérebro, como provam as experiências de Hebb 1949.
A hierarquia da linguagem é um todo. A fala, a leitura e a escrita não podem ser vistas como elementos isolados.
Independentemente do envolvimento, incluindo aqui a estimulação e a interacção verbal ou os métodos de ensino, a hierarquia da linguagem inclui factores
genéticos que sequencialmente seguem um padrão de desenvolvimento, necessariamente dependentes de processos de maturação orgânica (dialéctica da hereditariedade
e do meio).
58
PASSADO E PRESENTE NAS DIFICULDADES DE APRENDl7 AGEM
: Na base desta evolução estão vários processos psicológicos, também hieuicamente integrados; vejamos então tais processos, segundo Myklebust:
t 2 3
PERCEP ÃO IMAGEM SIMBOLIZAÇÃO
T
. diseriminação; mediação entre o input e representação
o ourput; da experiência;
: identificação;
descodificação; associação de estímulos
inte pretação de experiên- a significações;
' análise e síntese;
cia sensorial; categorização.
retenção;
sistemas de transdução
de informação intra, in- memória;
terneurossensorial; de
equivalentes auditivos a . visualização;
visuais (linguagem falada) para processos inver- auditorização;
sos, isto é, visuais para
equivalentes auditivos rechamar os elementos
(linguagem escrita). aprendidos disponíveis.
Figura 19- Processos psicológicos integrados, segundo Myklebust
Daí a associação de Myklebust, quando compara as incapacidades às dificuldades:
LNlGUAGEM ESCRITA
afa5ia afa5ia
dexia agrafia disgratiaexpressiva disfasia
i ncapacidade dificuldade incapacidade dificuldade
Figura 20 - Incapacidades e dificuldades de aprendizagem
Teremos de reconhecer, como afirma Myklebust, que a simbolização necessita de que a informação vá sendo traduzida, codificada, e como tal, interiorizada
na base da signiftcação, desde a recepção à expressão.
Este é, quanto a nós, um aspecto essencial para a compreensão das DA, e também deverá ser encarado como um dado básico da sua definição, do seu diagnóstico
e do seu tratamento.
59
INSUCESSO ESCOL9R - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
Ao terminar esta síntese sobre um autor com tantas obras publicadas,
não poderemos omitir algumas reflexões que o seu último trabalho nos
deixa - Towards a Science of Dyslexiologya (Para Uma Ciência da Disle xiologia) -, uma página inaugural de uma nova ciência, com exactos
paralelismo e importância com a afasi4logia.
Para Myklebust, a dislexiologia tem os seus conceitos e as suas questões
com a integração de um elevado número de disciplinas, como por exemplo,
psicologia, patologia da linguagem, psiquiatria, neurologia, pediatria, oftal mologia, electroencefalografia, psicolinguística, genética, educação,
etc. As
ciências médicas, neurológicas (neuroscience), comportamentais e pedagó gicas têm também papéis determinantes quanto ao seu desenvolvimento.
Myklebust avança com o termo dislexiologia, para designar um campo
i profissional especializado necessário para satisfazer e atingir os seus objec tivos como ciência e como prática.
Muitos esforços serão necessários no sentido de promover, rápida e
urgentemente, a coordenação entre várias disciplinas, inclusivamente a troca
de ideias básicas, a precisão e a estruturação nosológica que o termo disle, xiologia em si requer, visando a superação de antigas e presentes
confusões,
, para além de reconceptualizar a terminologia de um campo tão recente e con troverso como é o das DA.
i Afasia e dislexia são, efectivamente, os dois tipos de patologia da lini
I guagem mais significativos. Como subespecialidade, Myklebust pretende
', apenas chamar a atenção para a dislexia, elevando-a ao nível científico a que
se encontra a afasia.
i
Para este investigador, a dislexia constitui uma desordem cognitiva e uma
desordem da linguagem.
Desordem cognitiva, exactamente porque se centra na problemática da
significação da linguagem interior, da abstracção, da formação dos concei tos e das metáforas. Para Myklebust, a dislexia evidencia uma perturbação
no processo de simbolização, não se operando a significação da significação
(meaning of meaning), na medida em que a aquisição da significação, que
deverá resultar da leitura, põe em jogo um processo cognitivo e integrativo
(cognitive neural process). Descodificar e simultaneamente compreender
são um todo no processo da leitura, trata-se de uma análise pela síntese.
Obter significação compreende uma relação com o pensamento abstracto.
Deduzir, inferir, implicar, generalizar, conotar, associar, categorizar, etc. dão -se imediatamente quando o processo da leitura está adquirido.
A significação resultante da leitura é um conceito psicológico que precede
a linguagem, porque ela nasce das coisas reais e concretas. A significação é
anterior à utilização da linguagem falada e está permanentemente implícita
no processo da recepção e da expressão da linguagem escrita (Gibson e Levin
1975).
Desordem da linguagem, porque impede as relações entce a linguagem
auditiva (receptiva e expressiva) e a linguagem visual (receptiva e expressiva),
60
PASSADO E PRESENTE NAS DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM
ou seja, o acesso à alfabetização independente, garante da cultura consolidada em cada ser humano. Ler não é uma aprendizagem de novos sinais. Trata-se apeuas de
lidar com material já adquirido auditivamente, mas agora sobrepondo o sinal visual (optema) sobre o sinal anterior (fonema). A diferença está na modalidade sensorial
e na função neurológica. Na linguagem escrita a modalidade é visual, passando pela auditiva através de processos neurológicos p -estruturados e de equivalências
significativas, que constituem o domínio integrado do código. Na escrita, a modalidade é motora (grafomotora); dáí a nechamada dos grafemas, que antecedem a planificação
motora que a produz.
Em resumo, a significação (linguagem interior) é um requisito da leitura. Apnender a ler começa com a aquisição da linguagem corporal e falada. Assim, não
basta reproduzir uma palavra para a compreender, como acontece na ecolália (o princípio para o papagaio também é válido), também a simples leitura (word-calling)
de palavras ou frases sem as ligar à significação não tem relevância; daí a dislexia, ou seja, como diz Myklebust, um défice na capacidade para verbalizar simbolicamente.
Vários tipos de dislexias são descritas por Myklebust. Vejamos sumariamente cada um deles:
1) Dislexia da linguagem interior - a mais severa das formas de dislexia (word-calling). A criança percebe os optemas e tradu-los para os
equivalentes auditivos, lendo alto; simplesmente, a função de significação não é atingida;
2) Dislexia auditiva - afecta o processo cognitivo que relaciona os fonemas com os optemas na formação das palavras. Ler é de certa forma
ver e ouvir A visualização pressupõe a auditorização, dos optemas, isto é, a capacidade de simbolizar e de codificar a informação. Aqui a função não é idêntica
à afasia receptiva, o que está afectado é a auditorização dos fonemas, por isso as funções da silaba Ção (soletração), a fonologia e a função auditiva são um indicativo
muito forte no êxito da leitura (Menyuk 1976, Kinsboorne 1976, Myklebust 1978). A facilidade em adquirir as características auditivas de uma palavra (consciencialização
fonética) é um processo básico de informação a que se deve dar mais atenção;
3) Dislexia visual - a que tem sido mais estudada (word-blindness), valoriza a função de discriminação visual inerente às características
das letras (optemas para a função de input, e grafemas para as funções de output): tamanho, forma, linhàs rectas ou curvas, ângulos, orientação vertical ou horizontal,
etc. Quando as letras não são reconhecidas como letcas, éntão temos uma dislexia visual. Neste caso, não é a função de compreensão ou de significação que está em
causa, o problema é o da discriminação que afecta a codificação visual dos optemas, e a formação das palavrás, prejudicando a simbolização. Da identificação das
letcas (aspecto visual) à síntese das slabas, aspecto também auditivo,
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INSUCESSO ESCOIAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
e destas às palavras, podem passar- se diferentes problemas de neconhecimento visual, e são estes os mais afectados na dislexia visual. Jeffrey e Samuel
1967, focados por Myltlebust, ao estudarem as subaquisições da leitura, demonstraram que o método de aprendizagem de correspondência grafema-fonema é preferível
nestes casos ao método global. A leitura, não pode, portanto, ser apenas observada globalmente num aspecto perceptivovisual; ela encerra, para além destes aspectos,
processos cognitivos intermodais e inter- hemisféricos, visoauditivos de grande complexidade, como provaram os estudos de Vellutino e colaboradores 1972 e 1975.
Daqui nasce uma reflexão
crítica sobre os métodos globais exclusivistas, que podem deixar esca par um disléxico visual, independentemente de mais tarde se virem a confirmar
outros problemas aos níveis fraseológico e ortográfico; 4) Dislexia intermodal - A leitura não envolve somente processos
intravisuais ou intra-auditivos; por isso, podemos e devemos discri minar entre uma dislexia auditiva e uma dislexia visual. A dislexia intermodal surge
quando os processos cognitivovisuais não são tcansformados nos seus equivalentes auditivos ou vice-versa. Quatro funções cognitivas intactas são necessárias à leitura:
integridade do processo auditivo, integridade do processo visual, integridade dos processos auditivovisual e visuoauditivo (processos transmodais) e integridade
do processo integrativo.
Birch e Belmont 1965 apresentaram dados sobre os maus leitores que evidenciam problemas de integração intermodal, provando que a leitura envolve, algures,
uma conexão entre a informação visual e a auditiva.
Alongámo-nos intencionalmente em Myklebust, nesta viagem rápida pelos pioneiros do terreno. Este autor obriga-nos a reflectir sobre a leitura e os seus processos
psiconeurológicos pré- estabelecidos e hierarquizados.
Ler é, provavelmente, o factor dinânúco de todas as culturas; daí a situação embaraçosa e chocante das sociedades iletradas ou analfabetas.
Combater esta tendência nos adultos, e fazer prevenção nas crianças, pode evitar muita frustação e muitos desequih'brios emocionais.
Vale a pena seguir o exemplo de Myklebust apelando para o trabalho interdisciplinar entre: pediatras (a prevenção da dislexia cabe-lhes de certa forma, se
aplicarem e desenvolverem meios de identificação adequados);
62
Figura 21- Processo de leitura, segundo Myklebust
PASSADO E PRESENTE NAS DIFICUIDADES DE APRENDIÍAGEM
neurologistas (atender à significação de padrões de sono, de desenvol vimento, hiperactividade, etc. ); electroencefalografistas (o EEG computadorizado e os potenciais
evocados específicos representam já um grande avanço nestas matérias, para além de outras tecnologias não inwsivas mais actualizadas); oftalmologistas (embora sejam
raros os défices oftalmológicos, as indicações do treino visual devem ser prescritas); psiquiatras (embora a psiquiatria sozinha não corrija a dislexia, não restam
dúvidas de que o seu contributo é primordial aos níveis quer emocional, quer familiar); psicólogos (reconceptualizando o diagnóstico e ligando-o à intervenção, não
esquecendo os seguintes exames: das capacidades cogniúvas, da integridade dos processos verbais e não verbais, dos processos inúa e intermodais: auditivo-auditivo,
auditivo-visual, visual-auditivo e visual-visual, dos processos de armazenamento e de rememorização, etc. ); terapeutas da fala (estudo das formas de Úngua, não
só faladas como escritas, com especial incidência nos aspectos da compreensão auditiva); professores de ensino especial (diagnóstico informal; caracterização e desenvolvimento
curricular na base de métodos com a análise de tarefas; treino de modalidades de informação; construção de materiais didácticos; aplicação de processos clínicos
- clinical teaching); etc.
De facto, Myklebust deixa-nos uma longa e consequente obra no domínio das DA e a confrnná-lo estão os quatro volumes já editados (Progress in Learning Disabilities,
vols. I, ll, llI, IV), considerados dos mais actuaGzados sobre a matéria.
Aqui apenas fizemos uma síntese super icial. Em prol das crianças disléxicas, muito há a fazer para resolver os seus problemas; daí o interesse pela perspecúva
deste autor que muito tem contribuído para o esclarecimento das DA.
Perspectivas neuropsicoló cas das DA
Arlur Benton e Ralph Reitan
ARTUR BENTON
Benton, depois de trabalhar com Birch em trabalhos experimentais e clínicos, entrou para o Instituto Psiquiááico de Nova lorque, tendo aí desenvolvido extensa
actividade de investigação. É conhecido como um dos primeiros psieólogos a abordar os sindromas psiconeurológicos caracteásticos das crianças com DA, tendo nesse
sentido revisto os trabalhos de Gertsmann 1927.
A síndroma de Gertsmann, caracterizada por agnosia digital, agrafia e problemas de discriminação esquerdadireita, podendo ser ou não acompanhada por acalculia,
foi um tema esquecido por outros pioneiros, mas extensivamente estudado pór este autor. Nesta linha, Benton iniciou os primeiros estudos comparativos entre crianças
discalcúlicas e crianças disléxicas, tendo chegado a perfis diferenciados em ambos os grupos experimentais e de controlo.
Noutro seu trabalho, Benton estudou, em crianças com DA e crianças deficientes mentais, as relações entre a agnosia digital e a lateralidade em si
63
lNSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
e no outro, tendo obtido as mesmas conclusões que Gertsmann, ou seja, a relação invariante entre agnosia e agrafia e a irregular presença de acalculia e de problemas
de lateralidade.
Durante 20 anos da sua investigação, Benton preocupou-se preferencialmente com os problemas da lateralidade e do esquema corporal (aspectos psicomotores
frequentemente ligados). Em 1951, apresentou correlações de 0, 40 entre problemas de lateralidade e de agnosia digital em crianças com LCM e em deficientes mentais,
enquanto em crianças normais essas relações atingiam correlações de 0, 20.
Em 1959, o mesmo autor encontrou relações significativas entre a agnosia digital e a praxia digital, tendo demonstrado que a localização dos dedos está associada
a problemas de lateralidade, mas não às praxias digitais, explicando o papel específico da elaboração do esquema corporal subjacente.
Em 1961, Benton estudou a agnosia digital em deficientes mentais (onde encontrou uma incidência de 25% de inêxitos) e em normais (onde encontrou apenas uma
incidência de 5% de inêxitos), tendo concluído que essas dificuldades surgiam com mais frequência em indivíduos com lesões no hemisfério esquerdo.
Em 1968 chegou a conclusões diferentes das de Kephart, no respeitante a relações entre a lateralidade e as dificuldades na leitura. Esta tese muito batida
entre os pioneiros das perspectivas perceptivomotoras foi negada pelos trabalhos de Benton, que não viu nos seus trabalhos relações entre a lateralidade e a direccionalidade
com os níveis de leitura, podendo em contrapartida constatar-se a presença de bons leitores que evidenciaram claras dificuldades naquelas funções psicomotoras.
Outra área da sua investigação cobre a memória de desenhos>> (Benton Visual Retention Test - BVRT), que em certa medida é similar ao Bender-Gestalt, só
que coloca a alternativa da realização do desenho geométrico de memória. Este seu trabalho, não obstante os seus problemas estatísticos, mostrou ser um instnzmento
válido para a detecção de crianças com LCM.
Outcos trabalhos de grande importância neuropsicológica atingem a afasia (1969), o tempo de reacção (1962) e a apraxia (1970), e tornaram Benton uma das
figuras cimeiras do campo neuropsicológico associado às DA.
RALPH REITAN
Ralph Reitan, por outro lado, sofre uma iniluência muito grande de um autor raramente considerado nestes assuntos. Trata-se de Ward Halstead, que na Universidade
de Chicago, por volta de 1935, realizou importantes trabalhos no âmbito das lesões cerebrais em adultos. O trabalho de Halstead- Brain and Intelligence - é um estudo
qualitativo acerca dos lóbulos frontais que muito motivou o trabalho de Reitan na Universidade de Indiana, onde criou a sua interessante bateria de testes neuropsicológicos
(Reitan Indiana Neuropsychological Test Batery for Children, 1955).
64
PASSADO E PRESENTE NAS DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM
A título informativo, podemos acrescentar que essa bateria muito extensa tinha os seguintes subtestes: categorização, realização táctil, ritmo, perce Ção
de sons, oscilação digital, sentido do tempo, dextralidade, forma e cor, iguras progressivas, combinação de figuras, visuoespaeialidade, ângulos e egrodução de
desenhos.
Com este instrumento, Reitan realizou estudos de muito interesse em crianças com LCM e em crianças afásicas, sendo um dos autores que entra na célebie discussão
dicotómica e contraditória das funções dos dois hemisférios - o erdo, mais associado a capacidades verbais, e o direito, às não verbais.
Entramos aqui no debate inconcluso sobre a localização funcional e id isfuncional, em que os dados atingidos com os adultos são muitas vezesacáapolados para
as crianças, o que não tem sido inequivocamente demons rdo, dada a grande inconsistência dos resultados obtidos neste tipo de mvestigação que neeessariamente impede
o avanço e o progresso de estudos neuropsicológicos relevantes para a educação.
'va de integração
r William Gaddes, Barbara Bateman, Cynthia Deutsch e Florence Schumer, Douglas Wiseman, Grace Fernald e Wayne Otto e R. McMenemy
Wn. LIAM GADDES
QVilliam Gaddes tem combatido a tendência isolacionista e unidimensio l que caracteriza as DA.
No seu laboratório neuropsicológico na Universidade de Vitória, Gaddest m insistentemente ligado os conceitos neurológicos aos educacionais, ntando a formação
de professores em neurobiologia, e lamentando a sua i torância sobre a teoria e o diagnóstico neurológicos (Gaddes I968).
Gaddes declara que as escolas públicas estão preferencialmente arranja das para a superioridade do hemisfério esquerdo. Mais, segundo este pioneiro e de
acordo com o conhecimento neurológico actual, as classes especiais
am beneficiar da divisão entre crianças lesadas no hemisfério direito e crianças lesadas no hemisfério esquerdo.
Para Gaddes, a separação entre os neuropsicólogos e os edueadores não ó favorável à resolução dos problemas das crianças com DA. Segundo ele, os contributos
da neuropsicologia poderão ser muito válidos para os educadores, no que concerne não só à significação do diagnóstico, mas também à edicção e à optimização do seu
potencial de aprendizagem.
BARBARA BATEMAN
É uma pioneira eclética, embora reforçando os aspectos da linguagem. Defende igualmente que o diagnóstico deve ser mais do que uma clarifica fão; para ela
o próprio diagnóstico deve determinar quais os métodos mais
uados aos problemas das crianças.
65
INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGlCA
Bateman subentende o processo diagnóstico-intervenção em cinco estádios: 1. " Estádio: verificar qual é o tipo de discrepância entre a capacidade e a realização,
encarando os factores da idade da criança, a sua saúde, os seus perfis de crescimento e outros aspectos. O guia, segundo Bateman, deverá ser o bom senso.
2. " Estádio: operacionalizar uma análise de comportamento, tentando descobrir como é que a criança realiza tarefas e aprende.
3. " Estádio: identificar dois tipos de problemas:
a) factores paraconstitucionais, que incluem factores familiares, sexo, sinais neurológicos, confusões na lateralidade, dispráxia, variações
intra e interneurosensoriais, desorientação espacial, imagem do corpo, etc. ;
b) factores educacionais, que devem incluir discriminação auditiva e visual, combinação de sons e outros relacionados com o aproveitamento
escolar.
Os testes estandardizados devem ser usados para identificar áreas fracas (weak areas) a estudar cuidadosamente. Bateman sugere a análise das funções de linguagem,
quer receptivas, quer expressivas, e também os processos intermédios de organização, categorização e generalização da informação, bem como os processos de armazenamento
e rememorização da informação.
É inegável, neste aspecto, a influência de Kirk nos seus trabalhos, nomeadamente sobre os resultados a que chegou no ITPA, que são um marco histórico no
terreno das DA, dada a preocupação em adquirir do diagnóstico a reformulação necessária para a clarificação da intervenção.
4. " Estádio: preparar uma hipótese clara e precisa do diagnóstico tendo em consideração os aspectos passados e os futuros. O bom diagnóstico para Bateman
é o que:
1) evita termos técnicos;
2) tem fundamentos para caracterizar as dificuldades detectadas; 3) encontra padrões e relações de problemas, em vez de simplesmente
descrever as dificuldades;
4) recomenda reeducações específicas.
S. o Estádio: estruturar recomendações educacionais baseadas nas hipóteses do diagnóstico.
Bateman reforça a importância das inter-relações entre o diagnóstico e a intervenção, adoptando formas de planificação e de avaliação contínua do progresso
da criança, ajustando permanentemente as condições externas de intervenção às condições internas de aprendizagem.
A criança com DA apresenta uma significativa discrepância entre o que pode fazer e o que está fazendo, isto é, entre a capaciade e o nível actual de funcionamento.
Para obviar a este aspecto, Bateman recomenda a identificação precisa das dificuldades no plano da comunicação verbal (compreensão e expressão da
66
PASSADO E PRESENTE NAS DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM
linguagem falada) e no plano da integração visuomotora (aspectos psicomotorzs), áreas segundo as quais esta pioneira coloca especificamente as DA.
L Determinação do problema
2 Análise comportamental por áreas de dificuldade
3 Diagnóstico das áreas de dificuldade
4Formulação de bipbteses de diagnóstico
4 que se liguem directamente à reeducação
Hipóteses
5 5Reeducação especffica diágida a áreas de
Reeducação dificuldades formuladas pelo diagnbsúco
especffica
6Planificação da reeducação visando a
6 integração de áreas relacionadas com o
Pla" a "e" pmblema
7
Aplicaçdes
Figura 22 - Representação esquemática do processo de diagnóstico- intervenção
proposto por Bateman
Bateman apresenta um modelo integrado tridimensional das DA com base no seguinte cubo:
Reeducação
Diagnbsáco Ftiologia \ \ i
\ i \ \, \
Educação !
O , . . r
R J \
I , I i l
E \ / \
N Psicologia \ I
T \/\ I
A \I I,
Ç Medicina \ \ '
ii
A I
0 /\ I
I \ I I J
Leitura . /
I I i t
I \ I
Problemas de / \ i
comunicação I
9 /
Problemas
psicomotores
Figura 23 - Modelo tridimensional de DA, de Bateman
67
INSUCESSO ESCOIAR - ABORDAGEM PSlCOPEDAGÓGICA
Segundo esta autora, os enfoques têm sido caracterizados por:
a) factores etiológicos;
b) processos de diagnóstico;
c) práticas reeducativas em cada uma das seguintes áreas: psicomotricidade, comunicação e leitura. Cada um destes tópicos tem sido subdividido
por sua vez em três grandes orientações profissionais: médica, psicológica e educacional ou pedagógica. O modelo, no
I passado, tem sido caracterizado por poucos esforços de interdisciil plinaridade; porém, o desafio do futuro vai colocar a urgência de um; consenso integrado sobre
o conceito das DA.
CYNT A DEUTSCH E FLORENCE SCffUMER
Estas duas psicólogas do Instituto de Estudos de Desenvolvimento da Universidade de Nova Iorque centram o seu trabalho não na validade dos testes,
mas na construção de instrumentos que possam medir aspectos comportamentais cruciais para a aprendizagem.
As suas investigações são marcadas pelos trabalhos de Birch e de Sherrington, visto procurarem as dimensões filogenéticas e ontogenéticas do desenvolvimento,
que, segundo as mesmas autoras, dependem da capacidade de integrar e utilizar os estímulos sensoriais captados por duas modalidades sensoriais diferentes.
A integração intersensorial, profundamente estudada por Birch e Belmont 1965, em crianças com LCM, é significativamente inferior à das crianças normais.
A tarefa estudada consistia em combinar um padrão (input) auditivo (batimentos de lápis - pencil taps - semelhante ás estruturas rítmicas da autora francesa Stamback)
com padrões visuais (por meio de pontos - pattern ofdots) que os representavam igualmente.
A mesma experiência foi também feita entre bons leitores e maus leitores, tendo-se concluído que os maus leitores são caracterizados por uma integração
auditivovisual pobre.
Outra inveságação de Birch e de Cravioto mostrou os efeitos da malnutáção no funcionamento do cérebro e especialmente na integração intersensorial
(Cravioto, Birch e Gaona 1967). Com base nestes dados, aquelas autoras desenvolveram inúmeras pesquisas unimodais e multimodais criando diversas formas de estudo
das modalidades sensoriais da visão, da audição e do tacto e aplicando-as posteriormente em crianças norntais e em crianças com DA e com LCM. Deste trabalho conclui-se
que as crianças com DA realizam as tarefas intersensoriais com mais diflculdade - acusam défices perceptivos específieos e não desordens perceptivas gerais; realizam
as tarefas tácteis com dificuldade - daí sugerirem o seu ú eino; evidenciam dificuldades conceptuais que não resultam tanto da capacidade conceptual em sí, mas sâo
originadas fundamentalmente pelas formas de input, pondo em jogo a impor tância das modalidades preferenciais de processamento da inforntação, e apresentam mais
diflculdades de atenção e de motivaçâo.
68
PASSADO E PRESENTE NAS DlFICULDADES DE APRENDl7 AGEM
O contributo destas autoras para o campo das DA é muito relevante, pois permitiu uma análise mais profunda do processo da aprendizagem das variáveis psicológicas
intermediárias (seus isolamento e interacção) e o papel que as variáveis receptivas (de input) nelas desempenham. Para as autoras, as relações que se obtém por esta
perspectiva são mais consequentes para a aprendizagem das crianças com DA do que basear o diagnóstico apenas no resultado do QI.
DOUGLAS WISEMAN
Wiseman está na linha de Bateman, sendo reconhecido como um dos pioneitns que mais contribuiu com programas pedagógicos. No seu interessante livro A Classroom
Procedure for Identifying and Remediating Language Problems (Um Processo para Identificar e Reeducar na Classe Crianças com DA) distingue as seguintes áreas: descodificação
(auditiva e visual); associação, memória, completamento automático auditivo e visual e codificação vocal e motora.
Figura 24 - Modelo de aprendizagem, de Wiseman
Apenas como sugestão, apresentamos resumidamente algumas situações, por cada uma das áreas referidas:
1) Descodzficação - Captação da informação acerca do envolvimento e da compreensão do que se vê e do que se ouve.
As situações auditivas consistem em: frases e perguntas absurdas; seguir instruções; histórias contadas e depois recontadas e relembradas; etc.
As situações visuais consistem em: identificação de objectos, um dicionário de flguras; identificação de cores; formas; letras e números; combinação de figuras
de acção e consequente contagem das histórias nelas implícitas; etc.
2) Associação - Processo de manipulação de conceitos para formar novas ideias". As situações auditivas constam de: classifieação de objectos;
construção de conceitos; discussão sobre coisas que são iguais e coisas que são diferentes; perguntas de causa e efeito - o que acontece quando. ?
69
L-- -JI Ì - J
INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
As situaÇões visuais incluem: agrupar figuras por categorias (animais, pássaros, meios de transporte, etc. ); ordenação de figuras para formar histórias,
etc.
3) Memória - Retençâo das informações e sequencialização de eventos segundo uma determinada ordem.
Inclui situações de reconhecimento, rechamada, relembrança, na base da activação de funções imediatas, intermediárias, de curto, médio e longo termo. Repetição
de frases, histórias, recitações, lengas-lengas, imitações de sequências, combinação de sons, etc. , completar as situações a explorar no plano auditivo.
As situações visuais constam da utilização de slides ou figuras sobre histórias, jogos de retenção, jogos de contar e ver e vice-versa, jogos de ordem, jogos
de amostragem, escrever e decompor estruturas espaciais, figuras geométricas, letras e palavras de memória, etc.
4) Completamento automútico - Aquisição acidental e não intencional de aspectos do envolvimento.
As situaçôes auditivas constam de: utilização de processos de combinação de sons; análise fonética; completamento de palavras; consciência gramatical de
frases; imitação de frases correctas, etc.
As situações visuais incluem: nomes de figuras, blocos, etc. ; utilização de figuras com objectos parcialmente escondidos; conexão de pontos; estruturas
de relação espacial, quebra-cabeças, etc. 5) Codificação (vocal motora): Expnessão pela linguagem e pelo movimento
intencionah, , isto é, as generalizações interiorizadas e as formulações ideacionais que podem ser expressas em termos vocais ou motores.
As situações vocais podem incluir: a descrição de objectos e a contagem de histórias; como fazer algo; resolução de problemas reais e hipotéticos de quantas
maneiras se pode utilizar um objecto; exploração da imaginação, etc.
As situações motoras referem a expressão de ideias por gestos, acções, pantomimas, imitações, desenhos, jogos, etc.
Na base destas sugestões Wiseman constrói um programa de intervenção linguistica simples e cientificamente fundamentado, dirigindo-se especificamente às
áreas fracas das crianças, antecipadamente diagnosticadas pelo ITPA. Para Wiseman a criatividade dos próprios professores é suficiente para constNir um programa
desta natureza; basta que a sua aplicação seja sistemática e hierarquicamente estruturada.
GRACE FERNALD
Fernald é uma figura notável no campo das DA, sendo também defensora de uma abordagem caracterizada por uma relação interdependente entre o diagnóstico e
a intervenção. Fundadora de uma das primeiras clínicas (Clinic Scholl, na Universidade da Califórnia em Los Angeles - UCLA), é
70
PASSADO E PRESENTE NAS DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM
reconhecida como uma das autoras da pedagogia científica. Para ela, todas as dificuldades de aprendizagem podem ser compensadas por técnicas adequadas através de
modelos de diagnóstico e de estratégias de tratamento descritas no seu livro Remedial Techniques in Basic School Subjects.
Fernald fornece sugestões para intervir no âmbito do insucesso escolar e dos problemas emocionais concomitantes. Dentro delas aponta as seguintes:
1) Não dar atenção a situações com carga emocional;
2) Não utilizar métodos pelos quais as crianças não aprendem; 3) Não sujeitar as crianças a situações que lhes possam causar dificuldades; 4) Dirigir a atenção
da criança para as tarefas que sabem fazer e não para
as que não sabem fazer.
Frenald recomenda o ensino da leitura pela escrita de palavras correctas, posteriormente comparadas com uma cópia das mesmas palavras, mas agora impressas.
A palavra é escrita numa ficha. A criança traça-a com o dedo indicador ao mesmo tempo que a vai pronunciando letra a letra, slaba a slaba. Repete este processo até
aprender a escrever a palavra de memória. Mais tarde a ficha entra num ficheiro, alfabeticamente organizado pela criança, devendo em seguida uúlizá-la numa frase
e posteriormente numa história. Logo que este processo está aprendido, a palavra é batida à máquina para que a criança a leia. Na fase seguinte, a criança olha e
lê a palavra, isto é, lê sem precisar de traçar com o dedo. Na terceira fase, as fichas deixam de ser utilizadas, a criança lê palavras batidas à máquina ou digitalizadas
no computador, escrevendo-as, ao mesmo tempo que as diz oralmente.
A abordagem aos livros é então iniciada na base das suas motivações específicas e com a introdução progressiva de palavras novas, que serão sistematicamente
relembradas e rechamadas. As palavras semelhantes e as famílias de palavras são introduzidas progressivamente com recurso a uma leitura
Figura 25 - Processo de leitura, de Fernald
71
ver dizer fixar exrever
so
Rncesso Processo Ç Proceseo
vsual auditivo (cognidvo) motor
INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
mais extensiva, sublinhando-se então todas as palavras desconhecidas. À medida que cada palavra é dita à criança, ela terá de ver, depois dizer, fixá-!a, e por último,
escrevê-la.
Depois desta fase, a criança é então colocada no seu nível escolar, estimulando a automatização, a velocidade e a compreensão do material da leitura. Para
Fernald, as crianças devem começar pelas suas próprias histórias contadas, em vez de começarem pelas histórias dos adultos.
As ideias ou os interesses e motivações das crianças são uma condição fundamental para o êxito da leitura e da escrita, com base na garantia de um condicionamento
e de uma atmosfera favorável, a flm de impedir qualquer bloqueio emocinnal; normalmente associado a uma situação de insucesso ou de inêxito.
WAYNE OTTO E R. MCMENEMY
Estes pioneiros representam a linha os pragmáticos, especialmente virados para os problemas educacionais e pedagógicos das DA.
O seu livro Corrective and Remedia! Teaching (Ensino Correctivo e Reeducativo) é dirigido:
1) ao professor da classe regular, que terá de se preparar para trabalhar as formas especiais, consoante os problemas de aprendizagem das
crianças à sua responsabilidade;
2) ao reeducador ou professor do ensino especial, que normalmente trabalha em pequenos grupos ou individualmente, em formas de apoio extraclasse.
Efectivamente, estes pioneiros defendem o trabalho preventivo dentro da própria classe, quer em grande grupo, quer em estações de aprendizagem por nível
e em pequenos grupos, com a finalidade de compensarem as áreas fracas que possam repercurtir-se negativamente no aproveitamento escolar.
Ambos os autores adoptam o diagnóstico-rastreio (survey diagnosis) para determinar o tipo de ajuda de que todas as crianças da classe carecem, reservando
o diagnóstico específico (specific diagnosis) para as crianças com mais diflculdades. Desta forma, discrimina-se as dificuldades ligeiras das severas, necessitando-se,
para este caso, de um diagnóstico então mais intensivo e aprofundado, tentando-se determinar a causa dos problemas.
O diagnóstico intensivo, para estes autores, só deve ser utilizado quando for necessário, e quando a informação obtida a partir do diagnóstico for útil â
intervenção pedagógica subsequente; caso contrário o diagnóstico não passa de um exercício puramente académico.
Na mesma linha, estes autores entendem o diagnóstico como um processo evolutivo que deve acompanhar inequivocamente o trabalho reeducativo. O diagnóstico
completo não deverá estar concluído, segundo Otto e McMenemy, senão depois de o trabalho reeducativo ter sido iniciado.
72
PASSADO E PRESEME NAS DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM
O diagnóstico terá de ser prognósúco, inconcluso e aberto, a fim de intcoduzir aspectns (jeed-backs) decorrentes do plano de intervenção reeducaúva.
Os mesmos autores deixam em destaque as seguintes questões-chaves para as quais o diagnósùco evolutivo deverá encontrar soluções:
1) A criança é um aluno lento (slow learner) ou uma criança com DA específicas?;
2) A criança trabalha melhor sozinha ou em pequenos grupos?; 3) A que nível deve começar a reeducação?;
4) Quais são as motivações e os interesses da criança?; 5) Onde é que a criança experimenta o sucesso ou a facilidade de
aprendizagem?;
6) Quais os especialistas que se deve consultar?
As suas sugestões pragmáticas, as técnicas que apresentam e as ajudas que proporcionam para a conswção de materiais didácticos são razões só por si jusúficativas
da importância da obra destes dois pioneiros das DA.
Muitos outros pioneiros deveriam ser indicados, outros foram omitidos, mas julgamos ter apresentado um número suficiente para se reconhecer a áiversidade
de perspecúvas e de abordagens. É agora mais ou menos clara e evidente a convovérsia e a confusão que caracteriza o campo das DA.
Salvaguacdando e respeitando a importância do tiabalho destes pioneiros, não é difícil, no entanto, çonstatar a udivisão- cooperação entre os profissionais
que, em termos dé síntese, podemos reduzir no seguinte quadro:
É evidente que a amálgama de perspectivas é sempre difícil, embora obviamente urgente e necessária para bem das crianças com DA e das crianças normais, na
medida em que pensar em grupo é sinónimo de pensar e agir melhor, se quisermos encarar uma dimensão preventiva.
Neste sentido, vejamos dois modelos interdisciplinares do campo das DA, para assim se reconhecer a importância e a relevância dos vários conteúdos que o
caracterizam.
73
Figura 26 - Modelos de abordagem às DA
INSUCESSO ESCOIAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
C NÍVEL FACTORES NFASE
DE DIAGN6sTICO RELEV
` Fisiológico ` Etiologia ` Acontecimentos biológicos,
` Prevenção genbticos, neurofisiológicos,
` Tratamento médico etc.
MEDICINA ` Mudanças na função e na ` Estmtura e função
estrutura
` Conelações psicoeducacio- ` Avaliação ` Acontecimentos psicológicos
PSICOLOGIA nais da aprendizagem ` Desenvolvimento cognitivo ` Desenvolvimento cognitivo
. Reeducação
` Com mento ` Classificação ` Consequ8ncias educacionais
` Orientação ` Comportamento sócioemocioEDUCAÇrlO ` Modificação do comporta- nal
mento ` Motivação
` Mbtodos de desenvolvimento ` Comportementos observáveis
` Reeducação
i Íi'I
Figura 28 - Modelo 2 interdisciplinar das DA i 74
Figura 27 - Modelo 1 interdisciplinar das DA
PASSADO E PRESENTE NAS DIFICULDADES DE APRENDlZAGEM
Os defensores dos défices do processo de informação como Bryant e McHoughlin aproximam-se de uma orientação neuropsicológica e reforçam os conceitos das
disfunções neuropsicológicas e cerebrais.
Os defensores dos défices de orientação educacional, como Bateman e Hammill, inclinam-se para as críticas ao processo de ensino, onde são coadjuvados por
Ysseldike e Salvia, Larsen e Engelman.
A perspectiva das DA é efectivamente, fragmentada, acusando objectivamente efeitos restritivos, principalmente no âmbito pedagógico-reeducativo.
No grupo dos defensores de alterações do processo de informação, verifica-se que a existência das DA resulta de qualquer distúrbio ou défice entre os processos
de captação, retenção, combinação e utilização da informação.
Algures (Fonseca 1978 e 1980), já sintetizámos o processo de informação no seguinte esquema:
. a, s
vocalizaç s
Silabações
. Linguagem convencional Comunicação verbal
U ' posNras
i Movimentos Automáticos
! i Movimentos Voluntá os
i Imitação
Ç ' . Gestos s;mb6licos
RECEPTIVAS
Sinais
(/nput) Linguagem gesNal
, . sf açgo en gia Pantomimas
. T missdo da informação '
Figura 29 - Dimensões da aprendizagem
75
INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
Este esquema pode ser simplificado com base na integridade dos processos de recepção, de integração e de expressão, que subentendem a aprendizagem humana
dita normal>>.
A aprendizagem normal>> reflecte, portanto, a integridade total entre os três processos acima indicados, ou seja:
- - - - Processo de transdução - - - -,
Processo ; Processo
de - --I <esso de integração ->--- de
recepção , expressão
+ + +
- I
Feed-6ack
Figura 30 - Integridade dos processos da aprendizagem normal
A aprendizagem desviante reflecte, ao contrário, a perturbação ou a afecção de um ou mais dos processos, ou de tradução (transdução) de uns processos noutros
(Figura 31).
Por estes modelos, intencionalmente simplificados, podemos deduzir que os processos de recepção são mais significativos, em termos de aprendizagem simbólica,
do que os processos expressivos. Neste caso, podemos exemplificar com as afasias, na medida em que se reconhece que a afasia motora (também denominada por afasia
da Broca>> - que impede o indivíduo de se exprimir pela fala - mantendo a significação intacta) afecta muito menos a aprendizagem simbólica do que a afasia central
(também chamada afasia de Wemicke>> - que impede o indíviduo de compreender e utilizar a linguagem como meio de expressão do seu pensamento), na medida em que afecta
fundamentalmente a significação.
Outra conclusão importante dos modelos atípicos de informação acima referidos compreende a função vital e indispensável da integridade total do cérebro,
como órgão privilegiado de assimilação, conservação e combinação da informação, que consubstancia não só a noção de aprendizagem ideal, como a noção de ìnteligência.
Neste aspecto, e de acordo com o modelo de Guilford, a noção de inteligência neste autor é definida como: colecção sistemática de capacidades ou fimÇões
de processamento de informação.
Guilford 1967 baseou a estrutura do intelecto em: quatro tipos de informação ou conteúdos (figurativo, simbólico, semântico e comportamental);
76
PASSADO E PRESEME NAS DIFfCULDADES DE APRENDI7AGEM
einco tipos de processamento ou operações (cognição, memória, divergente, convergente e avaliação) e em seis resultados f:nais do processamento de informação ou
produtos (unidades, classes, relações, sistemas, tcansformações e implicações), totalizando um sistema com 120 células cognitivas (Figura 32).
PROCESSO DE INTEGRAÇÃO
PROCESSO PROCESSO
DE DE
RECEPÇÃO EXPRESSÃO __ ____ _ _
Modelo de multideficiência
Modelo de deficiência sensorial
úpica (deficiêneia visual
ou deficiência auditiva)
M odelo de deficiência mental e de afasia
cenaal
Modelo de deficiência
d e comunicação e de deficiência motora (ou de afasia motora)
Figura 31 - Modelos desviantes de aprendizagem
77
INSUCESSO ESCOIAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
OPERAÇÕES
Avaliação -------- - sistema de valores, crítica
Produção convergente --- - associação de conhecimento
Produção divergente ---- -- utilização criativa
Memória --------- retenção, reprodução
Conceptualização--- --- - compreensão, descoberta
PRODUTOS
Unidades U Classes C Relações
Sistemas. Transformações
Implicações
CONTEÚDOS
Figurativo - concreto Simbólico - abstracto
Semânt co - significado ' Comportamental - pensamentos, intenções
Figura 32 - Estrutura do intelecto, segundo Guilford
Independentemente de neste modelo estarem ausentes factores motivaci onais e emocionais, Guilford considera a inteligência, entendida nas suas 120 subestruturas,
como resultado dialéctico entre o processamento da informação e um conjunto de princípios lógicos que a combinam.
É dentro deste contexto e na base dos processos de informação intactos (ideais ou normais) e atípicos que devemos encontrar paralelamente a definição do
conceito de aprendizagem normal. A partir daqui, podemos retomar de novo a crítica aos defensores do processo de informação como causador das DA.
No grupo dos defensores de alterações no processo de informação, devemos destacar: Frostig, Maslow, Lafever, Whittlesey, criadores de um teste hoje chamado
DTVP (Developmental Test of Visual Perception), como também McCarthy e Kirk, criadores de um teste notável, e extremamente importante no campo das DA, o ITPA, a
que já nos referimos atrás, quando analisámos os contributos dos pioneiros mais significativos.
Vários estudos se flzeram na base da aplicação do DTVP e do ITPA, seguidos posteriormente de programas reeducativos específicos. Dentro deles, destacam-se:
Jacobs 1968, Anderson 1972, Hammill 1972, e Hammill e
78
PASSADO E PRESENTE NAS DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM
Larsen 1974. Nenhum destes autores encontrou nos seus estudos longitudinais a eficácia do tratamento que os criadores de tais testes defenderam.
Os estudos de intervenção neste domínio concluem que a relação entre os défices perceptivos e os défices da leitura não está suficientemente demonstrada.
Para além de os dados serem confusos, a intenção de compensar os défices perceptivos para resolver os problemas da leitura é controversa. Segundo tais estudos, os
programas reeducativos baseados no processamento psicolinguístico do ITPA, ou no processamento visual do DTVP, como meios de reeducação dos problemas dos DA, precisam
de ser mais conclusivos e inequivocamente demonstrados.
Destes trabalhos podemos deduzir que:
1) não é clara a relação entre os processos de informação da criança com DA e o aproveitamento escolar;
2) apenas os factores de atenção e de memória estão suficientemente estudados (Hallahan 1975, Hallahan e Kauffman 1976 e Torgesen 1975).
No grupo dos defensores dos défices de orientação educacional, denota-se a concentração, quanto a nós exagerada, sobre as variáveis educacionais. Engelman
1969 e Bateman 1971 elaboraram os seus conceitos de DA com a base nos seguintes insa umentos de ensino: análise de conceitos e análise de tarefas, onde se põe em
causa a relevância entre o diagnóstico educacional (ou da área ou da disciplina) e a intervenção concomitante. Aqui não é clara a presença de défices psicológicos.
O que caracteriza esta perspectiva é a pesquisa de princípios operacionais de aprendizagem e a implementação de aquisições e sequencializações cuidadosamente programadas.
O enfoque centra-se preferencialmente sobre as condições externas ao educando, que englobam: estratégias pedagógicas estruturadas; materiais didácácos adequados;
modulação do controlo da atenção e da motivação; unidades de programação pedagógica; processos de reforço social; programação analítica de tarefas; compensação de
défices psicológicos, etc.
Parece claro que as DA não são encaradas num modelo interaccionista e dialéctico. Dum lado, os defensores que vêm as DA na criança e nos seus défices de
processamento da informação. Do outro, os defensores que vêm as DA no professor e nos seus processos de trabalho.
Dislexia ou dispedagogia? Problema da(s) criança(s) ou problema do(s) adulto(s)? Dificuldade de aprendizagém ou dificuldades de ensino?
A falta de uma perspectiva integrada, a delimitação de áreas de conteúdo e o divórcio iriterdisciplinar entre profissionais fazem perder de vista uma dimensão
global das DA.
O trabalho de grupo e cooperativo pode romper com a inadequação coneeptual e com os problémas metodológicos que caracterizam os estudos neste domínio.
79
INSUCESSO ESCOIAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
Autores há que puxam pela perspectiva de o tratamento ser activado na base de afirmações cuja validade é discutível.
Doman 1964, por exemplo, preconiza na sua teoria de organizaÇão neurológica a activação de células cerebrais através de exercícios motores padronizados.
Outros autores, nomeadamente franceses, asseguiram que a psicomotricidade pode compensar os déflces psicológicos e, por esse facto, garantir as aquisições de leitura.
A exclusividade destas abordagens pode redundar, muitas vezes, em especulações pouco fundamentadas sobre os vários níveis do desenvolvimento humano.
Outros autores ainda descrevem variáveis neurológicas ou neuro psicológicas, mas não avançam com quaisquer subsídios de ordem pedagógica.
Os defensores das teorias dos défices perceptivos apresentam a imprecisão perceptiva de letras e de palavras como a causadora de DA. A influência
de Piaget, Strauss e Werner é marcante, pois tais autores assumem que a aprendizagem tem o alicerce na actividade sensoriomotora, que progride mais tarde para actividades
perceptivomotoras, integrando consequentemente níveis mais elevados que estarão na base da estruturação hierarquizada do desenvolvimento cognitivo.
Segundo Inhelder e Piaget 1969, à medida que o desenvolvimento intelectual decorre, as actividades pereeptivas surgem consideravelmente mais automáticas
e dirigidas pelos processos cognitivos daqui se depreende, de facto, o papel significativo que as correntes perceptivas desempenharam e desempenham no campo das
DA. É neste âmbito que teremos de integrar os métodos de intervenção de vários autores, nomeadamente: Werner, Strauss, Lehtinen, Kephart e muitos outros.
As teorias dos processos de informação, embora tragam novos dados de esclarecimento do problema, não satisfazem, e a prová-lo estão os estudos de Morrison,
Giordani e Navy 1977. Estes autores apresentam uma teoria em que se toma necessário separar o processo sensorial do processo perceptivo, e este do processo da memória
(processo de codificação). Para Morrison o processo de informação decorre em duas fases: a I primeira fase decorre entre 0 e 300 milissegundos, constituindo a percepção;
Í
a segunda fase, decorre entre 300 e 2000 milissegundos, constituindo acodificação ou o armazenamento (a memória) da informação. i Inicialmente, na fase perceptiva
o sistema visual integra uma grande
quantidade de informação, seguindo-se posteriormente a fase de codificação, na qual aquela vai ser armazenada (VIS - visual information storage).
O mesmo autor, numa investigação conduzida entre bons e maus lei,
tores, chegou aos seguintes resultados:
1) Os maus leitores não diferem dos bons leitores na fase perceptiva; 2) Os bons leitores são significativamente melhores na fase de codifieação. Daqui se
conclui que não basta abordar as DA pela via per
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PASSADO E PRESENTE NAS DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM
ceptiva (como fizeram Frostig, Wepman, Kephart, etc. ). As DA envolvem processos de informação diferentes do processamento perceptivo.
De acordo com aqueles estudos, os maus leitores têm um défice com`plicado durante 300 e 2000 milissegundos de intervalo no processo de infor:mação. Embora a um
grau diferente, algo de semelhante se passa nos sujeitos com lesões cerebrais que objectivamente apresentam reduções de amplitude e de frequência no ritmo alfa com
alterações nos processos de vigilância, de detecção (processo pré-perceptivo) e de discriminação.
A conservação e, basicamente, a manutenção da atenção no tempo neces drio para processar a informação na memória parecem modificadas, a realçarem significativas
alterações nos sistemas reticulo-cortico-reticulares (azrer).
Podemos avançar, com relativa segurança, que as DA envolvem problemas nas diferentes fases subsequentes à percepção inicial, provavel ente ém funções como
a codificação, a organização e a rememorização idas aquisições.
Vellutino 1977 provou que o processo perceptivo dos maus leitores é f co nos aspectos lógicos, conceptuais e empíricos, verificando-se neles a :evidência
de dificuldades na etiquetagem e desetiquetagem de formas".
Para além destes teorias, que têm influenciado o seu desenvolvimento, as DA apresentam variadíssimos problemas de ordem metodológica.
Sabemos hoje que não podemos negar a relação entre a DA e a disfun ão cerebral, independentemente de muitos autores a combaterem. Comovimos atrás, a dificuldade
subsiste em definir DA, e lesão cerebral" (brain
ge). Enquanto se verificar este problema, haverá sempre críticas a fazer. Outra diftculdade de ordem metodológica põe em jogo a etiologia da disfunção cerebral
minima (DCM), como já vimos. Não se pode provar que é a
-DCM a causadora das DA (Ross 1976), na medida em que seria antiético con:duzir uma experiência que comprovasse aquela afirmação.
Ainda outra dificuldade é a que resulta da impossibilidade de observar anormalidades ou aberrações de um cérebro funcional e vivo. As :medidas indirectas
do electroencefalograma (EEG) exigem inferências para a sua interpretação, de onde nascem os inevitáveis problemas de vali
Freeman 1967, ao rever 50 trabalhos sobre EEG, concluiu que os seustesultados não se relacionam conclusivámente com o insucesso escolar, com condições psiguiátricas
ou com a hiperactividade.
Paine, Werry e Quay 1968 chegaram a resultados muito aproximados. Outras investigações indicam que a lesão cerebral não produz inevita elrnente uma diminui
ão do potencial de aprendizagem. Muitas outras mvestigações adiantam que as lesões cerebrais podem apresentar um compartatnento e um EEG normais.
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INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
A teoria da DCM está assim em causa em relação à etiologia das DA. De facto, a teoria não é imune à sua desaprovação; daí os problemas de
ordem metodológica.
A teoria psicolinguistica das DA, proposta por Kirk e McCarthy 1961, embora adequada, merece outras críticas relevantes, à semelhança de teoria da
DCM que focámos atrás. A teoria psicolinguística que se alicerça no ITPA precisa de ser refinada, e as suas validade e fidedignidade necessitam de ser inequivocamente
aprofundadas. O ITPA não avalia as características essenciais da linguagem, segundo Berry 1969. O ITPA, ao permitir a organização de testes psicolinguísticos, facilita
extraordinariamente a compreensão do problema, e esse é talvez o seu grande valor, pois induz a criação de grupos de crianças e de estratégias de reeducação de inexcedível
interesse.
A teoria da integração intersensorial, proposta por Birch e Belmont 1964, é incompleta quanto às funções cognitivas que incidem particularmente na
aprendizagem da leitura ou da escrita. Freids 1974 demonstrou que é difícil o controlo das funções intramodais, dado que são uma concomitância das funções intermodais,
daí que a proposta de Birch e Belmont mereça algumas críticas, na medida em que as variáveis utilizadas exigem aquisi ções conceptuais e verbais.
A mediação verbal da equivalência entre a audição e a visão colocada pelos materiais levanta outro problema metodológico, ainda acrescido por funções
de memória, que vêem criar consequentemente mais confusão às suas propostas.
Dizer-se que os bons leitores obtêm resultados na integração auditivo i -visual não é suflciente, visto que o atraso na leitura não é apenas o resultado
de problemas de integração intersensorial (audição-visão). A hipótese ì avançada por estes autores precisa de ser aperfeiçoada no futuro, quer meto dologicamente,
quer conceptualmente.
i Em resumo, as teorias das dificuldades de aprendizagem (DA) são conI
! troversas, conceptualmente confusas e raramente apresentam dados de aplicação educacional imediata. Mesmo com uma grande panorânúca e com um grande potencial
de investigação, as teorias das DA continuam a ser
muito pouco consensuais e muito pouco consistentes.
Algumas persp< w actuais
Vejamos agora, muito rapidamente, algumas alternativas conceptuais mais actuais sobre as DA (sobre as dificuldades na leitura mais enfocadas).
Independentemente de se verificarem os tradicionais problemas metodológicos, julgamos do maior interesse apresentar as conentes mais actuais das
DA, pois nelas estão contidas dimensões originais e dados de investigação muito significativos.
82
PASSADO E PRESENTE NAS DIFICULDADES DE APRENDl7 AGEM
"1- Modelo hierarquizado 1- Modelo interaccional (Wiener e Cromer) (Adelman)
l5- fIipbtese do CORRENTES
' educando ACTUAIS
inactivo DAS 2- Teoria integrada
(Torgesen) DA da informação
(Senf)
5- Hipótese do 3- Teoria do
dbfice verbal desenvolvimento
(Vellutino) das capacidades
perceptivas
4- Teoria do atraso e linguísticas
do desenvolvimento (Satz e Van Nostrand)
da atenção selectiva
(Ross)
Figura 33 - Algumas coxrentes actuais das DA
interaccional, de Adelman
" Para este autor o sucesso ou o insucesso escolar da criança são função :. a interacção entre as suas áreas fortes (strengths) e as suas áreas fracas -veaknesses),
para além das limitações e dos factores específicos e situacida classe, incluindo as diferenças individuais dos professores e dos seus diferentes métodos de instrução.
O modelo proposto por Adelman 1971 rejeita a lúpótese de o insucesso lar recair totalmente numa desordem da criança. A interacção entre a iança e o programa
de instrução é o enfoque primordial deste modelo, na
do qual, segundo o proponente, se deve encarar o sucesso ou o insuso escolar.
Quanto maior for a discrepância ou o desajustamento entre as caracterís"ticas da criança (que obviamente devem ser conhecidas e identificadas) e as
terfsticas ou exigências do programa, tanto maior será a falta de apro citamento escolar.
Para Adelman, a despersonalização do programa escolar constitui um etor determinante no processo de aprendizagem da criança. O programa não
ser imposto à criança, provocando ou originando comportamentos desa stados, desinteresse ou desmotivação.
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INSUCESSO ESCOIAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
Os program (c >c os) deverão acomodar-se efectivamente às diferenças individuais e peculiares que cacacterizam as crianças de uma classe. Cabe portanto ao
professor uma g de responsabilidade no que respeita à facilitação, ou não, da aprendizagem das crianças, todas elas com per Jìs ou esúlos intraindividuais diferenciados
de aprendizagem. Quanto maior for a personalização da instrução, maior será o êxito na aprendizagem, o que pressupõe da pane do professor um maior e mais ponnenorizado
e evolutivo conhecimento dos seus alunos. Quanto menor atenção se tiver a este aspecto do cumculo, tanto maiores serão a diferença e a distância entre as condições
externas de instrução (do professor portanto) e as condições internas de aprendizagem (do aluno) e, consequentemente, maior a tendência para se manifestarem DA dentco
da própria classe.
Em termos de êxito escolar, há que ter em conta, naturalmente, as variáveis da criança e as variáveis situacionais da classe. Dentro das variáveis da criança,
ou melhor, das suas necessidades, teremos de observar e caracterizar as suas condições de aprendizagem, onde entram em linha de conta as aquisições (skills) perceptivas,
cognitivas, psicomotoras e expressivas, os seus interesses, necessidades, moúvações, etc. , que deverão ser claramente e antecipadamente conhecidos. Aqui teremos
de respeitar, por mais que custe a muitos técnicos, os contributos da psicologia do desenvolvimento e da neuropsicologia, no senúdo de se conhecer as necessidades
individuais das crianças.
Dentro das variáveis situacionais da classe, há que analisar as personalidades e as competências dos professores, os objectivos, os processos, os materiais
didácticos, os reforços e processos específicos de transmissão cultural e os esforços da escola que caracterizam a eficiência da inswção.
Segundo Adelman, o tipo de DA e o nível das necessidades específicas de reeducação surgem posteriormente, como efeito e resultado de uma estratégia de ensino
muitas vezes inadequada, mesmo que vá servindo a maioria da classe. Daí que este autor recomende a identificação precoce e a obser vação psicopedagógica, como formas
de antecipação da prevenção de problemas, evitando que a criança seja empurrada para as frustrações inerentes ao fraco aproveitamento escolar.
Tcoria integrada da informação, de Senf
A teoria integrada da informação, proposta por Senf 1971, fundamenta-se na psicologia cognitiva, nos modelos de processamento da informação e nas investigações
sobre a memória.
Este autor apresenta-nos, de uma forma clara, a complexidade da acúvidade cognitiva humana e a sua interdependência com os processos de aprendizagem simbólica.
Para Senf, o organismo humano organiza selectivamente e integra a informação, para além de a utilizar nas diversas manifestações do comportamento.
84
PASSADO E PRESENTE NAS DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM
Na base de uma atenção selectiva, face à informação recebida (input), o víduo em situação de aprendizagem terá de a processar em unidades, intedo-as numa
sequência temporal que caracteriza a informação ordenada (irtformation array). Quer dizer, a integração da informação requer uma orgação e um envolvimento internos
que se passam no cérebro do indivíduo. Trata-se, portanto, de reacções mentais a situações do envolvimento externo,
sejam as dimensões dos estímulos exteroceptivos e proprioceptivos e seus circuitos de retroestimulação (feed-back), isto é, o resultado da acção da interacção
sensorial que o indivíduo estabelece com a informação rece: a.
Senf destaca ainda o papel da motivação, da atenção selectiva e do cforço, para além de referir a importância da degenerescência da memória
ptiva no processo de aprendizagem. Assume igualmente uma dimensão tegral das diferentes modalidades ou dos diferentes canais sensoriais isual, auditivo e
tactiloquinestésico) que poderão envolver irregularidades eionais no processo de informação e nos sistemas de integração, justifimndo, por esse facto, a manifestação
de DA.
O contributo deste autor incorpora também outras condições cruciais a guir. São elas: o conteúdo irrelevante da tarefa emjogo e a ansiedade, ideradas, por
Senf, variáveis significativas a ter em conta na evidência DA.
Senf apresenta quatro categorias de DA:
, 1) As dificuldades surgem por perturbação na recepção adequada da informação;
2) As dificuldades resultam do inêxito em produzir informação ordenada; 3) As dificuldades surgem da fala na evocação de actividades neurológicas no sistema
das imagens;
4) As dificuldades resultam da falta de conteúdo da tarefa, que obviamente desordena a informação em causa.
Senf acrescenta ainda outras razões causadoras das DA, como por exemplo a inadequada actividade de orientação receptiva (problemas de atenção) que se manifesta
secundariamente a partir das desordens do processo da n ormação. Quer dizer, como o processo de informação se encontra perturo, esta condição, segundo Senf, reflecte-se
na atenção, prejudicando-a e oo sequentemente desorganizando-a.
Para este autor o processo de infórmação é activamente estruturado e zado pelo próprio indivíduo. O indivíduo (neste caso, a criança) actua a informação
assimilando-a no seu anteriorl repertório cognitivo-experiencial. Trata-se de reconhecer o processo de informação e, evidentemente,
i No sentido de passado, ou melhor, de retenção da experiência em termos de conservação d vivências passadas.
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INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
a percepção, como um processo sensorial, e aberto, por manutenção e conservação de sistemas de retroacção (feed-back), como sejam os que vêm dos músculos e que provocam
sensações quinestésicas, ou como os que vêm dos aparelho fonador e que provocam sensações auditivas.
Processo Processo
sensorial Processo cognitivo motor
VISUAL --l - MOTOR
0 0 0
AUDITIVO -- VOCAL
- (fala)
Feed-back (sensações auditivas e quinestésicas)
Figura 34 - Modelo de integração multissensorial, de Senf
Senf reforça ainda que a experiência humana é uma integração multissensorial total (IMT), e essa totalidade traduz a aprendizagem normal. Quando efectivamente
essa totalidade se apresenta fragmentada, então podem surgir as DA.
De acordo com esta teoria integrada da informação, embora sofisticada, o êxito da aprendizagem depende muito das características da tarefa, ou seja, da situação
experimental a que a criança se encontra sujeita; daí a defesa da metodologia da análise de tarefas (task analysis), tão importante na reeducação de crianças com
DA e na educação de crianças deficientes mentais.
Teoria do desenvolvimento das capacidades perceptivas e cognitivas, de Satz e Van Nostrand
Estes autores apresentam uma teoria desenvolvimentista relacionada com as mudanças etárias mais relevantes e que constituem a apropriação das pré-aptidões
das aquisições escolares fundamentais.
Nesta linha, aqueles autores incidem inicialmente sobre as aquisições perceptivas e discriminativas da visão, que se encontram mais em foco na aprendizagem
da leitura. Posteriormente analisam as aquisições linguístico-conceptuais, que surgem evolutivamente mais tarde (Gibson e Levin 1975).
As DA surgem, de acordo com estes autores, como corolário de um atraso de desenvolvimento (developmental lag) e temporariamente relacionadas com a aprendizagem
da leitura.
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PASSADO E PRESENTE NAS DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM
Esta perspectiva parte do pressuposto de que o sucesso escolar exige um certo nível e um certo número de aptidões para as aprendizagens escolares.
28 1. Aquisições conceptuais Discriminação visual Aquisições linguísticas
Percepção
FASES DA
APRENDIZAGEM DA LEITURA
Figura 35 - Fases de aprendizagem da leitura, segundo Satz e Van Nostrand
De facto, tais aprendizagens pressupõem um nível de prontidão (readiness) que necessita de determinados requisitos de maturação, traduzindo-se obviamente
numa certa hierarquia de aquisições e num certo nível de desenvolvimento. Para Staz e Van Nostrand, o problema consiste na maturaÇão cerebral hemisférica, independentemente
de a sua fundamentação hipotética ainda não ter sido suficientemente dèmonstrada.
Inseridos numa visão evolutiva das DA, estes autores têm desenvolvido iatensa actividade investigativa na busca de escalas e de sinais predictivos do êxito
ou do inêxito na aprendizagem da leitura. Neste sentido, destacam como sinais predictivos as aquisi ões ontogenéticas precoces da percepção, que paralelamente colocam
em causa uma relação comparativa entre a imaturidade, a desmaturidade e a maturação. Sabemos que, em termos de desen olvimento, as aquisições perceptivas antecedem
as aquisições conceptuais; daí que se possa verificar uma desmaturidade numa fase que tenda a reflectir-se noutra fase com uma apropriação mais lenta de aquisições
mais complexas.
A velocidade de aquisição (rate of aquisition) (a que já chamámos biorritmo preferencial de cada criança), junta-se uma dificuldade na aquisição, e t ta
variável deve ser tomada em linha de conta a partir do nível básico de aquisições, que difere de criança para criança.
As variáveis mais predictivas e discriminativas da aprendizagem da leitúra podem e devem caracterizar os processos de identificação precoce das DA, pois
muita da investigação feita nesta área resulta, sem qualquer interpretação, de parâmetros claros de desenvolvimento.
Daqui podemos adiantar que a fase de automatização da leitura requer não só capacidade perceptiva como capacidade linguística, só que a sua releVância é
diferente no tempo. Na fase inicial, as capacidades perceptivas estão
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INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
em foco; na fase intermédia, estas terão de se automatizar, para na fase final da aprendizagem resultarem na edificação de capacidades linguísticas e conceptuais.
As implicações educacionais são muito significativas, na medida em que a fase inicial da aprendizagem da leitura requer uma diversidade de aquisições perceptivo-visuais
(discriminação, identificação, sequencialização, completamento, análise, figura e fundo, constância de forma, posição e relação de espaço, ete. ).
A fase seguinte deverá levar à automatização de tais aquisições como também à introdução das aquisições linguisticas, nomeadamente a segmentação e o completamento
gramatical, de base perceptiva auditivofonética.
A provar esta hierarquia, estes autores utilizaram análises de escalogramas e demonstraram que se verificava uma sequência evolutiva entre as aquisições
perceptivas e as aquisições linguísticas, e que a sua interacção recíproca se manifestava em diferentes períodos.
Desta perspectiva podemos concluir que a leitura envolve processos de interacção muito complexos e que obedecem naturalmente às leis da ontogenese do desenvolvimento,
quer a criança revele, quer não DA.
Teoria do atraso de desenvolvimento da atenção selectiva, de Ross
Para Ross a atenção selectiva é uma variável que diferencia claramente o nível de realização entre a criança normal e a criança com DA.
A partir do trabalho de Senf, que vimos atrás, este autor dá maior ênfase à capacidade de recodifica ão (recode), ou seja, à reorganização da informação
e sua subsequente, imediata e precisa rechamada, para efeitos de expressão ou de produção.
Na base das suas investigações, Ross demonstrou que as funções de rememorização e de reorganização da informação dependem de factores de desenvolvimento
e de maturação consubstanciados numa atenção selectiva mais controlada e intencional.
Tendo em conta que o êxito académico ou escolar depende da aquisição de dados aprendidos anteriormente que resultam na passagem de uma classe ou fase para
outra, Ross argumenta que a criança com DA tem mais problemas porque as aquisições mais simples, i. e. , das fases anteriores, não estão suficiente e consolidadamente
aprendidas.
A este problema de reorganização da informação aprendida naturalmente que se vêm juntar problemas de personalidade (autoconceito, etc. ), acumulados nas
frequentes situações de frustração e de insucesso.
De acordo com a proposta de Ross, a atenção selectiva depende significativamente de uma variável cognitiva, variando directamente com a sua complexidade.
Nesta perspectiva, o autor recomenda o exagero na distinção de pormenores de pares de letras ou de pares de palavras em que
88
PASSADO E PRESENTE NAS DlFICULDADES DE APRENDIZAGEM
a eriança manifeste dificuldades. Desta forma, o realce de pormenores reclama e motiva outros níveis de atenção, e consequentemente, de aprendizagem.
O problema desta teoria é partir da noção de que a atenção selectiva apenas depende da criança, e não das condições situacionais e envolvimentais.
Porque não se toma em eonsideração a relevância dos estímulos dos materiais didácticos e do envolvimento da classe, provavelmente as situações de instrução
tendem a desenvolver DA. As condições exteriores à tarefa em si, como sejam o excesso de barulho ou de ruídos distrácteis (variáveis auditivas), a exposição exagerada
de quadros e painéis na sala ou no espaço imediato (variáveis visuais), ou as dimensões da tarefa, os seus contexto e complexidade, e também o tipo de reforços imediatos
(variáveis cognitivas e motivacionais) podem dificultar à criança a selecção entre variáveis rele vantes e irrelevantes para a situação de aprendizagem considerada;
daí muitas vezes a razão de ser da sua dificuldade de concentração e de organização da informação.
Neste campo novas investigações serão necessárias para determinar qual a significação e a importância das variáveis distrácteis e situacionais em gresença,
variáveis essas que se inter-relacionam na dialéctica entre as condições internas (da criança) e externas (da situação educacional), e que podem faeilitar ou comprometer
a atenção selectiva, pondo em risco as condições normais da aprendizagem.
Hipótese do défce verbal, de Vellutino
Vellutino 1977 representa a nova vaga das DA. A sua hipótese do défice verbal nos maus leitores, ou melhor nas crianças com DA, surge como a nifestação de
uma dificuldade na rememorização e na renomeação de palavras, provocada, segundo o autor, por uma falta ou carência de informação disponível. Esta falta de informação
repercute-se na reduzida e limitada capacidade de utilização e de produção, confirmando um défice linguistico e uma eerta lentidão na identificação e no uso das
palavras.
Vellutino desenvolveu vários trabalhos experimentais de linguística, tendo coneluído que as crianças com DA apresentam défices fonológicos, semânticos e
sintácticos associados a problemas de memória de curto ternto e de eodificação, sintese, e subsequentemente, de rechamada da informação.
A chamada da informação é fundamental para a sua expressão. Nela estão ineluídos complexos mecanismos e processos de selecção da palavra e das suas estruturas
componentes.
Para além destes processos de mobilização e de formulação activas, que pneparam e planificam á expressão (quer falada, quer escrita), é necessário que se
observe processos de preeisão e fluência.
89
INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
A perspectiva de Vellutino está muito próxima da de Perfetti e Lesgold 1977, que falam em déftces de compreensão, argumentando que a lenta descodificaÇão
da palavra prejudica os maus leitores, diftcultando-lhes a lembrança da informação contida nas frases previamente lidas. Porque a integração da informação não se
opera adequadamente, a compreensão do texto lido é feita com dificuldades.
Vellutino contrapõe às concepções perceptivas das DA uma concepção lin uístiça, criticando aquela por falta de dados empíricos. De facto, embora nãg se podendo
negar a importância da sua concepção linguística, não res' tam dúvidas (nem tão-pouco dados empíricos) de que as DA e as dificuldades da leitura incluem, igualmente,
déftces não linguísticos. Não se deve defender concepções extremistas, ora argumentando que as DA dependem apenas de roblemas linguísticos, ora dizendo que dependem
apenas de I problemas perceptivos. Quanto a nós, entre estes dois tipos de problema,
ediftcam-se interacções recíprocas e complexas que convém identiftcar e minimizar através de programas de intervenção específica.
DA = Problemas Problemas perceptivos f- linguísticos
Figura 36 - Concepções perceptivas e linguísticas das DA, segundo Vellutino
Este autor inclina-se efectivamente para a análise das funções da memória no processo de recepção, compreensão e produção linguística. O déftce no
código verbal resulta, segundo ele, de problemas de retenção e de rememorização, acentuando o papel da conservação e da combinação da informação, que antecede obviamente
as suas expressão e utilização.
Das investigações de Vellutino podemos tirar uma conclusão essencial: a reeducação de uma criança com DA não pode ser unicamente encarada na base
de situações perceptivovisuais (identificação, discriminação, etc. ); é necessário atender às aquisições linguisticas, pois Vellutino reforça que uma reeducação
perceptivovisual, só or si, não faz um leitor fluente.
Hipótese do educando inactivo, de Torgesen
Torgesen 1977 encontra-se na linha cognitivista das DA, especialmente virado para o estudo e o controlo das variáveis que caracterizam o educando
activo (active learner).
90
PASSADO E PRESENTE NAS DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM
Segundo este autor, a criança sem DA participa activamente na sua aprendizagem, adoptando inclusivamente estratégias apropriadas à realização das tarefas
escolares. Estratégias essas que exigem uma consciencializaÇão cognidva geral (general cognitive awareness) e uma actividade dirigida intencionalmente para um fim
(purposive goaldirecteness).
A consciencialização cognitiva requer: uma consciência dos processos cognitivos próprios do educando (metacognição), bem como uma consciência das exigências
da tarefa em causa. A actividade dirigida intencionalmente para o fim reflecte o grau de motivação que caracteriza o educando, isto é, a intenção de aprender, que
verdadeiramente assegura, mantém e organiza os esforços necessários à aprendizagem propriamente dita.
Torgesen aflrma ainda que a intenção de aprender garante um plano de acção que culmina numa aprendizagem eficiente, adaptada e intencional. Ao contrário,
a criança ou o educando inactivo e com DA não manifesta as condições acima referenciadas. A imaturidade destas crianças revela-se cognitivamente e emocionalmente,
como concluíram os trabalhos de Hirsch, Jansky e Langford 1966 e de Koppitz 1963.
É a imaturidade geral que interrompe a consciencialização cognitiva, condição responsável pela acção intencional do indivíduo em situação de aprendizagem,
exigindo dele uma avaliação realista e ajustada dos seus recursos (negativos ou positivos).
Torgesen caracteriza a criança com DA como tendo maior dependência nas suas actividades intelectuais, menos perseverança, mais impulsividade e maior dificuldade
em compreender e realizar ordens, não podendo, portanto, assumir um papel activo na sua aprendizagem.
Devido a insucessos acumulados, amalgamados com as inevitáveis frustrações face às aprendizagens ou tarefas escolares, é compreensível que as crianças ou
os adolescentes com DA pequem por falta de participação e por inactividade e evitamento.
Este autor inclina-se mais para défices de realização do que para défices de capacidade (ability defcits). No educando inactivo, o que falta são as estratégias
adequadas, não obstante a manifestação de problemas de processamento da informação (atenção, memória, planificação, etc. ), ou sejam, défices cognitivos. Torna-se
por conseguinte relevante a necessidade de uma avaliação cuidadosa destes problemas, com o intuito de desenvolver meios de intervenção educacional ajustados às necessidades
dessas crianças.
A importância desta teoria de Torgesen é de extrema validade, realçando o papel das aqnisições de estudo (study skills) e das aquisições de autoensino (teaching
selfmonitoring skills), ou sejam, as aquisições por ele designadas como metacognitivas (metacognitive skills).
Independentemente da falta de especificidade, Torgesen remete-nos para uma perspectiva global das DA, embora a sua concepção de inactividade cognitiva necessite
de veriflcação empírica.
91
INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
Wong e colaboradores 1979 provaram que, de facto, as crianças com DA, ao contrário das crianças com aproveitamento escolar, manifestam problemas de autoverificação
e de autoavaliação das suas próprias produções e realizações, confirmando o interesse desta perspectiva das DA.
Modelo hierarquizado, de Wiener e Cromer
Este modelo representa uma sequência hierarquizada de aquisições específicas antecedentes (ABC. ) com correspondência em tipos e classes de comportamento
manifestados na aprendizagem da leitura (Xl, X2, X3. , Xn).
O modelo estabelece uma relação com base no exemplo: uSe se dá A, então manifesta-se X1; se se dá X1, então revela-se B"; se B, então X2, etc. Se um dos
antecedentes não ocorre, o comportamento na leitura não se revela nem se desenvolve, nem as aquisições subsequentes se virão a manifestar em termos hierarquizados.
A sequêneia hierarquizada equaciona uma aprendizagem de subaquisições mais simples, implicando uma apropriação evolutiva de processos específicos que se
vão complexificando progressivamente, quer conceptualmente, quer biologicamente.
Este processo, designado por análise de tarefas (task analysis) e por análise de conteúdos (content analysis), embora carecendo de variáveis motivacionais,
permite ao educando uma Kaprendizagem de sucesso em sucesso, concordante com as suas necessidades educacionais específicas.
Para além das críticas que o modelo apresenta, a proposta de Wiener e Cromer obriga-nos a discriminar entre dois níveis envolvidos na aprendizagem da leitura.
Um compreende as subaquisi ões da leitura. O outro envolve os processos psicológicos exigidos pela própria leitura. Sem a observância destas duas condições, segundo
estes autores o exemplo dos métodos de reeducação ou de prevenção estarão em si limitados.
Eis, assim, perspectivados o passado e o presente das DA. Muitas pers pectivas não foram consideradas, não porque sejam de rejeitar, mas porque nos faltou
tempo para as tratar com uma linguagem própria.
É evidente, depois desta síntese históriea, que o campo das DA nos surge com uma enorme dispersão de abordagens e perspectivas. Aqui está provavelmente a
razão de muitas eontradições e controvérsias, mas certamente também a razão de um campo de estudo tão apaixonante e com tantas implicações.
92
CAPÍTULO i.
DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM:
ANÁLISE CONTEXTUAL E NOVOS DESAFIOS
A exclusão subúl de crianças e jovens com dificuldades de aprendizagem (DA) da política de educação não tem sido acidental (Fonseca 1987).
As crianças e os jovens com DA não desfrutam ainda de uma categoria educacional própria, por isso têm sido encarados como uma ameaça em termos de recursos
financeiros, quando entre nós a aplicação do produto nacional bruto na educação é ainda das mais baixas da Europa, apesar de ter sofrido nos úlúmos anos um ligeiro
acréscimo.
As DA representam um dos maiores desafios educacionais e clínicos, e simultaneamente, um tópico esúmável da investigação cienúfica (Keogh 1986).
Na última década, segundo os serviços educacionais americanos, enquanto a percentagem das condições defectológicas das crianças e dos jovens com deficiência,
inerentes ao ensino especial, tenderam a diminuir consideravelmente, a percentagem das condições disfuncionais das crianças jovens com DA tenderam a triplicar (US
Department of Education 1985, citado pela mesma autora).
Os directores escolares, os legisladores, os professores e os demais responsáveis políticos da educação necessitam de informações válidas, e não de opiniões,
como ponto de referência para fazerem os seus juízos e tomarem as suas decisões. Todos os actores da educação possuem um conceito muito subjectivo do que é uma criança
ou um jovem com DA, sem contudo se avaliar os seus fundamentos científicos. As decisões de política educativa têm-se baseado preferencialmente em preocupações económicas
ou administrdúvas, em vez de se apoiarem também em informações e em dados de pesquisa (Fonseca 1989).
De acordo com Bos e Vaughn 1988, as crianças e os jovens com DA representam o maior gnipo do sistema escolar (Figura 37).
O número de crianças e jovens com DA é desconhecido no sistema escolar português, porque não há ainda um consenso quanto às respectivas elegibilidade ou
idenúficação, mas a taxa de insucesso escolar na escolaridade obágatória é das mais altas dos países europeus (Figura 38).
93
INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
lnsucesso escolar No s
Disfunção
cerebral mfnima
Ensino especial
Dificuldades de aprendizagem
As crianças e os jovens com DA continuam a vaguear pendularmente entre a educação especial e a educação regular, em termos quer de diagnóstico, quer de intervenção
ou de apoio psicoeducacional. e ' O número de repetências na 1 á fase ronda os 35%, e os 25% na 2. fase,
reduzindo-se consideravelmente no S. o e 6. o anos de escolaridade (GEP 1990), devido ao abandono escolar e ao trabalho infantil, que constituem situações
socioculturais deveras problemáticas em termos de recursos humanos estratégicos.
; As crianças e os jovens com DA, para serem identificados como tal, deveriam implicar a observância de uma gama de atributos e características cognitivos
e comportamentais que constituiriam uma taxonomia educacional e consubstanciar com propriedade uma definição teórica testável.
/ rr, A
30 - -
/ ESPANHA III 'RANÇA 20 PORTUGAL
10
0 -'
o Sxundário
Figura 38 - Taxas de insucesso (PIPSE, 1989)
94
Figura 37 - DA no sistema de ensino
DIFICULDADES DE APRENDl7 AGEM: ANÁLISE CONTEXTUAL E NOVOS DESAFIOS
de DA
l D que é uma criança ou um jovem com DA?
Das inúmeras definições de DA já avançadas por ilustres investigadores _ relevantes associações científicas (Fonseca 1987), a definição do onal Joint Committee
of Learning Disabilities (1988) é, presentemente,
reúne internacionalmente maior consenso.
A sua definição compreende o seguinte conteúdo: Dificuldades de ndizagem (DA) é uma designação geral que se refere a um grupo
terogéneo de desordens manifestadas por dificuldades significativas na aquisição e na utilização da compreensão auditiva, da fala, da leitura, da escrita, e do raciocínio
matemático. Tais desordens, consideradas intrínsecas ao indivíduo e presumindo-se que sejam devidas a uma disfunção do sistema nervoso central, podem ocorrer durante
toda a vida. Problemas na auto-regulação do comportamento, na percepção social e na interacção social podem coexistir com as DA. Apesar de as DA ocorrerem com outras
deficiências (ex. : deficiência sensorial, deficiência mental, distúrbios socioemocionais) ou com influências extrínsecas (ex. : diferenças culturais, insuficiente
ou inapropriada instrução, etc. ), elas não são o resultado dessas condições.
De facto, a designação DA", como podemos avaliar por esta definição, t m sido usada para referir um fenómeno extremamente complexo (Torgesen 1990). O campo
das DA agrupa, efectivamente, uma variedade desorganizada de conceitos, critérios, teorias, modelos e hipóteses.
Para Senf 1981, as DA têm sido uma área obscura situada entre a normalidade e a defectologia. No âmbito educacional, os que ensinam ascrianças ou os jovens
ditos normais" não raramente sugerem uma colocação ou encaminhamento especial" para os seus problemas, sem contudo perspectivarem modelos dinâmicos de avaliação
e de intervenção.
O quadro das DA é cada vez mais uma esponja sociológica que cresceu muito rapidamente, porque foi utilizado para absorver uma diversidade :de problemas
educacionais acrescidos de uma grande complexidade de acontecimentos externos a eles inerentes (Senf 1990).
Não se conseguiu ainda, na arena do sistema de ensino, um consenso na definição das DA, porque elas têm emergido mais de pressões e de necessidades sociais
e políticas do que de pressupostos empíricos e científicos (Keogh 1986).
Dentro de uma análise contextual, há necessidade de compreender que, mesmo na presença de uma pedagogia eficaz e de professores competentes, DA não desparecem
nem se extinguem. O enfoque das DA está no individuo, que não rende ao nível do que se poderia supor e esperar a partir do seu potencial intelectual, é que, por
motivo dessa especificidade cognitiva na aprendizagem, tende a revelar inêxitos inesperados.
95
INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
Para minimizarmos a confusão crónica que caracteriza o campo de
estudo das DA, precisamos de uma aproximação científica transdisciplinar que ultrapasse a demasiada fragmentação da maioria das suas investigações. Para além de
aperfeiçoar a precisão diagnóstica e clariflcar os resultados das investigações, é essencial evitar inferências precipitadas e generalizações inapropriadas.
A falta de uma teoria sólida e coesa nos seus paradigmas e pressupostos e de uma taxonomia pormenorizada e compreensível é, assim, uma das razões que explicam
a ambiguidade e a legitinúdade das DA. Daí que a criação e a promulgação de serviços educacionais seja presentemente muito restrita e ineficaz, porque não surge,
nem se vislumbra, um critério ou uma definição ftdedigna e aquiescente.
Entre nós, muitas crianças e muitos jovens são identificados com base em critérios pedagógicos arbitrários, ou sustentados administrativamente em pareceres
e avaliações médicas (ex. : pediátricas, neurológicas ou psiquiátricas) ou psicológicas tradicionais, sem qualquer tradução ou conversão reeducativa.
Até hoje não surgiu, ainda, uma identificação psicoeducacional no sentido científico que seja igualmente concordante com outros critérios médicopsicopedagógicos
relacionados com o potencial dinâmico de aprendizagem e com o comportamento social, uma vez que muitos jovens e crianças com DA evidenciam uma competência social
inadequada (Bos e Vaughn 1988).
Devido a esta vulnerabilidade conceptual, muitos deles são neglicenciados ou mesmo excluídos dos apoios escolares, mesmo tendo DA num sentido taxonómico,
e, em contrapartida, muitos outros são incluídos nos serviços de apoio disponíveis, acusando todavia DA apesar de não terem sido identificados como tais.
Quais são as características, comuns e discordantes, entre os estudantes com DA? Haverão subtipos de DA? Quais são as variáveis mais relevantes no processo
de ensino-aprendizagem? Como poderão ser identificados os problemas mais subtis nas crianças e nos jovens com DA? Quem está treinado e preparado para detectar e
(re)educar estas crianças e estes jovens? E que programas de reanimação cognitivocomportamental e psicolinguística deverão ser experimentados e avaliados? Sem respostas
a estas perguntas, muitas perturbações continuarão a contribuir para a catalogação e a classificação inconsequente das crianças e dos jovens com DA e, como consequência,
muitas delas com pseudo-DA são tratadas como tendo DA, e muitas tendo DA não são classificadas sob qualquer critério legítimo.
As autoridades educacionais, juntamente com várias instituições, têm expressado preocupação com o grande número de crianças e jovens com DA, mas
têm sido incapazes de estimular pesquisas sobre a etiologia, a elegibilidade, a identificação e os aspectos psicofuncionais nesta matéria, de modo a reduzir a proliferação
de mais confusão e de desnecessários gastos flnanceiros. Noutro pólo de pressão contextual e social, associações de pais e de
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DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM: ANÁLISE CONTEXTUAL E NOVOS DESAFIOS
encarregados de educação reagem à subinclusão das crianças e dos jovens com DA nos programas de compensação pedagógica. Os pais estão cada vez mais ansiosos, porque
os seus filhos não recebem adequada resposta às suas necessidades educacionais.
Enquanto dúzias de comissões oficiais, de divisões regionais e direcções de edueação, regular e especial, de grupos de tcabalho superiormente nomeados e
de outras entidades políticas, etc. , continuam a discordar de uma definição consensual, legal e operacional, felizmente que muitos professores e psicólogos continuam
a praticar diariamente a sua identificação e a sua reedncação (Macgrady 1980).
Expectativas sobre as DA
A luta contra o insucesso escolar tem sido, e continua sendo, uma das p oridades do sistema escolar português, tendo levado mesmo à criação do grograma interministerial
para promoção do sucesso escolar (PIPSE 1988), programa inovador hoje extinto que, contudo, não foi avaliado e aperfeiçoado, científica e pedagogicamente, na totalidade
das suas componentes estruturais, para efectivamente atacar as causas e os efeitos das DA.
Baseados no relatório Warnock 1978, vários responsáveis do Ministério da Educação adoptaram para os estudantes com DA o conceito abrangente de necessidades
educativas especiai3 (Decreto-Lei n. o 319/91), outra medida que reflecte uma expectativa positiva sobre o assunto, sem porém atingir a mesma profundidade em termos
de estratégias de diagnóstico e intervenção, e concomitantes coordenadas de formação permanente da parte dos professores.
A designação DA, constitui, todavia, uma simples designação que é útil por um lado, mas por outro não, na medida em que encerra uma significação sociopolítica
e sociocultural. Ela evoluiu da necessidade de fornecer serviços educacionais a uma população escolar que foi, e ainda é, subservida e negligenciada. Trata-se de
uma questão que, em última análise, ilustra o insucesso escolar, e nunca o insucesso individual do estudante, porque, num dado contexto, cada dislexia é sinónimo
de uma dispedagogia. A denominação revela elegibilidade, mas nenhuma verdadeira e óbvia identificação elínica. As DA são um assunto conceptualmente confuso, decorrente
de uma investigação teórico-prática ainda incipiente, contraditória e demasiado complexa nas suas variáveis e nos seus pressupostos.
Em síntese, as DA referem-se, como sabemos, a uma população heterogénea, que inclúi vários subtipos de dificuldades, idades e desordens. Para Ysseldyke 1983,
não há características nem eomportamentos específicos para as DA, isto é, as características que exibem as crianças e os jovens com DA são semelhantes às dos éstudantes
sem DA, o que obviamente torna mais difícil o seu objecto de estudo e os limites da sua definição.
97
INSUCESSO ESCOIAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
Modelos de avaGação das DA
A inadequabilidade científica que muitos testes psicométricos tradicionais apresentam é considerada uma das causas que caracterizam correntemente
as decisões educacionais incoerentes no âmbito das DA. Nos nossos dias, não existe nenhum modelo ou método de avaliação válido conhecido que verdadeiramente identifique
um estudante com DA, ou que detecte uma leitura ou uma escrita ineficientes, disfunções cognitivas na resolução de problemas de cálculo, ou mesmo, problemas na fala.
As DA não são uma condição ou síndroma simples, nem decorrem apenas de uma única etiologia - trata-se de um conjunto de condições e de problemas
I: heterogéneos e de uma diversidade de sintomas e de atributos que obviamente subtendem diversificadas e diferenciadas respostas clinicoeducacionais.
Muitas das expressões de avaliação falharam ao supervalorizarem alguns dos
I atributos específicos do indivíduo com DA (Jonhson 1990). Por outro lado, é ', estimulante ver profissionais de muitas disciplinas envolvidos na investigação
das DA, e simultaneamente perturbador observar tão reduzida interacção de dados e resultados entre eles. As investigações dos vários protagonistas tendem
a ser paralelas, em vez de integradas, o que em si tende a uma fraca validade (descritiva e predictiva) em termos de relevância educacional. ? Como regra geral,
os que têm trabalhado só com crianças ou jovens ditos
normais não podem compreender como pequenos problemas de recepção, elaboração e expressão de informação, disfunções cognitivas de input, ela; boração ou
output - Feuerstein, Rand e Hoffman 1979; Fonseca e Santos
1991- podem influenciar o desempenho escolar de crianças e jovens com DA, nem, tão-pouco, como os parâmetros limitados de cognição social, de privação cultural
e de experiência mediatizada de aprendizagem inadequada podem interferir com o rendimento escolar.
A informação psicométrica presente e disponível, centrada no QI, é ainda uma base crucial da maioria dos encaminhamentos educacionais, de onde podem emergir,
consequentemente, alguns perigos para o sistema escolar, Í, quer de super ou subinclusão de crianças e jovens com DA, quando aquele ' critério exclusivo não explica
porque é que jovens com QIs superiores a 130 podem acusar sinais evidentes de dislexia, dissortografia ou discalculia. A avaliação psicoeducacional é uma das áreas
fracas do campo das DA. I Inúmeros estudantes identificados como apresentando insucesso escolar não
atingem as definições mais correntes da literatura internacional (Fonseca 1987), o que pressupõe que a noção de DA nem sempre abrange a noção de insucesso
escolar, exactamente porque não são noções mutuamente exclusivas. Se a avaliação psicoeducacional (avaliação do potencial de aprendizagem) é pensada como um processo
de captação de dados sobre a vulnerabilidade da aprendizagem de muitos estudantes, com o propósito de especificar os seus problemas de aprendizagem e tomar decisões
e planificar estratégias indi vidualizadas, a sua prática quotidiana está muito longe do seu principal objec
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DIFICULDADES DE APRENDI7AGEM: ANÁLISE CONTEXTUAL E NOVOS DESAFIOS
tivo. Um número importante de crianças e jovens que experimentam dificWdades na aula, e que consequentemente sofrem de rejeição e isolamento social, pode ultrapassá-las
através de uma adequada instrução ou intervenção psicoeducacional. O objectivo da avaliação psicoeducacional deve levar-nos aos mais válidos métodos pedagógicos
e (re)habilitativos, subentendendo uma streita e intánseca relação entre o diagnóstico e a intervenção.
Entre nós, existem já equipas de apoio pedagógico que utilizam um tipo de diagnóstico multidisciplinar, todavia relativamente limitado na inferência de métodos
e estratégias de intervenção, e ainda pouco validado em amostras bem seleccionadas. Por acréscimo, não temos por ora equipas multidisciplinacoordenadas aos níveis
nacional, distátal ou local, nas quais o pessoal médico, psicológico e pedagógico possua treino específico no domínio das DA. No campo dos recursos humanos, os professores
especializados não têm competência de diagnóstico, ao contrário dos terapeutas da fala, que nas escolas e nos centros clínicos são responsáveis pela avaliação e
pela intervenção junto de crianças com problemas na linguagem falada. Paradoxalmente, os p nfessores especializados conduzem a reeducação na linguagem escrita, mas
não são responsáveis pelo diagnóstico. Os professores especializados em DA
pouco treinados, clínica e educacionalmente, para um campo tão complexo t diversificado.
Em termos sincréticos, os processos de avaliação e de identificação continuam, oficialmente, nas mãos de pediatras, neurologistas, psiquiatras, sicólogos,
orientadores escolares, etc. , que confiam demasiado nos testes e aos seus dados clínicos, omitindo frequentemente os dados oferecidos pelos próprios professores.
A demasiada confiança no QI, nas idades mentais e nos índices médios ziam, no nosso sistema escolar, muitas das decisões educacionais das criane jovens com
DA. A avaliação psicoeducacional das competências simbó cas não tem ainda relevância educacional, ao contrário da avaliação da teligência, e não tem conduzido a
programas educacionais individualizados apropriados contextual e cientificamente, o que, em si, ilustra o estado Aetual da organização da resposta a uma população
escolar em acentuado escimento na última década.
: Apesar de a inteligência ser definida, em termos clássicos, como a habide para aprender, tal como tem sido medida e tal como tem sido cono bida
como constructo, essa definição não satisfaz as necessidades do trmpo das DA. A inteligência não é apenas o que mede o teste estandardi do - as suas medição e avaliação
dmâmica continuam sendo um grande Inigma das ciênciás humanas, e uma grande responsabilidade para o psicóbgo escolar e para o pedagogo especializado.
A inteligência como dispositivo computacional modular é composta por I temas independentes de processamento de informação (competência cogniWra), que no caso de
indivíduos com DA não funcionam sinergeticamente
nseca 1991).
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INSUCESSO ESCOl AR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
A inteligência como capacidade de adaptação à mudança é diferente da inteligência prática ou da inteligência académica (academic intelligence); ela transcende
o que o teste pode objectivamente vislumbrar. A criança ou o jovem com DA apresenta défices específicos de inteligência não generalizados, nomeadamente na resolução
de problemas e na menor flexibilidade na selecção de estratégias para os resolver. Tal especificidade exige, claramente, um maior invesúmento na avaliação do potencial
de aprendizagem do indivíduo, ou seja, um melhor domínio dos pressupostos da modificabilidade cogniúva (Fonseca 1989) e da experiência de aprendizagem mediatizada,
uma vez que os défices cognitivos não são entidades isoladas em si próprias, pois constituem-se como partes integrantes do contexto envolvimental e cultural do indivíduo
(Fonseca 1991, 1992; Fonseca e Santos 1991).
Métodos de intervenção nas DA
A intervenção reeducativa tradicional tem sido essencialmente centrada, na maioria dos casos, em métodos de origem francesa (ex. : Borel-Maisonny, Chassagny,
Freinet, etc. ), que usam atributos e variáveis de produto, com pouca atenção sobre outras vaááveis de processo, também importantes à luz do processo de ensino-aprendizagem.
Os métodos pedagógico-reeducativos de leitura, escrita (ortografia) e cálculo tendem a ser empíricos e, por vezes, inconsistentes e ambíguos, sem qualquer
teoria ou racional aprofundado que os enquadre. Frequentemente apresentam-se sem objectivos, sem estratégias de mediatização e de interacção, sem conteúdos psicolinguísticos
(fonológicos, semânticos, sintáxicos, etc. ) e sem rotinas piscofuncionais, cogniúvas e metacognitivas compensativas e/ou corcectivas (ex. : descodificação, codificação,
aquisições e subaquisições da leitura: síntese, análise, compreensão, ideação, etc. ), bem como sem estratégias de intervenção inovadoras, direccionadas para indicadores
específicos de processamento de informação, sem reforços sociais, sem técnicas de comportamento, e sem enfoque directo noutras variáveis significativas da aprendizagem.
As DA não existem no vácuo, pois são dependentes das exigências particulares das tarefas de aprendizagem, e são, naturalmente, baseadas num contexto:
A testagem de métodos reeducativos é ainda inexistente, assim como a investigação interventiva, pelos menos em termos de literatura publicada, e deverá ser
estimulada com a finalidade de aperfeiçoar e enriquecer os processos e as estratégias de intervenção. Muitos profissionais do terreno defendem profusamente as suas
metodologias de sucesso, mas a análise científica e comparativa das mesmas é desconhecida, pois os hábitos de produção escrita nesta matéria são muito escassos.
Paralelamente, dever-se-ia tentar aplicar com mais rigor modelos longitudinais para avaliar os
100
DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM: ANÁLISE CONTEXTUAL E NOVOS DESAFIOS
efeitos, próximos e distais (longitudinais), de programas reeducativos ditos Kcompetitivos, comparando grupos de controlo e grupos experimentais, visando fundamentalmente
o apuramento da qualidade da intervenção no campo das DA.
. A avaliação baseada no cumculo (ABC) é ainda muito incipientemente utilizada porque é globalmente centrada na escola local e nos juizos sub jectivos dos professores.
A avaliação das crianças tende a ser vaga e sem ferências cientificopedagógicas, sendo o seu desempenho comparado interindividualmente e raramente perspectivado
em termos dinâmicos e mti tindividuais. A ABC, com a sua atenção centrada nas necessidades tspecíficas das crianças e dos jovens com DA, nas suas áreas fortes e
fi'acas, pode ser, no futuro, uma alternativa válida capaz de as enfrentar e superar.
Novos desafios para as DA
O sistema de ensino tem de enfrentar uma série de desafos para ajudar crianças e os jovens com DA; caso contrário, ser-lhes-ão negados os seus itos e oportunidades
educacionais. Se os professores especializados em A não se dedicarem aos desafios, as grandes esperanças de pais e pioneiros educação e na pesquisa das DA terão
os seus sonhos e esforços desfeitos (Cruickshank 1985). Em termos de pensamento estratégico, perspectivamos os seguintes desaf ios para o campo das DA:
Desafio n. o I
A definição de DA tem de adoptar um constructo historicamente e profissionalmente coerente. De facto, há necessidade de uma taxonomia que seja conceptualmente
correcta, teoricamente testável e pedagogicamente útil. A tarefa de investigação no futuro deve vir a determinar sistemicamente a essência das DA, bem como a identificar
todas as características e variáveis que se apresentam ao objecto complexo de estudo que as consubstancia. Precisamos realmente de determinar, pelo menos, o que
não é uma criança ou jovem com DA, utilizando, assim, um diagnóstico por exclusão.
A criança ou jovem com DA:
- não aprende normalmente;
- não tem deficiências sensoriais (visuais ou auditivas);
- não tem deficiência mental;
- não tem distúrbios emocionais graves;
- não emergiu de um contexto de privação ambiental ou sócio-cultural.
101
INSUCESSO ESCOL4R - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGlC A
Efectivamente, o processo para identificar as DA tem de decidir se a criança ou o jovem:
- possui uma DA (sistema de referência);
- possui outras condições (sistema de exclusão);
- possui características específicas (sistema de inclusão).
No mesmo quadro de referência, quatro grandes conceitos de DA emergem à superfície:
1) Tem de haver uma DA específica e não uma DA geral (os indivíduos com DA diferenciam-se dos indivíduos com deficiência mentalQI > = 80);
2) Tem de haver uma discrepância entre capacidades, e não só mera mente de défices;
3) As discrepâncias têm de se situar no processamento de informação (funções de input, elaboração e output); e
4) Os factores de exclusão devem ser considerados.
Todos estes parâmetros, verdadeiros desafios teóricos, requerem uma abordagem mais dinâmica na avaliação psicoeducacional. O processo do diagnóstico clínico
envolve mais do que apenas a obtenção de resultados ou quocientes nos testes psicométricos, onde sabemos, por experiência investigativa, que há muitas interpretações
e aplicações incorrectas.
Feuerstein, Rand e Hoffman 1979 desmonstraram que, tomando em consideração a avaliação do nível de competência cognitiva da criança ou do jovem, a aproximação
dinâmica deve avaliar a compreensão do processo e o potencial futuro de aprendizagem, contrariando a exclusiva tendência da avaliação tradicional do produto, algo
que, por si só, revolucionará no futuro o conceito de diagnóstico em DA.
Desafio n. o 2
Devemos desde já reconhecer que existem dois grupos diferentes de crianças e jovens com DA: as crianças e os jovens com DA e as outras, com problemas de
aprendizagem que são ecologicamente determinados, e que não revelam quaisquer disfunções neuropsicológicas.
As DA tomam-se num estigma e num meio de fornecer serviços para estudantes que não conseguem atingir as expectativas educacionais devido a uma enorme quantidade
de razões. Entre nós, as DA são ainda um grave problema da escola pública, uma vez que o sistema segregativo funciona, quer os estudantes sejam quer não identificados,
sem contudo se prescrever programas de intervenção alternativos especificamente concebidos para as suas necessidades específicas.
102
DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM: ANt LISE CONTEXTUAL E NOVOS DESAFIOS
Desafio n. o 3
O Ministério da Educação deve estimular a investigação epidemiológica, tcalizando estudos aprofundados de populações com DA num minimo de 2000 estudantes,
para desse modo caracterizar e conhecer o número aproxi: mado de crianças e jovens com DA que frequentam as escolas portuguesas. A falta de teorização resulta essencialmente
da pobreza de pesquisas quantitativas rigorosas, da inexistente produção de estudos de casos (single-subject studies), e também da carência de investigações qualitativas.
A muitos estudos sobre DA falta perspectiva e robustez científica, pois são quase sempre fragmentados e incoerentes (Keogh 1986). A investigação educacional necessita
cruzar e integrar os limites de vários campos científicos (psicologia, : neuropsicologia, linguagem, pedagogia, sociologia, etc. ), isto é, pôr em prá '
tica um contexto interdisciplinar de investigação muito maior e muito mais diversificado.
Desafio n. o 4
Encorajar estudos longitudinais sobre a eficácia de uma ou mais metodologias (re)educacionais recomendadas para crianças e jovens com DA. Subsiste a necessidade
para uma pesquisa de intervenção com programas bem implemen tados (ex. : intervenção ecológica; estratégias de inovação; estratégias de enriquecimento cognitivo;
desenvolvimento de pré- requisitos; etc. ). Continua-se a organizar e a dirigir a reeducação e a terapêutica das crianças e dos jovens com DA sem conhecer, contudo,
se os efeitos obtidos são eficazes e significativos (Kirk 1987), e se os procedimentos são pedagogicamente exequíveis.
Desafio n. o 5
Todos os professores de crianças e jovens com DA devem adoptar uma abordagem neuroeducacional para compreenderem a complexidade dos pro blemas de aprendizagem.
Muitos casos de DA estão relacionados com subjacentes disfunções do sistema nervoso central, o que traduziu a visão de vários pioneiros do terreno, como Stcauss,
Lehtinen, Kephart, Cruickshank, etc. , e a noção mais actual de disfunção psiconeurológica de Myklebust 1968, 1978, da qual emergem dófices no processamento de
informação (Feuerstein, Rand e Hoffman 1979; Fonseca e Santos 1991) e no comportamento adaptativo, cujos indicadores não stão evidentes nos QIs. A queda de rendimento
tende a ilustrar algumas relações entne as funções neuronais e as cognitivas; umas tratam das componentcs estruturais e outras das componentes funcionais, sem as
quais nenhuma aprendizagem ou tarefa simbólica pode ser realizada favoravelmente.
Para além destes dados indispensáveis, surge a necessidade de conhecer como as crianças e os jovens com DA interagem com os professores e com
103
INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
as exigências das tarefas e do curriculo (Deno 1985; Mercer 1990), de modo a percepcionar-se a totalidade do processo de ensino-aprendizagem e a dialéctica entre
factores extrínsecos e intrínsecos das dificuldades nas habilidades críticas necessárias para a leitura, a escrita e o cálculo, bem assim como na pesquisa de avaliação,
na metodologia de intervenção reabilitativa e na teoria de investigação.
Desafio n. o 6
Todo o director ou gestor pedagógico com funções de coordenação de recursos, todo o pessoal docente do ensino básico e secundário com funções de apoio e
de compensação deveria frequentar, pelo menos, um curso introdutório em DA. Muitos responsáveis administrativos, que habitualmente estão em posição de tomar decisões
educacionais referentes ao curriculo, ao encaminhamento e à colocação de estudantes não dimensionam a comple xidade das DA, não tiveram treino nem orientação para
este problema educacional de crescente relevância e, por vezes, negam mesmo o facto da existência de DA. Dada a inexistência de uma hierarquia profissional no campo
das DA, muitos dos problemas são adiados e protelados por razões extrapedagógicas.
Desafio n. o 7
Todos os professores de qualquer nível de ensino devem reflectir seria mente no facto de muitas crianças e muitos jovens com DA evidenciarem sinais psicomotores
perceptivos e comportamentais disfuncionais que os impedem de ser colocados em salas de aula regulares sem um apoio pedagógico específico.
Muitas das características reveladas por crianças e jovens com DA indi cam que elas não conseguem mudar facilmente, nas salas de aula regulares, do insucesso
para o sucesso, mesmo com suportes e apoios pedagógicos. Para conhecer a heterogeneidade das necessidades dos estudantes com DA, há necessidade de um diagnóstico
multidisciplinar coerente com as exigências de conteúdo e de estrutura das tarefas de ensino.
Desafio n. " 8
, A produção de materiais didácticos de ensino e de aprendizagem supos tamente benéftcos para as crianças e os jovens com DA deve ser testada e aperfeiçoada.
Caros, muitas vezes sem nenhuma orientação pedagógica em relação aos défices cognitivos e aos processos motivacionais e de aprendizagem, alguns materiais didácticos
prestam um mau serviço aos professores e aos estudantes, e muitos deles não são baseados em qualquer tipo de investigação.
104
DlFICULDADES DE APREN Dl7 AGEM: AN ÁLlSE COMEXTUAL E NOVOS DESAFIOS
Desa, o n. o 9
:e;: Todo o envolvimento educacional necessita de qualidade (melhores salas e aula e de apoio, melhor apoio à familia, programas de enriquecimento insntal, etc.
). Qualidade e excelência são necessárias não só nas salas de normais, mas, por várias razões, nas salas de aula de apoio especial, nas de recursos, nas clínicas
de apoio familiar, nos centros de diagnósúco, equipas de investigação, etc.
í Desafio n. o 10
:, t Finalmente, há necessidade de editar uma revista que seja benéfica para ìla práticos de educação e para as crianças e os jovens com DA a quem têm I at, ender.
, ; :-. Q tores do futuro devem produzir ensaios que possam servir de basedc referência a quem intervém nas DA, e fornecer programas realistas e quecidos nas componentes
de aprendizagem. A dimensão criativa de ' tos professores deve ser cada vez mais disseminada, mas para tal tameles terão de escrever mais sobre a sua experiência
transcendente.
r; Os vectores da futura investigação, sublinhados nestes 10 desafios que ntámos, fornecem uma pesada agenda de trabalho e de reflexão para
tns investigadores, professores, administradores e gestores de educação. mos votos de que eles se tomeìn realidade para bem do futuro de muitos vens e crianças
com DA.
da definição da criança com difculdades de aprendizagem
A controvérsia sobre a definição da criança com dificuldades de aprenigem (DA) não é um problema recente. O caos semânúco em torno desta blemática afecta
a tomada de decisões sobre a reforma do sistema de ioo, e, em última análise, o futuro de seres humanos, e compromete, obvi nte, o desenvolvimento total de uma sociedade.
A negligência que se tem údo sobre esta matéria é confrangedora, e no do dá corpo à perspecúva passiva e pessimista que se tem instalado scamente no seio
do sistema de ensino, onde tardam as soluções inte Algures (Fonseca 1988), já equacionámos a intercepção dos conceitos de e de insucesso escolar (IE), que, èmbora
não sendo mutuamente exclu s, inte 'am. e incluem paradigmas e enunciados de valor que convém
As consequências das DA e do IE são conhecidas quer em termos sociais, rer em termos individuais. As implicações aos níveis familiar e escolar são
tes. A severidade psicoeducacional do problema não está equaçionada ticamente, nem se conhece, escolar e clinicamente, os seus contomos.
105
lNSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
A repercussão longitudinal deste problema ao nível dos períodos críticos de desenvolvimento não está minimamente equacionada. As respostas da escola
e dos seus agentes têm certamente de ser enriquecidas sobre todos os pontos de vista.
Dentro deste contexto, teremos de reflectir sobre o processo de ensino-aprendizagem, ou seja, sobre as verdadeiras características da criança, i. e. , do
aluno, e sobre as verdadeiras características do professor (mediatizador).
I A criança, o objecto de estudo mais complexo que se conhece, traz para a escola ardim de infância, pré-primária, l. o ciclo, 2 ó ciclo) um conjunto de:
atitudes e valores sobre o envolvimento; competências e pré-requisitos de aprendizagem, processamento (visual, auditivo, tactiloquinestésico, etc. ), elaboração
e comunicação de informação e conhecimentos e estratégias de aprendizagem que requerem um diagnóstico psicoeducacional equacionado em áreas fortes e fracas que possam
perspectivar o seu potencial dinâmico, e não estático, de aprendizagem, pressupondo o seu nível de desenvolvimento potencial (Vygotsky 1979 e Feuerstein 1986, 1987
e 1989).
O professor (mediatizador) traz também: conhecimentos pedagógicocientíficos, atitudes e valores, crenças, estratégias, etc. O professor, hoje, um
verdadeiro engenheiro educacional (Vaughn 1987) ou um neuroeducador" (Cruickshank 1981), gere e estrutura o envolvimento educacional de forma a promover as capacidades
de aprendizagem dos alunos, provocando, reforçando e optimizando os seus potenciais de adaptabilidade e sociabilidade.
i O professor converte, portanto, os conhecimentos e as aquisições em termos sistémicos e explícitos (ciência do ensino), pragmatizando as teorias
de comportamento e de aprendizagem humanas à base de estratégias de insI
trução e de interacção que visam, essencialmente, modificar e maximizar as i i suas capacidades de aprender a aprender a reaprender.
i A aprendizagem, encarada aqui como um processo dinâmico, onde o ' aluno joga um papel activo, em constante interacção com o envolvimento e I com o grupo da turma
onde está integrado, muda as suas noções, os seus 'i, ideais, atitudes e aquisições, mas também deve mudar as condições do envoli
;i vimento onde ela tem lugar.
'! A aprendizagemn não pode ser vista como mera acumulação de conheci mentos ou aquisições, mas como uma construção activa e uma transformação
das ideias, uma modificabilidade cognitiva estrutural, um processamento de , informação mais diversificado, transcendente e plástico, consubstanciando a
função de facilitação e de mediatização intencional do professor (Fonseca e
Santos 1991, 1992).
A definição da criança e dojovem com DA exige, consequentemente, que todos estes componentes sejam sistematicamente considerados, e só nas suas observância
e abrangência se pode abordá-la. E é dentro destes pressupostos teóricos que passaremos à sua discussão.
106
DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM: AN ÁLlSE CONTEXTUAL E NOVOS DESAFIOS
A abordagem da defmição da criança e do jovem com DA deve considerar, portanto, os seguintes parâmetros:
a) Adequada oportunidade de aprendizagem;
b) discrepância entre o potencial de aprendizagem e os resultados escolares;
c) Disfunções no processo de informação;
d) Factores de exclusão.
Adequada oportunidade de aprendizagem
Quando se aborda a vastidão deste enunciado, temos de considerar múltiplos factores, nomeadamente: características do envolvimento, oportunidades em termos
qualitativos e quantitativos, exposição e interacção linguística (conceitos, vocabulário, estrutura fraseológica, etc. ), estimulação simbólica (letras e números),
explicação do envolvimento, experiências mediatizadas de aprendizagem antes da entrada para a escola, privação sociocultural, etc. , etc.
Consequentemente, falar de adequada oportunidade de aprendizagem põe em jogo uma avaliação ecológica total, ou seja, uma avaliação da criança, uma avaliação
do envolvimento (micro-meso-exo e macro-ecossistemas de Brofenbrenner 1977) e uma avaliação das interacções dialécticas que materializam as relações indivíduo-mèio.
A noção de DA pode emergir como resultado do processo de desenvolvimento que ocorre num determinado envolvimento, pode ser portanto a nepercussão da falta
ou da carência de oportunidades, algo diferente da noção de desordens de aprendizagem, que equivalem a problemas mais severos eomo as incapacidades de aprendizagem.
É consensual que estas noções, pertencentes ao campo defectológico e ao ensino especial, transcendem os problemas na sala de aula regular.
Nas desordens ou incapacidades de aprendizagem a identificação de disfunções é elinicamente óbvia, pois subsistem anomalias neurológicas expressivas ou lesões
cerebrais facilmente diagnosticadas pelos processos mais correntes (ex. : EEG, TAC, RM, etc. ).
Ao contrário, as DA, em que não surgem sinais disfuncionais severos ou complexos, evidenciam apenas sinais disfuncionais ligeiros com implicações exógenas
mais do que endógenas, embora estas possam ser detectadas como ligeiras ou mínimas (Werner e Strauss 1940, Quiros e Schrager 1978).
As crianças com DA com intervenções pedagógicas adequadas, necessariamente enriquecidas em termos do processo de ensino-aprendizagem nos seus múltiplos subsistemas
componenciais, adquirem informação e desbloqueiam as suas dificuldades, e podem mesmo modificar cognitivamente todo o seu potencial dinâmico de aprendizagem (Feuerstein
1986, Debray 1989,
107
INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGlCA
Haywood 1982, Fonseca e Santos 1992), onde podem caber as crianças normalmente com IE (história de repetências e privação sociocultural) e as crianças com
DA supercompensadas.
As crianças com desordens ou disfunções cerebrais mínimas apresentam disfunções (handicaps) que requerem processos diferentes e estratégias instrumentais
especiais e de alternativa. Aqui, as dif iculdades são o reflexo de uma lesão cerebral (brain damage), e repercutem-se noutros processos comportamentais muito para
além da aprendizagem.
Feita a necessária fronteira conceptual entre desordens e dificuldades, as combinações disfuncionais que as consubstanciam são múltiplas, pois subsistem
constelações de dificuldades; umas psicomotoras, outras comportamentais ou emocionais e de autoconceito, bem como de captação e de retenção neurossensoriai, com
repercussão nas dificuldades cognitivas e metacognitivas, onde podem caber mesmo crianças ou jovens com ou sem DA, com ou sem IE.
: Figura 39 - Tipos de DA - Combinações disfuncionais
Estudos avançados por Vaughn e Bos 1988, mostram que os sistemas de ensino apresentam, por aproximação, a seguinte distribuição da população escolar:
- As crian as com DA respeitariam a mais ou menos 25% da população escolar;
- As crianças com desordens (disfunções cerebrais mínimas) representariam cerca de 5%;
108
DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM: AN ÁLlSE COMEXTUAL E NOVOS DESAFIOS
- As crianças com IE seriam 25% (com história de repetências numa ou mais disciplinas cumculares);
! -- As crianças com necessidades educacionais especificas (caracteriza. das com deficiências) 20%;
- As crianças KnormaisH, isto é, sem história de IE, representariam cerca de 25%.
Etn síntese, ter problemas de aprendizagem não é sinónimo de ter DA, coloca em realce os limites da definição das DA.
Num recente estudo de Hammill 1990, onde foram comparadas as defirões propostas por relevantes individualidades e insútuições (Kirk 1962, ueman 1965, Wepman 1975,
Comité Consultivo Nacionai das Criançasficientes - Nachc 1968, Insútuto de Estudos Avançados de DA da iiversidade de Northwestern 1969, Departamento de Educação
dos tados Unidos da América do Norte - USOE 1977, Conselho da Criança xional - CEC, Associação Americana de DA - LDA. 1986, Comité
iações em DA - ICLD 1987, Comité Nacional Integrado de DA CLD, 1988) foi possível destacar os seguintes elementos conceptuais:
- Baixo aproveitamento escolar (leitura, ditado, cálculo no ensino primário, ou em disciplinas nucleares no ensino secundário, reforçando
dificuldades específicas em algumas matérias particulares, mas em todas as áreas, daí emergindo as famigeradas discrepâncias intracognitivas ou os udesequiliúrios
de desenvolvimento diferenças intraindividuais etc. );
- Etiologia disjuncional do sistema nervoso central - SNC (muitas definições inclinam-se para apontar a causa das DA como o resultado de um
problema no SNC):
- Envolvimento do processamento de informação (as DA concebidas como uma ruptura dos processos psico:ógicos superiores que se projectam em
disfunções de processamento de informação);
- Perpetuação das DA ao longo da vida (as DA podem manifestar-se em qualquer idade, e não apenas durante a idade escolar);
- Especificação de problemas de linguagem falada como indutores de DA (envolvendo problemas de recepção, integração, elaboração e expressão);
- Especificação de problemas escolares (envolvendo os processos de raciocínio, de campo mental, de educação de relações, de comportamento
sumaúvo, de prosseguimento da evidência lógica, de pensamento hipotéúco e inferencial, etc. );
- Especificação de outras condi ões (envolvendo aquisições sociais, dificuldades inte_raccionais, baixo nível frustracional, desmoúvação,
comportamentos disputativos, hiperacúvidade e impulsividade, desorientação espacial, perfil psicomotor dispráxico, etc. - Fonseca 1984);
109
INSUCESSO ESCOL4R - ABORDAGEM PSlCOPEDAGÓGICA
- Repercussão multidisfi ncional das DA (coexistência de outros pro blemas, igualmente emergentes das condições defectológicas: deflciências
sensoriais, mentais, motoras, emocionais, etc. ), que nos remetem para a distinção de DA primárias e secundárias já equacionadas por Quiros e Schrager 1978.
Destes nove elementos nem todos apresentam semelhança conceptual ou concordância total dos seus defmidores; porém, todos convergem para a noção consensual
de que as DA evidenciam desordens básicas no processo de aprendizagem que impedem muitas crianças e muitos jovens de atingir um rendimento escolar satisfatório.
Discrepância entre o potencial de aprendizagem e o rendimento escolar
A criança ou o jovem com DA apresenta discrepâncias entre a capacidade ou a habilidade mental e o desempenho, reflectidas em resultados escolares insatisfatórios.
Enquanto a capacidade tem sido testada pelo QI (ex. : WISC-R, Weschler Intelligence Scale for Children Revised; Standford-Binet; Kauffman-ABC; Achievement
Batteryfor Children; etc. ), o desempenho tem sido avaliado por testes estandardizados de leitura, de ditado, e de matemática (ex. : Peabody, Woodccock- Jonhson,
etc. ) onde se detecta diferenças significativas entre o potencial (consensualmente defmido com um QI > ou = 80) e o aproveitamento escolar, que apuram consistentemente
resultados abaixo das expectativas.
Efectivamente, as DA surgem distintas da deficiência mental (principal mente a educável, consensualmente defmida com um QI 50-55 a 70-75), uma vez que a
última não apresenta discrepâncias, mas sim um factor geral de inteligência disfuncional equivalente a um inaproveitamento escolar, e consequentemente, compatível
com o ensino especial.
(Adaptação de Vitor da Fonseca 1987)
IDADE
I ESCOLARIDADE DATA NASCIMENTO /
CONDIÇÕES DE OBSERVAÇÃO DATA OBSERVAÇÃO / J
Il O
DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM: ANÁLISE CONTEXTUAL E NOVOS DESAFIOS
TESTES
DISFUNÇÕES COGNITIVAS
NÍVEL DE INPUT NÍVEL DE COLABORAÇÃO NÍVEL DE OUT PllT
1. Percepção difusa e hesitante. 1. Inadequada definição da per- 1. Modalidades de comunicação.
cepção, ou existencia, de um
problema.
2. Comportamento exploratbrio 2. Incapacidade em destrinçar 2. Dificuldades em projectar nedesplanificado, impulsivo e os dados relevantes dos
irre- lações virtuais.
assistemático. levantes na definição de um
problema.
3. Falta ou disfunção de instru- 3. Falta de comportamento com- 3. Bloqueio.
n entos verbais receptivos que parativo espontâneo ou imitaafecta a discriminação de ção da sua apficação devido a
objectos, eventos e relações um sistema de necessidades
impropriamente designados. bastante restrito.
4. Falta de capacidades para con- 4. Redução do campo mental. 4. Respostas expressas em tentasiderar duas ou mais fontes de tivas
e erros.
informação simultaneamente,
. lidando com dados de uma
forma desordenada, em vez de .
os tratar como uma unidade de
factos organizados.
' 5. Falta ou disfunção de concei- 5. Captação episódica da reali- 5. Falta ou disfunção de instrutos temporais. dade. mentos verbais,
ou da comuni cação, que impedem uma
6. Falta ou disfunção de observa- expressão adequada a elaborar.
ção de constâncias (tamanho,
forma, quantidade, cor, orien- 6. Falta da necessidade de dedu- 6. Falta ou deficienk necessidatação, ek. ) nas suas variações zir e estabelecer
relações. de para a precisão e a perfeinuma ou mais dimensões. ção na comunicação das res postas elaboradas.
7. Falta ou deficiente necessi- 7. Falta da necessidade de exer- 7. Disfunção no transporte visual.
. dade para a precisão e a per- cer comportamento sumativo.
fcição na adaptação de dados.
8. Falta ou disfunção da neces- 8Comportamento impulsivo
COMENTARIOS sidade de prosseguir a evi- desplanificado e assistemático
dência lbgica. (randomizado).
9. Falta ou disfunção do pensa- COMENTARIOS mento hipotótico ou inferen cial.
111
INSUCESSO ESCOIAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
TESTES
DISFIINÇÕES COGNITIVAS
NÍVEL DE INPUT NÍVEL DE COLABORAÇÃO NÍVEL DE OUTPUT
COMENTARIOS 11. Falta ou disfunção da plani- PERFZL CoGNITIVo f icação de comportamento.
12. Falta ou disfunção da inte riorização.
13. Não-elaboração de certas
cat. egorias cognitivas porque PEI
os conceitos verbais não fa-
zem parte do inventário indi-
vidual ao nível receptivo, ou
porque não sâo mobilizados
ao nivel expressivo.
COMENTÁRIOS
Em geral, a criança, ou o jovem, com DA apresenta um QI dentro ou acima da média; todavia, revela um aproveitamento escolar abaixo dela numas áreas, mas
não noutras, mas também, em termos específlcos, a DA pode ser identiflcada em crianças ou jovens superdotados (QI > 120), que não raras vezes demonstram diflculdades
significativas na leitura (dislexia), na escrita (disortografia) e no cálculo (discalculia).
Disfunções no processo de informa ão
Quanto a nós, trata-se do problema central das DA, área deveras complexa e extremamente difícil de avaliar. As DA sugerem um comprometimento no processo
de informação (input, integração, elaboração e output), subtil desordem psiconeurológica que afecta a função cognitiva (Feuerstein 1%85, Fonseca 1987, 1990 e 1992).
Como o cérebro aprende é um dos grandes enigmas da ciência actual, pois não sabemos precisamente como o faz - apenas se presume inferências e conhecimentos
clínicos de casos patológicos inerentes ao importante capítulo das incapacidades de aprendizagem (ex. : agnosias, afasias, apraxias), sem o qual a compreensão das
DA pode ser concebida.
112
DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM: ANÁLlSE COMEXTUAL E NOVOS DESAFIOS
Para aprender é necessário: perceber, compreender, analisar, armazenar, chamar, elaborar e exprimir informação; concomitantemente, torna-se indispensável
avaliar e observar quais as áreas fortes e fracas do indivíduo nas seguintes funções de processamento: atenção, percepção (visual, auditiva, tactiloquinestésica),
memória (cuno, médio e longo termo), planificação e Qsicomotricidade. Com uma avaliação dinârnica destas funções, torna-se talvez mais compreensível o porquê das
DA da criança ou do jovem e, por essa via, provavelmente, mais facilmente poderão nascer estratégias de intervenção mais adequadas aos seus estilos cognitivos de
aprendizagem. (Ver capítulos 5 e 10: Contribuição da Psiconeurologia para as DA e Algumas Características das Crianças com Dificuldades de Aprendizagem ).
Factores de exclusão
Finalmente, para se concluir o paradigma e os subparadigmas da definição das DA, exclui-se delas as deficiências sensoriais (visual e auditiva), as deficiências
mentais (educáveis, treináveis e dependentes), as deficiências motoras (espásticas, atetósicas e atáxicas) e as desvantagens culturais (privações e diferenças socioculturais,
situações de pobreza e miséria, etc. ).
Em conclusão, para que a defmição total de DA seja efectiva, os quatro critérios devem ser considerados, nenhum pode ser negligenciado.
As DA são indubitavelmente um dos problemas centrais da educação contemporânea, não s6 pela sua complexa definição teórica, mas também pela ificuldade da
sua interpretação pelos vários agentes do sistema de ensino. A sua sofisticada problemática eúológica e diagnóstica, a que não é estranha a avaliação das suas desordens
psiconeurológicas, normalmente ausente da ntina dos serviços de orientação escolar, tem impedido a criação de respostas expeditas e eficazes para as solucionar e
superar.
Modelos teóricos das dif culdades de aprendizagem
Parece pois urgente a necessidade de clarificar o conceito teórico das DA, na medida em que o seu aprofundamento pode dar origem a medidas e estratégias
que possam vir a servir, como bases mais seguras, para as suas avaliação e reabilitação. É neste sentido que iremos apresentar de fonna sintética os seguintes modelos
teóricos das DA:
- Modelo funcional;
- Modelo evoluúvo;
- Modelo envolvimental;
- Modelo ecológico-clínico;
- Modelo educacionai e subtipos de DA.
li3
INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSlCOPEDAGÓGICA
Modelo funcional
O modelo funcional considera as DA como resultantes de disfunções ou desordens nas várias áreas de comportamento.
Cabem neste modelo as teorias dos défices perceptivomotores, que reforçaram o papel das funções sensória e perceptivomotora no processo da aprendizagem,
quer não simbólica, quer simbólica.
A sua concepção principal baseia-se em métodos de reeducação (remedial training methods) preconizados por autores como Frostig e Maslow 1973; Ayres
1977 e 1982, Adam 1980, Kohen-Raz 1986, etc.
Têm cabimento ainda nestes modelos as teorias de défice verbal, tendo como enfoque problemas do desenvolvimento da linguagem (ex. : Blank e Bridge
1966, Vellutino 1979, Witelson 1977).
; Na mesma óptica integrativa cabem também as teorias neurofisiológicas, I fundamentalmente relacionadas com anomalias dos processos neurofisiológicos centrais de
descodificação, associação, codificação, assimetria das funções hemisféricas, com base em estudos neurológicos e comportamentais (Kawi e Pasamanick 1958, Rabinovitch
1962, Gaddes 1968, Myklebust 1978 I' e 1980, etc. ).
I,
Í São igualmente considerados neste modelo as insuficiências perceptivasì na visão, na audição, problemas de integração intersensorial", problemas de
atenção, problemas de retenção de curto termo, de organização perceptiva, os proc ciação, etc. (De
' problemas n essos de asso nckla 1972 e 1985, Rugel 1974, Frank e Levinson 1976).
114
Figura 40 - Modelos teóricos das DA
DIFICULDADES DE APRENDIZ4GEM: ANÁLISE CONTEXTUAL E NOVOS DESAFIOS
Modelo evolutivo
Este modelo foca e explora um modelo evolutivo e longitudinal, com tmflexo para os diferentes períodos etários, com referências às DA nas clasprimárias devidas
a disfunções perceptivas, psicomotoras e intersenso ais, e às DA dos pré- adolescentes e adolescentes que so&em de aquisições linguísácas insuficientes e de problemas
de processamento da informação verbal (exs. : Satz, Radin e Ross 1971; Vellutino, Stegger e Pruzek 1973; etc. ).
Tenta mostrar os resultados controversos das hipóteses do défice perceptivo, uma vez que as amostras de crianças com idades superiores a nove anos
(3. ano de escolaridade) não permitem evocar problemas perecptivos nelas que, ao contrário, tendem a emergir em idades mais baixas to é, nos l. " e 2. "
anos de escolaridade.
Alguns estudos reforçam o modelo evolutivo; todavia, os estudos longitudinais, que mais provam a sua validade, são extremamente raros e a uentam metodologias
questionáveis.
Um dos estudos longitudinais mais prestigiados (Belmont e Belmont 1980) mostrou três tipos fundamentais de dificuldades de aprendizagem:
I) Os que apresentavam um nível académico normal à entrada para a escola, e que tenderam a deteriorar gradualmente os seus potenciais de aprendizagem;
2) Os que apresentavam DA evidentes já no l. o ano e persitiram em tais dificuldades durante a infância e a adolescência;
3) Os que apresentavam um progresso irregular e imprevisíveis fIutuações entre os níveis médios e inframédios de aproveitamento escolar.
Modelo envolvimental
O modelo envolvimental aborda a tendência da política educacional camuflada, face à identificação e ao encaminhamento dos jovens e crianças com DA.
A tendência vai no sentido de etiquetar acriticamente com DA as crianças desfavorecidas, muitas vezes com etiquetas socialmente mais segregativas, como a
deficiência e/óu o atraso mental (education handicapped child), normalmente mais frequentemente colocadas em classes especiais.
Em contrapartida, as crianças e os jovens que provêm de classes sociais médias sofrem mais de outras etiquetas, como por exemplo: lesões cerebrais mínimas
- LCM, ou disfunções cerebrais mínimas, - MBD, de minimal brain disfunctions, habitualmente designadas como tendo DA - sendo
115
INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
contrário, mais colocadas em classes de apoio e estando por esse facto mais frequentemente integradas.
O ciclo vicioso dos sistemas de ensino tende obviamente a recair mais segregativa e penosamente, sobre as crianças e os jovens das classes desfavorecidas.
Os problemas ligeiros de aprendizagem: lenta maturação, lesão mínima do cérebro, sinais de risco no parto, disfunções perceptivas, irregularidades na relação
mãe-fllho, condições objectivas de desenvolvimento, desnutrição, história clínica, dispedagogia, etc. , etc. , que não são resolvidos e/ou tratados num meio desfavorecido,
podem redundar num potencial educacional pobre e vulnerável no momento da entrada para a escola, sendo posteriormente agravado pela contínua negligência do sis ema
educacional e do sistema sociofamiliar, com um ensino inadequado difi culdade de ensino - DE) que lança mão a métodos inadequados às necessidades específicas das
crianças e dos jovens, e tende a promover
baixas expectativas quer ao nível dos professores, quer ao dos responsá' veis administrativos (orientadores, inspectores, directores de turma, coordenadores
pedagógicos, directores-gerais, etc. ).
Modelo ecológico-clinico
O modelo ecológico-clínico, recentemente proposto, decorre do extraordinário estudo epidemiológico da ilha de Wight da autoria de Rutter e Yule 1973.
Nesse estudo riúnucioso foram detectados essencialmente dois tipos de I DA:
1) KAtraso específico de leitura (specific reading retardation); I 2) Atraso global de leitura (general reading retardation);
Cujas diferenças fundamentais encontradas pelos autores eram:
a) Nível de leitura muito abaixo do que o QI e a idade cronológica poderiam fazer supor;
b) Incidência no sexo, na base de 3-4 rapazes para 1 rapariga no primeiro po com uma incidência idêntica no segundo grupo;
c) Mais problemas neurológicos no segundo grupo, assim como maior predisposição genética;
d) Pior prognóstico para os casos do primeiro grupo que persistem em manter o mesmo perfil durante a sua carreira escolar.
Por último, o modelo educacional com os respectivos subtipos de DA nos ensinos primário e secundário.
116
DIFICULDADES DE APRENDI7AGEM: ANÁLISE CONTEXTUAL E NOVOS DESAFIOS
Modelo educacional
O último modelo é apresentado em termos pragmáticos, na medida em que integra todos os modelos anteriores e procura classificar as DAn de acordo com um
critério simultaneamente administrativo e reabilitativo (I. erner 1981), o que nos leva a oito subtipos de DA que se distribuem pelo cnsino primário (4) e pelo ensino
secundário (4).
Subtipos de DA no ensino primário
I) A criança das classes médias neurofisiologicamente e organicamente lenta no desenvolvimento que não pode acompanhar um ensino acelerado
e intenso da leitura, da escrita e do cálculo. Em complemento, pode também sofrer uma disfunção cerebral mínima bem como apresentar problemas de linguagem, simultaneamente
problemas motores e psicomotores (criança dispráxicaclumsy child).
2) A criança neurofisiologicamente normal das classes médias, mas hipersensível psicologicamente, com traços desviantes, cujas funções cognitivas
estão bloqueadas por inibições e ansiedades emocionais.
3) A criança das classes desfavorecidas, normalmente inteligente, mas culturalmente privada, que adquiriu um estilo cògnitivo exteriorizado
com défices simbólicos primários e secundários. Geralmente tende a apresentar um atraso da linguagem.
4) A criança com privação cultural com défices psicomotores e espaciais com provável envolvimento orgânico. Frequentemente é mal diagnosticada
como deficiente mental moderada ou treinável.
Subtipos de DA no ensino seeundário
5) O jovem das classes médias supercompensado com disfunção cerebral mínima, que se adapta ao currículo por virtude da sua inteligência média-superior,
mas que encontra dificuldades quando lida com matérias de aprendizagem mais sofisticadas ou complexas, que exigem grande qnantidade de leitura.
6) O pré-adolescente emocionalmente perturbado das classes médias que superou o ensino primário à custa de uma leitura mecâniea, mas que apresenta
dificuldades para interpretar níveis de significação simbólica mais complexos devido a problemas de desenvolvimento e a conflitos associados a aspectos linguísticos
ou emocionais.
117
INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
7) O disléxico intratável" das classes médias ou inferiores, cujos problemas básicos de leitura se mantêm independentemente de sofrer
orientações terapêuticas por meio de métodos de reeducação. Normalmente passa pelas classes especiais destinadas a crianças com fraco aproveitamento escolar (educationally
handicapped).
8) O pré-adolescente das classes inferiores parcialmente ou totalmente iletrado, já etiquetado como marginal, impropriamente colocado
em classes para deficientes mentais treináveis. Eventualmente delinquente, com integração residencial, não foi identificado nem reeducado a tempo.
Esta sucinta apresentação de vários modelos coloca em jogo os principais subtipos de DA, oferecendo uma taxonomia discutível, mas de grande interesse organizativo,
e possibilitando, de forma enquadrada, desenhar os principais procedimentos de diagnóstico e de intervenção que permitam, no futuro, aperfeiçoar a qualidade da resposta
a uma das mais candentes e cruciais vulnerabilidades do sistema de ensino.
118
caPfruto 3
ETIOLOGIA E EPIDEMIOLOGIA
DAS DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM
Aspectos gerais, condições associadas e problemas de definição
A criança portadora de DA não é uma criança portadora de deficiência. Dado que se trata de um problema complexo, a dificuldade de uma definição satisfatória
e a falta de consenso residem particularmente na insuficiente identificação, na relativa ineficácia do diagnóstico e na etiologia obscura, onde contluem, dialéctica
e interaccionalmente, múltiplos factores biossociais.
Até ao momento, a controvérsia existente no terreno não permite o domínio do conjunto (cluster) de causas do défice específico de aprendizagem. Não só estamos
em presença do objecto de estudo mais difícil - a criança - mas tmbém nos encontramos confrontados com um campo de estudo ainda con eptualmente pouco definido.
A criança com DA possui, no plano educacional, um conjunto de condutas significativamente desviantes em relação à população escolar em geral. Trata-se de
uma criança normal nuns aspectos, mas desviante e atípica nout ns, aspectos que, por si só, exigem processos de aprendizagem que não se ncontram disponíveis, por
agora, no envolvimento da classe, regular, dita normal.
Mais de 100 comportamentos específicos foram já listados. No entanto, os 10 mais frequentes, segundo McCarthy 1974, são os seguintes:
1) Hiperactividade;
2) Problemas psicomotores;
3) Labilidade emocional;
4) Problemas gerais de orientação;
5) Desordens de atenção;
6) Impulsividade;
7) Desordens na memória e no raciocínio;
8) Dificuldades específicas de aprendizagem: dislexia, disgrafia, disortografia e discalculia;
119
INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGlSGICA
9) Problemas de audição e de fala;
10) Sinais neurológicos ligeiros e equívocos, e irregularidades no EEG
A incidência das DA varia consoante os autores e consoante os países, evidentemente, de acordo com determinados parâmetros de definição e classificação
nem sempre concordantes, pois alguns diferem substancialmente.
Assim, no Canadá, a Comissão de Estudo de Crianças com DA e dificuldades emocionais (CECDIC), citada por Gaddes 1976, chegou a um valor de crianças
com DA da ordem dos 10%-16% da população escolar canadense. Pringle, Butter e Davie 1966, chegam, na Grã-Bretanha, a 14% de crianças com DA e necessidades educacionais
especiais. Em França, os números conhecidos são de 12%-14% (Gaddes 1976). Nos Estados Unidos - e com base na mesma fonte - os números apontam para 10%-15%. Números
alemães apontam para 7%, espanhóis para 2% e fmlandeses para 4%.
Perante estes dados, surge-nos a pergunta:
Que se passará aqui? Não estará antes em causa a ambiguidade dos sistemas de linguagem característicos de cada país?
Adelman 1975, nos Estados Unidos, concluiu um estudo eÚológico sobre DA, tendo chegado aos seguintes números e categorias de deflnição:
i
- 0, 5% a 2% de crianças com DA com lesões mínimas do cérebro;
-2% a 7% de crianças com DA com problemas de processamento cognitivo da informação visual e auditiva e problemas de integração auditivo-visual e vice-versa;
I -10% a 40% de crianças com DA por causas motivacionais: desinI teresse ne ativismo, hiperactividade, dispedagogia, programas
, g
inadequados, avaliações subvalorativas, reforços negativos, atitudes negligentes, etc.
A relatividade cultural da designação DA" e a relatividade comportamental a ela adstrita dependem das múltiplas situações das crianças e dos jovens,
e igualmente, dos diferentes níveis de aspiração dos adultos que as envolvem.
Segundo Leach e Raybould 1977, 10% das crianças na escola normal encontram-se desajustadas em terznos de comportamento social. Para Futter 1970,
6% a 7% devem ser observadas clinicamente pois apresentam desordens psiquiátricas. O Underwood Committe 1955 chegou a uma incidência entre 5, 4% e 11, 8% de crianças
carecendo de apoio especial. Perante estes dados, chegamos à conclusão de que, cinco a 10 crianças e jovens em cada 100 precisam de ajuda para além da classe regular.
Noutro estudo, Morris 1966 surge com outras percentagens, tendo chegado a 19% no 1 ó ano do ensino secundário e 26% de crianças sem problemas de
leitura, todavia com problemas de dedução e de desenvolvimento de conclusões, apresentando, por outro lado, diflculdades no plano ortográflco.
120
ETIOLOGIA E EPIDEMIOLOGIA DAS DIFICULDADES DE APRENDILAGEM
Pringle 1966 obteve 10% de crianças com sete anos que ainda não tinham riciado o processo de aprendizagem da leitura e 38% a necessitarem de apoio suplementar.
Juntado estas duas percentagens, ronda os 50% a popuieçâo escolar que não conseguiu atingir aos sete anos a aquisição básica da endizagem simbólica.
As diferenças estabelecem-se de escola para escola e mesmo entre o meio rural e o meio urbano. Ainda segundo o mesmo estudo, no meio rural, e difieuldades
de leitura cifram-se entre 0% e 25%, e as dificuldades da escrita entre 0% e 51 %. No meio urbano, as percentagens variam entre 0% e 60%.
Com estes números, alguns dos quais assustadores (e supervalorizados), podemos concluir que as escolas com 300 crianças tendem a apresentar 15 e 30 crianças
com DA. Numa classe de 30, a priori, existirão sempre três crianças que precisam de apoio extra-escolar. O problema é crítico, pois nestas populações poderão estar
futuros génios.
Numa escola de ensino secundário de 1500 crianças, os professores terão de se preparar para dar respostas diferentes a cerca de 75 a 150 crianças, o que
exige, por si só, cinco professores especializados nas aquisições de lei ra, escrita, cálculo e cognição. Não podemos esquecer que estas percentagens envolvem critérios
selectivos relativizados, muitas vezes, sob o ponto de vista científico, até demasiado tolerantes. Muitos dos valores estão dependentes do grau de exigência imposto
pelas autoridades, não raras vezes sem eonhecimento da problemática.
Estudos longitudinais (follow-up) identificaram crianças com problemas colares aos nove anos que se mantiveram até ao im do ensino secundário (Moms 1966).
Outro autor, Clark 1970, identificou crianças aos sete anos que mantiveram os mesmos problemas até aos 10 anos.
Estes estudos colocam a urgência da identificação precoce e de programas de intervenção compensatórios e sistematizados, modificando, pelo menos para as
crianças com DA; o ensino, que cada vez mais se deve centrar na criança e no jovem e não nos métodos, por mais modernos que sejam.
Os professores terão de aceitar que não há métodos bons e métodos maus. Há sim métodos que servem para umas crianças e não para outras. Não é porque uma
criança não aprende por um método que se tem de concluir que ela não aprenderá.
Não podemos aceitar a imposição do método, pois podemos facilmente cair em profecias que defendem qué o método é de Deus ou da Ciência, e que a criança
é de Satanás".
A escola recebe cada vez mais crianças com perfis de imaturidade e desnfaturidade, e tal é válido quer para o ensino primário, quer para o ensino seeundário.
Só uma pequena percentagem de crianças não tem problemas de aprendizagem. A escola e os professores têm de se preparar para esta nova rea
121
INSUCESSO ESCOIAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
lidade, talvez com o apoio de psicólogos escolares e professores especializados, não esquecendo a importância de programas planificados e hierarquizados
à luz da investigação pedagógica.
Para Portugal, a estimativa de 10%-16% envolve mais de 100 000 a 160 000 crianças, o que pode ser consideravelmente aumentado quando nos comparamos
com países como o Canadá, a França, os Estados Unidos ou a Grã-Bretanha. Não exageraremos se afirmarmos que a percentagem pode rondar os 20% de crianças com DA,
crianças que obviamente necessitam de ser atendidas, para além do que hoje se proporciona nas salas de aula das escolas primárias e secundárias portuguesas.
Estaremos aptos a dar resposta a esta necessidade? Quantos professores habilitados temos? Estará a sua formação científica em condições de dar respostas
especiais a necessidades especiais? Que estruturas, envolvimentos, ateliers, settings temos na periferia ou dentro das nossas escolas para atender às crianças com
DA? Estará o país em condições de perder todo este potencial humano? Tomaram as autoridades já conta da complexidade deste problema? Estas são algumas reflexões
que aqui deixamos de passagem.
Nos Estados Unidos, o problema da definição das crianças com DA com preende a selecção de crianÇas que lêem material (textos) 1, Il2-2 classes (grades) abaixo
do nivel esperado, isto é, abaixo do nível escolan, frequentado pela criança. Esta definição, proposta por vários autores (Eisenberg 1966, Newbrough e Kelley 1962,
Walzer e Richmond 1973), corre o perigo de produzir vários estereótipos e inúmeras expectativas inconsistentes. Estas clivagens, denominadas como leitores severamente
retardados (severely retarded readers) desencadearam naquele país processos selectivos e discriminativos que, sob o ponto de vista educacional, nos parecem deslocados.
Ì Em aditamento, os processos requintaram-se com incongruências psico métricas, em que se pode verificar contrastes imprevisíveis ilustrados atraI vés de casos com
QIs de 40 que podem ler, enquanto outros casos com QIs de 130 não podem (Oaris e Haywood 1973).
Na busca de um critério mais científico, por vezes nem sempre mais pedagógico e humanista, as universidades americanas estimularam a criação de testes de
leitura. Foi a fase do aparecimento do Wide Range Achievement Test (WRAT e Jastak e Jastak 1965), do Canadian Test of Basic Skills I (CTBS de Nelson 1968), do Gates
Basic Reading Test e do Gatesà, McKillop Reading Diagnostic Test e tantos outros. Com estes testes foram definidos parâmetros e percentis para todos os graus de
ensino, parâmetros t esses que continuaram a ser pouco satisfatórios para a resolução do pro blema.
Um dos modelos de maior consenso nos Estados Unidos foi desenvoli vido por Myklebust com a criação do seu quociente de aprendizagem (QA),
I
que inclui o conceito de idade esperada (expectancy age), que mais não é do que a média entre a idade mental (obtida pelo WISC - Wechsker
122
ETIOLOGIA E EPIDEMIOLOGIA DAS DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM
Intelligence Scale for Children), a idade cronológica e a idade do grau escolar frequentado pela criança, como vimos atrás. Obtidas essa idade esperada e a idade
de leitura por testes normalizados, atinge-se então o QA. De acordo com a investigação de Myklebust e de Boshes 1969, o critério de selecção das DA concentrou-se
no QA de 90, o que deu lugar a uma bateria de identificação (screening battery) com a qual a incidência de crianças com DA foi perspectivada entre 10% e 15%, apresentando
estas mais distúrbios neurológicos (soft signs) do que a população de controlo.
O Estudo da Ilha de Wight (Isle of Wight Study), elaborado por Rutter, Tizard e Whitemore 1970, é provavelmente o estudo epidemiológico mais notável sobre
crianças portadoras de deficiência. Neste estudo, que integrou 2300 crianças dos nove aos 12 anos, estudadas exaustivamente em exames e testes neurológicos, médicos,
educacionais, psicológicos e psiquiátricos, levou-se em linha de conta todo o tipo de crianças, quer deficientes, quer não deficientes, tendo-se definido um critério
de selecção de crianças com DA na base do quociente intelectual superior ou igual a 70, que objectivou Karbitrariamente>> no estudo a categoria de atraso intelectual>>
(intellectual netardation). O estudo inglês, ao contrário do estudo americano, que consi' dera a categoria de DA só com QI ? a 90, inclui crianças deficientes men;
t is e educacionais, o que não permite comparações rigorosas, visto que os aonceitos de atraso educacional ou escolar não são sinónimos dos das DA m ambos os estudos.
Para Rutter e colaboradores, a avaliação da competência escolar foi basea' da em aquisições da leitura (reading skills) medidas pelo modelo de ` Neale 1958 (Neale
Analysis ofReading Ability). Todas as crianças que apresentassem cotações até 28 meses abaixo do seu nível escolar foram classi cadas como de leitura retardadaH
(reading backwardness). Aquelas cujas ootações fossem inferiores a 28 meses, na base da idade cronológica e do QI obtido pela WISC, foram classificadas como possuindo
Katraso de leitura>> (reading retardation).
Independentemente de o estudo de Myklebust e Boshes 1969 ser, antes do mais, uma técnica válida de identificação de crianças normais com problemas escolares
e de o estudo de Rutter e colaboradores ser fundamentalmente um modelo epidemiológico de saúde e de educação, os valores de incidência encontrados em ambos os estudos
são mais ou menos similares.
Rutter concluiu no seu estudo que entre os nove e os 12 anos, 7, 9% da população era deficiente mental e escolarmente atrasada, enquanto 16, I % eram multideficientes
(mentalmente, educacionalmente, psiquiatricamente, medicamente, etc. ). Myklebust chegou a 7, 5% de crianças das 3. a e 4. a classes (grades) com problemas neurológicos
e a 7, 4% de crianças com insucesso, ou seja, na soma dos dois tipos, 15% sensivelmente.
Em conclusão: a incidência das crianças com DA em qualquer sistema educacional, inclusive o português, e de acordo com aqueles dois brilhantes estudos, anda
à volta de 15%.
123
INSUCESSO ESCOIAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
Destes estudos somos levados a concluir que a definição da criança com DA é ainda pouco clara, porém imprescindível para finalidades egidemiológicas e para
definir meios objectivos de identificação.
A criança com DA não é uma criança deficiente, vê e ouve bem, comunica e não possui uma inferioridade mental global. Acusa problemas de comportamento, discrepâncias
na linguagem e na psicomotricidade aprende a um ritmo lento e pouco pode beneficiar dos apoios escolares regulares, nâo atingindo muitas vezes as exigências e os
objectivos educacionais minimos.
A criança com DA não pode ser classificada como portadora de deficiência. Trata-se de uma criança normal que aprende de uma forma diferente, apresenta uma
discrepância entre o potencial actual e o potencial esperado. Não pertence a nenhuma categoria de deficiência, não se tratando sequer de uma deficiência mental,
pois possui um potencial normal que não é realizado e é de baixo rendimento em termos de aproveitamento escolar.
O risco está em não identificar estes casos, não se proporcionando no momento certo e útil as intervenções pedagógicas preventivas nos períodos de maturação
mais plásticos.
Se não se identifica estes casos, a escola, com o seu critério selectivo e de rendimento, pode influenciar e reforçar a inadaptação, culminando muitas vezes
mais tarde na delinquência ou em sociopatias múltiplas.
A criança deficiente mental educável (QI ? 55-75) e a criança com DA (QI ? 80-90) podem ter os mesmos problemas de aprendizagem, só que os potenciais em
causa são nitidamente diferentes. Em termos educacionais, as fronteiras destes casos são difíceis e complexas, muitas vezes fictícias; o que interessa é garantir
a cada criança a maximização do seu nível funcional de aprendizagem.
A criança com DA não pode, por definição, ter qualQuer deficiência (visual, auditiva, mental, motora, emocional, etc. ). A criança com DA tem uma inteligência
normal, uma adequada acuidade sensorial e um comportamento motor e socioemocional adequado.
De facto, a criança com DA distingue-se da criança deficiente e da eriança normal. Possui sinais difusos de ordem neurológica, provocados por factores obscuros,
ainda hoje paueo claros, mas que podem incluir índices psicofisiológicos, variações genéticas, irregularidades bioquímicas, lesões cerebrais mínimas, alergias, doenças,
etc. , que interferem no desenvolvimento e na maturação do sistema nervoso central (SNC). Se acrescentarmos a estes dados aspectos emocionais, afectivos, pedagógicos
e sociais inadequados, é óbvio que o quadro se torna mais complexo.
Por necessidade de precisão de identificação; osfactores de privação cultural ou outros associados aos aspectos socioeconómicos não devem entrar em linha
de conta. Para identificar crianças com DA devemos eliminar os factores socioeconómicos e exógenos, porque aqui a natureza do problema é outra, na medida em que
as DA seriam uma consequência e não uma eausa. Trata-se de uma dificuldade manifestada na aprendizagem simbólica, indepen
124
ETIOLOGIA E EPIDEMIOI, llGlA DAS DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM
dentemente de uma adequada inteligência, de um adequado desenvolvimento (boa nutrição, bom envolvimento maternal e familiar, etc. ) e de um adequado naétodo de ensino
(professora competente e com provas dadas).
As DA, neste âmbito, dependem de funções cognitivas, na maioria dos casos de origem orgânica, que directamente afectam o cérebro, verdadeiro órgão da aprendizagem.
Por outro lado, se este problema não fosse considerado, poder-se-ia argumentar que as DA deixariam de surgir em sociedades sem discrepâncias socioeconómicas, o que
não é verdade, na medida em que as DA se encontram distribuídas por todos os estratos sociais, embora seja claro e implícito que o maior número de DA recai em crianças
oriundas de meios desfavorecidos.
Infelizmente, a escola legitima as diferenças socioeconómicas, pois em vez de compensar as DA subsequentes das crianças desfavorecidas, tende a agravá-las,
sujeitando-as a exigências para as quais não Ihes foram proporcionadas oportunidades concomitantes. Efectivamente, não podemos ignorar que as crianças desfavorecidas
são mais vezes colocadas em classes especiais, enquanto crianças das classes médias, e favorecidas, exibindo a mesma conduta e o mesmo perfil de aprendizagem, são
colocadas em classes de apoio ou em colégios particulares.
A identificação de crianças com DA deve ueliminar por exclusão, as çrianças que têm os comportamentos típicos das DA devido a factores rlacionados com a
classe social. O factor a respeitar nas DA é de ordem intrinseca do cérebro da criança (McCarthy e McCharty 1974); com base aeste critério, podemos então considerar
dois tipos de DA: as primárias e as secundárias, objecto de estudo do Capítulo 5.
Em conclusão, só podemos identificar uma criança com DA quando não interferem os factores socioeconómicos. A tónica e o enfoque estão nos factorda disfunção
psiconeurológica do processamento da informação, e não nos factores socioeconómicos, por consequência de situações de privação ou de desajustamento biossocial.
O problema, porém, não é tão fácil, dado que apenas lidamos com indicações de comportamento inerentes a disfunções cerebrais, e não com provas, positivas
e inequívocas, de lesões cerebrais. Daí a razão da controvérsia e da confusão conceptual.
Teremos de distinguir a criança com DA da criança que experimenta problemas de aprendizagem por razões de desvantagem cultural, de inadequada aprendizagem,
de envolvimento socioeconómico pobre, de inadequada integração pedagógica, ou de deficiências específicas, diagnosticadas, óbvia e cientiflcamente.
Vários cientistas são unânimes em considerar que existem múltiplas causas das DA, mas já não estão de acordo quanto às causas que são primárias e às que
são subsequentes.
Na Rússia, as DA são consideradas desordens psiquiátricas e tratadas como ependentes de causas médicas (Frostig e Maslow 1973). Nos Estados Unidos,
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INSUCESSO ESCOIAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
os psiquiatras argumentam que as DA são devidas a explorações psicodinâmicas, reforçando o papel exclusivo" das relações pessoais.
Os neurologistas procuram explicações nas funções cerebrais. Os sociólogos ou psicólogos sociais defendem acérrima e destemidamente as circunstâncias socioeconómicas
e a estratificação de classes como causadoras de desajustamentos que estão na origem das DA.
Muitas concepções são apresentadas neste âmbito, por vezes até com fervor sectário, impedindo frequentemente a evolução dos conceitos e o apoio a investigações
multidisciplinares.
A confusão ideológica dificulta a definição das DA, dando origem à popularidade das justificações sociais ou psiquiátácas tradicionais das DA, que poderão
redundar em simplismos perigosos, em ilusões de progresso, em insuficiências e ineficácias dos serviços educativos, em explicações encanta tórias, em compensações
afectivas piedosas, etc.
O perigo de uma visão dogmática que vê unicamente um modelo de explicação exclusiva das DA, na base de problemas socioeconómicos, é tão grande como o dos
modelos exclusivamente organicistas ou disfuncionais.
A urgência de processos dialécticos que ponham em jogo uma perspectiva científicopedagógica e interaccionista (criança-pmfessor-programa ou cumculo-escola)
do modelo isósceles ao equilátero, surge como necessária à investigação neste sector, a fim de que o aproveitamento das conclusões se faça pelos seus méritos científlcos,
e não pelos seus interesses ideológicos ou doutcinários.
As causas orgânicas das DA são múltiplas e diversas. O mesmo se pode dizer das causas sociais e económicas. A integração biossocial é indispensável como
modelo para abordar o problema das DA. Modelos excessivamente nativistas, ou excessivamente empiristas, não se coadunam com a dimensão dialéctica e complexa da problemática
das DA.
Não é só a criança desfavorecida que vive em habitações pobres e carenciadas que sente problemas na aula. A criança das classes médias acusa outra ordem
de problemas e de pressões que se reflectem em DA. A criança das classes desfavorecidas também não escapa a este problema tão candente do ensino actual. A excepção
à regra inverteu-se.
Cada vez 6 mais raro encontrar crianças com DA e, provavelmente, não é só nelas que está a solução do problema. Qualquer criança, de qualquer classe social
ou de qualquer nivel económico se pode sentir confusa, ameaçada e insegura pelas exigências escolares. Muitas tragódias e muitos conflitos familiares resultam, como
se sabe, das DA da criança.
Nesta linha de abordagem interessará avançar com alguns factos sobre as DA, na medida em que nos podem ajudar a encarar outras ópticas do problemas. Por
exemplo:
a) Sabe-se hoje que os problemas das DA tendem a ver reduzida a sua importância a partir dos 14 anos, evoluindo para outro
tipo de disfunções cognitivas na pós-adolescência;
126
ETIOLOGIA E EPIDEMIOLOGIA DAS DIFICULDADES DE APRENDl7 AGEM
b) Sabe-se, também, que a incidência é maior nos rapazes do que nas raparigas;
c) Reconhece-se que a escola parece não se adaptar à sua função cultural e tende a institucionalizar-se como agência de selecção e de exclusão;
d) Constata-se que o aumento das DA parece estar dependente da redução da taxa de mortalidade infantil;
e) Verifica-se que as avaliações escolares e as normas de eficácia e rendimento oprimem as crianças, vulnerabilizando o seu potencial de aprendizagem;
, f) Ignora-se que a incidência do atraso mental é inferior durante o período pré-primário, para aumentar depois no primário;
g) Confirma-se que a escola parece ser mais responsável pela deficiência mental e pela inadaptação do que a própria sociedade no seu todo;
h) Conclui-se que a prevenção mais crucial recai nos envolvimentos pré, peri e neonatais desfavorecidos, e não tanto na escola; etc.
Em resumo, antes de alterar a situação das DA, há que atender prioritariamente às modificações dos factores patogénicos do envolvimento que afectam a aprendizagem
da criança.
Schulman e Leviton 1978 apresentam uma inter-relação complexa de factores causais das DA, nomeadamente:
- Problemas de classes socioeconomicamente desfavorecidas;
- Oportunidades educacionais inadequadas;
- Cuidados pré, peri e pós-natais subóptimos;
- Malnutrição;
- Infecções;
- Etc.
Destes dados podemos facilmente compreender que se torna difícil determinar a natureza precisa das causas endógenas das DA. Envolvimentos familiares pobres,
relações criança-adulto distorcidas, expectativas negativas, erros pedagógicos (dispedagogia), situações de aprendizagem segregativa, etc. , podem também produzir
DA.
Do outro lado, e na base do diagnóstico diferencial, surgem perturbações perceptivas subtis, disfunções neuropsicológicas inóbvias, problemas do processamento
e da transformação da informação, que por sua vez também podem gerar DA.
Na nossa perspectiva, já não podemos separar a etiologia biológica da social, visto sulisistirem relações recíprocas de implicação, como provam vários estudos
de induÇão sociobiológica e biossocial(Amante e colaboradon1970).
Nâo é estranho que éste problema das DA encerre uma certa relatividade eultural e uma certa política de educação, de saúde e de bem-estar.
127
INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
1 2
Variável Variável
sociocultural neurobiológica
(classes soci is, (indução ao nível
valores, atitudes, da disfunção cerebral,
! expectativas, da privação de estímulos
experiências, etc. ) e da malnutáção, etc. )
i
I
,
i
6 3
Varikvel Variável
sociopsicológica psicológica
socializaÇão, problemas
desenvolvimento psicomotores
dos valores, das aútudes, e cognitivos do
dos comportamentos desenvolvimento, etc.
i
i i
i
5 4
Variável Varikvel
ocupacional pedagógica
ou educacional
redução do estatuto
socioeconómico, dislexias
baixo salário, e insucessos
selecção material, etc. escolares, etc.
i
L J
Figura 41- Modelo de indução sociobiológica, de Antante
O combate à privação sociocultural, à pobreza e à iséria, que está base de muitas DA, não se faz unicamente por rnedidas puramente edu cionais.
128
ETIOLOGIA E EPIDEMIOLOGIA DAS DIFICULDADES DE APRENDI AGEM
Por essa razão, a solução para as DA não se opera só na escola ou na políúca de educação; o problema estende-se naturalmente a outros campos do énvolvimento
que tentaremos esquematizar, com a ajuda de Hallahan e Cruickshank I973, nos seguintes modelos teóricos:
1) Modelo de malnutriÇão - O desenvolvimento normal exige condições económicas mínimas para a obtenção de alimentos com um mínimo de calorias
e proteínas, e para o pagamento de serviços médico=sociais, pois estão em jogo os processos de imaturação das estruturas neurofisiológicas do desenvolvimento cognitivo.
Dois modelos são conhecidos (I. Cravioto e colab. ; II. Scrimshan e Gordon):
Condições sociais condutoras à malnutrição
Malnutrição
Atraso mental Ahaso na estatura ffsica
Condições sociais
Matnutrição
Atraso mental Atraso na estatura física
Figura 42 - Indicações das condições sociais e da malnutrição
2) Modelo de estimula ão benéfica - A privação de estímulos (informação) no seio familiar inipede a aproximação de aptidões multissensoriais,
psicomotoras e psicolinguísticas necessárias às aprendizagens escolares. A privação de estímulos, de objectos, de afectos, de oportunidades tem como se sabe um grande
impacte no comportamento da criança e no seu desenvolvimento harmonioso.
3) Modelo de reforço - Sem condições apropriadas de encorajamento, segurança, confiança e reforço, a criança não desenvolve comporta
129
/NSUCESSO ESCOlAR - ABORDAGEM PSlCOPEDAGÓGlCA
mentos desejáveis nem iniciativas e diligências indispensáveis à sua maturação. A permanência de reforços negativos ou neutros tem influências determinantes
no desenvolvimento da criança. 4) Modelo subcultural - O papel dos padrões de linguagem está imp cito na ideologia dominante que é reproduzida pelos métodos e textos
de aprendizagem. A ausência da complexidade nos processos semâni
ácossintáxicos reflecte-se, por este facto, no aproveitamento escolar. I 5) Modelo social - A escola visa um cri rio de homogeneidade cultural que não é
compativel com um sistema social tão diferenciado e hierarquizado. Os mecanismos compeátivos alimentados pela escola ' _ segregam, à partida, uma grande fatia,
de crianças, procurando I seleccioná-las para outros segmentos menos qualificados do mer I Í
cado de tcabalho. Êxito na escola significa êxito na sociedade, prestíÍ gio, poder, competência, etc. , que em si implicam novas situaçôes geradoras de
operações cognitivas a que uns não têm acesso.
Através destes modelos facilmente nos confrontamos com a multidão de componentes que estão em jogo na etiologia das DA, muitas delas decor rentes
de complexas privações socioculturais e de mWtiplos índices e factores sanitários, bem como de hábitos alimentares e culturais específicos.
A privaçâo psicossocial parece influenciar, em termos de causa- efeito, o desenvolvimento e a aprendizagem nas crianças. Tal privação interfere nas
variáveis psicofisiológicas, impedindo que a programação genética se desencadeie e afectando, consequentemente, a maturidade socioemocional, o desenvolvimento cognitivo
e a optimização do potencial de aprendizagem.
Gruenberg 1978, no sen estudo etiológico em que procurou estudar as causas da DA, chegou às seguintes percentagens:
- 1% das crianças apresentavam pertu 'baçneurológicas (paralisia cerebral, epilepsia, etc. );
-15% das crianças apresentavam problemas funcionais (atraso escolar, privação cultural, etc. );
- 5% das crianças apresentavam problemas de origem orgânica (disfunção ou lesão cerebral naínima, etc. ).
O mesmo autor constatou que tais crianças vinham mais de familias pobres, as quais, por sua vez, poderiam ser subdivididas em:
- Famllias eugénicas (The Eugenical) - cujas condições salariais são mfnimas para satisfazer as despesas de sobrevivência ( chapa
ganha, chapa gasta );
- Fam6lias euténicas (The Euthenical) - cujas condições de vida são indesejáveis, a justiflcar a aflrmação de que, com melhor envolvimento,
o número de casos com DA diminuiria.
130
ETIOLOGIA E EPIDEMlOLOGl A DAS DIFICULDADES DE APRENDl7AGEM
1 1 1
Funções Funçóes Funções
genéúcas H de H de
desenvolvimento sociabilização
Factores Factores
Factores H ne H culturais
cerebrais psicológicos e
envolvimentais
Forças H Forças H Forças
biológicas psicológicas sociais
Integração e Identificação Relaçóes
inter-relações H pensamento H interpessoais
sensoriais Cognição
Atenção H Análise H Gestos
Discriminação Síntese Acções
Selecção Memória Palavras
Input de informação Simbolieação Sinais
Estímulos internos Concentração Expressões
Processamento Planificação Produções
de informação de sespostas Comunicações
T
Figura 43 - Interacção dinâtnica dos factores de desenvolvimento humano
131
INSUCESSO ESCOIAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
Estamos, de facto, perante uma espécie de darwinismo social" que é frequentemente defendida pela ideologia dominante: os pobres são pobres porque sâo pobresH
biológica e hereditariamente.
Autores há, como Jensen e outros, que defendem mesmo factores gené ticos no QI e no aproveitamento escolar, meramente explicados em termos sociais dominantes.
É bom não esQuecer que o QI não mede direetamente a capacidade intelectual geneticamente determinada, mas sim avalia as performances intelectuais definidas por
uma cultura particular.
Os factores do desenvolvimento humano não são flxos nem imutáveis, pois há neles uma multiplicidade de interacções dinâmicas, como tentámos equacionar (Figura
42).
O estudo dos factores etiológicos e epidemiológicos das DA é complexo. Não o podemos, nem queremos, esgotar; apenas desejamos aflorar alguns enfoques mais
significativos.
, Prob)emas perceptivos Pmblemas cogniGvos
. Problemas psieomotoccs Probkmas emocionais
. Pmblemas neurológicos Condições sociais AspectosCondições nuVicionais
soctolbgicos Condições de desenvolvimento Aspectos
psicológicos P ivação eultural
Sociais
Biológicos etiológios NuVicionais
Emocionais
(EEG)
Neumlogistas
Médicas
PsiquiaVas
Pmblemas psicomEVicos Teorias PediaVas
e educacionais Sociais
Linguísúcas
Familiares Psicológicas
Emocionais
CritErios de Apoio ( ) Pedagógicas
selecção QI In%n % Neurol
i( ) escolar
Figura 44 - O universo interdisciplinar das DA
132
EI7OLOGIA E EPIDEMIOLOGIA DAS DIFICULDADES DE APRENDI7AGEM
F ctores etiot6gicos das difculdades de aprendizegem
Muito se tem escrito acerca da interacção entre a heredi:ariedade e o meio. O pêndulo tende a oscilar consoante os enfoques unidimensionais; porém, o problema
da etiologia das DA s6 pode ser tratado quando se aprofunda os estudos sociais, com o auxilio dos estudos dos factores patogénicos do envolvimento. De um estudo
intradisciplinar a um estudo interdisciplinar integrado.
Pas manick e Knobloc 1964 escreveram vários artigos sobre a ucalamidade reprodutiva ligando os factores pré- natais, os cuidados de saúde e a nutrição da
mãe às condições de desenvolvimento neurológico do feto e do necém-nascido.
Também Richardson 1966 sublinhou a importância dos factores sociais e envolvimentais, que implicam: atrasos de desenvolvimento; mortalidade infanúl; morbilidade
e condições defectológicas.
Ouan autor, Cravioto I966, refere-se à im portância fundamental da nutrição oas primeiras fases do desenvolvimento psicológicfl da criança. A malnutrição
tem efeitos desastrosos na maturação do tecido nervoso, como provaram as suas investigações quanto à organização intra e ìntersensorial.
Em termos ecológicos, dá-se um efeito circular enve a rnalnutrição e o enipobrecimento social que claramente inter- relaciona os factores sociais. Há entre
eles uma unidade indissociável, de tal modo que só por cessidade didáctica se devem separar, na medida em que só a inter-relação conúgua e consecutiva entre múltiplas
causas encadeadas hierarquica ente pode vir a clarificar a eúologia das DA. Eúologia que resulta num défice integrado e Kcumulativo", como podemos ver, por exemplo,
no lo proposto por Bannatyne 1971 (Figura 45).
A classificação das causas pode ainda ser hierarquizada. O mesmo autor senta, neste senúdo, o quadro da Figura 45.
Para uma visão global e diferenciada, Bannatyne 1971 apresenta as principais características da criança com DA (ou da criança disléxica), chamando a atenção
para o facto de que nem todas as características necessitam de estar pt sentes para a idenúficação do problema:
1) Problemas de discriminação auditiva de vogais; 2) Inadequada sequência fonema-grafema;
3) Fraca associação auditiva e pobre completamento auditivo; 4) Problemas de linguagem falada;
5) Problemas de maturação nas funções da linguagem; 6) Alguma eficiência visuoespacial;
7) Problemas de lateralidade;
8) Inversão de imagens e de letras;
9) Inconstância configuracional e direccional;
133
Causas finais Padrões morais. Autorrespeito. Identificação. Confonxúdade (qualquer destas causas pode ter uma influên-
cia nas características abaixo referidas) C
Características das DA Factores emocionais: Reacção, ansiedade falta de motivação, distractibilidade, etc. M
Factores visuoespaciais: Constância da forma análise selectiva, memória, reversibilidade espacial, etc.
Factores auditivos: Memória, tolerância de ruídos, completamento, discriminação, etc.
Factores motores: Equilfbrio, fala, mãos e dedos, olhos, hiperactividade, lentidão, etc.
Factores conceptuais: Generalização, indução, dedução, relaúvidade, etc.
Causas formais Padrões de maturação: Herdados Factores fisiológicos: saúde, nu- Envolvimento: ffsico:
(Padrões, Programas) ou adquiridos trição sono, exercício, etc. Oportunidades suburbanas,
Casa: Relações familiares e orga- Escola: educação, psofessores, urbanas e rurais. M
nizações comunitárias qualidade de ensino, etc. Amigos: clubes, interesses, etc.
Causas materiais Hormonas: Determinantes Disfilnção neurológica Distúrbios motivacionais Pobreza da linguagem b
(situação total do crescimento e fisiológica b
organismo) e emocionais (podem e desconhecimento
do ficar rejlectidos nas
(body-mind) n
causas finais) O,
ag Genes dos pais Acontecimentos peri- Doenças Acidentes (lesões cerenatais brais)
(A interinfluência das eausas pode operar no sentido de baixo para cima>> ou vice-versa)
Figura 45 - Factores etiológicos das DA, segundo Bannatyne
nnM ~, a.
n b n m G 3 p' É o. Q I
ETlOLOGIA E EPIDEMIOLOGIA DAS DIFICULDADES DE APRENDI7AGEM
10) Dificuldades em associar factores verbais e conceitos direccionais; 11) Dificuldades no ditado (integração auditivovisual tactiloquinestésica
motora);
12) Fraco autoconceito.
Conscientes da interacção mútua entre a etiologia hereditária e neurobiológica e a etiologia sociocultural das DA, vamos em seguida abordar cada uma delas,
tentando não perder de vista a unidade recíproca e a indução crueda e integrada que as caracteriza.
Factores bioló cos
Vários conceitos etiológicos de organicidade podem ser perspectivados e dentro deles podemos, por agora, destacar sumariamente: factores genéticos; factores
pré, peri e pós-natais e factores neurobiológicos e neuropsicológicos.
Antes, porém, de abordar com mais detalhe cada um destes factores, apresentamos uma simples listagem, na medida em que a finalidade do presente livro se
situa num plano introdutório dos factores bioetiológicos mais focados em alguns trabalhos de investigação (Bannatyne 1971, Benson e Geschwind 1969, Benton 1962,
Boder 1971, Chalfant e Scheffelin 1969, Cruickshank 1966).
Listagem de alguns factores bioetiológicos:
Envolvimentos intrauterinos desfavoráveis (embriopatias, fetopatias, placentopatias, etc. ); Variações genéticas;
Anoxia (hipoxia); Desvios orgânicos;
Malformações congénitas (glaucomas, etc. );
Irregularidade bioquimica;
Incompatibilidade Rh;
Lesões cerebrais (mínimas ou severas);
Doenças infecciosas;
Hemorragias cerebrais;
Disfunção cerebral (motora, mental, sensorial ou convulsiva); Prematuridade;
Desordens do desenvolvimento;
Intoxicação;
Desordens do processo de informação visual, auditiva e tactiloquinestésica; _
Anemias;
Traumatismos e acidentes;
135
INSUCESSO ESCOIAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
Universo de
estudó
Grupos prineipeis
sub 'upos
flesordens da motricidade; Desordens da lingtzagem; Desordens perceptivas;
i36
Figura 46 - Classificação das causas da D A, de Bannatyne
ETIOLOGIA E EPIDEMIOLOGIA DAS DIFICULDADES DE APRE'NDl7. clGF. á
Todos estes factores podem, de certa forma, ser resumidos no esquema
DISFUNÇÃO CEREBRAL
meio
ol gico 3 Aspecto social eio educacional)
org%nismo
CsMmOI m Cd Hti7 Çg0
Dificuldade de aprendizagem
" Figura 4 - Interacção etiológica da disfunção cerebral e das DA I
A partir deste simples esquema etiológico podemos sugerir que as DA m resultar de três processos:
1) Disfunção cerebral herdada, congénita ou adquirida; 2) Interacção hereditariedade-meio; 3) Disfunção social ou educacionai.
f genéticos
fls factores genéticos, por vezes negligenciados em muitos trabalhos e los, por outros exageradamente considerados, permitem notar, todavia, algumas DA
(dislexia) são de natureza familiar. O método que lhes está
" líoito permite a descoberta de factores que governam distribuições, bem saber se esses factores são devidos directa ou indirectamente aos efei as dos genes
(Finucci 1979).
Enquanto o meio pode actuar como faciiitador do desenvolvimento, não podemos esquecer que o potencial de aprendizagem também é parcialmente
. Com o mesmo envolvimento favorável, sabe-se que os talenbosse diferenciam e que essa diferenciaçãò pertence a factores gené cos muito complexos, embora
não expliquem tudo.
Os primeiros estudos eáológicos são devidos a Morgan 1869, a Kerr 1'897, e a Stephenson l904, médicos ingleses que se interessaram pelos primeiros casos
de cegueira das palavras (word-blindness).
i37
INSUCESSO ESCOlAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
Thomas 1905, outro médico, é o primeiro a lançar uma estimativa: uma em cada 2000 crianças londrinas escolarizáveis pode manifestar cegueira das
palavras", sendo também este autor o primeiro a apresentar casos de natureza familiar. A cegueira das palavras" assume frequentemente um certo tipo familiar, ou
seja, parece subsistir nela um carácter familiar.
Hinshelwood 1907 apresenta um estudo com quatro filhos afectados numa fami7ia de 11 descendentes e Stephensen 1907, por sua vez, surge com um estudo
de seis membros afectados num grupo familiar de três gerações. Este autor chega mesmo a propor um processo recessivo de transmissão hereditária da dislexia, independentemente
de se saber hoje que tal informação é incorrecta (Finucci 1978).
Estes dados parecem sugerir que várias histórias familiares de dislexia demonstram presença de factores genéticos responsáveis por padrões neurológicos
herdados, implicados provavelmente no desenvolvimento de competências linguísticas (discriminação, sequencialização, associação auditiva, etc. ), competências psicomotoras
(lateralização, visuoespacialidade, dominância hemisférica, integração intersensorial, etc. ) e competências cognitivas (integração, significação, generalização,
etc. ), necessárias ao processo de aprendizagem da leitura.
Hinshelwood, em 1917, sugeriu o conceito de cegueira congénita das palavras" considerado por ele um defeito evolutivo, centrado na região do girus
angular esquerdo.
Mesmo que se pense que os estudos genéticos da dislexia ou das DA têm pouco interesse para a sua reeducação, o contributo da genética é indispensável
para a clarificação da sua causa. O controlo da causa, não o podemos esquecer, é a chave do êxito para abordar a identificação precoce, o diagnóstico e o tratamento.
De certo modo, a etiologia das DA tem uma certa analogia com a etiologia da deflciência mental. Como se sabe, a deficiência mental é heterogénica
por natureza e apresenta variadíssimas causas, das quais cerca de 200 são já conhecidas (Apgar 1975).
Em consequência, algumas condições da deficiência mental são manifestações de desordens genéticas autossomáticas recessivas ou de anormalidades cromossómicas
(exemplo: síndroma de Patan, síndroma de Edwardsc, síndroma de Down), outras, por exemplo, são o produto da combinação entre os factores genéticos e os factores
envolvimentais.
Considerando que as características do comportamento são influencia1
das pelo potencial genético do indivíduo (genótipo), e pelo envolvimento onde o mesmo se desenvolve e socializa, não restam dúvidas de que alguns carácteres
são mais dependentes de genes específicos, outros de factores envolvimentais, como é o caso da inteligência e do potencial de aprendizagem.
Para obviar a estas complexas constelações etiológicas, os investigadores da genética lançam mãos aos estudos dos gémeos, com a flnalidade de
138
ETlOLOGIA E EPIDEMIOLOGIA DAS DIFlCULDADES DE APRENDl7. tlGEM
stimular a contribuição relativa dos genes e do envolvimento no que respeita ao processo de desenvolvimento de uma dada área de comportamento.
Os estudos de gémeos idênticos ou monozigóticos, ou seja, de gémeos que se desenvolvem a partir da divisão de um só óvulo fertilizado, e port to do mesmo
genótipo, são mais rigorosos em termos genéticos do que os estudos dos genes dizigóticos (fraternais), razão pela qual apenas nos refe 'emos aos primeiros.
Zerbin-Rudin 1967, estudando a tendência dos gémeos para a dislexia, descobriu que, em 17 pares de gémeos monozigóticos, todos (100%) eram concordantes na
manifestação da dislexia, enquanto dos 34 pares de gémeos dizigóúcos, apenas 12 (35%) manifestavam concordância na dislexia. Por cste estudo se sugere, discutivelmente,
que o papel da genética parece ser mais relevante na ocorrência da dislexia do que o papel do envolvimento sociocultural.
Bakwin 1973, foi mais longe e estudou 96 pares de gémeos masculinos monozigóticos, 1000 pares de gémeos femininos monozigóticos e 58 pares de gémeos femininos
dizigóticos, todos com idades compreendidas entre os oito e os 18 anos. De acordo com as entrevistas feitas aos pais, 31 dos pares monozigóticos e 31 dos pares dizigóticos
tinham, pelo menos, um gémeo com dislexia, mas enquanto 26 pares (84%) dos 31 pares de monozigóticos mostravam concordância, só nove pares (29%) dos 31 pares de
dizigóticos evidenciavam concordância.
Em ambos os estudos foram detectados erros metodológicos. Um erro gelo método de selecção, outro pela definição vaga de dislexia, mas também em ambos se
vislumbra uma sugestão, pelo menos respeitável, sobre o papel determinante dos factores genéticos na dislexia.
Na mesma linha de análise se deve referir os estudos defami Zias nas quais se tenha detectado a dislexia. Estão nesta linha as extraordinárias contribuições
de Symmes e Rappaport, 1972, Fugram, Mason e Blackburn 1970, e de Rutter e Yule 1975. Em todas elas se verificou uma alta influência de dislezia de raiz familiar.
Em todos os estudos familiares acima referidos foram identificados problemas de linguagem e de atraso na fala, bem como de disfunção neurológica, quer nos pais,
quer nos filhos. De notar também que os rrsultados mais baixos dos filhos se encontram significativamente associados a poucos hábitos de leitura, a fracas aspirações
culturais, a atitudes negligentes e a pobres histórias escolares dos próprios pais.
Neste tipo de estudos, Finucci 1979 identificou subtipos de dislexia; de acordo com as diferentes modalidades de processamento de dislexia, 100% dos filhos
também a revelavam: se apenas um dos pais fosse afectado, só o pai ou só a mãe, 65% dos filhos evidenciavam diflculdades de leitura.
Os estudos das árvores genealógicas (pedigrees), simples ou múltiplas, também nos proporcionàm dados interessantes, independentemente da falta de uniformidade
nos padrões considerados. Muitos casos da nossa clínica
139
INSUCESSO ESCOlAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGbGlCA
referem dificuldades na leitura ou na escrita em mães, tios, av6s, etc. Em vários casos, a DA transmite-se em três e mais gerações (Drew 1956, Hof e Guldenpenning
1972, e Hallgren 1950).
Hallen 1950 concluiu, no seu estudo de árvores genealógicas múltiplas, que a dislexia se manifestava em 47% dos rapazes e em 35% das raparigas, ao mesmo
tempo que se manifestava nos pais em 47% e nas mães em 38%. A incidência da dislexia foi superior no sexo masculino em todos estes estudos, sugerindo um factor de
transmissão hereditácia autossómica dominante de proporções mendelianas.
Todos estes estudos demonstram um alto grau de agregação familiar e reforçam a influência genéúca nas DA, não deixando muitas dúvidas de que a transmissão
biológica desta condição é pelo menos relevante e respeitável, não se podendo com estes dados, de alguma forrna, minimizar o papel dos factores do envolvimento.
Factores pré, peri e pós-natais
Os estudos sobre factores pré, peri e pós-natais adversos ou suboptimais com incidências nas DA têm sido pouco sistemáticos e pouco consistentes.
Variáveis de difícil controlo como: as características das amostras; o estatuto socioeconómico; os tipos de dados e os seus locais de recolha; diferentes
conceitos e definição sobre anoxia; prematuridade; complicações da gravidez; para além das dificuldades de controlo de factores confusos nas análises bioquímicas,
etc. são algumas das condições que não permitem atingir, neste âmbito, objectividade etiológica com um mínimo de credibilidade.
Corah 1965, através do seu estudo longitudinal, de sete anos, com crianças afectadas por anoxia no nascimento e com crianças de um grupo de controlo, constatou
que as crianças do grupo de controlo liam melhor do que as crianças com anoxia, tendo em atenção a precisão, a compreensão e a velocidade da leitura, quando testadas
pelos Testes de Leitura Oral de Gilmore (Gilmore Oral Reading Test).
Como a anoxia se encontra relacionada com condições maternas adversas como a diabetes, a anemia, o parto prolongado, a eclâmpsia, etc. , é natural que tal
condição esteja também associada a cotações de risco no índice de Apgar (choro fraco, problemas respiratórios e circulatórios, bradicardia e reflexos lentos), frequentemente
implicados no desenvolvimento das crianças sujeitas a tais situações.
Kawi e Pasamanick 1958, num trabalho hoje já clássico no campo das DA, avaliaram a relação entce complicações da gravidez (mas sem anoxia) e a capacidade
de leitura numa população de 205 casos de rapazes brancos. A selecção da amostra teve em consideração um grupo experimental e um grupo de controlo, com base no seguinte
critério: QI 85 (Binet), dois anos de atraso na
140
ETIOLOGIA E EPIDEMIOLOGIA DAS DIFICUIll ADES DE APRENDl7rlGF JI!
Iáaua e obtenção de cerúficados de nascimento. Neste mesmo estúdo f am identificadas 104 complicações na gravidez nas mães do grupo experimental,
uanto só foram encontradas 50 nas mães do grupo de controlo. As mães los disléxicos apresentavam, pelo menos, uma complicação em 37, 6"e, Quanto as mães
de erianças não disléxicas apresentavam 21, 5%. Mas 16, 6% dos disléxicos e apenas 1, 5% dos não-disléxicos únham sido expostos, pelo
nos, a duas complicações na gravidez. A presença de mais do que uma aomplicação parece relevante e drásúca em relação a factores de desenvolviaxnto que presdispõem
para as DA. As complicações mais frequentes na população das crianças com DA foram: pré-eclâmpsia, hipenensão e hemorragia vaginal.
Também a prematuridade definida pelo peso aquando do nascimento (5 2, 5 kg) foi estudada, tendo-se obtido a seguinte proporção;11, 5% para es crianças com
DA e 4, 6% para as crianças do grupo de controlo. Finalmente, também se apurou algumas alterações pré e perinatais, tendo-se atingido a proporção de 45, 4% para
as crianças com DA e 28, 2% para as outras crianças.
O parto prolongado foi também mais hequente nas mães das crianças eom DA do que nas outras mães. Por úlúmo, 67, 2% das famflias das crianças com DA estavam
na metade inferior da escala socioeconómica, enquanto s6 56, 3% das fanulias das erianças do grupo de controlo caíam na mesma eategoria.
Douglas 1960 e Robinson e Robinson 1965 tentaram relacionar a prematuridade com o estatuto socioeconómico familiar. Em ambos os estudos e verificou ser impossível
controlar as seguintes variáveis: ocupação dos pais, percentagem de desemprego, envolvimento educativo, legitimidade dos filhos, idade das mães e seu estatuto marital,
higiene de habitação e interesse dos pais na escolaridade dos filhos.
A prematuridade' e as condições socioeconómicas desfavoráveis tendem a complicar o quadro. Na base do Índice de Características Sociais de Warner (Warner's
Index ofSocial Characterìstics, Warner 1960), os pesos das crianças inferiores a 1, 5 kg vinham quase sempre de lares pobres. Foi também possível, com o mesmo índice,
detectar o papel das classes sociais favorecidas na obtenção de melhores resultados no QI, no aproveitamento escolar e nas variáveis de comportamento.
Lyle 1970 tentou relacionar as DA com factores pré-natais, perinatais e de desenvolvimento. UúOzando técnicas de regressão múlúpla, este autor conseguiu
obter vários factores predicúvos, como por exemplo distorções perceptivomotoras, explicados por variações do nascimento, e probtemas verbais, explicados por factores
de desenvolvimento. Toxémias, baixo peso e ameaças de abono não aúngiram valor predicúvo.
' A noção de prematuridade é hoje mais c nte definida como o nascimento antes das 37 semanas de estação.
141
INSUCESSO ESCOIAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
Por estes dados se confirma a hipótese de que as DA também estão associadas, de uma forma significativa e relevante, a factores pré e perinatais. Prematuros
do sexo masculino, pequenos para a idade de gestação, e small for date, de ambos os sexos parecem ser uma população do alto risco em termos de DA e de inêxito
escolar, o que só por si justificaria um estudo longitudinal (follow up study).
A exacta natureza da relação entre os factores pré, peri e pós- natais ainda não está esclarecida; no entanto, os trabalhos que acabamos de expor suportam
pelo menos a existência de três hipóteses (Schulman e Leviton 1979):
1) Factores pré-natais precoces / DA 2) Factores pré-perinatais. I DA 3) Factores perinatais. . / DA
Factores neurobiológicos e neurofisiológicos
Considerando a aprendizagem como essencialmente dependente da organização neurológica do cérebro (Hebb 1949), e sabendo-se que tal função depende substancialmente
de factores genéticos (Eysenck 1960), é compreensível que alguns factores bioetiológicos sejam de natureza neurobiológica e neuropsicológica.
Enquanto muitas crianças com DA não acusam lesões mínimas no cére bro nem disfunções psiconeurológicas, é incontestável que algumas crianças com DA (disléxicas)
as evidenciam (Birch 1964, Clements 1966, Myklebust e Boshes 1969, Rutter, Tizard e Whitemore 1970). Por outro lado, não podemos esquecer que o próprio campo das
DA se iniciou a par
N -back Codificeção
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Fecd-backs - -
Figura 48 - Modelo de (dis)função cerebral
142
ETIOLOGIA E EPIDEMIOLOGIA DAS DIFlCULDADES DE APRENDI7t GElK
tir do estudo educacional de crianças com lesões cerebrais (brain injured children), como atestam os trabalhos clássicos de A. Strauss, L. Lehtinen e Kephart que
vimos atrás.
Em inúmeros trabalhos de investigação se reconhece a correlação significativa entre as lesões orgânicas cerebrais e as capacidades perceptivas, cognitivas
e motoras. O caso das crianças com paralisia cerebral (espásticas, atetósicas, atáxicas, etc. ) e os acidentes e traumas cerebrais são disso ns provas concludentes
e inequívocas.
Para além de afectarem os processos receptivos (input) integrativos (associativos) e expressivos (output), as lesões cerebrais interferem com variadissimos
subprocessos de tratamento e ordenação de informação, base principal, como sabemos, da aprendizagem simbólica, a lembrar que ela só é possível num verdadeiro e complicado
órgão que só funciona quando determinadas integridades estão em presença.
Como nos elucidou Luria 1975, na sua brilhante e extensiva obra, a disfunção cerebral altera não só a aprendizagem mas também o comportamento omocional,
daí nascendo relações de causa e efeito que se tornam cada vez mais complexas à medida que o processo de desenvolvimento se desenrola.
Por outro lado, não se verificando determinadas condições de maturação do cérebro, o desenvolvimento fica comprometido, gerando consequentemente disfunções
que dificultam as mudanças de comportamento provocadas pelas aprendizagens (Benton 1964).
Hallahan e Cruickshank 1973 demonstraram que não são só as lesões mínimas no cérebro que provocam disfunções na aprendizagem. Para além destas, há a considerar
a malnutrição, as carências afectivas, a falta de estimulação precoce e mediatização, etc. , a que não podem estar alheias a privação socioeconómica, a pobreza e
a miséria, que axiomaticamente afecf tm o desenvolvimento do sistema nervoso central (SNC).
Schulman e Leviton 1979 demonstraram que a malnutrição produz efeitos ao desenvolvimento cognitivo e Klein, Forbs e Nader 1975 especificaram metodologicamente
as implicações da malnutrição nas dificuldades da leitura, surgindo como um factor de risco adicional.
Dentro destas linhas de estudo, outros factores se encontram igualmente t lacionados com as DA, como o hospitalismo (admissão num hospital por mais
de uma semana, entre os seis meses e os quatro anos) e a adopçâo.
Dayton 1969 apresentou uma hipótese de desenvolvimento do SNC em três fases:
1 á) Hiperplasia, que decorre no crescimento fetal e nos primeiros seis meses de vida, quando se opera o crescimento das células do cérebro;
2. a) Hiperplasia e hipertrofia, que decorrem dos seis aos 24 meses, quando se opera um aumento do tamanho e do número de células;
3. a) Hipertrofia, que decorre ao longo da infância, quando se opera o crescimento do tamanho das células nervosas.
143
INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSlCOPEDAGÓGICA
Brieley 1976 apresenta um quadro simplificado com o peso do cérebro relacionado com a idade:
DESENVOLVIMENTO rnov g
2meses g7
6meses 378-382
recém-nascido
908
1ano... gg3
2anos (entrada na pré-primária)...
1124
3anos. 1234
4anos. 1242
5anos. 1322
6anos (en ada na escola primária)... ... . .
10anos (fim da escola primária)... 1344
Figura 49- Peso do cérebro e desenvolvimento, segundo Brieley
É agora mais ou menos evidente que os factores da privação (nutrição, estimulação, afectividade, socialização, etc. ) assumem um papel muito significativo
na origem das DA, principalmente quando tais factores ocorrem nos períodos críticos do desenvolvimento (Cravioto, Delicardie e Birch 1966, Stoch e Smyth 1968).
Desde o primeiro trimestre de desenvolvimento intrauterino até aos primeiros 30 meses de vida, o cérebro está em formação, razão pela qual qualquer lesão
directa ou indirecta, mínima ou severa, neste período, poderá comprometer irreversivelmente o potencial de aprendizagem, quer verbal, quer não verbal. Os mesmos
autores advogam que uma malnutrição severa nos períodos críticos poderá igualmente interferir no processo maturacional, provocando perturbações na integração auditivovisual,
na integração visuoquinestésica e intersensorial.
Scrimsham 1967 demonstrou que o cérebro, no momento do nascimento, aumenta de peso à razão de 1 mg a 2 mg por minuto. Três anos depois, o peso do cérebro
adquire 80% do seu peso adulto. Dado que as células do cérebro são incapazes de se regenerarem, ao contrário das dos outros órgãos, a lesão ou a agenese do tecido,
durante aquele período, pode ser fatal ao desenvolvimento ulterior.
Até aos 3 anos, o cérebro aprende as aquisições mais fulerais e cruciais que vão perdurar durante todo o período de vida. A deficiência proteica
nesta fase pode deixar rastos de perturbação tónica, de descontrolo da atenção e da motricidade, de hiperirritabilidade, de instabilidade emocional, etc.
Vários investigadores referem as implicações nas mudanças bioquímicas, nas alterações da formação dos neurónios, no transporte de elementos através
da membrana neuronal, na função sináptica, na formação do ARN (ácido ribonucleico) e do ADN (ácido desoxirribonucleico), etc.
144
ETIOLOGIA E £Plfl£MIOLOGIA DAS DIFfCUlDADES DE APRFNDll AGF Jl
Entre nós não é estranho ouvirmos professores do ensino prinzário i em que algumas das crianças, para além de serem subalimentadas, ainda
" sujeitas, por vezes, a bábitos alcoólicos precoces induzidos por familiares. É evidente que o retlexo destas condições alimentares se fará sentir só
tamanbo do cérebro, como igualmente poderá intluenciar o desenvolvi nto intelectual.
f Outros contributos deverão ser considerados neste sector, nomeadamente que se referem às complicações provocadas por meningites e encefalites que deixam por vezes
sequelas associadas à deficiência mentat, espasú, etc. (Earnest e colaboradores, I971).
i O período mais críáco destas infecções do SNC anda à volta de um ano ae i momento em que se operam, como vimos, grandes transformações jao cé ebro.
Kresky, Buchbinder e Greenberg 1962 estudaram longitudinalmente 80
= a nças com meningite bacteriana adquirida antes dos cinco anos de idade. Fm 34% (28/80) das crianças foram detectados 43 défices: seis visuais, 14 rde aoraso
de linguagem, nove auditivos, I4 convulsões, cinco psicomotores, dois parésicofaciais, um de hiperacúvidade e um de dismetria. Quanto á esco, 81 " das crianças frequentavam
a escola em classes esperadas para is suas idades, cerca de 12 frequentavam a escola em classinferiores às
, para além de apresentarem cenos sinais neurológicos e de çom. nto e 4% eram deficientes (visuais, auditivos e socioeconómicos). Matáews, Chun e Grabow
I968 estudaram as sequetas psicológicas resuls de encefalite viral numa população de 33 crianças (oito F e 25 M). : S6 duas crianças obúveram QI inferior à média.
A média dos resultados no QI foi de 106, 66, não tendo sido ada qualquer discrepância significativa
o QI verbal e o QI de nealização (perjornrance).
Os resultados no WRAT (Wide Range Achievement Test) foram ligeira nte acima da média para a leitura e a escrita, e ligeiramente inferiores à
a para a aátmética. Em resumo, a encefalite, neste estudo, não afectou o nvolvimenw das crianças, apenas surgindo alguns problemas de depenia e resuitados
significativamente di erentes no teste de percussão digital (Finger Tapping Test).
Sell 1972, seguindo longitudinalmente um grupo de criaaças com meHingite, testou-as e estudou-as por volta dos IO anos de idade. Os QI oscilavam de 20 a
I40, com uma média de 84. Das sobreviventes, cerca de 499Ó estavam livres de sequelas e obtiveram QI 90, não tendo estas qnblemas escolares, motores ou sensoriais,
nem acusando anomalias eeumlógicas. Cerca de 29% tinham QI entre 50 e 69, quebras auditivas
riores a 30 db (decibéis), para sias, ambiiopia e insucesso escolar. As trstantes 6 o tinham QI < 50, não freqaentavam a escola e estavam insúarcionalizadas.
_
Pate e coia rador 1974 estudaram 25 càanças com n eningite e 25 crianças oormais. Nas 25 crianças afectadas pela meningite, as de 15 foram
!45
INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
causadas por H. In, fluenzae, cinco por meningococos e cinco por pneumococos. No estudo das variáveis psicopedagógicas, 54% atingiram resultados mais baixos do que
as crianças do grupo de controlo no teste de Durrell (Durrell Analysis ofReading Di culty Test). Diferenças significati encontradas no ITPA, DTVP, no Peabody Picture
Vocabulary Test Teste de Vocabulário e Imagem-Dun) e em testes motores e psicomotores. De acordo com os professores, as crianças que tiveram meningite apresentavam
sinais de baixa maturação e de fraca autoconfiança, quando comparadas com as outras crianças do grupo de controlo.
Outros estudos (Gregg 1941, Witte 1969, Ames 1970, Chess 1971) com crianças cujas mães tiveram rubéola e ficaram com subsequentes défices congénitos (surdez,
cardiopatia, cataratas, etc. ) surgem com outros importantes contributos. Em todos os casos se verificava que as implicações congénitas eram mais severas quando
a infecção materna ocorria no primeiro trimestre da gravidez. Por outro lado, em todos estes casos, o potencial intelectual encontrava-se afectado. Também outros
aspectos se encontravam relacionados com a rubéola, como por exemplo: baixo peso, reduzido perímetro cefálico, atraso neonatal e psicomotor, etc. (Weinberger e colaboradores
1979, Lej aga e Pickham 1974).
Outros autores ainda associam a condição da rubéola intrauterina a autismo, comportamento reactivo, ansiedade, dependência, agressividade, atraso de linguagem,
etc. , sendo cada vez mais significativas as sequelas de acordo com a cronologia da infecção congénita, pois parece ter-se veriflcado que as sequelas eram mais ligeiras
quanto maior fosse a idade gestacional.
Estas são algumas evidências etiológicas que se deve igualmente considerar nos factores neurológicos, a flm de proporcionar uma perspectiva dialéctica,
indutiva e recíproca, entre os factores causais, biológicos e sociais encontrados no campo das DA.
O stress emocional, acrescido de um stress económico e cultural, de um baixo índice sanitário, de maus cuidados de saúde, de pobreza de estímulos
e de oportunidades, em simultaneidade com a malnutrição, implicam inevitavelmente efeitos morfológicos e efeitos funcionais claramente relacionados com a redução
do potencial de aprendizagem.
Vários estudos demonstraram inequivocamente que as más condições sociais afectam a integração intersensorial, a discriminação perceptiva e o pensamento
abstracto. Cawley 1966 encontrou em crianças pob inte gradas num programa precoce de desenvolvimento (Head Start outros sinais neurológicos e neuropsicológicos,
como por exemplo: problemas de coordenação oculomotora, de constância da forma, de posição no espaço e de velocidade reactiva, de atenção auditiva e visual, de restrição
e economia na linguagem expressiva, de diflculdades de sequencialização de acções, etc. , a que chamou atraso de desenvolvimento (developmental lag).
146
ETIOLOGIA E EPIDEMIOLOGIA DAS DIFICULDADES DE APRENDl7 AGEM
É interessante assinalar que os sinais neurológicos mais frequentes em crianças desfavorecidas envolvem alterações nos reflexos, na tonicidade (disdiadococinésias,
sincinésias, paratonias, etc. ), no controlo vestibular e proprioceptivo, na lateralidade, na memória de curto termo, na coordenação visuomotora e na dextralidade,
etc. Poderemos sugerir, com base nestes dados experimentais, que se dão, em termos de desenvolvimento, fenómenos de indução sociobiológica e biossocial que, em si,
materializam à dialéctica interaccionista entre a hereditariedade e o meio.
Não podemos deixar de assinalar a importância doutros factores, nomeadamente os emocionais e os afectivos. A relação com a mãe durante o período crltico
do desenvolvimento da linguagem é de uma inestimável significação. A irregularidade, a distorção ou a discontinuidade da relação mãe-filho podem representar outros
parâmetros etiológicos de grande relevância, designadamente nas desordens da comunicação e nos problemas emocionais primários.
A interacção e a mediatização afectiva e linguística entre a mãe e o filho áos zero aos quatro anos determinam substancialmente a maturidade emocional e
o desenvolvimento cognitivo. Se a mãe não fala com o filho durante os anos formativos, ele não se interessará pelos estímulos auditivos e não captará a informação
necessária para compreender e falar, daí resultando limitações linguísticas (fonéticas, semânticas e sintáxicas) que por sua vez afectarão a maturação neurológica
das áreas associativas do cérebro.
Lamentavelmente é na escola, e por vezes já muito tarde, que se revelam os problemas emocionais secundários (Rabinovitch 1959), hoje um dos aspectos mais
frequentes da psicologia clínica. A acumulação de frustrações, de ansiedades, de agressões e de insucessos é activada por um sistema escolar que insiste na maturação
precoce e precipitada do hemisfério esquerdo (de onde decorrem as DA verbais), subestimando muitas vezes o papel do hemisfério direito (donde decorrem as DA não
verbais) e originando, como consequência, uma cadeia de inadaptações.
Daqui a necessidade de apoio ao nível da fanulia, verdadeira escola de sentimentos onde a criança adquire a maturidade emocional indispensável para as pré-aptidões
das aprendizagens escolares. Amor, segurança, confiança, encorajamento e sucesso são ingredientes indispensáveis à personalidade da criança, e aqui, a missão do
jardim de infância e do ensino pré-primário, como prevenção das DA, é insubstituível.
A criança que chega à escola traz atrás de si uma história de vivências e de oportunidades muito complexa que é preciso estudar e caracterizar. A escola
revela as DA da criança em vez de adoptar uma atitude preventiva e uma práúca compensatória.
A criança com DA, quer a causa seja orgânica ou endopsíquica, quer social, revela algo cuja responsabilidade não lhe pertence, na medida em que o seu desenvolvimento
biopsicossocial depende essencialmente das acções e das condutas, i. e. , da mediatização dos adultos socializados que a envolvem.
147
INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSlCOPEDAGÓGICA
Factores sociais
Vários enfoques etiológico-sociais poderão ser perspectivados em relação às DA mas, dentro deles, de momento, analisaremos os seguintes:
Factores de envolvimento e de privação cudtural e classes sociais Em analogia com o que se tentou para os factores biológicos, começaremos por apresentar
uma listagem desordenada dos múltiplos factores socioetiológicos que têm sido mais focados em vários trabalhos de investigação.
Listagem de alguns factores socioetiológicos:
Carências afectivas (contexto familiar, relações mãe-fllho, etc. ); I)eficientes condições habitacionais;
Deficientes condições sanitárias e de higiene;
. I)eficientes condições de nutrição; Pobreza da estimulação precoce;
Inexistência de condições de facilitação precoce;
Fracos desenvolvimento e interacção sociolinguística;
Fraco desenvolvimento perceptivovisual;
Privaçôes lúdicas e psicomotoras;
Desajustamentos emocionais implicando alterações das funções tónicas, das funções da atenção, das funções da comunicação e do desenvolvimento perceptivo,
etc. ;
Envolvimento simbólico e cultural restrito, etc. ;
Nível de ansiedade elevado;
Ocupação dos pais e suas habilitações académicas;
Desemprego, insegurança económica crónica;
Analfabetismo;
Zonas pobres e isoladas (urbanas, suburbanas e rurais); ESw, o Qo t, ca,
Relações wes; Fia as uito elevadas;
. Modelos linguísticos pobres;
. pa -ões de adaptação; Expectativ c s;
. Hospitalismo;
Atitude da mãe face ao desenvolvimento da linguagem; Métodos de ensino iznpróprios e inadequados;
148
ETIOLOGIA E EPIDEMIOLOGIA DAS DIFICULDADES DE APRENDI?AGEM
A propósito desta listagem acriteriosa e incompleta, queremos alertar para o facto de que ela surge desta forma apenas por necessidade didáctica, pois naturalmente
defendemos a inseparabilidade biossocial, onde é impossfvel opor os factores bioetiológicos aos factores socioetiológicos. Ambos se misturam, integram e funcionam
numa relação dialéctica complexa, obscura e dinâmica, relação essa constantemente presente no eampo das DA.
As condições sociais desfavoreeidas e desumanas são indutoras de atrasos de maturação neurobiológicos.
A luta contra a pobreza e a miséria é claramente muito mais importante socialmente do que a análise fria da problemáúca social das DA.
A incidência de doenças e de DA varia inversamente com as condições socioeconómicas. Condições socioeconómicas desfavorecidas geram inevitavelmente mais
doenças e mais DA. Trata-se de uma constatação das diferentes eondições e oportunidades que earaeterizam a organização soeial.
A injustiça implícita na imposição de condições de pobreza que tardam em ser aligeiradas, minoradas ou eliminadas provoca, inequívoca e inevitavelmente,
vários tipos de privação a vários níveis: biológicos, psicológicos e sociais.
As erianças desfavorecidas social, cultural e economicamente são também desfavorecidas pedagogicamente, o que, evidentemente, é, sobre todos os pontos de
vista, injusto. Sofrem mais de mau ensino, má inswção (dispedagogia), mais abstencionismo dos professores e de piores modelos de esámulação, identificação, motivação,
orientação, etc. , um paradoxo ponanto.
Em vez de compensar esta discrepância social inaceitável, a escola tende a legiúmar todas estas diferenças através dos seus métodos pedagógieos e dos seus
métodos selectivos e avaliativos.
As percentagens das DA e do insucesso escolar, como é sabido, estão mais concentcadas nas crianças oriundas de meios socioeconómicos desfavonecidos; tais
percentagens sugerem significativamente que as influências sociológicas se fazem sentir com eonsequências devastadoras.
F etores de envolvimento e de privação cultural
Interessantes estudos têm sido apresentados sobre a problemática das DA, todos eles elucidativos das implicações dos stresses sociais no desenvolvitnento
do potencial cogniúvo do indivíduo.
Prenstedt 1965 realizou um estudo eomparativo entre dois grupos sociais: um sobre famlias de elasses inferiores- superiores (upper-lower class), e outro
familias de elasses muito inferiores (very low lower classfamilies).
No primeiro grupo verificou-se que, embora não havendo hábitos de leitura, pois não havia sequer quaisquer livros em casa, e vivendo debaixo de nma atmosfera
ruidosa e sem interesse por qualquer aconteeimento eultural
149
INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
ou social, ia-se no entanto mantendo uma estabilidade familiar, uma higiene adequada na habitação e uma aceitação incondicional dos fllhos.
No segundo grupo, a panorâmica surgiu mais carenciada pois, para além de grande instabilidade familiar, quase caótica, os fllhos eram quase abandonados e
isolados.
As suas histórias evidenciavam frequentes episódios de isolamento forçado em locais extremamente empobrecidos de estímulos, enquanto as mães trabalhavam.
Os seus choros eram negligenciados, as suas neeessidades ignoradas e não satisfeitas. Sem brinquedos, imagens, jogos ou música, sem qualquer interacção social e
linguística, tais crianças eram apenas merguIhadas numa sala de TV permanentemente aberta, extremamente ruidosa. Mais tarde, os seus aproveitamentos escolares espelharam
esta dura realidade social.
É evidente que nestas duras condições sociais, as crianças tendem a perder as oportunidades de uma estimulação mediatizada por adultos, pois nestes grupos,
por vezes, elas não passam de bodes expiatórios Excessivas fraterias, dependências prolongadas de crianças mais velhas mas sobrecarregadas de várias tarefas caseiras,
quartos e camas superpovoados com crianças e adultos, habitações exíguas sem sanidade básica, envolvimentos pobres e superconcentrados, etc. são naturalmente alguns
dos factores envolvimentais desorganizativos e causadores de inúmeros problemas de conduta e de aprendizagem.
Esta realidade, não raras vezes característica dos bairros degradados urbanos ou suburbanos, objectiva lamentavelmente a desvantagem cultural das familias
das classes mais desfavorecidas.
A falta de variedade de estimulação ou a estimulação excessiva e desorganizada, por vezes inadmissível, observada nos bairros pobres pode ser outra faceta
da privação cultural. A qualidade da estimulação interfere indubitavelmente nas condições mínimas requeridas para uma escolaridade adequada.
Uzgiris 1973 observou que as crianças desfavorecidas são bombardeadas por estímulos mais perturbadores, e ao mesmo tempo privadas de uma estimulação auditiva
e linguística consistente. Em resumo, as dificuldades de processamento da informação auditiva, da atenção selectiva, da discriminação, da identificação, da segmentação
fonética, da sequencialização, da retenção, etc. tendem a prejudicar o desenvolvimento da linguagem e a elaboração de estruturas cognitivas.
Ignorando esta realidade social, a escola, feita para os mais aptos e favorecidos, pouco tem realizado para compensar ou combater esta desigualdade
humilhante.
A escola persiste na função de reprodução das desigualdades sociais. Antes da democratização do ensino, surgem outras modalidades de democraticidade
na saúde, na nutrição, na habitação, no bem-estar, na cultura, etc. que necessitam de ser envolvidas. Sem esta visão sociopolítica do problema, não podemos encarar
medidas nem soluções no âmbito das DA.
150
ETIOLOGIA E EPlDEMIOLOGl A DAS DIFlCULDADES DE APRENDIZAGEM
A escola necessita de igualizar as oportunidades para as crianças desfavorecidas quer ao nível primário, quer fundamentalmente ao nível das estruturas materno-infantis
e pré-primárias.
Os programas escolares devem adequar-se às estruturas cognitivas das crianças desfavorecidas. Caso contrário, não poderemos defender uma política social
de justiça com oportunidades educacionais tão discrepantes e inconsequentes. Tais discrepâncias são cortadas através das elevadas percentagens de DA e de insucesso
escolar, frequente e preferencialmente impostas pelo sistema de ensino às crianças das classes mais desfavorecidas, embora este cenário não explique tudo, como é
óbvio.
Um bom ambiente familiar ou social que forneça a quantidade e a qualidade de oportunidades suficientes de interacção entre adultos e crianças é a condição
mínima requerida para o desenvolvimento do potencial de aprendizagem.
Enquanto as necessidades biológicas e afectivas não se resolverem prontamente nas crianças desfavorecidas, muito pouco se pode fazer às estruturas cognitivas.
Estas só emergirão de um alicerce emocional afectivo forte, baseado na aplicação de condutas sociais de confiança, segurança, encorajamento, aceitação, compreensão,
sucesso, reforço, etc. Por alguma razão as percentagens mais altas da deficiência mental e das DA se encontram nos estratos sociais mais baixos.
Linguistas, psicólogos e educadores (Bernstein 1961, Robinson 1972, Labov 1970, e outros) têm demnnstrado que as crianças das classes desfavorecidas não
possuem o domínio da linguagem necessário para uma certa uescolaridade normal,
O êxito escolar está exageradamente dependente das estruturas linguísticas, que são irremediavelmente diferentes entre as crianças das várias classes sociais.
A maioria dos professores, oriundos das classes sociais médias, usam estruturas linguísticas inacessíveis a muitas crianças. O excessivo uso de adjectivos e de advérbios,
para além de um certo eruditismo propositado, passa despercebido nas crianças desfavorecidas, normalmente condicionadas por ambientes sociais caracterizados por
interacções pergunta-resposta pouco frequentes, e por padrões fonéticos, semânticos e sintácticos pouco estruturados e pouco complexos.
Os programas escolares não fogem à regra, pois nem sequer tomam em consideração a hierarquia da linguagem. De facto, os curriculos das nossas escolas privilegiam
a linguagem escrita (leitura e escrita), mas raramente se preocupam com outras pré-aptidões, e fundamentalmente, com a linguagem falada (compreensão auditiva e fala)
característica do meio onde estão ou foram inseridas as crianças desfavorecidas.
Maior atenção se deve dar, nas nossas escolas, à recepção auditiva (compreensão verbal) e à expressão verbal, principalmente no primeiro ciclo. Quanto à
primeira, deve-se cuidar da discriminação auditiva, da identificação e segmentação ou consciencialização fonética, da compreensão do
151
INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
significado das palavras e das componentes sintácticas, do seguimento de ordens e instruçúes, de compreensão e sugestão de diálogos e debates, de memória
e sequencialização auditiva, etc. Quanto à segunda, deve-se cuidar mais intensivamente da facilitação da linguagem, do enriquecimento do vocabulário, da correcção
gramatical das frases, da formulação ideaeional, da narração de histórias, da sequencialização lógica de eventos e experiên cias, da rechamada e da rememorização
verbal, etc.
A leitura, como processo verbal simbólico, assenta sobre um processo analítico, razão pela qual os programas da escola pré-primária e primária deverão
ser mais organizados e sistematizados neste domínio.
Sem esta intervenção na linguagem, as crianças desfavorecidas não vão discriminar entre sons relevantes e irrelevantes e, consequentemente, vão estar
mais desatentas nas aulas. Entre a fala do professor e os ruídos ocasionais envolventes da sala não há diferenças; daí muitos dos problemas que estão na base das
DA.
As crianças desfavorecidas, sem interacção verbal, raramente brincaram com letras ou números móveis, raramente contactaram com imagens e livros,
raramente fizeram viagens, etc. Por isso, trazem para a escola um vocabulário restrito e rudimentar, muitas vezes aprendido dos irmãos mais velhos e com uma fraca
estrutura sintáctica, condições estas, à partida, impeditivas da aprendizagem da leitura e da escrita.
Hurley 1969 ilustrou esta situação com o seguinte exemplo: num estrato social médio, a mãe poderá dizer ao seu filho: João, vai à dispensa buscar
o frasco do doce de pêra a mãe de uma classe inferior dirá apenas traz aquilo ou vai buscar aquilo", ou até mesmo usar somente um gesto para o significar. Aqui,
o modelo de linguagem é reduzido, simplista, sem adjectivos nem advérbios, com imprecisões semânticas e sintácticas de vária ordem.
A criança desfavorecida não tem as ferramentas linguístieas necessárias à aprendizagem da leitura. No primeiro ano de escolaridade encontra-se já
em grande desvantagem, e lamentavelmente essa desvantagem tende a aumentar até ao fim da escolaridade primária, conduzindo ao chamado défice cumulativo".
As diflculdades na linguagem são provavelmente uma causa de insucesso tão significativa como uma disfunção cerebral. Há que abordar esta situação de uma
forma mais cuidada. A própria escola pode fazer muito neste sector, ' bastando para isso que se muna de psicólogos e de professores formados para
o efeito, com novas atitudes, expectativas, competências, etc. , bem como de
,
programas e currículos de facilitação da linguagem e das pré-aptidões adequadas às crianças sfavorecidas.
; As múltiplas privações culturae psicossociais actuam inibitoriamente I' em relação ao desenvolvimento intelectual, como acabámos de ver. A privação cultural parece
envolver uma complexa interacção entre
várias unidades dialécticas: hereditariedade-meio, social-emocional, cogni
152
ETIOLOGIA E EPIDEMIOLOGIA DAS DIFICULDADES DE APRENDTIAGEM
úvidade-aprendizagem, causas-consequências, etc. , que se repercutem no desenvolvimento cognitivo e, consequentemente, no aproveitamento eseolar.
Estudos longitudinais como os de Skeels e Dye 1939, e de Skeels e Skodak 1966, que duraram mais de 20 anos, provaram que crianças de orfanatos, testadas
inicialmente com um QI médio de 35, tinham eoncluído, no entanto, os estudos liceais. Um terço dessas crianças únham mesmo coneluído o diploma superior. Em contrapartida,
metade dos elementos do grupo, após o estudo, estava desempregada e tinha apenas exercido profissões sem qualificação. Este estudo prova claramente não só a relatividade
dos testes de inteligência, mas também as múltiplas facetas da privação cultural e social.
Conhecimentos reduzidos, pensamento conereto não conceptualizado, linguagem pouco utilizada em termos invospectivos e reflexivos, falta de hábitos de leitura
e de escrita, repetências escolares frequentes, poucas experiências representacionais ou simbólicas, ausência de curiosidade cultural, alienação quotidiana, etc.
, são factores de privação cognitiva que se reflectem desde muito cedo no potencial de aprendizagem das crianças desfavoreeidas.
A privação cultural gera hiperactividade, hiperverbalização, desinibição social, défices percepúvos e cognitivos, irritabilidade, falta de concentração e
de persistência, etc. , enfim, um padrão de comportamentos que dificilmente se aeomoda às exigências cuniculares.
Estudos norte-americanos sobre crianças dos guetos concluíram que, ao nível do 3. o ano de escolaridade, o atraso na compreensão da leitura, na significação
das palavras e na aritmética é já de um ano, quando comparadas com a população escolar distrital, e esse atraso duplica no fim do 8. o ano de escolaridade.
À privação cultural vem juntar-se o insucesso escolan com todas as suas eonsequêneias psicossociais, condições estas que desaguam frequentemente na delinquência
e na exelusão social.
Hauser 1974 defmiu um conjunto de características comportamentais similares entre delinquentes e pessoas com DA:
1) Ambos os grupos tendiam a manifestar dificuldades na escola primária;
2) Ambos evidenciavam um autoconceito negativo;
3) Os problemas de ambos os grupos estavam associados ao sexo masculino;
4) Ambos tinham inteligência média;
5) Os problemas de ambos os grupos dependiam de múlúplas causas.
O comportamento e a aprendizagem humanos são multidimensionais. Cada dimensão actua com outra dimensão, e estas encontram-se em constante interacção com
múlúplos factores envolvimentais.
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INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
A criança ou o jovem com DA encerra um estigma de implicações psicossociais muito sérias. Ser diferente do normal é simultaneamente assumir, o papel de
uma marginalização subtil ou de uma penalização obscura e antipedagógica. A escola pune os que falham, na medida em que é a estrutura social que melhor espelha a
sociedade da meritocracia competitiva".
A ocupação profissional e o estatuto salarial são cada vez mais conse quência do aproveitamento escolar. Daí a sua problemática e a sua contradição sociocultural,
daí também a sua significação ideológica.
Classes sociais
Não existindo uma definição universal de classes sociais, as relações
entre as DA e as classes sociais são muito difíceis de investigar sem um pendor ideológico.
Com os dados postos actualmente à disposição, não se sabe como calcular o estatuto socioeconómico: na base do salário, do nível educacional, do estatuto
ocupacional, da localização e das condições habitacionais ou na base de alguma combinação destes parâmetros?
Com estes problemas, sem dúvida dos mais difíceis e aliciantes, o rigor das investigações no campo das DA tende a ser posto em causa. Daí decorre a sua contínua
controvérsia, na medida em que é praticamente impossível avaliar os efeitos independentes das classes sociais. Os problemas que se colocam podem ser vários:
Em que medida os factores de risco estão associados às classes sociais. Que tipos de factores de risco devem ser considerados? De entre os factores biológicos
de risco, quais os que podem ser controlados? De entre os factores socioeconómicos de risco, quais os que podem ser hierarquizados? Depois dos factores de risco,
quais as medidas prioritárias a tomar?
Como factores biológicos de risco, vários investigadores (Walzer e Richmond 1973, Hanshaw 1976, etc. ), apontam os seguintes: hereditariedade, cuidados pré-natais
precários, má nutrição, prematuridade, infecções do sistema nervoso central, traumatismos craneanos e fracos cuidados médicos, etc.
Como factores socioeducacionais de risco (Eisenberg 1966 e outros) apontam-se os seguintes: privação de estimulação precoce, excesso de absentismo
afectivoemocional, falta de oportunidades de desenvolvimento em todo o período pré-escolar, nível de instrução baixo, dispedagogia, poucas facilidades educativas,
etc.
Kappelman 1972 tentou estudar os efeitos independentes das classes sociais, seleccionando crianças com DA e crianças com bom aproveitamento escolar
pertencentes ao mesmo nível socioeconómico. Ambos os grupos foram classificados como oriundos de envolvimentos com desvantagem sociocultural. Com esta metodologia
de selecção da amostca, o autor determinou 125 pares de crianças com e sem DA, agrupadas por idade, sexo e vizinhança. A amplitude
154
ETIOLOGIA E EPIDEMIOLOGIA DAS DIFICULDADES DE APRENDI?AGEM
etária da amostra ia dos cinco aos 14 anos (idade média de seis anos). Realizaram-se entrevistas com a fam ia, para obter dados anamnésicos sobre história familiar,
história pré-natal, peso ao nascimento, complicações da gravidez e do parto e outros problemas de desenvolvimento. Kappelman ainda se serviu de relatórios médicos
cedidos por clínicas e outras instituições hospitalares.
No seu estudo, a população das crianças com DA apresentou significativamente mais histórias familiares de deficiência mental, e mais problemas de comportamento,
de fala, de audição e de visão. Quarenta das mães das crianças com DA apresentavam pré-eclâmpsia (pressão sanguínea exagerada nos segundo e terceiro trimestres da
gravidez), enquanto as mães das crianças sem DA apresentavam este episódio pré-natal em apenas 15 casos. Os pesos inferiores a 2 kg foram notados nove vezes mais
nas crianças com DA, em comparação com os das do grupo de controlo. Dez nascimentos das crianças com DA foram de apresentação pélvica, enquanto se registou, no outro
grupo, apenas um caso. Vinte e duas mães das crianças com DA, comparadas com 10 das crianças sem DA, terminaram a sua educação antes do 9 ó ano de escolaridade.
Quarenta e oito mães das crianças do outro grupo vinham de familias com fratrias de mais de nove filhos. Setenta e sete crianças sem DA e 46 crianças com DA viviam
com os dois pais biológicos. Treze crianças com DA e duas do grupo de controlo viviam com a mãe e com um homem não relacionado familiarmente. Finalmente, 18 crianças
com DA, e cinco sem DA viviam numa casa com a sua mãe biológica.
Estes dados, obtidos num estudo com controlo da variável socioeconómica, permitem diferenciar a importância dos efeitos independentes das covariáveis socioculturais
e socioeconómicas. Quer dizer: mesmo que as crianças estudadas venham do mesmo estrato socioeconómico desfavorecido, ainda são identificadas diferenças significativas
nas suas histórias pré, peri e pós-natais, bem como são detectadas diferenças nas suas condições de vida. De alguma maneira, por este estudo se prova que as DA não
são só dependentes da classe social - algumas das dificuldades podem ser atribuídas, pelo menos em parte, a factores biológicos de risco.
Eisenberg 1966, estudando também dois grupos de crianças com DA, um de brancos de zonas suburbanas de trabalhadores de serviços (classes médias), e outro
de negros de zonas rurais pobres, encontrou, em ambos os grupos, maior percentagem de rapazes do que de raparigas, o que suporta a ideia de que subsiste uma diferença
sexual significativa, mesmo quando é controlada a classe social.
Num estudo que envolveu 31000 escolas nos Estados Unidos utilizando um critério psicopedagógico de que às crianças com DA só seriam seleccionadas se acusassem
alguns problemas na compreensão auditiva, no pensamento, na falá, na leitura, na escrita, e no ditado - excluindo portanto todas as crianças privadas culturalmente
ou com problemas físicos e emocionaischegou-se aos seguintes resultados: as escolas urbanas localizadas em áreas populacionais de baixòs salários (low-income areas)
apresentavam sempre percentagens três vezes superiores às escolas urbanas localizadas noutras áreas.
155
INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
Interessante é notar que as escolas secundárias apresentavam sempre matores percentagens do que as escolas primárias. Todavia, noutras áreas populacionais, as percentagens
eram invertidas, suportando a hipótese de que as DA estavam mais associadas a áreas populacionais caracterizadas por baixos salários. Daí a importância da localização
sócio-habitacional das próprias escolas.
Kerdel-Vegas 1968, testando a inversão de letras na leitura e na eserita (estrefossimbolia), em 1035 crianças venezuelanas de várias escolas de Caracas localizadas
em diferentes áreas, obteve também resultados interessantes nesta linha de abordagem.
Na escola localizada numa área socioeconómica baixa, foram detectadas 36% de crianças com a desordem. Na escola localizada na área média, 13%; na escola
localizada na área alta, 11%.
Por estes dados, podemos verificar que a diferença encontrada entre a localização da escola na área baixa e a localização na média foi bastante significativa
para que nela se possa reflectir cuidadosamente.
O risco das DA está, como constatámos, intimamente ligado às variáveis das classes sociais. Trata-se de um postulado amplamente demonstrado por inúmeros
trabalhos de investigação. Quanto mais baixa é a origem socioeconómica da criança e quanto maior é a fratria, maior é o risco das DA; daí também, por concomitância,
ser maior a responsabilidade dos agentes educacionais. As crianças que mais necessitam deverão dispor, por essa razão, de melhores oportunidades educacionais, professores
mais competentes e experientes, melhores programas de aprendizagem, subsídios nutritivos na própria escola, vigilância médicopsicopedagógica e social mais cuidada,
etc. Medidas e soluções para os problemas não faltam; a implementação conereta das mesmas é que tarda inexplicavelmente.
Trata-se evidentemente de um paradoxo. As elasses sociais desfavare cidas, que apresentam sintomas de doença mais severos, são as que recebem menos cuidados
médicos. Em contrapartida, as classes sociais favorecidas, que apresentam muito menos sintomas de doença, são as que recebem melhores tratamentos.
Não se trata de um problema de resistênciados pobres aos serviços médicos; trata-se do eontrário, na medida em que a resistência existe sim, em nosso entender,
mas é dos médicos espeeialistas que, sendo oriundos das classes médias ou superiores, não estendem, ou não prolongam, as suas competências profissionais às populações
mais carenciadas. Infelizmente, o panorama, quanto à educação, não é diferente.
No sentido de aprofundar as relações entre as classes sociais e as DA (nível de leitura), Sheldon e Can'illo 1952 eonduziram um trabalho gigantesco com 868
crianças frequentando as eseolas primária e secundária. De acordo com um teste de leitura, especificado por anos de escolaridade, os autores chegaram aos seguintes
resultados: 51% foram eonsiderados hons leitores (liam textos, acima do seu nível escolar) e 25% foram considerados maus leitores (liam material abaixo da sua classe
ou turma).
156
ETIOLOGIA E EPIDEMIOLOGIA DAS DIFICUi. DADES DE APRENDIl AGEM
O cstudo envolveu ainda a análise da fratria e do tipo de ocupação dos
pais. No que respeita àfratria, conclui-se que 60% dos bons leitores vinham
de famtlias com três e quatro membros, enquanto 20% vinham de famflias
com nove ou mais membros famiiiares. Mais: a ordem de nascimento apurad teve também relação significativa com o ser-se considerado bom ou mau
kitor. Assim, à medida que a ordem ia do primeiro ao quinto filho, a percen:agcm dos bons leitores crescia de 9% para 60%. Interessante é notar dc
que a percentagcm de bons e maus leitores estava igualmente associada ao
aaior ou menor número de livros existentes em casa.
Quanto à cupação dos paìs, verificou-se o seguinte: os bons leitores
pais com posições ad nistraávas em 55%, os leitores médios e os
n us leitores tinham pais naqueias posições em 25% e 27%, respectivamente.
Por outro lado, os pais com profissões na agricultura e na pesca tinham 23%
t e filhos considerados maus leitores e apenas 8% de filhos considerados
ieitores médios; 6% dos maus leitores, também possuíam pais com aquelas
ocupações laborais.
Noutra investiga ão feita por Davie Butler e Galdstein 1972, abrangendo
uma população de 15 468 crianças inglesas, foram estudadas não só as classes sociais (pela ocupação dos pais) como outras variáveis de grande importância para a
compreensão das DA. Assim, a variávei superpopulação (consi na base de uma/cinco pessoas por casa assoalhada), estava associada
a dois/mes-es de atraso médio na leitura; a variável ausência de comodi s {água quente, casa de banho e lavatórios internos, etc. ), estava assoc da a nove
meses de atraso e por último, a variável tabagismo da mãe
( da pelo hábito de fumar pelo menos 10cigat os diários) estava por sua
vez associada a quatro meses de atraso na leitura.
Não restam dúvidas dc que o estatuto socioeconómico está intima mente ligado ao aunaenZo de risco de factores biológicos (infecções, sifílis, toxoplasmose,
rubéola, anemia, docnças vasculares crónicas, várias
malfunçõés de repr dução, gravidez, nascimento, traumatismos, sequelas,
doen as, etc. ), e, inevitavelmente, afactores sociais (estimulaçãfl precoce,
envolvimento afcctivo e emocional, nutrição, oportunidadcs de desenvolyúncnto c dr educação, cuidados médicos, privações trágicas, expectativas, etc. ) que, naturaimente
e obviamente, se reflectem no aproveitamento
escolar.
No estudo das DA, quer os factores biológicos, quer os factores sociológicos ass mcm uma dimensão ciialéctica e ciinâmica, que tentámos superficiaiment,
e sublinltar. É certo que para os factores biológicos contribuem com
uma perrentagcm inferior à dos factores sociológicos; porém, a sua relevância é dcterminantcomo acabámos de ver.
Provavelmente, a privação sociocultural (factor sociológico) produz os
n esmos efeitos, en termos do sistcma nervoso central, do quc uma lesão
ce bral (factor biológico) quando está em causa a análise do potencial de
aprendizagem ou o estudo das flA.
157
INSUCESSO ESCOIAR - ABORDAGEM PSlCOPEDAGÓGICA
As investigações conduzidas com animais (Rosenzweig 1966, etc. ) dão-nos uma ajuda para perceber as relações entre uns factores e os outros. Estudos teóricos
(Prescott 1967) avançam com as implicações biológicas déflces neuroestruturais, neuroquímicos e neuroeléctricos - provocadas por privações maternais e sociais. Outros
estudos sobre malnutrição (Cravioto e colaboradores 1972) demonstraram que tal condição introduz modificações neurobiológicas e neuropsicológicas diminuidoras do
poten cial de aprendizagem.
Todos estes contributos são mais do que evidentes para demonstrar a
inter-relação recíproca entre a hereditariedade e o meio e entre os factores biológicos e os factores sociológicos, que estão na base da etiologia e da epidemiologia
das DA.
Os estudos epidemiológicos, embora sempre incompletos, são de capital im ortância para obviar à confusão semântica do universo de estudo das DA.
Á epidemiologia, como termo médico já avançado por Hipócrates, constitui o estudo científico de factores que influenciam a dinânúca, a distribuição e a frequência
de uma doença em populações humanas (Welzer e Richmond 1973).
Embora o problema das DA não compreenda uma doença, como já vimos, e independentemente dos inúmeros problemas metodológicos que se levantam,
não restam dúvidas de que os estudos epidemiológicos e os estudos longitudinais (follow-ups) poderão trazer alguma luz ou alguma explicação acerca dos factores
e vectores biossociais que influenciam a distribuição, a frequência, o crescimento ou redução das DA em todas as classes sociais.
Os trabalhos epidemiológicos de Rutter, Tizard e Whitemore (Isle of Wight Study 1970) e de Gruenberg (Review of Mental Retardation 1964), oferecem-nos substanciais
fontes de estudo sobre a problemática dos estudos epidemiológicos das DA.
Vejamos resumidamente alguns dos objectivos dos estudos epidemiológicos:
1) Estudar a distribuição e a incidência de condições e factores pre dominantes (frequência de casos, taxas, percentagem por
grupos e classes sociais, etc. );
2) Implicar a deflnição científica do problema, neste caso das DA;
3) Identiflcar e localizar populações em risco;
4) Definir a necessidade de corrigir e de prevenir problemas através de programas de intervenção;
5) Estimar o grau de sucesso dos serviços no combate ao problema; 6) Modificar atitudes através da formação e da educação do pessoal
envolvido.
Uma das grandes barreiras que se oferece à implementação urgente de estudos epidemiológicos compreende a ausência de um consenso sobre a definição
de DA.
158
ETIOLOGIA E EPIDEMIOLOGIA DAS DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM
Sem uma definição científica e comprovada do problema, os seus limites não se estabelecem, a imprecisão do diagnóstico alastra, a ausência das prescrições
multiplica-se e as incongruências prático-teóricas e terapêutico- reeducativas jamais se extinguirão.
A existência de vários modelos diferentes, por vezes até lamentavel= mente hostis e fragmentados, não facilita a aquisição de um consenso entre profissionais,
nem possibilita a aplicação de medidas socioeducacionais originando, em última análise, uma inércia institucional que se reflecte prioritariamente nas crianças com
DA, quer sejam desfavorecidas, quer não.
O modelo médico (lesão cerebral, lesão mínima do cérebro, disfunção cerebral, estrefossimbolia, hiperactividade, etc. ), o modelo piscológico ( desordem
da linguagem>>, dificuldades psicolinguísticas>>, desordens psiconeurológicas>>, problemas de processamento da informação>>, problemas de inteligência>> via
QI, problemas psicomotores>>, etc. ) o modelo educacional ( atraso escolan>, diflculdades de aprendizagem>>, dislexia>>, udificuldades na leitura>> repetências>>)
e o modelo social ( insucesso escolar e selecção social>>, uaspirações e expectativas>>, profecias, etc. ) têm de se enquadrar interdisciplinarmente nos estudos
epidemiológicos. Neste sentido, deverão ser feitos muitos esforços para se desenvolverprogramaspreventivos que levem à redução ou ao decréscimo das DA, evitando
por uma via as especùlações etiológicas, e por outra o aligeiramento da confusão taxonómica.
A abordagem epidemiológica confere ao estudo das DA um outro modelo, experimental e multifactorial, de inesgotável importância.
A rede de interacção de factores que tendem à produção das DA é tal que só na complexidade recíproca das variáveis biológicas, psicológicas e socioculturais
postas em jogo se pode compreender a sua significação etiológica: As DA representam, consequentemente, umafraca adaptação que envolve um número substancial de variáveis
em interacção evolutiva constante.
Na medida em que toda a aprendizagem depende do cérebro, pois é uele>> em última análise quem aprende, é natural que qualquer factor, etiológico, biológico
ou sociológico que o afecte (ou seja causador de disfunção psiconeurológica) assuma em termos de diagnóstico e de inter enção uma importância vital para a compreensão
e a superação dos diversos tipos de DA.
Segundo Gruenberg 1964, três tipos de disfunção cerebral devem ser discriminados:
1) Os que têm lesões efectivas;
2) Os que têm perturbações puramente funcionais;
3) Aqueles em que se suspeita de lesões neurológicas, embora não confirmadas.
Os primeiros incluem paralisias cerebrais e epilepsias; os segundos incluem, segundo ó mesmo autor, as crianças privadas culturalmente; os terceiros têm
sinais neurológicos (perceptivos, cognitivos ou psicomotores) ligeiros, normalmente associados às DA.
159
INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
Caberá à investigação epidezniológica a prática preventiva de situações (maternais, fetais, perinatais e pós-natais, etc. ) desfavorecidas, bem como ao trabalho
de equipa no jardim infantil, na pré-primária e na primária, o avanço nesta tão complexa e atraente matéria da psicopedagogia.
O crescimento das ciências biom. édicas trará novos processos preventivos de aconselhamento genético, de planeamento familiar, de patologia na embriologia,
na perinatalogia e na neonatalogia. O avanço nas ciências psicopedagógicas implicará inevitavelmente novos modelos de identificação precoce, subsequentemente interligados
a curriculos de estimulação, desenvolvimento e reabilitação ao nível dos diversos períodos de desenvolvimento, quer no seio da familia, quer nas estruturas socioeducacionais:
creches, jardins de infância, pré- primária e primária. O progresso nas ciências sociais porá em relevo o papel nas variáveis envolvimentais, culturais e económicas
da adaptação psicossocial.
Interligando todos os contributos e sugestões interdisciplinares e adoptando, sem perda de tempo, uma prática preventiva a todos os níveis, estamos certos
de que a frequência das DA se reduzirá substancialmente, impedindo a perda do potencial humano de muitos jovens, crianças e respectivas fami Zias.
Um esforço social, institucional e governamental (político) será requerido para combater a incidência das DA. Oferecer saúde, serviços sociais e de bem-estar
e, paralelamente, oportunidades educacionais desde muito cedo às crianças mais desfavorecidas será exactamente uma das grandes prioridades a considerar para reduzir
a percentagem das DA no sistema escolar.
A intervenção precoce, e não a intervenção tardia no ensino secundário, poderá favorecer o desenvolvimento motor, linguístico, emocional, perceptivo, cognitivo
e social das crianças com DA. Caso contrário, a escola limitar-se-á a conservar e a intensificar as desigualdades sociais", em vez de algo fazer para as compensar.
Temos de reconhecer que certas condições d ploráveis, quer sejam bio lógicas, piscológicas ou sociológicas, se confluem dialética e dinamicamente, porque
cada dimensão etiológica interage, constánte e sistemicamente, com as restantes, produzindo efeitos revelados essencialmente pela escola e pelos seus agentes.
Face a esta caracterização, que está longe de se aproximar da realidade é urgente reconceptualizar radicalmente as f lnalidades da escola e dos seus objectivos,
senão a reavaliação das prioridades sociais e das estruturas sociais jamais será resolvida e renovada.
Em resumo, nenhuma criança desfavorecida escapa ao impacte dos problemas que resultam nas DA. Acidentes, lesões, tentativas de aborto, etc. , têm estado
ligados a problemas de lesão mínima do cérebro, que por natureza social têm sido mais frequentes nas classes favorecidas. Lesões do feto e falta de cuidados perinatais,
por outro lado, têm estado mais ligadas às classes desfavorecidas (Hallalan e Cruickshank 1973). Daqui às disfunções neurológicas,
1b0
ETIOLOGIA E EPlDEMIOLOGIA DAS DIFfCUlDADES DE APRENDIl lGElH
passando pelos problemas de processamento da informação (percepção, memória, rechamada e formulação) e pelos problemas envolvimentais, atinge-se subsequentemente
as DA, que parecem surgir em crianças de todas as classes sociais.
Caberá à inovação do sistema socioeducativo e à investigação interdisciplinar o avanço integrado de medidas de prevenção no sector das DA. Sem se assegurar
um conjunto de aeçõcs de combate neste domínio, a sociedade actual e futura ficará irremediavelmente privada da contribuição plena e total de inúmeros seres bumanos.
Defendemos a ideia de que é possível formar meios adequados para que todas as crianças aúnjam as aquisições da linguagem que as tornarão membros adultos
acúvos e criadores; porém, a sociedade e a escola não poderão conánuar a aguardar pelo critério do insucesso escolar. A responsabilidade da escola pública é educar
todas as crianças - daí a necessidade da idenúficação prec e e da prevenção, em vez de esperar pelo falhanço. Em termos humanos e numa escola mais justa, a selecção
não se jusúficará. Eis o desafio do futuro em termos de DA.
161
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VISÃO INTEGRADA DA APRENDIZAGEM
Uma visão integrada da aprendizagem humana orientada no sentido de comparar os processos de aprendizagem entre a criança com DA e a criança portadora de
deficiência exige uma linguagem transdisciplinar, para além de uma relação integrada e sistémica de conceitos.
Para melhor analisarmos a dimensão deste problema, vamos colocar, aprioristicamente, os seguintes pontos de reflexão:
1) Aprendizagem e comportamento;
2) Teorias de aprendizagem;
3) Aprendizagem humana e aprendizagem animal;
4) Aprendizagem, estímulo, reflexo e condicionamento;
5) Aprendizagem e motivação;
6) Aprendizagem, habituação e reforço;
7) Aprendizagem e encadeamento; 8) Aprendizagem e discriminação;
9) Aprendizagem e memória;
10) Aprendizagem, noção de desenvolvimento, noção de deficiência e de dificuldade de aprendizagem;
ll) Condições da aprendizagem: neurobiológicas, socioculturais e psicoemocionais;
12) Sistemas psiconeurológicos de aprendizagem: sistemas de processamento de conteúdo; sistemas de processamento sensorial e sistemas de processamento
cognitivo.
Aprendizagem e comportamento
A aprendizagem tem sido estudada por grande número de investigadores durante os últimos 60 anos, e todos eles são unânimes em considerá-la o comportanento
mais importante dos animais superiores.
163
INSUCESSO ESCOIAR - AB, ORDAGEM PSlCOPEDAGÓGICA
Obviamente que não podemos, rigorosamente, rever ou resumir un campo tão complexo e controverso como é o da aprendizagem. Abordare ` apenas alguns conceitos
que consideramos mais significativos e adequadot:; aos fms que nos propomos atingir.
Em síntese, a aprendizagem constitui uma mudança de comportamento resultante da experiência. Trata-se de uma mudança de comportamento ou de conduta que assume
várias características. É uma resposta modificada, estável e durável, interiorizada e consolidada, no próprio cérebro do indivíduo.
A aprendizagem compreende, por eonsequência, uma relação integrada entre o indivíduo e o seu desenvolvimento da qual resulta uma plasúeidade adaptaúva de
comportamentos ou de condutas.
Tal modificação do comportamento, provocada pelas experiências passadas, é uma função do sistema nervoso central.
Os mecanismos envolvidos na aprendizagem não são ainda totalmente conhecidos. Por meio de investigações, reconhece-se já os seguintes factores: a importância
dos processos neurológicos; o papel da actividade bioeléctrica; a dependência de reacções químicas; os arranjos moleculares nas células nervosas e gliais; a eficiência
sinápúca; os aaços de memória; o metabolismo proteico, etc.
A aprendizagem é, ponanto, uma função do cérebro. Não há uma região especifica do cérebro que seja exelusivamente responsável pela aprendizagem. O cérebro
é um todo funcional e estrutural responsável pela aprendizagem. A aprendizagem resulta de complexas operações neurofisiológicas e neuropsicológicas. Tais operações
associam, combinam e organizam estimulos com respostas, assimilaç-ões com acomodações, situa ões com acFões, gnósias com práxias etc.
Teorias da aprendizagem
Várias teorias têm sido advogadas para nos esclareeer sobre a proble máúca da aprendizagem. As teorias conexionitas estimulo-resposta, em que ressaltam os
trabalhos de Thorndike e Hull, defenderam que a aprendizagem depende da relação compreendida entre o esúmulo e a resposta. O primeiro autor especificou a aprendizagem
em três leis: a do exercício, a da aptidão e a do efeito. O segundo equacionou a aprendizagem em modelos matemáúcos, entrando em linha de conta com o número de tentativas,
a quanúdade de reforço, a intensidade do estímulo, a inibição reacúva e a inibição condicionada, eomo funções predictivas do potencial de aprendizagem.
Guthrie, outro behaviortsta avançou com vários postulados: o da associação entre o estímulo e a resposta; o da adaptação positiva, isto é, a lei de frequência
de Watson; o do hábito e da ocorrêneia e, por último, o do
16
VISÃO INTEGRADA DA APREN Dl7 AGEM
condicionamento, isto é, a evocação de respostas por estímulos incondionados {pré-determinados, inatos e invariantes), substituídos posteriormente por estímulos
condicionados, que segundo Pavlov tendem a provocar reflexos psíquicos,
Tolman, a quem se deve a teoria do sinal, introduz a noção de significação entre o estímulo e a resposta correspondente, sublinhando a totalidade do comportamento,
ao contrário das anteriores teorias, que por fragmentarem o comportamento foram consideradas moleculares. As variáveis intervenientes entre a situação e a acção
são diferenciadas em: interesse, apetite, tendência, aquisições anteriores, motivação, etc.
Os gestaltistas, entre os quais teremos de reconhecer Wertheimer, Kohler, Koffka e Lewin, transformam a noção de aprendizagem em relações interiorizadas
de significação entre o estímulo e a resposta, quer no todo, quer nas suas partes, a que chamaram insight. Esta teoria foi posteriormente adoptada por Hilgard,
a quem se deve a teoria funcionalista, e foi fundamentalmente aplicada à educação por Dewey.
Outras teorias merecem referência, como as de Woodworth, Miller e Skinner. Todos estes autores combinam os conceitos anteriores, sendo de destacar, pela
sua importância, a teoria do condicionamento operante. Para Skinner, a aprendizagem reflecte-se na mudança de comportamento, porque é emitida pelo organismo e não
pelo estímulo. A resposta desejada tem probabilidade de êxito se a sequência das respostas for encadeada (shaping concept) do simples ao complexo, e com base sempre
no reforço de respostas correctas, evoluindo progressivamente por meio de aquisições bem sucedidas.
Este simples resumo sobre as teorias da aprendizagem mais significativas não pode omitir as de Hebb 1958, e de Anokhine 1975.
O primeiro, defende a aprendizagem como o resultado de interacções interneuronais (redes) e de mudanças sinápticas dependentes de sistemas internos e de
sistemas ideacionais. Tais sistemas são baseados: na atenção (controlo dos neurónios que não interessam à tarefa em causa) e na inibáção (processo de selecção e
recrutamento de neurónios para a manutenção de funções cognitivas).
O segundo, discípulo de Pavlov, encara o comportamento como uma manifestação psíquica superior que se desenrola através de sistemas funcionais complexos,
desde os reflexos adquiridos fllogeneticamente até aos automatismos mais diferenciados, adquiridos ontogeneticamente, e que constituem a experiência socáo-histórica
da Humanidade. Para o mesmo autor a aprendizagem envolve funções psíquicas superiores resultantes de sistemas que combinam funções neurofisiológicas inferiores.
Luria 1973 e Vygotsky 1962 completam esta dimensão, afirmando que o comportamento deve ser encarado como um sistema funcional complexo que organiza e autoregula
reflexos, sensações, automatismos, emoções, percepções e conceptualizações de origem sócio-histórica.
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INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
Aprendizagem bumana e aprendizagem animal
Com base nas teorias da aprendizagem, podemos inferir que a aprendi zagem humana é evidentemente diferente da aprendizagem animal. No animal, o comportamento
adquirido, arbitrária e circunstancialmente,
não reflecte qualquer planificação, previsão ou selecção. A resposta modificada é imediata e prática; não resulta, portanto, de uma escolha entre várias hipóteses.
A aprendizagem animal, quer se trate de um rato de laboratório, de um golfmho ou de um primata, é ditada por um repertório restrito de comportamentos, i. e. , pouco
plástico e pouco generalizador. Por outro lado, nenhum animal, por mais inteligente que seja, pode transmitir novos comportamentos para outros elementos da mesma
espécie ou para as suas novas gerações. As experiências dos Gardner 1985 com o chimpanzé Washoe são elucidativas a este respeito.
No ser humano, a aprendizagem é o reflexo da assimilação e da con servação do conhecimento, do controlo e da transformação do meio que foi acumulado pela
experiência da Humanidade através dos séculos.
O Homem é eminentemente o animal da aprendizagem.
Escolhe uma entre várias hipóteses possíveis. Compara várias formas para alcançar um fim ou um resultado. Elabora planos, executa-os e avalia os resultados
obtidos. Descobre a solução antes de a aplicar, utilizando para o efeito uma planificação antecipada das acções exigidas pelas tarefas.
Tudo isto possível e explicável através: primeiro, da hominização do corpo e da acção; e segundo, da hominização do espírito e do pensamento.
As acções com as mãos seguiram-se as acções com as palavras, como afirmou Leontiev 1975. De facto, a aprendizagem apoia-se na linguagem interior. É através
dela que se planifica as acções, usando o ajustamento às situações envolventes. A partir de uma linguagem não verbal e gestual, a experiência humana transformou
a informação sensorial num processo cognitivo, inventando, para esse efeito, um código que a representa.
A mente humana alcançou, assim, a maior aventura em que alguma vez esteve envolvida, encontrando de facto um processo de comunicação e exprimindo-se por
meio da linguagem articulada (tradição oral).
Foi preciso outro longo processo histórico para que a linguagem falada fosse materializada numa linguagem escrita, permitindo o acesso à leitura, como processo
receptivo, e à escrita, como processo expressivo.
A relação entre um sistema linguístico e um sistema conceptual estabeleceu-se então por meio do símbolo, produto mental pelo qual o pensamento se
exprime e se organiza.
Está deste modo encontrado o meio de transmissão de aprendizagens para as novas gerações. A linguagem, surgindo às novas gerações como exterior,
vai sendo progressivamente interiorizada e apropriada. Assimilando-a e compreendendo-a individualmente, as novas gerações foram e vão tomando contacto com sistemas
de significação que resultaram e resultam da experi
166
VISÃO INTEGRADA DA APREN Dl7. AG lIl
ência social das gerações passadas (transmissão cultural transgeracional). A metamorfose das novas gerações garante, pelo dominio da linguagem, a continuidade e
a renovação das aprendizagens das gerações passadas (Ajuriaguerra 1976).
A aprendizagem no ser humano, ao contrário do que acontece no animal, é o corolário de duas heranças dialecticamente complementares. Dum lado, a herança
sociocultural, na qual entram em linha de conta os factores antropológicos e, necessariamente, a linguagem. Do outro a herança biológica, onde entram em jogo os
comportamentos programados pelo genótipo e que decorrem do desenvolvimento ontogenético.
A partir da interacção da evolução sócio-histórica com a evolução filogenética e ontogenética, o Homem constrói o futuro a partir do passado. Reexperimentando
e generalizando novos processos de aprendizagem, a Humanidade vai edificando novos horizontos culturais, acrescentando sempre algo mais à própria natureza e à cultura.
Em resumo, a aprendizagem visa uma adaptação a situações novas, inéditas, imprevisíveis, i. e. , uma disponibilidade adaptativa a situações futuras.
Aprendizagem, estímWo, reflexo e condicionamento
A noção de aprendizagem, para além de estar ligada à noção de comportamento, como acabámos de ver, está implicitamente relacionada com outros conceitos psicológicos
importantes, nomeadamente com os seguintes: estimulo, reflexo, condicionamento, discriminação e memória (Berkson 1975).
A noção de estimulo compreende a recepção de determinados tipos de energia (luz, vibração, pressão, etc. ) que são traduzidos e diferenciados pelos órgãos
centrais, que por sua vez enviam informações integradas aos órgãos efectores para efectuarem" determinados produtos.
Arelação estímulo sensorial-resposta motora, que constitui o processo mais elementar dos seres vivos, foi designada por Ramon e Cajal 1937 por arco reflexo.
A noção de estímulo coloca, por dedução, a noção de reflexo, condição indispensável de adaptabilidade ao meio-ambiente e característica básica dos seres vivos.
Pavlov e os seus continuadores ajudaram-nos a compreender a complexidade do reflexo, centrando nele o ponto de partida da aprendizagem. Explicaram-nos também
o papel da substituição dos reflexos incondicionados em reflexos condicionados, a que se encontra associada a noção de condicionamento.
Em linhas gerais, podemos concluir que a probabilidade da resposta desejada tem muito a ver com a esu uturação, a intensidade e a relevância dos estímulos.
Daí a importância do envolvimento e das situações de aprendizagem parasitas, e de maximizar outros que possam controlar a atenção e a concentração exigidas pela
situação de aprendizagem.
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INSUCESSO ESCOIAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
Aprendizagem e motivação
A noção de motivaÇão está também intimamente ligada à noção de apren dizagem. A estimulação e a actividade em si não garantem que a aprendizaem se opere.
Para aprender é necessário estar-se motivado e interessado. Á ocorrência da aprendizagem depende não só do estímulo apropriado, mas também de alguma condição interior
própria do organismo ( sede curiosidade etc. ).
Aprendizagem, habituação e reforço
As noções de habituação e de reforço colocam a importância da frequência da experiência, isto é, o número de vezes em que ela ocorreu. As mesmas noções encontram-se
por sua vez associadas à noção de exercício e de repetição. Inúmeras investigações provaram que a repetição em si pode levar à automatização e à baixa de atenção
e vigilância, podendo, obviamente, afectar a aprendizagem. Para compensar esta tendência que pode interferir com os níveis de motivação, é necessário associar o
reforço e a compensação (reward). Sabemos por experiência que a probabilidade de ocorrência da resposta modiflcada está significativamente associada ao reforço positivo
e gratificador.
Aprendizagem e encadeamento
A noção de encadeamento demonstra que a aprendizagem se opera mais eficientemente por sucessivas aproximações à resposta desejada. A aprendizagem,
por mais simples que seja, decompõe-se nos seus elementos, organizados e combinados por complexidade crescente. Esta noção pressupõe a programação cuidadosa de todas
as fases de aprendizagem de qualquer tarefa, (task analysis), evitando, tanto quanto possível, a evocação de respostas incorrectas. Por outro lado, esta noção de
encadeamento implica a utilização de um reforço adequado à medida que o repertório de comportamentos se vai diferenciando. Trata-se de um processo lento, mas de
certa forma compensador, por permitir uma aprendizagem de sucesso em sucesso.
Aprendizagem e discrim ação
A noçâo de discriminação vem colocar-nos diante de um problema de rocessamento de informação e de descodiflcação quando estão em causa pares de estímulos
exigindo, por consequência, por si só, um princípio lógico de comparação. Quando dois estímulos são semelhantes, dá-se uma identificaÇão. Quando dois estímulos são
diferentes, dá-se uma discriminação. Em
168
VISÃO IMEGRADA DA APRENDDrlGEbl
qualquer dos casos, a resposta desejada perante os estímulos em jogo implica umas vezes a sua facilitação, outras vezes a sua inibição. Os estímulos devem agora
ser analisados no seu todo e nas suas partes. Os seus aspectos críticos deverão ser integrados, a fim de que o indivíduo possa diferenciar entre pares de estímulos
ou de objectos que se distinguem pela cor, pelo tamanho, pela forma ou por outros atributos e características relevantes.
Sem se integrar este aspecto do domínio perceptivo, que compreende a função de descodificação de pares de estímulos visuais, auditivos ou tactiloquinestésicos,
as funções cogniúvas de conservação e de combinação da informação encontram-se consequentemente alteradas.
Aprendi em e memórie
Por úlúmo, a noção de memória, de extrema complexidade, não pode dissociar-se igualmente da noção de aprendizagem, que põe em jogo um certo tipo de memória,
isto é, de conservação da experiência anterior. Em certa medida, é o meio através do qual se estabelece a noção de controlo que nasce do exame da experiência anterior,
em confronto com a experiência presente. Desta forma, o indivíduo não necessita de partir da primeira experiência para encontrar a resposta adequada; pelo contcário,
ele soluciona a situação a parúr da sua última experiência. Esta noção impede o processo arbiúário e espontâneo das tentativas e erros, que se baseia na frequência
de tentaúvas e na redução eircunstancial de respostas incorrectas até encontrar a resposta desejada.
A memória compõe-se de dois processos: um bioeléctrico (nível nervoso) e outro bioquímico (nível sináptico), que se fundem na noção de engramaunidade memorial
de conservação da informação, consolidada e integrada pela acção dos ácidos nucleicos.
O estímulo, ao ser repetido, é integrado funcionalmente, produzindo por esse efeito facilitações sinápúcas que têm por função conservar a informação. Tais
facilitações sinápticas são de dois úpos: de curto termo e de longo termo.
Segundo a teoria de oscilação de Lachman, a amplitude das oscilações das ondas bioeléctricas (ondas alfa) toma-se mais extensa durante a aprendizagem, provando,
de ceno modo, a flexibilidade das funções cognitivas. Ao estabelecerem-se as interconexões estímulo-resposta, a transmissão do impulso processa-se sem rzsistências
e sem perdas inúteis; daí a modificação da amplitude das ondas bioeléctricas, provocando entre os centros rece tores, integradores e efectores melhores vias de comunicação
neurológica.
A memória é a base do raciocínio. Ao chaman, e rechaman a informação, o cérebro está apto a combiná-la e a organizá-la. Não se combina o que não se conserva;
daí o pápel integraúvo da memória, função indispensável à análise, à selecção, à conexão, à síntese, à formulação e à regulação das informações necessárias à elaboração,
à planificação e à execução de comportamentos.
i69
INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGr7GICA
A memória armazena e preserva a informação. Só depois da consolidação (Eysenck) se dá a compreensão. Só reconhecemos estímulos depois de estes se encontrarem
retidos.
Novas a Prendizagens
EXPRESSÃO
PENSAMENTO I I RESPOSTAS
percepção organismo modificada organìsmo modificado
modificado MEMÓRIA /
ARMAZENAMENTO
REMEMORIZAÇÃO
Figura 50 - Modelo integrado da aprendizagem
Este dado é válido até mesmo para a aprendizagem da linguagem falada. A sua aquisição requer que a informação auditiva seja armazenada e conservada, depois
de ter sido compreendida (linguagem interior). Só a partir daqui a linguagem é integrada e formulada, para ser posteriormente exprimida.
A memória associa, portanto, as funções de recepção e as funções de expressão, pois estas não se dão sem as funções de armazenamento, compreensão, integração
e formulação (rememorização).
Esquecer é desaprender. Esquecer coisas é provavelmente o resultado de as não ter aprendido, ou de as não ter organizado de forma suficiente interiormente.
Está provado por investigações que a dificuldade em adquirir novas recordações, ou em se lembrar de nomes e acontecimentos, interfere significativamente
com a aprendizagem e com as suas transferências proactivas. Da mesma forma se sabe hoje que a memória envolve a função do hipocampo e do ciclo de Papez, para além
do sistema límbico. Quer dizer: a memória é um sistema funcional, e inter-hemisférico, extremamente complexo, que afecta a aprendizagem, principalmente no que respeita
à memória de curto termo. Cada vez mais a memória tem de ser dinamicamente (e não mecanicamente) colocada em situação, pois parece estar provado que a sua treinabilidade
facilita a aprendizagem.
Aprendizagem, noção de desenvolvimento, noção de deficiência e de dificuldade de aprendizagem
Certamente que há variadíssimos critérios que associam a aprendizagem aos conceitos de evolução, maturação, hierarquização, em suma, ao desen
170
VISÃO INTEGRADA DA APRENDIZAGEM
volvimento, noções estas que historicamente têm caracterizado o estudo da criança, da noção de deficiência e de dificuldade de aprendizagem.
As definições destes termos, porém, não são normalmente concordantes. No nosso caso, desejamos apenas avançar com alguns subsídios que nos ajudem a ver a
aprendizagem e as dificuldades (DA) e a noção de deficiência no contexto, não do comportamento que acabámos de abordar, mas no contexto do desenvolvimento.
O desenvolvimento, de uma forma global, compreende todas as mudanças contínuas que ocorrem desde a concepção até à morte, e nelas entram em interacção a
evolução, a maturação e a hierarquização (Quiros 1978).
A evolução refere o desenvolvimento biológico dos comportamentos inatos. Os processos como a mielinização sinastrogenese, a migração neuronal ou outras modificações
bioquímicas, como as várias mudanças metabólicas, hormonais, electrolíticas e outras modificações do organismo, estão aqui incluídas. Em resumo, compreende a evolução
filogenética.
A hierarquização refere a complexiflcação crescente da experiência que nasce com a sensação (estimulação), prolonga-se pela percep ão (sensações convertidas
e interpretadas), pela imagem (diferenciação, retenção e significação da experiência), pela simbolização (representação da experiência), e culmina na conceptualização
(classificação e categorização da experiência).
Consequentemente, a aprendizagem reflecte a aquisição de comportamentos hierarquizados que, no seu todo dialéctico, compreendem o desenvolvimento, reciprocamente
dependente das multi-influências do envolvimento.
Ao longo dos tempos, variadíssimas concepções sobre desenvolvimento têm sido estudadas e dentro delas destacamos fundamentalmente: o préformismo, o pré-determinismo,
o envolvimentalismo e o interaccionismo (Smyth e Neisworth 1975).
No préformismo, o desenvolvimento foi encarado apenas como um aumento de tamanho, como se tudo estivesse pré- formado no momento da concepção. Nesta perspectiva,
o envolvimento não tem qualquer função. A criança é vista puramente como um mini-adulto. O desenvolvimento resume-se a verificar uma escala de reacções pré-estabelecidas.
Esta concepção foi dominante até ao período da Revolução Francesa.
E interessante notar que a deficiência e a DA nesta concepção são aceites como inatas e estáticas, não se alterando sob qualquer tipo de intervenção. A deficiência
e a DA são, portanto, aceites com resignação, traduzindo muitas vezes atitudes de rejeição imediata, como se viu em Esparta, com a eliminação de crianças que apresentassem
no momento do nascimento qualquer anomalxa, ou atitudes de punição divina ou de paternalismo, como se viu no cristianismo. Noutros movimentos culturais a deficiência
e a dificuldade foram consideradas intoleráveis, subsistindo aqui abusos do poder da normalidade ideál que foram, na Idade Média, explorados ao extremo, com atitudes
de segregação associadas a manifestações demoníacas, a perseguições e encarcerações.
171
INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
No pré-determinismo, posição defendida inicialrmente por Rousseau (1712-1779) e, posteriormente, por Pestalozzi (1746-1827) e Froebel (1782-1852), posição
esta dominante até aos princípios de 1900, o desenvolvimento compreende um conjunto de mudanças qualitativas. Reconhece-se o papel do envolvimento, mas apenas numa
dimensão corruptiva. A criança é vista como um ser diferente do adulto a quem se deve dar liberdade para que as suas capacidades naturalmente se expressem. A criança
nesta posição é encarada como atravessando um conjunto de fases (estádios) até chegar à idade adulta. O desenvolvimento é encarado exclusivamente como uma maturação
biológica e como uma auto-regulação espontânea endógena, centrada na criança. Cabem também aqui as concepções do inatismo e do naturalismo onde se destacam Lombroso
com o seu conceito de personalidade criminal Esquirol e outros, e de certa forma, as de Gesell 1948, e Piaget 1960, nos seus primeiros escxitos. Em estudos mais
recentes de base genética, esta concepção eugénica volta a ser defendida numa espécie de darwinismo social", como vemos em Jensen e Eysenck, podendo ser levada
ao extremo das uselectividades genéticas perigosas e abusivas.
A deficiência e a DA, nesta posição, dependem de um potencial genético desfavorecido, respeitando igualmente a intrusão inapropriada (ou infeliz") dos factores
pré e perinatais. O envolvimento pode fazer pouco para compensar a constituição endogéna pré-deternúnada e inevitável. Parece aqui ressaltar uma concepção despótica
da hereditariedade. A deficiência e a DA são observadas como incuráveis e irreversíveis. Tratava- se, segundo os seus defensores, de uma aberração do padrão natural"
de desenvolvimento, que é guiado e dominado por variáveis biogenéticas. O envolvimento, em suma, não é a causa do desenvolvimento, é apenas o lugar onde ele decorre.
Como o desenvolvimento é biologicamente determinado, a intervenção é quase exclusivamente de natureza médica (cirurgia, medicamentos, hormonoterapia, etc. ).
A deficiência e a DA, aqui, estão associadas a crenças sobrenaturais e a atitudes de compaixão e caridade. À medida que a medicina se foi aprofundando, os
estigmas proliferaram, valorizando atitudes de marginalização e de exclusão. Os deficientes e as crianças com DA foram vistos como indesejáveis, porque perturbavam
e ameaçavam a ordem social e escolar. É a época dos internamentos e da institucionalização da deficiência.
É claro que esta perspectiva extremista não pode explicar porque é que muitas crianças diagnosticadas como deficientes mentais, e com DA não apresentam
qualquer defeito orgânico e não têm, na sua história clínica, qualquer deficiência hereditária (Reese e Lepsitt 1970 e Tredgold e Soddy 1956). Tal perspectiva redncionista
defende que a deficiência ou a DA é pré-deternúnada basicamente por factores poligenéticos e biológicos, limitando a prevenção e a intervenção apenas ao foro biomédico.
O KenvolvimentalismoN responde a um extremismo com outro. Os factores biológicos passam a ser minimizados em relação aos factores do meio.
Esta perspectiva, que tem em Locke (1632-1704) o seu primeiro defensor, advoga a filosofia da tábua rasa, ressaltando a convicção de que o
172
VISÃO IMEGRADA DA APRF XDl IAGD!
eérebro está em branco no momento do nascimento e negando por essa via o papel dos factores pré-estruturados, como as modificações bioquímicas, metabólicas, neuroéndócrinas,
neurológicas, etc.
De uma perspectiva pré-deternúnista, cujo enfoque se dá nos factores biw lógieos, passa-se a uma perspectiva uenvolvimentista cujo enfoque se dá nos factores
não biológicos. Estamos no abehaviorismoN, que tem em Watson, 1925 o seu grande impWsionador, emergindo em termos de rcacção à psicanálise, corrente intcospectiva
esta que defendeu a aprendizagem como uma função exclusivamente dependente de factores emocionais e inconscientes.
O desenvolvimento é então encarado como dependendo unicamente do meio. Os factores exógenos são agora sublinhados como determinantes quanto à natureza, à
direeção e ao ritmo do desenvolvimento.
Itard 1832, Seguin 1866 e Montessori I 912 e muitos outros estão nesta linha, recaindo exageradamente na tese da educação sensorialH como condição indispensável
ao desenvolvimento. Esta perspectiva influenciou não só a psicologia através do behaviorismo mas também a educação pelo humanismo, e até mesmo a sociologia e a
antropologia por meio do determinismo cultural. As variáveis que se reforça e se considera são as situacionais e as exógenas, não se dimensionando qualquer relação
com as variáveis biológicas endógenas. A criança é, portanto, nesta concepção, um produto exclusivo das condições do envolvimento.
De acordo com esta perspectiva, a deficiência e as DA são concebidas sem quaisquer bases psicofisiológicas. A deficiência aqui é vista como gerada pelo envolvimento
ou pela sociedade. Negam-se as síndromas genéúcas autossónicas (Edwards, Patau e Down) e genossómicas (Turner, Klinefelter e outros), bem como os exemplos das crianças
fenilcetonúricas, em que um erro metabólico, se não for identificado precocemente e corrigido por dieta adequada, pode vir a provocar, inevitavelmente, a mulúdeficiência.
O extremismo destas versões, umas vezes eimpGstas, outras vezes eneantatórias e enganadoras, continua, como força ideológica caraeterísúca, a dificultar
a compreensão da dialécúca da ontogénese e da disontogénese.
No interaccionismo, o biológico não se reduz ao social. Um é condição vital do outro. Leontiev 1975, Vygotsky 1962, Ausubel e Sullivan 1970 e especialmente
Wallon 1968, Feuerstein 198 I e os seus continuadores são os protagonistas mais significativos desta concepção.
O desenvolvimento é concebido como o resultado de complexas interacções entre a hereditariedade e o meio. A hereditariedade não se opõe ao meio. E em função
da sua hereditariedadè que o ser humano cria o seu meio, mas é o meio que dá à hereditariedade as suas expressão, orientação e forma (7 "o I968). A hereditariedade
e o meio, quer seja intra, quer extrauterino, não são separados. Em si, constituem uma unidade dialéctica e evolutiva. O desenvolvimento é, portanto; o produto acumulado
de relações recíprocas entre a hereditariedade e o meio, que de novo actuam com o envolvimento, como demonstraram vários estudos epidemioIógicos.
173
INSUCESSO ESCOIAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
A deficiência e as DA, nesta perspectiva, são equacionadas como um pro blema de natureza evolutiva cuja causa hereditária é poligenética. Nesta concepção,
a hereditariedade só actua sozinha no momento da formação do zigoto. Em todos os outros processos embriológicos e fetais, ou neo e pós-natais, o potencial hereditário
é modificado e activado pelas influências do meio.
Desta forma, a hereditariedade desviante pode ser significativamente corrigida através da prevenção ou da intervenção adequada do envolvimento. A investigação
médica e genética para lá caminha. O exemplo da amniocentese é disso uma prova concludente.
Com algumas excepções, e neste caso referimos as de ordem genética, os problemas da deficiência e da DA são evolutivos por natureza, poligenéticos na sua
etiologia e significativamente modificáveis por meio de intervenções adequadas do meio, como assegurou Feuerstein 1985 com o seu modelo de modiflcabilidade cognitiva,
diferenciando factores distais e proximais, conforme o modelo seguinte.
174
Figura 51- Modelo de modificabilidade cogniúva, de Feuerstein
VISÃO INTEGRADA DA APRENDI?AGEM
A prevenção, o aconselhamento genético e o planeamento familiar, para além de condições de vida minimamente favoráveis e do desenvolvimento cienúfico de
programas e de sistemas de ensino e de reabilitação, podem jogar, no futuro, um papel deternúnante na redução da sua incidência.
Condições de aprendizagem: neurobioló cas, socioculturais e psicoemocionais
Como acabámos de ver, a aprendizagem é, para a criança portadora de deficiência ou não, a tarefa central do seu desenvolvimento. A aprendizagem visa a utilização
de todos os recursos da criança, quer sejam endógenos (hereditariedade), quer exógenos (meio), no sentido de uma optimização funcional de modo a garantir uma adaptaçâo
psicossocial no maior número de circunstâncias possíveis, onde entra em linha de conta uma multiplicidade de factores: neurobiológicos, socioculturais e psicoemocionais,
íntima e dialecticamente inter-relacionados.
A adaptação favorável só é possível quando existe um equilibrio dinâmico mínimo entre todas as variáveis consideradas. Por aqui, apercebemo-nos de que a
aprendizagem é um fenómeno adaptativo complexo, influenciado e influenciável pela interacção dos múltiplos factores apontados. Convém focar que este aspecto é válido
quer para a criança não deficiente, quer para a criança portadora de deflciência, visto estar em causa um problema de maximização e optimização do potencial humano
inerente a cada um dos casos.
Vejamos agora rapidamente as condições que afectam a aprendizagem. Numa breve análise, para além dos factores neurobiológicos referidos na Figura 45, há
que entrar em linha de conta com vários sinais de risco naturalmente associados, segundo investigações, a problemas de aprendizagem. De acordo com estudos epidemiológicos,
várias condições têm sido apontadas como interferindo negativamente com o potencial de aprendizagem. Dentro dos factores mais significativos indicam-se os seguintes:
factores de risco pré, e peri-natais; prematuridade; hipoxia; asfixia neona tal; taxa de hemoglobina baixa; problemas infecciosos; baixo peso ao nascer; viroses;
insuficiência placentária; anemia; nível energético baixo; etc. Muitos destes factores encontram-se frequentemente associados a lesões minimas do cérebro, caracterizados
por pequenos e equívocos (soft) sinais neurológicos que implicam com o mvel de aprendizagem, como sejam: níveis baixos de atenção selectiva; dispraxia; problemas
de controlo; dificuldades visuoconstrutivas; défices auditivos e visuais; disfunções cognitivas; problemas de comportamento; alterações neuropsicológicas ligeiras
no EEG (actividade lenta excessiva); etc.
As condições de aprendizagem satisfatória devem obviamente evitar ou eliminar todos estes sinais neurobiológicos que apontámos (Fonseca 1979).
175
INSUCESSO ESCOIAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
Os factores socioculturais mais focados nas estudos longitudinais e que estão significativamente associados à redução do potencial de aprendizagem são os
seguintes: envolvimento desfavorável; zonas pobres quer urbanas, quer rurais; malnutrição; familias pobres desorganizadas e superlotadas; grandes fratrias; fracos
salários; poucos objectos à disposição; fraca interacção e mediatização entre os adultos e as crianças, quer no plano lúdico, quer no plano linguístico, podendo
originar códigos restritos e pouco elaborados; etc. Todas estas condições socioculturais, como é óbvio, tendem a agravar a vulnerabilidade biológica das crianças
mais desfavorecidas.
NEUROBIOLÓGICOS SOl'IOf'ULTURAIS
. Org. neurológica intrínseca Envolvimento afecúvo
--l
Atenção-percepção-conceptua- . Nível socioeconómico
lização
Factores aferentes e eferentes Nutrição
(input-output)
Meio urbano-rural
Processo de informação Subcultura
(V-A-TQ) Facilidades de
I7isfunções da linguagem desenvolvimeto
Estimulação precoce
Deficiências somáúcas Serviços médico-sociais
Estatuto dos pais
Expectativas
Privação sensorial
% Interacção mãe-filho
(insuficiência, distorção
e discontinuidade)
Desenvolvimento perceptivo
Padrões de adaptação
Funções cognitivas
Ansiedade - self eoncept
Desenvolvimento
da personalidade
Figura 52 - Factores da aprendizagem
176
VISÃO IMEGRADA DA APRENDIltlGFrb
Dentro desta área, devemos igualmente assinalar os sinais de risco inerentes às instituições educacionais. Aqui, vários factores têm sido apontados, como
sejam: a inexistência de uma educação pré-primária compensatória; sistema educacional rígido; expectativas negaúvas e atitudes pessimistas dos professores; escolas
superlotadas e mal equipadas; professores mal qualificados e inexperientes, que perdem tempo com problemas de diseiplina; cumculo pouco adequado às necessidades
especiais das erianças; estimulação excessiva ou inadequada por exigências de avaGação; etc. Tais situações colocam objectivamente a necessidade de modificar a escola
e os seus agentes, pois parece cada vez mais evidente que ela não se encontra apta para as crianças. São necessários: centros de recursos; novos processos; programas
individualizados; formas de observação e avaliação; planos de intervenção e de identificação precoces; etc.
Por último, os factores psicoemocionais mais relacionados com o haco potencial de aprendizagem têm resultado do produto dos factores neucobiol gicos e socioculturais
apontados. Os psicoanalistas, os psiquiatras e os psicólogos clínicos têm focado a importância da noção integraúva da personalidade (ego). A ansiedade, a fantasia,
a confusão, o medo, o desinteresse complicam o quadro. O papel da mãe é crucial, como sabemos, para o desenvolvimento da personalidade da criança. Mães deprimidas,
isoladas, frustradas e ansiosas ou que abandonem as crianças a si próprias, muitas vezes por razões sociais e de emprego, podem afectar a fonnação do ego. A relação
causa-efeito dos problemas escolares com os problemas emocionais merece ser aprofundada, através de mais estudos dinâmicos, de forma a controlar os factores psi
coemocionais que possam prejudiear a realização plena do potencial de aprendizagem, pois só com tais estudos se poderá diminuir a incidência das dificuldades de
aprendizagem nas populações em risco.
As crianças desfavorecidas, deficientes ou não, devem ter as mesmas oportunidades para realizarem o seu potencial biopsicossocial. Só controlando os factores
etiológicos, neurobiológicos, socioculturais e psicoemocionais se pode combater a pobreza e os seus efeitos, promovendo no plano concreto a iguaGzação de oportunidades
educacionais e sociais.
Sistemas psiconeuroló cos de aprendizagem
Para aumentannos a eficiência dos processos, precoces ou não, de identifcação, diagnóstico e intervenção (pedàgógica) é necessário estudar as condições de
aprendizagem dentro de conceitos mais aprofundados, nomeadamente atcavés de modelos de informação, podendo assim maximizar o potencial de aprendizagem da criança
ponadora de deficiência e da criança não deficiente.
Já atrás apontámos que a aprendizagem é uma função do cérebro. É efecúvamente o cérebro que aprende, mas só quando as condições de risco, que apontámos atrás,
se encontram reduzidas ao mínimo.
177
INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
A aprendizagem satisfatória dá-se quando deternúnadas condições de integridade estão presentes. As condições de integridade mais preponderantes, sem incluir
os factores anteriormente assinalados, são as funções do sistema nervoso periférico (receptores à distância, chamados <<telerreceptores, e receptores proximais,
chamados <<proprioceptores, ) e asfunções do sistema nervoso central (armazenamento, integração, formulação e regulação).
A aprendizagem envolve, efectivamente, um processamento de informação, jogando com processos sensoriais (recepção), neurológicos (descodificação, transdução,
retenção e codificação) e psicológicos (percepção, imagem, simbolização e conceptualização). Em suma, a aprendizagem coloca simultaneamente dois problemas: um neurológico
e outro de comportamento; daí que uma dificuldade de aprendizagem seja entendida, por um lado, como uma disfunção cerebral e, por outro, como um problema de comportamento.
A aprendizagem envolve um conjunto de sistemas, denominados por Mykblebust 1978 sistemas psiconeurológicos de aprendizagem. Estes sistemas referem um processo
conjunto baseado em operações neurológicas e manifestado em concomitantes psicológicas (Johnson e Myklebust 1967).
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PROCESSAMENTO
SENSORIAL
Legenda: HD- Hemisfóro dimito TQ- Sistema tacÚloquinestésico I -IE - Hemisfbrio esquerdo V - Sistema visual
A - Sistema auditivo
Figura 53 - Sistemas psiconeurológicos de aprendizagem
178
VISÃO IMEGRADA DA APRENDTl AGEM
Tais sistemas de processamento da informação constituem a função do sistema nervoso central (SNC) e constam fundamentalmente de três componentes:
1) Sistemas de processamento de conteúdo; 2) Sistemas de processamento sensorial; 3) Sistemas de processamento cogniúvo.
Sistemas de processamento de conteúdo
Vários estudos (Hécaen e Ajuriaguerra 1964, Dimond 1973, Penfield e Roberts 1959) têm assegurado que os dois hemisférios acusam cada um uma especialização.
O hemisfério direito tem sido considerado o hemisfério responsável pelos conteúdos não verbais, ao contrário do hemisfério esquerdo, que tem sido considerado o responsável
pelos conteúdos verbais.
Mais: as investigações de Elliot e colaboradores 1978 confirmam que o hemisfério direito tem uma maturação mais precoce do que o esquerdo e que essa maturação
decorre preferencialmente no periodo sensoriomotor (zero-dois anos) de Piaget.
No periodo pré-operatório (dois aos sete anos), a dominância depende da mielinização das vias de conexão do corpo caloso, jusúficando a bilateralidade característica
da criança na fase da apropriação do símbolo. No periodo operacional (sete-11 anos) inicia-se a dominância da maturação do hemisfério esquerdo, período em que a
dominância manual se estabelece e que compreende a aprendizagem da linguagem escrita. No periodo formal, e ainda segundo a mesma fonte, a dominância do hemisfério
esquerdo está quase concluída.
Em termos globais, o hemisfério direito é responsável pelas seguintes funções: síntese, organização gestalústa, funções difusas, processo emocional, atenção
visual, organização involuntária, memória auditiva não verbal, memória de hases, percepção do espaço, praxia const vúvo-espacial, reconhecimento visual de objectos
e figuras, etc. (Zangwill 1968).
Em resumo: o hemisfério esquerdo é o hemisfério dominante da linguagem e das funções psicolinguísúcas, enquanto que o direito é o hemisfério dominante da
percepção espacial e das funções psicomotoras. A neuropatologia ajuda-nos a perceber ainda mais a especialização hemisférica, quando as lesões no hemisfério esquerdo
sùrgem localizadas e as do direito surgem difusas (Luria 1965, Masland 1967).
O hemisfério direito processa os conteúdos não verbais, como as experiências, as actividades da vida diária, a imagem, as orientações espáciotemporais e
as actividades interpessoais. Estas experiênc tr podem ser representadas por figuras, sons, gestos ou números que, quanútativamente, descrevem acontecimentos (Killen
1978).
179
INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
NÃO VE NÃO
RgqL, VERBAL l> Sistema Sistema
i ntra-Memisférico inter-hemisférico Sistema
hemisfEric o i ntegrativo
Figura 54 - Sistemas de processamento de conteúdo
O hemisfério esquerdo, ao contrário, processa os conteúdos verbais, através dos quais a comunicação se realiza, o pensamento se expressa, a representação
interiorizada da experiência se opera e a conceptualização das mesmas se verifica.
Mas atenção: os dois hemisférios trabalham em conjunto numa perfeita divisão de tarefas. O que acabáznos de focar compreende as funções intra-hemisféricas
(isto é, dentro de cada hemisfério), pois há a diferenciar as funções inter-hemisféricas e as integrativas.
As funções inter-hemisféricas concretizam o diálogo e a cofunção de ambos os hemisférios, quando estão em jogo funções de transdução e conversão. Quando
se pede a uma criança para descrever um acontecimento, ela está a traduzir a experiência não verbal que teve em conteúdos verbais. Ao contrário, quando a criança
lê, ela pode associar os conteúdos verbais a desenhos, figuras ou expressões mímicogestuais de conteúdo não verbal. O mesmo acontece quando lhe pedimos para ilustrar
uma história que acabou de ler.
As funções integrativas hemisféricas envolvem significações equivalentes entre os conteúdos verbais e os não verbais, que, por exemplo, estão envolvidos
na realização de praxias construtivas em que o substracto verbal da linguagem interior planifica, controla e executa o substracto não verbal dos gestos, que sequencialmente
vão materializando a ideia em acção.
Sistemas de processamento sensorial
Estes sistemas sensoriais processam ambos os conteúdos verbais e não verbais e encontram-se distribuídos pelos sentidos do tacto (que inclui também
o quinestésico), da audição e da visão. Umas vezes, funcionam independentemente (intraneurossensoriais) outras vezes interdependentemente e outras vezes, ainda,
englobam as três modalidades (integrativos).
Como é sabido, o cérebro dispõe de áreas de processamento especializado para cada modalidade sensorial, conforme podemos ver pela Figura 55.
A informação auditiva é processada principalmente nos lóbulos temporais. A informação visual nos lóbulos occipitais e a tactiloquinestésica nos lóbulos
parietais.
180
VISÃO IMEGRADA flA APRQVflD lGF J!
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Figura 55 - Áreas de proeessamento especializado do cérebro
É importante notar que cada modalidade neurossensorial, nas suas funções de recepção e de expressão, possui as seguintes funções de processamentn da informação:
discriminação, idenúficação, análise, síntese, retenção, compreensão, integração, conceptualização, rememorização, organização, planificação e decisão.
Siamme euiossensoriel Sisteme intemeumssensorel Sistema integrativo neurossCnsoriel AuOitivo Auaitivo AuNtivo
i rs Tactilo Visuel TsWo9 nestfsico Visual T
, quinestbsico q, s;
Figura 56 - Sistemas de processamento sensorial
Os modelos de Wepman 1960 e de Kirk 1972 a seguir apresentados esclare em-nos acerca das diferentes dimensões do processamento de info que natlu te se encontram
em situação na aprendizagem (Figura 7).
181
INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
Sistema nervoso central
(SNC)
Figura 57 - Modelo de Wepman
Em resumo, o modelo de processamento de informação humana inclui: processos receptivos de descodificação (auditiva, visual, e tactiloquines
Processos
Processos expressivos
receptivos
SNC
TQ
. Auditivo (A) Verbal
. Visual (V) P )-Motor
. Tactilo- lNPIlT
quinestésico (TQ)
A V
Codificação
Descodificação
Figura 58 - Modelo de processamento de informação
182
i i i TACTl1. 0- Feed-back MOTOR QUINFS'f SICO
VISÃO INTEGRADA DA APRENDl7 AGEM
tésico), processos integrativos (atenção, discriminação, identificação, análise, síntese, armazenamento, integração, conceptualização, rememorização, organização,
planificação e decisão) e processos expressivos de codificação (verbal e motor), para além de complicados processos de feed-back e <<contrafeed-back (Fonseca 1978).
A aprendizagem humana requer que uma modalidade se converta noutra; daí a importância antropológica das áreas associativas (Fonseca 1979). Igualmente, nas
aprendizagens simbólicas e significativas de nível cognitivo superior, todas as modalidades - auditiva, visual e tactiloquinestésica - se encontram integradas, como
podemos ver através dos exemplos que Killen, 1975 apresenta e que têm grande interesse psicológico:
Sistemas de processamento cognitivo
Os sistemas de processamento cognitivo reflectem a hierarquia da experiência (Myklebust 1978), e fundamentalmente, os diferentes níveis de aprendizagem.
SISTEMA ACTIVIDADE
Intraneurossensorial
Auditivo Repetir palavras
Visual Copiar uma figura
Tactiloquinestésico Comparar texturas
Intemeurossensorial
Auditivo para visual Ditado
Auditivo para tácúl Seleccionar texturas a partir de instruções orais
Visual para auditivo I. eitura oral
Visual para tácúl Seleccionar texturas a partir de direcções visuais
Táctil para auditivo Descrever oralmente objectos (gnosia táctil)
Táctil para visual Desenhar um objecto depois de ter sido explorado
tactilmente
Integrativo
Visual para auditivo e para Experiência total, envolvendo audição, visão e sentido
tacúloquinestésico tactiloquinestésico para adquirir significação
Figura 59 - Sistemas de processamento e actividades psicopedagógicas,
segundo Killen
A percepção é o processo mediante o qual o SNC inicia o tratamento cognitivo, envolvendo funções de pré-conhecimento, como a discrimina ão e a identifica
ão, e de reconhecimento, como a análise e a síntese. As sen
183
INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
sações passam a ser convertidas, seleccionadas e interpretadas, o que exige uma vigilância selectiva adequada para, em termos de figura e fundo, captar as sensações
relevantés para a detecção diferenciada se iniciar. O nosso ouvido deve ser capaz de captar a voz de um emissor no meio de uma multidão de sons, ou identificar,
numa orquestra, as notas produzidas por um instrumento musical. Do mesmo modo, a nossa visão deve ser capaz de focar a atenção para a face de uma pessoa conhecida
numa fotografia de um grande grupo.
Em termos de discriminação auditiva, a criança deve ser capaz de dife renciar pares de palavras com subtis diferenças fonéticas, como: mala-lata"; pata-gata,
nua-sua, lua-tua, etc. Igulamente no plano da discriminação visual, a criança deve ser capaz de discriminar o b" do d, o q do p o u do n", o 6" do 9, etc.
I M
Conceptualização
Simbolização afasias ~ I
-- C ~ I O Imagem agnósias D INPUT
- --A
Sensação Percepção D
- -
Figura 60 - Hierarquia da experiência
Num âmbito mais disfuncional, podem dar-se as agnosias, pois trata-se de perturbações no reconhecimento dos objectos sem envolver perturbações sensitivas
ou sensoriais.
A imagem é o processo que diferencia a percepção da memória (Myklebust 1971). É um processo que permite lidar com a informação sensorial, depois de esta
ter sido interrompida. Permite reconstruir, relembrar e rechamar a informação sensorial anterior. Compreende as funções de completamento (closure), também chamadas
de revisualização (completar um desenho em que se subtrai vários pormenores) ou reauditorização (completar polissilabas depois de se evocar a primeira ou a segunda
slabas).
184
VISÃO IMEGRADA DA APREH DI LlGF X
Por outras palavras, a imagem compreende a memória de curto termo, de grande importância para a aprendizagem, como já vimos quando tratámos das noções de
memória. Repetir um número de telefone, completar um desenho de memória, e repetir exterognosias são outros exemplos práúcos. A imagem envolve igualmente processos
de reactivação e de repercepção.
Passemos agora à simbolização, processo humano por excelência, visto ser o símbolo o verdadeiro produto mental que permite simplificar, reexperimentar e
representar mentalmente a experiência. O símbolo representa a experiência, ele está patente na arte, na música, na dança, na religião, nas manifestações colectivas,
etc. A bandeira de um país e o seu hino são exemplos visuais e auditivos de símbolos que retêm a história de um povo. Na bandeira portuguesa, as cores e o escudo
representam aspectos da história do povo português. O símbolo, verdadeira criação humana, dá atributos de qualidade e de significação à experiência.
Em termos de desenvolvimento, surgem primeiro os simbolos interiores de contexto não verbal, como as figuras, os sons e as imitações. O símbolo constitui
um processo concreto para expressar o pensamento; por isso, a criança começa por usar os objectos de uma forma inteligível e não verbal e só mais tarde interioriza
a palavra (linguagem interior) depois de a ter compreendido, para fmaimente não só manipular os objectos, mas também os nomear e idenúficar.
A expressão verbal copo" associa-se primeiro a várias experiências cuja representação é não verbal. Mais tarde, a palavra é interiorizada significaùvamente
e reproduzida pela fala, desenvolvendo-se assim o processo da linguagem falada, primeiro sistema simbólico. A passagem à linguagem escrita não é mais do que um segundo
sistema simbólico, ou seja, um processo de descodificação visual de símbolos gráficos ou optemas que interiormente se convertem em pensamento verbal por equivalência
auditiva com os fonemas que consútuem o primeiro sistema simbólico anteriormente aprendido. A maioria das tarefas escolares inclui, por consequência, os processos
de simbolismo verbal.
Por último, temos a conceptualização. Trata-se do nível mais elevado do processo cogniúvo, incluindo todos os processos de classificação e categorização
da informação. Através deste sistema, atinge-se a generalização por processos de agrupamento de características e de atcibutos com a qual se alcança a abstracção
e o pensamento formal.
Este nível de processamento ènvolve operações, produtos, conteúdos (Guilford 1%7) e multivariados esquemas conceptuais que reorganizam os níveis interiores,
à base de constantes reajustatnentos centrípetos e centrífugos que caracterizam o processo cogniúvo.
Também Gagné 1_ 977, em termos de síntese, propõe o seguinte modelo de processamento da informação, que segundo ele, consubstancia em termos cognitivos,
a aprendizagem humana.
185
INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
Sequência. Plano. Regulação
CRIAÇÃO DA RESPOSTA
Criação de novas entidades.
Segmentos. Acessibilidade.
O' Ligar e reconhecer pormenores
' RECfiAMADA (recall)
O
á Procura e localização.
SNC q. F 5 Conceitos de hierarquização
Q" D o ARMAZENAMENTO I
O ( ___
50 c
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MEMÓRIA DE LONGO TERMO
CODIFfCAÇÃO
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Signifcação O'
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MEMÓRIA DE CURTO TERMO (20seg) i c5 5
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Figura 61- Modelo de aprendizagem, de Gagné
Concluindo, é perante este tipo de modelos que julgamos, no futuro, ser possível educar todas as crianças independentemente das suas condições adaptativas
e psicossociais, pois acreditamos que nenhuma crian a é ineducável.
Por meio deste modelo podemos rever os processos de diagnóstico mais utilizados, permitindo observar as crianças no seu todo e enquadrá-las dentro de um
perfl intraindividual dinâmico de aptidões (áreas fortes) e de difi
186
VISÃO INTEGRADA DA APRENDIZAGEM
culdades (áreas fracas), de forma a modificar as práticas educacionais, satisfazendo as suas necessidades e desenvolvendo ao máximo as suas capacidades (Kirk 1972).
A maximização do potencial humano inerente à criança portadora de deficiência e com necessidades especiais e à criança não deficiente (criança com DA) requer
uma visão integrada da aprendizagem, a fim de desenvolver novos processos de diagnóstico diferencial e novos modelos de intervenção pedagógica individualizada, como
meios indispensáveis para promover a modificabilidade cognitiva e a igualdade de oportunidades educacionais, visando a satisfação das necessidades de adaptação e
realização social de todas as crianças sem excepção.
187
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CAPÍTULO 5
CONTRIBUIÇÕES DA PSICONEUROLOGIA
PARA AS DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM
Relações entre o cérebro e o comportamento e entre o cérebro e a aprendizagem
É hoje incontestável a afirmação de que o órgão privilegiado da aprendizagem é o cérebro. Dadas as relações inevitáveis entre o cérebro e o comportamento
e entre o cérebro e a aprendizagem, da mesma forma essa relação se verifica quando se aborda as DA.
É óbvio que é necessário conhecer a estrutura e o funcionamento do cérebro para melhor compreendermos as suas relações dinâznicas e complexas com a aprendizagem.
Na tentativa de expor apenas alguns dados sobre as relações entre o cérebro e as dificuldades da aprendizagem (DA) - não evidentemente de uma forma detalhada
e aprofundada, que cabe aos neurologistas, mas de um modo didáctico e psicopedagógico, o que pensamos imprescindível para a formação e a acção do educador -, vamos
agora abordar alguns aspectos da psiconeurologia, no sentido de tentar compreender o que se passa nos diferentes graus e tipos de DA.
Sendo já do nosso conhecimento que a aprendizagem é um produto da experiência que se concretiza numa mudança adquirida de comportamentos em que estão em
jogo condições internas e condições externas, inerentes ao indivíduo e ao seu envolvimento, não podemos esquecer que o comportamento é movido por interacções entre
dois determinantés fundamentais: o psicossociológico e o neurobiológieo.
Uma concepção sobre as DA não pode separar, por mais difícil que seja admiti-lo, os aspectos piscossociológicos ou psicoculturais dos aspectos neuropsicológicos
e neurobiológicos. A abordagem, desde que assuma uma preocupação dinâmica e dialéctica, ou pelo menos uma busca antissimplista, não pode evitar aspectos ou factores
da aprendizagem que possam interferir com o eomportamento e com o cérebro do educando.
189
INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
A compreensão do comportamento, bem como a sua modificação, ou
modiflcabilidade, pedem o conhecimento das estruturas e das funções do órgão que o coordena e o organiza, isto é, o cérebro, verdadeiro produto da evolução biossocial
da nossa espécie, o órgão mais organizado do nosso organismo.
A compreensão, a predicção e o controlo do comportamento e da apren dizagem humanos têm exigido e vão exigir muitos anos de trabalho e de reflexão; só que
tais esforços, no futuro, devem ser aplicados concretamente no envolvimento educacional, para que todos tenham, objectivamente, direito às mesmas oportunidades de
aprendizagem.
O psicólogo escolar não poderá ignorar o papel dos factores etiológicos das DA, reforçando a exclusividade dos aspectos psicossociais ou subestimando os
aspectos psicobiológicos, ou vice-versa. Por outro lado, os educadores e os professores não podem continuar a evitar aspectos neurobiopsicológicos e flcar apenas,
na sua formação, por uma psicologia-do-ego que tende a esgotar, abusivamente, as concepções sobre as DA.
Os aspectos neurológicos da aprendizagem têm sido exageradamente ignorados pelos fasedores, e planiflcadores de cursos de formação de professores, pois
muitas vezes concebem em termos reducionistas a problemática da aprendizagem, explicando-a apenas em variáveis pedagógicas exteriores à criança e ao educando. Por
outro lado, é urgente tam m que se combata uma perspectiva psiquiatrizante ou neurologizante da aprendizagem, porque é sofisticada e limitativa.
Nos últimos anos, a significativa produção de trabalhos de investigação no domínio das DA justiflca, inequivocamente, a mudança de concepções hiperpedagogizantes
para concepções dialécticas, onde estão em interacção recíproca variáveis psicológicas do educando (atenção, discriminação perceptiva, processamento da informação,
sequencialização, memória, formulação ideacional, rechamada e organização de tarefas, etc. ) e variáveis pedagógicas do professor e dos seus múltiplos e KcriativosH
recursos (planificação de tarefas, métodos de individualização, sistema de reforços, desenho cumcular, etc. ).
Muitos professores alimentam o desinteresse pelas teorias neuropsicológicas e elos resultados experimentais no domínio das ciências humanas, porque
não vêem objectivamente a importância de tais implicações na sala de aula ou na situação terapêutico- reeducativa,
Nâo se pode progredú em DA sem ter conhecimento causal e científico dos problemas. A permanência das famigeradas intuições empíricas e das aplicações
acríticas de processos de tentativas-e-erros ou de métodos insubstanciados não será certamente válida, nem no ponto de vista do conhecimento, nem no ponto de vista
prático-pedagógico.
Para lidar com problemas de DA, é inevitável a procura de um conhe cimento psiconeurológico, dado que estão em situaçâo sintomas que sâo, possivelmente,
o reflexo de uma disfunção cerebral e de uma disfunção envolvimental, por menos evidente que seja ou que nos pareça.
190
CONTRIBUI ÕES DA PSICONEUROLOGIA PARA AS DIFICULDADES DE APRENDI7AGEM
Para compreender os problemas perceptivos (receptivos-input), cognitivos (integrativos) e motores (expressivos- output) da criança com DA, é essencial que
se saiba não só determinar se tais problemas são devidos a disfunções difusas ou localizadas, mas também equacionar apropriadamente a natureza dos seus efeitos em
termos de aprendizagem não simbólica ou simbólica.
Embora não seja académico equacionar, num trabalho desta natureza, as relações entre o corpo e o espirito (body and mind), não há dúvidas de que esta questão
se mantém em aberto. Se a criança com DA tem problemas na aprendizagem, será porque se detectou um problema no comportamento ou será porque se detectou um problema
de disfunção cerebral? Como será, então?
Minimizar o cérebro em termos platónicos será tão negativo como reduzir ou negar o comportamento em termos behavioristas (Watson 1925), como afirma Adler
1952: Nenhum dos grandes pensadores negou o pensamento; porém, vários são os modelos para o descrever. Uns negam o corpo, outros supervalorizam-no, De qualquer
forma, o problema subsiste quando se encara as relações entre o cérebro e o comportamento, ou entre o cérebro e a aprendizagem.
O que se sabe hoje é que o cérebro estabelece mediações inteligíveis entre o indivíduo e o meio. O psiquismo emerge da teoria da evolução e, por consequência,
da filogénese (Fonseca 1981).
Desde que se tome em consideração organismos diferenciados, o papel do cérebro assume cada vez maior importância. Do anfioxo ao Homem, o cérebro aparece
como o sistema integrador, coordenador e regulador enve o meio e o organismo. De entre todos os animais, é no Homem, segundo Shemngton 1906, que se sabe existir
uma correlação mais significativa entre o espírito e o cérebro e, consequentemente, entre o comportamento e o cérebro, e entre este e a aprendizagem.
A acção do cérebro é produzir comportamentos; uA mudança de comportamentos é o produto da aprendizagem; Fragmentos do comportamento motor são possíveis
por electroestimulação cerebral (Sherrington 1906, Penfield e Roberts 1959). Não haverá aqui alguma controvérsia nestas afirmações? Mais: as funções cognitivas
que estão envolvidas na aprendizagem (memória, reconhecimento visual, fala, movimentos voluntários, etc. ) dependem da actividade do cérebro?
Tudo isto para chegarmos a um postulado: aquilo que constitui a cognição do Homem envolve sempre a integridade neurobiológica do seu cérebro, produto de
uma evolução histórico-sociál muito longa.
Todo o comporta nento é processado no cérebro. Toda a aprendizagem é analisada, conservada, reutilizada e programada no mesmo órgão vital. Não há vida sem
cérebro. Não há corpo sem cérebro, nem cérebro sem cocpo (Damásio 1995). A existência de um é a materialização dinâmica e recíproca do outro; daí que a dicotomia
cartesiana pertença ao passado, em termos de aprendizagem e reaprendizagem humana.
191
INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
A aprendizagem humana é o resultado de uma experiência motora que posteriormente se conserva no cérebro, através de uma experiência psicológica relexiva
(Fonseca 1982).
Há, portanto, um processo psicomotor em jogo, como plataforma de su perar a experiência motora (não verbal), transformando-a subsequentemente numa experiência
psicomotora, isto é, uma (re)experiência do motor em experiência práxica, verbal e simbólica.
Do Homo habilis ao Homo sapiens verifica-se um salto de maturação e de transição: o motor adquire um atributo psicomotor que em si é gerador de um atributo
simbólico e cognitivo.
É inegável que o cérebro seja o órgão da aprendizagem. A ele cabe todo o processamento, a conservação e a expressão da informação, para além de governar
e regular tudo o que respeita à adaptação e à transformação do envolvimento.
Todas as expressões da função cerebral, como o comportamento, a apren dizagem e a adaptação, são extremamente complexas e hiperintegradas, o que exige da
parte de quem está envolvido no processo de ensino-aprendizagem um mínimo de aceitação e compreensão.
A supersimplificação em que muitos responsáveis embarcam e a adopção de atitudes-limites muito frequentes no âmbito das DA (a lesão cerebral implica uma
inferioridade intelectual e, como tal, não há solução educacional, etc. ) podem levar a um mau encaminhamento da criança ou do jovem com DA.
Nenhuma DA é unitária, exclusiva, conclusiva ou imutável. Cabe à educa ção a busca de alguns esclarecimentos sobre o problema. Até surgir uma solução curativa
definitiva, a educação é sempre uma terapia irrecusável e possível.
Hebb 1976, em primeiro lugar, e Guilford 1967, em segundo, proporcionam- nos outros dados. O primeiro teorizou que a aprendizagem é inseparável de problemas
de atenção, hiperactividade e distracção, dado que o processo de aprendizagem exige um certo nível de vigilância e selecção para manter as actividades cognitivas,
inibindo o efeito de muitos neurónios que não interessam à situação de aprendizagem. O segundo confere à aprendizagem o desenrolar de operações de processamento
de informação que se vão acumulando e complexificando.
Quer a capacidade de inibição, quer a capacidade de processamento de informação põem em realce o grau de participação do cérebro para implicar a mudança
de comportamento que caracteriza a aprendizagem.
O cérebro, durante a aprendizagem, recruta selectivamente os seus inú meros neurónios e nevróglias e nesse recrutamento selectivo está implícito um elevado
grau de organização neurológica.
Sem uma organização cerebral integrada, intra e interneurossensorial, não é possível uma aprendizagem normal. No caso de uma aprendizagem desviante, o cérebro
nunca pode actuar desorganizadamente. Através de métodos que têm de ser intensivos, directos, sistemáticos e integrados, o cérebro terá de, compensatoriamente, encontrar
um padrão (pattern) de organização e regulação.
192
CON7RIBUIÇÕES DA PSICON£UROI4GIA PARA AS DIFICULDADES DE APRENDD AGElf
A mudança de comportamento que está na raiz da aprendizagem (e ainda mais no caso da aprendizagem aúpica) será tanto mais viável e modificável quanto mais
sistemáúca e dirigida for a intervenção pedagógica, tendo em consideração os processos de inibição e de processamento de infonna Gão específicos de cada educando.
A tarefa de educar a inteligência, torna=se mais fácil quando a inteligência é encarada não como um conjunto de processos indiferenciados, inacessíveis
ou incogniscíveis, mas como um conglomerado de capacidades sistémicas inter- relacionadas, que obviamente devem ser diagnosúcadas e modificadas adequadamente. Pensamos
que é aqui que se terá de avançar muito, para resolver as necessidades específicas de aprendizagem, isto é, teremos de aplicar educacionalmente os dados proporcionados
pela psiconeurologia e pela neuropsicologia experimentais.
Não se trata de saber se as funções cerebrais da aprendizagem se encontram localizadas no cérebro; trata-se, antes, de discriminar no proressamento da informação
o nível ou os níveis neuropsicológicos e psiconeurológicos que se encontram afectados ou perturbados e que põem em causa o processo de aprendizagem. Desta forma,
e desde que sejam desenvolvidos processos de diagnósúco e programas de estimulação e de intervenção adequados, podémos actuar no processamento da informação, e nesse
senúdo, modificar e modificabilizar os resultados da aprendizagem.
O processo perceptivo, o processo da memória, o processo integraúvo e o processo expressivo que se encontram em acúvidade durante a aprendizagem devem obedecer
a uma organização global, quer na criança sem DA, quer na criança com DA (Frosúg e Maslow 1979).
Cabe à investigação pedagógica e à educacional o desafio sobre esta questão, na medida em que a mudança das condições exteriores da aprendizagem pode operar
mudanças significaúvas nas condiçinternas da mesma. Daí o realce das relações cérebro-comportamento e cérebro-aprendizagem.
E indispensável desenvolver na formação e na acção quotidianas do educador um mínimo de noções operacionais que perrnitam compreender, controlar e porventura
transfornaar o processo de aprendizagem.
O cérebro pode mudar, desde que o professor e o educador constiuam envolvimentos dentro dos quais ais modificações (em termos de aprendizagem) possam ocorrer
(Frostig e Maslow 1979).
Os testes psicológicos e as expectaúvas pedagógicas, bem como as suas avaliações, não são fixas nem imutáveis, nem sequer absolutistas. Estes factores inevitáveis,
em qualquer sistema educacional, não podem assumir um estatuto infalivei, na medida em que se trata de avaliações cuja objectividade é pelo menos questionável. Cada
vez mais temos de acreditar nas possibilidades espantosas do cérebro das crianças com ou scm DA. Explorar a possibilidade de módificar as funções cognitivas, através
de intervenções pedagógicas mais ajustadas às necessidaáes educacionais especificas de tais
193
INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
crianças, não é nem uma experiência de pedagogos alucinados, nem uma manifestação antipsicológica ou antipedagógica.
O QI ainda não é um guia suficiente para o educador, por mais que custe a certos psicólogos que tradicionalmente se têm distanciado da pedagogia. Alguém
já disse que a psicologia é uma filha ingrata da pedagogia. Neste sentido, a psicologia tem sido um reino de luxo, por um lado, e um hospital no fim das autoestradas,
por outro. Para determinar aquilo que a criança com DA é capaz de fazer, a utilização de testes de inteligência é útil, desde que estejam em causa a educabilidade
e a modificabilidade da inteligência do sujeito.
Não se trata de uma luta entre uma psicologia científica - a que se baseia em tratamentos psicométricos - e uma psicologia acientíflca ou informal- a que
se baseia em pressupostos pedagógicos.
É a prescrição que interessa em relação ao diagnóstico e não a pura coi sificação inconsequente do potencial intelectual.
Bernardine Smith, citada por Myklebust 1975, demonstrou na sua tese que o ensino intensivo pode modificar as capacidades intelectuais medidas pelos testes
de inteligência. Mesmo depois de ter sido expulsa pela Associação Americana de Psicologia, na medida em que pôs em causa o instrumento de afirmação" do psicólogo.
Bernardine Smith é um exemplo de combate ao fatalismo pessimista que caracteriza o QI. Esta autora, aliás como Maria Montessori 1912, Feuerstein 1989 e muitos
outros, acreditava no que hoje é defendido pela investigação neuropsicológica, ou seja, na modificabilidade cognitiva através de estratégias pedagógicas a introduzir
nas situações de aprendizagem.
A investigação neuropsicológica, nos últimos anos, produziu documentação suficientemente evidente sobre as modiflcações que podem ocorrer no cérebro, desde
que as condições do envolvimento o permitam. Daqui podemos subtrair um corolário importante para o futuro educacional: desde que se modifique os objectivos da educação
e os métodos de intervenção, podemos não só superar a infalibilidade do QI, mas também contribuir para a melhoria da aprendizagem das crianças com DA.
No domínio da investigação neuropsicológica, é importante sublinhar, para além das relações cérebro-comportamento, as relações entre o cérebro e a linguagem,
ou seja, tudo o que hoje compreende o novo ramo científico da neurolinguística.
Como Luria 1977 assegura, as relações entre a linguagem e o cérebro per tencem a um dos problemas mais complexos da ciência.
A linguagem, como produto de uma história social complexa e muito longa (dentro obviamente de regras universais como as que suportam os níveis fonológicos,
lexicais e sintáxicos, processados dentro de uma integridade neurobiológica do cérebro), precisa de ser estudada na base de uma revisão radical dos seus conceitos
básicos.
A evolução social foi o corolário de uma longa evolução biológica; quer dizer: a linguagem, como resultado de um processo sócio-histórico, assenta
194
CONTRIBUIÇÕES DA PSICONEUROI C7GIA PARA AS DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM
numa estrutura morfológica do cérebro que se mantém relativamente intacta desde o período do Homo sapiens (Luria 1977).
Os primeiros estudos que pretenderam estudar as relações entre a linguagem e o cérebro foram impregnados de uma visão localizacional e regionalmente circunscrita,
onde se demonstrava ou pretendia demonstrar uma relação directa (Luria 1977) entre a linguagem e o cérebro. Gall 1922 e Broca 1861 foram os principais defensores
desta visão, tendo inclu sivamente apresentado casos com lesões localizadas e perda subsequente da capacidade de utilização de palavras para expressar sentimentos
e ideias.
Broca demonstrou que as lesões da primeira circunvolução frontal resultavam na perda da fala - afasia motora -, caracterizando essa região como o centro
das imagens motoras da fala a que hoje se denomina também transdutor auditivomotor (Myklebust 1978).
Mais tarde, Wernicke 1979 publicou um estudo associando uma lesão na circunvolução temporal superior esquerda à afasia sensorial. Daqui até se propor os
centros da leitura, da escrita, do cálculo, etc. foi um salto vertiginoso, na tentativa de associar os distúrbios de competência e de expressão (performance) da
linguagem a disfunções cerebrais. Disfunções essas mais ou menos encaradas como definitivas e circunscritas a áreas corticais, preferencialmente localizadas no hemisfério
esquerdo.
Nesta linha, Kleist 1934, e Nielsen 1946, continuaram a defender que as alexias e as agrafias dependiam dè lesões localizadas, o que de certa forma constituía
uma visão fragmentada das múltiplas funções linguísticas.
Efectivamente, tal perspectiva defende que a linguagem é uma função de centros corticais circunscritos, ao contrário de a conceber como o resultado de vários
e complexos sistemas funcionais integrados e distribuídos em constelações cort. icais dispersas (Vygotsky 1960, Hebb 1949, Anokhine 1949 e Luria 1977).
As relações entre o cérebro e a linguagem pressupõem mais niveis (Jackson 1876) do que centros localizados. A organização cerebral da linguagem joga mais
com representações" (Luria 1977) dos centros do que, propriamente, com funções de grupos isolados de neurónios, mais ou menos limitados a uma região cortical determinada.
Assim como nenhum mapa é o papel químico de um temtório, também não se pode estudar o cérebro em termos de localização funcional ou disfuncional.
O cérebro é um todo e actua como um todo em todas as suas manifestações expressivas, quer seja na linguagém, quer seja no movimento ideacional e intencional.
É claro que o aspecto funcional global ou em massa" (Lashley 1929, Goldstein 1948) do cérebro reflecte a interacção organizada de blocos e de níveis funcionais
(Luria 1977).
O cérebro não é uma massa de tecido indiferenciado. A neuromorfologia comprova a existência de vários níveis e tipos de actividades e funções.
195
Em oposição aos locaGzacionistasH, surgiram entretanto os anúlocalizacionistas pelo facto de o comportamento simbólico (falar, ler, escrever, etc. ) poder
ser penurbado por lesões em várias partes do cérebro e, ponanto, não se poder aceitar actualmente que tais actividades sejam baseadas apenas em regiões cotticais
limitadas.
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A localizn ção ds f oçóes é merament e especula ùva
Figura 62 - De aeordo porém com Penfieid e Rasmussen e iambém com IC rk, e apenas numa dimensão didácúca, podemos apresentar o seguinte mapa das áreas
e funções (disfunções) corticais
Da neurologia clássica à neuropsicologia e desta à psiconeurologia, aparece a necessidade de uma revisão radical do conceito clássico de relação directa
entre o cérebro e os vááos processos compo nentais, nomeadamente a linguagem.
A neuropsicologia (Luria 1977) é um novo ramo cienúfico que foi cri ado para supecar tais aspectos e para estudar os componentes básicos da aprendizagem
e do comportamento e encontiar os factores necessários para o realizar, para além de analizar o papel das diferentes regiões do cérebro no fomecimento de tais factores.
Dentro de uma perspectiva interdisci linar, para onde se devem orientar os futuros eswdos nelacionados com as DA, pareee-nos indispensável o recurso à neuropsicoiogia
e à psiconeurologia e especialmente à neurolinguísúca, tendo
1%
CONIRIBUI ÕES DA PSICONEUROLO IA PARA AS DIFICULDADES DE APRENDIIAGEM
em atenção que a linguagem é um sistema de códigos criado na base de um desenvolvimento social muito longo e complexo e de acordo eom um elevado e diferenciado processo
biológico que envolveu a evolução do cérebro.
Como sistema de códigos que é, a linguagem possui a sua estrutura e a sua lógica, que inclui, segundo Luria 1977:
1) Afonologia - sistema de operações acústicas e articuladas, que consútuem o fundamento da fala;
2) O léxico - sistema de designações de objectos, acções e relações; 3) A morfologia - eswtura das palavras;
4) A semântica - sistema que integra o léxico e os sistemas de significação e de correlação;
5) A sintaxe - sistema necessário para relacionar palavras que sejam necessárias para a formulação de pensamentos e comunicações.
Esta estrutura e esta lógica estão englobadas na competência e na realização da linguagem, que naturalmente traduz uma evolução biossocial. Biológica, em
termos dos processos hierárquicos cerebrais. Sociológica, em termos de processos de conservação e comunicação de valores extrabiológicos, isto é, culturais.
De novo com Luria 1973, sabemos que o cérebro pode ser dividido em três blocos funeionais básicos:
- O primeiro bloco funcional, que inclui o tronco cerebral e o sistema límbico, garante o tónus adequado às funções de atenção e vigilância
e o controlo da informação proprioceptiva;
- O segundo blocofuncional, que inclui as partes posteriores dos hemisférios cerebrais, garante as funções recepúvas e de armazenamento
da informação exteroceptiva e propriocep- tiva (visão, audição e tactiloquinestésica) a que correspondem as funções elementares do processo cognitivo.
- O terceiro bloco juncional, que inclui as partes anteriores dos hemisférios cerebrais, garante a programação, a regulação e o controlo das
acções humanas, para além das funções eferentes que permitem a execução dos comporta mentos de acordo com os fins e moúvos consciencializados.
Cada um destes blocos actua especificamente mas em coordenação sistémica, quer no sentido ascendente (reeepção da informação, input), quer no senúdo descendente
(expressão da informação, output) e em todas as manifestações comportamentais, nomeadamente na linguagem e no envolvimento inteneional voluntário.
Como nos assegura uma vez mais Luria 1973, o trabalho de coordenação que está envolvido na linguagem implica, por um lado, a análise dos códigos e
I 97
INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
dos seus múltiplos pormenores e substratos neurológicos e, por outro lado, a síntese plástica e modificável dos componentes do código, isto é, processos de descodificação
e de codificação que importa ter em linha de conta quando se aborda problemas de aprendizagem.
Segundo Nation e Alam 1978, os processos da linguagem têm três com ponentes:
COMPONENTE INTE 1`lA
i i i i
i i p C T
T T p i Representaçgo i
R R i R i 0 N 0 A p
A A A R A i 0 i linguagem i 0 i I R N R Ó
N N N E N G 0 o"
C Aii i R i C D S D p,
S A S E L i A [anatomia
AiIEMU
Ú L Ú P I Á ocessos) i Á Ç Á S Á
o S Ç Ç S,
u Ç Ã E i Ç i Ç , A Ç S 0
A E A 0 i à i i à i 0 à Ã
0 0 0 H Membúa i 0 i 0 0 u
Eventos i
bistória
PROCESSO PROCESSO
AUDITIVO PROCESSO p N0 C EXPRESSIVO
(PAR1 lPVE)
SENSAÇÃO (1) COMPREENSÃO (3) SEQUENCIALIZAÇÃO (7)
REPRESENTAÇÃO (4)
PERCEPÇÃO (2) CONTROLO MOTOR (8)
, i (Esti'utura pedféúca)
Pré-lingufsúco Lingutsúco P6s-lingutsúco
. I)escodificsçgo ` Form l8ção
, ge ` Codificaçáo (criaçgo) ' 'aç
` Rememorizaçgo ` Sequencialiraçgo
` Ordenaçgo
` Repmsentação i
` DiscúminsçgoSimbolização ` Respirsção
` Idenúficaçgo ` Integração ` Fonação
, zaçgog ` Ressonância
` Completamento ' a l fão
` Sintexe ' a
` Sign csção ZI
. pra gI;ca ` Seguir insh'uções
. ", g"úca ` Selecção sint8cúca . Controlo motor
` Fonologia (lfngua, lábios
` Semgnúca fonolbgics , I. . )
Figura 63 - Processos da linguagem
198
CONTRIBUIÇÕES DA PSICONEUROLOGIA PARA AS DIFICULDADES DE APREN Df ZAGEM
Associando agora os aspectos neurológicos e os aspectos linguísticos, podemos situar no plano da descodificação (input) o facto de o nível fonológico da
linguagem estar envolvido na acuidade dos sons verbais, discriminando-os e analisando-os (analisador acústico), para posteriormente construir toda a complexidade
fonética que é concomitante a qualquer linguagem.
A construção de fonemas está na base de um complexo e pouco estudado sistema de análise de sons, que se encontra relacionado com o córtex temporal do hemisfério
esquerdo, que por sua vez está em conexão com as áreas quinestésicas parietais e cinéticas precentrais (Luria 1977). As lesões nesta região cortical levam a perturbações
na qualidade dos sons verbais, isto é, a uma quebra auditiva fonemática.
O processo de análise acústica (Luria 1977) ou o processo pré-linguístico (Nation e Aram 1978), bem como as funções de compreensão de palavras, de identificação,
de nomeação, de expressão, etc. , podem ficar obviamente afectados, enquanto outros aspectos linguísticos ou pós-linguísticos se encontram intactos.
Ló Bu Lo
' ARIETAL
ÁREA PARIETAL
Lósu Lo
OCCIPITAL
3 i
ÁREA
PROMOTORA (expressão)
LóBuLõ A A
o TEMPORAL (recepção)
Lósu Lo
TEMPORAL
MEDULA
Figura 64 - Componentes cerebrais da linguagem
Sabe-se, pór outro lado, que a articulação (output) é impossível sem uma análise acústica dos fonemas ou sem uma organização quinestésica dos movimentos
orais (articulemas). Há, assim, como que uma transição plástica entre as funções de descodificação (input) e as de codificação (output) que estão na base da melodia
cinética da linguagem (Luria).
199
INSUCESSO ESCOIAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
Em sintese, a linguagem envolve três componentes cerebrais:
1) A área temporal, responsável pelas funções acústicas (recepção), ou área de Wernicke;
2) A área parietal, responsável pelas funções quinestésicas, ou girus angular;
3) A área premotora, responsável pelas funções cinéticas (expressão), ou área de Broca (Figura 64).
- Área de Broca - É a área adjacente ao córtex motor que controla o movimento dos músculos dos lábios, do maxilar, da língua e das cordas
vocais e que incorpora os programas que coordenam os músculos da fala. (3)
A lesão desta área provoca problemas de articulação e verbalização, mas a eompreensão da linguagem mantém-se intacta. Compreende a afasia motora ou expressiva.
- Área de Wernicke - É a área receptora dos estímulos auditivos. Área de compreensão. (1)
A lesão desta área não altera a fala, mas a compreensão encontra-se normalmente alterada. Compreende a afasia receptiva e central.
- Girus angular - Actua eomo conexão entre as regiões auditivas e as visuais. E um centro básico de conversão do estímulo visual em formas
ou unidades auditivas equivalentes. (2)
É agora possível perceber, com Luria, porque é que uma lesão numa área produz efeitos diferentes dos produzidos quando a lesão se dá noutra área. A destruição
do córtex temporal toma a selecção de fonemas impossível e, consequentemente, produz a afasia sensorial (Luria 1977). A destruição das partes inferiores pós-centcais
(aferentes) impGca quebra nos articulemas e, concomitantemente, provoca distúrbios secundários nafala. Os distúrbios nas zonas inferiores premotoras (eferentes)
resultam na perda da melodia quinestésica e na inércia patológica das aquisições motoras, provocando assim a afasia motora.
Outros processos lógicos-gramaúcais exigem a participação das zonas terciárias parieto-occipitais, também ehamadas associativas, onde se processa a análise
e a síntese espacial dos componentes da linguagem. Por este facto, a lesão nestas zonas implica uma quebra de aquisição e de utilização (compe tência e realização)
da linguagem, onde se encontram diferenciadas as várias relações gramaticais.
Por estes exemplos, Luria demonstra claramente que uma localização directa dos processos linguisticos é impossivel. Devido a este fundamento, torna-se urgente
uma análise psieológica mais cuidadosa de todos os factores envolvidos nos diferentes processos linguísticos.
Entre cada um dos processos passam-se estados neurodinâmicos dife rentes que fazem reeurso a processos de selectividade e de plasticidade.
200
COMRIBUI ÕES DA PSICONEUROLOGIA PARA AS DIFICUIDADES DE APREHDn AGF Jlt
A linguagem exige a seleeção e o recrutamento rápidos, eficazes e pnecisos de padrões neurológicos disponíveis e integrados, para implicarem uma fluência e uma transição
de uns processos noutros. A não-transição ou a perda de selecção de um estado neurodinâmieo noutro é caracterizada, em Luria, por Kinércia patológica Tal inércia
pode depender de distúrbios provocados por lesões difusas ou localizadas, originando repercussões de semelhança e de probabilidade idêntica nos vários sistemas e,
por meio dela, provocar complicações nas estruturas linguísúcas.
As relações entre o cérebro e a linguagem são inseparáveis e inequívocas; por isso não devem ser ignoradas, especialmente quando se pretende lidar com problemas
de aquisição normal ou aúpica da linguagem.
O método patológico pode separar o que está unido e que é, consequentemente, inacessível. Ao estudarmos as relações entre o cérebro e as DA, os problemas
devidamente isolados podem dar-nos bases mais simples para entendermos os processos complexos envolvidos na apropriação dos factores linguísúcos.
É ponto assente que as lesões corticais em certas zonas do hemisfério esquerdo provocam a deterioração de certos factores que estão na base da aprendizagem
ou da apropriação dos códigos linguísúcos, bem como das suas estruturas e dos seus níveis.
Jakobson 1971 demonsaou que as lesões nas zonas anteriores do hemisfério esquerdo implicam uma perturbação na organização sintagmática sem afectar a organização
paradigm úca'. Em contrapartida, as lesões nas zonas posteriores levam a uma perturbação da organização paradigmáúca, deixando intacta a organização sintagmáúca.
Os estudos sobre a organização cortical, envolvidos naturalmente na neuropsicologia, emprestam outra significação às DA, bem como à linguística.
Pensamos que o futuro da neurolinguística pode trazer grandes esclarecimentos sobre a apropriação normal e aúpica dos processos da linguagem. Neste campo,
teremos de estar de acordo com Delgado 1971, quando este afirma que o futuro deve esforçar-se por uma maior colaboração entre os investigadores que especificamente
estudam a neurofisiologia, subestimando o comportamento e a aprendizagem, enquanto outros investigadores se interessam particularmente pelo comportamento, ignorando
o cérebro.
Quanto mais se aprender sabre as relações cérebro-comportamento e cérebro-aprendizagem, melhor será o nível de eompreensão e de intervenção sobre a criança
com DA, obtendo-se por essa via melhores recursos para o diagnóstico e o prognósúco do seu potencial de aprendizagem.
Não basta favorecer uma abordagem exelusivamente comportamental no âmbito da reéducação de erianças com DA. A abordagem neuropsicológica pode introduzir
dados diagnósticos, que podem ser úteis para o planeamento
i Organização sintagmáúca - arranjos das unidades lingufsúcas; organização adign úea - relaç es entre as unidades linguísúcas.
2tll
INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
da intervenção pedagógica e para a sistematização das tarefas e dos reforços a criar. Se, por exemplo, o neurologista nos informa de que há um EEG' com padrão normal
na área parietotemporal esquerda, e se os testes psicológicos nos revelam uma perturbação no reconhecimento táctil na mão direita, mas não no da mão esquerda, então,
dentro de uma perspectiva neuropsicológica, pode-se equacionar uma disfunção no córtex parietal esquerdo e, a partir daí, criar situações-problemas que visem a sua
compensação neurofuncional.
O modelo neuropsicológico permite uma identificação do potencial de aprendizagem no seu todo, considerando asfunções de input (áreas sensoriais), de organização
e integraÇão (áreas associativas) e de output (áreas motoras), proporcionando-nos uma quantidade e uma qualidade de informação de crucial importância para a compreensão
dos défices comportamentais e cognitivos da criança e para a intervenção pedagógico- terapêutica a equacionar para cada caso.
Várias baterias são utilizadas nesta perspectiva (Bannatyne 1971, Benton 1972, Myklebust 1977, etc. ). W. Gaddes 1977, por exemplo, utiliza na Universidade
de Vitória a seguinte bateria:
I) Testes sensoriais
Visuais
Teste de Retenção Visual de Benton Teste de Retenção Visual Dinâmico de Gaddes Teste de Figuras Embutidas de Benton-Spreen
Auditivos
Teste de Reconhecimento de Sons de Spreen
Teste de Memória Tonal Seashore
Teste de Percepção da Fala de Halstead Teste de Percepção de Consoantes de Meikle Teste de Repetição de Frases de Spreen-Benton Teste de Audição Dicótica
Tácteis
Teste de Realização Táctil de Halstead
Teste de Exterognosias em Duas Dimensões de Benton Teste de Exterognosias em Três Dimensões de Reitan Sensibilidade Táctil (aestesiómetro)
Teste de Discriminação de Klove
II) Testes sensoriomotores
Teste de Construção de Pistas de Reitan Teste de Praxia Construtiva a Três Dimensões
i EEG - Electroencefalograma. InsWmento para registar as mudanças elécti'icas no cérebro, através de eléctrodos pericranianos.
202
CONTRIBUIÇÕES DA PSICONEUROLOGIA PARA AS DIFlC ULDADES DE APRENDI7AGEM
Teste de Localização Digital de Benton Teste de Orientação Esquerda-Direita de Benton Teste de Praxia Digital
Teste do Tempo de Reacção Visuomanual Teste do Tempo de Reacção Auditivomanual
III) Testes Cognitivos
Teste Wechsler-Bellevue
WISC (Wechsler Intelligence Scale for Children) WAIS (Wechsler Adult Intelligence Scale)
Teste Categorial de Halstead (Adulto, Intermédio e Crianças) Teste do Vocabulário-Imagem Peabody (Peabody Picture Vocabulary Test)
Teste de Realização Wide Range (Wide Range Achievement Test)
IV) Testes Motores
Força manual (dinamómetro)
Teste de Velocidade Interdigital de Halstead
V) Testes para Afásicos
Bateria para Afásicos de Spreen-Benton
VI) Miscelânia
Teste de Dominância Lateral de Harris
Inventário de Lateralidade de Benton
VII) Testes Adicionais para Estudos Específicos Teste de Estabilidade Motora de Klove
Diagnóstico de Leitura de Gates-Mckillop
Teste de Identificação de Cores Teste de Leitura Oral de Gray Teste de Labirintos de Porteus Matrizes Progressivas de Raven
Inventário Multifásico da Personalidade de Minnesota (MMPI)
São inúmeros os educadores, os psicólogos e os médicos que evitam o modelo neuropsicológico no âmbito das DA.
No interesse de defender os direitos da criança com DA, todos os recursos são necessáriós, pois pensamos que a neuropsicopsicologia e a psiconeurologia abrem
portas com grandes revelações que convém estimar e respeitar.
Investigar o comportamento observável é fundamental, mas é incompleto. Há que introduzir, no campo das DA, os dados da neuropsicologia, não só com o estudo
sobre traumatologia cerebral do adulto, mas também com os
203
fNSUEESSO ESEOIAR - ABORDAGEM PSfCOPEDAGÓIìlEA
estudos das lesões intra e mter-hemisféricas, das lesões anteriores e posteriores, das lesões corticais superlocalizadas na criança e da sua posterior reeuperação,
dos problemas resultantes de múlúplas privações, etc.
Embora a tendência actual seja a de se verificar que as cria ças com DA não têm disfunções cerebrais, não há dúvida, como afirmam Myklebust e Boshes 1%9,
de que o envolvimento neucológico cresce na razão directa da severidade do problema de aprendizagem. A revelação de sinais neurológicos subtis e ténues (sofi signals)
é quase sempre evidente nos casos das crianças com DA, quando efectivamente se respeita as definições mais aceites internacionalmente, não esquecendo obviamente
aqui o efeito do meio cultural envolvente.
Quer sejam localizadas, quer difusas, as lesões produzem efeitos no eomportamento. Umas são mais facilmente idenúficadas; outras são mais difíeeis de detectar
ou até mesmo impossíveis de isolar (Bireh 1964, e MeCarthy 1969).
O problema é deveras complexo, dado que os testes de inteligência mais frequentemente utilizados exigem a memória cerebral de longo termo (Gaddes 1977),
pois estão saturados de vocabulário e de informa ão, aquisições (skills) estas que variam em termos sociais e que resistem aos efeitos das lesões eerebrais nas áreas
cerebrais específicas da fala. Por isso, tais testes são insensíveis a disfunções cerebrais. A inteligência obtida cam os testes psicométricos é, até ao momento,
poueo discriminativa no âmbito das DA:
Halstead 1947 e Reitan 1956 já tinham proposto a noção de inteligência biológica (biological intelligence) por nascer de um modelo neuropsicológico. Tal
modelo pode permiúr a detecção de aquisições que são sensíveis a disfunções cerebrais (Reitan 1955 e Reld 1968) e, por isso, significativamente importantes para
o estudo das DA. Isto independentemente de, mesmo neste modelo, não se entrar em linha de canta eom factores intrínsecos da aprendizagem humana (Eceles 1952).
A problemática da resposta em á cri ção de um mosaico signifieaúvo de dados (Cruickshank 1966, e Gaddes 1977) récolhidos de várias áreas: neurológica, psicológica,
educacional e comportamental
Sem esta preocupação, muitos aspectos estarão ausentes, aspeetos esses tendentes a reflecúrem-se na banalidade do diagnóstico e na ineficácia dos mét os
de intervenção ou de reeducação.
Conhecendo as áreasfortes da criança com DA, bem como as suas áreas fracas, em ternzos neuropsicológicos de aprendizagem, estamos em condições ideais para
preferir métodos de intervenção que permitam optimizar e maximizar áreas fortes e, dessa forma, reforçar aquisições que a ajudem a superar as áreas fracas, mantendo
assim níveis moúvacionais mais adequados às tarefas educacionais.
O modelo neuropsicológico e psiconeurológico das DA deve preocupar- se em reunir uma amostra de funções mentais envolvidas na aprendizagem simbólica e obviamente
correlacionadas com a organização funcional do eérebro.
204
Muito do desespeno e da inoperância do encaminhamento 6gico das crianças com DA subsiste exactamente ponque os diagnósticos habitualmente utilizados pelos
médicos e pelos psicólogos não evidenciam claramente na criança quais são as áreas neuropsicológicas fortes e fracas, daí resultando um limitado repertório prescritivo,
ou então os já famigerados e inconsequentes o ssos de intervenção baseados nas tentativas e nos erros, ou ainda o apar imento de empirismos didácúcos repeútivos.
Quanto a nós, a intervenção pedagógica nas DA deve basear-se, tanto quanto possível, no conhecimento aprofundado e detalhado obúdo a panir do diagnóstico dinâmico
(fonnai ou informal).
O caso t;pico ilustraúvo destes problemas surge quando o psicólogo aplica a WlSC (Weschler Inteliigence Scale for Children) a uma criança, relatando posteriormente
que ela possui um QI verbal de 91 que a situa numa média baixa (low average range ofintelligence), e um Q1 de realização ou deperforrnance de 104, que a situa na
médiaH.
Esta infonnação restrita, pese embora o seu rigor científico, é virtuaimente inútil para o professor e para o reeducador, pois peca por informação essencial
no piano comportamental e no plano neuropsicológico, não permitindo ao professor a compreensão do problema de aprendizagem.
As questões que se põem ao professor são mais ou menos do seguinte úpo: Qual é o grau de competência da compreensão auditiva da criança? Como é que ela retém
a informação auditiva? Qual o grau de complexidade fonética que ela apresenta, quer ao nível da descodificação, quer ao nível da codificação? Em que condições percepÌivas
apresenta ela maior distractibilidade? Como é que ela reconhece formas tridimensionais? Reveia problemas nas funções de figura-fundo e de completamento auditivo
e/ou visual? Qual é o seu tempo de reacção visuomotora? Que se passa quanto à sua competência manual? A que nível se situa a sua praxia conswtiva? Quais são o seu
vocabulário activo e o seu léxico? Como é a criança quanto ao desenvolvimento da linguagem e à produção linguística? De que tipo é a sua formulação ideacional e
que complexidade sintáctica apresent a sua fala? Que níveis de curiosidade, exploração, atenção e organização caracterizam a sua conduta? Haverá algum sinal neuropsicológico
que justifique um melhor funciona menIo do hemisfério direito ou do esquerdo? Que problemas cognitivos de ordenação e sequenciaiização da informação a criança apresenta?
Que imagem do corpo a criança possui? Qual é o seu sentido direccional? Qual é o seu perfil psicomotor? Que auto-suficiência ela apresenta? Qual é o seu perfil pessoal
social?
É evidente que as respostas a estás questões só podem ser alcançadas com uma bateria de provas que necessariamente se torna longa na aplicação, e portanto
pouco económica. Ter-se- á de caminhar no futuro para investigações que permitam, em t rmos estaústicos multifactoriais, seleccionar, de tais bate as, o conjunto
de provas mais significativas que possibilitem avaliar educacionalmente o potenciai e o estilo de aprendizagem, bem como o nível de adaptação hásico da criança.
205
INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
Para isto é necessário que os professores e reeducadores, na sua forma ção, sejam minimamente expostos à organização funcional do cérebro e aos resultados
neuropsicológicos experimentais, a fim de poderem aplicar tal conhecimento no diagnóstico e na intervenção em DA.
Interdependência das capacidades psiconeurológicas da aprendizagèm
Não é possível, com o conhecimento actual que se tem da neuroanatomia. do córtex cerebral e das estruturas subcorticais, fazer uma descrição exaustiva das
correlações neurológicas que envolvem a aprendizagem e a linguagem, mas para lá se caminha (Damásio 1983).
Podemos apenas pressupor que a aprendizagem e a linguagem constituem formas complexas de comportamento que exigem a integridade de certas zonas ou áreas
do cérebro consideradas cruciais para a hierarquia da linguagem, principalmente quando se passa da evolução da aprendizagem da linguagem falada à aprendizagem da
linguagem escrita, ou seja, do primeiro ao segundo sistema simbólico.
É interessante realçar que as lesões para além daquelas áreas não inter ferem com a aprendizagem da linguagem, podendo eventualmente afectar outros aspectos
do comportamento, como se verifica através da grande evidência de dados relativos a lesões no hemisfério direito, considerado não dominante quanto às funções da
linguagem.
A compreensão dos mecanismos neuropsicológicos de tais áreas que garantem o comportamento e a aprendizagem permitirá, obviamente um mais aperfeiçoado conhecimento
dos mesmos. Daí o interesse em abordá-lo segundo o ângulo do psicológico e do pedagogo (ou educador).
O cérebro opera como um órgão total dinâmico onde algumas áreas par ticipam mais activamente do que outras, quando estão em jogo funções mais complexas da
linguagem, como é o caso da leitura ou da escrita.
De uma globalidade dinâmica emerge uma especificidade concomitante, isto é, resultam funções que dependem mais directamente de áreas corticais localizadas.
Por exemplo, se a área de Wernicke (córtex temporal posterior) for lesada num adulto no seu hemisfério dominante, é quase cetto que surgirá uma redução na sua capacidade
de compreensão e utilização da linguagem.
Parece, portanto, que o cérebro está estruturado em áreas especializadas e em áreas difusas que regulam e controlam diferentes aspectos do comportamento.
Algumas lesões localizadas produzem efeitos específicos em termos de comportamento; outras funções mentais, por contraste, são afectadas por qualquer lesão
em ambos os hemisférios, seja por simples anormalidades electrofisiológicas, por infecções cerebrais, por doenças neurodegenerativas, seja ainda por lesões bilaterais
congénitas, por traumas, etc. , que podem ter ocorrido no período pré-natal, no processo do nascimento ou durante o desenvolvimento.
206
CONTRIBUIÇÕES DA PSICONEUROI l7GlA PARA AS DIFlCULDADES DE APRENDI?AGEM
Encontramo-nos ainda nos nossos dias, independentemente do inesgotável
banco de dados já hoje publicado, sem cobrir o fosso entre a neurofisiologia e as funções mentais (Delgado, 1971). De facto, as medidas do EEG são muitas vezes vagas
na identificação de distúrbios localizados, para além de ainda não se ter encontrado uma inequívoca correlação entre as grandes anomalias do EEG e o grau das DA.
Todas estas imprecisas circunstâncias do EEG dificultam a análise dos dados e, por consequência, a necessidade de superar obstáculos que se abrem ao terreno
conceptual das DA. No entanto, segundo Gaddes 1977, os dados do EEG podem ajudar à compreensão de problemas e ajudam tanto mais quanto maior for a severidade da
DA.
As disritmias são interpretadas como disfunções cerebrais. Ondas localizadas muito activas (highly localised spike activity) podem ser habitualmente interpretadas
como indicando um distúrbio localizado (Gaddes 1977).
Myklebust e Boshes, em 1969, encontraram no seu estudo relações significativas entre as DA e os distúrbios neurológicos, surgindo com mais frequência sinais
de perturbação neurológica (sofi or hard signs) nas crianças que evidenciavam DA (não verbais e verbais), ao contrário das crianças do grupo de controlo.
Outras disfunções poderão resultar de infecções cerebrais como as meningites e as encefalites, que implicam frequentemente problemas de aprendizagem e de
controlo emocional e social. De acordo com a quantidade de células lesadas e a sua distribuição no plano dos dois hemisférios, várias funções são afectadas, podendo
inclusivamente não se manifestar qualquer tipo de dificuldades nas aquisições verbais mas, eventualmente, surgir problemas perceptivovisuais e visuomotores que se
reflectirão nalgumas aprendizagens escolares.
Doenças neurodegenerativas ou lesões cerebrais congénitas bilaterais poderão resultar em ageneses e afectar as realizações nas áreas sensoriais, cognitivas
e motoras, o que justiflca a necessidade de métodos de aprendizagem compensatórios.
Gaddes 1977 fala-nos num caso - Michael - que, sofrendo de uma lesão cerebral congénita bilateral, com um QI de realização de 60 e um QI verbal de 80,
aos sete anos, só pôde aprender a ler e a escrever na base de um método táctil, tendo aos 12 anos atingido um nível médio de leitura num teste escolar normalizado.
Traumas cerebrais por acidente, queda, hematomas subdurais, etc. poderão implicar intervenções cirúrgicas num ou noutro hemisfério, originando alteraçóes
e outras repercussões de comportamento e de aprendizagem.
A interdependência das capacidades neuropsicológicas da aprendizagem pode ser confirmada não só por sinais disfuncionais difusos, como acabámos de
ver, mas também por sinais disfuncionais mais localizados, digamos regio nalizados.
207
oo
LÓBULO FRONTAL POSTERIOR ANTERIOR LÓBULO PARIETAL
1- Função motora e psicomotora 1- Registo táctil
2- Fala 2- Imagem do cotpo (somatognosia)
3- Escrita V O Q y 3- Exterognosias
4- Membria imediata 50
4- Reconhecimento táctil de formas e objectos
5- Seriação e ordenação o 5, p y 5- Diceccionalidade
6- Planificação e pmgramação á 5t' 6- Gnosia digital
ç ?7- Leitura
7- Mudan a de actividade mental ,
8- Escrutínio e exploração visual 8- Elaboração grafomotora
9- Tarefas visuoposturais AUDI'fIVA 9 9- Imagem espacial
10- Jufzo social 10- Elaboração de praxias
11- Conholo emocional p1' 11- Processamento espacial
12- Motivação t5 12- Integração somatossensorial
13- Estnituração espaciotemporal 13- Espaço agido - espaço representado
14- Reportório práxico 14- Autotopoagnosia
15- Controlo e regulação prbprios CEREBELO 15- Discriminação tactiloquinestésica
e exteroceptivos /
1- Coordenação
. de movimentos LÓBULO OCCIPITAI.
LÓBULO TEMPORAL automáticos
e voluntários
TRONCOCEREBRAL 2- Seg ça 1- Estimulações visuais
1- Esttmulos auditivos Gravitacional 2- Gestalt visual
2- Perzepção auditiva não verbal 1- Atenção 3- p p vidade 3- pe eepção visual
3- Percepção auditivoverbal 2- Vigilãncia 4- Regu o 4-uencialização visual
4- Associação auditivovisual 3- Integração neuros- de pa ões 5- Rotação e perseguição visual
5- Membria auditiva (curto e longo termo) motores
6- Inte pretação pictural sensoriomotora 6- Descodificação visual com parúcipação
7- Interpretação espaciotemporal 4- Integração vestibular de outms centms funcionais do cérebro
8- Discriminação e sequencialização auditiva 5- Integração tbnica 7- Integração visual figura-fundo
9- Integração rltmica 8- Const ncia perceptiva
9- Posicionamento e relação espacial
Figura 65 - Regiões e funções mentais
CONTRIBUI ÕES DA PSICONEURO IA PARA AS DIFICUIIlAD£S DE APRENDl IAGF. N!
Assim, as intervenções cirúrgicas nos lóbulos (lobos) cerebrais - as lobectomias - revelam que cada um deles exerce, preferencialmenic, determinado número
de funções específicas.
Vejamos, a título didáctico, com Miller 1972, Gaddes 1977, Benton 1963, Kimura 1967 e Luria 1968, algumas das funções mentais por regiões (Figura 65).
Pela figura se pode verificar que as relações cérebro-compoa. amento envolvem não só a regionalização dos dois hemisférios - o esquerdo (verbal) e o direito
(não verbal) - como a regionalização anterior (frontal), posterior (parietal, temporal e occipital) que podem, em termos funcionais e também de acordo com o modelo
de Luria, ajudar a clarificar o diagnóstico psicopedagógico dos problemas de aprendizagem revelados pelas crianças (Fonseca 1980).
O modelo neuropsicológico de Luria (Fonseca 1979, 1985) permite-nos visualizar a relação cérebro-aprendizagem, ao mesmo tempo que torna mais clara a interdependência
das capacidades da aprendizagem humana.
A aprendizagem humana exige um conjunto mínimo de requisitos qué podemos traduzir por uma totalidade funcional neuropsicológica. Sem esse número de condições
funcionais indispensáveis, a aprendizagem não se processa normalmente e, neste caso, estamos em presença de uma disfunção cerebral.
A disjunção cerebral, aparente ou real, nalgumas crianças com DA (disléxicas), interfere com todo o processamento da informação que a aprendizagem envolve.
Processo de informação que compreende três grandes componentes e subprocessos: recepção, integração e expressão.
No caso da disfunção cerebral que reflecte as DA, podemos verificar alterações em cada uma daquelas fases ou, eventualmente, na transformação de umas nas
outras. A disfunção pode ocorrer na recepção (problemas de atenção e processamento percepúvo e de captação de informação, por exemplo), na integração (problemas
de ordenação, sequencialização, associação, conceptualização planificação e execução) ou, evidentemente, na transferência ou tradução (transdução) de uns processos
noutros: Quer dizer, a disfunção pode ocorrer numa ou em várias unidades funcionais do cérebro. Quais serão essas unidades?
É isso que tentaremos abordar em seguida, pois senúmos que o professor de educação especial (e porque não o professor em geral?), compneenderá melhor as
suas missão e responsabilidade no processo de aprendizagem=
-ensino.
Para Luria, como já vimos, o cérebro é uma constelação de trabalho, principalmente concentrada em tnês grandes unidades {blocos) funcionais. Tais unidades
compreéndem sistemas, estruturas anatómicas, e concomitantes recursos terapêuticorreeducativos.
INSUCESSO ESCOIAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
ti, wrs Recursos Unidades funcionais Sistemas anatómicas terapêuticos PRIMEIRO BLOCO
Atençâo
Selecção da informação Substância reticulada Medula Metabólicos
neurossensoriat Sistemas vesábulares Tronco cerebral Estimulaçao geral
Regulação e activação e propriocepávos Cerebelo (mulá e anágraviáVigilância e tonicidade Estruturas talâmicas ca fisiognómica e
Facilitação e inibição, con- polissensorial)
tmlo da informação exterior
Integração sensorial
Sequencialização temporal
Modulação neurotónica e
emocional
SEGUNDO BLC7CO Processamentó
Recepção e análise sen- Áreas associativas Córtex cerebral Input sensorial espe sorial. Organização es- corticais (pafte pos- Hemisfórios
esquerdo cífico
pacial. Simbolização terior) e direito Manipulação
esquemááca. Codificação Lóbulo parietal (tac- Motricidade
Memória (armazenamento) áloquinestbsico) Integração sensorio Integração e percepção dos Lóbulo occipital (vi- motora
proprioceptores (tacálo- sual) Estruturação perce quinestésico) e telerecep- Lóbulo temporal (au- ptiva (visuomotora
tores (visão e audição) diávo) e auditivoverbal)
TERCEIRO BLOCO Planificaçâo
Programação Sistema pirami al Córtex motor Psicofingufsáca
Intenção (ideocinbáco) Córtex pré(psico)- Psicomotricidade
Sfntese Áreas pré- ontais -motor Pensamento
Execução Lóbulos frontais Formulação intencioVerificação n
Correcção Linguagem interior
Sequencia Gzação das Feed-back
operaçõescogniávas
Figura 66 - Unidades funcionais do cérebro, segundo Luria
210
CONTRIBUIÇÕES DA PSICONEUROLClGI A PARA AS DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM
Cada unidade funcional compreende, portanto, um conjunto de órgãos ou de áreas corticais que, em termos intrainterdependentes, constituem o grande sistema
neuropsicológico da aprendizagem humana.
Não se trata de equacionar estas unidades como estáticas ou localizadas. Trata-se, sim, de perspectivar sistemas dinâmicos integrados noutros sistemas mais
hierarquizados e que obedecem a uma maturação que caracteriza o desenvolvimento humano.
De certa forma, a aprendizagem é o fruto do desenvolvimento destas unidades funcionais que, segundo Luria, estão organizadas verticalmente e organizam-se
geneticamente do primeiro bloco (reflexos) ao terceiro bloco (intenções), passando pelo segundo bloco (experiências e acções multissensoriais). Assim, por exemplo,
as aprendizagens complexas como a leitura assentam sobre aprendizagens compostas como a discriminação e a identificação perceptiva, que por sua vez decorrem de aprendizagens
simples, como a aquisição da postura bípede e as aquisições preensivas da primeira idade.
Vejamos, no caso da leitura oral, como as unidades trabalham. A leitura, um dos processos mais complexos da aprendizagem, compreende a discriminação visual
de símbolos gráflcos (optemas) através de um processo de descodificação que se passa no segundo bloco, só possível com um processo de atenção selectiva regulado
pelo primeiro bloco. Poste riormente, e ainda na mesma unidade, há que seleccionar e identificar os equivalentes auditivos (fonemas) através de um processo de análise
e transdução, de síntese e comparaçãò, a fim de edificar a busca da significação (conjectura) e avaliar os níveis de compreensão latentes. A partir daqui, surgirá
uma nova operação de equivalência que compreende a codificação, ou seja, a rechamada dos articulemas que serão regulados na área de Broca, isto é, no terceiro bloco.
A partir dos motoneurónios superiores frontais, a linguagem interior transformar-se-á em linguagem expressiva, através da oralidade, ou seja, da produção de sons
articulados.
Nesta sequência de operações cognitivas participam todas as unidades funcionais, primeiro de baixo para cima (do primeiro ao terceiro bloco) e depois de
cima para baixo (do terceiro bloco para o primeiro bloco).
É este o todo funcional que caracteriza a aprendizagem da leitura. É dentro deste conjunto funcional que se pode verificar um distúrbio ou uma disfunção
neuropsicológica que pode, por consequência, redundar numa DA.
Assim, se uma criança não consegue controlar ou focar a sua atenção-concentração do primeiro bloco, a descodificação poderá ser prejudicada, daí resultando
omissões ou adições de pormenores nos optemas e na pronta equivalência com os fonemas, para além de dificuldades de inibição e de controlo postural e cinético, normalmente
concentrados e modulados pelo cerebelo e pela substância reticulada como verdadeiros computadores (Eccles 1973) que organizam as informações (input) internas ou
proprioceptivas, e externas ou exteroceptivas.
211
INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
PRIMEIRO BLOCO - Processo de atenção selectiva SEGUNDO BLOCO - Processo de descodificação
Discriminação visual de
símbolos gráficos
OPTEMAS
Análise Selecção e identificação
e dos equivalentes
i tradução auditivos
/ FONEMAS
Síntese
comparação
TERCEIRO BLOCO - Processo de atenção codifica ão (Nova operação de
equivalência)
Rechamada dos ARTICULEMAS
(Área de Broca)
Motoneurõnios superiores frontais Transformação da linguagem i nterior em lingu gem expressiva
ORALU7ADE
Figura 67 - Processo da leitura oral, segundo Luria
212
COMRIBUIÇ'ÕES DA PSICONEUROLOGIA PARA AS DIFICULDADES DE APRENDTl9 GEM
Como se sabe, o cerebelo coordena e regula a produção dos movimentos automáúcos e voluntários (Fonseca 1980, 1995, 1996); daí que uma disfunção cerebelosa,
retratada por di6culdades de equilibrio (dismetrias, reequilibrações abruptas, etc. ) seja um dos sinais psicomotores que habitualmente caracterizam as crianças
com DA com ou sem hiperacúvidade.
Por outro lado, a aprendizagem da leitura subentende a integração de outras aprendizagens ou pré-aptidões (readiness skills), demonstradas por modiócações
estruturais do tecido cerebral como sejam: a activação bioquímica, a síntese proteica, o crescimento sináptico deutrítico e axónico, os arranjos e rearranjos moleculares
que compreendem as funções de codificação e memória, etc.
A aprendizagem da leitura exige obviamente: a integração sensoriomotora, a hierarquização psicomotora, o progressivo controlo binocular, a complexificação
da compreensão auditiva, etc. , eswturas estas que vão provocar combinações e modificações aferentes e eferentes e interacções bioquímicas do que resultarão um cenò
crescimento neurolbgico e, concomitantemente, uma melhor aprendizagem daquela aquisição cogniúva.
Em contrapartida, as DA podem resultar de problemas do segundo bloco, que reúne em si as regiões corticais espeeíficas dos dois hemisférios para além do
corpo caloso, fundamentalmente as áreas associativas corticais. Estas áreas concentradas no cérebro posterior são especializadas no processamento da informação simbólica.
De uma forma simplificadà, podemos dizer que a informação recebida pelos analisadores sensoriais se dirige para os hemisférios conforme o seu eonteúdo'.
A informação não verbal (blocos, gestos, desenhos, etc. ) dirige-se para o hemisfério direito; a informação verbal, simbólica (letras, palavras, frases,
etc. ) dirige-se preferencialmente para o hemisfério esquerdo.
Evidentemente que os dois hemisférios realizam um diálogo cruzado e uma eofunção, como provam os estudos de desconexões cirúrgicas. Sperry 1968 demonstrou
que o hemisfério direito está apto a eompreender informações verbais e não verbais, embora impossibilitado de as expressar verbalmente. Sabe-se igualmente que os
dois hemisférios sofrem processos de maturação diferenciados, primeiro o hemisfério direito, depois o hemisfério esquerdo. Vallet 1980 foca que essa diferença é
pouco significativa até aos cinco/seis anos (entrada para a escola), mas assume uma especialização acelerada a partir desta idade.
Neste bloco situam-se as funções de codificação, armazenamento e integração da informação sensorial (visual, auditiva e taetiloquinestésica) e percepúva,
ou seja, o processamento dos estímulos.
É dentro deste bloco que os optemas (visão) são traduzidos e transformados em fonemas (audição), o que envolve uma relação entre o hemisfério
i Ver o capítulo sobre a visão integrada da aprendizagem.
213
INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
direito e o esquerdo, relação essa estabelecida pelo corpo caloso, como afirma Gazzaniga 1967. Esta estrutura do corpo caloso, segundo Sperry, assume igualmente
funções de memória e de integração intra e inter-hemisférica, quer no plano posterior (sensorial), quer no plano anterior (motor), como provaram as investigações
de Luria 1975.
A desconexão inter-hemisférica pode ser provocada por alterações do corpo caloso. No plano posterior afecta as relações entre as informações sensoriais e
perceptivas; no plano anterior afecta a coordenação dos movimentos e a dextralidade.
Ayres 1972 e Whittrock 1975 conduziram experiências com crianças que permitiram objectivar a repercussão da integração dos estímulos auditivos, vestibulares
e somatossensoriais no desenvolvimento da linguagem. Na nossa experiência clínica temos verificado que as sessões psicomotoras têm algum reflexo no desenvolvimento
da linguagem dos nossos reeducandos, provavelmente porque se estabelece com a simbolização e a verbalização do movimento um melhor diálogo entre os hemisférios cerebrais,
facilitando assim as funções inter- hemisféricas e o trânsito de relações funcionais através do corpo caloso e aperfeiçoando, por consequência, os sistemas neuropsicológicos
da aprendizagem.
Nesta unidade funcional passam-se também os processamentos mais fundamentais da visão, da audição e do sistema tactiloquinestésico. Funções de discriminação,
identificação, imagem, figura-fundo, memória de curto, médio e longo termo, rechamada (recall), sequencialização etc. têm lugar em cada um dos sistemas, quer intraneurossensorial
quer interneurossensorialmente.
Não é por acaso que muitos destes distúrbios são identificados em crianças com DA e, por esse facto, a reaprendizagem deverá criar tarefas educacionais que
reforcem especificamente estes sistemas e subsistemas de aprendizagem, podendo afinar e reprecisar os seus processos e, consequentemente, os seus produtos (output).
Aqui estará, provavelmente, o desafio dos novos métodos de reaprendizagem, na medida em que o conhecimento da neuropsicologia trará, no futuro, novos subsídios a
estes problemas.
Por último, a DA pode resultar de disfunções na terceira unidade (terceiro bloco), que se ocupa especialmente da programação e da planificação da informação
a ser emitida, expedida e dirigida. Trata-se de uma unidade que se encontra dependente das outras. O input (recepção da informação) está antes do output (expressão
da informação, ou seja, a transformação); daí o seu grau de inter-relação e interdependência funcional.
Os planos e as intenções geridas pelo pensamento jogam-se também na leitura. Para o adulto, a leitura satisfaz necessidades de curiosidade, de cultura, de
conhecimento, de interesse profissional, etc. À criança, a leitura vai permitir a descoberta e a apropriação da cultura do grupo social onde está inserida.
É portanto neste bloco funcional que se regulam e verificam as funções linguísticas expressivas, a leitura pelo processo oral e a escrita pelo processo motor.
A fala e a escrita são controladas pelo córtex pré-motor e motor e reguladas e modificadas por processos de feed-back.
214
CONTRIBUI ÕES DA PSICONEUROLOGIA PARA AS DIFICULDADES DEAPREN Dl7 AGEM
No primeiro caso entra em funcionamento o sistema piramidal, isto é, o sistema ideocinético que rapidamente põe em ligação o cérebro com os músculos que
activam as cordas vocais, para a fala, e as unidades de coordenação preensivocinética da mão, para a escrita.
Neste bloco funcional surge a utilização dinâmica da informação contida e disponível no segundo bloco e regulada pelo primeiro. Compreende, efectivamente,
um processo de planificação antecipada, bem como a regulação e a veriftcação de um processo de expressão constantemente aberto e permeável aos seus efeitos (sistema
aberto integrado e regulado).
As estratégias do cérebro são imensas; por isso muitas crianças com DA manifestam uma grande exiguidade de processos cognitivos. Intervindo neles, podemos
modificar os resultados. Levine e Allen 1976 tentaram equacionar algumas das estratégias mais adequadas para aprendizagem da leitura, tendo seleccionado as seguintes:
fala subvocal, pré- simbolizaÇão de acções e de tarefas a cumprir, pré-verbalização e previsão antecipada de condutas etc. , tendo-as caracterizado como meios auxiliares
e planificadores da função expressiva da linguagem.
Por estes subsídios poderemos verificar que a neuropsicologia pode oferecer significativas ajudas à educação e ao campo das DA.
A educação geral e a educação especial deverão integrar estes dados, na medida em que as suas tarefas e situações caracterizadoras podem optimizar o potencial
de aprendizagem de todas as crianças, sejam ou não portadoras de deficiência. A educação sensorial, bem como a educação perceptiva e cognitiva, psicomotora, orientadas
à luz dos conhecimentos neuropsicológicos, podem produzir modificações no conhecimento e na aprendizagem humanos (Feuerstein 1981 ).
De facto, a estimulação mediatizada produz modificações entre o axónio de um neurónio e os dentrites do neurónio seguinte, por meio de uma facilitação sináptica
e bioquímica e de um alongamento das fibras nervosas, originando assim, a integração neurológica (Hebb 1976) que está na base do processo de aprendizagem.
O acesso à cognição e à conceptualização é conseguido na base de modificações metabólicas e de redes neuronais que se complexificam sequencialmente. A estimulação,
ou melhor, a educação, introduz efectivamente variáveis neuropsicológicas que iniciam actividades centrais complexas no cérebro e implicam transformações corticais,
aperfeiçoadoras dos padrões de comunicação e de expressão linguísticos.
As conexões neurológicas desénvolvem-se como consequência da aprendizagem. A aprendizagem e o seu constante e sistemático reforço produzem padrões de organização
neurológica e sistemas de interacção e facilitação sináptica (Eccles 1967). Há, pois, que apostar na educação e no seu aperfeiçoamento científico.
Kbech, Rosenzweig e Bennett 1962, por exemplo e dentro desta linha, provaram que a estimulação sensoriomotora produz modificações na morfo
215
lNSUCESSO ESCOIAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
logia e na bioquímica do cérebro dos roedores. Diamond Law, Rhodes, Lindner, Rosenzweig, Krech e Bennett 1966 conduziram outra investigação com ratos subdivididos
em dois grupos: um grupo em envolvimento complexo e sujeito a treinamento, e outro de controlo. Em oito dias apenas, os cérebros do grupo treinado eram 6, 4% superiores
no cónex visual e 14% superiores na taxa de nevróglias.
Com estes dados, tentámos sensibilizar para a neuropsicologia e para a sua aplicação no âmbito da educação (dita geral ou espeeial), sublinhando a necessidade
de garantir e de criar o maior número de oportunidades educacionais que permitam maximizar os potenciais de aprendizagem de qualquer criança, com ou sem DA.
Dentro desta análise temáúca da neuropsicologia (e da psiconeurologia) tem interesse referir ainda outros parâmetros.
Os acidentes de tráfego e de trabalho são, por outro lado, infelizmente férteis em números, para clarificar este problema de regionalização funcional do
cérebro que temos estado a apresentar.
Por outro lado, as fraeturas ou depressões craneanas podem, do mesmo modo, produzir lacerações num hemisfério ou no outro, dando assim origem a alterações
concomitantes de comportamento e de aprendizagem.
Por exemplo, uma lesão lateral no hemisfério esquerdo pode produzir: ao nivel táctil, insensibilidade na mão direita; ao nivel motor, lenúdão na mão direita,
sem perda de eficácia e velocidade na mão esquerda; ao nivel da linguagem falada, esquecimento de algumas palavras; ao nivel da compreensão auditiva, quebra de significação
e de retenção de informação; ao nivel da articulação, uma ligeira amodulação; ao nivel da leitura e da escrita, lentidão; ao nivel espacial (que envolve as funções
do hemisfério direito), boa orientação, boa execução gráfica e boa espacialização agida e representada.
Outro exemplo de regionalização funcional pode ser estudado por meio de convulsões localiz as, envolvendo ou não Ggeiras paratonias nos braços e nas pernas.
Consoante a sua localização hemisférica, as convulsões poderão afectar a leitura e a escrita, ou o desenho e a análise espacial. Conhecendo efecúva mente a lateralidade
da lesão cerebral, pode-se hoje ajudar o professor ou o terapeuta a diferenciar as capacidades cogniúvas e as aquisições escolares.
As aprendizagens escolares primárias (ler, escrever e contar) colocam mais em jogo as funções do hemisfério esquerdo, ao contrário das aprendizagens pré-escolares
(desenhar, pintar, recortar, jogar, saltar, etc. ), que assentam mais nas funções verbais do hemisfério direito. Por esse facto, sabemos actualmente que as lesões
no hemisfério direito não verbais também são problemáúeas em termos de aproveitamento escolar. Daí também a importância do ensino pré-primário obrigatório, com meio
de prevenção, inequívoca e essencial às dificuldades precoces de adaptação e de aprendizagem, que surgem com as exigências das tarefas verbais e simbólicas do 1.
o ano de escolaridade obrigatória (ex-l. a classe).
216
COMRIBUI ÕES DA PSICONEUROLOGIA PARA AS DIFICULDADES DE APRENDIZAGFM
Efecúvamente, e de acordo eom a maturação do sistema nervoso central concreúzada pelo processo de mielinização, o hemisfério direito aúnge a sua maturação
mais precocemente do que o hemisfério esquerdo; por isso, o ser humano, na sua ontogénese, evolui do não-verbal para o verbal, do acto ao pensamento, do reflexo
para a reflexão, do gesto para palavra, da psicomotricidade para a psicolinguísúca, e nunca ao contrário. Aqui estará, certamente uma das maiores soluções ou respostas
a dar à praga social, das DA que surgem com a entrada para a escola; a maioria das crianças, principalmente as desfavorecidas, são eolocadas em tarefas educacionais
que Ihes exigem mais do que o seu parâmetro de desenvolvimento neurobiológico Ihes pode garantir (ver Figura 67).
Várias crianças sem lesões, mas com disfunções provocadas ou não por privações de vária ordem, podem não evoluir bem em Geometria e Geografia, porque estas
envolvem funções do hemisfério direito, mas podem em contraste atingir um nível médio de progresso na aprendizagem de línguas, da História, da Filosofia, etc. ,
porque envolvem funções do hemisfério esquerdo. O inverso é igualmente verdadeiro; aqui está, pois, um importante aspecto a tomar em linha de conta na optimização
educacional e vocacional das crianças e dos jovens.
A compreensão dos efeitos das lesões ou disfunções nos hemisférios esquerdo ou direito permite, na nossa ópúca, uma melhor compreensão dos problemas das
crianças deficientes e das crianças com DA.
Os estudos de lesões anteroposteriores mostram-nos e revelam-nos outros dados também importantes. Intervenções cirúrgicas em adultos no Ióbulo frontal direito
originam perda de ajuizamento em decisões sociais dificuldades no raciocínio indutivo ou redutivo, e rigidez mental, sem no entanto se verificarem alterações no
vocabulário, na abstracção verbal, na informação geral ou na compreensão de problemas, funções estas preferencialmente organizadas nas zonas médias e posteriores
do hemisfério esquerdo.
Ao contrário, segundo Gaddes 1975, as lesões nas áreas posteriores podem causar distúrbios na percepção visual, na compreensão da fala, no reconhecimento
táctil, na direccionalidade, na imagem do corpo, na gnosia digital, na memória de longo termo e na interpretação de figuras. Estes distúrbios, segundo o mesmo autor,
parecem revelar-se nas crianças com DA mais do que os localizados nas zonas anteriores, isto é, frontais como provam as ondas lentas do EEG, que tendem a aparecer
com mais frequência nas regiões occipitais. Para Gaddes, os estudos das técnicas de registo da actividade cerebral tendem a aperfeiçoar-se, pelo que poderão daí
nascer novos ensinamentos para a compreensão das DA.
A nossa tentativa, sem o rigor que os neurologistas podem aúngir, pretende apenas trazer para o campo da educação e da psicologia, ou melhor das DA, alguns
contributos de reconhecida validade sobre a interdependência das capacidades de aprendizagem para uma melhor compreensão dos pro
217
INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
blemas da aprendizagem e, naturalmente, do desenvolvimento da linguagem, visto que são dois aspectos humanos inequivocamente inseparáveis em termos neuropsicológicos.
Independentemente de os professores intervirem fundamentalmente nos domínios da linguagem (input - compreensão auditiva, e output - linguagem falada) com
as crianças nas escolas primárias, é lamentável que na sua formação básica poucas medidas sejam tomadas quanto às DA e quanto às desordens da linguagem. Com conhecimento
mínimo de casos patológicos (afasias) poder-se-ia mais adequadamente deduzir o que ocorre ao nível do desenvolvimento normal da linguagem e, com base nestes dados,
construir programas de enriquecimento e de facilitação mais eficazes e sistemáticos.
Um conhecimento mínimo do conceito de afasia requer evidentemente uma gnosia (reconhecimento), por mais elementar e rudimentar que seja, da estrutura e da
função do cérebro humano.
Sabe-se hoje que o hemisfério esquerdo é fundamentalmente estruturado nas funções da linguagem. A função da expressão (output) da fala envolve o lóbulo frontal
esquerdo, a denominada área de Broca segundo Lenneberg, 1967, Pribram 1971, Geschwind 1972. A função da recepção (input) da fala, isto é, a análise e a deseodificação
e a retenção da informação verbal envolvem, por outro lado, a área de Wernicke, no lóbulo temporal superior esquerdo, não esquecendo as interconexões subcorticais,
que a ligam à área de Broca em termos de recombinação e defeed-back (Geschwind 1965).
Quando um adulto sofre lesões nas áreas acima mencionadas, podemos encontrar vários sintomas afásicos, como, por exemplo: diflculdades na selecção de palavras
e na sua rechamada (recall), substituições verbais, omissões, quando incluídas numa frase, problemas de abstracção, distúrbios de descodificação, etc.
No caso das crianças, embora se denote certas regressões em vários aspectos do comportamento, e se tais ocorrências se derem entre os quatro e os 10 anos,
verifica-se, pelo contrário, que elas atingem uma recuperação espantosa, desde que obviamente se integre a criança num programa sistemático de desenvolvimento da
linguagem, reabilitação esta que, no entanto, poderá levar alguns anos.
Os dados obtidos pela neurotraumatologia são bastante claros quanto às relações entre o cérebro e as aprendizagens simbólicas ou não simbólicas. Conhece-se
actualmente que, para ler e escrever, é necessário observar a integridade do hemisfério esquerdo, onde o girus angular surge como área de integração funcional privilegiada,
reunindo as funções visual, auditiva e quinestésica.
Se a lesão se der na zona posterior do corpo caloso (fibras que ligam os dois hemisférios), impedindo a ligação entre o lóbulo occipital direito e o girus
angular esquerdo, o indivíduo não pode ler nada que seja apresentado no seu campo visual esquerdo (hemialexia).
Se se der uma hemorragia na artéria cerebral posterior esquerda, o indivíduo deixa de ler, mas consegue ainda escrever espontaneamente ou por ditado,
218
CONTRIBUI ÕES DA PSICONEUROLOGIA PARA AS DIFICULDADES DE APRENDI74GEM
isto é, pode tratar-se de uma alexia sem agrafia. Aqui, como o circuito visuolinguístico se encontra afectado, o indivíduo lesado não pode ler; mas como o circuito
auditivo-linguístico-grafomotor está intacto, pode escrever.
Se, todavia, a hemorragia for na artéria cerebral média esquerda, que cobre quase todo o hemisfério esquerdo, o indivíduo lesado não lê nem escreve, isto
é, dá-se uma alexia com agrafia. Sendo as áreas visuais (posteriores) e as áreas auditivas e tactiloquinestésicas (médias), isto é, as áreas associativas, as afectadas,
há simultaneamente incapacidade de leitura e de escrita.
O modelo traumático, substancialmente diferente no caso das crianças, oferece outras indicações de interesse. Nas crianças, e de acordo com a extensão da
lesão, a recuperação pode ser espectacular, dependendo este aspecto da localização da lesão, quer seja dentro, quer fora das áreas da linguagem.
Este modelo patológico oferece, concomitantemente, outros dados mais precisos. A objectividade dos casos não oferece dúvidas. No caso dos modelos de atraso
de maturação neurológica - neurological maturational lagSatz, 1973 e colaboradores -, não é difícil estabelecer uma analogia, pelo menos para perceber que o sucesso
na leitura ou na escrita (aprendizagem) depende da função normal nos circuitos cerebrais que as realizam. Neste âmbito, não podemos negligenciar, ou até mesmo ignorar,
o papel do envolvimento, pois uma estimulação pobre ou poucas oportunidades de mediatização podem implicar uma desaceleração na maturação dos circuitos nervosos
que superintendem a hierarquização das aprendizagens simbólicas.
Se o problema se passa quanto às lesões posteriores, médias e anteriores do hemisfério esquerdo, que impedem a leitura e a escrita, clinicamente também se
podem apresentar casos em que as lesões se situam no hemisfério direito, daí resultando acalculias.
Somar e subtrair são operações repetitivas, automatizadas, especializadas e processadas por aquisições visuomotoras, e estas são preferencialmente reguladas
no hemisfério direito. Com a complexidade das operações aritméticas, os cálculos tendem a envolver funções hemisféricas bilaterais; por isso as crianças mais velhas
(nove-12 anos), ao contrário das mais jovens (sete/oito anos), apresentam, para além de dificuldades de leitura, dificuldades em tarefas conceptuais.
Vários investigadores têm defendido que o conhecimento da disfunção cerebral pode ajudar o psicólogo escolar (psicopedagogo) e o professor em geral. A colaboração
médica neste sector é imprescindível. Muita frustração se pode combater e, consequentemente, reduzir.
Não pretendemos utilizar uma explicação orgânica sobre as DA (ou o insucesso escolar), pois ela encerra em si um perigo. Porém, o perigo parece ser o mesmo,
se não utilizarmos este conhecimento na nossa prática clinicopedagógica.
219
INSUCESSO ESCOL4R - ABORDAGEM PSICOPEDAGrlGlCA
O modelo psiconeurológico pode ser um suporte do processo do diag nóstieo e da intervenção. Pode constituir a base de programas e de desenhos curriculares,
na medida em que permite compreender os défices comportamentais e de aprendizagem das crianças com DA.
A prescrição e a predicção do processo podem atingir outra significação. A informação detalhada das funções psicológicas (percepção, memória, cognição, psicomotricidade,
ete. ) que suportam a aprendizagem surge mais clara do que através dos processos tradicionais e por isso pode auxiliar mais concisamente as estratégias, os métodos
e as abordagens de intervenção educativa, preventiva ou reeducativa.
O aproveitamento escolar pode ser maior se soubermos quais são as áreas fortes das crianças, ou sejam, as portas da motivação que poderão permitir a melhor
exploração dos seus potenciais de aprendizagem.
Os quadros apresentados nas figuras 64 e 65 podem; de uma forma eco nómica, levar a uma melhor interpretação dos dados do diagnóstieo em psicopedagogia.
Tentámos nesta abordagem sensibilizar, com este simples desvio pela psiconeurologia, para as relações cérebro-comportamento e cérebro-aprendizagem. As hipóteses
de mudança no campo das DA passam, na nossa opinião, por melhores processos de diagnóstico e de intervenção, e estes melhorarão no futuro na base de novos contributos
da psiconeurologia.
Como o neurologista está sobrecarregado com outras responsabilidades profissionais, da mesma forma que o professor se encontra hipotecado às aulas do dia-a-dia,
cabe na nossa perspectiva ao psicólogo (clínico ou escolar) o papel de sintetizar e analisar o diagnóstico (psiconeurológico) e preserever as orientações psicopedagógicas
ulteriores.
O suporte - o nível das funções e estruturas neurológicas, da psieologia da percepção, da memória, da cognição, da psicomotricidade, dos métodos de modificação
do comportamento e das DA - poderá ser gradualmente assegurado pelo psicólogo, que urge apoiar nas estruturas normais do ensino.
Evidentemente que o psicólogo não se deve refugiar nos segredos do diagnóstico ou na produção de prognósticos bem sucedidos, Há que transformá-lo, igualmente,
num prático, apoiando e acompanhando a intervenção pedagógica, servindo-se aqui dos apoios psiconeurológicos. A inovação dos métodos reeducativos irá, quanto a nós,
necessitar de um substancial apoio da psiconeurologia. O alargamento do repertório de atitudes e competências do psicólogo tem muito a ver com os dados postos à
disposição pela psiconeurologia; daí esta nossa análise, visando as implicações desta disciplina no campo das DA.
O professor (reedueador, terapeuta ou explicadon, ), como prático que é, tende a servir-se ansiosamente de novas técnieas e métodos para resolver os problemas
dos seus educandos mais lentos. A incorporalização formativa da psiconeurologia facilitará a compreensão do diagnóstico e a planifieação de estratégias educaeionais
mais eficazes. O professor precisa de saber porque
220
COMRIBUI ÕES DA PSICONEUROLOGl A PARA AS DIFICUlDADES DE APREN DIl AGEM
H emisfério Hemisfório esquerdo direito
Global Organi?ação e seriação Organização gestalústa
Análise Síntese
Funções mdo-ou-nada Funções difusas e gradua Processo elaborativo das
Processo conceptual Processo imediato e emoci Categariração das alterações onal
do envolvúnento Sustentação da situação do
Vigilância primária envoivimento
Atenção auditiva Vigilância secundáriá
Ritmo Atenção visual
Organização voGtiva e Música
consciente Organização invotuntária e
automáúca
Lbbulo frontal - Fluência verbal Detecção de eiros
- Regulação do comporta- Consciência social
mento pela fala Juízos recentes de úpo vi Praxias sual
Escrita
Consciencialização
Juízos verbais
Lóbulo temporal Raciocínio verbal Padrões rítmicos Memória verbal auditiva Memória visual de longo Vocabulário termo
Memória auditiva não verbal
Ibbulo parietal e occipital Cálculo Percepção do espaço
Leitura Percepção de fundo
Escrita Discriminação
Praxias construúvas Praxia constniúva espacial
Praxias ideacionais Memória visual de curto
Síntese. Percepção da termo
forma Reconhecimento visual de
Aquisições associativas objectos e figuras
Apreensão de sequências Memória para faces
Figura 68 - L alização inter-hemisférica e concomitantes funções corticais
supetxores
221
INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSlCOPEDAGÓGICA
Áreas cerebrais Disfunções
Áreas frontais Expressão oral
(anteriores) Funções de ordem e seriação Memória curto termo Praxias (dispraxia) Processamento visual subtil Mudanças de actividade
Áreas temporais Percepção visual [constância da forma, omissões, rotações, figura-fundo, (médias) completamentos (closure), detecção de promenores
etc. ]
Visuomotácidade
Desenho
Cbpia
Áreas temporais Percepção auditiva (médias) Descodificação
Associação verbal Recham d de informaÇão
Áreas parietais Cmosia táctil (médias) Gnosia digital
Imagem do cospo
Sequencia Gzação pré-motora Dinescionalidade
Figura 69 - Áreas e disfunções cerebrais
usa um método, ou uma tarefa, para uma certa criança. Não bastam as metodológicas tentativas e os erros. Há urgência em economizar tempo, quando está em jogo o futuro
dos educandos. Pela ignorância destes assuntos subsiste a tendência de culpabilizar, umas vezes as crianças ou os pais, outras vezes o professor ou os métodos, conforme
os enfoques extremistas com que normalmente as DA são encaradas. Com a investigação psiconeurológica, muito terreno hoje inacessível será superado e conquistado
no futuro.
Por outro lado, é preciso compreender que os testes de inteligência (QI) são diferentes das bateriais psiconeurológicas. Eles não se reduzem uns aos outros,
não são sequer incompatíveis. Enquanto o QI é um predictor útil para as crianças com funções cerebrais normais, ele não o é quando estamos em presença de crianças
com disfunções cerebrais normais. Aqui a inteligência psiconeurológica é preferível à inteligência psicométrica,
222
CONTRIBUIÇ'ÕES DA PSICONEUROLOGIA PARA AS DIFICULDADES DEAPRENDIZAGEM
A avaliação psiconeurológica oferece uma nova explicação para os problemas das crianças com DA, pois encara-as num todo em que todos os factores históricos
(pessoais, familiares, escolares e médicos) são respeitados em termos globais e dialécticos.
Os próprios pais podem ter outra tolerância para superar os problemas emocionais dos seus filhos. As percepções dos pais, embora algumas vezes ignoradas
por técnicos, devem ser tomadas em linha de conta. A sua função como coterapeutas pode atingir outras implicações com o suporte da psiconeurologia. A dinâmica intrafamiliar
pode complementar o esforço clínicopedagógico; daí a vantagem em promover expectativas mais abertas e optimistas com a introdução desta nova alternativa.
percepção com nsão
- z "
z "! D
interpretação significação visão recodificação (análise do (correspondência) optema) optema-fenoma)
audição
lNPUT Sisteme 'fRANSDUÇÃO Sisteme TRANSDUÇÃO Sisteme TRANSDUÇÃO Sisteme visuel euditiv0 SCM IItiCO Olel
( OP'fEMA) (FONEMA) (SIGNItlCAÇÃO)OllTPUT
SISTEMA SEMÂNTLCO
( 3)
lNP SISTEMA I VISUAL
(l)
Figura 70 - Processo da leitura
223
INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
Alguns factores psiconeurológicos implicados nas DA
Dentro dos factores psiconeurológicos mais negligenciados no estudo das DA, emergem as disfunções no processamento da informação auditiva e visual e na integração
auditivovisual e visuoauditiva.
É evidente que a maioria destes problemas resulta provavelmente de uma certa imaturidade neurológica, mais sensível, segundo investigações, nos rapazes do
que nas raparigas.
De facto, a aprendizagem da leitura requer uma série de aquisições perceptivas, linguisticas e cognitivas.
O HD atinge o processo de mielinização mais precocemente.
A ontogénese vai do NÃO-VERBAL (HD) ao VERBAL (HE), do acto ao pensamento, do gesto à palavra, da psicomotricidade à psicolinguística.
Hemisfério ' Classificar (HD) Seriar
Recolher Desenhar
i
' P i n t a'e c ot a' E n f i a r
Hemisfério C Ler (L) esquerdo ' ' Escrever (E) ( ) F ( ) vr' Fal (F
Figura 7l - Aprendizagens pré-primárias e primárias
224
CONIRIBUIÇ'ÕES DA PSICONEUROLOGIA PARA AS flIFICUIllADES DE APRFlV DIIAGFJK
De acordo com trabalhos de especialistas, para ler, o cérebro reclau>a as seguintes aquisições:
1) Controlo postural e da atenção;
2) Seguimento de orientações e inswções visuoespaciais (de cima para baixo em termos de linhas horizontais, e da esquerda para a direita
em termos de descodificação e sequencialização de lelras e palavras);
3) Mmembria auditiva;
4) Sequencialização e ordenação fonéúca;
5) Memória visual;
6) Sequencialização e ordenação graféúca;
7) Aquisições para descodificar palavras (word anack skills - estratégias de ataque" de paiavras;
8) Análise eswtural de linguagem;
9) Síntese lógica e interpretação da linguagem;
10) Desenvolvimento do vocabulário; 11) Expansão e generalização léxica;
12) Aquisições de escrutínio e de referenciação léxicossintáctica.
Por este esquema simplificado podemos compreender que a aquisição da leitura leva um longo tempo de aprendizagem e de automatização. Ao envolver várias fases,
a leitura exigè a apropriação de pré-aptidões indispensáveis. Pré-aptidões que muitas vezes não se encontram seguramente adquiridas por algumas crianças quando entram
na escola, principalmente as mais désfavorecidas (socioeconomicamente, socioculturalmente e sociolinguisticamente).
A escola e os seus professores, muitas vezes, não se apercebem da natureza destes problemas e, por não os tomarem em linha de conta na fase propedêutica
ou por não terem sido sensibilizados para isso na sua formação, tendem a criar DA.
Por serem ignorados vários factores psiconeurológicos e maturativos das pré-apúdões da leitura, da escrita e do cálculo, as DA são frequentemente inevitáveis.
É dentro deste parâmetco que se deve equacionar também o conceito de dispedagogia. Como aligeirar esta situação? Pensamos que, nesta questão; a psiconeurologia
fornece alguns apoios substanciais.
A grande dificuldade de controlo da atenção, a imaturidade psicomotora e a vulnerábilidade das aquisições básicas de processamento auditivo e de informação
visual cetzarnente que interferem com a aprendizagem, na qual não se pode negligenciar a importância da maturidade emocional e afectiva, nem sempre respei_tada,
ou por vezes exclusivamente reforçada.
Descurar, por exemplo, a importância da lateralização, normalmente associada à especialização hemisférica, pode por si só implicar DA. A late
225
INSUCESSO ESCOIAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGbGICA
ralização reflecte a integração neuropsicológica que é necessária às aprendizagens simbólicas. O cérebro possui dois hemisférios com estruturas assimétricas alcançadas
pelo processo da filogénese, que decorreu em ritmos diferentes em termos de ontogénese (Fonseca 1982).
Já atrás afirmámos que o hemisfério direito se mieliniza primeiro do que o esquerdo. Para que o hemisfério esquerdo esteja apto para a leitura, é preciso
que o hemisfério direito adquira redes funcionais proporcionadas pelas experiências pré-primárias: desenho, pintura, recorte, expressão gráfica, artística, criatividade,
construção de objectos, etc. Quantas crianças iniciam a leitura sem estas aquisições? Provavelmente mais de 30% das crianças das escolas primárias (ver Figura 7I).
Prechtl I962 detectou em 90% de crianças disléxicas movimentos irregulares e espasmódicos ao nível corporal e ao nível dos músculos oculares, sinais de actividade
involuntária, causando distúrbios de fixação e perseguição binocular, obviamente implicados na leitura.
Nas nossas investigações, temos encontrado problemas psicomotores nas crianças com DA normalmente concentrados em dificuldades de controlo tónico (hipo ou
hipertonicidade, paratonais e disdiadococinesias sincinésias); ao nivel do equilibrio (problemas de controlo vestibular e proprioceptivo, dificuldades de imobilidade,
reequilibrações abruptas, etc. ); ao nivel da noção do corpo (problemas de reconhecimento somatosensorial, agnosias faciais e digitais); ao nivel da estruturação
espaciotemporal (problemas de memória de curto termo visual e auditiva); ao nivel da coordenaÇão de movimentos (dispraxias globais e finas, problemas de dextralidade,
dismetrias, etc. ) (Fonseca 1980).
O cérebro está, dos quatro aos oito anos de idade (isto é, entre a pré-primária e a primeira fase), em grandes transformações. A sua plasticidade e o seu
crescimento neste momento são decisivos para as aprendizagens simbólicas; daí o papel preventivo das experiências pedagógicas naquela fase de maturação.
A nutrição (Cravioto e Delicardie 1975), a estimulação (Greenough, 1976), o repouso e a ausência de influências nocivas, bem como um adequado envolvimento
afectivo, assumem nesta fase um papel demasiado relevante que justifica bem a influência das condições do meio na maturação cerebral.
O conjunto das influências do meio, da estimulação e da educação produzem processos de facilitação sináptica nas áreas subcorticais, como demonstraram Raisman
e Field 1973, e provocam mudanças locais nos tecidos e nos circuitos nervosos através de novas conexões, como nos sugerem Diamond, Cooper, Turner e Macintyre 1976.
Crescimentos pré e pós-sinápticos, arborizações dêntricas, actividades enzimáticas, concentrações iónicas de ácido nucleico, novas proporções e proliferações entre
neurónicos, nevróglias e astrocitos, etc. , mostram bem que as estruturas cerebrais reflectem, em certa medida, a qualidade das influências do envolvimento e das
oportu nidades educacionais e mediatizacionais.
226
CONTRIBUIÇÕES DA PSICONEUROLOGIA PARA AS DIFICULDADES DE APREN Dl7 AGF. f
Com estes dados somos levados a acreditar nas implicações benéflcas dá intervenção educacional precoce, que naturalmente tende a aperfeiçoar o funcionamento
do cérebro, desde que tal intervenção se fundamente à luz do conhecimento neuropsicológico e psiconeurológico.
Nesta linha, podemos concluir que as experiências educacionais precoces não só facilitam o desenvolvimento da criança normal como permitem, provavelmente,
a reorganização do SNC nas crianças deficientes.
O cérebro e as funções podem mudar através de situações educacionais ou de envolvimentos enriquecedores onde tais mudanças podem ocorrer. O desafio aos educadores
e aos professores é cada vez mais aliciante, desde que se ponha em prática os ensinamentos da neuropsicologia e da psiconeurologia.
Efectivamente, a aprendizagem não se pode dissociar do conhecimento do cérebro. Quanto melhor se conhecer o cérebro, melhor se poderá superar as DA. O cérebro
é quem aprende, quer se trate de aquisições da linguagem não verbal, quer se trate das aquisições da linguagem falada e escrita.
Em suma, para aprender a ler, a criança precisa de ter atrás (e dentro) de si um conjunto de experiências e de envolvimentos que garantam um conjunto de
modificações neurobiológicas no seu cérebro. Para ler, várias aquisições perceptivas e integrativas se têm de dar em diferentes partes ou unidades do cérebro. É
possível que as DA resultem de uma disfunção manifestada por aspectos estruturais, ou por problemas de transmissão dos estímulos nas áreas associativas, por diferenças
de transdução e integração e de organização, ou por interferências nos processos auditivos e visuais que sustentam o processo da leitura.
Muitas diferenças nos factores psiconeurológicos de aprendizagem têm sido encontradas entre crianças com DA e crianças sem DA, quer diferenças no processamento
auditivo, quer diferenças na integração auditivovisual ou vice-versa.
No processo auditivo, que é crucial para a leitura, por exemplo, especialmente se ela é oral, estão envolvidas funções de discriminação, identificação, sequencialização,
memória, etc. A leitura oral énvóivé as áreas cerebrais não só da leitura, mas também da fala. A leitura silenciosa exige, em contrapartida, subvocalização e rechamada
da informação auditiva armazenada na memória.
Luria 1963, por exemplo, demonstrou que os distúrbios na função fonética levam inevitavelmente a uma perturbação na capacidade da leitura e a uma desintegração
na capacidade da escrita. Alterações nas funções de análise e sintese. fonética (fragmentação e sequencialização) originam desordens na leitura e na escrita, e muitas
vezes na própria estrutura quinestésica da fala.
Zigmond 1966 demonstrou que as crianças disléxicas apresentam mais dificuldades na aprendizagem auditiva. Na sua investigação, as variáveis auditivas que
mais diferenciavam as crianças disléxicas das não disléxicas
227
INSUCESSO ESCOIAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
SNC
PROGRAMAÇÃO REGULACÃO
CONDUTA
- T
MEIO q, RM AMEKfO V 'KAÇÃO
LPJGUAGEM
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INFORMAÇÃO
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fo DECISÃO
aniculemas ACÇÃO
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RECEPÇÃO TRANSDUÇÃO \I/ EXECUÇÃO pRODUÇÃO
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NA EsCRITA
+ I
E
Figura 72 - Modelo de processamento da infOrmaçã0 na leitura
eram as seguintes: associação auditiva (ex. : pN + éN faz = pé; bH + ao faz = bo; Kh, + a = la; bola, etc. ) e no ditado oral (dizer oral e sequencialmente
com que letras se escreve as palavras: prato; barba; árvore, etc. ) Tallal 1976 mostrou, noutro estudo, que os disléxicos apresentam dificuldades no processamento
auditivo primário, pois evidenciam dif Iculdades em organizar e integrar estímulos auditivos rápidos, embora não manifestem dificuldades nas mesmas tarefas quando
os estímulos são apresentados de uma forma lenta. Razão pela qual os métodos fõnicos não se adaptam para crianças ciisléxicas auditivas (disfonéticos).
As investigações que utilizam técnicas de audição dicótica - apresentação simultânea de diferentes informações auditivas para cada ouvido (por exemplo, para
o ouvido direito entra a informação b-f-h, para o esquerdo entra 1-3-8) - têm demonstrado que as crianças disléxicas revelam dificuldades nestas situações.
Dados de investigação demonstram que os números, as letras e as pala vras se processam preferencialmente no hemisfério esquerdo, desde que a entrada da informação
se faça peio ouvido direito. Vários trabalhos de investigação têm sido unânimes em evidenciar que a população de disléxicos é
228
COMRIBUI(ÕES DA PSICONEUROLOGIA PARA AS DIFICULDADES DE APREND AGFM
menos consistente na lateralização auditiva direita, isto é, escolhem irregularmente ora o ouvido esquerdo, ora o ouvido direito. Leong 1976 conseguiu chegar a resultados
que mostram claramente a superioridade do ouvi direito sobre o esquerdo no que respeita ao processamento da infonnação auditiva. Os disléxicos mostraram neste estudo
um atraso maturacional, espe= cialmente no que respeita à síntese da informação.
Por outro lado, Satz 1976 demonstrou que as lateralidades auditiva e manual direitas caracterizam quer as crianças com DA, quer as sem DA.
ORDENAÇÀO
SEQUENCIA1. QAÇÃO
RE T E Nç Ão
A. V. TQ.
Ì EXECUCÂO DE MOV4HENTOS PRECISOS E CONTROLADOS
DISC AÇÃO
. OlDamão I Ho
. Conaob corporal
PERCEPÇÃO VISUOMOTORA
0 i i I i E i F i
R R N
X E
I E i T i
E i C E p E
i R i i
N E G LINGUAGEM
i i i E i i
T i P i R i S i g i
A Ç A
i i i S i A i
ç , A ç
à i 0 i à à i C i
i 0 i X i
0 ! ! 0 ! ! !
CONSC NCIA ECONTROLO CORPORAL
1 1
, gem çgo )u Resposia imediaia moni oriz Selecçào dos esUmulos relevanus Associação com informação prtvia (inte )
. Reco<daçào (rerrrwo!) da informa- Resposts nlevante parn objeaivos e ç8o mkvan e fins RAtingir um fim, um resW
- Selução de sequ2ncis apropriadas
de int ão
Figura 73 - Outro modelo de processamento da informação
229
INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGlCA
Bakker e colaboradores 1976 exemplificaram que a fase inicial da leitura é mais dependente do hemisfério direito, pois parece existir, na primeira fase,
uma maior atenção visual às letras; daí a lentidão da leitura e a redução de inêxitos. Mais tarde, a descodificação é mais rápida por ser feita pelo hemisfério esquerdo;
daí que a frequência dos inêxitos seja maior.
O ouvido esquerdo parece ser mais utilizado para reprodução de padrões rítmicos e de sons, bem como de sílabas, segundo também Bakker. No entanto, o ouvido
direito surge como o mais utilizado na recepção de palavras e frases.
Na nossa casuística de reeducandos, temos encontrado, no nosso Dia gnóstico das Aquisições da Percepção Auditiva - DAPA, vários problemas no processamento
auditivo. A maioria das crianças com DA revela diftculdades em: discriminar pares de palavras (ex. : não reconhecem a diferença entre pano>> e cano>> ou podem
reconhecer como iguais bico>> e pico>>); diferenciarfrases absurdas (ex. : as árvores voam?>> os copos dançam?>>, etc. ); identificar o primeiro som de palavras
(ex. : a>> para água>>; m>> para mesa>>, etc. ); completarpalavras (ex. : completa li em alivro>>; avi em avião>> ou avioneta>>, etc. ); completarfrases
(ex. : a casa tem e >> em a casa tem portas e janelas, etc. ), etc. '.
Com estes exemplos tentámos apresentar alguns dados concretos sobre os distúrbios do processamento auditivo que normalmente caracterizam as crianças disléxicas
auditivas (disfonéticas).
Vejamos agora o que pode ocorrer quanto ao processamento visual. Da mesma forma estão envolvidas funções de discriminação, identificação, completamento,
memória, etc.
Se formos ao exemplo da leitura que temos estado a estudar, veriflcamos que, para ler, é necessário focar os olhos num dado ponto especial da folha impressa,
coordenar binocularmente os movimentos para escrutinar por saltos e sequencialmente as letras e as palavras orientadas da esquerda para a direita, exactamente o
que o leitor está a fazer neste preciso momento - para além de muitas outras funções.
É claro que a descoordenação ocular interfere com a percepção visual. Também é claro que a percepção visual não é tudo o que explica a aprendizagem da leitura,
como demonstrámos com a primeira adaptação que se fez em Portugal do Developmental Test of Visual Perception (Teste de Desenvolvimento da Percepção Visual, de M.
Frostig - Fonseca e colaboradores 1976).
É evidente que não se pode ignorar a fragilidade dos músculos oculares (estrabismo) no processo da leitura. Esta condição, como é óbvio, pode gerar lentidão
no processamento da informação visual. Por outro lado, a leitura2, porque envolve uma perseguição horizontal e uma coordenação melódica e
Ver exemplos do Diagnóstico das Aquisições Percepávoauditivas - DAPA. (Ver pág. 237). 2 Pelo menos no Ocidente, visto que no passado, no Japão, a leitura
se processava da direita para a esquerda e no sentido vertical.
230
CONTRIBUI ÕES DA PSlCONEUROLOGIA PARA AS DIFICULDADES DEAPREN Dl7 AGEM
sacádica (movimentos aos saltos), põe em jogo um sistema visuomotor muito complexo, onde se integram funções de figura- fundo, constância da forma, escrutínio, análise
intrínseca e extrínseca, posições e relações no espaço. Para além destes pormenores, não podemos ignorar que a percepção visual é influenciada por outras variáveis:
tamanho, cor, organização e complexidade do material da página, etc.
A - O processo antigravítico
B - O processo de localização corporal C - O processo de identificação D - O processo auditivoverbal
Figura 74 - O processo visual
231
INSUCESSQ ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
Na leitura, a visão processa formas (gestalts), e partes de formas, discrimina-as, seleeeiona-as, rearranja-as e combina-as. Sem a percepção visual a actividade
mental terá de ser alimentada por outras fontes de informação, isto é, auditiva ou tactiloquinestésica como por exemplo, no deficiente visual, a leitura braille.
A visão possui um complicado mecanismo ajustador oculomotor, um complexo processo de transmissão dos estímulos visuais para outras áreas do cérebro, para
além de funções de análise e de síntese.
Segundo Skeffington 1926 e Getman 1965, a visão resulta de uma multi-integração sensorial, englobando a integração das aquisições motoras, sensoriomotoras,
pereeptivomotoras e psicomotoras, a imagem do corpo, a lateralização e a direccionalidade do corpo, a manipulação e a apreensão dos objectos, ou seja, os prelúdios
da linguagem falada, para além de mais tarde garantir as aprendizagens simbólicas mais humanizadas - ler (receptivo) e escrever (expressivo). (Figura 74).
PERCEPÇÃO VISUAL
COORDENAÇÃO RELAÇÕES VISUOMOTORA ESPACIAIS
FIGURA POSIÇÃO
E NO
F( NDO ESPAÇO
CONSTÂNCIA
DA
FORNfA
Figura 75 - Componentes da percepção visual, segundo Frostig
232
CONTRIB UfÇ'ÕES DA PSICONEUROLOGIA PARA AS DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM
A visão é um sistema neuropsicológico integrador de onde emerge a simbolização e, posteriormente, a conceptualização, razão pela qual exerce associações
muito complexas quer com o tacto, quer com a motricidade, bem como com a audição. A informação visual é o resultado, portanto, de uma integração multissensorial,
na medida em que as sensações visuais ganham significação com a motricidade, que por sua vez produz feed-backs (Gibson 1969). Em conclusão: a visão só existe em
harmonia com o tacto e a experiência motora (Stratton 1987).
O reeonhecimento de letras e de palavras na leitura envolve a organização de diferentes sistemas sensoriais (Valett 1980), incluindo a integração da informação
visual e a informação da convergência ocular, da direcção e ori entação do espaço, da percepção de pormenores de cor, forma, espessura e de relações de contexto,
etc.
Na visão, também a lateralização se coloca: ou seja, a relação entre o olho dominante e a mão dominante. Daí o papel da psicomotricidade em tornar estável
o processo neurobiológico da lateralidade. A dependência recíproca da visão e da motricidade é uma constante do comportamento humano.
Ao passar à leitura, a visão assume uma hierarquização sensorial que assenta em pré-aptidões, que Frostig 1979 subdividiu em cinco componentes: coordenação
oculomanual, figura-fundo, constância da forma, posição no espaço e relações espaciais. Para esta autora, sem uma ampla experiência visuomotora, a criança terá grandes
dificuldades na aprendizagem da leitura (Fonseca 1976) (Figura 75).
Taylor 1966 mostrou que o leitor iniciado realiza aproximadamente 240 fixa ões oculares na leitura de um texto de 100 palavras. Mais tarde, quando a leitura
é já automatizada, as flxações baixam para 80 (leitor de liceu).
A extensão do reconhecimento (visual span) é, no iniciado, de meia palavra, enquanto que no liceu ela passa a uma palavra e meia. De facto, à medida que
as flxações se reduzem e a extensão do reconhecimento aumenta, a compreensão desenvolve-se gradualmente. Segundo o mesmo autor, a compreensão é de 75 palavras por
minuto na primeira classe e de 298 palavras por minuto no liceu.
As experiências no taquitoscópio demonstram que os maus leitores apresentam mais dificuldades nas fixações e na organização do material. Parece subsistir
uma espécie de dispraxia ocular que impede a fácil identificação de formas e de optemas, razão pela qual a estimulação táctil (letras móveis) pode facilitar a organização
perceptiva que permite a leitura.
As confusões, omissões, adições, substituições e inversões que se dão na leitura do disléxico podem traduzir distúrbios nas áreas associativas visuais. A
transmissão e a integração das unidades perceptivas não se processa cor rectamente, daí resultando os tradicionais inêxitos dos disléxicos, ora por problemas de
imatúridade perceptiva, ora até mesmo por inadequações bioquímicas.
233
A identificação visual sequencializada da leitura, por outro lado, impõe
a integridade dos sistemas cerebelosos e vestibulares, motivo pelo qual os métodos gestuais de aprendizagem da leitura podem ser tão benéficos para as crianças com
DA. Frank e Levinson 1976 apresentaram uma investigação em que os disléxicos manifestaram oscilações involuntárias rápidas nos globos oculares com perturbações vestibulares,
que os prejudicavam em tarefas de coordenação oculomanual (ex. : realizar labirintos, identificar figuras sobrepostas, etc. ).
Gray 1922, num estudo clássico, demonstrou que os bons leitores têm menos movimentos oculares por linha, pausas mais pequenas e menos movimentos regressivos.
Goins 1958 descobriu que o complemento visual e a velocidade perceptiva são factores psiconeurológicos facilitadores da aprendizagem da leitura. Kass 1962 mostrou
igualmente que os disléxicos têm mais problemas na reprodução de símbolos visuais, na predicção de gestalts, na memória visual e na comparação de pormenores em pares
de figuras.
Nos nossos trabalhos de pesquisa temos verificado que as crianças com DA possuem mais dificuldades na realização de labirintos rectos e curvos, no desenho
geométrico, nos grafismos rítmicos e sequencializados, na identificação de sequências, na transferência de situações espaciais topográflcas, etc.
Os maus leitores (Fonseca 1977) apresentam claramente mais problemas de coordenação oculomanual, de integração e processamento da informação visual.
A aplicação preventiva de programas de desenvolvimento perceptivovisual no ensino pré-primário poderá emprestar um substancial apoio a crianças que não têm
o processo visual devidamente estruturado. As pré-aptidões a nível visual e a nível auditivo são fundamentais; daí o papel de as privilegiar em programas e curriculos
escolares hierarquizados.
Como a leitura envolve a tradução da informação visual (optema) em informação auditiva (fonema), será que as crianças com DA apresentam dificuldades ou diferenças
na integração auditivovisual? Claro.
Na integração auditivovisual situam-se também alguns dos factores psiconeurológicos que justificam ou que são causadores das DA.
Jastak e Jastak 1976 sugerem que os disléxicos apresentam défices vasculares entre os centros visuais e as áreas da linguagem. Recentes investigações
(Galaburda 1980 - 31. a reunião da Orton Society) sugerem que os arranjos neuronais são diferentes nos disléxicos.
É aceitável que assim seja, na medida em que a leitura se passa em várias unidades funcionais (Luria 1973); por isso cada zona ou sistema actua na
organização global do processo da leitura de uma forma específica, como vimos atrás.
Como as DA, as dislexias compreendem um déflce na integração e na transmissão sensorial, devido a uma disfunção psiconeurológica. E provável até
que a integração auditivovisual esteja afectada, quer não verbalmente, quer verbalmente.
234
CONTRIBUIÇ'ÕES DA PSICONEUROLOGIA PARA AS DIFICULDADES DE APREN DlZA GEM
O mau leitor evidencia sempre problemas em tarefas auditivovisuais (Satz e Van Nostrand 1973, Birch e Belmont 1964). A ordenação, a sequencialização de estímulos
auditivos, como sejam as estruturas rítmicas, surgem também normalmente descontroladas. Situações de amostragem de figuras ou estruturas espaciais e a sua reprodução
posterior no plano motor ou verbal surgem igualmente com omissões, com adições ou com inversões.
No nosso diagnóstico informal da leitura (DlLE), para ilustrar este aspecto (ver modelo a seguir), temos uma prova de memória visual que envolve três figuras
de frutos e três fichas com os respectivos nomes. A prova consiste em apresentar várias sequências com as imagens, sequências que o observado tem de reproduzir sequencialmente
de memória (curto termo), com os nomes respectivos (palavras - componente auditivo).
Nesta prova de integração visuoauditiva, os maus leitores sistematicamente erram ou por inversão ou por alteração de ordem e sequência. Parece que se verifica
uma certa diflculdade em manter (segurar) a informação sensorial, para depois a processar, integrar e transferir.
Witelson 1976 conduziu experiências similares tendo concluído que as crianças disléxicas apresentam problemas de processamento espacial e de integração auditivolinguística
a provar uma disfunção psiconeurológica. Hugles 1976 sugeriu mesmo que os disléxicos têm taxas anormais de monoamina oxidase e tiroxina, que se sabe terem efeitos
negativos na transmissão neurológica, o que dá mais consistência à tese da disfunção.
Todos estes trabalhos que procuramos resumir ao longo do capítulo sugerem que, ao nível preventivo e ao nível reeducativo, se utilize primeiro processos
de trabalho visuomotores e visuoespaciais e, posteriormente, estratégias auditivolinguísticas, para além de métodos multissensoriais de compreensão e de feed-back.
Em conclusão, a dislexia, efectivamente, é uma realidade. Há que aceitá-la à luz dos factos que tentáznos apresentar. Cabe à investigação psiconeurológica
e à inovação pedagógica do futuro dar respostas a tão significativo problema humano. Para isso nos esforçamos e nesse sentido continuaremos a conduzir os nossos
projectos de investigação.
amostragem 1
2 3 imagens ' retira-se as fichas e a criança reproduz, com as respecùvas ficMas, as
palavras palavras l a morango '
Figura 76 - Prova da memória visual do DILE
235
INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
DIAGNÓSTICO INFORMAL DA LEITURA (DILE)
Ficha de Observação Pedagógica
Nome Data de nascimento Fase de aprendizagem Data de observação i
Observações pedagógicas complementares Idade
a n om ee s
1- PRÉ -APTIDÕES DA LEITURA ESCALA
1. 1- Eliscriminação visual de figuras . 1 2 3
1. 2- Discriminação visual de 1etras. . . 1 2 3
1. 3- Nomes de letras (vogais e consoantes)... . . I 2 3
1. 4- Sons de letras . I 2 3
1. 5- Silabação... ... . . 1 2 3
I. 6- Discriminação visual de palavras . 1 2 3
1. 7- Memória visual . 1 2 3
1. 8- Análise fonética... ... ... . . 1 2 3
1. 9- Reconhecimento de palavras... . . 1 2 3
1. 10- Vocabulário... . . 1 2 3
1. 11- Articulação... . . 1 2 3
2 - APTIDÕES DA LElTURA
2. 1- Leitura Oral
2. 1. 1- Pronúncia... ... . . 1 2 3
2. 1. 2- Confusões, repetições e hesitações (proc " auditivo)... ... ... . . 1 2 3
2. 1. 3- Omissõés, inversões, adições e substituições (proc ó visuaI) . I 2 3
2. 1. 4- Velocidade da leitura (tempo)... . . 1 2 3
2. 1. 5- Pontuação... ... . . 1 2 3
2. 1. 6- Expressão... ... . . . 1 2 3
2. 1. 7- Postura corporal . I 2 3
2. 1. 8- Compreensão e interpretação... . . . . 1 2 3
2. 1. 9- Desenvolvimeto de conclusões. . . . 1 2 3
2. 1- Leitura Silenciosa
2. 2. 1- Postura corporal. 1 2 3 2. 2. 2- Atenção e segurança... . . 1 2 3 2. 2. 3- Compreensão e intérpretação... . . 1 2 3 2. 2. 4- Desenvolvimeto de conciusões...
1 2 3
O O bev a d o r
236
COMRIBUI ÕES DA PSICONEUROLl7GI A PARA AS DIFICUIDADES DE APRENDIl AGEM
DIAGNÓSTICO DAS AQUISIÇÕES PERCF 'TIVOAUDITIVAS (DAPA)
M F
Nome Sexo D 0 Fase de aprendizagem Data de observação
Data de nascimento i
Observações complementares Idade
anos meses
PERFIL DO PROCESSO AUDlllVO
PERFII. DE FJOl DS 2096AOR, 609o 8096
I - Discriminação de pares de palavras
2 - Discriminação de frases absurdas
3 - Identifscação fonética
4 - Síntese auditiva
5 - CompIetamento de palavras
6 - Completamento de frases 7 - Associação auditivovìsua I
8 - Memória auditiva de números e sflabas
9 - Memória de palavras e frases
IO - Associação auditiva
TOTAL DE ÊXITOS:
Comportamento durante a observação
Recomendações
O Observador
237
INSUCESSO ESCOIAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
Outras pesquisas mais centradas nos problemas de processamento auditivo têm demonstrado que crianças disléxicas auditivas (ditas disfonéticas"), acusam
inúmeras vulnerabilidades em várias das suas componentes, como são exemplos as que se apresentam no modelo seguinte de diagnóstico das aquisições perceptivoauditivas
(DAPA) criado por nós.
O DAPA é um meio de identificação das aquisições perceptivoauditivas consideradas fundamentais para a aprendizagem da linguagem falada (primeiro sistema
simbólico). A linguagem falada compreende o segundo estádio da evolução da linguagem humana. É antecedida da linguagem não verbal, gestual e corporal e seguida da
linguagem escrita (segundo sistema simbólico) que compreende um aspecto receptivo, a leitura, e, um expressivo, a escrita.
O DAPA constitui um dispositivo para detectar problemas na percepção auditiva, considerada como uma aquisição essencial e pertinente para a adaptação ao
meio. Qualquer anomalia no processo auditivo pode impedir a passagem do som até ao sistema nervoso central, condição essa necessária à comunicação interpessoal e
ao domínio da linguagem falada.
As perturbações na percepção auditiva são frequentes nas crianças em idade pré-escolar e escolar, independentemente da sua normal audição, das suas avaliações
audiométricas normais e da sua conversação normal. Não basta uma audição normal em termos de aprendizagem e de evolução escolar adequada; convém atender ao processo
dé informação sensorial em todos os seus aspectos receptivos, integrativos e expressivos.
O processo da linguagem falada consta de três aspectos:
1) Recepção - Input auditivo (1, 2, 3, 4);
2) Integração auditiva (5, 6, 7, 8, e 10);
3) Expressão - Output verbal (rememorização, vocabulário, estrutura gramatical, formulação, ecolálias, articulação).
Em resumo:
Processo
H Processo
H de
output
u verbal
auditivo
i
i i
i i
i i
i i
DAPA
J
Figura 77 - Processo de linguagem falada
238
COMRIBUIGÕES DA PSICONEUROLllGI A PARA AS DIFICUlDADES DE APREN Dl7 AGEM
O DAPA é um meio de diagnóstico precoce e, ao mesmo tempo, um indicador de programas educacionais prevenúvos de interesse para a aprendizagem escolar. A
identificação das áreas fortes e fracas, no processo da linguagem falada, pode prever a uúlização de estcatégias educacionáis compatíveis com as necessidades específicas
das crianças.
A aquisição da linguagem falada processa-se em muitos casos por imitação e por interacção social; porém, muitas imprecisões podem manifestar-se não só na
expressão da linguagem falada, mas também na compreensão auditiva.
O DAPA procura fornecer um perfil das aquisições perceptivoauditivas indispensáveis à linguagem falada e à linguagem escrita. A investigação tem demonstrado
uma elevada conelação entre as aquisições perceptivoauditivas e as aprendizagens escolares da leitura e da escrita (ex. Wepman 1960 e Myklebust 1978); daí a necessidade
de se desenvolver um instrumento de identificação, de fácil e económica aplicação e de útil planificação pedagógica, que permita discriminar crianças em que se torna
necessária uma análise mais rigorosa das suas aquisições percepúvoauditivas.
O DAPA pode ser aplicado individualmente ou em pequenos grupos a partir da pré-primária.
PROCESSO AUDITIVO
1 - Discriminaçâo de Pares de Palavràs 1. 1- Nó-Nó 1. 2 - Sua-Lua 1. 3 - Ser-Ser
1. 4 - Mola-Bola
1. 5 - Ata-Ata
1. 6 - Tomar-Tocar
1. 7 - Faca-Vaca
1. 8 - Janela-Panela 1. 9 - Espada-Espada I. 10 - Empatar-Engatar
% êxitos % inêxitos
2- Discriminação de Frases Absurdas
2. 1- As aves voam? Sim/Não
2. 2- Os beb8s voam? Sim/Hão
2. 3- Os animais comem? Sim/Não
2. 4- As cadeiras bebem? Sim/Não
2. 5- As árvores andam? SimlNão
2. 6- Os copos dançam? Sim/Não
2. 7- Os aviões voam? Sim/Não
2. 8- Os bonecos brincam? Sim/Não
239
INSUCESSO ESCOIAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
2. 9 - Os gatos dormem? Sim/Não 2. 10 - As casas nadam? Sim/Não
- % êxito% inêxi tos
3 - Identificação Fonética
Qual é a primeira letra ou o primeiro som das seguintes palavras? Respostas
3. 1 - água
3. 2 - berlinde 3. 3 - carrocel
3. 4 - sol
3. 5 - elefante
3. 6 - folha 3. 7 - garfo 3. 8 - vitória 3. 9 - triciclo
3. 10 - urso
% êxito % inêxito
4 - Sintese Auditiva
Respostas Respostas
1. Tetliativa 2. a Tentativa
4. 1- /pl - Yé/ (pé-fé-sé)
4. 2- /k/ - /a/ - /m/ - /a/ (gama-cama-ama) 4. 3- /v/ -/a/ - /c/ - /a/ (faca-vaca-maca)
4. 4- /b/ - /o/ - /t/ - /e1 (pote-lote-bote)
4. 5- lr/ - /o/ - /d/ - /a/ (moda-roda-poda) 4. 6- /p/ - /ão/ (pão-cão-não)
4. 7- /g/ - /a/ - /t/ - /o/ (pato-gato-rato) 4. g - /p/ - / - lp/ - /a/ (bica-pica-pipa) 4. 9- /p/ - /ól (pó-nó-mó)
4. 10- /e/ - /s/ - /c/ - /o/ - N - /a/ (esmola-escola-estola)
% êxitos % êxitos % inêxitos % inêxitos
5- Completamento de Palavras
Completa as palavras...
5. 1- garra (garrafa)
5. 2- avi (avião)
5. 3- bana (banana)
5. 4- chupe (chupeta)
5. 5- tele são (televisão)
5. 6- es dote (escadote)
5. 7- es - la (escoia)
5. 8- re çado (rebuçado)
5. 9- ge do (gelado)
5. 10- bi cleta (bicicleta)
% êxitos % inêxitos
240
COMRIBUI ÕES DA PSICONEUROLOGIA PARA AS DIFICULl7ADES DEAPRENDI?AGEM
6 - Completamento de Frases
6. 1- O João foi à praia (nadar, pescar, etc. ) 6. 2 - A Sara foi brincar (bonecos, pessoas, etc. ) 6. 3 - O Rodrigo gosta (brincar, jogar, etc. ) 6. 4 - A casa
tem e e(portas e janelas, etc. ) 6. 5 - A boneea tem e e (cara e mãos, ete:) 6. 6 - O carro tem e e(rodas e motor, etc. ) 6. 7 - O Joãocinema - (foi ao, vai ao,
etc. ) 6. 8 - A Sarajogar à malha (gosta de, quer, etc. ) 6. 9 - O Rodrigo piscina (nada, brinea, etc. ) 6. 10 - O cão gato (corre atrás do, etc. )
% êxitos % inêxitos
7- Associação Auditivovisual
7. 1- relógio 7. 12- observar
7. 2- ambulância 7. 13- jogar
7. 3- avião 7. 14- dirigir
7. 4- brinquedos 7. 15- esperar
7. 5- sinal de trânsito 7. 16- transpone
7. 6- árvores 7. 17- conduzir
7. 7- guindaste 7. 18- passear
7. 8- chuva 7. 19- anunciar
7. 9- peões 7. 20- socorrer
7. 10- marco do correio % êxitos
7. 11- construir % inêxitos
24I
INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
8 - Memória Auditiva de Números e Silabas 8. 1- 916 8. 2 - 4389 8. 3 - 54321 8. 4 - 611097 8. 5 - 2476015
8. 6 - bric/car/brac
8. 7 - spar/ti/cro 8. 8 - bir/bri/cor 8. 9 - fra/Ihe/nho 8. 10 - sa/gar/lir
% êxitos % inêxitos
9 - Memória de Sequências de Palavras e de Frases 9. 1- mão - nâo - cão
9. 2 - dar - par - lar
9. 3 - bote - pote - lote 9. 4 - mola - gota - tola
9. 5 - pescada - testada - escada
9. 6 - Eu vou viajar
9. 7 - Tu tens uma boneca
9. 8 - Eu vi-a ontem
9. 9 - Vou aprender a ler
9. 10 - As crianças brincam com alegria
% êxitos % inêxitos
10- Associação Auditiva
10. 1- O pai é grande
0bebé é
10. 2- A relva é verde
0céu é ?
10. 3- O gato mia
0cão ?
10. 4- A noite é para dormir
0dia é para ?
10. 5- Bebemos por um copo
Comemos num ?
10. 6- O coelho é rápido
A tartaruga é ?
10. 7- Escrevemos com a mão direita
e usamos o relógio na
10. 8- A árvore é alta
A flor é ?
10. 9- O barco navega no mar
o avião voa no ?
10. 10- A pedra é dura
A esponja é ?
% êxitos % inêxitos
242
CAPÍTULO 6
TAXONOMIA DAS DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM
Como temos vindo a analisar, a expressão dificuldades de aprendizagem (DA) tem sido aplicada a uma população muito heterogénea de crianças, condição esta
que vem dificultando a aceitação de um critério susceptível de reduzir a confusão conceptual actualmente existente neste âmbito da psicopedagogia. A fragmentação
e o caos semântico que tem caracterizado os estudos nesta área, por outro lado, tendem a provocar resistências interdisciplinares que não ajudam a clarificar o problema.
Muitos termos e expressões têm sido utilizados para descrever as crianças com DA. Vejamos, no plano histórico, os termos mais significativos:
- Dificuldade de leitura adquirida (Lordat 1843);
- Impercepção (Broadbent 1872, e Jackson 1876);
- Cegueira verbal congénita (congenital word blindness, Kussman 1877, e Hinshelwood 1900);
- Dificuldades específicas da leitura (Morgan 1896);
- Dislexia (Berlin 1898);
- Dislexia específica e estrefossimbolia (Orton 1937);
- Distúrbios perceptivos (Strauss e Lehtinen 1942);
- Neurofrenia (Doll 1951 );
- Alexia congénita evolutiva;
- Síndroma de Strauss (Stevens e Birch 1957);
- Aprendizagem lenta (slow learner, Kephart 1954);
- Lesão mínima no cérebro (minimal brain damage, Hermann 1967);
- Dispráxia (clumsy child);
- Dificuldades visuomotoras;
- Hiperactividade;
- Disfunção cerebral mínima (Bax e Mackeith 1963);
- Dislexia evolutiva (Critchley 1964);
243
INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
- Problemas psicomotores;
- Disfunção psiconeurológica (Myklebust 1967);
- Dificuldades específicas da linguagem (Orton Society 1969);
- Problemas emocionais e de comportamento (McCarthy, 1973, Schaefer 1978);
- etc.
Estas são algumas das denominações aplicadas por investigadores para caracterizar as crianças com DA, complicando obviamente o acesso a um consenso no plano
do diagnóstico e no plano da aplicacão de estratégias educacionais que permita determinar a etiologia e minimizar a incidência de um problema que joga com o potencial
humano e com a adaptação à sociedade cognitiva moderna, cada vez mais dominada por sofisticados avanços tecnológicos.
Para avançarmos neste problema é necessário especificar, o mais rigorosamente possível, qual é o tipo de população que a designação DA compreende.
Defnições
Não podendo aqui rever todas as definições que têm sido adiantadas por eminentes investigadores, vejamos algumas delas pela sua importância e a sua aceitação
internacional.
WaK, autor do ITPA (Illinois Test of Psycholinguistic Abilities), define DA como:
uum atraso, uma desordem ou uma imaturidade num ou mais processos: da linguagem falada, da leitura, da ortografla, da caligrafia ou da aritmética, resultantes
de uma possível disfunção cerebral e/ou de distúrbios de comportamento, e não dependentes de uma deficiência mental, de uma privação sensorial (visual ou auditiva),
de uma privação cultural ou de um conjunto de factores pedagógicos. ,
MYKLEBUST, autor de inúmeras investigações (Auditory Disorders, 1964,
Psychology ofDeafness, 1972, Progress in I. earning Disabilities, 1975, 1976, 1977, 1978) dá outro enfoque às DA, definindo-as como:
desordens psiconeurológieas da aprendizagem para incluir os défices na aprendizagem em qualquer idade e que são essencialmente causadas por desvios
(deviations) no sistema nervoso central (SNC) e que não são devidas nem provocadas por deficiência mental, privação sensorial ou factores psicogenéticos.
244
TAXONOMIA DAS DIFlCULDADES DE APRENDIZAGEA
A Review ofEducational Research, reunindo 15 reconhecidos investigadores, chegou à seguintc defmição:
r l) As DA constituem um ou mais défices nos processos essenciais da aprendizagem que necessitam de técnicas especiais de educação (definição por défice);
2) As crianças com DA apresentam discrepância entre o nivel de realização esperado e o atingido em: linguagem falada, leitura, escrita e matemática (defmição
por discrepância);
3) As DA não são devidas a deficiências sensoriais, motoras, intelectuais, emocionais e/ou a falta de oportunidade de aprendizagem (defmição por exclusão).
"
Outros autores avançam com outras definições, das quais destacamos, pelo seu interesse, as seguintes:
BATEMAN, B. , Learning Disorders, 1965:
As crianças que têm dificuldades de aprendizagem são as que manifestam discrepâncias educacionalmente significativas. Discrepância entre o seu potencial
intelectual estimado e o actual nível de realização escolar, relacionada, essencialmente, com desordens básicas do processo de aprendizagem e que pode ser ou não
acompanhada por disfunções do sistema nervoso central. As discrepâncias, de qualquer maneira, não são causadas por um distúrbio geral de desenvolvimento nem provo
adas por privação sensorial (sensory loss).
CLEMENTS, 5. D. , Minimal Brain Dysfunction in Childrem, 1966:
A expressão "lesão mínima do cérebro" (minimal brain dysfunction syndrome) refere-se às crianças que são de inteligência geral abaixo da média, na média
ou acima da média, com cenas dificuldades de aprendizagem e de comportamento, que podem ir de dificuldades mínimas a severas e que se encontram associadas a desvios
de funções do sistema nervoso central. Tais desvios podem ser manifestados por várias combinações de privações em percepção, conceptuaIização, linguagem, memória,
controlo da atenção, impulsividade ou funções motoras.
Sintomas idênticos podem ser, ou não, mais complicados em crianças com paralisia cerebral, epilepsia, debilidade mental, deficiência visual e auditiva.
Estas aberrações podem ser provocadas por variações genéúcas, irregularidades bioquímicas, lesões cerebrais perinatais, ou até mesmo outras doenças ou infecções
oconzdas durante os anos críticos do desenvolvimento e da maturação do SNC ou dependentes de causas ainda desconhecidas.
245
INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
KASS, C. , Conference on Learning Disabilities, 1966:
<<Uma criança com problemas e dificuldades de aprendizagem é uma criança com discrepâncias intradesenvolvimentais (intradevelopmental) significativas nos
seguintes sistemas funcionais de comportamento: sistemas ideomotores, ideoperceptivos ou ideocognitivos, que estão directamente implicados nos comportamentos da
linguagem, da leitura, da escrita, da ortografia, da aritmética e/ou dos conteúdos de conhecimento escolar (content subjects). ,
Report do National Advisory Committee on Handicaped Children, 1968: < <Uma criança com DA é uma criança com aptidões mentais adequadas, adequados
processos sensoriais e estabilidade emocional, que tem um limitado número de deficiências específicas nos processos perceptivos, integrativos ou expressivos que
impedem a eficiência da aprendizagem. Estão também incluídas crianças que tenham disfunções do SNC expressas fundamentalmente por uma privação na eficiência da aprendizagem.
As crianças com DA exibem igualmente uma ou mais desordens nos processos psicológicos básicos que estão envolvidos na compreensão e na utilização da linguagem falada
e da linguagem escrita.
As dificuldades podem ser manifestadas por desordens: na recepção da linguagem e na sua compreensão, no pensamento, na expressão oral, na leitura, na escrita,
na ortografla ou na aritmética. Tais dificuldades incluem deficiências perceptivas (handicaps), lesões cerebrais, dislexia, afasia evolutiva, etc. Estas dificuldades
não incluem problemas de aprendizagem que são principalmente resultantes de: deficiência visual, auditiva ou motora, debilidade mental, distúrbios emocionais ou
desvantagens socioculturais (environmental disadvantage).
GALLaGHER, Irregular Development ofMental Abilities, 1966: <<A criança com DA é uma criança com desequiliúrios de desenvolvi mento que revela uma disparidade
no processo psicológico relacionada com a educação, disparidade tal (muitas vezes de 2, 4 ou mais anos escolares) que requer programas adequados de evolução académica,
de forma a adaptá-los à natureza e ao nível do desvio do seu processo de desenvolvimento. "
FONSECA, Contributo para o Estudo da Génese da Psicomotricidade, 1974:
<<A DA é uma desarmonia do desenvolvimento normalmente caracterizada por uma imaturidade psicomotora que inclui perturbações nos processos receptivos, integrativos
e expressivos da actividade simbólica. A DA traduz uma irregularidade biopsicossocial do desenvolvimento global e dialéctico da criança, que normalmente envolve
na maioria dos casos: problemas de lateralização e de praxia ideomotora, defi
246
TAXONOMIA DAS DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM
ciente estruturação perceptivomotora, dificuldades de orientação espacial e sucessão temporal e outros tantos factores inerentes a uma desorganização da
constelação psicomotora que impede a ligação entre os elementos constituintes da linguagem, e as formas concretas de expressão que os simbolizam.
Em resumo, a criança com DA não é:
1) deficiente sensorial (visão e audição);
2) deficiente motora (paralisia cerebral ou paralisia dos membros); 3) deficiente intelectual (QI > 80);
4) deficiente emocional (autista ou psicótica).
I. Entre a capacidade e o nível 1. Desorganização psico- 1. Problemas perceptivos,
de realização; neurológica; associativos e expressi2. Iliscrepâncias em vários as- 2. Lesão neurológica; vos;
pectos educacionais; 3. Impos'tância da matura- 2. Problemas de descodi3. Desajustamentos emocionais ção e do desenvolvi- ficação, integração
e
e sociais. mento psicológico; codificação (input-ela 4. Problemas visuomoto- boração-output);
res; 3. Problemas de desenvol 5. Problemas de lateraliza- vimento, inibição e in ção. terferência nos aspectos
de aprendizagem entre
si: exemplo - crianças
com hemorragias cere brais; atrasos de desen volvimento; problemas
da fala, etc. ;
4. Relação dialócÚca entre
meio e aprendizagem,
entre hereditariedade
social e hereditariedade
biológica;
5. Relação entre dificulda des de aprendizagem e
desvantagem cultural;
Figura 78 - Princípios para uma definição das difculdades de aprendizagem
247
INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
I)aí, portanto, que uma criança com dificuldades de aprendizagem seja caracterizada por:
1) Manifestar uma significativa discrepância entre o seu potencial intelectual estimado e o seu actual nível de realização escolar;
2) Apresentar desordens básicas no processo de aprendizagem; 3) Apresentar ou não uma disfunção do SNC;
4) Não apresentar sinais de: debilidade mental, privação cultural, perturbações emocionais ou privação sensorial (visual ou auditiva);
5) Evidenciar dificuldades perceptivas, disparidades em vários aspectos de comportamento e problemas no processamento da informação,
aos níveis quer receptivo, quer integrativo, quer expressivo.
Em termos de reflexão, quanto a definição, avançamos com o seguinte critério:
Segundo a confirmação da observação clínica, a criança com paralisia cerebral apresenta mais um problema de envolvimento motor do que uma dificuldade de
aprendizagem. Do mesmo modo, a deficiência mental apresenta uma inferioridade intelectual generalizada, como denominador comum. No caso da deficiência visual e auditiva,
o problema situa-se ao nível da acuidade sensorial. Por outro lado, a criança emocionalmente perturbada apresenta um desa ustamento psicológico como característica
comportamental predominante.
E neste âmbito que se tem de estruturar um critério para distinguir entre crianças com dificuldades e crianças com deficiências.
No caso da criança com dificuldades de aprendizagem, verifica-se um perfil motor adequado, uma inteligência média, adequadas visão e audição e uma adequada
adaptação emocional, que em conjunto com uma dificuldade de aprendizagem constituem a base da sua caracterização psiconeurológica (Figura 78).
Não haverá sempre definições ideais - umas podem ser mais aceites do que outras. Em educação, necessitamos de uma classificação (taxonomia) que claramente
aponte a significativa alteração do processo de aprendizagem, ao ponto de a justificar como uma disfunção psiconeurológica, na medida em que a aprendizagem é fundamentalmente
uma função do cérebro, isto é, psicológica como função por um lado, e neurológica como estrutura e substracto por outro. Quer dizer, no caso das DA é preciso compreender
que a neurologia da aprendizagem ou o processo sensorioneuropsicológico em que ela se opera foi de alguma forma afectado (impaired), do que resultou uma di, ficuldade
(disability) e não uma incapacidade (incapacity) na aprendizagem (Jonhson e Myklebust 1967).
Outro aspecto essencial que dificulta a clarificação terminológica é o que inicialmente põe em causa as manifestações comportamentais e não as neurológicas,
pois os sintomas mais observados são naturalmente de natureza psicológica.
248
TAXONOMIA DAS DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM
No entanto, não devemos esquecer que o principal aspecto da condição é a DA. É efectivamente a dificuldade de aprendizagem (DA) que constitui a base da homogeneidade
deste grupo de crianças.
Di culdades e incapacidades de aprendizagem (agnosias, afasias e aprar, nas)
Antes de avançar, é necessário diferenciar os conceitos de dificuldade e de incapacidade.
O conceito de dificuldade, como vimos nas definições atrás, não engloba qualquer perturbação global da inteligência ou da personalidade ou, eventualmente,
qualquer anomalia sensorial (auditiva, visual ou tactiloquinestésica) ou motora. Há um potencial de aprendizagem íntegro e intacto. As crianças com DA são crianças
intactas, portanto não são portadoras de deficiências. Não são deficientes mentais ou emocionais, nem deficientes visuais, auditivas ou motoras, nem devem ser confundidos
com crianças desfavorecidas ou privadas culturalmente. Independentemente de terem uma inteligência adequada (média), uma visão, uma audição e uma motricidade adequadas,
bem como uma estabilidade emocional adequada, tais crianças não aprendem normalmente. Este aspecto é preponderante e fundamental para compreender e definir este
grupo de crianças. O prefixo dis (dislexia, disgrafia, disortografia, discalculia, etc. ) envolve, portanto, a noção de di culdade, a que pode estar ligada, ou não,
uma disfunção cerebral.
Ao contrário, o conceito de incapacidade inclui problemas de gravidade variável, exprimindo uma desorganização funcional de actividades anteriormente bem
integradas e utilizadas.
Broca 1861, através dos seus trabalhos publicados no fim do século xrx, abriu o caminho à relação entre as lesões cerebrais e as suas consequências nas actividades
simbólicas e práxicas. O estudo sobre os mecanismos cerebrais (funções e estruturas) que suportam as aetividades simbólicas e práxicas, especificamente humanas,
exigem o conhecimento da arquitectura anatomofuncional do cérebro, e este é o objecto da neuropsicologia, ciência que pensamos ser fundamental para o estudo e a
clarificação dos problemas de aprendizagem.
Desde Broca 1861 e Déjerine 1892, passando por Wernicke 1979, Pierre Marie 1906, Liepman 1988, Goldstein 1948; Hécaen 1974, Ajuriaguerra 1974; Luria, 1965;
Penfield e Roberts, 1959; Geschiwind, 1965; Birch, 1965; Eisenson 1968; Myklebust 1954, 1955, 1964, 1978, e muitos outros, as incapacidades dé aprendizagem compreendem
perturbações que incidem sobre a recepção, a integração (compreensão) e a expressão de fun ões práxicas e simbólicas que não estão ligadas nem a estados demenciais
nem a lesões sensoriais penféricas (mput), ou propriamente a deficiências do aparelho motor penférico (output).
249
INSUCESSO ESCOIAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
As incapacidades de aprendizagem englobam distúrbios provocados por lesões (massive lesions - Luria 1973) em zonas secundárias do cérebro responsáveis pelas
funções simbólicas e práxicas superiores, resultando em incapacidade de distinguir (analisar e sintetizar), diferenciar aferências (unable to grasp differences -
Luria 1973), ordená-las e conservá-las (confi se their order - Luria 1973) e/ou controlar, regular e reprecisar eferências, ou feed-back, com aferências.
Assim, em termos didácticos, e sem a profundidade que cabe aos neurologistas, as agnosias subdividem-se em: tactéis, auditivas e visuais. As tactéis são
consideradas perturbações no reconhecimento das qualidades dos objectos (densidade, peso, textura, temperatura, forma, volume, etc. ) e diferenciam-se em agnosias
tactéis primárias e secundárias. As auditivas afectam o reconhecimento e a identificação de ruidos, da música ou das palavras (isto é, da incompreensão da linguagem
falada, normalmente intrincados com as perturbações afásicas). As visuais englobam perturbações do reconhecimento dos objectos, das péssoas, dos simbolos gráficos
e do espaço.
As afasias encontram-se subdivididas em: sensoriais (Wernicke), motoras (Broca), anartrias, agrafias e alexias, também chamadas <<puras ou <<dissociadas.
Compreendem perturbações que incidem na expressão e na compreensão da linguagem. A afasia de Wernicke constitui uma incapacidade de linguagem na formulação e na
evocação das palavras. A afasia de Broca engloba uma perturbação da linguagem espontânea e da articulação. A anartria é uma perturbação que só interfere na realização
motora da fala, mantendo-se intacta a compreensão da linguagem falada. A agrafia caracteriza-se por uma perturbação da escrita, quer espontânea, quer copiada, quer
ditada. A alexia caracteriza-se por uma perturbação visuorreceptiva da linguagem escrita, mantendo-se normais a compreensão e a expressão da linguagem falada.
As apraxias constituem perturbações que se reflectem na motricidade voluntária (nós diríamos: na psicomotricidade), na ausência de agnosias, de problemas
de compreensão, sem efeito de défices intelectuais ou de lesões do aparelho locomotor. Portanto, não apresentando qualquer tipo de paralisia. As apraxias; grosso
modo, subdividem-se em: ideomotoras (gesto elementar), ideatórias (gesto complexo), construtivas (visuoespaciais e sequenciais) e especificas (do vestuário, da marcha,
bucofacial, etc. ). O prefixo <<a, (alexia, agrafia, acalculia, etc. ) pode envolver uma destruição anatomofuncional do cérebro, e por isso está associado à noção
de incapacidade.
Com este quadro de referências, as DA em nenhuma circunstância podem ser confundidas com os aspectos neuropsicopatológicos das incapacidades de aprendizagem.
Segundo a conf nmação da observação clínica, a criança com DA não é deficiente. A criança deficiente mental apresenta um potencial afectado, enquanto que
a criança com DA apresenta um potencial normal e uma inte
250
TAXONOMIA DAS DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM
gridade global. Ela não é deficiente mental, porque não apresenta uma inferioridade inteleetual generalizada. Não é deficiente visual nem deficiente auditiva, porque
não apresenta problemas de acuidade sensorial. Não deficiente motora, porque não apresenta alterações na sua motricidade. Não é emocionalmente perturbada, porque
apresenta um ajustamento comportamental.
Em resumo, a criança com DA apresenta um perfil motor adequado. Não diremos perfil psicomotor porque entendemos que a psicomotricidade é uma função básica
da aprendizagem e da apropriação simbólica. O perfil psicomotor está normalmente afectado nas crianças com DA, pois frequentemente apresenta problemas no controlo
vestibular e proprioceptivo associados a dificuldades na lateralização, na direccionalidade, na imagem do corpo e na praxia (Fonseca 1995). Apresenta ainda: uma
inteligência média (QI > 80-90), adequadas visão e audição e uma adequada adaptação emocional e comportamental, que, em conjunto com uma dificuldade de aprendizagem,
constituem a base do seu perfil psiconeurológico intraindividual (PPI).
Dificuldades de aprendizagem não verbais
As dificuldades de aprendizagem (DA) têm sido investigadas mais frequentemente nas suas características verbais - dificuldades de aprendizagem verbais (DAV)
- com excessivo ênfase no estudo da dislexia (dificuldade específica na aprendizagem da leitura - Fonseca 1984, I986), daí decorrendo vários subtipos relacionados
com a vulnerabilidade das aquisições psicolinguisticas, aquisições essas mais dependentes do hemisfério esquerdo do cérebro e que podem envolver multifacetados processos
cognitivos, auditivos, visuais, ou suas intrincadas e sistémicas perturbações.
Só mais recentemente se reconheceu cientificamente que as DA também podem ser não verbais (DANV), e envolver outros processos cognitivos camuflados, mais
relacionados com o hemisfério direito e implicando outro tipo de perturbações, nomeadamente de organizaÇão visuoespacial (copiam razoavelmente, mas apresentam inúmeras
e invulgares diflculdades de transporte visual), de percepção táctil, de dispraxia, de disgrafia (dificuldades de aprendizagem da escrita, que tende a surgir tarde
e ilegível, também associada a problemas de rechamada de letras), de resolução de problemas não verbais e de percepção social (Roúrke 1975, I989, I993, 1995).
Para além destes traços característicos, as crianças e os jovens com DANV exibem também desempenhos pobres na consciência fonética, na leitura, na escrita
e melhor prestação na aritmética, embora igualmente disfuncional; sabem a tabuada por exemplo, mas não resolvem problemas lógicos de raciocínio sequencial. Outcos
investigadores chegaram à conclusão de que tais distúrbios parecem subsistir mais centrados em problemas de processamento visual e de
251
INSUCESSO ESCOIAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
leitura corporoespacial, quer ipsi ou contralateral, quer intra ou extrassomática, não revelando velocidade ou plasticidade, o que ilustra de certa forma semelhanças
comportamentais com os fenómenos de negligência que frequentemente ocon'em nas lesões do hemisfério direito (Heilman e Valenstein 1979).
Por envolverem défices sensório e perceptivomotores de orientação e navegação ego e alocêntrica, tais manifestações parecem ser mais enfraquecedoras e debilitadoras
em termos de potencial de adaptação e de aprendizagem do que os défices verbais, exactamente porque interferem com aquisições humanas consideradas mais básicas e
elementares. Devido a este facto, não é de estranhar que problemas de discriminação e identificação visual e de prestação visuomotora e visuoconstrutiva tendam a
emergir precocemente nas crianças com DANV, quer no ensino pré-escolar, quer nos primeiros anos de escolaridade, pré-requisitos não verbais da aprendizagem que evolutivamente
são ultrapassados nos anos subsequentes, quando os aspectos verbais passam a ser mais importantes.
As DANV (nonverbal learning disabilities - Rourke 1995) são essen cialmente caracterizadas por revelarem défices neuropsicológicos nos domínios acima referidos,
para além de outros défices, tais como: na percepção táctil bilateral (mais evidente no lado esquerdo do corpo, envolvendo consequentemente o hemisfério direito,
e mais frequentemente estudados em indivíduos nele lesionados), na coordenação psicomotora bilateral, na organização visuoespacial, na resolução de problemas não
verbais, na formação de conceitos a ela ligados, no raciocínio hipotético e na integração negativa defeed-backs deconentes de situações experienciais complexas,
exibindo, por exemplo, destacadas dificuldades em lidar com relações de causa-efeito e marcados problemas na apreciação de incongruências, na compreensão afectiva
e de interacção interpessoal, como sejam reacções emocionais de sensibilidade e de humor inadequadas para a idade.
Em analogia com as DAV, também apresentam subtipos e podem igual mente ser estudadas segundo o modelo de chapéu de chuva (um. brella concept), enquanto
a distribuição ao nível dos sexos é mais equitativa.
Com este quadro neuropsicológico, as DANV podem evidenciar, em analogia, capacidades verbais funcionais, memória verbal acima da média, relativos problemas
de mecânica aritmética em comparação com o reconhecimento de palavras e com o ditado, podendo daí emergir, por compensação, excessiva verbosidade, pragmática vulnerável
e repetitiva, restrita prosódica e considerável apercepção social, com fracas competências de interacção e compreensão social, mesmo sinais socioemocionais desviantes
e sinais de internalização psicopatológica atípicos (Rourke 1975, 1993, 1995; Myklebust 1975).
Em termos psicométricos, as crianças ou os jovens com DANV tendem a apresentar uma superioridade discrepante de 15 pontos entre o Quociente Verbal e o Quociente
de Realização (também dito Não Verbal), com resultados fracos nos subtestes de Aritmética, nos blocos e nos quebra-cabeças.
252
TAXONOMIA DAS DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM
Em termos académieos, por outro lado, tendem a apresentar mais diflculdades nas ciências em comparação com as línguas, reforçando mais uma vez as suas áreas fracas
em termos de competências não verbais.
Dados clínicos apontados por outros autores (Foss 1991, McCarthy e McCarthy 1974) referem que estes casos evidenciam problemas de imaginação, de criatividade,
de combinação de imagens, etc. , funções mais adstritas às disfunções do hemisfério direito. Outros autores ainda apontam uma etiologia poligenética nas DANV, enquanto
outros se referem a anomalias do cromossoma 6 e a problemas do foro imunológico que podem provocar problemas nas migrações eelulares e no desenvolvimento de camadas
no sistema nervoso cental, bem como ectopias e displasias, não no hemisfério esquerdo, como na dislexia (Galaburda 1989, Dennis e Whitaker 1977), mas sim no hemisfério
direito. Algumas imagens obtidas por meio da ressonância magnética e da TAC (tomografia axial computadorizada) dão igualmente algumas evidências inequívocas nesse
sentido.
Tais sinais disfuncionais têm sido considerados evolutivos e susceptíveis de persistirem na idade adulta, sendo reconhecíveis, com sinais mais ou menos óbvios,
em muitas doenças neurológicas e neuroendócrinas, nomeadamente em traumatismos do hemisfério direito (Rourke, Bakker, Fisk e Strang 1983), na hidrocefalia (Fletcher
et al. 1995), na agénese do corpo caloso (Smyth e Rourke 1995), no hipotiroidismo congénito (Rovet 1995), na sindroma de Williams (Anderson e Rourke 1995), na sindroma
de Asperger (Klin e colaboradores 1995) e em muitos outros processos patológicos, que exibem virtualmente a maioria das disfunções identificadas nas DANV. Estas
disfunções explicam em parte porque as DANV podem ser consideradas mais vulneráveis, em termos de desenvolvimento e de aprendizagem, do que as DA simbólicas mais
comuns.
A descrição dos detalhes clínicos das DANV que apresentamos no modelo seguinte emerge dos pressupostos da organização inter-hemisférica, na perspectiva da
teoria piagetiana e de inúmeras pesquisas que a sustentam (Rourke 1989, 1995); porém, ainda não existem explicações claras para estes efeitos, mas as observações
clínicas apontam para uma estreita associação entre a experiência não verbal e a aquisição da significação.
Apesar de bastante simplificado, o quadro da síndroma das DANV pode ser explicado se observamos que a palavra laranja não tem significado se anteriormente
o indivíduo não tiver experimentado e vivenciado a fruta, a sua forma, a sua textura, o seu sabor ou a sua cor. Quando a criança evidencia um défice na aprendizagem
não verbal, trata-se de reconhecer que o significado e a integração da sua própria experiência estão comprometidos; por esse facto, ela apresenta uma dificuldade
de aprendizagem não verbal (DANV).
Antes de conúnuar a definir este tipo de déflce na aprendizagem, e de referir algumas formas de intervenção, há que realçar a importância de uma aproximação
multidisciplinar, incluindo a vantagem de relacionar vários pontos de vista.
253
INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
É evidente que uma perturbação nos processos cerebrais intra e inter-hemisféricos (Fonseca 1984) pode afectar essencialmente os aspectos do comportamento
verbal, do comportamento não verbal ou de ambos. O facto de um deles estar afectado, enquanto que o outro se apresenta basicamente intacto, leva-nos a crer que o
cérebro categoriza a experiência consoante ela é verbal ou não verbal.
e
*
= =
& a
Figura 79 - Dificuldades de aprendizagem não verbais (DANV),
segundo Rourke, 1955)
254
TAXONOMIA DAS DIFICULDADES DE APRENDlZAGEM
O hemisfério esquerdo é responsável pelos processos verbais, e o hemisfério direito pelos processos não verbais (Gazanniga e Sperry, 1967, Eccles 1973, Kimura
1973, Myklebust 1954, 1975, Levy 1980); daí que uma lesão, ou mesmo uma disfunção, em qualquer um deles vá ter implicações directas num ou noutro processo.
Quando se pretende hierarquizar o factor experiência (Myklebust 1964), a sensação aparece no nível mais baixo e primitivo. De seguida, por evolução neurointegrativa
e cognitiva, encontramos a percepção, a imagem, a simbolização, e finalmente, no nível mais elevado e superior, a conceptualização (Fonseca 1997).
Normalmente as DA verbais (DAV) situam-se ao nível da simbolização e frequentemente afectam a conceptualização e os seus mecanismos cognitivos transientes.
As DA não verbais (DANV) situam-se nos níveis da percepção e da imagem e, por isso, constituem uma maior distorção de toda a experiência, dado ser mais básico e
elementar o seu nível de integração psíquica e
de processamento de informação. É esta uma das razões, ao lado de outras, por que as crianças com défices não verbais se encontram, em termos mentais, abaixo da
sua ídade cronológica e da sua maturidade social (Doll 1953, McCarthy e McCarthy 1974).
255
Figura 80 - Aprendizagem: especialização hemisférica
INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
A forma como as palavras são utilizadas nas crianças com DANV fornece algumas pistas para a compreensão do problema. Elas soam a vazio; evidenciando uma
espécie de vacuidade semântica, o que leva a pensar que a facilidade com que são usadas é apenas superfieial e não significativa e integrada. Parece que nelas ocorre
uma linguagem inintencional, pois usam palavras sem percepcionarem os seus sentido e transcendência.
No processo de aprendizagem normal, cada palavra assume um signi ficado que foi apreendido, uma anuidade de experiência não verbal que é simbolizada. A criança
com DANV é parecida com uma criança que não tem capacidade para distinguir as cores (apercepção das cores). Ela não tem dificuldade em aprender a palavra <<azul,
mas não adquire a experiência <<azul e por isso não a distingue das experiências <<verde ou <<amarelo Quando utiliza a palavra <<azul diariamente, esta é conotada
por uma vaga e confusa ideia, e muitas vezes não se relaciona com as circunstâncias do momento. As manifestações não verbais são, de facto, distorções da percepção,
da imagem e da representação mental da experiência no meio envolvente.
Tal como as dificuldades na aprendizagem verbal, os distúrbios não verbais podem ser de vários tipos, e ocorrerem dentro dos limites do moderado e do severo.
Mas, como ainda se tem pouco conhecimento nesta área, apenas se tem reconhecido os casos mais evidentes, como os casos verbais.
256
Figura 81- Sistémica da síndroma de DANV
TAXONOMIA DAS DIFICULDADES flE APRENfll7 AGENl
À medida que as técnicas de identificação e diagnóstico se forem desenvolvendo, maior vai ser certamente a capacidade para identificar estas perturbações. Vejamos
de forma mais pormenorizada os principais traços clínicos e sistémicos da caracterização psicoeducacional da síndroma das DANV.
DÉFICES DA ORGANIZAÇÃO VISUOESPACIAL
O conhecimento sobre o processo cognitivo da aprendizagem não verbal
tem vindo a aumentar na literatura especializada (Bruner, Oliver e Greenfield
1966; Elliot 1971, Myklebust 1975), e por isso já é possível detectar uma
série de défices na criança com DANV. Um dos processos cogniúvos nela
identificados é a incapacidade de se orientar a si mesma no espaço, uma
séria debilidade que deve ser reconhecida quanto antes, de forma a poder pre- ;ì
venir a imperícia ou a incompetência socioemocional à medida que a criança I,
se aproxima da adolescência.
Apesar de este úpo de DANV ser identif, cável a partir de diferentes diagnósúcos, a sua natureza específica é ainda desconhecida. No caso de ser uma
disgnósia ou agnósia, existe uma dificuldade ou incapacidade de reconhecer e
integrar (aprender) o significado da informação sensorial. Mas esta pode ser
visual, auditiva ou tactiloquinestésica; daí que seja necessária uma definição
mais precisa. A designação disgnósiaou agnósianão inclui as inferências ;
necessárias para compreender os processos cognitivos da aprendizagem.
A disgnósia ou agnósia espacial é caracterizada por uma dificuldade ;
(mais ligeira) ou incapacidade (mais moderada ou severa) de aprender ou i
integrar onde o sujeito se encontra. As crianças com esta dificuldade ou
disfunção estão quase sempre perdidas, desplanificadas ou episodicamente
localizadas no espaço. Não conseguem orientar-se de um sítio para outro, "
mesmo que o envolvimento espacial seja o mesmo todos os dias. Este défice
pode estar relacionado com a memória e com os demais processos de processamento de informação. ''
Neste caso, o sistema cognitivo da memória não processa a informação não
verbal visuoespacial para que a criança aprenda a reconhecer e a familiarizar- se I i
com as áreas, as situações, os eventos e os espaços que a envolvem. Ao contrá- !
rio, parece que a criança vê o mesmo espaço sempre pela primeira vez, o que
lhe provoca confusão, ansiedade e embaraço, em suma, um comportamento
errático, desorganizado, episódico, rándomizado e descontextualizado.
A disgnósia ou agnósia espacial não ocorre isoladamente. Por exemplo,
aparece frequentemente associada à disgnósia ou agnósia temporal, ou seja,
uma dificuldade ou incapacidade para aprender o significado do tempo e do
ritmo, daí emergindo problemas de processamento simultâneo e sequencial
de informação (Das, Kirby e Jarman 1979, Kauffman, Kauffman e Goldsmith
1984), que obviamente estão implicados em todas as formas superiores de i
aprendizagem, quer não simbólica, quer simbólica.
257
INSUCESSO ESCOIAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
Com este perfil neuropsicológico, as dificuldades são identificadas quer na cópia de desenhos geométricos simples ou compostos, quer nos grafismos rítmicos,
na coordenação oculomotora, na figura-fundo, na constância da forma, no transporte de posições e relações visuoespaciais, na organização de pontos de referência,
com especial repercussão na escrita, não só inicialmente nos processos perceptivos e motores (exemplo: dificuldades em produzir traços, formas, tamanhos e ligações
de letras, uso de pressão tónica adequada, melodia cinestésica grafomotora, etc. ), que consubstanciam a disgrafia, uma forma específica de dispráxia. Tais dificuldades,
mais tarde, podem repercutir-se nos processos mais avançados de ideação e de formulação do sistema simbólico linguístico, nomeadamente com a disortografia.
Inúmeras disfunções cognitivas decorrem destes processos, como por exemplo: problemas de projecção, de discriminação, de dimensão, de direcção, de mudanças
de orientação e perspectiva, de utilização de informação pertinente, de descoberta de estratégias, etc. , que se projectam em manifestações comportamentais ocorrentes
em múltiplas situações adaptativas quotidianas; daí as crianças com DANV se apresentarem frequentemente desarrumadas com objectos, imagens, palavras, números, etc.
, não retirando sentido de tais dados de informação; daí também o natural desinteresse por diagramas, quebra-cabeças (puzzles), brinquedos de construção tipo Lego,
jogos lógicos, bandas desenhadas, filmes ou vídeos, pois exageram em detalhes e pormenores, não evoluindo posteriormente para novas relações ou mesmo abstracções
espaciotemporais. Devido a estes problemas, não se lembram de dados, não os reutilizam, nem os articulam ou constroem nas partes e no todo ou perdem-se na sequencialização
processual que envolvem muitas actividades lúdicas e aprendizagens.
DISTÚRBIOS PSICOMOTORES: POSTURAIS, SOMATOGNÓSICOS E PRÁXICOS
Os distúrbios psicomotores, já desenhados superiormente por Wallon 1925, 1932, continuados por Guilman 1935, e reprecisados por Ajuriaguerra 1974, sob a
forma de sindromas psicomotoras, são muito característicos das DANV (Fonseca 1984, 1986, 1995, 1996).
Dentro deles, destacaremos, no âmbito da DANV, essencialmente três tipos de défices:
- Os posturais, mais ligados ao controlo tonicopostural e vestibulocerebeloso da atenção;
- Os somatognósicos, mais correlacionados com a tomada de consciência do Eu; e, finalmente,
- Os práxicos, mais íntimos dos processos de aprendizagem motora e de investimento lúdico e construtivo.
258
TAXONOMIA DAS DIFICULDADES DE APRENDlZAGEM
Os défices posturais nas crianças que manifestam DANV têm sido referidos por insignes autores, como Critchley 1970, Benton e Pearl 1978, Denckla 1985, Ayres
1977, 1978, Levison 1985, todos eles pondo em relevo o papel do sistema postural como base funcional do organismo e como instrumento crucial do ajustamento comportamental
ao envolvimento ecológico, onde persiste a força gravitacional, por meio da qual a totalidade do corpo, decorrente de uma integração vestibular, cerebelosa e tónica
complexa, interage com os objectivos, com os obstáculos e com os outros.
O sistema postural, essencialmente na fase ontogenética, depende da integridade da formação reticulada, do cerebelo (gigantesco ordenador sensoriomotor)
e do sistema extrapiramidal (Fonseca 1995), substractos de uma rede neurofuncional que contém inúmeros programas motores adaptativos, essen
259
Figura 82 - (Des)integração psicomotora, segundo Luria LP[TQ] - lóbulo
parietal (tactiloquinestésico), LO[V] - lóbulo occipital (visual),
LT[A] - lóbulo temporal (auditivo)
INSUCESSO ESCOIAR - O AGEM PSICOPEDAGÓGICA
cialmente os que envolvem movimentos rápidos, coordenados e integrados dos membros que consubstanciam diversos processos básicos de aprendizagem, de imitação e de
comunicação gestual.
Por ser um sistema básico de aprendizagem, de onde emergem sistemas funcionais mais complexos, o controlo postural, subentendendo vários subsistemas, como
o sistema postural antigravitico, o sistema vestibular e oculomotor, o sistema parletoculiculopulvinar e o sistema proprioceptivo, tem particular intervenção nos
mecanismos da atenção, da vigilância, da manutenção da concentração, da integração somatognósica dinâmica e da integração significativa da experiência.
A baixa performance em tarefas de imobilidade, de equil'brio estáúco e dinâmico, de locomoção e de coordenação, que é frequente na atáxia de Friedreich e
nas lesões vestibulocerebelosas, ilustra, para além de distúrbios neurogenéticos, problemas de dominância lateral e, concomitantemente, de especialização hemisférica.
As crianças com DANV segundo Myklebust 1975, tendem a demonstrar mais problemas posturais (distonias, disquinésias, distaxias) e dinamométricos do lado esquerdo
do corpo, o lado que é controlado pelo hemisfério direito, parecendo demonstrar que não apresentam um lado mais forte e confumando que são igualmentc fracas,
em ambos os lados do corpo.
Para Quúos e Schrager 1985, a integração postural consútui a potencia lidade e a exclusão corporal que está na base dos processos inibitórios que facilitam
o acesso à percepção e ao insight; sem eles, as distorções percepúvas mulúmodais interferem com os sistemas conicais superiores que suportam as aprendizagens simbólicas,
como se observa extensivamente em muitas crianças hiperactivas, instáveis, distrácteis e impulsivas. Não é de estranhar, ponanto, que as crianças com DANV exibam
sinais posturais disfuncionais.
Os défices somatognósicos nas crianças portadoras de DANV podem apresentar sinais disontogenéúcos multifacetados (Fonseca 1997), quer no âmbito neurológico
(exemplo: dissomatognósias, fantasmizações, alucinações, assimetrias disfuncionais intra e inter-hemisféricas, problemas de lateralização e orientação espacial,
etc. ), quer no psicanalitico (exemplo: pertubações do simbolismo corporal, problemas de introjecção- projecção, dismorfofobias, problemas pulsionais, afectivos
e emocionais, despersonalizações, etc. ), quer no fenomenológico (exemplo: problemas de autorreferência, de subjectividade espacial, de integração experiencial,
etc. ), quer ainda psicológico (exemplo: problemas inswmentais, problemas de consciencialização corporal e espacial, problemas de processamento de informação espaciotemporal,
dispráxias, etc. ).
Todos estes sinais disfuncionais são condicionadores sistémicos da clnestesia (Hécaen e Ajunaguerra 1%3, Ajuriaguerra e Hécaen 1964, Ajuriaguerra,
1974), noção contígua da noção do EU, âmago do self(Damásio 1995), representação dinânúca da consciência histórica do sujeito, através da qual ele se
260
TAXONOMIA DAS DIFICULDADES DE APRENDIIAGEM
encontra em interacção com a realidade, para nela agir com harmonia e eficácia. Este invariante postural do indivíduo é indispensável a todas as fornzas de aprendizagem,
sejam elas verbais ou não verbais.
A percepção de si mesmo e a percepÇão social não são sinónimas. No entanto, é difícil considerar o processo de autopercepção isolado, sem conotações sociais;
trata-se de uma noção que integra uma dimensão singular e uma dimensão social, não uma exploração solitária do indivíduo, mas antes uma apropriação cultural mediatizada.
Em defniúvo, a somatognósia é o instrumento simbólico de significação existeneial e de identidade pessoal, em suma, um instrumento de aprendizagem por excelência
e de excelência; sem ele, as DANV emergem e comprometem as DAV (difculdades de aprendizagem verbais: leitura, escrita e cálculo).
A autopercepção implica uma facilidade em percepcionar as várias partes do próprio corpo, uma das facetas da percepção social e um aspeeto muito importante
para fazer e conswir representações apropriadas sobre as intenções, os desejos e os propósitos das acções dos outros, uma espécie de condição prévia da comunicação
interpessoal e da linguagem, como evocam os grandes teóricos da teoria da mente (Baron-Cohen 1995, Humphrey 1993).
A somatognósia não se esgota numa concepção anatomofuncional - ela é indutora de sentido e significado experienciais, ou seja, consútui-se como um processo
de comunicação básico, processo não verbal vital, centro de diálogo consigo próprio e com o mundo social e contextual.
Como substracto da personalidade, consubstancia uma linguagem interior e corporal, filogenéúca e ontogenética, que explica a evolução do gesto à palavra
na espécie humana e na criança (Fonseca 1989, 1997).
Os modelos elínicos patológicos, desde o membro-fantasma às anosognósias, aos sentimentos de perda e de mutilação, às hemiassomatognósias, às aloestesias,
às anosodiaforias, à síndroma de Anton-Babinski, ete. , mais conotados com as patologias do hemisfério direito (mais envolvido nas DANV), explicam, por si sós, a
importância da somatognósia no desenvolvimento do potencial de aprendizagem. As autotopoagnósias, a síndroma de Gerstmann, as alexias, agrafias e acalculias, mais
características das lesões do hemisfério esquerdo (mais envolvido nas DAV), emprestam, sem dúvida, um valor acrescentado no que significa a somatognósia ou a dissomatognósia
nas aprendizagens simbólicas superiores (Kolby e Whishaw 1986).
Existem vários tipos de distúrbios na autopercepção. Um deles diz respeito à díficuldade com que a criança percepciona as várias partes do seu corpo, e também
as dos outros. A agnósia digital é um exemplo (Jonhson e Myklebust 1967, Myklebust 1975). Se a criança não reconhece os seus próprios dedos, oú os dedos de outra
pessoa, ela não consegue funcionar normalmente em vários aspectos quantitaúvos experienciais.
261
INSUCESSO ESCOIAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
Outro exemplo é a incapacidade para reconhecer a sua própria face (agnósia facial), ou a de outras pessoas; daí surgirem múltiplos e diversificados problemas
de interacção e de sociabilização. Não lêem desejos, mímicas ou expressões emocionais - isolam-se e podem mesmo apresentar, por essa imperícia social, traços de
condutas associais.
Com défices posturais e somotognósicos, os défices práxicos são inevi táveis. A diflculdade em aprender padrões motores não verbais nos jogos com bola, no
controlo de triciclos, patins, raquetes, etc. , é frustrante para a criança. Ela fica embaraçada em muitas situações porque o seu desempenho psicomotor não é tão
bom como o dos seus colegas, algo que se pode reflectir na sua baixa autoestima.
Ela não consegue adquirir e utilizar padrões motores necessários para lidar com objectos familiares (exemplo: colheres, garfos, facas, tesouras, etc. ),
para atar os sapatos, para se lavar e vestir, para abrir um pacote de leite, desenhar e escrever ou andar de bicicleta. Ela sabe o que devem fazer e não possui qualquer
tipo de paralisia que a impeça de realizar o movimento, mas não consegue relacionar nem planificar e sequencializar os padrões motores que vê e observa com os seus
sistemas motores (piramidais, extrapiramidais, cerebelosos, reticulares e medulares).
Não sabe separar cada tarefa nos vários movimentos que a compõem, não sabe recorrer a automatismos e rotinas que os integram, e depois não consegue realizá-los
em conjunto, de forma harmoniosa e melódica (Fonseca 1995). Por isso não gosta do recreio, tem medo e é insegura nas brincadeiras, não explora objectos com movimentos
precisos, não dispõe de repertório nas aprendizagens mecânicas, tem privação lúdica, tende ao isolamento e mesmo à depressão, não se integrando em grupos.
DÉFICE DE ATENÇÃO: HIPERACTIVIDADE, DISTRACTIBILIDADE, IMPULSIVIDADE E PERSEVERANÇA
Estas crianças apresentam frequentes sinais de hiperactividade, distrac tibilidade, perseverância e impulsividade (Doll 1951, Strauss e Lehtinen 1947, Strauss
e Kephart 1947, McCarthy e McCarthy 1974, Brown e Campione 1986), o que implica um baixo nível de atenção e, concomitantemente, um alto nível de instabilidade e
um baixo rendimento na aprendizagem. Os sistemas de atenção, quer o automático (dito interior, emocional e não simbólico), quer o voluntário (dito superior, cognitivo
e simbólico), encontram-se desequilibrados em termos de neurotransmissores, ora por carência, ora por excesso, e devido a esse défice de regulação e controlo neurofuncional,
têm efeitos, virtualmente, em quase todos os processos psíquicos de aprendizagem.
Se a criança é hiperactiva, ela apresenta um comportamento exploratório acidental, esporádico, errático e desruptivo. Não completa tarefas, não aplica
262
TAXONOMIA DAS DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM
estratégias intencionais, não se consegue fixar em detalhes, não se mantém atenta em actividades de lazer ou em tarefas e deveres escolares, não investe em esforços
continuados, não termina actividades, não espera a sua vez, intermmpe e intromete-se em actividades alheias, produz movimentos explosivos, alvoroçados, desorganizados
e descontrolados, remexe- se sem cessar quando sentado, não inibe excessos de informação proprioceptiva, fala excessivamente (tagarelice), e fIequentemente, pIoduz
respostas erradas aos problemas que se lhe deparam.
Se a criança é distráctil, ela não consegue dar atenção aos acontecimentos e circunstâncias que a rodeiam. Em vez de manter a atenção por um adequado período
de tempo, a sua atenção passa rapidamente por vários acontecimentos independentemente da sua relevância para as circunstâncias presentes, ela é atraída por distractores,
não selecciona nem escrutina informação, parece que não ouve o que lhe dizem, não segue direcções ou instruções, daí emergindo défices de processamento de informação
que obrigatoriamente estão envolvidos em qualquer aprendizagem não verbal ou verbal.
Se a criança é perseverante, ela tem tendência a prender-se e a fixar-se repetitivamente sem justificação a um fenómeno isolado, sem considerar as suas importância,
pertinência e conveniência.
263
Figura 83 - Sintomas do défice de atenção com hiperactividade
INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
Se a criança é impulsiva, ela não consegue controlar o processo do seu pensamento, e age sem pensar. A atenção que dedica a qualquer ideia ou tarefa é apenas
passageira e instável ou titubeante, pois a sua mente encontra-se constantemente a divagar de um acontecimento para outro.
Cada uma destas características é a manifestação da incapacidade da criança para integrar com sucesso a informação sensorial que recebe, daí resultando uma
desintegraÇão sensorial (Ayres 1978) que não é consentânea com uma aprendizagem fácil, agradável e prazeirosa.
Os trabalhos de Magoun 1958, Lindsley 1960, e de Douglas e Peters 1979 indicam que, quando a atenção se encontra perturbada, a disfunção pode localizar-se
no subcortex, na área cerebral comummente referida comoformação reticulada e que, como vimos atrás, está envolvida na regulação e na modulação dos processos psicomotores
básicos, isto é, tonicoposturais e tonicoemocionais (Fonseca 1995).
A criança distráctil acha a maioria das salas de aula sobrecarregadas de estímulos e por isso não consegue ter um desempenho equivalente às suas capacidades.
Devido a estas características, o arranjo das salas deve ser muito bem estruturado, com espaços reservados a aprendizagens específicas, com poucos estímulos visuais
perturbadores, com as paredes pintadas de forma simples, com cores suaves e com poucos quadros ou desenhos expostos. Da mesma forma, os estímulos auditivos também
devem ser reduzidos e estruturados; neste caso, a estruturação ecológica é essencial para reduzir as condutas desplanificadas e desorganizadas que caracterizam muitas
crianças com DANV.
Myklebust 1975, McCarthy e McCarthy 1974, Kolb e Whishaw 1986 sugerem que a proximidade e a mediatização dos estímulos ou das tarefas de aprendizagem deve
ser controlada, uma vez que a distância ou a desestruturação espacial, por vezes, podem causar distracção. Por isso, as salas de trabalho mais pequenas, ou a criação
de zonas reservadas ( nichos pedagógicos) são mais convenientes.
O envolvimento deve ser estruturado consoante o grau de distractibilidade. Esta medida é tomada não com o propósito de isolar ou segregar a crança, mas sim
de facilitar a sua aprendizagem.
A perseverança pode ser manifestada de várias maneiras. Algumas crianças podem manter-ser agarradas a determinado objecto ou brinquedo, sem conseguirem mudar
para outro, ou então, continuar a saltar, a correr ou a rir sem parar.
Para conigir estes comportamentos deve-se começar por analisar as situações em que eles ocorrem, estruturando-as antecipadamente, seleccionando tarefas com
essas preocupações. Normalmente, tais comportamentos aumentam à medida que a criança fica fatigada; é por isso que são necessários períodos de descanso, de quietude
e serenidade, mesmo de estratégias de relaxação adequadas, para acalmar ou modular os níveis de vigilância e de atenção automática das crianças hiperactivas e distrácteis.
264
TAXONOMIA DAS DlFICUIDADES DE APRENDIZAGEM
Muitas vezes não é suficiente dizer apenas às crianças para pararem com determinado comportamento, associando uma ordem ou um comando verbalpor vezes é necessário
intervir corporalmente, por exemplo, agarrando-lhe a mão. Uma coisa é a atenção como processo eognitivo superior, a chamada atenção voluntária, outra coisa é a atenção
automática, neurologicamente definida como vigilância (arousal), que é mais básica, emocional e elementar, mais proprioceptiva, táctil, vesúbular e quinestésica,
de onde emerge subsequentemente a atenção intencional, mais exteroceptiva, auditiva, visual e simbólica.
A excessiva actividade motora, que caracteriza a hiperacúvidade, resulta em parte da dissociação e da desintegração destes dois úpos de atenção que envolvem
complexos processos neurológicos de facilitação e inibição reticular, subtalâmica e subcorúcal. Se a actividade motora só por si fosse importante, então a hiperacúvidade
seria reveladora de um alto rendimento ou de uma prestação adaptada na aprendizagem, mas o que se sabe é que o movimento pelo movimento ou o exercício físico repeútivo
em si, que observamos em muitas crianças hiperactivas com incontinência motora, sem que envolva processos de atenção, de regulação e de planificação motora mediatizados
ou simbolizados, é sinónimo do contrário, pois muitas delas revelam complexas DANV.
A criança impulsiva mostra-se ora apática e sonolenta, ora excitada e explosiva, podendo passar muito tempo a olhar fixamente para um deterrninado ponto
da sala de aula, ou através da janela, sem realizar tarefas, quando não agindo de forma agitada sem mobilização tonicoenergética adequada, produzindo respostas motoras
e não verbais imprecisas, imperfeitas, dissociadas e ansiosas a muitas situações.
Quer o baixo nível de vigilância, como na apatia e na preguiça, quer o alto nível de vigilância, como na dispersão, na desconcentração ou na desplanificação,
o que envolve estados tónicos-limites (hipo ou hipertónicos), ambos são indutores de fraco desempenho na adaptação e na aprendizagem.
A aprendizagem eficaz, como consequência, envolve uma modulação energética e uma harmonização tónica, denominada eutonia, por meio da qual a atenção crítica,
selectiva e dirigida actua. Daqui resulta uma ilação muito importante para a aprendizagem, pois quer as tarefas muito dificeis (que produzem um nível de vigilância
não optimal, ansiedade ou excesso de entusiasmo), quer as tarefas muito fáceis (que igualmente interferem com a tonicidade optimal, porque baixam os níveis atencionais),
podem produzir perturbações nos procedimentos inerentes ao acto mental que a resolução das tarefas sugere.
Esta lei de Yerkes-Dodson (Yerkes e Dodson 1908) põe em realce as relações tarefa-sujeito, onde a resultante coloca em jogo um baixo nivel de vigilância
optimal, nível este difícil de mobilizar ou controlar em crianças impulsivas e hiperactivas, que frequentemente usam altos níveis de vigilância para realizarem as
suas tarefas - daí a excessiva energia, a torpeza ou a brutalidade das suas acções ou das suas palavras, que não são devidamente inibidas, contidas ou reguladas.
265
0
INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
O alto nível de vigilância serve perfeitamente para tarefas motoras básicas e não delicadas, para essas tarefas a vigilância acrescida é adequada; por isso,
as crianças hiperactivas têm algum sucesso em tarefas de jogo, de aventura e de recreio. O problema muda de figura quando as tarefas de aprendizagem exigem níveis
de regulação mais económica, estável, escrutinada, prolongada e organizada, onde as crianças impulsivas, instáveis e ansiosas falham por imperícia tonicomotora.
Em síntese, as tarefas simples como a cópia ou fazer somas de números podem ser realizadas com tensão, velocidade, instabilidade ou impulsividade, ou seja,
com altos níveis de vigilância, onde menos informação se pode manipular ao mesmo tempo e onde a memória de trabalho lida com poucos dados. ao contrário, a baixa
vigilância das tarefas complexas de compreensão da leitura ou da resolução de problemas matemáticos, para serem realizadas, requerem mais flexibilidade, mais plasticidade,
mais disponibilidade, menos ansiedade, com a memória de tcabalho a lidar com maior número de dados, onde a informação é mais vasta e diversificada. Quando a vigilância
se distancia desse estado optimal, planificar e combinar informação torna-se mais difícil de exprimir com eficácia, e esta é uma das características das crianças
com DANV.
Estas crianças não completam os seus trabalhos, e é preciso estar sempre a lembrar-lhes para continuarem, pois não conseguem manter a atenção mais do que
alguns minutos. Outras não conseguem esperar para iniciar o trabalho, e depois cometem erros devido às suas respostas imediatas. Outras ainda, devido à pressão,
ao stress e à ansiedade de um exame ou de um teste, não lêem os dados dum problema com vigilância optimal, ficam em branco", sem acesso à memória de trabalho, não
fazendo uso da informação que conhecem e dominam. Uma hora antes do exame, menos tensas, estas crianças, e também jovens e adultos, lembram-se dos conteúdos perfeitamente,
mas no exame produzem níveis altos de vigilância e não se lembram da matéria. Lamentavelmente, muitos exames encorajam altos níveis de ansiedade, daí resultando
altos níveis de vigilância que prejudicam os altos níveis de processamento cognitivo exigidos pelas tarefas de exame.
A impulsividade e a instabilidade podem ser reduzidas se se estabelecer rotinas, tanto em casa como na escola. Quando a criança conhece a sequência dos acontecimentos,
o seu comportamento é menos impulsivo e mais organizado. Por isso, o recurso a programas de enriquecimento psicomotor, cogni tivo e metacognitivo que desenvolvam
funções de integração, elaboração e planificação de informação são recomendáveis para as crianças com DANV.
APERCEPÇÃO SOCIAL: PROBLEMAS DE COMPORTAMENTO PSICOSSOCIAL
A impercepção social implica uma dificuldade da criança para com preender o envolvimento social e a complexidade das relações sociais, parti
266
TAXONOMIA DAS DIFICULDADES DE APRENDfl AGEM
cularmente em termos do seu próprio comportamento (Jonhson e Myklebust
1967, Myklebust 1975, Vaughn e Bos 1988).
Talvez o problema mais sério associado às deficiências na percepção social
seja a maneira como estas limitam e impedem o desenvolvimento e a aquisição da significação e da interiorização da experiência pessoal; trata-se de uma 1
competência social que permite à criança adaptar-se ou responder às expectativas da sociedade. E devido a este envolvimento penetrante e interiorizante
que esta desordem na aprendizagem não verbal é mais enfraquecedora em termos comportamentais do que a desordem da aprendizagem verbal.
No processamento cognitivo normal da informação, as funções verbais e '
não verbais funcionam simultaneamente. Mas os défices no processo verbal i
não interferem tão negativamente na experiência como os défices não ver- I
bais, mais enfocados na inteligência emocional e na autoestima (Goleman
1995).
Por outro lado, défices no processo não verbal levam a distorções na própria experiência. Daí que as crianças com este tipo de dificuldade de aprendizagem sejam
muitas vezes imaturas e incapazes de fazer as adaptações
necessárias à vida quotidiana, comprometendo o seu desenvolvimento pes r
soal e social futuro.
Várias características de desajustamento social são apontadas nas crianças
e nos jovens com DANV, desde problemas de conflitualidade interactiva a
problemas de ambiguidade comunicativa, imtabilidade, negativismo, oposição
e negligência perante os sentirnentos dos outros, traços de inconformidade e á
impopularidade, manifestações de excitabilidade, fraco autoconceito, egocentrismo, insensibilidade e irresponsabilidade, problemas de inserção social, etc. ,
são podem ser detectados nestes casos.
Muitas vezes, enquanto mais novos, estes jovens são considerados pre- s
coces pelos pais e outros adultos, porque utilizam uma linguagem semelhante 3
à deles. Apesar de serem desajeitados, não imitarem modelos sociais, de
serem lentos na aquisição de padrões motores e não se identificarem com as
outras crianças, os adultos desenvolvem grandes expectativas em relação às
suas realizações académicas, baseados na sua precocidade verbal, na forma
como se aplicam para aprender e na ânsia que demonstram em agradar, como
que compensando as suas dificuldades não verbais. Dependem mais dos
aspectos verbais do que dos não verbais, evocando dificuldades específicas
para resolverem problemas desta natureza.
Estes esforços e atitudes desviam a atenção do facto de que eles têm poucos ou nenhuns amigos. Eles têm dificuldade em ajustar a sua comunicação
aos interesses e desejos ou ao nível de linguagem dos seus pares, pondo em
risco aspectos da sua sociabilização e da sua maturidade afectiva, por vezes
exibindo e revelando condutas exageradas de regressão.
Os pais e professores tendem a minimizar ou a ignorar esta falta de
aceitação social, é a focar a sua atenção mais nos conhecimentos académicos das crianças e dos jovens.
267
INSUCESSO ESCOIAR - ABORDAGEM PSICOPEDAG6GICA
Quando as exigêneias académicas passam de uma aprendizagem rotineira de competências, de factos e de procedimentos para aprendizagens mais complexas, estes
indivíduos começam a falhar e a deixar de se esforçar, assumindo ocasionalmente comportamentos de evitamento.
À medida que aumentam as oportunidades para uma interacção social espontânea com os pares, as dificuldades de comunicação destas crianças e destes jovens
tornam-se mais evidentes. São rejeitados frequentemente e passam a afastar-se e a isolar-se dos grupos.
A capacidade para fazer juízos sociais, tal como outras adaptações, deve ser adquirida ao longo do processo de maturação e de aprendizagem. Normalmente,
a criança aprende de forma natural a perceber os sentimentos dos outros, o significado dos contactos corporais, o significado transmitido pelo tom ou a entoação
da voz, pelas anedotas, os sarcasmos, e outras acções, gestos, mímicas e pantomimas. Ela consegue avaliar as situações e adaptar-se a elas e, gradualmente, adquire
um certo tacto e aprende a antecipar as consequências do seu comportamento, competência social deveras difícil de demonstrar pelas crianças e pelos jovens com DANV.
Algumas crianças porém, têm grandes dificuldades nestes aspectos. Elas não conseguem interpretar o comportamento das outras pessoas através da observação
e da imitação, não percebem o significado das expressões faciais, das acções e dos gestos. Consequentemente, são descritas como sendo insensíveis ou estúpidas. Têm
tendência para repetir comportamentos inapropriados, sem evocarem sentimento de culpa ou remorso por com portamentos antissociais, podem manifestar comportamento
agressivo e confrontações com colegas, violam com frequência normas, apresentam falta de empatia, não desenvolvem relações de intimidade, relacionando-se com os
outros de forma muito superficial, não têm flexibilidade perante situações novas - em síntese, são inábeis afectiva e socialmente.
Se os pontos fortes e fracos, e as necessidades destas crianças, não forem reconhecidos em tempo útil, para que se inicie uma intervenção ecológica apropriada,
o prognóstico para o sucesso escolar é baixo, bem como para a superação dos problemas na adolescência e para uma adaptação social positiva (Rourke 1989, Foss 1991).
Questões de autoconfiança, de motivação intrínseca, de autoeonceito, de falta de persistência e de iniciativa para aprender, de baixo nível frustracional, de reforço
de sentimentos negativos face à aprendizagem e à resolução de problemas de qualquer tipo, etc. , tendem a avolumar-se, gerando consequentemente uma inadaptação social
que pode ser problemática.
IDENTIFICAÇÃO E CARACTERIZAÇÃO PSICOEDUCACIONAL
A avaliação deve abranger todas as funções da linguagem (corporal, falada e escrita) e um variado número de funções especializadas, incluindo
268
TAXONOMIA DAS DIFICULf7AflES DE APRENDl7 AGE
habilidades cogniúvas não verbais tais como: postura, somatognõsia, práxia
(observação psicomotora), conceitos temporais, orientação espacial e direccional, ajuizamentos de peso, tamanho, veiocidade, altura e, obviamente,
de maturidade social.
Não existem dados estandardizados para cada uma destas áreas de aprendizagem, mas estes comportamentos podem ser avaliados através de testes
especiais e de procedimentos clínicos desenvolvidos para tal propósito.
Vários instrumentos têm sido já desenvolvidos no âmbito específtco da
identificação de DANV, nomeadamente a EIPA (Fonseca 1984 - adaptada
da Pupil Rating Scale de Myklebust 1971), o Teste Global de Inteligência
não Verbal (Comprehensive Test of Non Verbal Intelligence) de Hammill,
Pearson e Wiederholt 1996, apesar de não serem muito conhecidos e uúlizados na práúca psicopedagógica.
Na sua essência, os instrumentos mais uùGzados procuram avaliar a per , ;
formance (perjormance tests) e as competências não linguísticas (nonlanguage tests). Í
No primeiro caso, os mais uúlizados têm sido o Teste Gestáltico de t
Bender (The Bender Gestalt Testfor Young Children, Koppitz 1971), o Teste ;
de Aptidão de Aprendizagem de Detroit (Detroit Test of Learning Aptitude,
Hammill 1991), o Teste das Matrizes Analógicas (Matrix Analogies Test,
Naglieri 1985), e o Subteste de Realização da Escala de Inteligência, de !
Weschler (Weschler Intelligence Scalefor Children, Weschler 1991), o Teste
das Habilidades Mentais Primárias (The Primary Mental Abilities Test,
Thurstone e Thurstone 1962), e o Modelo de Avaliação do Potencial de
Aprendizagem (Learning Potential Assessment Device, de Feuerstein 1975,
adaptado por Fonseca e Santos 1992).
No segundo caso, o Teste de Perjormance de Arthur Benton (The Arthur '
Aàaptation of the Leiter International Performance Scale, Ar<hur Benton !
1950), o Teste de Aptidão de Aprendizagem de Hiskey-Nebraska (Hiskey,
Nebraska Test ofLearning Aptitude, de Hiskey 1966) e o Teste de Inteligência
não-Verbal (Test ofNonverbal Inreligence, de Brown e colaboradores 1990). '
Em termos muito genéricos, todos eles procuram avaliar as seguintes
competéncias: discriminação e generalização perceptiva, comportamento
motor, indução, compreensão, sequencialização, reconhecimento de detalhes,
analogias, raciocínio abstracto, memória, compietamento de padrões, informação geral e identificação de imagens, ou seja, todos os aspectos inerentes
às pré-aquisições das funções psíqnicas superiores.
A avaliação psicológico-cognitiva é crítica para a clarificação da natureza
das DANV, dado que identifca disfunções cognitivas de input-elaboração-output, facetas essenciais para lidar com muitas situações da vida diária.
Apesar de serem necessários estudos neurológicos, electroencefalográficos, pediátricos e outros, a avaliação dinâmica dos processos cognitivos
(Feuerstein 1975, Fonseca e Santos 1995) indica um novo caminho a seguir Í
para que uma intervenção educativa e/ou habilitativa possa ser benéfica.
269
INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
INTERVENÇÃO E MEDIATIZAÇÃO
Só muito recentemente é que as crianças com DANV foram identifica das. No entanto, apesar do conhecimento limitado que se tem sobre o assunto, podem ser
aqui consideradas algumas hipóteses de intervenção.
Os pais devem ser orientados e treinados para lidar com a situação. Estas crianças não são facilmente controladas em casa e exercem uma influência perturbadora
noutras crianças e em muitos adultos, nomeadamente em professores.
O psicólogo, o professor e o terapeuta podem ser muito eficientes em aliviar estas circunstâncias, fornecendo explicações detalhadas sobre as incapacidades
da criança e indicando a maneira como os pais podem participar em alguns aspectos essenciais da intervenção, fundamentalmente ajudando a criança a aprender a brincar
com jogos, a dizer as horas, a vestir-se sozinha e a perceber as acções dos outros.
O professor-terapeuta é um dos responsáveis pelo programa de intervenção educativa. A sua primeira preocupação deve ser o desenvolvimento de uma maior compreensão
e de uma significação experiencial, algo que uma intervenção psicomotora bem delineada pode desempenhar. Talvez este seja um dos grupos de crianças que é mais negligenciado
nas escolas.
Todos os professores devem estar conscientes da natureza deste tipo de DA. Mais especificamente, o papel do professor é ajudar a criança na aprendizagem
psicomotora das várias partes do corpo e sua orientação, o significado das acções dos outros, o significado de tempo e do ritmo, o significado da posição, da direcção
e da relação espacial dinâmica, o significado dos mapas e das imagens e o significado do tamanho, do peso, da altura e da velocidade, que envolvem objectos e eventos
no dia-a-dia.
Para tentar melhorar este problema relacionado com a imagem corporal, pode-se começar por pedir à criança que se deite numa folha de papel do seu tamanho,
para desenhar o contorno do seu corpo. Depois, desenha-se as componentes faciais, a roupa e alguns pormenores, tal como os dedos, as unhas, para uma posterior nomeação.
A criança fecha os olhos e o terapeuta toca-lhe numa parte do corpo, que deve ser identificada, verbal ou iconograficamente, já com os olhos abertos, primeiro em
si e depois num modelo, desenho ou fotografia.
Também se pode trabalhar em frente a um espelho, desde que a criança reconheça a sua imagem reflectida. Desta forma, ela tem acesso a uma referência visual
imediata, que lhe permite aperceber-se e corrigir os movimentos que realiza.
Outra alternativa consiste na utilização de quebra-cabeças representativos da imagem corporal, que vão aumentando de complexidade à medida que se dividem
num maior número de partes, ou utilizar figuras onde são omitidos alguns pormenores, para que a criança os descubra e desenhe no sítio certo.
270
TAXONOMIA DAS DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM
Talvez ainda de forma mais básica, a criança deva ser ajudada a desenvolver a capacidade de tomar conta dela própria, promovendo a sua auto-suficiência:
higiene, alimentação, vestir-se, fazer recados, seguir instruções e orientar- se no seu ecossitema residencial.
A perspectiva da intervenção e da mediatização é produzir um redesenvolvimento das funções de aprendizagem desde as mais básicas às mais complexas, conforme
o modelo seguinte.
Numa fase posterior, os procedimentos de intervenção devem ajudar o indivíduo a associar rótulos e descrições verbais a objectos concretos, acções e experiências.
Área de Hierarquia Idgde
desenvolvimento Componentes sisténticos da ler
linguagem
integração tonicidade segurança afectividade vinculação 0-3meses
sensorial (CNV) fam0ia
controlo imitação equilibração propriocep- linguagem I ano
postural úvidade corporal infantário
lateralização dominância/ linguagem 1a 3anos
e especialização /divisão falada jardim
hemisférica ego-alo- infantil
-geocentrismo
representação
somatognósia conceito/ desenvolvimento 4a 5anos
e EET /consciência motor pré-primária
planificação e multimodal
motora
desenvolvimento prdxia global 6a 10anos
cognitivo práxia fina escola
atenção- primária
-processo -planificação
Figura 84 - Intervenção psicomotora
271
INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGrlGICA
A intervenção está fortemente dependente da mediatização verbal e da autodirecção verbal (Fonseca 1976, 1978, Fonseca e Santos 1992), no sentido de analisar
e organizar a informação para a realização de determinadas tarefas. Estes processos e critérios de mediatização devem ser modelados pelo professor-terapeuta, enquanto
o estudante aprende a conduzir as suas acções e aprendizagens.
Como estes indivíduos apresentam grandes dificuldades em dominar as noções de espaço e as relações espaciais (ego, alo e geocêntricas), o professor-terapeuta
deve avaliá-los de forma contínua em relação à compreensão destes conceitos nos mais variados contextos, e fornecer instrução multissensorial (táctil, quinestésica,
visual e auditiva, manipulativa, iconográfica e simbólica) explícita, para que eles consigam estabelecer associações significativas com a linguagem espacial e direccional.
A instrução deve procurar desenvolver uma certa flexibilidade nos conceitos de semelhança e dissemelhança, de comparação, de classificação e categorização,
de relações parte-todo, de relações causa-efeito e de relações espaciais. Depois, o estudante deve seguir uma sequência de passos que incluem o autoquestionamento,
em que procura perceber o vocabulário, identificar a relação implícita entre as palavras presentes, etc. Até que tenha interiorizado este procedimento, o estudante
deve verbalizar cada passo, ou seja, deve ser introduzido num processo psicomotor dinâmico e significativo (Fonseca 1976).
O objectivo deste procedimento é proceder à análise e à reflexão, e reduzir a impulsividade das respostas, que tende a acontecer por associação verbal em
vez de acontecer por compreensão das relações implícitas. Vivenciar primeiro, significar e simbolizar depois. Do agir antes de pensar ao pensar antes de agir, do
motor ao psíquico e, posteriormente, do psíquico ao motor.
Estes estudantes ficam muitas vezes em baixo, quando confrontados com a pressão académica, e com as exigências que requerem mais do que aquilo de que se
sentem capazes.
Se forem ajudados a atribuir significados claros às várias palavras que ouvem, lêem e dizem, a sua compreensão vai certamente melhorar. Algumas estratégias
utilizadas incluem dramatizar e discutir o assunto em questão, antes de ler ou simbolizar sobre ele, para que o estudante adquira uma primeira noção daquilo de que
se vai tratar a partir da acção. Ler o texto em voz alta; traduzir a memorização do texto numa simples dramatização corporal; ler previamente as questões que se
encontram no final de cada capítulo e os títulos principais; e fazer uma pausa no final de cada frase ou parágrafo, para resumir a ideia principal. Os estudantes
devem ser treinados para se autoquestionarem, o que os leva a reflectirem sobre a ideia com que ficaram do que acabaram de ler.
Para diminuir as dificuldades na compreensão é necessário clarificar as confusões semânticas e treinar os estudantes para que utilizem estratégias
272
TAXONOMIA DAS DIFICULDADES DE APRENDIl AGEM
cognitivas e metacognitivas de análise, comparação, verificação e planificação da informação e de identificação de padrões e processos de organização.
O trabalho que é desenvolvido para melhorar a grafomotricidade tem resultados directos na formação das letras na sua inclinação, no espaço que ocupam, no
alinhamento da linha de base e no controlo e na fluência da escrita. Na prática o estudante deve auto-regular verbalmente a sua postura, a posição do papel, a preensão
do lápis, a formação das letras, entre outros aspectos, valorizando a síntese psicomotora inerente à aprendizagem.
O campo social também requere mediatização direeta e explícita, uma prática num lugar ecologicamente estruturado, ao mesmo tempo que se deve encorajar sistematicamente
o feed-back das situações da vida quotidiana, valorizando a integração holística da experiência. Tarefas passo a passo, com recurso a conceitos básicos e ao uso
da lógica, à utilização de estratégias de organização, à aplicação de mapas não verbais e diagramas, etc. , devem ser implementadas, bem como concentração de esforços
em ensinar aquisições sociais em teatralizações e ecocinésias corporais simples e lúdicas, pois podem dar um reforço substancial à interiorização de competências
sociais.
Estes indivíduos não compreendem o significado das insinuações não verbais que ajudam a definir as situações sociais mais diferenciadas. O treino específico
para interpretar aspèctos não verbais como a expressão facial, os gestos, o tom de voz, a proximidade e a distância (proxémica), o estatuto e o papel dos intervenientes,
a utilização de adornos e o contexto da comunicação resultam em melhores percepção e participação social.
Do princípio ao fim do programa, o objectivo fundamental deve ser conseguir estabelecer de forma satisfatória relações com os pares, com a família e com
os amigos.
Quanto melhor conhecermos os pontos fracos destes estudantes, mais preparados poderemos estar para promover os seus sentimentos de autoestima e de eficácia
pessoal. Promovendo as funções cognitivas das aquisições não verbais, ampliamos o reportório de adaptação social das crianças e dos jovens com DANV; dessa forma,
estamos paralelamente a modificar e a optimizar o seu potencial cognitivo que vai ser necessário para aprender a aprender no futuro.
DificWdades de aprendizagem primárias e secundárias
Compreendemos agora porque é que as DA constituem um problema multicomplexo e porque é que a sua etiologia é multifactorial e múltipla. A dificuldade parece
residir na identificação, no diagnóstico e na taxonomia, isto é, na clariflcação de uma classificação das DA em termos psiconeu
273
INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
rológicos e baseada em factos e investigações fidedignas. Para respondermos a esta necessidade é preciso desenvolver investigações multidisciplinares, estudos longitudinais
e epidemiológicos que impliquem um melhor domínio das causas específicas das DA, tentando, progressiva e persistentemente, diminuir a confusão conceptual.
Dentro desta óptica, e em conjunto com a perspectiva de Quirós 1978, convém desde já subdividir as DA em primárias e em secundárias e, ao mesmo tempo, estudá-las
comparativa e criticamente.
DIÈICULDADES DE APRFNDI7AGEM PRIMÁRIAS DIFICULDADES DE APRFNDIZAGEM SECUNDÁRIAS ( DA - I) (DA - II)
(1) Quando não se idenúf Ica uma causa orgâ- (1) Quando resultam de condições, desordens,
nica especifica. limitações ou deficiências devidamente
diagnosticadas em: deficiência visual,
deficiência auditiva, deficiência mental,
deficiência motora, deftciência emocional
ou privação cultural.
(2) Compreendem penurbações nas aquisi- (2) Compreendem perturbações nas aquisições especificamente humanas, isto ó, prá- ções não especificamente
humanas. As
xicas e simbólicas, como: a linguagem DA são a consequência secundária de
falada (recepúva e expressiva), a lingua- def Iciências nervosas, sensoriais, psíquigem escrita (receptiva e expressiva) e a cas ou ambientais.
linguagem quantitaúva.
(3) O potencial sensorial, intelectual, motor e (3) O potenciat sensorial, intelectual, motor e
social está intacto, é portanto normal. social 8atfpico e desviante.
(4) Se há perturbações, elas dependem de alte- (4) Se há perturbações, elas dependem
rações mfnimas, tão mínimas que não são secundariamente de defciências sensodetectadas pelos exames médicos (pediá- riais, neurológicas, pslquicas
ou envoltricos, neurolbgicos, psiquiátricos, etc. ), vimentais (ou ambientais, como por
psicológicos (clfnicos, pedagógicos, etc. ) exemplo: privação cultural, desvantagem
tradicionalmente mais utilizados, porque socioeconómica, factores ecológicos,
eles são insuficientes para se identificar malnutrição, envolvimento afectivo, facidistúrbios simbólicos e problemas no pro- lidades de estimulação
precoce; expectacesso de informação intra e interneuros- tivas, etc. ).
sensorial.
(5) As aquisições da linguagem falada, da lin- (5) As aquisições da linguagem falada, da linguagem escrita e da linguagem quantita- guagem escrita
e da linguagem quantitativa estão primariamente perturbadas. tiva estão secundariamente perturbadas.
274
TAXONOMIA DAS DIFICULDADES DE APRENDIZ9GEM
1) Disfunções cerebrais 1) Afecções biolóQcas
1. 1Da linguagem falada I. 1Do sistema nervoso central
Disnomia Lesões cerebrais
Disfasia Paralisia cerebral
Disartria Epilepsia
Deficiência mental
1. 2Da linguagem escrita 1. 2Dos sistemas sensoriais
Dislexia (auditiva e visual) Deficiência auditiva
Disgrafia Hipoacusia
Disortografia Deficiência visual
Ambliopia
1. 3Da linguagem quantitativa
Discalculia
2) Problemas perceptivos 2) Problemas de comportamento
2. I Do processo audiávo Reactivo
Discriminação Neurótico
Síntese Psicótico
Memória de curto termo
Auditorização
2. 2Do processo visual
Discriminação
Figura e fundo
Completamento
Constância da forma
Posição e relação espacial
Visualização
3) Problemas psicomotores 3) Factores ecológicos e socioeconómicos
Controlo vestibular e Envolvimento afecúvo
proprioceptivo Malnutrição
Lateralização Privação cultural
Imagem do corpo Dispedagogia
Estruturação espaciotemporal
Praxia global
Praxia fina (visuomotricidade
e dextralidade)
Muitas causas podem produzir as DA I e II, aliás como muitas causas podem originar a deficiência aúditiva. Dentro das causas das DA, Quirós 1978 menciona:
as congénitas (imaturidade do girus angular); as hereditárias (gene autossómico); as disfuncionais (disfunção cerebral mínima); as bioquimicas (metabolismo das aminas:
serotonina, dopamina, noroepinefrina, etc. ) e as patológicas (lesões cerebrais).
Factores como a prematuridade, a anoxia neonatal, as viroses, os problemas de metabolismo, os traumas, e outras causas que envolvam directa ou
275
INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
indirectamente o SNC, podem produzir várias deficiências sensoriais, motoras ou neurológicas que, em si, podem compreender as DA II. Estas, porém, podem mais tarde
produzir quadros clínicos como as lesões cerebrais (brain damage), as paralisias cerebrais, as deficiências mentais, as deficiências sensoriais, etc.
As DA II compreendem a taxonomia da deficiência, e estão mais relacionadas com os factores médicos, isto é, as suas causas são óbvias e bem conheeidas. Aqui,
o diagnóstico não oferece dúvidas. Dentro delas temos:
- deficiências sensoriais: visuais e auditivas;
- deficiência intelectual dependente de muitos factores que actuam ao nível do QI;
- deficiências motoras (ou doenças crónicas e prolongadas), que podem levar a uma falta de contacto com o meio e, mais tarde, a problemas
psicológicos;
- deficiências de comunicação.
Outros factores podem produzir as DA II e esses estão mais relacionados com aspectos exógenos de ordem psicológica, pedagógica e socioeconómica, como sejam:
envolvimento afectivo, privação cultural, problemas de nutrição, factores ecológicos, mau enquadramento de aprendizagem e de desenvolvimento, dispedagogia, etc.
As DA I não estão tão relacionadas com os factores médicos e, por isso, as suas causas são mal conhecidas. Aqui, o diagnóstico precisa de ser aprofundado,
pois oferece muitas dúvidas. A sua etiologia obscura não permite determinar o domínio da causa ou das causas específicas do défice de aprendizagem.
As DA I englobam as aquisições especificamente humanas dependentes dps processos receptivos e expressivos da linguagem falada, da linguagem çserita e da
linguagem quantitativa. Elas podem resultar de compensações ou disfunções cerebrais, de problemas perceptivos, auditivos e visuais (discriminação, figura e fundo,
memória de curto termo, etc. ), de problemas psicomotores (dificuldades posturais, problemas de lateralidade, estruturação espaciotemporal, praxias ideatórias e
ideomotoras) e de problemas de comportaznento (imaturidade socioemocional, hiperactividade, distractibilidade, impulsividade, hostilidade, dependência, etc. ).
Por definição, as DA I não cabem no âmbito de qualquer deficiência. As DA I são caracterizadas por sinais difusos de ordem psiconeurológica.
Os factores de privação cultural ou outros de eariz socioeeonómico não entram em linha de conta. Para identificar crianças com DA I, os factores socieconómicos
e exógenos devidos a factores de classe social" devem ser excluidos. O factor a respeitar é de ordem intrinseca do cérebro da criança, pondo em questão processos
e recursos de aprendizagem que não se encontram normalmente disponiveis nem no professor nem na classe regular.
276
T 4XONOMIA DAS DIFICULI7ADES DE APRENDTIAGENI
De qualquer forma, a ambiguidade e a imprecisão dos termos e dos estudos subsiste. Ninguém conhece os sintomas exactos que permitant diagnosticar uma criança
com DA. Alguns autores defendem os testes visuais e auditivos; ouvos, ainda, defendem os testes neurológicos, outros defendem perspecúvas exclusivamente psicodinâmicas,
etc. Para muitos, as DA não são uma condição, nem uma doença. Para outros, as DA são problemas emocionais e de comportamento. Que confiança se pode ter em tais dados,
quando não se sabe o que querem dizer, ou o que significam as DA?
Parece-nos urgente aprofundar cuidadosamente o diagnóstico, desde que se adopte uma classificação (taxonomia) com base na hierarquia da linguagem, visto
ser esta a principal faceta da aprendizagem humana.
Tal taxonomia das DA permitirá, pois, determinar a existência de uma ou mais variáveis etiológicas e criar meios de diagnóstico intraindividual orientadores
de métodos adequados de intervenção pedagógica.
Taxonomia das DA e hierarquia da linguagem
A taxonomia das DA apresentada no quadro procura equacionar dois tipos de problemas. Primeiro, as DA devem estar em relação com o desenvolvimento e, por
consequência, de acordo com uma maturação das pré-estruturas do SNC, matèrializada na progressiva mielinização e na criação de redes neuronais (sinaptogenese, crescimento
dendrítico e axónico, migração neuronal, etc. ) que vão originando os sistemas de aprendizagem. Segundo, as taxonomias das DA que compreendem as aquisições especificamente
humanas têm de obedecer a um modelo hierarquizado da linguagem.
Myklebust 1967, 1978 apresenta um modelo hierarquizado da linguagem cuja génese se origina na experiência (ou na acção, como defende Piaget) incorporando-a
por meio da linguagem interior, que constitui o primeiro estádio da aquisição da linguagem. Mais tarde, prolonga-se na linguagem falada, subdividida na linguagem
receptiva e na linguagem expressiva. Por último, surge a linguagem escrita, também subdividida em receptiva (leitura) e expressiva (escrita).
Este quadro pode ser também apresentado numa perspectiva hierarquizada dos processos psicológicos da aprendizagem, em si próprios, indissociáveis dos seus
concominantes processos de maturação neurobiológica.
LINGUAGEM INTERIOR - NÃO VERBAL E VERBAL
A criança não ádquire primeiro as palavras e depois os significados. O desenvolvimento da linguagem pressupõe a aquisição de experiências significativas
e
277
_ _ _ _ _ _ _ _ LINGUAGEM LINGUAGEM C
LOVGUAGEM LINGUAGEM EsCRITA QUANTITATIVA M
i
INTERIOR FALADA
0
Desenvolvimento Linguagem Linguagem Linguagem Linguagem
Marmonioso cotporel auditive visuel conceptual
não verbal Pmcesso auditivoverbal Processo visuomotor
Desenvolvimento Perlodo Periodo Perfodo operacional Perlodo
à IUz de sensoriomotor prE-operacionel formel
Pieget
sis no t" - b
(ntielinização)
sistemas sistemas sistemas
de intranettmssen- intemeUrossenso- b
eptendizegem sorieis s Sistemas ~
integrativos
Áreas cetebrais Área motora Área motora da fale 0
implicadas no Ána sensoriel Area psicomotora as associativas visUo-
desenvolvimento Área auditiva Área somatognósica auditivotacútoquinestésicas b
e na aprendizegem Área visual Área associaúva visuel
Ána associaúva eudiúva <<as assoCieúvas crossomodais a
Dificuldndes Dispraxia Disnonúa Dislexia DiçCg)CUliB
de Disgnosia Disfasie Disgrafta
aprendizagem Disartria Diso tografie
Intervenção Diagnóstico Diagnósúco Diagnósúco Diagnbsúco
psicopedegógice Mótodos MEtodos MEtodos Mótodos
Figura 85 - Modelo em cascata da hierarquia da linguagem
TAXONOMIA DAS DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM
1
Ideia T I ia
F 'i
I I
C EMISSOR RECEPTOR C SNC (E) (R) SNC
ONDAS
FALAR OUVIR I
. Aparelho fooador SONORAS ' Sistema auditivo j (ommoùvidade)
ONDAS
ESCREVER LER Visoomoaicidade LUMINOSAS ' Sistema visual ( afomoVicidade)
CODIHlCAÇÃO DESCODIÈICAÇÃO
Sistemas de output Sistemas de input
Apùdões - Apùddes - ApIidóes
inugraúvas inregraúvas inregraúvas
PROCESSO DA LINGUAGEM
Figura 86 - Modelo de comunicação humana
só depois a aquisição de palavras. Só quando o mundo envolvente é manipulado e experimentado é que ele assume alguma significação, não só porque a eriança
interiorizá o envolvimento, mas também porque começa a compreender as palavras, que efecávamente representam a experiência.
Quando a linguagem interior é estabelecida pela utilização inteligível dos objectos, bem cotno pela organização espacialmente significativa dos brinquedos,
para além das expressões emocionais não verbais, das pantominas e
279
INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
LbbuTo parietal TACTILOQUINESTÉSICO 7 (TQ)
TQ
3 4
7
/ 7 7 I. . bbulo occipit z 1
A 5 I 6 V VISÃO AUDIÇÃO
I . . bbulo temporal
1- Linguagem interior - não verbal - TQ V 2 - Linguagem auditivorreceptiva - TQ -a A
(conceito do objecto) (seguir instruções) (compreensão) 3 - Linguagem auditivoexpressiva - A TQ
(Fala) (associação), (significação-artxculema) 4 - Linguagem perceptivovisuomotora - V TQ
(conceito da gestalt)
5 - Linguagem perceptivoauditivovisual - A V (ass. palavra-imagem)
6 - Linguagem visuorrecepúva - V -1 A
(leitura) (associação optema-fonema)
7 - Linguagem visuoexpressiva - V TQ
(escrita) (associação fonema-grafema)
Figura 87 - fiierarquia da linguagem e processos de aprendizagem
280
TAXONOMIA DAS DIFICULDADES DE APRENDl7 AGEM
L INGUAGEM ESCRITA VISÃO
Ç
1
. o rr
m9 O
c
P
A
i O 1 d
V I Ì
1
o
I ça
I Ç
I
AUDIÇÃO Input -1 Linguagemfalada Output QUINESTÉSICO
LINGUAGEM FALADA LINGUAGEM NÃO VFRBAL H H
, ( Lbbulo pa etal ` L6bulo frontal QUn, lESTÉSICA
AUDITIVA VISUAL Lbbulo occipital
Figura 88 - Mecanismos de integração da hierarquia da linguagem
281
lNSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
LINGUAGEM VERBAL
Auditiva e Visual
r
LINGUAGEM VISUAL EXPRESSIVA
Escrita DISFUNÇÕES
r
LINGUAGEM VISUAL RECEPTIVf1 disgrafa
Leitura
r '
LINGUAGEM AUDITIVA EXPRESSIVA dislexia
Fala
r dislalia
LINGUAGEM AUDITIVA RECEPTIVA
Compreensão disfasia
r
LINGUAGEM INTERIOR
Não verbal e verbal
r
0
EXPERIÊNCIA Desintegração da experiência Evolução cogniúva Disfunção cogniúva
Fig. 78 - Modelo de hierarquização da linguagem, de Myklebust
dos simulacros, a representação simbólica da experiência vai permitindo à criança a progressiva compreensão dos símbolos auditivoverbais e, simultaneamente, a progressiva
descoberta da realidade.
A linguagem, como sistema simbólico complexo, assenta na compreensão interiorizada e corporalizada da experiência, envolvendo inicialmente a linguagem não
verbal, onde o corpo e o gesto, a expressão facial, o contacto olho-a-olho e a dialéctica das emoções, vão dando significação às coisas e às experiências. Ao mesmo
tempo, a linguagem gestual vai consolidando a linguagem interior. De facto, a significação é o factor dominante da aquisição da linguagem e ela está contida no corpo
e no Eu (Sel, f). O corpo vai descobrindo as palavras. O gesto vai preparando a evocação do primeiro sistema simbólico.
Dentro da área da linguagem interior, podemos integrar os factores da linguagem não verbal, como por exemplo: imagem do corpo, orientação espacial, expressão
gestual-corporal, etc. O corpo, nesta fase, é um meio de comunicação total. Pela acção no mundo, o corpo vai incorporando significações que irão justificar a progressiva
apropriação das palavras e a sua desintegração pode originar o autismo.
282
TAXONOMIA DAS DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM
LINGUAGEM AUDITIVA RECEPTIVA (COMPREENSÃO)
A linguagem receptiva evolui a partir da linguagem interior. Esta dá lugar à compreensão da experiência e, portanto, da integração somatognósica e corporal,
aquela dá lugar à compreensão das palavras. As palavras dependem das suas significações, como afirmou Vygotsky 1962. Para este autor, o desenvolvimento da linguagem
baseia-se na apropriação individual e corporal da experiência sociocultural, transmitida exactamente do adulto para a eriança através do comportamento verbal simbólico.
A aquisição da linguagem tem sido amplamente estudada, embora a controvérsia das abordagens continue sem solução, como podemos ver nas perspectivas incompatíveis
de Chomsky 1957 (Estruturas Sintácticas) e de Skinner 1957 (Comportamento Verbal).
O desenvolvimento da linguagem, por outro lado, tem sido estudado como um processo longitudinal, integrando os diferentes aspectos fonéticos, semânticos
e sintácticos. Todos estes aspectos desenvolvem-se interdependentemente, podendo, no entanto, evoluir a diferentes velocidades e ritmos. Paralelamente, durante todo
o desenvolvimento da linguagem, vão-se observando processos pré-estruturados de maturação neurobiológica e que são mais significativos entre o nascimento e os quatro
anos, altura em que se dão transformações qualitativas (Geschwind 1969) muito importantes: estruturas neuronais, padrões sinápticos, fibras de interconexão corticocorticais,
etc.
A criança compreende o que ouve depois de ter apreciado o que vê. De facto, o que a criança ouve depende do que vê, e o que vê depende do que mexe e experimenta,
portanto da integração proprioceptiva básica. Está aqui a razão de ser da linguagem, como sistema multissensorial, que joga com a percepção e a conceptualização
da realidade envolvente. A evolução da linguagem não começa na palavra, já que a expressão sintomática, a expressão corporal e a comunicação rudimentar (jogos, interacções,
reforços, etc. ), são algumas das componentes da fase pré-verbal.
A criança é orientada para a acção, não para contemplar a realidade, mas para agir sobre ela. Para Piaget 1969, e para dar ênfase à passagem da linguagem
interior à linguagem receptiva e desta à linguagem expressiva, a realidade é agida antes de ser conhecida, ou melhor, a acção precede a cognição.
A aquisição da linguagem na criança é um processo activo, e não apenas um processo passivo, que vai sendo progressivamente mais próximo da linguagem do adulto.
A linguagem receptiva (linguagem auditiva receptiva), ao passar de uma fase passiva, em que a criança é receptora, a uma fase activa, em que a criança é
expectadora e actora, enraiza-se num comportamento linguístico anterior ao comportamento simbólico.
Os gorjeios expressivos, as interjeições, as comunicações pragmáticas, as modelações de entoação, as vocalizações, os jogos sonoros e verbais, as
283
INSUCESSO ESCOIAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
duplicações silábicas, as ecolálias, etc. , são expressões que demonstram a inte ra ão e a comunicação de significações que constituem o processo dominante da aquisição
da linguagem e a bas ddo( hom ky 195 ), permite
A simbolização, ao associar sons a significa ç que o código se a integrado. Aqui se encontra o fulcro da revela ão da competência linguística a partir de
uma competência não linguística, portanto não verbal.
Por esta anorâmica se confirma que a linguagem é o resultado da transforma ão d Pinformação sensorial e motora em símbolos significativamente integrados.
Isto é, a linguagem compreende um co portamento representacional simbolicoverbal (primeiro sistema simbólico.
De facto, muitos dos estudos de linguagem têm abordado mais os aspectos de ex ressão do que os de recepção. As DA, muitas vezes só reveladas na esc p a,
dependem frequentemente de perturbações da compreensão auditiva e não exclusivamente das aquisições verbais que satisfazem as necessidades de conversação.
Outra limitação para estudar este aspecto reflecte a relativa carência de testes ou tarefas que requeiram compreensão dos símbolos auditivoverbais
e não exijam respostas verbais. se uir instruções, etc
. , são
Apontar, marcar, gesticular ll anto útz diti g (exemplo: Mostra- me exemplos de situações para a a
a tua boca"; Mostra-me, nestas figuras, aquela que serve para comer"; Com a tua mão esquerda mostra-me o teu olho direito"; Põe esta caixa à esquerda
daquela jarra etc. ).
Dentro da classificação das DA e relacionado estritamente com a linguagem não verbal de cariz tactiloquinestésico podemos incluir um tipo de dispraxia,
que constitui uma dificuldade em planific g e executar um gesto intencional tendo em vista a obtenção de um flm inte rado simbolicamente.
Estas reflexões são importantes inclusivamente para a pedagogia, e para a tera ia, pois muitas vezes trabalha-se na expressão (praxia), em vez de
se abordar a recepção (gnosia). É preciso compreender que as crianças comeam a utilizar palavras a partir do momento em que percebem a sua signifiç g).
cação (meanin
LINGUAGEM AUD NA E SS VA (FALA).
Abordando agora o terceiro degrau da ontogénese da linguagem, ou seja, a linguagem auditiva expressiva (fala ou linguagem oral), torna-se necessário
equacioná-la em três dimensões:
1) A rememorização (retrieval); 2) A formulação; 3) A articulação.
284
TAXONOMIA DAS DIFICUll7ADES DE APRENDl74GEM
Na rememorização, isto é, na chamada da informação, ou do léxico para formular a expressão espontânea, entram em consideração a selecção das palavras e a
sua mobilização acúva no discurso. Muitas crianças lembram-se de palavras mas só quando se trata de as reconhecer (compreensão), não as conseguindo utilizar espontaneamente
na fala. Neste caso, a expressão oral destas crianças é restrita, o seu vocabulário é pobre e apresenta várias subsútuições e hesitações.
O problema situa-se na capacidade de seleccionar palavras (wordfinding ability) para tornar o discurso económico, claro e preciso; caso contrário, o discurso
torna-se abundante em expressões repetitivas e estereotipadas, pouco fluentes e pouco especificadas.
Na taxonomia das DA teremos, neste âmbito da linguagem falada, a disnomia, que constitui uma dificuldade em lembrar ou evocar palavras ou em designar objectos
e lugares. A aquisição da função auditiva necessária à aprendizagem e à utilização da linguagem exige uma integridade psiconeurossensorial que permite discriminar
sons semelhantes e organizar sons sequencialmente para formar palavras. Os sons da fala têm de ser, ponanto, armazenados e estar disponíveis quando forem necessários
à expressão. Quando tais sons se encontram armazenados mas não disponíveis, isto é, quando são dificilmente rechamados" instantaneamente, devido a disfunções cerebrais,
esta condição é denonúnada disnomia (Myklebust 1965).
Trata-se de um problema de reauditorização (reauditorization - Jonhson e Myklebust 1964), normalmente mais ligado aos nomes, embora outros autores se refiram
igualmente a outras partes do discurso.
Eisenson 1957 refere-se ao problema da disnomia como um tipo de afasia amnésica; seja como for, as dificuldades centram-se na evocação de certas palavras
que envolvam nomes, qualidades e relações, tornando difícil a transmissão de ideias e de conceitos. O indivíduo conhece a palavra que tenta relembrar, dado que a
reconhece imediatamente, logo que ela lhe é dita, mas não pode rechamá-la (recall) quando deseja.
A segunda dimensão da linguagem expressiva compreende a formulação dasfrases. Aqui, o problema não se relaciona com o voeabulário, mas sim eom a sintaxe
- isto é, a eswtura da linguagem que estuda os padrões, as frases e os períodos nos quais as sequências de palavras se encontram conswídas.
A expressão, nestes casos, é exageradamente cuna, por vezes até telegráfiea e lacónica. Outros casos apresentam distorções na ordem das palavras e no uso
inapropriado e não generalizado de verbos e pronomes.
No campo taxonómico das DA temos a disfasia, que compreende uma dificuldade em planificar e organizar palavras na expressão de ideias em frases cómpletas.
A característica dominante da disfasia situa-se, não no uso de palavras (pragmática) ou de pequenas frases, mas na distorção ou na omissão de palavras, na
uúlização incorrecta dos tempos dos verbos, bem como noutras imprecisões gramaticais, quer na estrutura profunda, quer na de superfície, que interferem com a eswtura
da linguagem.
285
INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAG6GICA
No âmbito das incapacidades de aprendizagem, esta desordem da lin guagem tem sido designada por afasia de formulação" ou afasia sintáctica". As imprecisões
envolvem alterações nos seguintes factores: ordem de palavras, tempos de verbos, terminações de verbos, pronomes, preposições, arágos, etc. , que alteram a fluência
coriecta, natural e espontânea da linguagem.
Por último, a terceira dimensão da linguagem auditiva expressiva compreende a articulação. Nesta dimensão, a dificuldade (disartria) centra-se na produção
de padrões motores (oromotores) necessários para falar, isto é, não se verifica a associação entre as palavras e os padrões motores que traduzem os equivalentes
auditivos interiorizados e os equivalentes motores expressivos.
Nielsen 1946 refere-se a esta função como a uma praxis que converte sons em actos, função que cabe à área de Broca, verdadeiro transdutor auditivomotor.
Verifica-se igualmente problemas de imitação de sons, independente mente de se observar uma integridade dos movimentos da língua e dos lábios, condição esta
que permite a diferenciação da disnomia e da disfasia, e também da disfonia e da disritmia.
A disartria, como diftculdade de articulação, é uma espécie de afasia expressiva e tem sido designada como um tipo de afasia motora, de apraxia e de apraxia
verbal (Eisenson 1957, Nielsen 1946, e Wepman 1961).
Segundo Wepman 1960, a disartria é relativamente independente do pro cesso simbólico dado que envolve mais um problema do controlo motor do acto da articulação.
A disar ia, que se relaciona com a produção de sons, não pode ser confundida com problemas de voz (disfonia), nem com problemas de bloqueio (disritmia). A disartria,
igualmente, pode ser resultante de problemas neurológicos (motoneurónio superior ou inferior) ou de problemas dos órgãos articulatórios (maxilares, dentes, paláto,
laringe, faringe, etc. ).
Denny Brown 1990 refere-se à disartria como a uma dificuldade tradu zida por movimentos distónicos provocados por disfunção na inervação dos músculos da
fala.
Temos assim resumidamente concluída a taxonomia das DA da linguagem falada. Vejamos agora a taxonomia da linguagem escrita.
LINGUAGEM VISUAL RECEPTIVA (LEI'fURA)
Filogeneticamente e ontogeneticamente, a linguagem auditiva foi e é a primeiramente adquirida.
A linguagem escrita, que depende de processo visual, sobrepõe-se à linguagem falada, que, como vimos, depende de processo auditivo.
A aprendizagem da leitura não constitui a aprendizagem de uma nova linguagem. Trata-se da mesma linguagem. A linguagem auditivajá conhecida vai
286
TAXONOMIA DAS DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM
LINGUAGEM LOYGUAGEM
FALADA ESCRITA
Sistema fonológico -- Sistema grafológico
i I
OUVIR FALAR LEg V
Z' Grafemss
Entoaç8es Compoaeates ' fomotores
Segmentaçdes Componentes visuomotores
Fonemss
Le
Palavres ms
Pelavrss
Sistema sem núco Sistema semánúco
Conceptuetizsção a
X Significação
AnBlise-sfntese
Formulsção
SistCma si0tlCúco -- Sislema sinl5cúco
Morfologia Morfologia Granáúca Gram úca
PROCESSO I PR SO AUD1'1'IVOVERBAL VISUOMOTOR
Figura 90 - Da linguagem falada à linguagem escrita
287
INSUCESSO ESCOlAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
; ter de se relacionar com uma linguagem visual que a substitui. Os sinais auditivos (fonéticos) têm agora de corresponder aos sinais visuais
(gráficos ou ópúcos), isto é, a aprendizagem da leitura coloca um problema de transferêneia
de sinais.
A leitura envolve a descodificação dos símbolos gráficos (optemas e graÍ femas = letras) e a associação interiorizada com componentes auditivos
'
' (fonemas), que se lhes sobrepõem e lhes conferem um signifieado. 'i
i LEITURA =Sistema simbólico + Sistema simbólico + Sistema visual auditivo semânúco
Figura 9l - A leitura como duplo sistema simbólico
A leitura é um duplo e o segundo sistema simbólico (do visual ao auditivo), que representa a realidade e a experiência. A aprendizagem da leitura,
por consequência, consútui uma relação simbólica entre o que se ouve e diz e que se vê e lê.
Vejamos rapidamente as fases que constituem o processo da leitura.
1 ") Descodificação de letras e palavras pelo processo visual, através de uma categorização (letra-som) que se verifica no córtex visual;
2. o) Identificação visuoauditiva e tactiloquinestésica que se opera na área de associação visual;
3. ") Correspondência símbolo-som (optema-fonema), que traduz o fundamento básico do alfabeto, isto é, do código. Cada letra tem um nome, ao qual
está associada (b - [b]; i - [i], etc. ). Esta operação envolve cognitivamente um sistema de conversão;
Sistema Sistema Sistema Leitura visual + auditivo+ mânúco
simbóGco aimbólico
Sistemavisual _ Componente Componente Componente simbólicoda linguagem escrita da linguagem falada de significação
Figura 92 - Componentes simbólicos da leituca
288
TAXONOMIA DAS DIFICUIDADES DE APRENDIZAGEM
4. o) Integração visuoauditiva (visuofonética) por análise e síntese, isto é, quando se generaliza a correspondência letra-som. Segundo Dejerine, o girus
angular processa esta informação em combinações de letras e sons, como se fossem segmentos, que unidos geram a palavra, portadora de significação.
S. o) Significação envolvendo a compreensão através de um léxico, ou melhor, de um vocabulário funcional que dá sentido às palavras. Cabe à área de Wernicke
a função de convener o sistema visuofonético num sistema semântico.
É preciso compreender que a leitura é um processo cognitivo envolvendo aptidões auditivas e visuais e as suas inter-relações dialécticas. Em nenhuma circunstância
se pode pensar na leitura em termos exclusivos de percepção visual, nem mesmo até em termos de processo cognitivovisual.
O cérebro está pré-eswturado para processar a informação em moldes específicos. Os sistemas pré-eswturados neurocognitivos incluem operações diferentes nos
telerreceptores: audição e visão. A audição não é direccional e funciona independentemente da vontade, sendo essencial à aquisição da linguagem falada. Ao contrário,
a visão é direccional e volitiva, sendo fundamental à aquisição da linguagem escrita. Aqui está provavelmente a explicação da grande dificuldade que os deficientes
auditivos experimentam em aprender a ler, visto que a sua aprendizagem se baseia preferencialmente no processo cognitivovisual, sem relação com o processo cognitivoauditivo.
É o cérebro que aprende e não os olhos, e aqui teremos de respeitar os processos pré-estruturados que defendem a maturação dos processos auditivos, em relação
aos visuais. Tal explica porque é que as aprendizagens da leitura e da escrita são posteriores à aprendizagem da fala. Por outro lado, os sistemas corticais são
especializados para satisfazer determinadas funções cognitivas daí a assimetria anatómica dos dois hemisférios cerebrais justifcando desde o nascimento (Witelson
e Pallie 1973) a especialização da área temporal esquerda para a recepção da linguagem.
De Broca 1861 a Geschwind 1975 confirma-se a diferente especialização dos dois hemisférios. A linguagem é essencialmente processada no hemisfério esquerdo,
enquanto a informação não verbal é processada no hemisfério direito.
O desenvolvimento da linguagem subentende a maturação dos processos pré-estruturados e a especialização hemisférica, pois só assim se compreende a passagem
de um sistéma auditivo simbólico a um sistema visual simbólico. Esta passagem operou-se há muito pouco tempo. Em termos filogenéticos, a linguagem falada remonta
ao período pré-histórico, enquanto que a descoberta do alfabeto é devida aos Fenícios. É um facto incontestável que no nosso planeta há mais linguagens faladas do
que linguagens escritas; explicando-se claramente a dependência de umas em relação às outras. A invenção do alfabeto foi uma das manifestações mais
289
INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
significativas do cérebro humano. A criação de um códágo, como uma representa ão visual da linguagem falada, assume níveis simbólicos diferentes.
A linguagem falada pode ser escrita por: figuras (representação de situações); figuras e sinais (representação de palavras); e sinais (representação de cada uma
das unidades fonéticas que estão na base do alfabeto).
A aprendizagem da leitura começa com a aquisição da linguagem audi tiva. A dificuldade na aprendizagem da leitura coloca, assim, um problema de desenvolvimento
da linguagem, e este, um problema de desenvolvimento cognitivo.
Independentemente de ter vindo a ser estudada há mais de um século, a dislexia continua a não merecer aceitação consensual, dada a falta de investigações
que tardam ém clarificar a confusão conceptual característica deste campo.
A definição de dislexia (specific developmental dyslexia) aceite pelo grupo de investigação da dislexia evolutiva e do analfabetismo no mundo, integrado
na Federação Mundial de Neurologia (World Federation of Neurology reunida em Dallas a 3 de Abril de 1968) é a seguinte:
A dislexia compreende a dificuldade na aprendizagem da leitura, independentemente de instru ão convencional, adequada inteligência e oportunidade
sociocultural. Depende, portanto, fundamentalmente, de dificuldades cognitivas, que são frequentemente de origem constitucional.
A definição avançada por Eisenberg 1966 é muito semelhante: Operacionalmente, a dificuldade especifca da leitura deve ser definida corno uma dificuldade
na aprendizagem da leitura com proficiência normal, independentemente de instrução convencional, de um envolvimento cultural adequado, de motiva ão adequada, de
sentidos intactos, de inteligência normal e de ausência de défices neurológicos".
Em vários estudos têm sido avançados diferentes tipos de dislexia. Myklebust 1964 diferencia a dislexia auditiva da dislexia visual. Quirós 1954
descreveu duas síndromas de dislexia que manifestavam défices nos processos auditivos e visuais necessários à leitura. Kisbourne e Warrington 1966 separam dois grupos
com discrepância entre o QI verbal e o QI de realização na WISC (Wechsler Intellágence Scale for Children), identificando-os como: o grupo com atraso de linguagem
(language retardation) e o grupo Gertsmann. Ambos são considerados como apresentando erros-tipos: o primeiro com erros fonéticos, o outro com erros de ordem.
Bannatyne 1966 identificou igualmente dois subgrupos de dislexia: dislexia genética e dislexia por disfunção neurológica mínima. Bateman 1968, aplicando
o ITPA (Illinois Test of Psycholinguistic Abilities), identificou três grupos de disléxicos: o grupo de memória visual; o grupo de memória auditiva e um grupo misto.
Ingram 1970, com base nosf erros da leitura, descreveu três subgrupos: audiofónicos, visuoespaciais
e mistos.
i
290
I
TAXONOMIA DAS DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM
out B der b 3, n m btes d ditads testes de leitura (input visual, síntese e ç o (input auditivo, análise e output motor),
classificou as crian as disléxicas em três subgru s:
- Dislexia disfonética - Onde a dificuldade reside primariamente na integração símbolo-som (grafema- fonema), resultando uma dificuldade em
desenvolver análise e síntese fonética das pala -as. Não apresenta grandes défices na função gestáltica
- Dislexia diseidética - Onde a dificuldade reflecte primariamente m défice na percepção global das configurações visuais das letras visual
gestalts). Não apresenta grandes défices na função analítica
- Dislexia disfonética-diseidética - Onde a dificuldade se reflecte em ambos os processos.
depT d d domnoba o criteriosotlpue de dislexia, é importante presumir, qmétodos de aprendizagem devem
tomar em linha de conta o estilo de aprendizagem da criança, adequando os métodos às suas necessidades, e não o contrário.
No caso da dislexia auditiva (disfonética), o processamento auditivo analítico e fonético está afectado, o que justifica a sua não-utilização sistemática.
Neste caso, o método de aprendizagem da leitura deve explorar os sistemas neurossensoriais que estão intactos, isto é, o sistema visual e/ou o sistema tactiloqùinestésico.
Neste âmbito, a leitura ora1 não deve ser utilizada senão muito tarde, e aqui são recomendados os métodos globais.
g No caso da dislexia visual (diseidética), os processamentos visual e estático estão perturbados, pelo que se recomenda a utilização dos sistemas neurossensoriais
intactos, isto é, o auditivo e/ou o tactilo uinestésico. Neste âmbito, os métodos a recomendar deverão ser analíticosq fonéticos.
Em resumo, a leitura, como sistema visual simbólico, exige o recurso a variadíssimas funções cognitivas: percepção visual, discriminação visual, memória
v ual sequencial, reconhecimento, rememorização e orientação direccional Benton 1962 e Birch 1962), integração crossomodal, translac ão dos símbolos visuais para
equivalentes auditivos signifcativos com reen Ç o
cação, associa ão fo ulação '
codifi ç, rnz de ideias, etc. p De facto, e em conclusão, como af irma My ebust 1978, a dislexia é uma
desordem da linguagem que interfere com a aquisição de si ni ca ões obtidas a partir da linguagem escrita, devido a um déjice na si bo Ìi a ão. Pode ser endógena
ou exógena, congénita ou adquirida. As limita ões na leitura são demonstradas pela discrepância entre a realiza ão esperada e a reali a ão actual. Limita ões no
z por perturbaÇões co n amente devidas a disfun ões cerebrais manifestadas
g mas que não são atribuidas a deficiências sensoriais, motoras; intelectuais ou emocionais, nem a um ensino inade a priva ão de oportunidades". Q o ou
291
INSUCESSO ESCOIAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
LINGUAGEM VISUAL EXPRESSIVA (ESCRITA)
j I É evidente que não podemos separar a hierarquia da linguagem nas suas partes componentes. Elas são um todo integrado.
=
A linguagem escrita expressiva é a forma de linguagem que mais tempo leva a ser adquirida no Homem, quer no aspecto filogenético, quer no aspecto : ontogenético.
s
Para escrever é necessário que sejam observadas inúmeras operações cognitivas resultantes da integração dos níveis anteriores da hierarquia da linguagem.
Vejamos esquematicamente com Hermann 1959, Nielsen 1962, Osgood 1957 e Penfield 1963 tais operações:
1) Intenção;
2) Formulação de ideias com recurso à linguagem interna, apelando à rememorização das unidades de significação que se deseja expressar;
3) Chamada das palavras à consciência (factor semântico); 4) Colocação das palavras segundo regras gramaticais (factor sintáctico); 5) Codificação com apelo
à sequência das unidades linguísticas (relação
todo + partes);
' 6) Mobilização dos símbolos gráficos equivalentes aos símbolos fonéticos (conversão fonema-grafema);
7) Chamada dos padrões motores (conversão visuotactiloquinestésica);
, I
8) Praxia manual e escrita propriamente dita.
A escrita, como processo de output, ao contrário da leitura, que é um processo de input, requer a translação dos sons da fala (unidades auditivas)
em equivalentes visuossimbólicos (unidades visuais), isto é, as letras. A escrita, para além do controlo grafomotor, depende da percepção auditiva, da discriminação,
da memória sequencial auditiva e da rechamada" (recall).
Enquanto que a leitura envolve predominantemente uma síntese, a escrita (ou o ditado), complementarmente e dialecticamente, envolve uma análise.
A escrita, quando envolve somente um problema de motricidade fina de coordenação visuomotora e de memória tactiloquinestésica, compreende a
292
Figura 93 - Esquema das operações cognitivas da linguagem escrita expressiva
TAXONOMIA DAS DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM
fase de execu ão, ou fase gráfica. Em complemento, quando envolve a formulação e a codificação (factor semântico e sintáctico) que antecede o acto de escrever, compreende
a fase de planifica ão ou fase ortográfica.
É em função destas duas fases que se situa a taxonomia das DA no âmbito da linguagem visual expressiva.
A disgrafia coloca mais um problema de execução motora do que de planificação. A disortografia, ao contrário, destaca o problema da planificação e da formulação
ideacional.
É óbvio que esta diferença pode ser superada com a utilização da máquina de escrever, mas normalmente, quer a disgrafia, quer a disortografia estão significativamente
relacionadas com as diftculdades expressivas. Se a criança não pode ler, ela não pode escrever. Sem input não há output; daí as relações interdependentes entre a
dislexia e a disortografia.
LEITURA Input Síntese Output LEITCTRA ORAL visual verbal oromotricidade
DITADO Input Síntese Output ESCRITA auditivo motor grafomotricidade
Figura 94 - Da síntese da leitura à análise da escrita
A escrita de uma criança disléxica esclarece-nos sobre os seus problemas. A partir desse processo, podemos compreender como a criança descodifica e codifica
a linguagem escrita. Se a palavra é lida com inversões, substituições, adições, repetições; hesitações, paralexias, etc. , ela é escrita quase sempre da mesma forma.
A escrita indica-nos se os erros típicos da criança disléxica são de ordem visual ou de ordem auditiva.
A escrita, como sistema visuossimbólico, converte pensamentos, sentimentos e ideias em símbolos gráficos. Para tal, é necessário que sejam observadas as
seguintes perturbações nas operações cognitivas:
1) Integra ão visuomotora - o indíviduo fala e lê, mas não consegue executar os padrões motores para escrever. Condição esta denominada por
Jonhson e Myklebust 1967 disgrafia e que é caracterizada por uma diflculdade na cópia de letras e palavras;
2) Revisualiza ão - o iridivíduo reconhece palavras quando as vê, podendo lê-las; no entanto, não as escreve, nem espontaneamente, nem por
ditado, evidenciando um défice na memória visual;
3) Formula ão e sintaxe - o indivíduo comunica oralmente, pode copiar, revisualizar e escrevê-las por ditado, mas não consegue organizar os
seus pensamentos e expressá-los segundo regras gramaticais. Esta condição é, portanto, a disortografia.
293
INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
A disgrafia é considerada uma apraxia que afecta o sistema visuomotor.
A disortografia, a última competência da linguagem a ser identificada, coloca
o problema da expressão escrita, afectando a ideação, a formulação e a
' produção, bem como os níveis de abstracção. Nestes casos, é frequente veri( ficar-se uma discrepância entre o conhecimento adquirido e o conhecimento
; Ít que pode ser convertido em linguagem escrita.
j Myklebust 1973, no seu notável livro Desordens e Desenvolvimento da
; Linguagem Escrita (Development and Disorders of Written Language) com a
: Té t a PSLT) de Mykle l ão Histórica de Imagens (Picture Story Lnnguage
bust 1965, esclarece-nos sobre a complexidade da
escrita, pondo em destaque as relações entre a linguagem e as funções cognitivas.
0seu estudo genial comparou crianças normais com crianças disortográficas nos
seguintes factores: número de palavras, número de frases, número de palavras
por frase, sintaxe e relação concreto-abstracto. Em todas as crianças disorto gráfcas se verificaram valores mais baixos na utilização dos seguintes
elementos
linguísticos: número de substantivos; número de pronomes; número de verbos no
presente, no pretérito e no futuro; número de adjectivos e de advérbios, de infi nitivos, de artigos, de preposições, de conjunções e de interjeições.
A linguagem escrita coloca obviamente um problema psicomotor ca racterizado por duas fases complementares, como já vimos. De qualquer forma,
r o aspecto receptivo da linguagem escrita (leitura) está significativamente rela cionado com o aspecto expressivo (escrita), e ambos dialecticamente
depen dentes da função verbal que integra os equivalentes auditivovisuais (escrita) e
os visuoauditivos (leitura).
A escrita, a fim de ser convenientemente estudada, para além do aspecto
oculomotor, deve integrar as seguintes facetas: produtividade (quantidade de
linguagem produzida), sintaxe (correcção gramatical) e relação abstracto -concreto (significação).
Assim se pode vir a compreender a hierarquia da linguagem e a utiliza ção representacional de símbolos, condição esta estritamente humana.
LINGUAGEM QUANTITATIVA
A linguagem quantitativa, considerada uma linguagem universal, é uma linguagem simbólica dedicada às relações de quantidade e às relações de espaço.
Envolve igualmente a noção de número, de contagem, de identificação e de seriação, bem como as estruturas e as operações que as justificam, como formas de integração
da experiência e de expressão do pensamento.
A linguagem quantitativa compreende a expressão de noções relacionadas com o tamanho, a forma, a cor, a quantidade, a distância, a ordem, o tempo,
etc.
A linguagem quantitativa resulta, portanto, da experiência não verbal que leva à organização e à categorização da informação. De facto, a experiência,
;: :
294
TAXONOMIA DAS DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM
ou melhor, a manipulação dos objectos, não envolve apenas acções, mas inclui igualmente noções, operações, representações e verbalizações. Da manipulação de objectos
resultam inúmeras facetas da integração da experiência, como por exemplo: percepções, identificações, associações arbitrárias, simbolizações, operações, abstracções,
análises, sínteses, conservações, sequencializações, classificações, generalizações, etc.
A experiência, provocando a formação de estruturas mentais, vai implicar a planificação e a expressão de ideias muito antes de se atingir a noção do número,
que embora sendo o aspecto mais importante da matemática, se baseia numa lógica constituída (período do pensamento pré-operatório, pré-lógico e intuitivo) a partir
de manipulações práticas.
Antes de avançarmos nas dificuldades de aprendizagem inerentes a esta linguagem, torna-se necessário distinguir a matemática da aritmética. A matemática
é a ciência abstracta do espaço e do número que respeita a configuração do espaço e as inter-relações e abstracções do número. A aritmética é um ramo da matemática
que respeita às relações com números reais e com a sua computação. A peculiaridade dos números, e esse é um aspecto crucial na compreensão dos novos métodos de aprendizagem
( matemática moderna, ), é a de que eles representam entidades concretas.
A matemática envolve, portanto, estruturas e relações que devem emergir de experiências concretas. As tarefas da aprendizagem da matemática envolvem inúmeras
componentes que têm a sua raiz na hierarquia da experiência e nos estádios do desenvolvimento psicomotor e do pensamento quantitativo.
Vejamos esquematicamente os estádios de desenvolvimento do pensamento quantitativo segundo Piaget 1965 e Dawes 1977:
1. o estádio - (0-18 meses) - A criança aprende através da experiência. Não tem palavras para pensar (linguagem interior), mas antecipa
experiências das acções que as precedem (deixa de chorar quando é pegada ao colo, porque normalmente esta acção precede uma experiência agradável, como seja comer)
-C )
2. estádio 18 meses-4 anos - Utilização dos símbolos, isto é, representações nas formas da linguagem falada (quer da compreensão auditiva,
quer da produção verbal), do jogo imaginativo e da expressão gráfica;
3. " estádio - (4 anos-7 anos) - Início do ajuizamento da forma, do tamanho e das relações baseadas em experiências e não em raciocínios
muitas vezes intuitivos e desajustados;
4. o estádio - (7-12 anos) - Pensamento lógico facilitado pelo uso de materiais concretos e por situações reais;
5. o estádio - (12 anos e mais) - Utilização de operações lógicas abstractas. Raciocina pessoalmente num problema e chega
a conclusões lógicas.
295
INSUCESSO ESCOl AR - ABORDAGEM PSlCOPEDAGÓGICA
Por aqui podemos confirmar a hierarquia das tarefas matemáticas avan çada por Browell e Hendrickson 1950 e subdividida em quatro tipos de aprendizagem:
1) Associações arbitrárius - Factos que têm um mínimo de significação e que tendem a um acordo universal facilitador da comunicação.
Quando vemos o número 2, sabemos que representa: XX ou 00. O mesmo é verdadeiro para a palavra copo", que representa um modelo físico de copo;
1) Associações arbitrárias
\
Lápis azuis
Lápis vermelhos
O O
O U
2) Conceitos
II OO
O
3 O 5 3) Generalização
(3+5=5+3) a+b=b+a (3+5=5+0)
(Propriedade comutativa do problema)
4) A solução do problema
3+5=8lápis
Resposta - A Maria tem 8 lápis.
Figura 95 - Resolução de problemas
296
TAXONOMIA DAS DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM
2) Conceito - São abstracções adquiridas, através de experiências apropriadas com atributos comuns. Trata-se de um processo de classificação
por cor, por forma, por tamanho, por número, etc. ;
3) Generalização - Compreende relações entre dois ou mais conceitos ou princípios;
4) Resolu ão de problemas - Depende das anteriores. Assim, para uma criança responder ao seguinte problema: A Maria tem 3 lápis vermelhos
e 5 azuis. Quantos lápis tem ela ?, terá de realizar (Figura 95).
Também Gagné 1965 propôs outra hierarquia da aprendizagem, baseada em oito tipos de aprendizagem envolvendo as noções de pré-requisiros necessários (necessary
prerequisites) e de condições internas e externas à tarefa de aprendizagem.
As internas compreendem as capacidades adquiridas pelo educando. As externas incluem as situações que são exteriores ao educando e sobre as quais ele não
tem controlo directo, isto é, tudo o que inclui a instrução (processo de ensino), quer sejam comportamentos, quer sejam actividades.
Os oito úpos de aprendizagem propostos pelo mesmo autor são os seguintes:
1) Aprendizagem por sinal - Sinónima da resposta condicionada, que envolve a substituição de um estímulo, evocando uma resposta particular.
As condições internas são os reflexos e as emoções. As externas são a contiguidàde e a habituação;
2) Aprendizagem estimulo-resposta - Baseada nas tentativas e nos erros, até atingù a resposta desejada de acordo com as compensações inerentes.
As condições internas envolvem a capacidade de realização da resposta aprendida, na medida em que ela tende a provocar satisfação e reforço. As externas envolvem
conúguidade entre o estímulo e a resposta (E - R) e o reforço, que tende a fazer desaparecer as respostas incorrectas;
3) Aprendizagem por encadeamento (chaining) - O encadeamento envolve o comportamento motor, justificando que a resposta desejada engloba uma
ordem e uma sequência de actos motores encadeados uns nos outros. As condições internas colocam a aprendizagem de cada conexão estímulo-resposta e a presença de
umfeed-back quinestésico contido na realização do acto motor encarado como experiência concreta. As externas, devem colocar o educando numa sequência ou ordem de
conexõés (links) estímulo-resposta dentro de uma determináda sucessão de tempos (contiguity), bem como numa cena prática coadjuvada com processos de reforço e de
motivação.
4) Aprendizagem por associação verbal - Este tipo de aprendizagem envolve nomeação ou identificação verbal. As condições internas são as mesmas
do tipo 3. Cada conexão E -deve ser aprendida previamente e acompanhada da componente do feed-back quinestésico. As
297
INSUCESSO ESCOIAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
externas incluem a apresentação das unidades verbais dentro de uma sequência adequada, colocando o educando na situação de resposta e garantindo
confirmação e reforço na presença das respostas correctas; 5) Aprendizagem por discriminaÇão múltipla - Compreende tarefas de
discriminação e de diferenciação de formas, tamanho, cor, comprimento, volume, palavras, números, propriedades de números, etc. As condições internas incluem
a aquisição dos quatro tipos anteriores de aprendizagem. As externas consistem na utilização adequada de materiais, de instrumentos e de fichas de trabalho, para
além da prática, da repetição e do reforço positivo;
6) Aprendizagem por conceitos - O problema agora situa a identificação significativa de uma classe de objectos. A atenção aqui recai sobre
a semelhança entre os objectos e o agrupamento de atributos que os caracterizam. As condições internas são as mesmas das do tipo 5. As condições externas incluem
a apresentação simultânea de objectos com suportes na identificação de atributos comuns, bem como o reforço das respostas correctas;
7) Aprendizagem por principios - Engloba a utilização de dois ou mais conceitos. As condições internas exigem que o indivíduo conheça os conceitos
que estão reunidos no princípio. As externas colocam as condições seguintes:
a) Explicação do comportamento esperado;
b) Colocação de perguntas ou problemas de forma a que o educando rememorize os conceitos aprendidos;
c) Solicitação de demonstrações concretas dos princípios; d) Colocação de questões, exigindo do educando uma afirmação verbal do princípio em jogo;
8) Aprendizagem por resolução de problemas - Compreende a aplicação de princípios para resolver problemas. À medida que a aprendizagem se
diferencia, os princípios vão sendo naturalmente mais complexos, implicando obviamente uma dificuldade progressiva. A resolução de problemas envolve várias operações,
e dentro delas temos de destacar as seguintes: apresentação do problema; definição do problema com distinção das características da situação; formulação das hipóteses;
e, por último, verificação das hipóteses. As condições internas exigem a utilização dos tipos de aprendizagem anteriormente analisados e que sejam relevantes para
a resolução do problema. As externas devem fornecer suportes que permitam a rememorização dos princípios relevantes necessários à obtenção da solução.
Nesta hierarquização da aprendizagem que Gagné 1965 propõe, denota- se uma preocupação de sistematização da aprendizagem, condição não só indispensável à
linguagem quantitativa mas igualmente necessária a todos os processos da linguagem falada e escrita.
298
TAXONOMIA DAS DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM
A análise das tarefas e a diferenciação das suas componentes colocam sempre uma hierarquização da aprendizagem que muitas vezes não é respeitada e, por consequência,
originam diflculdades. É dentro deste contexto que se coloca o conceito de dispedagogia, que está significativamente correlacionado com as dislexias e as discalculias.
Para cada problema da criança (condições intemas da aprendizagem) há também, e necessariamente, um problema do professor (condições externas do ensino).
Depois desta introdução sumária à linguagem quantitativa que serve aos anteriores parâmetros, podemos agora encarar as principais dificuldades que comprometem
a sua aprendizagem, e que dão significação à noção de discalculia (Cohn 1961 ), que compreende a dificuldade em realizar operações matemáticas, normalmente associada
a problemas de revisualização de números, de ideação, de cálculo e de aplicação de instruções matemáticas.
A dificuldade em aprender matemática está associada a várias causas, podendo incluir as seguintes: ausência de fundamentos matemáticos, falta de aptidão,
problemas emocionais, ensino inapropriado, inteligência geral, capacidades especiais, facilitação verbal e/ou variáveis psiconeurológicas.
A ausência de fundamentos matemáticos e a falta de aptidão (readiness), compreendem especificamente as pré- aquisições ligadas à manipulação de objectos
e à movimentação e à representação corporal e espacial. A matemática não pode ser percebida sem uma aplicação no real concreto, através de processos activos e corporais,
dado que o próprio sistema decimal se baseia nos 10 dedos da mão, para além das medidas terem sido inicialmente feitas através do corpo (polegadas, pés, jardas,
passos, passadas, etc. ). Antes de trabalhar com o número, a criança deve aprender a diferenciar conceitos: mais ou menos mais alto-mais baixo; mais largo-mais
estreito igual-diferente As experiências de conservação de quantidade e as seriações devem fundamentalmente ser aplicadas com objectos tridimensionais, realizando
arranjos e rearranjos que possam facilitar a compreensão dos conceitos básicos. A correspondência um-a-um, primeiro com objectos e depois com figuras (processo icónico
ou pictográfico de Bruner 1963), a noção de quantidade descontínua, a contagem de sequência, a equivalência, a correspondência e a seriação de conjuntos, a discriminação
de formas, as progressões numéricas, o uso de blocos lógicos, a identificação (igualdade) de pares de objectos e a manipulação multissensorial dos objectos podem
garantir a fundamentação conceptual necessária à realização das tarefas matemáticas. Aqui, os programas do ensino pré-primário ou da fase propedêutica assumem um
papel de grande relevância. Assim como não é possível compreender a divisão sem a subtracção, também não se pode chegar à noção do número sem se passar pelas experiências
pré-matemáticas acima abordadas.
Os problemas emocionais podem constituir uma causa da discalculia em que a atitude dos pais, o envolvimento familiar e a monotonia dos estímulos assumem
algum significado.
299
INSUCESSO ESCOIAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
Jonhson e Myklebust 1967constataram, num projecto de investigação,
que a média do quociente social num grupo de crianças discalcúlicas era
! substancialmente inferior à média do quociente intelectual verbal, demons trando sinais de imaturidade e apercepção social.
0ensino inapropriado vem provar que muitas dificuldades de aprendi zagem não são devidas à criança nem à sociedade, mas sim ao ensino. As
experiências na escola primária devem proporcionar um elevado número de
oponunidades de manipulação de objectos, onde os fundamentos da mate mática se vão alicer ar. O e ui amento escolar e os recursos são indispen,
ç
9P
sáveis, ao lado de uma formação mais cuidada dos professores no âmbito da
génese do número.
Por outro lado, vários estudos têm demonstrado que a inteligência geral
á está significativamente relacionada com a realização de provas aritméticas.
' import
F Muitos trabalhos têm evidenciado a ância dos subfactores espaciais na
aprendizagem da matemática, nomeadamente a visualização, a orientação e
a relação espacial. Os estudos factoriais de Guilford e Lacey 1974identifi caram no factor de visualização um subfactor de velocidade perceptiva
e
t outro de estimação de comprimentos. A capacidade de imaginar movimen' tos de deslocamento interior em figuras, a imagem quinestésica do corpo e
a integração visuomotora estão também relacionadas com a constância do
objecto, da direcção e da forma, segundo Thurstone 1950, Alexander e
I Money 1967. Outro conceito espacial importante é o conceito piagetiano de
permanência do objecto, que provavelmente está em jogo na manipulação de
Ì símbolos que são, nem mais nem menos, representações ideacionais dos
) objectos fisicamente ausentes.
1 A facilitação verbal é outra das causas da discalculia, embora se saiba,
f por experiência pedagógica, que existem crianças não disléxicas mas com
,
discalculia, aliás como se conhece o caso inverso, isto é, o de crianças dis léxicas sem quaisquer problemas na aprendizagem da matemática. É inte
ressante
adiantar que a leitura coloca um problema espacial que é inverso do
das operações aritméticas. Enquanto a leitura se faz da esquerda para a direita
e no sentido horizontal, as operações aritméticas são realizadas da direita para
a esquerda e no sentido vertical. Este facto, que envolve a lateralização e que
é do domínio psicomotor, pode aumentar a confusão.
Sabemos já que a alteração dos sistemas de linguagem está normalmente
associada a dificuldades em organizar e categorizar a informação que advém
das multiexperiências de contacto com o envolvimento.
A capacidade de utilizar palavras está evidentemente relacionada com a
compreensão e a expressão de conceitos de magnitude, conservação, tempo
e número.
As variáveis psiconeurológicas mais estudadas no campo da matemática
têm estado mais dirigidas para o adulto, e este aspecto compreende, no
fundo, quase toda a patologia do cérebro que tem sido baseada em investi gações.
300
TAXONOMIA DAS DIFICULDADES DE APRENDl7 AGEM
Henschen 1919 já tinha identificado uma cegueira dos números" (number blindness), que pode ocorrer sem qualquer cegueira de palavras (blinc!ness for words).
É, no entanto, Gerstmann 1924 quem descreve uma síndroma caracterizada por agnosia digital bilateral, desorientação direita-esquerda, agrafia e acalculia, quem tem
motivado mais a investigação das variáveis neuropsicológicas relacionadas com a aprendizagem da matemática. A partir de biópsias e autópsias, Gerstmann associou
uma síndroma a lesões orgânicas na região parieto-occipital do hemisfério dominante (que se sabe põe em inter-relação a integração tactiloquinestésica com a integração
visual; daí a frequência de casos de discalculia que apresentam um perf il psicomotor dispráxico), e que coiresponde à região de transição entre o girus
angular, e a segunda circunvolução occipital.
Luria 1966 demonstrou que as lesões nas áreas parietal inferior e parieto-occipital esquerdas resultam na desintegração da síntese visuoespacial, onde a
eswtura dos números perde a sua significação e as operações de cálculo são realizadas com dificuldade. O mesmo autor sublinhou que as dificuldades no cálculo estão
associadas à afasia motora (lesões do lóbulo frontal) e à perturbação do processo da linguagem interior.
Independentemente de este campo ser muito complexo, o que nos interessa para o âmbito psicopedagógico, minimamente apoiado na investigação psiconeurológica,
é saber o que vamos ensinar e como vamos optimizar os potenciais de aprendizagem de uma criança discalcúlica.
Para intervirmos no càmpo das dif, culdades de aprendizagem, tornam-se imprescindíveis a despistagem e a identificação como primeiros passos de uma avaliação
compreendida em várias fases.
Dentro desta perspectiva, as dificuldades de aprendizagem que habitualmente têm estado mais associadas à discalculia e que precisam de ser identificadas
são as seguintes: relacionar termo a termo, associar símbolos auditivos e visuais aos números, contar, aprender sistemas c rdinais e ordinais, visualizar grupos
de objectos, compreender o princípio de conservação, realizar operações aritméúcas, perceber a significação dos sinais de + e -, de x e = e de =; ordenar números
espacialmente, lembrar operações básicas, tabuadas, transportar números, seguir sequências, perceber princípios de medida, ler mapas e gráfcos, relacionar
o valor das moedas, resolver problemas matemáticos, etc.
Na base de processos informais (isto é, sem envolver formas psicométricas ou estatísticas), o professor pode determinar o nível de aprendizagem da criança
através de um perfl intraindividual que permita discriminar a natureza do problema.
Sem se compreender a razão das dificuldades, a intervenção pedagógica corre o risco de actuac ao acaso ou arbitrariamente, não tomando em consideração
a planificação das tarefas de aprendizagem de acordo com a hierarquização das necessidades específicas da criança.
301
:
CAPÍTULO 7
NECESSIDADES DA CRIANÇA EM IDADE PRÉ-ESCOLAR
Introdução
É fundamental estudar a criança com a profundidade necessária, o que por vezes é negligenciado, especialmente no momento em que se assume em termos sociopolíticos
a obrigatoriedade da educação pré-escolar, um dos indicadores mais baixos do sistema educativo português, pois só 50% das crianças portuguesas são por ela cobertas.
Em termos antropológicos e fllogenéticos, a criança é o pai do adulto- daí a importância das suas educação e formação (Fonseca 1989). A nossa experiência
de 25 anos no âmbito clínico, exactamente com crianças com problemas de desenvolvimento e de aprendizagem, reforça o papel da educação pré-escolar na prevenção
do insucesso escolar e do insucesso experiencial, para além de se constituir como um dos processos de socialização que mais pode contribuir para a diminuição das
desigualdades sociais.
Quase toda a gente avança com imensos conceitos sobre o papel da educação pré-escolar, desde estudiosos a pais, desde professores a políticos, mas na
essência nuclear dos mesmos estamos muito próximos do provérbio todos falam mas ninguém tem razão, A coerência de tais conceitos, a profundidade das sínteses
conteudísticas apresentadas em vários artigos de revistas ou nos mass-media e, de certa forma, a carência de uma metateoria sobre o desenvolvimento da criança
em idade pré-escolar são habitualmente acompanhadas de uma exiguidade de informação empírica, não oferecendo no seu conjunto uma perspectiva biopsicossocial que
nos permita desenhar um curriculo psicoeducacional abrangente e de qualidade para a educação pré-escolar (Badian 1982).
Tal perspectiva sistémica e holística das necessidades de desenvolvimento deverá envolver objectivamente uma visão multicomponencial, multiexperiencial
e multicontextual da criança (Sternberg 1985). Multicomponencial, porque centrada na própria criança como ser complexo em desenvolvimento, envolvendo a simultânea
contiguidade de componentes
303
INSUCESSO ESCOIAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
em co-interacção, desde as psicomotoras às psicolinguísticas, desde as cognitivas às socioemocionais. Multiexperiencial, porque decorrente da qualidade
das oportunidades de dèsenvolvimento encaradas sobre a frequência da sua habituação ou generalização. Multicontextual, porque resultante da adaptabilidade e da
adequabilidade dos contextos às características únicas, totais e evolutivas da criança em idade pré-escolar, período crítico de maturação neurológica e de transição
dos processos de aprendizagem pré-simbólicos para os simbólicos.
É importante ter a noção de que a criança é uma história dentro de outra história, uma filogenética, portanto da espécie humana, dentro de uma ontogenética
portanto da própria criança (Fonseca 1989, 1975).
A totalidade do organismo da criança encerra em termos evolutivos uma noção de integridade que, em última análise, depende da organização sináptica dos
seus sistemas e subsistemas de aprendizagem, principalmente os que preparam os pré-réquisitos das funções neuropsicológicas que estarão envolvidas nas aprendizagens
escolares da leitura, da escrita, do cálculo e da resolução de problemas (Geschiwind e Levitsky 1968, Kolb e Wishaw 1986).
As necessidades da criança na idade pré-escolar colocam dois tipos de problemas. O primeiro é saber do que ela precisa efectivamente para se desenvolver,
para aprender tarefas complexas; o segundo consiste em determinar qual é a missão do sistema de ensino. Tal sistema deve preparar, e tem de preparar, as condições
ecológicas educacionais específicas que permitam a promoção dos pré-requisitos para aprender funções simbólicas superiores, para que a criança possa, de facto,
ter prazer, conforto e segurança no processo de aprendizagem (Jansky e de Hirsch 1972).
No período da escolaridade pré-primária, a criança tem concluída, em termos neuroevolutivos, a mielinização das zonas crossomodais e das áreas sensoriomotoras
secundárias, quer posteriores (parietais, occipitais e temporais), quer anteriores (frontais), e simultaneamente já estão estruturadas as áreas de integração
e de processamento de informação que avançam consideravelmente para a diferenciação dos sistemas de aprendizagem (Eccles 1989, Ajuriaguerra e Soubiran 1959).
Será que a educação pré-escolar proporciona condições de aprendizagem que promovam o desenvolvimento global, total e evolutivo da criança? Qual a importância
das aquisições dos três, quatro e cinco anos de idade, em relação com as aprendizagens ditas superiores e simbólicas, como são a leitura a escrita e o cálculo?
Haverá uma proto e uma pré-leitura, uma proto e uma pré-escrita, um proto e um pré-cálculo? Do ponto de vista do desenvolvimento humano, o que é que os teóricos
e os práticos de educação pré-escolar têm como consenso em termos de cun-ículo? Que noções integradas, que metateorias sobre o desenvolvimento da criança, têm
todos os agentes que directa ou indirectamente pat-ticipam no processo, pais inclusive? Quais são, de facto, as necessidades da criança em idade pré- escolar?
304
, .
NECESSIDADES DA CRIANÇA EM IDADE PRÉ-ESCOIAR
Necessidades da criança em idade pré-escolar
Em termos pragmáticos, teremos quatro áreas-chaves do desenvolvimento a perspectivar:
- Cognitiva;
- Psicomotora;
- Psicolinguísúca;
- Socioemocional.
DESENVOLVIMENTO COGNITIVO
primeira área-chave, quanto a nós, será o desenvolvimento cognitivo. A pensar? Será que é fundament Será que é importante ensinar as crianças a ç pestabelecer
nas crianças, com tão pouca idade, estratégias de resolu ão de ro blemas?
Em vez de ver a criança como uma esponja em que os adultos debitam informa ão aca que ela depois a possa reproduzir de uma forma memorizaç P como um agente
de da ou repetitiva, é antes necessáriol962; Feuerstein 1975); m assimilação dinâmica (Piaget 1947 ais do que um rece tor, ela deve ser encarada como um gerador
e um criador de conheci entos, de atitudes e competências, e nunca como um reprodutor de modelos adultos.
Como é que re aramos uma criança de acordo com as suas multidimensões evolu v ? Apenas para um processo que é universal, que é aprender a ler
a escrever e a contar, ou também para um processo que é inovador, como, é aprender a pensar e aprender a aprender?
Parece importante que precisamos de um currículo cognitivo para crianças na idade pré-escolar. Que tipo de currículos temos que possam pr over
e otenciar um desenvolvimento desta função crucial da aprendiza em, que t o de ré-aptidões, de pré-requisitos temos de implementar na educa o ré primária que
permitam à criança integrac as condições de processamen d informa ão subdividido nas suas componentes de input, intera ão-elaboração e d output (Sternberg, 1985,
Das e colaboradores 1979, Haywood 1992, Gardner 1985) que permitam aprender posteriormente funções altamente complexas? g g
Por ue é que muitas crianças com um potencial co nitivo normal ue estão 2. " e 3. o anos de escolaridade apresentam o mesmo perfil de dificuldades
de a rendizagem que outras crianças que frequentam o 1 " ano de escolaridade? Que condições, quer na sociedade, quer na fami ia e quer na comunidade educativa,
se tem proporcionado às crianças de tenra idade para desenvolverem funções cognitivas fulcrais para as aprendizagens sim bólicas?
305
INSUCESSO ESCOIAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
A urgência de um currículo cognitivo para a criança em idade pré- escolar é hoje, em plena sociedade cognitiva, uma das prioridades dos sistemas de ensino
modernos. Tal cumculo deverá fornecer às crianças condições em que os processos fundamentais para pensar e resolver problemas sejam desenvolvidos, na medida em
que a falta de preparação para as aprendizagens simbólicas pode gerar dificuldades e bloqueios no início da carreira escolar de muitas crianças, nomeadamente crianças
oriundas de meios desfavorecidos ou de grupos culturalmente diferentes (Flavell 1993).
Muitas situações envolvimentais, no sentido dos ecossistemas de Brofenbrenner 1979 negam às crianças as oportunidades de mediatização para adquirirem funções
cognitivas básicas; daí o papel do cumculo cognitivo como instrumento eficaz de intervenção pedagógica para reduzir e compensar diferenças sociais e subculturais
que podem desvinuar a igualdade de oponunidades, logo no início da carreira escolar de muitas crianças.
O currículo cognitivo deve elevar as capacidades de aprendizagem em todas as crianças até ao nível das exigências cognitivas requeridas pelas aprendizagens
primárias, como sejam competências de atenção, de processamento, de planificação e comunicação da informação (Luria 1965, 1975). Utilizado como meio preventivo
do insucesso na aprendizagem, o cumculo cognitivo deve integrar operações pré-cognitivas, cognitivas e metacognitivas que se prefigurem como pré-requisitos das
aprendizagens simbólicas e não apenas como produtos de aprendizagem decorrentes de debitação de conteúdos ou repetição de habilidades.
Em síntese, o currículo cognitivo deve proporcionar um conjunto de práticas que permitam promover os vários componentes e contextos do acto mental, i.
e. , input-integração/elaboração- ourput.
De acordo com os períodos construtivos da inteligência (Piaget 1962), a escolaridade pré-escolar corresponde em exclusivo ao pensamento pré-operacional,
onde a criança demonstra toda a sua intuição e paralelamente toda a sua disponibilidade para introduzir estratégias de aprendizagem por tentativas e erros, onde
ela tende a revelar uma espécie de egocentrismo quase radical, onde frequentemente é seduzida por aparências.
É o momento crucial da descoberta do símbolo no jogo e na linguagem, onde de simples explorador a criança passa a um investigador persistente, culminando
com um poder de memória verbal já assinalável, fazendo uso sistemático de mediatizações verbais quer em lenga-lengas, quer em histórias, para as quais apresenta
disposições mágicas extraordinárias, sendo o seu poder de linguagem próximo das 10 000 palavras, produzindo frases cada vez mais prolongadas e gramaticalizadas,
evocando mesmo uma riqueza interactiva e conversacional deveras notável para a sua reduzida dimensão experiencial (Bruner e colaboradores 1966, Elliot 1971).
Tais condicionantes do desenvolvimento intrínseco da criança em idade pré-escolar são condições ideais para se introduzir um currículo cognitivo que a ensine
a pensar e a aprender a aprender (Gardner 1991).
306
NECESSIDADES DA CRIAN A EM IDADE PRÉ-ESCOIAR
DESENVOLVIMENTO PSICOMOTOR
A segunda área-chave é o desenvolvimento psicomotor, processo que encerra a questão das relações recíprocas entre a motricidade e o psiquismo e a fenomenologia
das emoções. Será que são questões importantes sob o ponto de vista do desenvolvimento da criança?
307
Figura 96 - Esquema do desenvolvimento cognitivo, segundo Jean Piaget.
(RN - recém-nascido; ISM - inteligência sensoriomotora;
IPO - inteligência pré-operacional;10 - inteligência operacional;
IF - inteligência formal
INSUCESSO ESCOIAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
Será que a criariça desenvolve, de acordo com vários autores (Fonseca
1976), um pensamento lógico e reflexivo antes de ter um ensamento
centrado na sua inteligência quinestésica e co p
no jogo e na actividade I ca'P Sah que a criança exibe permanentemente údi erá que ela exibe, na interacção com as outras crianças, a sua competência
corporal como rocesso
crucial de aprendizagem? p
0que é a atenção perante o mundo exterior, se não o domínio postural
deuações? po iu da ua acção intencional na manipulação de objectos e
9 ue hoje se fala muito de défices de atenção na maioria das crianças? Temos consciência de que essa aten ão tem a ver com o
corpo? O que é ter uma postura de aten ão ç
?P ç p -escolar erá bem trabalhado este controloa umá c an a em idade ré
educação pré-escolar? O que é a post p elos agentes de
ura em termos neuroevolutivos? Pa a
que serve o equilíbrio na criança em idade pré-escolar? Será ue esse equili brio é fundamental para a criança estar sentada na sala de uIa e a uma
cena distância c ptar informação vinda de muitas fontes simultaneamente?
Será o controlo ostural na criança fundamental ao seu sistema de processamento de informação?
192 e I 932d 1934, 956 sl 969r Ajuri desenvolvimento psicomotor (Wallon
ança em idade pré-escolar, a uerra 1974, Ayres, 1978, 197g), a
é caracterizada pela integração e a convergêncri
cia simultânea de vários processos integrados, a saber:
- Desenvolvimento tónicossinergético, consubstanciado numa mais
perfeita modulação e numa maturação tonicopostural e tonicoemocional verifcadas por uma redução da hipotonia, por uma diminuição das paratonias e
da crianç ésias em todas as expressões corporais globais, finas e emocionais
- Segurança gravitacional, visível num melhor controlo postural, numa
equilibração estática mais económica, quer unipedal, quer dinârrúca, e essencialmente numa integração vestibular mais plástica, conferindo à expressão
da criança não só graciosidade e exuberância
inibição e regulação da acção;mas também maior poder de
- Reconhecimento posicional pessoal e es acial, demonstrado não
apenas por uma inequívoca dominância sensorial (exteroce tores e motora
(efectores), mas igualmente p p 1
-hemisférica q or uma melhor organização intra e inter ue il a especialização cerebral e a p
co oral necessárias a cáança em idade p otencialidade
ré-escolar dispor dos inst umentos neuropsicológicos de locação e navegação es aciotemporal obviamente implicados nas aprendizagens simbólicas da leitura,
da escrita e do
cálculo;
- Somatognósia, revelada numa melhor re resentação ment. a! do corpo
e do Eu, confirmada num desenho do corpo mais po enorizado e arti
no todo e nas partes, exibindo componentes grafomotores mais pre lado
308 ,
NECESSIDADES DA CRIAN A EM IDADE PRÉ-ESCOIAR
poderes miméticos impressionantes, ecocinésias diferidas e projeccionais mais perfeitas e melódicas;
- Planifica âo e organização práxica, enunciada numa organização conswúva e elaborativa do gesto intencional, permitindo à criança descobrir e transformar
o mundo exterior e, por analogia, integrar a ontogénese da sua aprendizagem singular e plural (Fonseca 1989, 1995).
1l1
Figura 97 - Desenvolvimento psicomotor da criança em idade pré-escolar
DESENVOLVIMENTO PSICOLINGUISTICO
A terceira área-chave compreende o desenvolvimento psicolinguistico. Quais as competências psicolinguísticas mais relevantes para a criança em idade pré-escolar
sob o ponto de vista da linguagem, quer falada, quer escrita? Será que a criança ouve, discrimina, identifica e compreende auditivamente? Quantas crianças na
sala de aula ouvem, mas não escutam, não registam, não reintregam, não rechamam, nem expressam instrumentos verbais adequados?
Quantas crianças parece que ouvem mas imediatamente pacece que a informação sai pelo outro ouvido?, para não falar de muitas que vêem, mas
309
: i, i i
PSICOPEDAGÓGICA
, nem identificam, não investigam pormenores em figuras e que depois, quando se confrontam cas superiores, também não descodificam sím: -,
- ?
preendem
^-r icológica em adultos com acidentes vasculares stra que estes deixam de ler (alexias) e deixam de parecendo evocar a desintegração
de sistemas funcionais
alizavam?
importante ter também esta visão disfuncional ou patológica der a maturação neuropsicomotora básica para aprender? Será emos os pré-requisitos psicolinguísticos
nesta idade tão funé que a criança que não aprende a ler, a escrever e a contar apre- :ualmente défices multifacetados no processo psicolinguístico?
. ,
MAruRAçao nA wovAr--- uLA to
ExPAnrsaoe ri av o
LINGUAGE
EXPRES A no + verbos
IMITA S
mo ento da boca + sons da fala
INCU O N RBAL
EENSAO tJAÇOES
acçees
Figura 98 - Aquisições da linguagem: simples, compostas e complexas
O problema é só dela ou será que temos de ter em conta a promoção de estratégias individualizadas de facilitação psicolinguística para cada criança?
Sabemos diagnosticar e observar as competências psicolinguísticas a tempo, para depois evitarmos efeitos linguísticos chamados de bola de neve, ?
310
NECESSIDADES DA CRIANÇ A EM IDADE PRÉ-ESCOIAR
O potencial psicolinguístico duma criança não depende só dos seus processos de maturação neurolinguística, depende igualmente dos processos de mediatização
linguística que são praticados no envolvimento familiar e no envolvimento escolar, onde cenamente os factores socioeconómicos e socioculturais assumem um peso significativo
(Beny 1969, Reynell 1980).
A prevenção que se pode fazer na educação pré-escolar no âmbito dos processos pré e pós-linguísticos pode ser muito mais rentável do que os custos
e as despesas que advêm do insucesso escolar posterior.
O desenvolvimento psicolinguístico da criança em idade pré-escolar é paralelo a extraordinários avanço e complexidade no vocabulário, com uma produção
articulatória inteligível e quase perfeita em termos semânticossintácticos, com marcadores, tempos de verbos correctos, pronomes, adjectivação crescente, adverbitizacão
perspicaz, etc.
Em termos psicolinguísticos, a criança em idade pré-escolar tende a apresentar uma extensão fraseológica refinada, com frases negativas e interrogativas
mais subtis e construções passivas mais perfeitas (Bloom e Lahey 1978).
Enfim, o enriquecimento psicolinguístico do seu primeiro sistema simbólico, receptivo, integrativo, elaborativo e expressivo está quase concluído
e o seu poder de conversação atinge um patamar evolutivo marcante.
Com tais requisitos a transição do primeiro para o segundo sistema simbólico far-se-á com mais facilidade e a aprendizagem da leitura, da escrita
e do cálculo será então possível (Fonseca 1984, 1987).
DESENVOLVIMENTO SOCIOEMOCIONAL
Por último, a quarta área-chave comprende o desenvolvimento socioemo cional, outro aspecto muito importante, sob o ponto de vista da concepção
da criança como ser singular (intrapessoal) e plural (interpessoal). A criança
em termos totais, e não em termos meramente sectoriais ou fragmentados,
tem de ser concebida em termos prospectivos globais, pois foi essa visão que
autores como Ajuriague ra 1974, Bandura 1963, Erickson 1963, Freud 1962,
Doll 1953) nos deixaram, e com que nós, os educadores, temos de construir
um corpo teórico de onde possam emergir currículos pré-escolares adequa dos às necessidades socioemocionais das crianças.
Neste contexto, precisamos de integrar também as correntes ecológicas e
mos um con nso obreressa perspc tiva de de én olvi e o parala tempo
1 podermos intervir, para a tempo podermos prevenir e só depois, de facto, ter mos condições para facilitar o potencial de aprendizagem na criança,
con; cretizando a missão da escola.
Neste aspecto, não podemos deixar de focar a perspectiva que por vezes
é relativamente esquecida e que tem muito a ver com a questão que está
311
INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGlC A
associada à mielinização propriamente dita e à maturação dos sistema;
neuxofuncionáda c"iança Indeperdentemente de não apxerdesmos com
cvraáo, dpG; de -istõte es ter pensado que seria aquele o órgão ma
organizado do organismo, a aprendizagem humana tem de dar à emoção u papel mais essencial, dado que, em termos evolutivos, na espécie pensant como nos designamos,
o sentimento contou e conta tanto como o pensameni (Goleman I995).
As emoções foram sempre sábias guias no longo percurso evolutiv domesticá-las, controlá-las, modulá-las foi sempre não só a razão da sobre vivência,
mas a preparação para o surgimento da civilização humana. Toda as emoções são, na sua essência, impulsos para a acção, planos básicos par lidar com as aprendizagens,
pois preparam o corpo para os tipos de respost que elas exigem da criança, explicando muitas vezes a razão dos bloqueio que ela demonstra, ou a disponibilidade
que ela revela, para aprender.
O desenvolvimento socioemocional da criança em idade pré- escolar ten de revelar uma conduta e uma reciprocidade afectiva constantes, uma auto estima equilibrada
e uma auto- suficiência acrescida, uma sociabilização con os parceiros e com os adultos, uma competência lúdica inexcedível com res peito por regras e normas,
etc.
312
Figura 99 - Aprendizagem: fundamentos neuropsicológicos
NECESSIDADES DA CRlAN(A EM IDADE PRÉ-ESCOlAR
A criança em idade pré-escolar, que está num momento crucial do seu
desenvolvimento, tem de manejar impulsos, de modular frustrações, de produzir iniciativas sociais, de resolver conflitos, de controlar e administrar emoções,
numa palavra, tem de exibir uma inteligência emocional antes de pilotar a sua inteligência simbólica. Para que seja possível intervir neste domínio tão subtil
do desenvolvimento da criança, não se pode esquecer que o rácio crianças/educadora não pode ultrapassar a cifra de 15/1.
A construção da vida mental na criança em idade pré-escolar deve ter em conta que, para pensar, ela precisa de sentir, uma dicotomia perene que jamais
abandonará na sua evolução; daí que as aprendizagens naquele momento tenham de ter em conta o papel das emoções na evolução dos processos psíquicos das aprendizagens
simbólicas.
Como o cérebro cresceu de baixo para cima em termos filogenéticos (Fonseca 1989), também em termos ontogenéticos a criança precisa de aprender com o cérebro
primitivo e o cérebro emocional.
Com o primeiro, dito reptiliano", centrado no tronco cerebral e no cerebelo, a criança mobiliza as funções vitais básicas para a aprendizagem (exemplo:
respiração, metabolismo, atenção, etc. ).
Com o segundo, dito paleomamífero, centrado no sistema límbico, no hipocampo, na amígdala e nos centros emocionais, a criança mobiliza as funções
motivacionais básicas para mobilizar as estratégias e os investimentos de segurança e conforto para aprender (ex. : interacção afectiva, comunicação, sentimentos
de prazer, memórias, etc. ).
Sem tais disposições, o neocórtex - o cérebro cognitivo - dito neomamífero, não funciona adequadamente e as aprendizagens simbólicas não desabrocham
na criança e, consequentemente, as suas aprendizagens simbólicas, da leitura, da escrita e do cálculo, não se desenvolvem eficazmente.
A criança aprende com o cérebro, mas com três cérebros integrados num todo dinâmico, como acabámos de ver; como órgão mais organizado do organismo ele
só pode aprender quando são respeitadas as propriedades sistémicas do seu funcionamento.
Será que podemos ter esta informação mínima, não para nos substituirmos aos neurologistas e aos psicólogos, mas como educadores para perceber, de facto,
que sem tal maturação neurológica a aprendizagem não se efectua?
A criança em idade pré-escolar tem de ter uma mielinização, uma sinaptogénese, uma migração neuronal e uma maturação das zonas crossomodais para conseguir
ler, escrever, contar e pensar, porque sem essa arquitectura neuronal ela não vai conseguir captar informações com a visão, associar e compreender com a audição,
integrar e sentir com as estruturas tactiloquinestésicas e depois elaborar e exprimir informações com a estrutura verbal ou motora (práxica), para poder aprender
(Fisher e colaboradores 1997).
313
INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
Algumas re0exões práticas para a criança em idade pré-escolar
Todos estes aspectos naturalmente vão ter de exigir da parte dos edu cadores competências de observação ou de diagnóstico com recurso a modelos muito simples
(screening devices - modelos de identifica ão precoce), com a finalidade de detectar problemas desviantes que a criança possa revelar na área socioemocional, na
área psicolinguística, na área psicomotora e na área cognitiva.
Com recursos a escalas de prontidão (Masland e Masland 1988) rela tivamente simples, podemos detectar e ter condições de encaminhar as crianças para programas
de compensação evolutiva e proporcionar na educação pré-escolar as tais condições de igualdade de oportunidades e de materialização da democracia cognitiva.
Não basta, como medida de democracia educacional, generalizar a edu cação pré-escolar - é urgente pôr em prática também uma democracia cognitiva que permita
a todas as crianças aprender a ler, a escrever e a contar de forma a que elas se adaptem com mais facilidade a uma sociedade da informação em mutação tecnológica
acelerada.
Dentro das necessidades-chaves que acabámos de analisar, podemos afirmar de uma maneira consensual que a criança vai ter de desenvolver um conjunto de aquisições
ou competências que são a transição para ela aprender com êxito e com prazer, porque a aprendizagem sem prazer e segurança pode constituir um processo complexo
de relação dela com o mundo exterior, e dela com os companheiros e com a própria famlia.
As dificuldades de aquisição de tais competências na educação pré-esco lar podem redundar em dificuldades de aprendizagem (DA), muitas delas indutoras de
bloqueios emocionais e cognitivos que podemos observar em muitas crianças no l. o ano de escolaridade do ensino regular (Myklebust 1972-1983).
Não se trata de crianças com potenciais de aprendizagem inferiores aos das outras, apesar de apresentarem diferenças culturais, como podem ser exemplo
as crianças desfavorecidas ou oriundas de culturas diferentes como as de Cabo Verde, da Guiné ou mesmo crianças ciganas.
Não se pode partir do princípio de que essas crianças, à partida, já estão condenadas ao insucesso escolar e social. É de facto um erro extremamente grave,
e uma medida de segregação subtil e de exclusão social velada estigmatizar crianças com necessidades ducativas especiais (NEE), sem adoptar uma educação pré-escolar
consentânea com as necessidades evolutivas que acabámos de apresentar, pois não as respeitando tais dificuldades de desenvolvimento podem repercutir-se de forma
mais negativa no processo de aprendizagem da criança (Vaughn e Bos 1988).
Provavelmente, nestas idades as diferenças interindividuais são mais evidentes do que noutros períodos de desenvolvimento e é muito importante que sejam
identificadas cedo, porque uma DA com três, quatro ou cinco anos
314
NECESSIDADES DA CRIANÇ A EM IDADE PRÉ-E5COlAR
pode ser melhor superada com uma interven ão compensatória precoce, habitualmente mais eficaz do que aos oito ou nove anos, quando a criança já tem uma maturação
neurológica menos flexível e uma estrutura mais complexa de resistências emocionais, uma impulsividade e uma inatenção mais aprendidas, mais problemas de descontrolo
e de hiperactividade, etc. , que podem, no seu conjunto, tornar mais difícil a sua integração numa sala de aula mais tarde, porque não deixa que as outras crianças
aprendam, nem que ela possa aprender normalmente.
QUINESTESICO G f STj A
C RP Z d no t ratura
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hobbies r d'o; tea o
I unagm ao eáleulo l i GICO
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MUSICAL -ESPACIAL
. . as inteligêncras multiplas do cerebro humano
Figura I00 - As sete inteligências, segundo Gardner
Daí a importância de modelos clinicos para a educação pré-primária, modelos que possam considerar a importância da individualização, da diferenciação psicológica
que cada criança possui, encarando o seu processo de aprendizagem como um processo complexo, complexidade essa de competências clínicas que devem ser tomadas em
consideração no plano de formação dos educadores que actuam com crianças de três, quatro e cinco anos (Jonhson e Myklebust 1967, Myklebust 1974, 1976).
Defendemos também a ideia da importância de uma educaÇão de pais, porque todos nós provavelmente precisamos de ser melhores pais e melhores mães. Não podemos
estar convencidos de que o domínio do conhecimento que temos como pais é suficiente e que não há mais nada a aprender nesse contexto tão essencial da nossa sociedade.
315
INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
Em termos básicos, diremos que na visão piageúana há uma conswçâo de processos, há uma conswção que é simultaneamente da criança e das pessoas que estão
à sua volta e da comunidade onde ela está inserida; essa coconstrução evolutiva (Valsiner 1988) é fundamental para que seja exactamente uma maturação que ocorre
de dentro para fora para a criança tirar o maior benefício possível das situações e das oportunidades que são criadas em termos escolares no dia-a-dia.
Essa inclusão na educação pré-escolar tem de envolver uma integração tónica e postural na criança; daí a importância dos espaços dentro e fora das salas
de aula.
Não basta ter espaços escolares com uma estrutura ecológica enriquecida e a criança não conseguir explorar o mínimo dessas condições. Como é que nós vamos
ter uma orientação meramente centrada nos espaços sem considerar as necessidades psicomotoras da criança? Temos provavelmente de ter uma dimensão mais equilibrada
entre o meio envolvente e a criança, e é nesse equil'brio que podemos organizar o material pedagógico como sistema ecológico que facilite o surgimento de um desenvolvimento
harmonioso.
Como é que podemos introduzir condições de enriquecimento ecológico em todos os materiais e espaços para promover na criança as tais competências de aprendizagem?
Teremos também de entender o papel do sistema ecológico escolar em todas as suas facetas, desde o lápis, ao caderno, desde o livro às tecnologias de informação
e comunicação, etc. A dimensão ergonómica que tais materiais e equipamentos colocam, na sala de aula ou no seio do espaço familiar, são hoje de importância capital
para promover as necessidades de desenvolvimento.
Teremos de perceber que a mudança (aprendizagem) na criança é simul taneamente uma mudança que se estabelece fora dela, ou seja, no seu contexto envolvente.
Os agentes que criam formas inteligíveis de interacção entre a criança e os seus ecossistemas tendem a produzir nelas processos de aprendizagem e funções psíquicas
superiores mais integradas porque obedecem às suas necessidades de desenvolvimento.
Qual a importância dos ecossistemas na integração sensorial no desen volvimento do sistema vestibular e das funções proprioceptivas? O ensino tradicional,
quase todo virado exclusivamente para as funções exteroceptivas como a visão e a audição, negligencia substancialmente as necessidades psicomotoras da criança em
idade pré-escolar.
Ainda hoje, depois de Montessori, a educação pré-escolar utiliza pouco a modalidade sensorial tactiloquinestésica, poucos educadores não fundamentam teoricamente
o papel desta dimensão na evolução da criança. Nem mesmo Piaget foi longe em relação a esta implicação sensoriomotora no desenvolvimento psíquico da criança.
Tais condições do sentir entendidas como pré-requisitos da organização neurológica da aprendizagem, verdadeiras pré-aptidões que permitem
316
NECESSIDADES DA CRIAN A EM IDADE PRÉ'-ESCOLAR
depois ler, escrever e contar, e torná-la agradável e prazeirosa, vão gerar a significação da experiência (o insight) na criança em idade pré-escolar, com a
qual se estabelecem as redes neuronais que representam a própria realidade simbólica posterior. Existem imensas crianças que, apesar de serem inteligentes, com
um quociente intelectual (QI) médio e acima da média, têm dificuldades na leitura, na escrita e no cálculo, exactamente porque estão tactiloquinestesicamente
e corporalmente privadas (Rourke 1989, 1993).
Algumas figuras importantes e que deram um grande contributo em muitas actividades científicas e artísticas apresentavam DA na sua infância. Com uma adequada
identificação precoce e programas de intervenção apropriados, apesar das suas necessidades invulgares, eles transformaram-se em personalidades extraordinárias
como adultos.
O problema das DA deve partir, portanto, de uma visão global, dinâznica e optimista do desenvolvimento da criança para conseguir actuar a tempo; por isso
a educação pré-escolar pode ser um meio privilegiado da sua prevenção, podendo-se, por meio dele, reduzir substancialmente a percentagem exagerada de insucesso
escolar ou de DA no ensino do l. o ciclo e do 2. o ciclo.
Certamente que o problema é mais do que um fracasso da criança, porque nós apontamos o indicador da nossa mão para ela, mas esquecemos que temos os dedos
médio, anelar e znínimo a apontar para nós, talvez a lembrar, em sentido figurado, a falta de intencionalidade, significação e transcendência que requer o acto
pedàgógico, a falta de estratégias de instrução e de mediatização, a falta de modelos de avaliação mais centrados nas necessidades das crianças, etc.
Provavelmente, isso quer dizer que temos de mudar os curriculos, a interacção educador-criança, os processos de ensino-aprendizagem, etc. , para mobilizar
as sete inteligências da criança (Gardner 1985), para optimizar e maximizar as condições de desenvolvimento e de aprendizagem, nomeadamente: a integração postural,
a integração sensorial, a integração motora, a integração somatognósica, a integração espacial, e só depois a integração simbólica.
Quer dizer que a aprendizagem simbólica necessária às aprendizagens básicas tradicionais ilustra, em certa medida, uma neuromontagem integrada de subcompetências
e de competências multifacetadas e multideterminadas que envolvem a construção equilibrada de uns sistemas funcionais sobre outros. Se se passar muito depressa
por aquisições que são o suporte de outras mais elevadas, muito provavelmente as dificuldades virão a surgir mais à frente.
Inúmeras pesquisas de crianças em idade pré-escolar em risco são unânimes em considerar um conjunto de pré- aptidões para a aprendizagem escolar, nomeadamente
nas componentes que temos vindo a referir.
Appelton, Clifton e Goldberg 1975, numa investigação original com base em escalas de identificação precoce e em estudos longitudinais, che
317
INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
garam à seguinte lista de pré-aptidões de prontidão (readyness skills) para as aprendizagens escolares:
- Pré-aptidões cognitivas: atenção (persistência, curiosidade e explo ração); percepção (captação de estímulos e observação sistemática); e conceptualização
(antecipação, sequencialização, estratégias de resolução de problemas e de aquisição de conhecimento);
- Pré-aptidões psicomotoras (controlo postural e manipulação);
- Pré-aptidões psicolinguisticas (comprensão e utilização dos sistemas de linguagem); e, finalmente,
- Pré-aptidões socioemocionais (autosuficiência na higiene e na nutri ção), independência, interacção com adultos, autoestima, inibição de comportamentos
impulsivos, flexibilidade e condutas de cooperação).
Muitas difculdades e muitos problemas de aprendizagem de leitura, de escrita e de cálculo emergem exactamente porque não se desenvolveram a tempo os pré-requisitos
das competências fundamentais de aprendizagem.
318
Figura 101- Pré-aptidões para a aprendizagem escolar, segundo Appelton,
Clifton e Goldberg
NECESSIDADES DA CRIAN A EM IDADE PRÉ-ESCOlAR
Aquelas que constituem as competências simbólicas certamente que dependem das competências pré-simbólicas (Foss 1991) que devem constituir os objectivos
de todo o processo de evolução da educação pré-escolar, onde deverão ter, de facto, um maior enfoque no seu desenvolvimento.
De uma forma didáctica, precisamos de saber que a criança quando chega à educação pré-escolar tem três anos de história pessoal. O que se passa nesses
três anos de história evolutiva é muito importante para o desenvolvimento do potencial de aprendizagem da criança em idade pré-escolar. Da mesma forma, é extremamente
importante o desenvolvimento invauterino durante nove meses no caso do recém-nascido.
A criança em termos históricos tem de aprender primeiro reflexos na bamga da mãe, (ventre biológico) posturas, práxias e emoções na barriga da famflia
(ventre psicoafectivo), e só depois aprende símbolos na barriga da sociedade (ventre sociocultural), porque a pré-eswtura do seu cérebro assim o determina.
Se não se nasce com bons reflexos nem se aprende posturas e práxias, emoções e sentimentos, depois, aos 12 anos, na adolescência, não se pode atingir
a reflexão. Dos reflexos à reflexão vai uma década de intervenção intencional dos adultos sobre a criança, porque ela, abandonada depois do nascimento, não pode
por si própria desenvolver funções simbólicas. A aprendizagem humana subentende uma transmissão cultural transgeracional como evocou Vygotsky 1962.
, A inteligência superior humana só é possível num contexto social e histórico. A criança não pode ficar abandonada na aprendizagem, a criança tem de beneficiar
da interacção de seres humanos mais experientes para produzir todo o seu potencial simbólico - é esse o sentido da zona de desenvolvimento proximal vygotskyana.
Sozinha, tem um tipo de desenvolvimento com a ajuda mediatizada dos adultos, a criança pode atingir um nível de expressão cognitiva muito mais elevado (Vygotsky
1978).
A criança no segundo ano de vida tem de revelar segurança gravitacional, quer dizer, tem de equilibrar muito bem o seu corpo na gravidade, que é um sistema
que se acha em todos os objectos deste planeta, tem de estar bem apoiada e com os pés na terra". Porém, há muitas crianças no periodo da educação pré-escolar
que ainda não estão com os pés na terra e por isso, quando se vê uma criança com dificuldade na leitura e na escrita, com sete e oito anos, e estudamos o equilíbrio
dela com os olhos fechados, ficamos pasmados ao constatarmos como o seu corpo todo oscila em roturas posturais, com uma grande dificuldade em controlar o seu corpo,
que é o centro de integração de toda a informação (Fonseca 1975
) Damásio 1995.
A criança em idade pré-escolar tem de ter movimentos binoculares com os olhos para focar e fixar dados de informação, tem de ter um bom controlo postural,
uma excelente organização psíquica e intencional da sua motácidade global e fina (Fonseca 1995).
319
INSUCESSO ESCOIAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
Se a criança não tiver um pe l psicomotor intacto, como é que ela vai explorar os espaços lúdicos (play grounds)? Como é que ela vai ter competências para
explorar brinquedos ou objectos indispensáveis ao seu desenvolvimento integral?
Para tirar proveito das aprendizagens simbólicas, a criança em idade pré-escolar deve dispor de competências não simbólicas, de funções básicas de auto-suficiência,
de confono táctil e quinestésico do seu co po e do seu Eu (Freud 1930, 1962), para que os produtos da sua integração sensoriomotora possam suportar com robustez
as exigências neurofuncionais das aprendizagens escolares.
Sem a essência do sistema psicomotor humano (Fonseca 1989, 1995), sem uma óptima coordenação oculomanual, sem um bom nível de percepção visual, sem um
bom poder grafomotor, sem uma boa capacidade de a mão ser o periférico da inteligência, a criança não estará apta, nem terá relações equilibradas com os seus
colegas, nem interagirá de forma harmoniosa com o processo de aprendizagem.
A criança tem de dispor de uma excelente organização da sua imagem corporal, que é fundamental, não só no desenho, mas também na representação e na projecção
no espaço, e conseguir relacionar o espaço fora do corpo com o espaço dentro do seu corpo. Essa fronteira vai criar a noção do eu e do não-eu (Sperry 1979, Schilder
1963). Por falta desta aquisição socioemocional essencial à aprendizagem, há muitas crianças com problemas socioemocionais com muitas dificuldades de aprendizagem
e com baixo nível de frustação, de onde emanam grandes problemas de irritabilidade e impulsividade. Por via destas disfunções, os seus rendimentos escolares são
baixos, não porque a sua inteligência seja restrita, mas porque as eswturas cognitivas, psicomotoras, psicolinguísticas e socioemocionais estão fragilizadas.
Para aprender com facilidade, a criança em idade pré-escolar tem de ter coordenação manual bilateral, uma boa dominância na mão, na visão, na audição
e no pé. Toda esta dominância sensoriomotora reflecte uma especialização hemisférica sem a qual as aprendizagens escolares não podem ser assimiladas dinamicamente
(Kimura 1973, Gubay 1975, Dennis e Whitaker 1977, Helman e Valenstein 1979, Levy 1980, Quirós e Schrager 1985). A criança sem especialização hemisférica não
vai aprender a ler, a escrever e a contar no 1. o ano de escolaridade. Muitas crianças portadoras de deficiência mental são caracterizadas exactamente pela ausência
da dominância hemisférica com a qual recebemos, integramos, elaboramos e comunicamos informação simbólica.
Também o nível de actividade e o nivel de atenção dependem desta organização não-simbólica básica que temos vindo a abordar (Koppitz 1971, Rourke
1989, Fonseca 1975, 1987, 1994;). Para aprender, a criança em idade pré-escolar tem de ter um nível de atenção hipereswturado, para conseguir captar e extrair
estímulos relevantes e não perder tempo, nem desconcentrar-se ou ficar distraída com informações que são irrelevantes.
320
NECESSIDADES DA CRIAN A EM IDADE PRÉ-ESCOlAR
Se a criança não tiver essa atenção ao nível da visão, da audição e do seu corpo quinestésico, ela está na sala de aula e está a ser permanentemente
atraída por sons e por sinais que estão fora do contexto da aprendizagem; por esse facto, ela apresenta problemas de processamento de informação e não aprende (Douglas
e Peters 1979).
Uma criança hiperactiva é uma criança hipo-organizada em termos de aprendizagem. Temos de ter muita preocupação com estas crianças, dado que podem depois,
numa situação de aprendizagem mais complexa, ter muitas dificuldades de inibição, de assimilação de sinais dentro do seu próprio corpo para poder depois orientar,
seleccionar, processar e transmitir a sua actividade mental e para responder às situações de aprendizagem (McCarthy e McCarthy 1974).
A criança tem de ter uma estabilidade emocional para conseguir atingir rendimento na educação pré-primária; trata-se de um diploma como qualquer outro; ela
tem que obter à entrada do l. o ano de escolaridade um nível de maturação adequado nas várias componentes da aprendizagem.
Para além destas competências que estamos a focar, a criança deve entrar no ensino dito primário com as condições de prontidão que permitem uma aprendizagem
normal, ela tem de ter organização, concentração, autoestima autoconfança, autocontrolo, capacidade para aprendér a aprender, isto é, um processamento de
informação intacto e flexível, tem de ter funções de input, de integração, de elaboração e de output e tem de ter consciência metacognitiva, consubstanciando
ùma dinâmica neurofuncional sem a qual não pode aprender (Speece e Cooper 1990).
Em síntese, o que fazem os educadores e todos os que trabalham com crianças dos três aos seis anos é uma obra de uma transcendência impressionante, e não
uma mera resposta a necessidades sociais e familiares.
Cabe-lhes criar as condições para que as crianças, o maior capital dum país, possam ter dúeito à cidadania numa sociedade de informação.
Bem hajam por esse esforço, mas atenção: essa obra tem de envolver uma maior qualidade pedagógica e uma profunda cientificidade da acção educativa só alcançável
com uma licenciatura, porque trabalhar com crianças em idade pré-escolar é provavelmente mais complexo do que trabalhar com estudantes universitários.
321
CAPÍTULO 8
DESPISTAGEM E IDENTIFICAÇÃO PRECOCE
DE DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM
No capítulo anterior descrevemos sumariamente a taxonomia das dificuldades de aprendizagem, condição esta necessária para o desenvolvimento de processos
de identificação e de intervenção.
Sem um consenso mínimo sobre a classificação das dificuldades de aprendizagem não se pode atingir uma identificação precoce precisa e pedagogicamente eficiente,
evitando à partida problemas que tendem a complicar-se com a evolução escolar.
Cabe aos professores, na óptica de uma pedagogia científca, estudar as variáveis que estão em jogo nas diferentes aprendizagens escolares, na medida em
que assim se pode dar mais significação ao diagnóstico médico e psicológico. A tridimensão deste problema pode vir a facilitar a obtenção de uma linguagem comum
e a troca de experiências, ao contrário do que pensam aqueles para quem o diagnóstico cabe apenas ao campo médico ou ao campo psicológico.
Ao professor não pode caber unicamente a função de aplicar métodos pedagógicos. Ele deve saber como e quando o método deve ser aplicado, o que obviamente
implica um processo de identificação que considere:
a) As variáveis das condições internas da criança exigidas pelas tarefas escolares;
b) As variáveis que se encontram afectadas e favorecidas (perfil intraindividual);
c) Os recursos pedagógicos disponíveis (condições externas) para seleccionar os meios de intervenção mais apropriados aos níveis de funcionamento
evidenciados pelos educandos.
A identificáção deve ser feita o mais precocemente possível. Estudos internacionais (Wedell 1975, Bindrim 1978) apontam o ensino pré-primário como o
323
INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
lugar mais conveniente para a identificação, a fim de garantir uma intervenção preventiva nos seguintes parâmetros de desenvolvimento:
1) Linguagem;
2) Psicomotricidade;
3) Percepção auditiva e visual; 4) Comportamento emocional.
Os mesmos estudos apresentam os sinais de riscos mais importantes nas áreas da linguagem, nos aspectos quer receptivos, quer expressivos.
A identifieação precoce é uma alternativa imprescindível para os países de fracos recursos como o nosso, na medida em que reduz os custos, elimina condições
que tendem a agravar o desenvolvimento total da criança e diminui os seus efeitos cumulativos.
Muitos sinais que não são detectados antes da entrada para a escola podem ser responsáveis pelo insucesso escolar e, obviamente, pelo desajustamento social.
A identificação não é um diagnóstico. Trata-se de um processo de despistagem e de rastreio (screening) visando uma intervenção pedagógica compensatória.
Não se trata de um fim em si próprio, nem apenas de uma descrição; ela implica, antes do mais, uma prescrição psicoeducacional, tendo em atenção as necessidades
educacionais específicas das crianças. Na identificação, o importante é a utilidade da informação e a sua eficácia pedagógica, e nunca qualquer estigmatização
inconsequente.
Toda a despistagem de problemas, ou melhor, toda a identi cação do potencial de aprendizagem (IPA), toma em lìnha de conta a sua ocorrência na escola.
A tendência actual é fazer do professor o primeiro elemento de avaliação. O recurso a especialistas virá posteriormente, , quando necessário, e aqui o psicólogo
escolar justifica-se cada vez mais. E evidente que esta perspectiva está na ordem do dia. A renovação dos processos de formação dos professores regulares ou especializados,
bem como dos psicólogos escolares (que tardam em Portugal) e dos próprios médicos escolares, impõe-se eada vez mais.
Desta forma, com recurso a uma identificação precoce realizada pelo professor e na escola, os problemas educacionais podem ser mais facilmente solucionados.
Não se colocam problemas de classificação ou de etiqueta, visto que está em jogo a optimização do potencial de aprendizagem das crianças. Para isto é preciso estudar
o envolvimento familiar e o envolvimento escolar, introduzindo aí as necessárias modificações antes de ver o problema só nas crianças. As crianças não podem continuar
a ser vistas como automóveis, onde não se vê se há ou não gasolina, ou se a bateria está ou não em condições, mas se começa logo por desmontar o motor e as
suas peças componentes. Primeiro, mudar o ambiente, depois, o professor, e só no fim a criança.
324
DESPISTAGEM E IDEMIFICA ÃO PRECOCE DE DIFlCULDADES DE APRENDIl AGEM
A finalidade da identificação precoce é evitar as consequências do insucesso escolar. Não se pode ignorar certas questões da aprendizagem, pois pode-se
subvalorizar certos sinais de risco educacional e, consequentemente, adiar a sua solução. Concordamos com a afirmação que nos diz que o diagnóstico grosseiro
é um perigo. De facto, o diagnóstico não deve ser confundido com a identificação. A idenúficação deve, quanto possível, dar significação a determinados sinais
desviantes ou atípicos, não os banalizando nem negligenciando.
Quantos mais estudos e investigação práúca se úver neste domínio tanto mais facilmente se disúnguirá os sinais de vulnerabilidade, atribuindo-lhes valor
e significação e podendo, a partir daí, determinar a natureza e a origem das DA. Pensamos que, neste campo, não haverá progresso sem idenúficação e sem diagnósúco;
caso contrário, deixamos escapar sinais e problemas de difícil solução mais tarde.
A idenúfcação a desenvolver deve tomar em consideração vários factores, a saber:
1) Compreensão auditiva (compreensão do significado das palavras; discriminação de pares de palavras; discriminação de frases absurdas;
compreensão de histórias; compreensão dos diálogos realizados dentro da classe; memória de cuno termo [palavras e frases]; retenção da informação e execução de instruções
verbais, etc. );
2) Fala (vocabulário; organização gramatical; formulação de ideias [fluência]; contar histórias; relatar factos, experiências e acontecimentos;
descrição de figuras e ilustrações; explicação e fundamentação de opiniões; qualidade da voz e entoação; reprodução de canções; rimas e lenga-lengas; etc. );
3) Percepção visual [discriminação; identificação; completamento (gestalt); memória; coordenação visuomotora; figura e fundo; constância da
forma; posição e relação de espaço; escrutínio visual; etc. ];
4) Orientação (orientação espacial; apreciação das relações; lateralidade em si e nos outros; direccionalidade; ritmo; apreciação do tempo,
etc. );
5) Psicomotricidade (equilibração, imagem do corpo; imitação de gestos; desenho do corpo; agilidade; motricidade fina; manipulação de objectos,
etc. );
6) Criatividade (tonicidade; espontaneidade; curiosidade; exploração; dramaúzação; modelação; pintura; desenho; invenção; imaginação; grafismos,
etc. );
325
INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSlCOPEDAGÓGICA
7) Comportamento social (cooperação com outras crianças e com adultos; atenção; organização; auto-suficiência; actividade lúdica; responsabilidade;
cumprimento de tarefas; etc. ).
Outro exemplo pode incluir os seguintes aspectos funcionais:
1 ) Linguagem auditivoverbal:
- Reprodução automática e sequencial;
- Compreensão;
- Formulação:
a)Semântica - objectos, lateralidade, partes do corpo, símbolos; b) Sintáctica/gramatical;
c) Pragmática; d) Prosódica.
- Articulação.
2) Descodificação táctil:
- Percepção de estimulações duplas do mesmo lado do corpo;
- Percepção de estimulações duplas dos dois lados do corpo;
- Reconhecimento de objectos (exterognosias);
- Reconhecimento de objectos com transfer inter-hemisférico (da esquerda para a direita, da direita para a esquerda);
- Reconhecimento quinestésico e táctil da lateralidade do corpo;
- Reconhecimento de partes do corpo (dedos).
3) Descodificação visual:
- Percepção de estimulações homólogas bilaterais;
- Reconhecimento de objectos;
- Reconhecimento do objecto por apresentação de algumas partes do mesmo;
- Reconhecimento de:
a) Partes do corpo (esquerda-direita, em si, nos outros); b) Reconhecimento da divisão esquerda-direita do corpo; c) Formas geométricas (figuras e partes);
d) Orientação espacial (esquerda-direita; cima-baixo, perto- longe); localização, direcção, relações, dimensões;
e) Figura-fundo;
d) Símbolos.
- Reminiscências de:
a) objectos;
b) partes do corpo;
c) orientação espacial;
d) símbolos.
326
DESPISTAGEM E IDENTIFICAÇ'ÃO PRECOCE DE DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM
4) Integração intersensorial: Reconhecimento audio-visual de: a) objectos;
b) símbolos e palavras; c) sequência temporal.
- Reconhecimento visual - reminiscência auditiva:
a) objectos;
b) leitura;
c) sequência temporal.
- Reconhecimento auditivo - reminiscência visual de palavras (escrever a partir do ditado).
5) Codificação visuomotoquinestésica:
- Praxia fina manual;
- Praxia ideacional;
- Praxia construtiva: a) por cópia visual; b) por reminiscência.
- Praxia ideatória.
6) Funções globais:
- Leitura;
- Escrita criativa;
- Cálculo;
- Conhecimento;
- Abstracção;
- Lógica.
Todos estes aspectos funcionais podem ser reunidos no seguinte modelo de informação esquemático:
ASSOCIAÇÀO
NP OUTPUT i nGemodal intermodel --. I
cmssomodal ntramodal
Figura l02 - Modelo de informação da identificação precoce
Na bàse destes factores e com a aplicação de escalas de valor tridimensional ou pentagonal de sentido eminentemente pedagógico, a identificação precoce
pode equacionar dialecticamente os diferentes tipos de intervenção educacional. Para ilustrar estes princípios, vejamos em seguida alguns modelos de identificação
precoce.
327
INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
ESCALA DE IDENTIFICACÃO DE POTENCIAL
DE APRENDIZAGEM (EIPA)
AO PROFESSOR
Algumas crianças apresentam dificuldades de aprendizagem que as dife renciam de outras crianças da sua classe (ou da sua turma ou grupo). A Escala de Identificação
de Potencial de Aprendizagem (EIPA) foi desenvolvida e construída no sentido de permitir a identificação ou a despistagem precoce e simples de tais crianças.
Só por meio de uma identificação precoce das dificuldades de aprendi zagem das crianças podemos orientar uma intervenção pedagógica adequada às verdadeiras
necessidades das mesmas. Parte-se do princípio de que se deve conhecer na globalidade as crianças, antes de as educar. Conhecer primeiro e educar depois, é o
objectivo pedagógico da EIPA, no sentido de valorizar a intervenção do professor e de optimizar as condições pedagógicas que facilitem a aprendizagem da criança.
O professor terá de identificar a criança em cinco áreas de comporta mento, todas elas relacionadas com os vários factores de aprendizagem: Compreensão
Auditiva, Linguagem Falada, Orienta ão Espaciotemporal, Psicomotricidade e Sociabilidade. A escala está elaborada em cinco categorias, sendo a média de 3.
A classificação de 1 corresponde ao resultado mais baixo, e a de 5 ao resultado mais elevado. A classificação deve ser indicada com um círculo à volta do número
que representa a avalição (ou a observação) do nível de comportamento da criança. Quando se procede à avaliação, apenas uma área de comportamento deve ser considerada.
Não esquecer também que uma criança pode aprender bem numa área, mas apresentar problemas de aprendizagem noutras áreas de comportamento.
A finalidade da EIPA é detectar crianças com problemas e dificuldades de aprendizagem. Não pode ser considerada como indicador de um potencial básico intelectual
baixo, nem como um indicativo de falta de oportunidade cultural. É importantíssimo que se considere a EIPA apenas nos factores de comportamento apresentados e
discriminados na escala.
Antes de utilizar a escala é necessário um estudo detalhado do manual e ao mesmo tempo a criação de condições concretas que permitam longos periodos de observação
das crianças.
328
DESPISTAGEM E IDENTIFICA ÃO PRECOCE DE DIFICULDADES DE APRENDI7AGEM
CARACTERÍSTICAS DE COMPORTAMENTO
1. COMPREENSÃO AUDITIVA
COMPREENSÃO DO SIGNIFICADO DAS PALAVRAS ESCALA
- Nível extremamente imaturo de compreensão 1
- Dificuldade em captar o significado de palavras simples, má compreensão
de palavras do seu nível de escolaridade... . 2
- Boa captação de vocabulário próprio da idade e da escolaridade... ... ... . 3
- Compreensão do vocabulário do seu nível de escolaridade, bem como do
significado de palavras de nível superior... . 4
- Compreensão de vocabulário de nível superior; compreende muitas palavras abstractas... ... 5
EXECUÇÃO DE INSTRUÇÕES
- Incapaz de seguir instruções, confunde sempre... ... ... . 1
- Segue habitualmente instruções simples, mas necessita muitas vezes de
reforço individual 2
- Segue inswções familiares e pouco complexas... ... ... 3
- Segue inswções extensas e prolongadas... . . 4
- Excepcionalmente dotado em lembrar e seguir inswções... ... 5
COMPREENSÃO DE CONVERSAS NA AULA
- Incapaz de seguir e compreender as conversas na aula, sempre desatento. . 1
- Ouve, mas raramente percebe bem, muitas vezes divaga... ... . . 2
- Ouve e segue discussões em conformidade com a idade e o grau de escolaridade. . 3
- Compreende bem; úra conclusões da discussão... ... ... . 4
- Participa nas discussões; mosaa boa compreensão da informação discutida 5
RETENÇÃO DA INFORMAÇÃO
- Pouca capacidade de evocar; fraca memória 1
- Retém ideias simples e inswções, se repetidas... . . 2
- Retenção normal de informação; memória adequada à idade e ao nível de
escolaridade... ... . . 3
- Retém informação de várias fontes, boa evocação quer imediata, quer remota 4
- Memória superior para pormenores de conteúdo... ... . 5
RESULTADO
2. LINGUAGEM FALADA
VOCABULÁRIO ESCALA
- Usa sempre vocabulário pobre é imaturo. . 1
- Vocabulário limitado; substantivos simples, poucas palavras precisas e descritivas... 2
- Vocabulário adequado à idade e ao grau escolar... ... . 3
- Vocabulário acima da média; usa numemsas palavras descritivas e precisas 4
- Altó nível de vocabulááo; utiliza palavras complexas 5
GRAMÁTICA
- Usa frases incompletas com erros gramaticais... ... ... . .
- Usa frequentemente frases incompletas; numerosos erros gramaticais... .
- Construção gramatical correcta; poucos erros no uso de proposições, tempos de verbos e pronomes
329
INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
- Linguagem oral acima da média; raros enos gramaticais
- Utiliza sempre frases gramaticais correctas... ... . .
MEMÓRIA VERBAL
- Incapaz de recordar a palavra exacta...
- Exprime-se com hesitação na uúlização das palavras... ... .
- Ocasionalmente procura a palavra correcta; recorda a palavra adequada para a idade e o grau escolar... ...
- Acima da média, raramente hesita na palavra ...
- Fala sempre bem; nunca hesita nem subsútui palavras .
CONTAR HISTÓRIAS - RELATAR EXPERIÊNCIAS
- Incapaz de contar uma história compreensível...
- Dificuldade de relatar ideias com sequência lógica... ... . .
- Na mbdia, adequado para a idade e o grau escolar
- Acima da média, usa sequências lógicas
- Excepcional, relata ideias de uma maneira lógica e significativa.
FORMULAÇÃO DE IDEIAS
- Incapaz de relatar factos isolados... ... . . 1
- Dificuldade em relatar factos isolados, ideias incompletas e dispersas... ... . . 2
- Frequentemente relata factos com significado e adequados à idade e ao grau
escolar... ... . 3
- Acima da média, relata bem os factos e as ideias... ... ... . 4
- Excepcional, relata sempre factos com propriedade... ... .
RESULTADO
3. ORIENTAÇÃO ESPACIOTEMPORAL
APRECIAÇÃO DO TEMPO ESCALA
- Falha na apreciação do tempo, sempre atrasado ou confuso... ... . . I
- Fraca concepção do tempo, tende a perder tempo, frequentemente atrasado 2
- Apreciação do tempo dentro da média, adequado para a idade... 3
- Pontual, atrasado só com razão justificada... ... . . 4
- Realiza correctamente as tarefas no tempo, bem planeadas e organizadas. . 5
ORIENTAÇÃO ESPACIAL
- Sempre confuso; incapaz de se orientar na escola, no recreio e na vizinhança.
- Perde-se frequentemente em locais relaúvamente familiares... ... ...
- Movimenta-se em locais familiares; capacidade média para a idade... ... .
- Acima da média, raramente se perde ou confunde... ...
- Boa adaptação a novas situações e locais; nunca se perde... ... . .
APRECIAÇÃO DE RELAÇÕES (grande-pequeno; perto-longe; leve-pesado, etc. )
- Apreciações sempre inadequadas... ... .
- Faz apreciações elementares com pouca segurança... . .
- Apreciação m8dia para a idade... ...
- Perfeito, mas não generaliza para novas situações... ... ... .
- Apreciações muito precisas, fora do normal; generaliza para novas situações
APRECIAÇÃO DE DIRECÇÕES
- Altamente confuso; incapaz de distinguir esquerda-direita, norte- sul, este-oeste... ... . .
330
DESPlST AGEM E IDENTIFICA 'ÃO PRECOCE DE DIFICULDADES DE APREN DI?rlGEM
- Apresenta-se algumas vezes confuso 2
- Dentro da média, usa a noção de esquerda-direita, norte-sul, este- oeste... . . 3
- Bom sentido de orientação; raramente confuso 4
- Excelente sentido de orientação... ... 5
RFsur rAno 0
4. PSICOMOTRICúlADE
EQUÚ. IBRIO . ESCALA
- Mau equflibrio... . 1
- Contmlo abaixo da média. . 2
- Controlo médio para a idade 3
- Contmlo acima da média em acúvidades de equilfbrio 4
- Excelente equil rio (uni e bipedal). 5
COORDENAÇÃO GERAL (andar, correr, saltar, trepar)
- Coordenação muito pobre, movimentos pesados e exagerados. .
- Abaixo da média, desajeitado... ... ... . .
- Dentro da média, ágil... ... ...
- Acima da média, boa realização nas actividades motoras... ... ... .
- Coordenação excelente... ... . .
DESTREZA MANUAL (motricidade fina)
- Destreza manual imperfeita 1
- Desajeitado, abaixo da módia em práxias finas 2
- Destreza adequada para a idade, boa manipulação ... . 3
- Destreza acima da mbdia. . , 4
- Destreza excelente; rápida manipulação com novo material... 5
RESULTADO 0
5. SOCIABILmADE - SOCIALIZAÇÃO
(desenvolvimento pessoal-social)
COOPERAÇÃO ESCALA
- Intenupções contínuas na sala de aula; incapaz de inibir e controlar respostas... . I
- Perdas frequentes de atençao, frequentes mtervençoes fora da sua vez... 2
- Espera a sua vez; comportamento adequado às suas idade e escolaridade. . 3
- Acima da média; coopera bem... ... . . 4
- Excelente aptidão; coopera sem o reforço do adulto. . 5
ATENÇÃO
- Nunca está atento; muito distraído e hiperactivo... ... 1
- Raramente ouve; atenção frequentemente alterada... ... 2
- Atenção adequada à idade e à escolaridade. 3
- Atenção acima da módia; quase sempre atento e concentrado. . 4
- Sempre atento nos aspectos importantes; longo perfodo de atenção... ... . 5
ORGANIZAÇÃO
- Bastante desorganizado; muito desleixado... 1
- Frequentemente desorganizado na maneira de trabalhar; inexacto e descuidado... . . 2
331
INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSlCOPEDAGf7GICA
- Mantém uma organização média de trabalho; cuidadoso. .
- Acima do nível médio de organização; organiza e completa bem as ta4
- Bfm organizado; realiza tarefas com meticulosidade adequada . . 5
SITUAÇÕES NOVAS (festas, viagens e mudanças de rotina) I
- Extremamente excitável; perde totalmente o seu controlo 2
- Hiper-reacções frequentes; dificuldade em enfrentar situações novas. . 3
- Adaptação adequada para as suas idade e escolaridade... 4
- Adaptação fácil, rápida, com confiança 5
- Excelente adaptação; manifesta iniciativa e independência
ACEITAÇÃO SOCIAL 1
- Rejeitado pelos outros
- Tolerado pelos outros 2
- Aceite pelos outros; comportamento adequado às suas idade e escolaridade 3
- Bem aceite pelos outros... . . 4
- Procurado pelos outros... 5
RESPONSABlLIDADE
- Rejeita a responsabilidade, nunca toma a iniciativa... ... 1
- Evita a responsabilidade; aceitação limitada do papel adequado à idade . 2
- Aceita a responsabilidade adequada à sua idade e escolaridade. . 3
- Responsabilidade acima da média; gosta da responsabilidade, tem iniciat iva e é voluntário. . 4
- Procura responsabilidade; quase sempre toma iniciativa com entusiasmo. 5
CUMPRIMENTO DE TAREFAS
- Nunca acaba mesmo com ajuda... . 2
- Algumas vezes termina, mas com ajuda
- Realização adequada das tarefas; finahza as tarefas... ... 3
- Realizaçâo acima da média; completa as tarefas sem pressa 4
- Completa sempre as tarefas sem supervisão... . 5
AJUSTAMENTO - DISCERNIMENTO 1
- Sempre impertinente
- Desrespeita os sentimentos alheios... 2
- Discernimento médio; por vezes comportamento social desajustado... 3
- Adaptado socialmente; comportamento raramente desajustado. . 4
- Sempre adaptado; comportamento nunca é desajustado RESULTADO
A EIPA pode resumir-se ao modelo neurológico, que traduz objectiva mente o conjunto das pré-aptidões necessárias às aprendizagens simbólicas.
A EIPA pode surgir mais simplificada. De uma escala de cinco parâmetros qualitativos, pode passar a três, podendo inclusivamente integrar outras
áreas as da criatividade e da psicomotricidade.
A EIPA pode, então, transformar-se, como ficha de identificação precisa, numa verdadeira f lcha de observação psicopedagógica de alguma utilidade
clínica, podendo inclusivamente servir como escala de expectativas, quer para educadores e professores, quer para os próprios pais.
332
DESPISTAGEM E IDENTIFICA ÃO PRECOCE DE DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM
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333
INSUCESSO ESCOIAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
FICHA DE OBSERVAÇÃO PSICOPEDAGÓGICA
NOME:
FASE DE APRENDIZAGEM: ---PE ODO DE OBSERVAÇÂO:DATA DE OBSERVAÇÃO: -/ -/ - DATA DE NASCIMENTO: -/ --/Informações relevantes:
IDADE
anos meses
Escala de pontuação
1- Dificuldades; 2 - Evolução satisfatória; 3 - Boa evolução
(áreas fracas) (áreas hesitantes) (áreas fortes)
C ) C ) (+)
ÁREAS DE COMPORTAMENTO
I. COMPREENSÃO AUDITIVA
1. 1- Compreensão do significado das palavras 1 2 3 1. 2 - Seguir instruções... ... . 1 2 3 1. 3 - Compreensâo de conversas 1 2 3 1. 4 - Memória auditiva...
. . 1 2 3
2. LINGUAGEM FALADA
2. 1-Vocabulário. . I 2 3
2. 2- Organização de frases I 2 3
2. 3- Contar histórias... ... . 1 2 3
123
2. 4- Informação...
2. 5- Formulaçao de ideias (ideação) 1 2 3
2. 6- Comunicação verbal... I 2 3
3 - ORIENTAÇÃO NO ESPAÇO
3. 1- Orientação espacial... 1 2 3 3. 2 - Julgamento de noções: pequeno/grande; perto/longe, pesado/leve, à frente/
. 1 2 3 /atrás; etc...
3. 3 - Representaçâo espacial... ... . 1 2 3
334
DESPISTAGEM E IDENTIFICAÇ'ÃO PRECOCE DE DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM
4. PSICOMOTRICIDADE
4. 1 -Equih'brio ... ... 1 2 3
4. 2 - Coordenação geral (andar, correr, saltar, trepar, etc. ) ... ... 1 2 3
4. 3 - Noção do corpo. . , ... 1 23
4. 4 - Lateralidade (relação esquerda/direita) FJD. . ... . 1 2 3
4. 5 - Manipulação de objectos. ... ... I 2 3
4. 6 -Grafismo ... . 1 23
4. 7 - Receber e passar (exemplo; receber e passar ou atirar unia bola ou um
objecto). ... . 1 23
5. CRIATIVIDADE
5. 1 - Curiosidade... ... . . ... 1 2 3
5. 2 -Exploraçao ... . 1 23
5. 3 -Espontaneidade... ... 1 2 3
5. 4 -Dramatização... . . ... . . 1 2 3
5. 5 -Modelação ... . . 1 23
5. 6 - Pintura e desenho imaginativo... ... . ... 1 2 3
5. 7 - Invenção de histórias... ... . . ... . . 1 2 3
6. COMPORTAMENTO SOCIAL
6. 1 -Cooperaçao ... . 1 2 3
6. 2 -Atenção. . ... 1 23
6. 3 -Independência... . ... . . I 2 3
6. 4 -Organizaçao ... . . 1 2 3
6. 5 - Adaptação a novas experiências... ... ... . 1 2 3
6. 7 - Aceitação social no grupo . . 1 2 3
6. 8 - Relação com o adulto... ... ... . 1 2 3
6. 9 - Noção de responsabilidade ... 1 2 3
6. 10- Finalização de tarefas... . . ... . 1 2 3
6. 1I - Agressividade... . ... . 1 2 3
6. 12- Impulsividade... ... ... . 1 2 3
6. 13- Inibição. . . . 1 2 3
TOTAL DE PONTOS
Rubrica do observador
A ficha a seguir apresentada é mais uni outro modelo de identifcação precoce, que pode também ser implementado para o ènsino pré-primário.
335,
INSUCESSO ESCOlAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
FICHA DE IDENTIFICAÇÃO PRECOCE DE DIFICULDADES
DE APRENDIZAGEM PARA O ENSINO PRÉ-PRIMÁRIO
NOME: DATA DE NASCIMENTO: -/ -/HISTÓRIA ESCOLAR: 1 ANO D; 2 ANOS 0; 3 ANOS 0
DATA DE OBSERVAÇÃO: / /OBSERVAÇÕES COMPLEMENTARES:
IDADE
anos meses (Riscar o que não interessa)
1. FACTORES VISUOMOTORES E PSICOMOTORES
1. 1- Ata os atacadores dos sapatos... ... ... ... Sim Não
1. 2- Veste-se independentemente... . ... ... ... Sim Não
1. 3- Consegue fazer riscos entre duas linhas ... ... ... . Sim Não
1. 4- Consegue colorir figuras simples... ... . . ... ... ... Sim Não
1. 5- Consegue apanhar e atirar uma bola... . . ... ... ... Sim Não
1. 6- Consegue deslocar-se ao pé- coxinho ... ... ... Sim Não
1. 7- Reconhece as partes fundamentais do corpo (cabeça, tronco, braços,
mãos, pernas, pés, etc. )... ... ... . . ... ... ... . Sim Não
2. FACTORES DE COMPORTAMENTO ESCOLAR
2. 1- Escreve o nome em letras maiúsculas ou em letras minúsculas... ... ... ... ... Sim Não
2. 2- Consegue identificar as letras do seu nome... ... . ... ... ... . Sim Não
2. 3- Consegue idenúficar a maioria das letras do alfabeto... ... . ... ... ... . Sim Não
2. 4- Consegue identificar os números de 0a 9... ... . . ... ... ... . Sim Não
2. 5- Reconhece a maioria das cores (vermelho, amarelo, azul, verde, laranja,
e lilás)... ... . ... ... . . Sim Não
2. 6- Reconhece as preposições (em cima, em baixo, ao lado, à frente,
atrás e enue) ... ... ... . Sim Não
2. 7- Sabe a morada... ... . . Sim Não
2. 8- Reconhece a sua mão esquerda e a sua mão direita... ... . ... ... ... Sim Não
2. 9- Reconhece e desenha figuras geométricas simples (círculo, triângulo
e quadrado) ... ... ... . . Sim Não
FACTORES DE COMPORTAMENTO SOCIAL
3. 1- Consegue fazer recados simples... ... ... ... ... . . Sim Não
3. 2- Consegue seguir orientações pequenas e simples ... ... ... . Sim Não
3. 3- Trabalha independentemente em tarefas simples ... ... . . Sim Não
3. 4- Tem boa relação com crianças da sua idade... ... ... ... Sim Nâo
3. 5- Tem boa relação com o adulto ... ... ... . Sim Nao
Totais: Sim Não
Rubrica do observador
336
DESPISTAGEM E IDEMIFICAÇ ÃO PRECOCE DE DIFICULDADES DE APRENDl7 AGEM
FICHA DE IDENTIFICAÇÃO DE DIFICULDADES
DE APRENDIZAGEM PARA O PROFESSOR PRIMÁRIO
NOME DO ALUNO: DATA DE NASCIMENTO: -/HISTÓRIA ESCOLAR: 1 ANO 0; 2 ANOS 0; 3 ANOS D
OBSERVAÇÕES :
DATA DE OBSERVAÇÃO:
Nuaca Às vergs fiequenu/ Sempre
'J'U 1 2 3 4
Lê palavra a palavra... . .
Leitura inferior ao nível da classe... ... ...
Pronuncia mal palavras
Dificuldade na produção de vogais... ... ... . . Confunde associação som/símbolo... ... ...
Não rima palavras... ... . Não recorda palavras... . . Troca palavras na leitura
Inclina-se para a frente enquanto lê... ... .
Sai do lugar quando lê. . Escreve o que leu... ... ... .
ESCRITA
Prefere pintar...
Dificuldade em seguir o traço pedido... ... . . Inclina-se para a frente enquanto escreve. . Não copia do quadro para o papel... ... ... . Copia as letras numa
orientação errada... . . Não desenha formas geométricas básicas. . lnclina demasiado as letras/palavras... ... .
Espaços inapropriados entre letras
Mantém a cabeça numa posição incorrecta enquanto
escreve
Esquece formação das letras/palavras... ... . Dificuldade em escrever nas Gnhas... ... ... . Segura no lápis inapropriadamente... ... ... . Troca palavras/leaas
enquanto escreve... .
CÁLCULO
Não conhece as horas... . Não conhece os minutos
337
INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGlCA
Dif. correspondência um a um... . Nunca Às vezes Frequente/ Sempre
Não recorda números até 10... ... . . 1 2 3 4
Não recorda números até 20... ... .
Aritméúca inferior ao nível da classe... ... .
Usa dedos ou objectos para contar
DITADO
Incapaz de desenhar figura humana em proporção. . Coloca as letras fora de ordem quando ditadas... ... .
Esquece rapidamente palavras ditadas... ... .
Escreve palavras de duas maneiras diferentes no mesmo
texto.
Confunde os sons das si abas... .
Ortografa inferior ao nível da classe... ... ...
Tem problemas de linguagem (pronúncia, articulação,
substituição). .
OUTRAS OBSERVAÇÕES PEDAGÓGICAS
Desenho pobre.
Usa palavras incorrectamente... . .
É desajeitado...
Faz trabalhos com má apresentação... ... .
Baixo nivel frust. racional Irrita-se facilmente... ... Chora facilmente... ...
Fracas relações de amizade... ... . .
Não reconhece esquerda/direita em si... ... .
Não reconhece esquerda/direita nos outros, nos objectos
e nas imagens
Apresenta coordenação (global e fina) pob
É desatento e hiperactivo... ... ... . .
Distrai os outros... ... ... ...
É rígido fisicamente e tenso em termos tonicocorporais
(hipertónico)...
Usa altemadamente as duas mãos para as actividades. .
TOTAL DE PONTOS... . .
Rubrica do observador
338
DESPISTAGEM E IDENTIFICA ÃO PRECOCE DE DIFICUI. IlADES DE APRENDl7 4GEM
Paralelamente à apresentação destas fichas de trabalho, a identificação precoce pode ainda incluir outras vantagens, nomeadamente as seguintes:
1) Orientação de pais;
2) Detecção de sinais que escapam ao exame médico e psicológico e que têm importância para o processo dialéctico da aprendizagem;
3) Predicção do potencial de aprendizagem visando a sua maximização; 4) Recomendação edùcacional precoce;
5) Experimentação de processos de cooperação e de formação interdisciplinar entre vários técnicos;
6) Evolução e desenvolvimento de processos e métodos pedagógicos; 7) Prevenção de problemas de desenvolvimento;
8) Diminuição da dispedagogia, reduzindo o abismo entre o que o professor oferece e aquilo que a criança pode revelar;
9) Investigação sobre as variáveis receptivas, integrativas e expressivas da aprendizagem;
10) Formulação de objectivos pedagógicos para satisfazer as necessidades da criança compensando as áreas fracas e reforçando as fortes, etc.
Não é demais salientar a importância da identificação precoce, não só porque desencadeia uma enormidade de acções de inovação, que são fundamentais num
sistema de ensino mais democraúzante, mas também porque pode proporcionar, nos períodos mais relevantes, a reunião em tempo útil das condições mínimas necessárias
ao desenvolvimento global da personalidade das crianças em situação de aprendizagem mais sistemática.
A identiócação precoce deve ser simultânea com uma intervenção precoce, que possa implicar a modif, cabilidade do potencial de aprendizagem, intervindo
no desenvolvimento da cognição, da psicomotricidade, da socialização, da linguagem e da maturidade global requeridas para as aprendizagens escolares simbólicas.
A intervenção, quer em medicina, quer em educação, é tanto mais eficiente quanto mais cedo for posta em práúca.
A intervenção, consequência de uma identificação precoce, pode evitar os efeitos do falhanço ou do insucesso escolar, atendendo às causas múltiplas e
adoptando medidas de prevenção adequadas.
Independentemente de não existir acordo sobre a definição e o âmbito da DA, não é justo proporcionar às crianças, logo no início da sua carreira educacional,
uma experiência gerante de inadaptações múltiplas. É necessário, na nossá óptica prevenúva, detectar ou identificar crianças, mesmo que apresentem um nível de
realização normal nalgumas áreas de aprendizagem, mas que possam no entanto, paralelamente, apresentar baixos níveis de realização noutras, particularmente nas
funções psicológicas de processamento de informação (cognitivas e linguísúcas), que são mais significativas para uma evolução escolar normal.
339
INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
A identificação precoce das DA não pode ficar por intenções, muitas vezes assinaladas por negligências e ignorâncias que persistem dramaticamente e podem
condicionar a evolução cognitiva de muitas crianças. A identificação precoce não pode realizar-se em termos casuais circunstanciais ou assistemáticos, não pode
persistir acientífica ou desumana.
A identificação das DA, nalguns casos, não oferece problemas pela sua obviedade; porém, noutros casos, só por investigações, que urge desenvolver longitudinalmente,
se pode atingir uma identificação mais rigorosa. O diagnóstico grosseiro é perigoso, assim como uma identificação baseada em empirismos; daí que ele se tenha de
basear em investigações mais criteriosas e intensivas. Efectivamente, quanto mais se souber de um dado domínio da aprendizagem, mais significado se irá dando
a determinados sinais, sinais que actuam eomo avisos ou alertas e que podem ser modificados, desde que se equacione alternativas educacionais a tempo. Quanto
mais estudos práticos, tanto mais facilmente se chegará aos sinais que prevejam ou induzam DA no futuro. Atribuir-se-á assim o valor e a importância que é necessário
reconhecer em tais sinais, podendo, a partir daí, determinar a natureza dos problemas condicionantes da aprendizagem das crianças.
O progresso em DA tem muito a ver com o progresso dos meios de identificação e de diagnóstico precoce, ou seja, com a evolução pré-escolar. Sem tal esforço,
que caberá à investigação psicopedagógica, deixamos escapar sinais e problemas de difícil solução no fim do ensino primário ou no preparatório.
A fmalidade da identificação precoce não pode ser confundida com mais uma situação de alarme ( etiqueta" ou rótulo) para os pais, para os educadores
ou para os professores. O flm deve ser outro: compreender a criança na sua totalidade, estudar o seu perfll intraindividual, diferenciar as suas áreas fortes,
hesitantes e fracas e desenhar um programa educacional individualizado (PEI). Parece que nesta abordagem a problemática da identificação precoce só interessa aos
educadores, mas a nossa perspectiva engloba também os sectores médicos e psicológicos, que por vezes deixam escapar sinais de risco. Em certa medida, a identificação
precoce, quando implementada, não pode esquecer a sua componente de formação em exercício, que urge implementar em médicos, psicólogos e professores ligados
à educação.
A adopção de atitudes de deixar andar esperar e ver; dê tempo ao tempo" a criança há-de falar e de aprender" são por vezes comuns, deixando passar
o período precioso durante o qual seria mais eficaz intervir.
A localização e a identiftcação de sinais de risco devem sugerir medidas de intervenção dos meios médicos (pediatras, enfermeiros, etc. ) e educacionais
que obviamente se devem coordenar mais adequadamente. Não interessa enviar as crianças aos serviços quando se pensa que já nada se pode fazer por elas.
340
DESPISTAGEM E IDENTIFICA(ÃO PRECOCE DE DIFICUl. IlADES DE APRENDl7 AGEM
A identificação deve ser vista como uma despistagem epidemiológica, evitando que inúmeras crianças fiquem desamparadas e sem apoio, sujeitas à arbitrariedade
do sistema de ensino e à negligência de alguns professores. Há muitas mais crianças que necessitam de apoio do que aquelas que o recebem, e tal é tão válido para
as crianças deficientes como para as crianças com DA.
A identificação (screening), amplamente desenvolvida em múltiplos sectores da saúde, necessita de ser igualmente aplicada, em tennos de rotinas de subrotinas
psicológicas, ao campo de educação, especialmente nas primeiras estruturas materno-infantis, nos jardins de infância, no ensino pré-primário e na primeira fase
do ensino primário.
A organização e a coordenação de serviços, a aplicação de medidas preventivas e a adopção de modelos de identificação de simples e económica aplicação devem
estar associadas a processos de encaminhamento e de intervenção, que obviamente devem ser planif, cados a nível nacional, regional e local. Saber se a criança
precisa de um diagnóstico mais diferenciado e intensivo ou se precisa de serviços adicionais mais elaborados pode ser muito importante para o seu futuro desenvolvimento
biopsicossocial.
A identificação precoce não pode ser vista como mais uma medida sofisticada ou supértlua. Em termos de objectivos sociais, a identificação precoce pode
salvar tempo e dinheiro, pelo que em si constitui uma medida de intervenção mais económica e mais socializadora.
A identificação precoce, na nossa perspectiva, pressupõe que o problema pode ser modificado como resultado da aplicação, a tempo, de programas educacionais
individualizados. Efectivamente, quanto mais cedo se intervir, melhor, na medida em que se joga com maior potencial do desenvolvimento adaptativo das crianças
em termos neuropsicológicos e porque também aí se pode modificar em melhores condições o próprio envolvimento familiar. Quanto mais precocemente se intervir, mais
processos de compensação adaptativa se operam, como atestam os estudos de psicologia do desenvolvimento. Quanto mais precoce a intervenção, maior e mais fácil
será a apropriação das aquisições motoras, linguísticas, emocionais e cognitivas etc. , visto obedecerem com maior precisão à hierarquia do desenvolvimento humano.
Porque algumas aquisições devem ser aprendidas antes de outras (Piaget, Myklebust, Guilford, Vygotsky, etc. ), pela mesma ordem de ideias, e à medida que o
tempo passa, tanto maior será a distância que separará as crianças com possíveis DA dos parâmetros adequados de tal hierarquia.
Para além deste objectivo da identificação precoce, não podemos apenas implementá-la, sem a relacionar, em termos de serviços psicopedagógicos, com meios
de diagnóstico mais intensivos e aprofundados, bem assim como meios de acompanhamento longitudinal, a que se deverão seguir, naturalmente, as aplicações de programas
educacionais de facilitação e enriquecimento motores, sensoriomotores, da linguagem e da comunicação, de
341
INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
processos de modificação de comportamento, de programas de desenvolvimento perceptivo e cognitivo, de programas de aprendizagem das pré-aptidões da leitura, da
escrita, do cálculo, etc. , etc.
A aplicação de programas educacionais individualizados (PEI) implica que, ao nível da escola regular, se adopte estratégias e actividades inter e intracurriculares,
visando inclusivamente uma participação mais cooperante entre os vários professores e entre os próprios pais.
A individualizaçâo não é, por conseguinte, sinónimo de um professor para cada criança. Longe disso.
A individualização advém da aplicação da identificação precoce. A individualização envolve, portanto, uma melhor programação e uma melhor planificação
de situações e de materiais, com a simples fmalidade de ajustar as condições do programa (condições exteriores) às aptidões da criança (condições internas). A
individualização é, em si, um processo de inovação e de personalização. De inovação, porque implica uma nova forma de intervenções psicopedagógica e de gestão
e uma categorização do material didáctico e das ajudas de ensino. De personalização, na medida em que o programa educacional só é desenvolvido com base nas características
das personalidades das crianças, i. e. , é centrado nas suas necessidades educacionais específicas (NEE).
Na individualização, deve-se começar pelo nivel básico de adaptaÇão das crianças. Deve-se começar por qualquer actividade que retrate inequivocamente uma
das suas áreas fortes. A escolha de uma actividade em que a criança possa aprender sem insucessos é crucial e fundamental; por esse facto, as situações a seleccionar
deverão ser altamente motivadoras. A apresentação das tarefas deve surgir de uma forma hierarquizada e sistematizada, reforçando e recompensando, de sucesso em
sucesso, todos os passos do programa educacional individualizado.
A identificação precoce, concebida nestes princípios, leva necessariamente à criação de novos métodos de ensino, com planos mais detalhados e específicos
e com estratégias pedagógicas alternativas. Trabalhando com objectivos, adoptando meios pedagógicos operacionais e apontando se os objectivos estão ou não a ser
atingidos, estaremos, provavelmente, mais próximos de cada criança, e mais aptos a satisfazermos as suas necessidades, na medida em que poderemos acompanhar
a sua evolução e introduzir, com mais eficácia, melhores processos identificadores e modificabilizadores do seu potencial de aprendizagem.
A prevenção das DA é possível e é necessária. Prevenindo problemas e despesas futuras, eliminando as condições desfavoráveis que podem agravar o potencial
de aprendizagem e de desenvolvimento das crianças, podemos pôr em prática em algumas das medidas mais correntes de ajustamento social, às quais o sistema de ensino
não poderá deixar de responder. O sistema de ensino não pode continuar a aguardar pelo insucesso escolar das crianças, nem a esperar por comportamentos e condutas
desviantes ou incontroláveis.
342
DESPISTAGEM E IDENTIFIC A tlO PRECOCE DE DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM
I A identiflcação não é uma cura dessas condutas, mas, desde que seja bem
aplicada, é óbvio que ela minimiza efeitos secundários que se podem reflec tir quer socialmente, quer educacionalmente.
Vejamos a nível mais pragmático a sequência de acções e de estratégias
que a identificação precoce encerra:
Identificação precoce
das necessidades específicas _
1
das crianças com DA i
I
Aceitação da DA
1 I
Investigação sobre Identificação
a DA da DA por --/
áreas e subáreas
DA identificada
i Intervenção
e DA não
reavaliação
identificada
Sucesso
L - - J Insucesso
g g
Fi ura 104- Estraté ias de identifcação precoce
343
INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
A dialéctica da aprendizagem humana é muito complexa; daí que o con ceito de DA esteja já provavelmente ultrapassado, na medida em que ele integra, no
seu seio, um conceito de dificuldades de ensino (DE). Ao professor cabe ver o que ele oferece; ao educando, o que ele pode fazer.
É preciso, pois, conhecer a criança no seu todo, é imprescindível que o professor conheça o nível de funcionamento de cada criança, porque se o ignorar,
certamente que dessa condição advirão DA. As DE (dificuldades de ensino) ou dispedagogia são, em muitos casos, as causas das dislexias e discalculias (DA); há
que reconhecê-lo, há que deixar de abusar do poder do adulto sobre a criança; daí também uma das razões vitais da edificação de medidas de identificação e de intervenção
precoce.
Como temos vindo a defender, a despistagem ou a identificação precoce de DA sugere a criação de métodos, programas e processos pedagógicos a adoptar no
seio da própria classe. Dentro deles devemos mencionar fundamentalmente a análise de tarefas (task analysis), a educaÇão de aptidões (training abilities), para
além da estimula ão das modalidades psiconeurossensoriais (modality systems) e da utilização do ensino clínico (clánical teaching).
Todos estes métodos procuram reunir os postulados da investigação pedagógica, servindo como alicerces da identificação e como dados de planificação da intervenção.
Tais postulados devem ser discriminados nos seguintes princípios :
1) Individualização do problema;
2) Educação adequada ao perfil intraindividual das dificuldades; 3) Análise do tipo de dificuldades, isto é verbal ou não verbal, intra ou
interneurossensorial;
4) Níveis de adaptação e de prontidão;
5) O input precede o output (exemplo: a compreensão auditiva precede a expressão verbal);
6) Educação adequada aos níveis de tolerância, isto é, ter em linha de conta o biorritmo atencional preferencial da criança, bem como os
seus níveis de motivação;
7) Estimulação multissensorial;
8) Educação adequada às dificuldades e às integridades;
9) Trabalho perceptivo ao nível da discriminação, da identificação, da imagem, da memória e da simbolização, quer auditiva, quer visual;
10) Controlo das variáveis de espaço e tempo que possam maximizar a atenção e todos os processos cognitivos subsequentes do processo de aprendizagem.
Tomando em consideração todos estes aspectos, podemos, por um lado, evitar o perigo de perspectivas exclusivamente somáticas e estereotipadas, e por
outro impedir que a escola imponha exigências que ten
344
DESPISTAGEM E IDEMIFICA ÃO PRECOCE DE DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM
dem a gerar a inadaptação escolar e a revelar os problemas das crianças em vez de os compensar através da modificação de práticas educacionais (Kirk 1926).
Em educação, a criança não pode continuar submetida à autoridade dos métodos. A educação deve partir do todo biopsicossocial da criança, fazendo
com que ela supere as suas dificuldades e se transforme num futuro cidadão livre, disponível e culto, verdadeiramente integrado no seu contexto social.
345
caPfrui. o 9
DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM E APRENDIZAGEM
As perspectivas sobre as DA são inúmeras. Vejamos agora outra dimensão da problemática da aprendizagem humana.
Podemos considerar que vivemos num período de inadaptações escolares, situação esta que aumenta de importância com a expansão e a democratização do ensino.
A epidemia das dificuldades de aprendizagem (DA) projecta-nos não só em problemas pedagógicos, mas também em problemas organizacionais, económicos e sociais.
Vivemos numa sociedade competitiva, onde o diploma é sinónimo de salvo conduto e de sobrevivência social. O êxito escolar impõe-se como uma hiperexigência dos
pais e, muitas vezes, como um meio de promoção profissional dos professores. A sociedade impõe à instituição escolar uma dimensão produtiva, onde a matéria-prima
é a criança e o instrumento de produção o professor. Ambos são vitimas de um sistema social que se exige transformar e permanentemente adaptar a novas exigências
e novos desafios sociais.
A sociedade competitiva paga mais salário ao individuo mais instruido, quem aprende mais ganha mais; por isso, a escola surge-nos como centro de contradições
que a colocam num ponto privilegiado do sistema, dado que ela tem estado ao serviço de processos de selecção social, não só através dos programas e das metodologias,
como fundamentalmente por meio dos seus processos segregacionistas de avaliação. A escola desenvolve as noções de Kaluno perfeito" e de génio", que constituem
aspirações de pais e professores. Tal vertigem do sucesso vai concretizar-se sob a forma de processos pedagógicos que mais não são do que repressões ideológicas
que se repercutem nos seres mais desfavorecidos e sensíveis, como são as crianças.
As cáusas das DA, nomeadamente da dislexia (dificuldades de leitura), da disgrafia (da escrita), da disortografia (da formulação de ideias e da sua expressão
ortográfica) e da discalculia (do cálculo ou da aritmética) são fundamentalmente sociais. Embora haja a diferenciar causas endógenas e exógenas, e endo-exógenas,
umas por dificuldade de processar a
347
INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
informação, outras por problemas de motivação e por processos disfuncionais interdependentes. O desfasamento social, a violência e os traumatismos provocados
pela sociedade de consumo geram desajustamentos afectivos e privações de desenvolvimento que se reflectem na maturação global da criança e na sua prontidão para
a aprendizagem.
A criança que comece a levantar problemas escolares é tradicionalmente segregada, precocemente segregada. Para além de ser umaferida narcisica do professor,
ela também gera, necessariamente, desequilibrios familiares. Os pais colocam na escola a solução dos seus problemas, ambáguidades e aspira ões e os professores
fazem da crian a um objecto colonizado e esta, como ser mais desprotegido, sofre as consequências desta inflação de inadaptações sociais. A criança com dificuldades
escolares é o sintoma patológico de uma sociedade em desagregação e que, ainda por cima, se encontra sujeita a uma dupla repressão ideológica. De um lado, o
mito fascinante da familia, associado às tradicionais superexigências ou aos habituais conformismos desinteressados. Do outro, a escola que importa modelos pedagógicos
e que avalia o comportamento da criança por meio de instrumentos quefavorecem os vários tribalismos sociais. A escola e o professor como seu agente, ao invés de
compensarem as múltiplas desigualdades sociais, podem, pelo contrário, requintar a divisão de oportunidades, isto é, dividir os que sabem ler dos que não sabem
ler, podendo estes só por si ficar condenados à incultura, à ignorância, ao analfabetismo e à exploração se não forem tomadas medidas de reorganização da aprendizagem.
Não é por acaso que a maior percentagem de dificuldades escolares recai em crianças que vêm de meios socioeconómicos desfavorecidos. Será porque o professor pertence
à classe média, que ele desenvolve, inconscientemente, simbolismos de classe?
As aprendizagens escolares surgem à criança comofantasmas repressivos ue vão desaguar numa multiplicação assustadora dos fracassos escolares. E interessante
notar que o inêxito escolar é um passaporte para a delinquência e para as condutas sociopatológicas. O denominador comum dos delinquentes é a imagem aflitiva e
atribulada que a es ola lhes deixou no passado. A inadaptação escolar é o primeiro passo para uma perturbação mental e, por isso mesmo, assume a característica
de um perigo social. Não restam dúvidas de que o inêxito escolar é um perigo, não só no plano pessoal, social e económico, mas também nos planos educacional
e cultural. Para já, podemos tirar uma ilação: o êxito escolar é um sinal de higiene mental; êxito na escola quer dizer, quase sempre, êxito na vida social.
A escola não pode fazer milagres - ela é o reflexo de um sistema social que a limita e a condiciona. Não há dúvida de que desde que a criança nasce até
que entra para a escola, inúmeras desigualdades biossociais irão afectar o seu desenvolvimento motor, perceptivo, linguístico, cognitivo e social, acabando
por reflectir-se nas aprendizagens da leitura, da escrita e do cálculo. Para que uma criança aprenda, é necessário que se respeite várias integridades funcionais,
nomeadamente: o desenvolvimento perceptivomotor e a matu
348
DIFICULDADES DE APRENDl7 AGEM E APRENDIZAGEM
ração neurobiológica, para além de inúmeros aspectos psicossociais, como sejam: oportunidades de experiência, exploração de objectos e brinquedos, assistência
médica, nível cultural, estilo de mediatização, etc.
O estrangulamento do espa o habitacional e residencial, a inexistêneia de equipamento ludicossocial, o abandono a que é deixada a maioria das crianças
não só as privam da apropriação da experiência social, como as podem limitar no seu desenvolvimento global. Todos estes aspectos apontam para a necessidade de
um ensino pré-primário como direito fundamental que se deve impor à construção de uma sociedade mais justa. Só o ensino pré-primário poderia atenuar as grandes
desigualdades de desenvolvimento que se diferenciam cada vez mais com a idade. Muitas crianças chegam no primeiro dia à escola sem o desenvolvimento de determinados
aspectos essenciais, como sejam: a aquisi_ ção de automatismos motores, as coordenações da mão com a visão, a
eonsciência da sua lateralidade (que é essencial para a orientação espacial e para o desenvolvimento neurológico da linguagem), a noção do seu corpo, isto
é, do seu eu integral, e outros tantos aspectos do comportamento psicomotor e emocional que são necessários para as aprendizagens escolares.
Como se pode então realizar uma ampla prevenção das dificuldades escolares?
À guisa de introdução, as dificuldades de aprendizagem estão, por natureza, ligadas à inadaptação escolar, que surge como um reflexo da democratização
do ensino (que não é sinónimo, acrescente-se, de democratização socioeconómica e sociocultural).
A aprendizagem escolar está muito ligada a uma atitude selectiva da sociedade, que se reflecte na própria prática pedagógica do professor e na ansiedade
dos pais. Se a criança não alcança o êxito escolar, logo se suspeita de alguma disfunção cerebral ou, eventualmente, de algum problema de maturação do sistema
nervoso.
A visão patológica do problema merece-nos várias reservas; no entanto, parece apontar um rumo necessário ao estudo da adaptação e da inadaptação
escolar. Só pela perspectiva psicopatológica podem ser detectadas as discrepâncias de aprendizagem que nos poderão fornecer instrumentos preventivos.
Para além dos problemas de inêxito escolar estarem dependentes de uma análise crítica dos contextos socioeconómicos e socioculturais das familias
das crianças, não restam dúvidás de que o estudo da neuropsicologia da aprendizagem se torna evidente para a compreensão de um fenómeno tão complexo como é a aprendizagem
humana.
Devemos combater a inflação das dificuldades de aprendizagem e para tanto é fundamental analisar o problema de fundo.
i As condições psiconeurológicas da aprendizagem, como vimos noutros capítulos, podem esclarecer-nos acerca da razão da disfunção e da adaptação
349
INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
a que certas crianças estão sujeitas. A aprendizagem não é uma aquisição puramente instrumental - ela encerra em si uma significação pessoal e social que não se
pode esquecer.
Atingir o sucesso na aprendizagem exige a satisfação de determinadas integridades básicas. A criança aprende normalmente quando certas condições estão presentes
e quando são proporcionadas oportunidades adequadas.
Três tipos de integridades devem ser considerados:
1) Factores psicodinâmicos e sociodinâmicos; 2) Funções do sistema nervoso periférico (SNP); 3) Funções do sistema nervoso central (SNC).
INTEGRIDADES DA APRENDIZAGEM
Factores psicodinâmicos e sociodinâmicos
As dificuldades de aprendizagem devem ser equacionadas em termos de envolvimento psicogenético, sendo assim penetradas por problemas de motivação e de ajustamento.
Destes aspectos ressalta o problema da identificação (Piaget 1950 e Erickson 1950), na medida em que a criança desenvolve a sua comunicação total, verbal e não
verbal, em função do modelo de identificação dos pais, especialmente da mãe (Spitz 1963).
350
Figura 105 - Integridade da aprendizagem
DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM E APRENDIZAGEM
A linguagem é talvez o primeiro acto expressivo distintamente humano e social que nos coloca na problemática da identificação, visto que é materializada
em primeiro lugar pela compreensão auditiva.
Para que a criança se exprima pela linguagem é necessário que se observe uma hierarquia da identificação, isto é, a criança tem de ouvir e compreender
primeiro as palavras emitidas pelos adultos e só depois exprimir--se por meio delas. Da mesma forma que tem de aprender primeiro a ler e só depois exprimir-se pela
escrita seguindo os processos pré- estruturantes neurofuncionais que ilustram o sentido evolutivo dos sistemas funcionais de aprendizagem; primeiro, os sistemas
receptivos (input), e posteriormente os expressivos (output).
A comunicação humana é total e dialéctica, visto que se observa múltiplas dependências entre o gesto (comunicação não verbal) e a palavra (comunicação verbal),
uma antecedendo a outra, visto traduzirem o resultado da hierarquia da experiência humana.
O papel da comunicação humana total coloca-nos um problema muito mais geral: a imitação, que em si já é um misto de movimento, emoção e representação.
A imitação não é mais do que a habilidade para interiorizar e incorporar a realidade. Interiorização essa que compreende um meio de assimilação do mundo exterior
(Piaget 1950). Para que a aprendizagem se torne um facto, é necessário operar-se na criança uma apropriação (psicogenética e sociogenética) de inúmeras aptidões
extrabiológicas.
Função do sistema nervoso periférico (SNP)
A criança aprende por recepção de informação através dos sentidos, isto é, em linguagem cibernética, por sistemas de input. As funções sensoriais estão
envolvidas na aprendizagem simbólica, na medida em que a recepção de estímulos do mundo exterior é sinónimo da captação atencional de uma certa energia. O conjunto
dos estímulos recebidos pela visão, pela audição e pelo sistema tactiloquinestésico é essencial para a edificação do processo da aprendizagem.
A privação sensorial do deficiente visual leva-o a integrar a informação pela audição e pelo sentido tactiloquinestésico; daí a importância destas duas avenidas
sensoriais para a sua aprendizagem simbólica. Da mesma forma, o deficiente auditivo integra a informação pela visão e pelo sentido tactiloquinestésico; daí o papel
do gesto, da expressão facial e oral e também da leitura labial no processo de comunicação nestes casos.
O sistema nervoso periférico (SNP) é portanto responsável pela recepcção da informação do mundo exterior através dos receptores (R), para além de a transportar
por vias aferentes (centrípetas, isto é, que transportam informação de fora para dentro) até à medula, e desta ao córtex, onde se encontra o sistema nervoso
céntral, cuja característica fundamental é possuir fronteiras ósseas (vértebras e crânio).
351
INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
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DIFICUIDADES DE APRENDl7 AGEM E APRENDIZAGEM
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353
INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
No caso da recepção do estimulo auditivo, é necessário que um vibrador (laringe, campainha, etc. ) produza um sinal acústico, que é transportado por
meio do ar até ao líquido do ouvido interno, que por sua vez comunica com o nervo coclear e passa pelas estruturas olivares, limniscais e culiculares, antes de
atingir o córtex auditivo (Figura 106).
Esta é, de uma forma esquemática, a dinâmica de processamento da informação auditiva, que no ouvido humano está apto a detectar 340 000 diferenças de
frequência e de intensidade.
No caso da recepÇão do estimulo visual, a captação da informação vai também originar uma série de tratamentos de sinais que envolve complexos movimentos
reflexos dos músculos dos olhos, exploração espacial, focagem e fixação da visão, ajustamento figura-fundo, etc. Ambos os olhos se conjugam numa coordenação
binocular, concretizada por movimentos sincronizados finos que vão permitir a transmissão da energia da luz ao córtex occipital, o que pressupõe um certo grau
de sensibilidade na retina (Figura 107).
ESTIMULAÇÃO
TRANSMISSÃO ANÁLISE SÍNTESE
Figura 108 - Processamento da informação tactiloquinestésica
354
DIFICULDADES DE APRENDI?AGEM E APl I D 7 G
No caso da recepção dos estímulos tactiloquinestésicos, a captação da energia tem por fronteira a pele, isto é, o envelope do nosso corpo. Mais
uma vez, a recepção da energia é realizada por receptores do próprio corpo; daf a sua designação de proprioceptores, ao contrário dos anteriores, isto é, visão
e audição, designados por exteroceptores ou telerreceptores.
No caso da aprendizagem, seja escolar, seja profissional, o processamento da informação do mundo exterior passa por uma série de processos neurológicos
antes de ela ser integrada, seleccionada e retida.
Os sentidos podem ou não enviar ou transmitir informação da periferia ao centro, e isso é uma tarefa do SNP. Necessariamente que o caudal de informação
pode ser saturado ou defcitário. No primeiro caso, o SNP não é capaz de integrar; no segundo caso, dá-se a privação sensorial por carência de experiência ou por
falta de oportunidade. Em qualquer dos casos, uma deficiência no SNP, quanto à recepção ou à transmissão de informação ao SNC, pode comprometer o processo de
aprendizagem. A aprendizagem é o resultado da integração e da transformação de uma informação, que interfere naturalmente com o desenvolvimento normal e com a
maturação neurobiológica do indivíduo:
Funções do sistema nervoso central (SNC)
A integridade do SNC é um requisito indispensável à aprendizagem normal. A disfunção do SNC apresenta, em termos de comportamento, vários efeitos neurossensoriais
que se podem traduzir em dificuldades de aprendizagem.
No caso das incapacidades de aprendizagem (afasia, apraxia, alexia, etc. ), pode tratar-se de uma lesão ou de uma destruição anatomofuncional de regiões
do cérebro.
355
Figura l09 - Desordens do SNP e do SNC
lNSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGf7GICA
No caso das dificuldades de aprendizagem (disnomia, dislexia, discalculia, etc. ), pode tratar-se de uma desorganização funcional cerebral.
A disfunção do SNC pode ser motivada por ausência de informação ou por deficientes processamento e tratamento. Em qualquer dos casos, o comportamento da
aprendizagem encontra-se desajustado.
A história da investigação nas dificuldades escolares é muito recente, mas ao mesmo tempo segregativa. Durante muito tempo, as crianças e os jovens com
dificuldades de aprendizagem (DA) foram rotuladas de uatrasadas mentais", de inadaptadas", de privadas sensorialmente e perceptivamente, de emocionalmente
perturbadas", de hiperactivas e turbulentas, etc. Depois de algum tempo, a experiência demonstrou a imprecisão dos termos e a ausência de meios diagnósticos
precisos. No momento actual, no entanto, o problema das dificuldades de aprendizagem, não podendo por si só ser explicado numa via organicista, pode no entanto
lançar-se na descoberta do estudo das relações cérebro-aprendizagem e das suas conexões dialecticofuncionais.
A criança com DA não apresenta anormalidades neurológicas nem disfunções catastróficas; porém, evoca-nos que algo se passa nos níveis superiores de integração
onde se alicerça todo o fenómeno da aprendizagem simbólica.
O cérebro é composto por sistemas semi-independentes, que umas vezes funcionam independentemente dos outros, outras vezes funcionam suplementar ou inter-relacionadamente.
O sistema auditivo pode funcionar semiautonomamente com o sistema visual, no caso da leitura oral, ou com o sistema tactiloquinestésico, no caso do ditado.
O cérebro funciona em três tipos de aprendizagem neurossensorial, que convém esquematizar:
Aprendizagem intraneurossensorial
Quando um processo de informação é relativamente independente dos outros processos.
Ex. : O processo auditivo compreendendo discriminação, sequência e compreensão da linguagem falada no diálogo.
Aprendizagem interneurossensorial
Quando dois ou mais processos de informação funcionam em relação, mesmo conduzindo diferentes informações (equivalência sensorial).
Ex. : Leitura oral, que compreende discriminação visual e reintegração auditiva da leitura oral.
356
DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM E APRENDl7 AGEM
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INSUCESSO ESCOIAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
Aprendizagem integrativa
Quando se processa a integração da experiência tornando possível a sua significação. Significação essa entendida como um conjunto de dados e de atributos
que definem todas as integrações da realidade traduzidas em eomportamentos intencionais, que transportam uma finalidade, isto é, a satisfação de uma necessidade
interna (motivação).
Em resumo, a aprendizagem é um comportamento, isto é, uma relação inteligível entre a situação (conjunto de estímulos do mundo exterior; papel, lápis,
letras, números, etc. ) e a acção (adaptação, escrever, desenhar, ler, cantar, pintar, etc. ), que põe em jogo estruturas neurológicas de recepção, integração,
controlo e expressão, em que os aspectos biológicos não se opõem aos aspectos sociais, isto é, em que as condições de aprendizagem da criança (condições externas)
não se opõem à competência cientificorrelacional dos professores e dos adultos socializados responsáveis pela sua educação global (condições externas).
A constelação dos problemas que se levantam é muito complexa e por isso não nos é possível resumir aqui a sua totalidade. Numa tentativa de reflexão apresentamos
apenas algumas ideias e adiantamos algumas sugestões.
Para já, repensar a criação de clínicas psiquiátricas e de consultórios psicopedagógicos de luxo e criar, ao nível do país, vários centros regionais ou
locais de diagnóstico e de intervenção pedagógica, que permitiriam apoiar os professores nos casos mais complexos, através de despistagens precoces que assegurassem,
a tempo, uma intervenção reorganizada a fim de se recuperar crianças tendencialmente iletradas. Por outro lado, edificar centros de recursos e de investigação
pedagógica que estimulassem aformaÇão cientificopedagógica de todos os educadores e professores, impedindo formações aceleradas e extremamente superficiais em termos
clínicocientíficos que tendem a prejudicar o potencial indispensável a qualquer país, ou seja, as suas crianças e a sua educação.
Estender um ensino pré-primário o mais rapidamente possivel a todas as camadas sociais, nomeadamente junto dos Iocais de produ ão, mobilizando e acarinhando
as formações materno-infantis e realizando amplos projectos preventivos de apoio social e médico familiar.
Fomentar a formação de psicólogos escolares e de professores especializados que dariam apoio ao nível da escola, evitando ortopedias pedagógicas e valorizando
melhores meios deformação permanente e de reciclagem.
Apoiar investigações que estudem crianças disléxicas em comparação com crianças adaptadas escolarmente, detectando variáveis e realizando posteriormente
trabalho preventivo, por meio de programas não só psicomotores, mas também grafomotores e cognitivos, proporcionando, formas adequadas de aprendizagem de acordo
com os graus de maturidade neurológica, psicobiológica e cognitiva das próprias crianças.
358
DIFICU1, IlADES DE APRENDIZAGEM E APRENDl7 AGEM
Não podemos esquecer que a aptidão para a leitura, ou para as outras aprendizagens escolares, exige a equação de inúmeros factores, dos quais destacamos
os seguintes:
1) Factores psicodinâmicos, como já vimos, que incluem a maturidade global; o crescimento da criança; a organização cerebral e a sua estabilidade;
a consciencialização da imagem do corpo; a visão; a audição; a psicomotricidade e o funcionamento dos órgãos da linguagem articulada, etc. ;
2) Factores sociais, que incluem o nível económico, cultural e linguístico dos pais; a experiência mediatizada da criança; a oportunidade
de jogo e de espaço que a criança tem, bem como a sua variabilidade, cuja existência ou inexistência necessariamente condiciona o desenvolvimento do vocabulário
e a maturação cognitiva; as atitudes sociais perante a leitura e, fundamentalmente, a qualidade da vida familiar e todas as relações sociais que influenciam directamente
a segurança e o desenvolvimento global da criança;
3) Factores emocionais, motivacionais e de personalidade, que incluem a estabilidade emocional, a concentração e o controlo da atenção,
que são dependentes do grau de autocontrolo tónico que a criança possui e que influenciam a atitude e o desejo de aprender;
4) Factores intelectuais, que incluem a capacidade mental global, as capacidades perceptivas e psicomotoras; a discriminação auditiva e
visual e as capacidades de raciocínio e de resolução de problemas e de situações novas, que reflectem, no seu todo, o comportamento adaptativo da criança em que
se relacionam aspectos da comunicação verbal com os da comunicação não verbal.
A relação destes problemas é que traduz a aptidão para a leitura e para as outras aprendizagens escolares. Esta aptidão não se consegue apenas como resultado
do crescimento. Os pais, e a sociedade em geral, têm de estar alertados para garantirem à criança o conjunto de factores de desenvolvimento apontados, antes
de ela entrar na escola. Aprender a ler exige não só uma maturação de estruturas de comportamento, mas também uma aprendizagem prévia (pré- aptidões) que possibilite
à criança o prazer de aprender eficientemente e facilmente.
Para ler é preciso associar o símbolo gráfico (que se vê) a uma componente auditiva que se lhe sobrepõe e lhe confere um significado.
A leitura é, portanto, um duplo sistema simbólico que representa a realidade e a experiência. A hierarquia da linguagem humana passa primeiro por ouvir
a linguagem do adulto socializado, antes de a compreender, para depois a utilizar. A aprendizagem da leitura passa primeiro pela relação simbólica entre o que
se onve e diz e o que se vê e lê. A criança só assim pode vir a aprender a ler, e mais tarde, a escrever. Para que este processo resulte sig
359
INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
nificativo, a criança tem de desenvolver instrumentos cognitivos de análise e síntese que são aqueles que apontamos atrás.
A criança disléxica não pode continuar a ser vítima de uma segregação que a coloca como criança mental e emocionalmente perturbada. A criança disléxica
tem uma inteligência dita normal, não tem problemas sensoriais de visão ou de audição, não apresenta deficiência motora nem perturbações emocionais. A criança
disléxica quer aprender a ler. Desesperadamente, é preciso ajudá-la onde a sociedade e a escola falharam.
Significado Audição Visão Experiência Palava Palavra
faladaescrita aG-A-T-0 HGATO
Figura lll - A leitura como duplo sistema simbólico
A aptidão para a leitura exige, portanto, a maturidade de factores perceptivomotores, cognitivos e simbólicos que muitas vezes não são proporcionados
à criança através dos seus primeiros educadores, que são os pais. Este problema remete-nos para outra necessidade, que é a criação de escolas de pais que deveriam
dinamizar-se ao nível local numa verdadeira revolução cultural, mobilizando equipas interdisciplinares de técnicos e especialistas com base na instituição escolar.
Outra sugestão, e esta é fundamental, é que devemos pensar na escola para a criança, e não no contrário. Tal exige o abandono do ensino despersonalizado
e normalizado, com base em programas-tipos e sugestões-tipos para a criança-tipo. É urgente pensar-se que a criança é um ser com uma história dentro de outra história,
um ser único, total e evolutivo; para isso, o professor deve munir-se de meios que permitam observá-la no plano da compreensão auditiva, da linguagem falada,
da percepção e da orientação no espaço, da coordenação motora global e fma da sociabilidade. Só nesta dimensão de variáveis de comportamento o professor ou o educador
podem organizar o perfil de integridades e de necessidades da criança.
Iiá que evitar o homunculismo cultural, dado que cada criança tem as suas características peculiares, que devem ser conhecidas e diagnosticadas previamente,
a fim de conduzir lucidamente a aprendizagem ao seu nível de compreensão e não introduzir uma aprendizagem hermética e ilógica onde só sobrevivem os mais privilegiados
e protegidos.
360
CAPÍTULO 1 O
ALGUMAS CARACTERÍSTICAS DAS CRIANÇAS
COM DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM
Como já estudámos, a criança com DA caracteriza-se por uma inteligência normal (QI % 80), por uma adequada acuidade sensorial, quer auditiva, quer visual,
por um ajustamento emocional e um perfil motor adequados. Por exclusão, não pode ser confundida com uma criança deficiente mental, pois não possui uma inferioridade
intelectual global. Não é uma criança deficiente visual ou amblíope, nem defciente auditiva ou hipoacuscia, pois os seus sistemas sensoriais não apresentam anomalias
sensoriais de acuidade. Não evidencia perturbações emocionais severas, nem apresenta uma motricidade disfuncional.
As suas principais características compreendem uma dificuldade de aprendizagem nos processos simbólicos: fala, leitura, escrita, aritmética, etc. ,
independentemente de lhe terem sido proporcionadas condições adequadas de desenvolvimento (saúde, envolvimento familiar estável, oportunidades socioculturais e
educacionais, etc. ). A criança com DA manifesta uma discrepância no seu potencial de aprendizagem e exibe uma diversidade de comportamentos que podem ou não ser
provocados por disfunção psiconeurológica. Manifesta frequentemente dificuldades no processo de informa ão, quer ao nível receptivo, quer ainda aos níveis integrativo
e expressivo.
Usualmente revela-se como uma criança inteligente, embora claudique na escola. Inverte letras: d, por b, uu por n; números: 6" por 9, ou
lê bar" por dar", ou 96" por 69", etc. Esqueee-se com frequência, Não aprende sequências dos dias da semana, dos meses ou das estações do ano,
uFala em histórias fabulosas, mas não consegue saber quantos são 2 + 2". Por vezes é tagarela, não pára de falar Está em perinanente actividade, não se
concentra, é muito distraída e teimosa".
Para além destas características muito gerais, a criança com DA apresenta outros problemas que vamos de seguida abordar sumariamente, de uma forma sistemática,
com a finalidade de permitir essencialmente a identiflcação, mais ou menos precisa, das suas necessidades educacionais.
361
INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
uEsforça-se por aprender mas não consegue, Perde objectos, Frequentemente é muito desorientada, É trapalhona a falar Coordena mal os movimentos".
Sabe muitas coisas mas não aprende a ler", etc.
Estas afirmações, recolhidas na nossa experiência clínica psicoeducacional quando entrevistamos os pais, têm naturalmente, uma inexcedível significação
como sinais de caracterização da criança com DA.
Figura 112 - Problemas da criança com DA
Problemas de atenção
Muitas crianças com DA apresentam dificuldades em focar ou em fixar a atenção, não seleccionando os estímulos relevantes dos irrelevantes.
Dispersam-se com muita frequência, sendo atraídas, mais usualmente, por sinais distrácteis. Por outro lado, não mantêm por mais tempo as funções de
alerta e vigilância. A sua desatenção pode ser motivada por carência (inatenção) ou por excesso (superatenção). Em ambos os casos, a fixação anormal ou a afixação
em pormenores supérfluos e pouco significativos impedem que se processe a selecção da informação necessária à aprendizagem.
362
AlrG UMAS CARACTERfST ICAS DAS CRIAN(AS COM DIFICULI7ADES DE APRENDIIAGEM
Parece verificar-se um descontrolo do reflexo básico de orientação, não 9e seleccionando nem se explorando convenientemente os estímulos.
As crianças com DA apresentam normalmente problemas de selecção quando dois ou mais estímulos estão em presença. A existência de esúmulos compeútivos perturba
estas crianças, tanto ao nível visual como ao nível eudiúvo.
A distcacção parece interferir com a percepção e, subsequentemente, com a aprendizagem. Sabe-se hoje que a atenção é controlada pelo tronco cerebral,
mais exactamente pela substância reticulada, que tem por função regular a entrada e a selecção integrada dos estímulos, bem como a criação de um estado tónico
de controlo (primeira unidade de Luria 1975) que é dispensável à aprendizagem. Uma vez afectada esta unidade funcional, o córebro fica impedido de processar e
conservar a informação, pondo em riscofunções de descodificação/integração e de codificação.
Na criança com DA registam-se alterações e flutuações na atenção selectiva e nas suas duração e extensão. Os sistemas de acúvação, de excitação, de inibição
e de integração neurossensorial evidenciam disfunções reticulo c icorreticulares e vários descontrolos talâmicos, que impedem a atenção para fazer face às situações
ou tarefas durante um período de tempo razoável, prejudicando, por esse facto, o tratamento subsequente e consciente da informação. Pode dar-se a este nível,
segundo alguns investigadores, uma espécie de bloqueio no processamento de dados, não possibilitando a análise e a síntese cortical dos estímulos necessários à
aprendizagem e mais testados na segunda unidade funcional de Luria 1975.
Muitas tarefas de aprendizagem requerem da parte do indivíduo um isolamento crítico e pré-perceptivo de vários estímulos que é muitas vezes inacessível às
crianças com DA. Não se operando uma selecção da informação, o córtex pode encontrar-se em permanentes dificuldade e confusão para separar a informação supérflua
e parasita da informação relevante e necessária. Outras tarefas, porém, exigem a mudança, a transferência e a pilotagem controlada da atenção, o que muitas
vezes não ocorre nas crianças com DA.
A atenção depende de outras variáveis como a motivação, a hiperacúvidade, a impulsividade, o biomtmo preferencial, a presença de estímulos simultâneos,
a função intraneurossensorial da figura-fundo e centroperiférica, a complexidade da tarefa, a sequencialização das operações em causa, a observância de condições
que ocorreram antes e durante as situações, o tipo de reforço em causa, o nível da experiência anterior, o estado emocional do momento, etc.
Muitas destas condições ocorrem nas situações de aprendizagem, e muitas delas não podem ser imputadas à criança com DA. A ocorrência de muitos estímulos,
como acontece em muitas salas de aula (permanente barulho exterior, proximidade de recreios e ruas agitadas, várias classes a funcionar ao mesmo tempo, quadro
repleto de informação visual mal estru
363
INSUCESSO ESCOIAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
turada espacialmente, salas carregadas de estímulos nas paredes, ausência de rotinas, fracas apresentação e exposição da informação, etc. ) tendem a desorganizar
a criança. Em muitos casos, é necessário minimizar os estímulos competitivos e iirelevantes.
A atenção compreende uma organização interna (proprioceptiva, tactiloquinestésica) e externa (exteroceptiva, visual e auditiva) de estímulos, organização
essa indispensável à aprendizagem, caso contrário as mensagens sensoriais são recebidas mas não integradas.
Em complemento, é preciso igualmente renovar e inovar os materiais didácticos e a apresentação dos estímulos. A atenção humana é sensível à intensidade
dos estímulos, ao contraste da sua delimitação com outros estímulos simultâneos, ao tamanho, à cor, à posição e à relação espacial à própria novidade e às manipulações
dos mesmos, etc.
Na maioria dos casos, os materiais, os programas e os processos de transmissão cultural na escola não respeitam estas componentes da atenção, isto é,
não possuem os necessários requisitos de motivação, entusiasmo, curiosidade e reforço que reclamam da parte da criança a mobilização e a estabili zação da atenção
necessárias à aprendizagem consciente. Neste campo muito há a fazer, e sobretudo a investigar, para optimizar os niveis de atenção, normalmente alterados na
maioria das crianças com DA.
Problemas perceptivos
Dentro dos problemas perceptivos mais estudados nas crianças com DA destacam-se os visuais e os auditivos.
A criança com DA revela certas dificuldades em identificar, discriminar e interpretar estímulos. Os primeiros processos de tratamento da informação sensorial
parecem apresentar ambiguidades, sincretismos, confusões, hesitações, distorções, falhas de processamento neurossensorial, etc.
Segundo M. Frostig, 50% das crianças na primeira fase (l. o ano de escolaridade) possuem um inadequado desenvolvimento perceptivo que tende a repercutir-se
nas DA, quer quanto à leitura e à escrita, quer quanto ao cálculo.
Embora a aprendizagem envolva processos psíquicos superiores (re= tenção, integração, conceptualização, etc. ), não restam dúvidas de que ela também
depende de processos psíquicos automáticos (atenção, discriminação, identificação, figura-fundo, descodificação, sequencialização, análise, síntese, completamento,
reconhecimento primário, memória de curto termo, recodificação, etc. ), em que as crianças com DA manifestam problemas de várias ordem.
O processo perceptivo humano envolve processos de recepção, transdução e integração de informação muito complexos, a que já nos referimos em capítulos
anteriores.
364
AI, GUMAS CARACTERÍSTICAS DAS CRIAN AS COM DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM
Para a percepção se dar é necessário que se opere uma estimulação sensorial, e dentro dela há que contar com o tipo de modalidade sensorial que
está em causa, a sua natureza, as características da situação e da sua proxitnidade, o nível de desenvolvimento sensorial, i. e, de experiência anterior, etc.
Só depois da observância destas condições se pode analisar a percepção, percepção esta resultante de processos de selecção e de interpretação operados no cérebro,
quer intraneurossensorial, quer interneurossensorialmente e integrativamente.
Segundo Skeffington, citado por Getman (Mendes, N. e Fonseca, V. da, 1978), o desenvolvimento perceptivovisual normal emerge da multi-integração
dos seguintes processos sensoriomotores (Figura 74, pág. 231):
Processo antigravitico, que engloba as aquisições motoras básicas (reptação, quadrupedia, controlo postural, locomoção bípede, etc. ) decorrentes
essencialmente de leis de maturação neurológica - lei cefalocaudal e lei proximodistal;
Processo de interiorização corporal e espacial, que resulta da construção da imagem do corpo e, subsequentemente, da lateralização e da direccionalidade,
que por implicação vão estar na base das funções de orientação e de exploração ( radar do Eu ou radar endopsíquico);
, Processo de idenrifrcação e de manipulação, que decoire do contacto com o real e com os objectos. A acção sobre os outros e com os
outros, mediatizada com os objectos, verdadeiros representantes dos outros e dos seus afectos, proporciona a descoberta dos mesmos. Descobena essa realizada
pela preensão fina, dado que os objectos passam a ser reconhecidos nos seus atributos, propriedades e características. A visão, coordenando a exploração da mão,
vai integrando os seus feed-backs tactiloquinestésicos, criando imagens que se vão diferenciando e consolidando, permitindo, por consequência, a (re)experimentação
visuoperceptiva dos aspectos motores;
Processo auditivoverbal (linguagem), que encerra as relações auditivoverbais e visuomotoras que em unidade implicam a génese da linguagem. A nomeação
dos objectos, a sua identificação, a comparação e a diferenciação, etc. são combinadas em função da acção sobre eles. Destas relações sensoriomotoras emergem
as relações perceptivossimbólicas que vão estar na base do desenvolvimento intraperceptivo e interperceptivo.
O desenvolvimento perceptivo, como acabámos de ver, compreende uma hierarquia que tem a sua origem no desenvolvimento motor, de onde poderão emergir
dificuldades de diferenciação e de estruturação perceptiva.
A percepção subentende a capacidade para extrair signi Jcação do envolvimento, como resultado da experiência e da prática com a estimulação.
365
INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
Compreende, como afirma Gibson 1969, um processo activo no sentido de uma exploração que por sua vez produz estimulação em feed-back, posteriormente integrada
no cérebro.
A capacidade peceptiva de discriminar, analisar, sintetizar, reconhecer e armazenar estímulos e suas relações está indissociavelmente ligada à manipulação
de objectos e à elaboração de respostas simples, compostas e complexas. O reconhecimento do objecto (contorno, forma, comprimento, largura, orientação, etc.
) é inseparável da sua manipulação, motivo pelo qual a percepção envolve reciprocamente uma componente motora (processo perceptivomotor).
Compreendemos agora porque é que as crianças com DA apresentam vários problemas motores e vários problemas perceptivos.
A criança com DA é normal em termos intelectuais; porém, o seu sistema nervoso não recebe, não organiza, não armazena e não transmite informação visual,
auditiva e tactiloquinestésica da mesma maneira que uma criança normal.
A criança com DA manifesta discrepâncias entre a capacidade para compreender acontecimentos, experiências e ideias e a capacidade para aprender a ler,
soletrar, escrever ou calcular. Neste caso, parece que a criança com DA manifesta dificuldades em distinguir, detectar, diferenciar, escrutinar e investigar
símbolos subtilmente semelhantes mas com significados muito diferentes.
A criança com DA tem dificuldades em seguir explicações e instruções verbais que ocorrem na sala de aula ou em distinguir no quadro muitos e variados dados.
A criança com DA, em muitos casos, assume uma dis, função perceptiva; por isso tem dificuldades em formar percepções tão refinadas e organizadas como as
que são necessárias para aprender. Percebe mal a informação sensorial, subvaloriza detalhes importantes, ou então supervaloriza pormenores que alteram a noção
do todo. Compreende aspectos do todo, mas não consegue compreender as relações das partes que o constituem. Ouve significações, mas perde-se quando toma atenção
à estrutura da informação. Confunde auditivamente as estruturas das palavras e, como consequência, perde o seu significado. Distrai-se com sinais, sons e ideias
que são interessantes e significantes para si, mas irrelevantes para o objectivo específico das tarefas ou situações do momento.
Para nos apercebermos destas dificuldades, basta lembrarmo-nos do que nos ocorre quando conduzimos automóveis em dias de intensa chuva ou de nevoeiro.
Aí, para além da insegurança característica da situação, as formas dos objectos tomam um aspecto bem diferente daquele que se verifica em condições normais de
luminosidade. Em dia de nevoeiro a nossa condução (acção) é imprecisa, incerta, cautelosa, hipercontrolada, nervosa, etc. , exactamente porque as nossas percepções
já não são seguras, claras e adequadas.
366
ALGUMAS CARACTERISTICAS DAS CRIANÇAS COM DIFICULDADES DE APRENDI?AGEM
Não é de estranhar, ponanto, que as crianças com DA sejam inquietas,
ruidosas, disparatadas, turbulentas, excitadas e distraídas; algumas até apre sentam problemas de controlo dos seus impulsos, podendo tornar-se agressii
vas,
insaúsfeitas, frustradas e instáveis emocionalmente. Por outro lado, o
facto de as suas percepções serem inadequadas poderá levar a conclusões
1mperfeitas e a problemas de formulação ideacional que se reflectem em ter mos de ajustamento socioemocional.
Para estas crianças com problemas percepúvos, o aprender numa classe
regular torna-se, evidentemente, bastante complicado. As suas perturbações
pecepúvovisuais dificultam-lhes a compreensão de muitos dos materiais de
aprendizagem. As suas dificuldades perceptivoauditivas comprometem-lhes
0 apuramento de significações nas explicações e instruções do professor. As
confusões que fazem ao pensar levam-nas a confusões de compreensão e a
conclusões erróneas que se tornam embaraçosas para si mesmas e para os
outros.
i- Com perturbações percepúvas arrastadas ao longo dos anos de escola
ridade, a criança com DA toma consciência dos seus problemas, desenco rajando-se e automarginalizando-se; deixa de gostar da escola e lança mão
de vários meios de afirmação com falsas saúsfações que podem pôr em risco
a sua futura adaptação social.
ç Efecúvamente, os distúrbios perceptivos, visuais e auditivos interferem
com a aprendizagem simbólica, embora possam ser dificilmente reconhecidos
na fase das aprendizagens não simbólicas, ou seja, no período pré-primário,
onde urge fazer também uma idenúficação precoce.
A aprendizagem exige a integridade das nossas modalidades sensoriais.
% A visão é provadamente o maior canal de aprendizagem. Getman esta 6elece, nesta linha, um paralelismo recíproco entre a visão e a inteligência,
afirmando que aquilo que uma criança vê e compreende, ela conhece,
, 0lhar e ver são diferentes em termos semânticos e em termos cognitivos.
Uma coisa é a acuidade visual; a outra é a diferenciação, a estruturação
e a retenção da informação visual, isto é, a capacidade do cérebro para inter; pretar dados visuais, ou seja, a função cogniúva da visão, ou melhor,
o sis tema funcional que lhe está adstrito.
Por esta razão, muitas crianças disléxicas não apresentam anomalias no
exame oftalmológico, mas não deixam de manifestar problemas de proces 5amento e tratamento da infonnação visual, pois são frequentes nelas inú'
meros
problemas de figura-fundo, completamento visual, atenção visual
5elecúva, constância da forma, posição no espaço, relações de espaço, coor denação oculomanual, etc.
Muitas destas disfunções cogniúvas são demonstradas pela dificuldade
em reproduzir formas geométricas, em distinguir a figura do fundo, em
detectar inversõe_s e rotações de figuras, em transferir relações espaciais, em
1denúficar letras em palavras, etc. , conforme alguns dos exemplos das figu ras apresentadas a seguir.
367
INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
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Figura 113 - Reprodução de formas geométricas e de grafismos
por uma criança com DA
368
ALGUMAS CARACTERÍSTICAS DAS CRIAN AS COM DIFICUll7ADES DE APRENDl7 AGEM
Figura 114 - Exemplos da dificuldade em disúnguir figura-fundo
369
INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
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AlrGUMAS CARACTERlST ICAS DAS CRIANÇAS COM DIFICULDADES DE APRENDl7 AGEM
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Figura 116 - Exemplos da dificuldade em transferir relações espaciais
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Figura 117 - Fichas de treino visuomotor efectuadas por outra criança com DA 371
INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
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Figura Il8 - Outros exemplos de dificuldades visuomotoras de crianças com DA
372
AlrGUMAS CARACTERÍSTICAS DAS CRIANÇAS COM DIFICUIDADES DE APRENDIIAGEM
1. D c d a e o u i
2. t p E b f , t( p
3. o ' e , é , c e u
4. 1 , d h p t ' b q
5. , é o a u c c , E
6. 1 h ' h , 1
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8. 1 , If , lí f 1 f t p
9. 1 t' t h j `i 1
10. 0 ; 1 t ; t t
11. 0 1 B E % C D U A
12. D L D P D Q C
13. a O E D F U B
14. 0 F B C s D U C D
1s. 0 1 B D F A L
16. a E A C T L F M
1, . 0 Q C 0 V E D
18. 0 E B H L A R F H
19. L P A C F D
B L H J C P J U
20.
Figura 119 - Exemplos da diftculdade em identificar letras
373
INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
l. pau p a ap pa pa
2. rio oir ori ior rio
3, mina nami nima mi a i 4. amor roma az or mora a no
5. bode be o d e debo bde
6. carne narce c na carna canre
, . grilo gz lo gi lo gi ro li ro
s. outro ortuo out o oro u uotrco
9. social sac ol soical social siocal
lo. nunca nu na nu ca nnuca cunan
Figura 120 - Exemplos da dificuldade em discriminar sequências
de letras em palavras
As crianças com DA evidenciam dificuldades em compreender o que vêem, isto é, em captar ou em retirar significação dos estímulos visuais. Trata-se, se
quisermos, de uma dificuldade de descodifica ão visual, ou de uma dificuldade na recepção visual.
Para além destas dificuldades, podem ser detectadas: dificuldades de discriminação visual, em que se identifica problemas em reconhecer semeIhanças e diferenças
de formas, cores, tamanhos, objectos, figuras, letras ou números ou em grupos de objectos, de figuras, de letras (palavras) e de números, etc. ; dificuldades
defigura fundo, em que se localiza problemas de atenção selectiva e de focagem, não identificando figuras ou letras sobrepostas em fundos (background); dificuldades
na constância daforma, em que denotam problemas em reconhecer uma forma, independentemente de variações introduzidas na posição, na orientação, no tamanho,
na cor, na textura, etc. ; difculdades na rotação de formas no espa o, em que se verifica dificuldades em identificar as mesmas formas mesmo que invertidas ou
rodadas no espaço ( d e p b e q, 6 e 9, etc. ); difculdades de associação e integração visual, em que se manifestam problemas de organização,
374
ALGUMAS CARACTERÍSTICAS DAS CRIAN AS COM DIFICULDADES DE APRENDl7 AGEM
de informação visual, como na associação imagem-palavra; dificuldades de coordenação visuomotora, em que se denotam problemas em coordenar a visão com os movimentos
do corpo ou da mão, quer na recepção ou na propulsão de objectos (bolas por exemplo), quer na execução de tarefas de papel e lápis (cópias, preenchimento de labirintos,
etc. ), etc.
Destas dificuldades aos problemas psicomotores da lateralidade e da reccionalidade é um passo. As dificuldades perceptivas simples podem, por implicação,
gerar dificuldades perceptivas mais complexas, razão pela qual as perturbações psicomotoras podem induzir dificuldades na leitura e na escrita.
Quanto à audição, também se verificam problemas perceptivos, como vamos desenvolver quando tratarmos mais detalhadamente dos problemas psicolinguísticos.
A audição é a modalidade essencial para a comunicação interpessoal e para a aquisição da linguagem; daí a sua relevância na aprendizagem. O contacto com
o envolvimento é estabelecido permanentemente com a audição. Trata-se de um sistema de alerta e de atenção pluridireccional, pois eapta informações de todos os
lados.
Ao contrário da visão, a audição é contínua a inintenupta, como afirma Myklebust 1964. A sua dimensão perceptiva é mais primitiva, pois capta as informações
de fundo (background); daí a sua importância no desenvolvimento da estruturação temporal e a sua função na hierarquia da linguagem.
No que respeita às crianças com DA, muitos autores têm encontrado nelas problemas de identificação, de reconhecimento de sons do envolvimento, de distinção
fina de sons e fonemas, de lembrança de sons familiares, etc. , para além de inúmeros problemas de produção da linguagem. Subsistem na audição, em analogia,
os mesmos problemas de que tratámos na visão. A criança com DA ouve mas não interpreta o que ouve, demonstrando clacamente que ouvir é diferente de escutar. Enquanto
ouvir é inato (salvo evidentemente no caso dos deficientes auditivos), a função de escutar engloba uma aprendizagem e uma hierarquia de processamento, e é exactamente
neste plano que as crianças com DA falham.
Não tendo problemas de acuidade auditiva, pois os testes normalmente utilizados em audiologia não demonstram qualquer anomalia audiológica, as crianças
com DA apresentam, todavia, desordens do processamento da informação auditiva. O audiograma pode surgir normal, porém a criança com DA continua a revelar dificuldades
em organizar e estruturar o seu mundo auditivo, pois manifesta problemas em ordenar e sintetizar sons e fonemas e em associá-los a experiências, objectos ou acontecimentos
e monemas ou palavras.
Como no processo de informação visual, o processo auditivo também apresenta várias funções de tratamento de informação. Funções de recepção (input), de
associacão ou integração e funções de expressão (output).
Nas funções receptivas podemos destacar: a discriminação auditiva, a identificação fonética, a sintese auditiva, seguir instruÇões, etc. Nas funções
375
INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
integrativas podemos diferenciar": o completamento (closure) de palavras e frases, a memória de curto e médio termo, a associação auditiva ou auditivovisual,
etc. Nas funções expressivas podemos equacionar: articulação, vocabulário, narração de histórias por imagens, etc.
A título de exemplo, a criança com DA pode sentir grandes dificuldades em discriminar pares de palavras. É capaz de responder que nó" e pó" são iguais
e que talher" e talher" são diferentes. A dificuldade parece ser mais evidente em polisslabos.
Da mesma forma, pode evidenciar dif iculdades em discriminar frases absurdas. Em perguntas-estímulos como: As árvores voam? a criança poderá responder
usim", porque não distinguiu árvores" de uaves", etc. Nestes casos, a criança com DA pode compreender umas palavras mas não outras, compreenderá substantivos,
por exemplo, mas poderá revelar dificuldades em compreender verbos, adjectivos, advérbios, anedotas, ideias, etc.
Destes problemas outros podem emergir, como os problemas de identificação, fragmentação fonética, sintese auditiva, etc. As crianças com DA podem revelar
dificuldades em detectar qual é o primeiro som de várias palavras. Por exemplo, na palavra água" têm dificuldades em identificar o [á) como o primeiro som.
Na palavra berlinde" não identificam o [b), etc. Na sintese auditiva, poderão evidenciar problemas em produzir palavras, quando os fonemas são apresentados
separadamente. Exemplo: /v/ - /a/ - /c//a/ faz "; /g/ - /a/ - /t/ - /o/ faz ", etc.
Nas funÇões integrativas, a criança com DA pode manifestar ainda dificuldades em completar palavras. Dados os sons iniciais garra -" para completar,
a criança com DA pode ter dificuldades em chamar o fonema ou fonemas que completam garra -" em garrafa" ou garrafão", bana -" em banana", chupe -"
em chupeta", etc. O mesmo problema se pode colocar no completamento defrases. Ex. : O João foi à praia "; A Sara foi brincar -"; O Rodrigo gosta "; A
casa tem
- e e -", etc. A criança com DA pode, nestes casos, não completar frases ou omitir elementos de conexão que tornam a frase precisa sintacticamente.
A associação auditiva poderá revelar outro tipo de problemas. A criança com DA parece mostrar algumas dificuldades em responder a frases-estímulos como
as seguintes: O pai é grande, o bebé é "; A relva é verde, o céu é -"; O coelho é rápido, a tartaruga é ", etc.
Nas fun ões expressivas, as provas de nomeação ou de articulação por imitação de palavras dão-nos outros sinais das dificuldades perceptivoauditivas das
crianças com DA. Nestas situações poderão dizer tratruga" por tartaruga"; frigoralifo" por frigorífico", etc. As provas de vocabulário e de narra ão de
histórias por sequências de imagens fornecem-nos outras dificuldades da criança com DA no plano psicolinguístico e na classificação e na caracterização da informação,
dificuldades essas que abordaremos mais à frente.
376
ALGUMAS CARACTERISTICAS DAS CRIAN AS COM DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM
Para Jonhson e Myklebust 1964, as crianças com DA apresentam mais
ficuldades na expressão do que na percepção e na compreensão das palavras. Para tais autores, as dificuldades mais facilmente detectadas são: dificu ades de reauditorização,
diftculdades de integração auditivomotora e dificuldades de formulação e sintaxe.
Nas dificuldades de reauditorização revelam problemas na rechamada de
palavras. Compreendem e reconhecem as palavras, podem mesmo armazená-las, só que têm dificuldades em as reaver, utilizar e seleccionar espontaneamente no discurso
falado (disnomia). Nas crianças com DA é por vezes frequente o uso da expressão não verbal e de gestos ou fcases incompletas ata com ensa este. cob ema.
Nas dificuldades de ìntegração audìtìvomotora passa-se, antes, um problema de produção de sons; aqui, as crianças com DA têm problemas em emitir
sons, na medida em que não são movidos os músculos e as restantes compo nentes anatomofisiológicas apropriadas para articular os sons da fala (disartiia).
Por último, surgem as dificuldades em formularfrases gramaticalmente correctas, onde as crianças com DA demonstram problemas ao nível da organização
e da sintaxe (disfasia).
Distorções de ordem, omissões de palavras e de estruturas de conexão, erros gramaticais, concordância masculino-feminino, singular-plural, etc.
, utilização incorrecta do tempo dos verbos, ete. revelam problemas em generalizar os princípios que permitem a produção de frases, evidenciando uma utilização
incompleta da linguagem com subsequentes problemas de aproveitamento escolar e inserção social.
Problemas emocionais
As crianças com DA são normalmente descritas pelos pais e pelos professores como vivas, e confabulosas, nervosas e desatentas", irrequietas"
e traquinas, possessivas" e coléricas", desarrumadas" e desorganizadas, uconflituosas e descontroladas", exploraúvas, e manipulativas, irresponsáveis
e negativistas, instáveis" e impulsivas, etc. , etc.
Evidenciam frequentemente sinais de instabilidade emocional e de dependência, a que não é alheia uma reduzida tolerância à frustação. A sua conduta social,
por vezes bizarra, surge com dificuldades de ajustamento à realidade e com inúmeros problemas de comunicação.
Inseguras e instáveis afectivamente, podem por vezes manifestar ansiedade, agressividade reaccional, tensão, regressões, oposições, ruminações emocionais,
narcisismos, negativismos, etc. A inceneza do Eu tende a criar nas crianças com DA uma subvalorização perigosa, normalmente associada a auto-subestimação e fragilidade
do autoconceito.
Sentimentos de exclusão, de rejeição, de perseguição, de abandono, de hostilidade e de insucesso são também detectáveis nestas crianças.
377
INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
A repetição crónica do insucesso e o seu efeito em termos de expectativas levam à criação de resistências, evitamentos, fobias e defesas perante as tarefas
educacionais. Nenhum adulto suporta uma atmosfera de permanente inêxito ou incompetência, muito menos uma c ança. Muitas das crianças com DA, face aos resultados
escolares, vão-se convencendo de que não aprendem por mais que tentem - daí o perigo em negligen ciar a implicação das DA no desenvolvimento da personalidade global
da criança.
Efectivamente, nenhuma criança com DA é imune a um envolvimento inadequado e abusivo que afecta toda a gente. Na insegurança, na desconfiança e na humilhação
nada se aprende. O encorajamento, a estimulação da iniciativa, o reforço positivo das competências são os dispositivos mais perspicazes de mudança de comportamento,
e não o contrário.
A instabilidde emocional é uma das características que tem sido mais referida nas crianças com DA. Hipersensíveis e vulneráveis, quer ao uriso constrangido,
quer ao uchoro exagerado, estas crianças tendem a evidenciar rápidas e imprevisíveis mudanças de humor e de temperamento, que se reflectem em problemas perceptivos
e em problemas motores.
Impulsividade e perseveração são também frequentes e usuais. Falta de controlo, de avaliação crítica, de descernimento, de percepção social, de cooperação,
de aceitação e de prudência são comuns nestes casos, pois raramente antecipam e antevêem as consequências dos seus comportamentos.
Ávidas de gratificação imediata, de atenção constante e sem planificação de condutas, estas crianças experimentam certos problemas de organização do espaço
e do tempo. Raramente pensam antes de agir - daí a maior frequência de inêxitos, na medida em que as suas dificuldades de inibição e meta cognição as levam a experimentar
maior número de situações sociais conflituosas.
Este quadro pode, por vezes, complicar-se quando se associam distorções, irregularidades e discontinuidades nas relações mãe-filho, essencialmente no
período crítico do desenvolvimento da linguagem. Em vários casos clínicos, temos encontrado sinais maternais de abandono, de desinteresse, de depressão, de
agressão, de probreza de comunicação e mediatização, etc. , que naturalmente tendem a agravar o problema emocional da criança.
Sem uma atmosfera afectiva, lúdica e relacional, a interacção e a comunicação não se desenrolam favoravelmente. Não adiantará resolver os problemas de
aprendizagem se os problemas de relação não forem superados. As crianças com DA não pode continuar mergulhadas em envolvimentos de ameaça, de stress e de humilhação.
Antes do mais, a criança com DA precisa de ser respeitada na sua totalidade como pessoa, o que não é, infelizmente, frequente nas nossas escolas.
Sem uma professora simpática, confiante, amiga e conhecedora, a criança não vence o ciclo vicioso entre as DA e o desajustamento emocional - daí a im
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AIGUMAS CARACTER%STICASDAS CRIAN(AS COMDIFICULDADESDEAPRENDl7 AGEM
portância das expectativas e do reforço positivo e de outros processos de modificação de comportamento.
As crianças emocional e socialmente desajustadas tendem a obter fracos resultados escolares, na medida em que os distúrbios emocionais desintegram
o comportamento e, consequentemente, o potencial de aprendizagem.
Para melhorar os produtos da aprendizagem, aquilo que no fundo conta para a escola, é necessário que se resolva o caos interno, onde os desequilfbrios
emocionais assumem papel de relevante importância nos processos psicológicos da aprendizagem.
A DA afecta os aspectos neurológicos e comportamentais. Neurológicos, porque na maioria dos casos subsiste um envolvimento cerebral. Comportamentais,
porque concomitantemente está implícito um envolvimento psicoemocional.
Dos distúrbios psicoemocionais, muitas vezes ampliados pelo insucesso na escola, resvala-se para o desajustamento social (delinquência, criminalidade,
etc. ), condições sociopáticas que são de evitar a todo o custo. É preciso, antes de mais, transformar a criança com DA num membro válido da sociedade, baseando
a sua aprendizagem de sucesso em sucesso, isto é, centrando a mudança de comportamento pelo enriquecimento das suas áreas fortes, e não pelo confronto desencorajador
com as suas áreas fracas.
Problemas de memória
A memória, que constitui o processo de reconhecimento e de rechamada (reutilização) do que foi aprendido e retido, é, como sabemos, uma função neuropsicológica
imprescindível à aprendizagem. Memória e aprendizagem são indissociáveis, razão pela qual as crianças com DA acusam frequentemente problemas de memorização, conservação,
consolidação, retenção, rememorização, rechamada (visual, auditiva e tactiloquinestésica), etc. , da informação anteriormente recebida.
Efectivamente, a memória envolve vários processos de recognição e de reconstrução dos dados conservados e integrados, processos esses que envolvem actividades
bioquímicas e bioeléctricas complexas que permitem artnazenar e integrar a informação.
Estão de cena forma contidas na função da memória (retenção) as funções de atenção e compreensão, na medida em que estas só se desenrolam quando aquela
se encontra intacta.
As associações significativas passadas e presentes que se operam no cérebro são devidas fundamentalmente às funções da memória. Através da memória, as
imagens são utilizadas e substituídas por palavras para permitir a formulação ideacional, que está por detrás das condutas exigidas pela aprendizagem.
379
INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
Três processos básicos e inter-relacionados da memória são reconhecidos: a memória de curto termo (imediata), a memória de médio termo e a memória de longo
termo.
A memória de curto termo tem as funções de atenção e de discriminação das mudanças, momento a momento, que ocorrem no envolvimento e a função de armazenamento
temporário (mais ou menos dois segundos) da informação quando esta está a ser processada, manipulada, organizada e codificada para a memória de longo termo.
Todas estas fases de tratamento da informação vão exigir a sua fixação, função esta especificamente operada pela memória de médio term. o.
Independentemente de se ocupar de processos sequencializados de restauração da informação, a memória de curto termo encontra-se em interacção recíproca
com a memória de longo termo, a fim de estabelecer associações significativas (ou não) entre a informação actual (presente) e a informação anterior (passada).
A memória de longo termo recebe, revê e (re)armazena a informação interpretada, percebida, organizada e compreendida tornando-a disponível e livre para
ser estrategicamente utilizada e reutilizada no futuro.
A conservação da informação anterior constitui uma função de controlo e de comparação, face à informação presente, que obviamente se integra nas funções
de formulação e de planificação antecipadoras da decisão e da acção.
Tais conservações de informação, também chamadas engramas - ou sejatn, unidades de informaÇão significativa e relevante conservadas pela acção dos ácidos
nucleicos ADN e ARN -, vão permitir a combinação e a flexibilidade das funções cognitivas da aprendizagem por meio de facilitações sinápticas específicas, processadas
entre os neurónios e as neuróglias e integradas pelo circuito de Papez.
A memória ocupa uma função importantíssima na aprendizagem. Ao seleccionar e chamar a informação assimilada e consolidada, o cérebro combina-a, relaciona-a,
classifica-a e organiza-a de uma forma sequencializada e ordenada para efeitos de recepção, de integração e de expressão.
À memória estão adstritas funções de análise, síntese, selecção, conexão, associação, estratégia, formulação, arranjo, rearranjo e regulação da informação;
daí a sua implicação inevitável na aprendizagem.
Inúmeros trabalhos de investigação demonstraram os vários tipos de problemas de memória em crianças com DA.
Gallagher e Lucito 1961 e Kirk 1968 detectaram problemas na memória sequencial auditiva. Bannatyne 1971, 1974 e M. Frostig 1964 encontraram significativa
dificuldade na memória sequencial visual entre os maus leitores. Chall 1963 revelou, numa população de crianças disléxicas, dificuldades originadas na reprodução
de estruturas silábicas.
Na nossa prática clínica temos encontrado crianças com DA que apre sentam dificuldades relevantes em reproduzir sequências de objectos, de imagens, de
desenhos, de formas geométricas, de letras, de números, de ritmos
380
ALGUMAS CARACTERÍSTICAS DAS CRIAN(AS COM DIFICULDADES DE APRENDlZ AGEM
batidos ou marchados, de gestos dos braços, das mãos ou dos dedos (imitação), etc. , apresentados quer por estímulos auditivos ou visuais, quer por estímulos
tacúloquinestésicos.
A reprodução de silabas, de palavras, de frases e pequenas histórias, noutros casos, é igualmente difícil naquelas crianças. Mais difícil é a transferência
da informação de uma modalidade sensorial (ex: imagens) para outra (ex. : fichas com os respectivos nomes), a confirmar outros problemas de memória crossomodal
e de equivalência psiconeurossensorial.
Segundo as investigações de Kirk 1964, com o seu Teste de Habilidades Psicolinguisticas (ITPA), verificou-se que os maus leitores evidenciavam mais dificuldades
na reprodução automática da informação do que nas provas de maior complexidade cognitiva. Por estes dados, podemos afirmar que os problemas da memória se reflectem
no êxito ou no inêxito da aprendizagem, razão pela qual se deve identificar tais sinais com a finalidade de sobre eles intervir sistematicamente. As memórias sequenciais
auditiva e visual devem constituir uma pré-aptidão das aprendizagens simbólicas, moúvo pelo qual deverão fazer parte de um currículo preventivo ou reeducativo,
como provaram os estudos de Klein e Schawart 1977.
Na identificação informal de problemas de meniória em crianças com DA devemos ter em conta: a natureza e a quantidade de material a reter; a forma eomo a
criança reproduz preferencialmente a informação e os diferentes tipos de respostas que se deseja ver executados; a forma como as tarefas de memória são apresentadas;
a qùantidade de prática educacional necessária para a aprendizagem do material apresentado; as estratégias de revisão, etc. Devemos também estar atentos à velocidade
de reprodução; à queda de reprodução devido ao número de elementos a reter; à perda de informação aprendida perante a aprendizagem de informação nova; à alteração,
à substituição, à omissão e à adição de elementos contidos nas tarefas de memorização; à selecção, ao armazenamento e à rechamada de informação; à especificação
da difieuldade de memorização nos planos visual, auditivo ou tactiloquinestésico, etc.
A característica das crianças com DA de se esquecerem com muita facilidade pode ter a sua explicação não só em termos de atenção e de motivação, mas também
em termos de processamento de informação. Esquecer é também sinónimo de desaprender, provavelmente porque não se operou uma organização interna que envolve processos
neurológicos determinados. Os estímulos que estão na base da aprendizagem precisam de ser identificados e discriminados, mas também armazenados, para que possam
estar disponíveis e acessíveis para as funções expressivas.
Antes da expressão da informação como produto, dão-se, antecipadamente, inúmeros processos de organização intema, baseados na memória (banco de dados).
Quer dizer, a memória é um disposiúvo-chave, eswturante e estruturador de várias funções cognitivas invariantes da aprendizagem, motivo
381
INSUCESSO ESCOIAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
pelo qual muitas crianças com DA reagem escolarmente com problemas psicolinguísticos e psicomotores, na medida em que o processo da linguagem e o processo das práxias
(manipulações construtivas) se encontram dependentes, em grande dimensão, da memória. A limitação da informação lembrada e rememorizada (seleccionada) é, consequentemente,
uma limitação da aprendizagem.
Dentro desta perspectiva dos tipos de dificuldades de memorização surgem com maior frequência na criança com DA dificuldades de memorização auditiva e de
memorização visual.
Na memorização auditiva reconhecem-se naquelas crianças dificulda des em compreender e lembrar simples instruções (exemplo: Fecha a pona, tira o casaco
e senta-te na carteira, ). Nestas situações poderão executar a primeira tarefa, mas esquecer as restantes. O mesmo se verifica na reprodução de números de telefone;
aqui, as omissões e as substituições são frequentes. De igual modo se pode encontrar enormes dificuldades na reprodução de silabas não significaúvas (exemplo
cro ufre", nha, a criança poderá reproduzir oralmente co, fer lhe"). Nesta modalidade sensorial, altamente associada à linguagem, é frequente encontrar
crianças que não conhecem aos seis/sete anos o nome da sua rua, o número da sua porta e o respectivo andar; podem surgir difi culdades em fixar lenga-lengas, pequenas
histórias representativamente contadas, simples rimas ou canções, etc. , o que é evidentemente revelador deste tipo de dificuldades. Daqui resultam obviamente
dificuldades em processar informação, categorizá-la, classificá-la e recategorizá-la para formar conceitos. As dificuldades em produzir respostas apropriadas
em termos semânticos e sintáxicos são, por consequência, inevitáveis nas crianças com DA, que usualmente se perdem na complexidade fonética da linguagem, onde
tendem a valorizar compensatoriamente a mímica e o gesto para comunicar as suas mensagens. Não se lembram das palavras para comunicar espontaneamente ou para expressarem
o que querem dizer; daí as suas características disnómicas que redundam em experiências frustracionais. Por outro lado, surgem dificuldades de formulação de frases,
distorcendo a ordem das palavras, omitindo outras, alterando os tempos dos verbos, etc. , e caindo frequentemente em erros gramaticais muito depois de a criança
normal os ter corrigido. Para comunicar a criança precisa de compreender a linguagem, manipular símbolos, lembrar sequências de letras em palavras e de palavras
em frases, generalizar princípios para as eswturar, inferir relações entre palavras, etc. , para depois produzir frases de uma forma original e peculiar.
A criança que apresenta dificuldades de memória e de sequencialização auditiva demonstra uma inadequada utilização da linguagem e, subsequentemente, problemas
de aproveitamento escolar e de integração social.
Na memória visual, reconhece-se, em complemento, outro úpo de problemas.
382
ALGUMAS CARACTERÍSTICAS DAS cRlANças COM DIFICULDADES DE APRENDllA GEM
Dentro dos problemas de memória visual mais abordados no campo das DA ressaltam os da memória visual imediata e os da rechamada de pormenores visuais de
experiências anteriores.
Na memória visual imediata localizam-se as funções de reconhecimento momentâneo de estruturas espaciais como imagens, símbolos gráf, cos, letras, números,
palavras, etc. No caso das crianças com DA, a relação entre o todo e as partes surge mal organizada, podendo daí surgir uma dificuldade de armazenamento de informação.
Dá-se um reconhecimento momentâneo que não é reutilizado posteriormente, daí resultando problemas de leitura e de escrita.
Na rechamada de pormenores visuais de experiências anteriores a criança com DA parece funcionar só quando o modelo está presente. Se a amostragem dos estímulos
surgir rapidamente, haverá dificuldade em os rechamar passado algum tempo. O que parece funcionar são as funções de cópia, mas se o estímulo desaparece, a faculdade
de os utilizar, mesmo depois de os copiar, não surge imediatamente. A capacidade de se autorrelembrar dos pormenores espaciais intrínsecos e extrínsecos parece
estar vulnerável e frágil. A criança com DA, se vê um b ou um 6", lembra-se do que são e do que representam, todavia parece não poder chamar espontaneamente
o b" ou o 6, sem uma ajuda visual determinada.
Noutros termos, a criança com DA parece não reexperimentar a experiência, ou melhor, não reoisualizar os símbolos. Neste caso, ao contrário da memória
imediata (dita de cuno termo), a criança pode até ler razoavelmente, só que tem grandes dificuldades em situações de escrita espontânea ou de ditado, visto
ter problemas em rechamar as letras e em processá-las correctamente em termos grafomotores.
Este tipo de dificuldade pode resultar noutras áreas comportamentais, como por exemplo na aprendizagem da música, ou noutras aprendizagens de conotação
e escrutínio, só que no caso da leitura, da escrita e do cálculo, ela assume uma relevância social mais significativa.
Para além destes dois aspectos da memória visual, não podemos omiúr a sequencialização visual (visual sequencing), que igualmente penence à função da memória
visual. Esta área requer a capacidade de lembrar uma sequência de esúmulos visuais que por exemplo está implicada na escrita espontânea.
De certo modo, quer a leitura (recepúva), quer a escrita (expressiva) requerem uma sequência inequívoca de letras, quer na descodificação, quer na codificação.
No caso de esta sequência ser modificada com inversões, adições, omissões ou substituições, toda a significação se encontra em riscos de ser mal processada e
compreendida.
Esta função sequencial, essencial para o vocabulário visual (sight vocabulary) e para o ditado, pode ser detectada muito cedo, até mesmo no ensino pré-primário.
É frequente, nesta fase, identificar crianças que escrevem o seu nome incorrectamente, omitindo letras ou as suas combinações, ou mesmo em
383
INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
jogos de sequencialização, onde poderão ocorrer frequentes desordenações de equivalência e de seriação. Com estas dificuldades, o início da leitura torna-se frustracional,
na medida em que as crianças não conseguem reter nem relembrar o gelstalt visual de palavras e mesmo até de letras. A configuração total da palavra e das letras
não ocorre facilmente, isto é, são rechamadas, mas mal ordenadas. Por isso, as crianças com DA, ao lerem o que escrevem, raramente detectam os seus próprios
erros ortográficos.
Perante esta dificuldade, a integração dos grafemas e a própria velocidade de descodificação na leitura ficam afectadas. Como não ocorre um reconhecimento
rápido, a velocidade é reduzida, podendo por esse facto originar problemas na compreensão, na medida em que cada palavra é lida como se fosse pela primeira vez.
Por esse facto dificulta-se o acesso à equivalência dos fonemas, pondo em causa o sistema de significação envolvido no acto da leitura. Em termos inversos, ou
seja, na codificação da escrita, o mesmo tipo de problemas tende a manifestar-se.
Como a leitura, a escrita e o cálculo envolvem abstracções que dependem em grande parte da memória de longo termo, qualquer dificuldade neste subtipo ou
no da memória de curto termo complica o processo da aprendizagem simbólica. De certa forma, a memória, como fenómeno evolutivo que inclui a função do reconhecimento,
inter-relacionada, como sabemos através de Piaget 1965, com a percepção e com os esquemas sensoriomotores, consubstancia uma reconstrução de elementos anteriormente
experimentados e conservados. Se tal reconstrução não se operar quer em termos visuais (imagem), quer em termos auditivos (linguagem), todas as funções de rechamada
contidas no processo antecipativo do comportamento e da aprendizagem não permitem evocar respostas ajustadas e adequadas.
Como a memória se demonstra pelas sucessivas mudanças de comportamento, que envolvem qualquer aprendizagem, simbólica ou não, não restam dúvidas de que
as suas desordens põem em risco as associações significativas e não significativas que a integram. Tais desordens afectam a assimilação, o armazenamento e a rechamada
da informação, razão pela qual é necessário dar mais atenção a esta área nos curriculos das pré-aptidões simbólicas, dada a sua influência imprescindível na aprendizagem.
Problemas cognitivos
Como temos vindo a analisar, as aprendizagens simbólicas como a leitura, a escrita e o cálculo envolvem processos cognitivos muito complexos.
A leitura, por exemplo, constitui uma actividade cognitiva que consiste em extrair significações (meanings) de símbolos visuais.
A experiência vivida e interiorizada pelo indivíduo leitor (iniciado ou experimentado) permite-lhe converter os símbolos impressos em significações,
384
ALGUMAS CARACTERÍSTICAS DAS CRIAN AS COM DIFICULDADES DEAPRENDIIAGF
aa'avés de vários processos cognitivos que tentaremos, por agora, apenas explorar.
As letras e as palavras impressas são interiorizadas a partir de aquisições cognitivas básicas que em muitas crianças com DA se encontram fragilmente consolidadas
e estruturadas.
-- A. Inùtação -
(Ditado) Fonemas Audição Ap e Aniculemas (Leitura oral) f onador
Sistema
( Leitura) Optemas Visão mo Grafemas (Ortografia)
- l Cópia Il Grafemas Escrita
Fala
t emas
Arùculem AudiçãoL"
Fonemac
Figura 121- A leitura como uma dupla actividade simbólica
Quando lemos, é necessário, antes do mais, percepcionar, armazenar e t cbamar as configurações das letras, das palavras e das hases, e posteriornte
relacioná-las com os respectivos equivalentes auditivos, processo eognitivo este com o qual se atinge a aquisição da significação e com o qual o leitor, neste
momento, se confronta. Tal significação resulta das relações de conteúdo interiorizadas por meio de experiências psicologicamente representadas e retidas.
A leitura, por consequência, compreende uma dupla actividade simbóGca em que os símbolos escritos (grafemas - segundo sistema simbólico) se transformam
em equivalentes falados (fonemas - primeiro sistema sim
385
INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
bólico), elementos estes anteriormente aprendidos e fixados em experiências representativas e significativas que consubstanciam a linguagem falada:
Como vemos por esta simples descrição, a leitura coloca não só um processo e uma aprendizagem, como igualmente um duplo sistema simbólico que implica um
variado número de aquisições cognitivas ainda hoje pouco conhecidas ou quase ignoradas.
De facto, a leitura não utiliza o primeiro sistema simbólico, ou seja, a linguagem falada, sistema com que armazenamos experiências, significações,
informações, conhecimentos, etc.
A leitura emprega um sistema de um sistema (segundo sistema simbblico), que permite traduzir um equivalente visual num equivalente auditivo, transferindo
a informação de um processo sensorial para outro até que seja significativamente compreendida.
, -1- 1, 1 Compreensão Iliscri
GRÁFICO ORAL auditiva vsu%1
INPUT Ì
OUTPUT
T LE A
Grafomohicidade FALA COMPREENSÃO
ESCRITA '
i i
i _ i
LINGUAGEM FALADA
LQVGUAGEM ESCRI'fA
Figura 122 - Sistemas cognitivos da leitura
Esta transferência graféticofonética, operação cognitiva complexa, é o segredo do acesso à significação através da leitura. Para atingir a compreensão,
a visão serve-se inicialmente (intersensorialmente) da experiência anterior auditiva para adquirir significações, desenvolvendo posteriormente, com a habituação
no seu próprio sistema (intrassensorialmente), tal aquisição. Por este motivo, a leitura surge como um sistema simbólico secundário, alicerçado no primeiro sistema
simbólico, ou seja, na linguagem falada (re ceptiva e expressiva), por sua vez dependente da linguagem interior, como vimos atrás.
386
ALGUMAS CARACT ERf S7'ICqS DAS CRIAN AS COM DIFICULDADES DE APREN DlÍ AGEM
A leitura oral é a expressão verbal exacta da linguagem escrita. Ao contrário da leitura silenciosa, que não envolve a expressão verbal, a leitura
oral envolve:
I) uma percepção visual e uma memória visual apropriadas que ocorrem, no leitor experimentado, a uma velocidade de descodificação
de centésimos de segundo;
2) uma relação sinal-som inequívoca não só de equivalentes graféticofonéticos, necessários à produção verbal, como igualmente de uma relação
fonema-monema imprescindível para a produção de significações;
3) uma formulação auditivoverbal para a expressão dos sons da fala obviamente necessários para a fluência e a produção orais.
Por este esquema simples podemos perceber a complexidade das tarefas cognitivas que surgem à criança que inicia a aprendizagem da leitura, ao mesmo tempo
que isolar as variáveis cognitivas e os seus distúrbios e dificuldades.
A relação entre a palavra escrita (impressa graficamente) e o sistema simbólico de significação é uma operação cognitiva que envolve processos neuropsicológicos
específlcos, como, por exemplo: codificação e descodificação, percepção e memória, transdução e tradução de uns sistemas noutros etc.
A aquisição da significação obtida a partir dos símbolos grícos põe em jogo, comojá vimos, vários processos cognitivos de aprendizagem inter-relacionados
processos esses que se encontram relativamente vulneráveis na crian a com DA. ç
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Figura 123 - Processos cognitivos da leitura
387
INSUCESSO ESCOIAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
Dentro desses processos cognitivos diferenciam-se os seguintes: processos de conteúdo (não verbal e verbal), processos sensoriais (auditivos, visuais,
tactiloquinestésicos, sejam intrassensoriais, intersensoriais ou integrativos) e processos de hierarquização da aprendizagem (percepção, imagem, simbolização
e conceptualização).
Vejamos agora, de uma forma sumária, o que se passa em cada um destes processos em relação às crianças com DA.
Nos processos de conteúdo, as crianças com DA tendem a acusar mais dificuldades nos conteúdos verbais do que nos não verbais Inúmeros dados da investigação
psicológica, fundamentalmente dos que resultam da aplicação da WISC (Weschler Inteligence Scale for Children) e do ITPA (Illinois Test of Psycholinguist Abilities),
oferecem-nos informações que ilustram a discrepância entre o potencial verbal e o potencial de realização (também entre nós chamado de performance, ou seja,
o potencial não verbal).
As aplicações da WISC (e do WISC-R última revisão) têm sido extensivamente aplicadas no campo das DA, de uma forma poucas vezes perceptível para quem tenha
de seguir crianças com DA. A informação que se pode obter da WISC em termos de quociente intelectual (QI) pode ser de grande valor para o reeducador.
Como se sabe, o QI, em termos da WISC, fornece-nos dois quocientes:
a) Quociente verbal, obtido à partir dos subtestes de informação, semelhanças, vocabulário, compreensão, aritmética e memória de dígitos
(QIV);
b) quociente de realização ou de performance (dito não verbal), obtido a partir dos subtestes: completamento de imagens, disposição de imagens,
cubos, composição de objectos (quebra-cabeças), código e labirintos (QINV).
A definição da criança com DA, muito dependente da aplicação da WISC, ocorre quando o QI 80-90. A criança com DA tem, portanto, um QI médio, ou seja,
funciona a um nível intelectual normal; só que o seu perfil cognitivo intraindividual nos surge discrepante e heterogéneo, isto é, entre o QIV e o QnVV subsiste
um desnível (MyKlebust 1971, Meier 1971 e Bannatyne, 1974).
Independentemente de sobre este problema continuarem a subsistir muitas controvérsias e poucas provas, não há dúvidas de que se tem de avançar no estudo
dos atributos cognitivos das crianças com DA. Sem se especificar as características destas crianças por meio de investigações psicopedagógicas fidedignas, dificilmente
se dimensionará, quanto a nós, meios mais eficazes de identiftcação, diagnóstico e intervenção.
Actualmente, com base nas investigações de Rourke e colaboradores 1975, 1989, 1993, 1995, as DA apresentam dois subtipos principais: as DA ditas verbais,
que temos vindo a estudar, e as DA não verbais (DANV) - ver Capítulo 6.
388
ALGUMAS CARA CfERÍS TICAS DAS CRIAN AS COM DIFICUIDADES DE APRENDTIAGEM
Embora se tenha estabelecido um acordo entce investigadores de que a característica homogénea da criança com DA é a sua inteligência normal, Ames 1968 e
Bryant 1974 obtiveram nos seus estudos em duas populações de crianças com DA 25% de crianças com funcionamento intelectual subnotmal (subnormal intelectualfunctioning
- SIF), às quais se deveria dar a designação mais apropriada de deficientes mentais edueáveis (DME).
Não cabe neste livro tratar deste ponto tão crucial da psicopedagogia actual, pois sabemos do embróglio, da questão. Efectivamente, é cada vez mais
difícil, em termos de capaeidade inteleetual medida pelo QI, definir o ponto que distingue a inteligência normal da subnormal. Uns defendem o QI de 80-85, outros
defendem o Ql de 70 (Mercier 1975); enfim, a exclusividade e a infalibilidade da psicometria não esgotam o assunto.
Mais recentemente, Bannatyne 1968, 1971 e 1974, Myklebust 1978, Rugel 1974, Kaufman l 98 l, Werner 1981, etc. têm estudado os perfis intelectuais
das crianças com DA, tendo concluído que os perffs dos subtestes são inequivocamente disúntos dos das crianças normais.
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Figura l24 - Vales e picos na WISC em crianças com DA (QI - quociente intelectual; QN - quociente intelectual verbal;
QflVV - quociente intelectual não verbal)
389
INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
Vales, e picos, surgem como subcomponentes da capacidade int lectual: o QIV significativamente diferenciado do QINV em termos de média; o subteste
da Aritmética com o resultado mais baixo e o subteste da Corr!preensão com o mais elevado na escala verbal; os subtestes da Composição die Objectos e do Completamento
de Figuras com os resultados mais altos e o subteste do Código com o resultado mais baixo na escala não verbal; o QINW significativamente superior ao QIV; etc.
Nos estudos de Bannatyne 1975, quatro dos cinco subtestes da escala nãa verbal (de realização) obtiveram resultados médios superiores ao subtestie mais
cotado da escala verbal. Todavia, o subteste não verbal do Código obteve resultados quase tão baixos como os subtestes da escala verbal menois cotados (Informação
e Aritmética).
Que conclusões se deve tirar destes perfis cognitivos das crianças com DA?
Primeira: muitas crianças com DA não possuem, de facto, uma uinteligência normal (para Bryant só 37%a das crianças com DA satisfazem este critério),
pois foram obtidas grandes amplitudes nas médias, nalguns casas diferenças de 17 pontos.
Segunda: os resultados obtidos na escala não verbal são quase sempre superiores aos da escala verbal (discrepâncias de 10 pontos).
Terceira: as crianças com DA diferenciam-se não tanto em termos intelectuais qualitativos, mas mais em termos quantitativos.
Quarta: a análise dos subtestes da WISC-R subentende que as crianÇas com DA acusam uma dificuldade cognitiva geral ou psicoeducacional que se diferencia
nos vários subgrupos mais em termos de severidade do que em termos de variedade.
Quinta: a WISC-R fornece pouca informação se apenas forem divulga dos os índices globais, isto é, o QIV ou o QINV (realização ou performance); pode, no
entanto, constituir um processo de diagnóstico inestimável e poderoso se for recategorizado neuropsicologicamente.
Bannatyne é um dos autores a sugerir uma recategorização dos subtestes da WISC.
A sua recategorização é a seguinte:
Categoria Espacial (Cubos, Composição de Objectos e Completamento de Imagens)
Categoria Conceptual (Vocabulário, Semelhanças e Compreensão); Categoria Sequencial (Código, Aritmética e Memória de Dígitos).
Com base nesta recategorização, o mesmo autor verificou que as crianças com DA obtêm melhores resultados na Categoria Espacial e os mais baixos na Categoria
Sequencial, com resultados intermédios na Categoria Conceptual.
O que quererá isto dizer em termos de problemas cognitivos para as crianças com DA?
390
ALGUMAS CARACTERÍSTICAS DAS CRIANÇAS COM DIFlCUlDADES DE APRENDI7AGEM
Muito, não só para se compreender melhor os seus estilos de aprenúizagem, mas também para melhor gerir os recursos e estratégias pedagógicos, permitindo
assim um melhor ajustamento às suas necessidades educacionais específicas.
Como temos vindo a abordar, a leitura depende muito das variáveis cognitivas exigidas pelos subtestes da Categoria Sequencial. Ora vejamos:
O Código mede a capacidade de copiar e transferir símbolos não significaùvos para números e requer um bom controlo oculomotor, velocidade motora, memória
visual de curto termo, direccionalidade, fixação e compreensão do conceito de código. A Aritmética mede não só a capacidade de reter pormenores apresentados oralmente
e de resolver problemas matemáúcos, mas também a concentração e a memória auditiva de curto termo, e requer conceitos matemáticos, rechamada precisa de factos
quantitaúvos, memória auditiva para pormenores e visualização da linguagem (transdução auditivovisual e vice-versa). A Memória de Dígitos mede não só a capacidade
de manipular dígitos apresentados auditivamente e de uma forma sequencial, mas igualmente a atenção e a concentração, a memória auditiva imediata e sequencial,
a capacidade de visualização, etc.
Por este atalho pelas características intelectuais das crianças com DA que fomos forçados a fazer, pois não era nossa intenção focar tais aspectos neste
capítulo, somos levados a concluir que as aprendizagens simbólicas não poderão continuar a ser concebidas por formas psicológicas ou pedagógicas simplistas. Sem
esclarecer e substancializar, em termos cognitivos, o que se passa nas aprendizagens simbóGcas, corre-se o risco de segregar educacionalmente cada vez mais crianças
com potencial intelectual.
De facto, a leitura envolve aquisições não verbais como a selecção figura-fundo, a discriminação e o reconhecimento auditivo e visual, a rechamada de
imagens e sua sequencialização, etc. É evidente que as crianças com DA surgem com problemas nalgumas destas aquisições, como vimos atrás, comprometendo o desenvolvimento
de outras aquisições da leitura.
A capacidade de transferir conteúdos de imagens (factores não verbais) para conteúdos de palavras (factores verbais) é hoje reconhecida como uma pré-apádão
da leitura, na medida em que as crianças deverão poder extrair conteúdos das imagens expressando-as em termos de linguagem falada. Trata-se de processos neuropsicológicos
que envolvem os dois hemisférios cerebrais. O hemisfério direito, norrnalmente ligado aos conteúdos não verbais, tcansfere para o esquerdo as significações que
terão de ser processadas em termos de fala. Esta transdúção do não verbal para o verbal é indis pensável à aprendizagem humana e imprescindível para a leitura.
Não se trata de analisar separadamente os processos verbal e não verbal. No caso das crianças com DA, por vezes confrontamo-nos com crianças que não têm
problemas em cada um dos processos. Expressam-se oralmente de uma forma fluente, por vezes até exagerada, com um vocabulário versátil, e inclusivamente manipulam
imagens e séries de imagens com facilidade.
391
INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGrlGICA
O problema parece centrar-se mais quando transferem a informação do veF bal para o não verbal e vice-versa. As dificuldades nestes processos co _ tivos intra-hemisférios
ou inter-hemisféricos implicam um conjunto problemas que interferem com a eompreensão, a inferência de significaçõa e a interpretação da informação contida na leitura
e é neste parâmetro qts: temos detectado, na nossa prática clínica, vários problemas cognitivos crianças com DA.
Nos processos sensoriais, quer numa modalidade (intrassensorial), qsr em duas (intersensorialmente), quer nomeadamente em três, como por exemplo no acto
da escrita em que estão envolvidos simultaneamente a visão ' (optemas), a audição (fonemas) e o sentido tactiloquinestésico (grafemas), as crianças com DA evidenciam,
igualmente, vários problemas cognitivos de transferência de informação.
É frequente identificar as DA com problemas intrassensoriais auditivos, nomeadamente dificuldades de identificação fonética, de discriminação de pares
de palavras, de sequencialização de silabas ou de memória de curto termo de repetição de palavras ou frases, etc. Os problemas intrassensoriais visuais também
são frequentes, inclusivamente os de identificação de pormenores em imagens, de completamento (closure) de desenhos, de inúmeros problemas de figura e fundo e
da constância da forma, da posição e da relação espacial, como vimos atrás nos problemas perceptivos deste capítulo.
Na base dos problemas perceptivos estão os conceptuais, razão pela qual as crianças com DA evidenciam problemas naformação de conceitos. Efectivamente,
tais crianças acusam também dificuldades de classificação, na medida em que não localizam nem retiram pormenores, atributos, comparações, contrastes, estruturas
e funções das percepções dos objectos e dos acontecimentos e, por esse motivo, têm dificuldades em obter associações ou em formar abstracções dos mesmos.
Na nossa experiência clínica temo-nos dado eonta das dificuldades dos nossos reeducandos quanto à identificação e à exploração de pormenores em imagens,
ou suas sequências, bem como em histórias. Fixam-se em descrições diseretas, contíguas e simples, por vezes exageradamente concretas e sintagmáticas. Raramente
identiflcam semelhanças ou propriedades invariantes e comuns em objectos diferentes. Carecem de processos de escrutínio, de pesquisa e análise sistemática e de
estruturas paradigmáticas.
Dentro deste parâmetro de dificuldades cognitivas, não podemos esquecer a resoluÇão de problemas (problem solving) que, de certa forma, também está ligada
ao que estivemos a abordar. A resolução de problemas é uma actividade em que a experiência anterior é utilizada para reorganizar as componentes de uma situação
problemática, a fim de atingir um dado objeetivo. Compreende a rememorização, a estratégia e a táctica de raciocínio (dedutivo ou indutivo), a chamada, a selecção
e a organização dos dados para formular princípios, relações e associações que envolvem a própria solução dos problemas. Também aqui, as crianças com DA
392
ALGUMAS CARACTERÍSTICAS DAS CRIAN AS COM DIFICUlDADES DE APRENDl7 AGEM
acusam dificuldades, pois escapa-lhes uma eerta sistematização e uma planificação das tarefas, das rotinas e das prioridades e hierarquizações que envolvem a resolução
dos problemas, para além da descobena de meios e fins e da transferência de princípios. O raciocínio surge desorganizado, fragmentado, irrelevante e sem inferências
ou premissas, quer nas actividades lúdicas, quer nas aprendizagens simbólicas.
Independentemente de estes problemas serem facilmente detectados nas crianças com DA em termos cognitivos, é interessante realçar que os distúrbios tendem
a multiplicar-se quando se trata da tradução de uns sistemas noutros, ou seja, nos processos interssensoriais que inequivocamente estão envolvidos na leitura e
na escrita.
Nestas duas aprendizagens simbólicas, como sabemos, os sistemas visuais e os sistemas auditivos estão constantemente envolvidos.
Efectivamente, os proeessos simbólicos envolvem vários exemplos de sistemas eognitivos intersensoriais. O auditivovocal (na imitação de palavras ou instruções),
o visuomotor (na cópia), o auditivomotor (no ditado), o visuovocal (na leitura oral).
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OPTEMAS visual motor -il - GRAFEMAS
Figura l25 - Processos simbólicos e processos cognitivos
É de ceno modo nestes sistemas de equivalência e conversão que se situam os problemas cognitivos nas crianças com DA. Evoluir dos processos auditivos para
os visuais, dos visuais para os auditivos, dos tactiloquinestésicos (motores) para os auditivos ou para os visuais e vice-versa parece não ser fácil nestas crianças.
Qualquer disfunção nos processos intersensorias parece comprometer o sucesso na aprendizagem simbólica.
A compreensão da leitura não está, evidentemente, apenas dependente de uma modalidade de processamento da informação, mas também da translação da informação
de uma modalidade para outra ou da simultaneidade e do cruzamento de informações que materializam o processo integrativo, verdadeiro supra-sistema cognitivo que
é utilizado nas aprendizagens simbólicas.
393
lNSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
Por esta análise podemos aperceber-nos dos problemas cognitivos das crianças com DA que evidenciam certas dificuldades nestes sistemas, dificuldades essas
que se reflectem nos processos receptivos e expressivos e suas interacções sistemáticas concomitantes, daí resultando os diversos tipos e subtipos de dislexias
e de disortografias.
Nesta fugaz análise dos problemas cognitivos das crianças com DA falta-nos abordar os processos de hierarquização da aprendizagem. De facto, a leitura
envolve todos os níveis do sistema da aprendizagem: percepção (discriminação grafética e fonética); imagem (categorização grafema-fonema, bases do processo de descodificação);
simbolização (abordagem-processual ou ataque de palavras, compreensão, fixação da ideia principal e localização de pormenores, etc. ); e conceptualização
(conclusões, deduções, comparações, interpretações, níveis criativos e críticos, manipulações das ideias e proposições e sua relação com os diferentes contextos
passados e presentes, etc. ).
Visto que se trata de um sistema com várias fases e níveis de processamento, é claro que qualquer disfunção ou dificuldade num nível pode afectar todo o
encadeamento sistemático dos restantes níveis. Se efectivamente for possível isolar a disfunção (ou as disfunções) por meio de um diagnóstico (intra ou interníveis),
talvez se possa vir a compreender melhor qual o tipo de intervenção a implementar posteriormente.
Problemas perceptivos implicam inequivocamente problemas cognitivos, perturbando o reconhecimento integral das palavras. Problemas de imagem ou de memória
de curto termo vão, evidentemente, intervir com o armazenamento da informação, dificultando o processamento simbólico concomitante. Se por sua vez este se encontrar
afectado, os níveis de compreensão logo sofrem, perdendo-se a riqueza e a inter-relação das operações concretas e abstractas intrínsecas do acto da leitura.
Por aqui se conclui que a leitura, aliás como as restantes aprendizagens simbólicas (escrita e cálculo), integra uma série de complexas combinacões cognitivas,
parecendo ser neste quadro que surgem os problemas das crianças com DA.
Atenção selectiva, organização perceptiva visual e auditiva, orientação espacial superior-inferior e esquerda-direita, discriminação graféticofonética,
vocabulário visual, identificação fonética, silabação, memória de curto termo, recognição visual e auditiva, etc. , são algumas das múltiplas pré-aptidões
da leitura. Da rede das suas combinações cognitivas resulta a compreensão que se retira dos símbolos impressos.
Na leitura, os símbolos visuais recebidos são convertidos em equivalentes auditivos por um processo intermodal. Para passar da modalidade auditiva à fala
na leitura oral de novo se exige um processo intermodal que envolve então a rechamada (reauditorização) dos articulemas, que, uma vez formulados interiormente,
irão proporcionar a correcta expressão vocal (oromotora), ou seja, uma leitura oral sem repetições nem hesitações, sem omis
394
AI, GUMAS CARACTERÍSTICAS DAS CRIAN AS COM DIFICUlDADES DE APRENDTIAGEM
sões, inversões, adições nem substituições, de forma a libertar os processos cognitivos para a compreensão e o ajuizamento acerca da informação escrita.
Quer as disfunções de processamento de informação, quer as dificuldades cognitivas podem emergir em cada um dos níveis de aprendizagem ou nos seus sistemas
de conversão ou hierarquização, dificultando, por interferência de uns processos noutros, o processo da leitura.
Na base da estruturação dos diferentes níveis de aprendizagem, da percepção à conceptualização, podemos agora discriminar ou identificar o tipo de distúrbios
que caracterizam as dislexias, as disortografas ou discalculias.
Será que o segredo da intervenção reeducaúvoterapêutica, nestes casos, está na possibilidade de se isolar os níveis de processamento de informação onde
ocorrem dificuldades?
Pensamos que sim, na medida em que as componentes cognitivas das aprendizagens simbólicas podem ser não só melhor analisadas, mas também melhor compensadas,
orientando estrategicamente as tarefas pedagógicas de acordo com o per Jìl cognitivo - Kestilo de aprendizagem" - do reeducando; daí a relevância de programas de
enriquecimento cognitivo neste domínio.
Pelo quadro seguinte, e no que diz respeito à leitura, os níveis de aprendizagem surgem eswturados em tarefas e subtarefas, mais ou menos da seguinte
forma:
INPUT I OUTPUT
Recepção do símbolo visual envolvendo a - Produção vocal de símbolos auditivos envolmodalidade visual e o conteúdo verbal: per- vendo sistemas cognitivos
para a modalicepção, imagem e simbolização. dade auditiva e o conteúdo verbal: imagem,
simbolização e fala (expressão-resposta).
Segundo sistema simbólico. Primeiro sistema simbólico.
A significação ocorre por interiorização, relacionando os símbolos verbais com as experiências vividas e retidas primeiro através da audição (primeiro sistema
simbólico) e posteriormente através da visão (segundo sistema simbólico).
A significação, por conseguinte, compreende uma integração que resulta da interacção e de conteúdos verbais com conteúdos não verbais. Aqui, nesta relação
inter-hemisférica e interneurossensorial (transdução visual e auditiva e vice-versa) nasce provavelmente a compreensão, ou melhor, a aprendizagem integrativa que
resulta da leitura como acto de apropriação de informação e de cultura.
É talvez agora mais fácil compreender porque é que uma disfunção em qualquer destes sistemas cognitivos pode comprometer a leitura. Parece
395
INSUCESSO ESCOIAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
mais ou menos claro que uma análise cognitiva das tarefas que envolvem a leitura pode ajudar quem se dedica ao diagnóstico e à reeducação das DA.
Sem identificarmos dinamicamente nem especificarmos cognitivamente as áreas fortes (integridades da aprendizagem) e as áreas fracas (dificuldades de aprendizagem)
da criança com DA estaremos, provavelmente, longe do programa educacional apropriado a cada caso, ou longe dos pré-requisitos cognitivos a desenvolver.
Em resumo: as capacidades eognitivas - atenção, percepção, proces samento, memória, planificação - são básicas e essenciais para que uma criança aprenda
a ler e a eserever rápida e facilmente.
O desenvolvimento destas capacidades engloba todo o processo da aprendizagem em que a eonsciencialização linguística, o processamento flexível e plástico
da informação auditiva e visual, a abstracção de regras convencionais e o uso hierarquizado léxicossintácticos são capacidades perceptivas e cognitivas indispensáveis
para se extrair significações (ou redes e sistemas de significações) dos processos da leitura e da escrita.
Ler e eserever são produtos finais, do cérebro resultantes de processos de codificação e descodificação que, incontestavelmente, envolvem sistemas
sensoriomotores, linguísticos e cogniúvos extremamente complexos e integrados.
Por este panorama começamos a antever a natureza da leitura, aquisição cognitiva complexa que surge como um obstáculo ao desenvolvimento da personalidade
de muitas crianças normais.
Antes de nos preocuparmos com a designação e o rótulo de crianças como crianças disléxicas" ou crianças com dificuldades de aprendizagem, ete. , temos
antes de tentar compreender o processo da leitura e a extensão e a dimensão das suas exigências cognitivas.
Com base na análise sumária de algumas características das crianças com DA pensamos que algo se poderá perspecúvar em termos prevenúvos - o que interessa
ao currículo do ensino pré-primário - e em termos de aprendizagem ou de reeducação - o que interessa a todo o sistema educacional -, pois sabemos que, quando uma
criança não lê ou lê mal, ela não falha só na leitura, antes compromete todo o seu desenvolvimento cogniúvo consubstanciado no aproveitamento escolar e, consequentemente,
toda a sua adaptação psicossocial.
Problemas psicolinguísticos
Variadíssimas investigações têm demonstrado a relação estreita entre os processos psicolinguísticos (receptivos, integrativos e expressivos) e as desordens
da linguagem falada e da linguagem escrita.
Iremos, nesta caracterização superficial, abordar apenas os proeessos psicolinguísticos mais predictivos das DA.
396
ALGUMAS CARACTERÍSTICAS DAS CRIAN(AS COM DIFICUI. DADES DE APRENDIZAGEM
Quanto aos sinais mais significativos, aponta-se os seguintes: problemas na compreensão do significado de palavras, de frases, de histórias, de conversas,
de diálogos, etc. ; problemas em seguir e executar inswções simples e complexas; problemas de memória auditiva e de sequência temporal, quer não simbólica, quer
simbólica; vocabulário restrito e limitativo; frases incompletas e mal estruturadas; dificuldades de rechamada de informação; problemas de organização lógica e de
experiências e ocorrências; dificuldades na formulação e na ordenação ideacional; problemas de articulação e de repetição de frases, etc.
Fácil é agora compreender que os processos psicolinguísticos se podem subdividir em receptivos (auditivos e visuais), integrativos (retenção, compreensão
e associação) e expressivos (rechamadas, programações verbais orais e motoras).
O modelo do Illinois Test of Psycholinguistic Abilities (ITPA) proposto por Kirk e McCarthy 1961, a que já nos referimos, tem sido, em certa medida,
o instrumento mais utilizado nesta área.
Várias investigações demonstraram frequentemente que as crianças com DA apresentam problemas de recepção, de associação auditiva, de completamento gramatical
e de memória auditiva sequencial.
Por exemplo, na recepção auditiva, perante perguntas-estímulos como: KAs cadeiras comem ?, Os cães voam ?", As bananas telefonam ?", As pontes
sonham ?", As pessoas cegas vêem ?", etc. , - as crianças com DA podem responder afirmativamente, não se apercebendo do aspecto absurdo da pergunta, e escapando-lhes,
com mais frequência, a atenção crítica e discriminativa de significações.
Na associaÇão auditiva, por exemplo perante situações como: O coelho é rápido, a tartaruga é O dado é um cubo, a bola é uma ", Um homem pode ser
um rei, uma mulher pode ser uma O gelo é sólido a água é ", Os anos têm estações, os escudos têm etc. , a criança com DA poderá evidenciar dificu dades
em seleccionar situações convencionais e analogias verbais (sinónimos ou antónimos), devido a problemas de vocabulário, de reconhecimento ou de rememorização (rechamar
auditivamente, ou seja, a palavra adequada ao contexto, o equivalente da dimensão paradigmática de Jakobson).
No completamento gramatical as frases-estímulos põem em relevo o nível de conhecimento sintáctico. Por exemplo, nas frases-estímulos Aqui está uma cama,
aqui estão duas (plural)", A porta está aberta, ontem a porta (tempo do verbo)", A Maria
uma carta no Sábado, a criança com DA poderá encontrar dificuldades em completar correctamente as frases, demonstrando mais dificuldades automáticas do
que dificuldades lógicas, tudo isso devido normalmente ao desconhecimento do sistema de linguagem ou das regras gramaticais tácitas (o equivalente da dimensão sintagmática
de Jakobson).
397
INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGlCA
Não se trata de um problema de significação, mas antes de analisar a capacidade em utilizar e criar novas frases, mantendo inalteradas as regras linguísticas
que permitem a produção infinita da linguagem.
De qualquer modo, parece evidente que as crianças com DA evidenciam algumas dificuldades em adquirir e em utilizar as estruturas gramaticais básicas, ou
seja, o sistema de linguagem (Mc Grady 1972).
O seu desenvolvimento sintáctico apresenta vários episódios de linguagem infantil, problemas de articulação atraso nas primeiras palavras dificuldades
de expressão", dificuldades nos contrastes, etc. Parece subsistir, no caso das crianças com DA, uma lentidão ou uma distorsão na aquisição de regras generativas
para a produção de linguagem, não categorizando estruturas e relações, a demonstrar efectivamente uma certa dificuldade de planificação de rotinas e subrotinas
de comportamento, conscientes ou incons cientes, que se registam não só na expressão da linguagem, mas também na expressão de condutas não verbais, na medida
em que reflectem relações entre sujeito, verbo (acção) e objecto.
Nas crianças com DA a elaboração de morfemas, a estrutura de superfície e de profundidade das frases, a produção de frases negativas e de paráfrases,
a aquisição de regras ou modificações transformacionais, a formulação de perguntas, o reconhecimento de redundâncias e de humor, a construção de frases nas vozes
activa e passiva, a detecção de ambiguidades, anáforas etc. revelam outros sinais léxicos e estruturais curiosos que mereciam ser objecto de investigação psicolinguística.
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398
ALGUMAS CARAC T ERf STICAS DAS CRIANÇAS COM DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM
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399
INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
As dificuldades dos maus leitores, segundo Menyuk e Flood 1979, situam-se ao nível da palavra (descodificação fonológica, rechamada das palavras, morfologia,
etc. ); ao nível da frase (análise de frases; relações sujeito-predicado, etc. ) e ao nível de passagem (inferências, memorização, integração da informação,
etc. ).
Muitos destes problemas psicolinguísticos podem ser influenciados pela imitação, pelo reforço e pela interacção sócio e psicolinguística antes dos quatro
anos de idade, período em que se encontram adquiridas as estruturas gramaticais básicas (McCarthy 1975).
As aquisições das regras fonológicas, por vezes negligenciadas no envolvimento familiar e materno-infantil, para não dizer escolar, são de uma grande
importância para o desenvolvimento da linguagem, pois são indissociáveis da percepção auditiva (Eisenson 1972). Regras semânticas e sintácticas parecem pouco assimiladas
e generalizadas nas crianças com DA; daí a relevância dos processos psicolinguísticos no desenvolvimento das linguagens receptiva, interior e expressiva.
Como tentámos abordar, as crianças com DA apresentam também difi culdades em associar as palavras (processo auditivo) a imagens (processo visual). Têm
dificuldades em identificar num conjunto de quatro imagens as palavras verter" contentamento privação", como surgem por exemplo nas pranchas n. os 23, 63,
e 87, do Peabody Picture Vocabulary Test (PPVT) (Dunn 1965) - Teste de Vocabulário-Imagem de Peabody).
Nestas situações podem ser detectados problemas de identificação e de discriminação auditivas (input auditivo), para além de problemas de compreensão semântica.
Neste caso, a criança terá de reter a palavra por algum tempo, ao mesmo tempo que selecciona visualmente a imagem concordante (integração palavra-imagem). Depois
de seleccionada a imagem e de ter sido feita a categorização auditivovisual, a criança terá de realizar um gesto para apontar a imagem correspondente (output motor).
Figura 129 - Processo de integração auditivovisual (palavra-imagem)
400
ALGUMAS CAR4CTERÍSTICAS DAS CRIANÇ'AS COM DIFICULDADES DEAPRENDl7 AGEM
Situações como o completamento de palavras, por exemplo pedir à criança para completar palavras quando apenas uma parte da palavra é apresentada ( bone
por boneca rebu por rebuçado", etc. ), ou de frases ( a casa tem e ", A boneca tem - e e ", etc. ), revelam normalmente outro tipo de problemas
morfológicos e eswturais na criança com DA. Pedir à criança com DA, essencialmente a que revela dificuldades no plano onográfico, para juntar sons e formar palavras
<<bola etc. ), é geralmente para ela uma tarefa difícil, pois parece evidenciar certas dificuldades em isolar sons e percebê-los como partes de uma totalidade.
Sendo a linguagem falada anterior à linguagem escrita, em termos filogenéticos e ontogenéticos, é óbvio que os problemas da linguagem falada e do processo
auditivoverbal se reflectem na linguagem escrita e no processo visuomotor. A fala e a leitura estão necessariamente associadas, assim como a afasia e a dislexia,
pois subentende-se em ambos os processos e dimensões uma certa semelhança na organização e na estruturação psiconeurológica.
Vários estudos, na tentativa de demonstrar esta hierarquização evolutiva, clarificaram a relação recíproca entre a competência fonética (armazenamento,
indexação e rechamada) e a competência graféúca (equivalência e correspondência fonema-grafema).
Shankweiller e Liberman 1975 demonstraram que os maus leitores apresentám problemas de discriminaÇão e representação fonética e de memória de curto termo
que, em si, compreendem processos automáticos de tratamento e organização da inforlnação. Dado que o grafema é armazenado pela sua equivalência fonética e não
visual, o que permite uma rápida e predictiva descodificação, é clara agora a evidência de problemas de imaturidade psicolinguísúcos nas crianças disléxicas.
Os bons leitores e os maus leitores são diferentes: na utilização do código fonéúco, na discriminação de sons, de slabas sem signif, cado e de timbres
musicais. Perante estímulos fonéticos, confusos e não confusos, os maus leitores evidenciam lentidão na tradução dos fonemas em grafemas e dos grafemas em fonemas.
O bom leitor, porque conhece os grafemas e os fonemas, transfere-os facilmente. Os maus leitores não os transferem com tanta facilidade, porque também não conhecem
suficientemente os segmentos fonéticos, não recodificando auditiva e foneúcamente os respectivos grafemas; daí os seus problemas de descodificação fonéúca automática
na leitura.
É possível transferir os optemás e os grafemas quando já se conhece os fonemas. Conhecendo a eswtura da linguagem falada, mais fácil se torna a aprendizagem
da linguagem escrita: leitura e escrita. Muitas crianças não sabem que as letras representam sons e que os sons podem ser agrupados em palavras, e que estas podem
ser agrupadas em frases. O ataque às palavras escritas envolve uma análise fonética explícita, na medida em que a linguagem escrita é um símbolo do mesmo símbolo.
401
INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
Francis 1972 sugeriu que a confusão das crianças com DA se situa na falta de familiarização com uma abordagem analítica da linguagem, O isolamento dos
fonemas nas palavras constitui uma pré-aptidão fonética necessária para aplicar estratégicas de descodificação visual nas palavras, tornando assim relevante a capacidade
de separar sons numa palavra. A análise da composição de sons que compõem uma palavra parece ser um pré-requisito da leitura, área onde a criança com DA revela
algumas dificuldades (Menyuk 1968, Wepman 1960, de Hirsch, Jansky e Langford 1966).
A consciencialização linguistica (linguistic awareness) e a metalinguística materializada pelo domínio e a manipulação multissensorial do alfabeto parecem
representar vantagens na aprendizagem da leitura. A criança deve conhecer ex licitamente como os segmentos da fala são representados gra ficamente. A análise de
palavras e de si abas pelos fonemas na fala vai corresponder na leitura a análise das palavras e das silabas pelos grafemas.
A segmenta ão silábica, e posteriormente a segmenta ãofonética, surgem significativamente diferenciadas entre as crianças disléxicas e as não disléxicas.
Nas crianças disléxicas, a segmentação oral (auditiva) é tão difícil como a segmentação escrita (visual) (Figa 1973).
Para ler uma linguagem escrita (alfabética) é possível que a representação fonética e a sua organização (leis, regras e relações), em termos de memória
de curto termo e longo termo, se coloquem como indispensáveis, pois não podemos esquecer que a leitura está inequivocamente relacionada com outras funções da linguagem.
A correspondência e a equivalência fonética e silábica (estruturas de superfície) são as bases dos sistemas alfabéticos, pois através deles temos acesso
aos elementos sintácticos e semânticos (estruturas de profundidade), isto é, à abstracção e à generalização.
Quando maior for a consciência dos segmentos da fala e da estrutura da linguagem (fonética, morfologia, sintaxe e semântica), ou seja, o conhecimento
da linguística, mais fácil parece ser, segundo dados de investigação, a aprendizagem da leitura; daí a detecção precoce destes problemas que aca bamos de referir,
daí também a integração urgente destas pré-aptidões, nos curriculos pré-primários e primários.
Problemas psicomotores
As crianças com DA têm sido estudadas intensamente no campo dos sinais neurológicos difusos (soft sinals), usualmente associados à motricidade e à psicomotricidade.
São inúmeros os trabalhos dos pioneiros neste sector, como os de Ajuriaguerra na Europa, de Kephart, Benton, Getman e Frostig, nos Estados Unidos e de Luria,
na União Soviética.
lndependentemente de se reconhecer que muitas crianças com DA têm um adequado controlo postural e uma coordenação de movimentos, a grande
402
ALGUMAS CARACTERÍSTICAS DAS CRIAN AS COM DIFICUI. 17ADES DE APRENDIZAGEM
maioria delas apresenta um perfl psicomotor dispráxico. Os seus movimentos são exagerados (dismétricos), rígidos (sem melodia quinestética) e descontrolados (não
seguem uma sequência espaciotemporal organizada).
A eficiência, a economia, a adequação, a perfeição, a plasticidade, a ritmicidade, a harmonia nos movimentos, etc. , surgem normalmente afectadas
ou imaturas na criança com DA.
Porque a motricidade e, posteriormente, a psicomotricidade revelam a maturação do SNC, é compreensível que os problemas psicomotores, mais do que os
problemas motores, sejam evidenciados pelas crianças com DA.
Algures já tentámos demonstrar como os problemas psicomotores estão associados aos problemas cognitivos e afectivos (Fonseca 1977, 1979); por isso não nos
vamos alargar na rede de implicações e reduções psiconeurológicas da psicomotricidade. Apenas nos limitaremos a uma caracterização psicomotora superficial da criança
com DA, servindo-nos, para isso, de uma bateria de observação.
Na nossa prática clínica a criança com DA apresenta uma organização tónica (tensão muscular permanente) diferente. Ora surge hipenónica (predisposição espástica)
- e aqui normalmente ligada à hiperactividade, ou seja, excesso de actividade motora aparentemente impulsiva -, ora evidencia hipotonia (predisposição atetósica)
associada à hipoactividade, ou seja, a insuficiência de actividade, exactamente o oposto da caracterização anterior. A flexibilidade articular (extensibilidade
- organização tónica de fundo) é frequentemente exágerada ou restrita ao nível dos membros superiores e inferiores. A extensibilidade do ombro pode surgir reduzida
(hipoextensível) e a do pulso exagerada (hiperextensível), a justificar a presença de sinergias onerosas, provavelmente reveladoras de alterações na lei pro ximodistal
do desenvolvimento neurológico, por vezes confirmadas por um desenvolvimento lento e limitado da preensão e da motricidade fina.
A extensibilidade do tronco em relação aos membros inferiores pode igualmente evidenciar um grau de extensibilidade exíguo, comprometendo o controlo postural
e o desenvolvimento das aquisições da locomoção. Neste caso, as sinergias onerosas podem espelhar alterações de outra importante lei do desenvolvimento neurológico
- a lei cefalocaudal.
Para além destes aspectos, detecta-se com facilidade nas crianças com DA paratonias (dificuldades de relaxação voluntária), disdiadococinésias (dificuldades
em realizar, subsequentemente, movimentos alternados e opostosbater com a mão esquerda e mexer com a direita), e sincinésias (movimentos imitativos, parasitas
e desnecessários da boca, da língua e da face ou dos membros contralaterais).
A função de equilibra ão parece igualmente mal controlada pela criança com DA. As suas provas de imobilidade (com os olhos fechados) são normalmente caracterizadas
por perturbações posturais e vestibulares, manifestando grandes oscilações laterais e anteroposteriores, para além de crispações faciais, agitações e tremores,
risos, respirações profundas, verbalizações incoerentes,
403
INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
etc. As provas de equilibrio estático, dinâmico e de locomo ão são férteis em reequilibrações abruptas, quedas unilaterais, descontrolo postural por desencadeamento
de reflexos posturais insuficientemente inibidos, arritmias, disme trias, etc. Não é de estranhar que as provas de equilibração nos proporcionem tantos dados
de reflexão, pois o seu controlo é devido ao cerebelo e à formação reticulada, estruturas responsáveis pelo controlo da atenção, normalmente mal regulada, como
já vimos, na criança com DA.
A criança com DA acusa de facto alguma anomalias na organiza ão motora de base (tonicidade, postura, equilibração e locomoção) e consequentemente na organizaÇão
psicomotora (lateralização, direccionalidade, imagem do corpo, estruturação espaciotemporal e praxias). Como sabemos, o início do desenvolvimento humano reflecte
uma antecipação da motricidade face à psicomotricidade. Mais tarde a actividade mental absorve a actividade motora, isto é, transforma-se em psicomotricidade,
razão pela qual a psicomotricidade traduz a organização neuropsicológica que serve de base a todas as aprendizagens huz anas.
A organização psicomotora, que resulta da integração sistémica dos dados proprioceptivos (posturais, vestibulares, motores e tactiloquinestésicos) e dos
dados exteroceptivos (espaciais e temporais) não é meramente uma componente efectora, como erradamente se defendeu há alguns anos atrás. A integração dos dados
exteroceptivos no movimento torna-o um projecto psíquieo intrínseco. O movimento, quando na esfera psicomotora e não na motora, compreenderá a integração e a
relação inteligível de múltiplos dados internos e externos que vão estar nos seus elaboração, planificação, regulação, controlo e execução. É fundamentalmente
neste processamento de dados que se revelam mais os problemas psicomotores das crianças com DA.
É frequente na criança com DA a presença de problemas de lateraliza ão e de direccionalidade.
Para além de hesitações e confusões visíveis na desorganização da sua actividade motora, as crianças com DA não conseguem integrar perceptiva, consciente
e cognitivamente o seu corpo, não o reconhecendo em termos de orientaÇão primária ( mostra-me a tua mão esquerda"); secundária ( com a tua mão direita aponta
o teu olho esquerdo") e terciária ( aponta o braço esquerdo da boneca com o teu indicador direito"). Não dispondo deste elemento fundamental de relação e orientação
com o mundo exterior (radar do Eu), a criança com DA terá, inevitavelmente, dificuldades no plano da direccionalidade, não podendo consciencializar interiormente
nem projectar ou transferir exteriormente as noções espaciais básicas: esquerda-direita, cima-baixo, dentro-fora, à frente- atrás, etc. , tão essenciais como
sabemos às aprendizagens não simbólicas e simbólicas.
Estas duas funções psicomotoras essenciais, verdadeiras coordenadas do corpo, não são inatas, ao contrário das funções motoras, pois resultam da educação
e da experiência sociocultural, perznitindo à criança uma progressiva organização e uma estruturação do envolvimento (casa, quarto, rua, escola,
404
' ALCì UMAS CARACTERÍSTICAS DAS CRIAN AS COM DIFICUI. DADES DE APRENDIZAGEM
sala de aula, recreio, jogos, livros, páginas, fichas de trabalho, etc. ). A hierarquização dos sistemas conicais de processamento de informação depende,
de alguma forma, do domínio destas duas componentes neurológicas.
Sem estas coordenadas, a c ança com DA não discrimina facilmente o b" do d o q, do p, o u" do n, o 6, do 9", etc.
, e muito dificilmente qualquer das suas combinações e sequencializações que carac terizam a linguagem convencional e os processos simbólicos da leitura e da escrita.
A noção do corpo, muito associada à autoimagem e à autoconfiança, é também invariavelmente identificada em crianças com DA. A noção do corpo em
todas as situações de exploração e orientação no espaço aparece usualmente inadequada na criança com DA. Não diferencia, funcional e semanticamente, as diversas
partes do corpo, e consequentemente, a sua adaptação motora ao espaço exterior encontra-se prejudicada. O desenho do corpo surge bizarro em pormenores e em proporções,
e os quebra-cabeças do corpo são realizados com frequentes inêxitos. Na imitação dos gestos, manifesta, frequentemente, problemas de ecopraxias globais e finas
que são claramente indicativos de penurbações gestálticas e sociais, dada a importância da imagem do eorpo na génese da identificação.
A estruturação espacioremporal, uma das áreas psicomotoras mais fracas nas crianças com DA, põe em relevo os seus problemas de memória de curto
termo espacial (visual) e ritmica (auditiva) e de realizaÇão sequencializadora de gestos intencionais e controlados. Apresentam igualmente dificuldades em verbalizar
ou em simbolizar a experiência motora; daí as dificuldades em tarefas de representação topográfica, ou em relacionar o espaço representado com o espaço agido,
consubstanciando DA verbais e também DA não verbais.
As praxias, quer globais, quer finas, surgem nas crianças com DA com lentidão ou com irnpulsividade. A coordenação oculomanual e oculopedal apresenta
dismetrias e percentagens de rentabilidade muito baixas. A dis sociação dos movimentos é prejudicada pelos problemas de organização tónica, onde se revelam sinergias
onerosas que tendem a alterar a realização, a velocidade e a precisão dos movimentos globais e finos. A recepção e a propulsão de objectos põem em relevo problemas
de agilidade, de generalização e de disponibilidade. No âmbito da dissociação dlgltal e da dextralidade, verifica-se que as crianças com DA demonstram dificuldades
em separar as funções de iniciativa e de supone, e de planificação de tarefas e subtarefas motoras e psicomotoras.
É óbvio que este potencial psicomotor interfere com as aprendizagens escolares, não só porque demonstra uma insuficiente organização perceptivo-cognitivo-motora,
mas também porque evoca alterações relevantes no processamento cortical da informação.
405
I
CAPÍTULO 11
PROFICIÊNCIA MOTORA EM CRIANÇAS NORMAIS
E EM CRIANÇAS COM DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM
Estudo comparativo e correlativo com base no Teste de Pro, Jiciêncin Motora de Bruininks-Oseretsky
O estudo das variáveis motoras em crianças com dificuldades de aprendizagem (DA) foi introduzido de forma aprofundada pelo grande pioneiro Samuel Orton em
1937, com a sua obra clássica Problemas de Fala, Leitura e Escrita em CrianÇas (Reading, Writing and Speech Problems in Children), quando, ao caracterizar as
crianças com dislexia evolutiva, se referiu à sua frequente tendência em exibir uma lateralidade cruzada e uma concomitante desorganização práxica, características
comportamentais estas amplamente confirmadas também por outros investigadores prestigiados como Straus 1969 e 1972, Cruickshank 1972, Kephart 1960, Frostig 1971
e 1972, Keogh 1987 e Denckla 1973, 1974, 1979 e 1985.
Outros áútores, como Critchley 1970, Benton e Peacl 1978, citam igualmente outros problemas, nomeadamente: de motricidade fina, de dificuldades perceptivomotoras
e de descoordenação oculomanual, para além de chamarem à atenção para outros atributos peculiares das crianças disléxicas, como sejam os famigerados traços de
distractibilidade e de hiperactividade (attention deficit syndrome), que mais insistentemente têm sido apontados por outros investigadores.
A expressão DA, surgiu como uma necessidade, na medida em que as crianças diagnosticadas com disfunção cerebral minima (minimal brain disfunction),
com dislexia e com outros rótulos, similares, eram, em alguns casos, tão diferentes entre si, e tão distintas das crianças deficientes mentais, que exigiam
uma identificação mais abrangente e transdisciplinar do que a tradicional avaliação médica ou psicométrica (Fonseca 1984 e 1992).
De facto, a expressão DA, tem sido usada para designar uma grande variedade de fenómenos, dada a ocorrência de uma miscelândia desorganizada de dados
qúe se espalham por vários conceitos confusionais, vários constructos vulneráveis, múltiplas teorias insubstanciadas, frequentes mo
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INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
delos incoerentes, etc. , que reflectem, no fundo, um paradigma ainda obscuro entre a normalidade e a excepcionalidade e são indiciadores de outros subparadigmas
como os da paranormalidade" e ou da paraexcepcionalidade".
As DA retratam, em síntese, uma grande diversidade de problemas educacionais e clínicos com uma tal míriade de eventos ecológicos de enormes repercussões
socioculturais que se torna difícil atingir um consenso na matéria, exactamente porque as DA emergiram mais de pressões, contextos e necessidades socioeducacionais
do que de dados científicos mais defensáveis.
O entendimento multidisciplinar que envolve o estudo das DA dificulta o surgimento de uma definição inequívoca, coerente e sólida, apenas à base de critérios
psicométricos ou de discrepâncias verbais e de realização (ditas de performance) à luz do quociente intelectual, e muito menos à base de puros critérios médicos
selectivos de acuidade auditiva ou visual, ou simplesmente de restritas medidas de prestação motora.
O estudo das DA parece situar, antes, questões de processamento, integração e comunicação de informação, pois muitas crianças com DA ouvem bem mas não
escutam, vêem bem mas não captam, nem escrutinam ou observam dados, movem-se funcionalmente mas exibem dispraxias, equacionando, consequentemente, mais problemas
dos sistemas funcionais da aprendizagem (Luria 1966 e 1973) do que problemas das funções sensoriais ou motoras.
O grande interesse por este campo de estudo faz com que os projectos de investigação sejam desenvolvidos a partir de diferentes perspectivas, às quais não
escapam, por inerência, os estudos mais enfocados nas variáveis da motricidade.
Em síntese, a investigação corrente nas DA é fragmentada e dispersa; por consequência, as pesquisas sobre a motricidade ou a psicomotricidade das crianças
com DA sofre da mesma fragilidade experimental.
A polémica vigente sobre o assunto não permite a total compreensão etiológica ou epidemiológica das DA, nem tão-pouco o questionamento dos problemas psicomotores
nos complexos processos de aprendizagem simbólica da leitura, da escrita e do cálculo.
Sendo a criança um objecto de estudo extremamente difícil, quando investigamos algumas variáveis da sua aprendizagem simbólica depara-se-nos uma área de
pesquisa ainda conceptualmente pouco definida (Torgesen 1977, Ross 1979, Vellutino 1979, Quirós e Schrager 1980, Myers e Hammill 1982, Kirk e Gallagher 1987,
Wallace e MacLoughlin 1988, Mercer e col. 1990 e Fonseca 1984 e 1992), o mesmo se passando, talvez ainda com maiores indefmições, quando se pretende estudar
as variáveis da sua motricidade, frequentemente confundida com a psicomotricidade.
A expressão DA tem sido aplicada a uma população muito heterogénea em termos de competências e de aquisições, quer motoras, simbólicas, cognitivas,
quer ainda comportamentais, complicando assim o acesso a um
408
PROFICIÊNCIA MOTORA
enunciado teórico consistente no plano do diagnóstico e no plano da intervenção habilitacional e psicoeducacional. Determinar as causas das DA e minimizar
a sua incidência na população escolar é certamente um dos maiores desafios do processo de ensino-aprendizagem; daí uma das razões justificativas deste estudo.
Considerando o grande número de definições já avançadas por investigadores, comissões, associações e sociedades científicas internacionais (Fonseca
1984 e 1992), tem sido a definição da National Joint Committee of Learning Disabilities - NJCLD 1988 a que tem recebido maior consensualidade (Hammill 1990).
Este comité norte-americano considera as DA um grupo heterogéneo de desordens manifestadas por dificuldades significativas na aquisi ão e no uso
das seguintes competências de aprendizagem: compreensão auditiva, fala, leitura, escrita e raciocinio matemático. Tais desordens, segundo este comité, que
integrou insignes investigadores, são intrinsecas ao individuo, presumindo-se que sejam devidas a uma disfun ão do seu sistema nervoso podendo tal disfunção ocorrer
ao longo de toda a sua vida.
Tendo em atenção este pressuposto polémico torna-se óbvio que tal disfunção psiconeurológica (Jonhson e Myklebust, 1964) pode reflectir-se não apenas nas
funções psíquicas superiores da leitura, da escrita e do cálculo, mas também na psicomotricidade entendimento este já avançado por vários autores (Denckla 1985,
Fonseca 1990) e que constitui um dos objectivos da presente pesquisa.
Numa análise geral das inúmeras defnições de DA conhecidas, pode-se projectar o consenso de que a crian a (ou o jovem) com DA não é: deficiente sensorial
(visual ou auditivo), deficiente motor (espástico, atetósico, atáxico, etc. ), deficiente mental (dependente, treinável ou educável, pois só deve ser considerado
tal quando evidencia um QI > 80), nem deficiente emocional (autista ou psicótico), o que em si encerra um critério de exclusão, clarificando que ele não penence
à taxonomia defectológica, nem deve ser encaminhado para o ensino especial.
Em contrapartida, a criança com DA também encerra um critério de inclusão, isto é, evidencia um conjunto de atributos e de características de aprendizagem
e de comportamento que a diferenciam da criança que aprende normalmente e com facilidade, condição essa que a deve levar a um encaminhamento alternativo no ensino
regular.
A criança com DA sugere também um conceito paranormal e parapatológico, algo que pode eiicontrar a sua explicação entre os limites da capacidade e da incapacidade
de aprendizagem (exemplo: agnosia, afasia, apraxia), perfeitamente enquadrada no conceito de necessidades educativas especiais.
No âmbito deste estudo, mais centrado nas variáveis motoras e não nas
variáveis psicomotoras, a criança com DA não pode revelar qualquer paralisia motora ou evidenciar qualquer tipo de apraxia (critério de exclusão),
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INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
mas somente uma disfunção na integração, na elaboração ou na expressão motora (Fonseca 1992), disfunção que clinicamente se tem designado por dispraxia (critério
de inclusão), subparadigma crítico este contido na presente investigação e que foi rigorosamente respeitado quando da selecção da amostra.
Embora não sejam o objectivo desta pesquisa, os constructos teóricos da praxia, da apraxia e da dispraxia necessitam ser aqui minimamente clarificados,
para que se possa entender melhor alguns dos seus resultados e implicações, bem como situar os limites dos critérios de exclusão e de inclusão acima aflorados.
Apraxia não pode ser entendida como sinónimo de movimento reflexo ou automático, mas sim de sistemas de movimentos coordenados em função de uma intenção
ou de um resultado a obter, o que pressupõe a emergência da aprendizagem e da função simbólica, pois são sistemas de movimentos que nascem no pensamento, na medida
em que estão interiorizados antes de serem expressos em acções e uma vez que servem para fixar a informação e suponar a função cognitiva.
A apraxia compreende, por sua vez, uma incapacidade de realização de movimentos com finalidade ou intencionalidade; trata-se, ponanto, de uma desordem
na produção de sistemas de movimentos aprendidos não causada por fragilidade, aquinésia, disaferenciação ou anormalidade da tonicidade ou da postura, em suma,
trata-se de uma deficiência na expressão de movimentos coordenados e integrados.
Por último, a dispraxia compreende uma penurbação na programação e na execução de movimentos intencionais e volitivos, que oco re na presença de reflexos,
de tonicidade e sensibilidade normais, mas revela uma desestruturação cognitiva da actividade operativa e da representação mental, não podendo ser confundida com
neuropatias ou miopatias, mas envolvendo disfunções dos substractos que integram, elaboram e controlam o movimento voluntário (Miller 1986).
É dentro deste contexto que abordaremos o termo dispraxia" que separa claramente o equipamento (motricidade) do seu funcionamento (psicomotricidade),
o piano do pianista, na medida em que a criança assim diagnosticada não evidencia distúrbios na expressão da sua motricidade, mas sim nos seus integração, planificação,
regulação e controlo, ou seja, nos processos psíquicos que a motivam e estruturam, numa palavra, na sua psicomotricidade.
A criança com DA, que pode ser de vários subtipos (Fonseca 1992), não pode, consequentemente, evidenciar apraxias, podendo, em contrapanida, demonstrar
um nível práxico considerável, pois identifica-se muitos casos de crianças com DA com níveis motores elevados e com perjormances desportivas e expressivas adequadas
e até excelsas. São conhecidos da literatura especializada vários casos de atletas de competição; daí que os subtipos de DA possam integrar crianças com problemas
de aprendizagem, com proble
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PROFICIENCIA MOTORA
mas de comportamento e com problemas motores, ou com problemas intercombinados em termos do diagrama de Veen.
Todavia, na escola regular e na prática clínica, surgem muitos casos de crianças com DA com dispraxias, isto é, com discrepâncias no seu potencial motor
e na sua proficiência motora. Nestes casos, para além de desordens básicas no processamento de informação (disfunções de input, elaboração e output), regista-se,
igualmente, dificuldades na resolução de problemas num contexto mais psicomotor do que motor, pois tendem a revelar dificuldades de simbolização ou verbalização
de acções e de movimentos expressivos ou construtivos, problemas de orientação espacial, de integração e reprodução rítmica, de identificação e representação
somatognósicz, de dissociação e planificação motora, sinais vestibulares e posturais desviantes, etc. , que parecem situar algum grau disfuncional entre a praxia
e a apraxia.
A criança com DA deve possuir efectivamente dificuldades especificas de aprendizagem, e não dificuldades gerais como as que são identificadas nas crianças
deficientes mentais, o que constitui a base da sua caracterização psicoeducacional (Quirós e Schrager 1978; Fonseca 1984, 1987; Kirk e Gallagher 1987), motivo
este pelo qual se pretende no presente estudo sobre a proficiência motora, com base num teste motor creditado como é o Teste de Proficiência Motora Bruininks-Oseretsky
- TPMBO, isolar ou identificar, se possível, difzculdades motoras especificas na criança com DA, estudando-a comparativamente com a criánça considerada normal.
Neste aspecto, temos de levar em conta que a interacção das componentes afectivas, motoras e cognitivas com o mundo exterior explica o fenómeno complexo
que é a aprendizagem, sobretudo se considerarmos que ela é a tarefa central do desenvolvimento da criança.
Nas aprendizagens escolares, a criança tem de utilizar a totalidade dos seus recursos, quer endógenos, quer exógenos, no sentido de adquirir as suas
optimização e maximização psicofuncionais totais, o que inclui obviamente a sua proficiência motora, de modo a garantir adaptabilidade ao maior número de situações
que se lhe deparam na leitura, na escrita ou no cálculo.
Apesar de as manifestações disfuncionais numa das componentes da aprendizagem (cognitivas, afectivas ou motoras) implicarem ou não a coexistência de disfunções
nas outras, podemos falar do predomínio de uma ou de outra, isolando-a em termos experimentais, e foi com este objectivo que pretendemos comparar a proficiência
motora entre crianças normais exibindo aproveitamento escolar e crianças com DA com uma repetência na primeira fase da escolaridade.
Foi com a finalidade de estudar e aprofundar algumas variáveis motoras em duas populações com diferentes graus de rendimento escolar que a nossa pesquisa
se centrou preferencialmente na investigação das componentes da motricidade global, composta e fina, medidas segundo o teste de proficiência motora da autoria
de Bruininks 1978.
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INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
REVISÃO DA LITERATURA
Revendo alguns estudos relacionados com as componentes motoras em crianças com DA, desde logo se nos deparam duas correntes distintas: a ligada essencialmente
às pesquisas norte- americanas no domínio da chamada perceptivomotricidade, e a europeia, mais ligada à psicomotricidade, cujos contornos teóricos se apresentam
ainda longe de uma síntese integradora sólida e consensual.
Quanto aos autores none-americanos, são mais as variáveis perceptivomotoras objectivas as estudadas, destacando-se os trabalhos de: Getman I964 (desordens
visuoespaciais e visuomotoras), Kephart 1960 (desordens perceptivomotoras do aluno com aprendizagem lenta - slow learner), Frostig 1972 (desordens perceptivovisuais
e perceptivomotoras), Cratty 1975, 1979 e 1980 (desordens perceptivomotoras das crianças com insucesso escolar crónico), Cruickshank 1972, Doman, Delacato e
Doman 1964, Ayres 1982 e Gaddes 1989 (discrepâncias perceptivomotoras das crianças com disfunções cerebrais mínimas e das crianças disléxicas); etc. , todos eles
apontando na criança com DA sinais desviantes do funcionamento perceptivomotor.
De assinalar que a maioria destes autores identifica na criança com DA vários sinais de desintegração perceptivomotora, quer ao nível do equilíbrio, do
salto, da identificação das partes do corpo, da imitação dos gestos, da corrida de obstáculos, da força de braços e de pernas (testes do tipo Kraus- Weber),
da reprodução visuográfica e rítmica, quer da exibilidade, da orientação visual de movimentos, etc. , não sendo visível uma perfeita distinção da motricidade
e da perceptivomotricidade, ou seja, entre do produto final do movimento e dos processos de integração que lhe dão supone e regulação, paradigma ainda pouco esclarecido
neste conjunto de pesquisadores.
Os trabalhos europeus iniciados por Wallon 1925, 1932, 1958, 1963 (síndromas psicomotoras na criança turbulenta), depois avançados por Guilmain 1971
(discrepância entre a idade motora e a idade crouológica em crianças com fracasso escolac) e Vayer 1982 (atraso psicomotor da criança com difi culdades escolares),
e essencialmente aprofundados por Ajuriaguerra 1960, 1964 e 1984 e a sua equipa (desordens neuropsicomotoras da criança com inadaptação escolar), destacam mais
as constelações de disfunções: na tonicidade, na imobilidade, na lateralização dos receptores e dos efectores, e igualmente na lateralização simbólica, na somatognósia,
na estruturação espaciotemporal e na organização e na construção práxica, visando formular uma significação clínica de tais sinais disfuncionais e perspectivando
assim uma óptica diferente de análise, mais interiorizada e centralista, sobre os substratos neurológicos da psicomotricidade.
Dentro desta linha, Fonseca 1984, 1985, 1989 e 1992, estudando uma população clínica de crianças normais com DA com base numa bateria psicomorora, detectou
igualmente inúmeros sinais disfuncionais ao nível dos
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PROFICIÊ NCIA MOTORA
seguintes factores psicomotores: tonicidade (hiper e hipoextensibilidades, paratonias, disdiadococinésias, sincinésias, etc. ), equilibra ão (sinais disfuncionais
vestibulares com reequilibrações abruptas, distonias, disquinésias, quedas descontroladas, desaferenciações proprioceptivas, etc. ), lateralização (ambidextrias
inóbvias aferentes, eferentes e efectoras, desintegração sensorial intrassomática, problemas de irreversibilidade intrassomática, inespecialização corporal e
hemisférica, desorientação espacial, etc. ), no ão do corpo (desorganização tactiloquinestésica e representacional do corpo, dissomatognósias, inimitações e
aexterognósias, representação visuográfica hesitante e difusa do corpo, imperícia construtiva em quebra-cabeças do corpo, ausência de sistemas de referência interpessoal,
insegurança, inatenção, défices perceptivos, etc. ), estruturação espaciotemporal (desorganização e desorientação espacial concreta e topográfica, problemas
de retenção de curto termo e de reprodução de estruturas espaciais e rítmicas, dificuldades de descodificação-codificação do espaço agido e do espaço representado,
etc. ), e por último, praxia global efina (descoordenações oculomanuais e oculopedais múltiplas e dismétricas, adissociação e desplanificação de sequências de
movimentos globais e finos, lentidão e imprecisão na macro e na micromotricidade, dificuldades em verbalizar e simbolizar acções, etc. ).
Esta visão clínica dos factores psicomotores aproxima-se mais do modelo neurofuncional de Luria 1966, 1969, 1973 e 1975, modelo onde assenta inclusivamente
a interpretação da sua significação psiconeurológica, e também dos modelos neuroévolutivos de Touwen e Prechtl 1970, de Mutti, Sterling e Spalding 1978, de Vial
1978, de Le Boulch 1979, de Miller 1986 e de Gaddes, 1989, mais centrados no estudo das disfunções nervosas mínimas (minor nervous disfunction) ou dos soft neurological
signs e preferencialmente orientados para o estudo da significação psiconeurológica dos sinais desviantes da psicomotricidade.
As variáveis aqui assinaladas equacionam mais claramente a transcendência e a integração psicológica da motricidade e o seu paradigma central (que não é
nem sensorial, nem motor por definição, porque as transforma e antecipa), e não a prestação motora em termos de eficácia, velocidade ou precisão, que tradicionalmente
caracterizam os testes motores e os seus paradigmas periféricos, onde o TPMBO se centra preferencialmente.
Ainda nesta revisão, outros trabalhos merecem também menção no esclarecimento do estudo da motricidade evolutiva, como os de Scott, Moyes e Henderson
1972, Swanson 1990 e de Silva e Ross 1980, que afirmam, por outro lado, que o atraso no désenvolvimento motor e os défices de processamento motor expressivo
têm interesse para as várias áreas do estudo da criança com DA, tendo em atenção a relação neurofuncional e possíveis efeitos adversos entre a motricidade e os
outros problemas de aprendizagem, como os da maturidade emocional e cognitiva, ou os de controlo e regulação do acto méntal intrínseco a qualquer tipo de aprendizagem
simbólica ou não simbólica.
413
INSUCESSO ESCOlAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
Quanto aos aspectos motores mais específicos, alguns investigadores como
Ayres 1982, Kohen-Raz 1979 e 1981, Bundy 1987; Byl, Byl e Rosenthal 1989, Gallahue 1989 e Swanson 1990 demonstraram que existem múltiplas relações entre os domínios
do comportamento cognitivo e do comportamento motor de crianças com DA, nomeadamente nas con elações que encontraram entre a proficiência na leitura e na escrita
e as variáveis de equilbrio estático, da lateralidade, da noção do corpo, da estruturação espacial e da planificação motora, tendo eles acrescentado que as suas
habilidades espaciais e perceptivas, que obviamente participam nas aprendizagens escolares, melhoraram substancial- mente com programas adequados (diagnostic-teaching
strategies).
Todos estes estudos, no seu conjunto, fonZecem conswctos teóricos a vários programas de reeducação perceptivomotora e psicomotora, que aplicados experimentalmente
provocaram resultados positivos e ganhos significativos na aprendizagem simbólica, apesar de outras pesquisas (Jonhson 1984 e 1987, Keogh 1987 e Wallace e McLoughlin
1989) não terem atingido os mesmos efeitos.
Independentemente de a importância da motricidade na aprendizagem sim bólica ter sido reconhecida por vários autores (nomeadamente Piaget 1976 Holle 1979,
Le Boulch 1979, Ajuriaguerra 1980, Magill 1986 e 1989, Rigal 1989 e Fonseca 1989), ainda não é claro quando é e como é que a intervenção através da motricidade,
ou mesmo da psicomotricidade, pode influenciar o desempenho cognitivo, pois muitos autores não estabelecem a exacta fronteira de onde, porquê e como a motricidade
pode enriquecer e/ou modificar os processos perceptivos, integraúvos e elaborativos da aprendizagem.
Certamente que tais métodos de intervenção não poderão ter como objectivo o reforço dos factores anatomofisiológicos de execução motora (exemplo: força,
velocidade, resistência cardiorrespiratória, endurance muscular, destreza, etc. ) como tem sido tradicional das intervenções da educação física, da actividade
motora adaptada ou da fisioterapia.
Para atingir as funções psíquicas superiores da aprendizagem a motri cidade deve ser concebida como um pretexto e não como um fim em si próprio, um meio
privilegiado para mobilizar e reorganizac as funções mentais de atenção, análise, síntese, imagem, comparação, cognição, planificação, processamento, regulação
e integração da acção, visando a sua representação mental, as suas simbolização e conceptualização, bem como a sua verbalização, tendo em vista, prioritariamente,
maximizar o potencial psicomotor e emocional de aprendizagem e não meramente o desenvolvimento das aquisições das suas componentes motoras.
Para que a motricidade, ou melhor dito, a psicomotricidade possa modificar o potencial global de aprendizagem, urge fazer do corpo um meio total
de expressão e relação aaavés do qual a cognição se edifica e se manifesta, algo substancialmente diferente da intervenção de muitos métodos ditos de reeducação
psicomotora", mas que, na sua essência, não se diferenciam das clássicas reeducações corcectivas ou físicas".
414
PROFICIÊNCIA MOTORA
Outros autores, com base em estudos de caracterização motora e psicomotora de populações com inadaptações escolares variadas (Vial 1978, Rosamilha
1979 e Vayer e Destroper 1985), verificaram que os seus baixos desempenhos escolares eram acompanhados igualmente por perfis e por prestações motoras e psicomotoras
do mesmo nível e da mesma magnitude.
Apesar da vasta literatura sobre o desenvolvimento motor e sobre a caracterização psicomotora de crianças normais e com DA, há ainda relativamente
poucos testes estandardizados neste campo de estudo, em comparação com a grande variedade de testes de desenvolvimento cognitivo, simbólico e linguístico, algo
que dificulta o aprofundamento da evidência científica nesta área de pesquisa, e que nos levou, inclusivamente, a seleccionar, da bibliografia específica, um
teste credível de larga e ampla aplicação, quer na psicologia, quer na educação, como é o Teste de Proficiência Motora de Bruininks-Oseretsky - TPMBO (Bruininks
1978).
Para este autor, a expressão proficiência motora é definida operacionalmente como o comportamento motor avaliado pelo seu teste, isto é, um termo
genérico que se refere à performance obtida numa vasta gama de testes motores.
Para Bruininks, os paradigmas da motricidade surgem efectivamente com uma fundamentação mais comportamentalista e mais restrita, tendo em atenção
as formulações de outros autores acima revistos; daí que a expressão capacidade motora seja por si descrita apenas como: uma variedade de respostas motoras individuais
perante uma variedade de tarefas ditas educacionais, enquanto a expressão habilidade motora é definida como: uma acção individual numa tarefa motora determinada,
onde a significação psiconeurológica e psicoemocional não se vislumbra nem sequer se fundamenta.
Dentro desta linha, alguns estudos disponíveis sobre as capacidades motoras com base no TPMBO (Dobbins e Rarick 1975, Krus, Bruininks e Robenson 1981
e Bruininks 1977, 1978 e 1989) centraram-se na comparação de crianças normais com crianças com DA e deficientes mentais, todos eles destacando naquelas crianças
a superioridade significativa em todas as componentes motoras globais, compostas e finas constantes do teste.
Vayer 1982, Ajuriaguerra 1984 e Fonseca 1984, noutros estudos de feição mais clínica, considerarám que as DA estão directamente ligadas às perturbações
psicomotoras ou practognósicas, que tendem a reflectir-se na
atenção, na adaptação, na orientação, na direcção e na representação espacial, no processamento sequencial rítmico e nos problemas de lateralidade perceptivossimbólica,
que frequentemente são apontados como variáveis determinantes nós testes que medem a proficiência nas aprendizagens escolares básicas.
415
INSUCESSO ESCOL4R - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
Noutros trabalhos de investigação como os de Beuter 1983, Salbenblatt 1987 e de Bruininks 1989, foram encontrados rendimentos inferiores nas crianças com
DA em comparação com crianças normais na velocidade e na coordenação dos membros superiores, e tal proficiência motora foi também verificada nas componentes da
motricidade global, ou seja, na comda de agilidade, no equilfbrio e na força.
Quanto ao TPMBO, o seu autor considera que tanto a bateria completa, que inclui 46 itens separados, como a sua forma reduzida, de apenas 14 itens, constituem
um indicador global e completo da proficiência motora, assim como contêm medidas específicas diferenciadas da motricidade global e da motricidade fina.
Por reunir uma série de atributos de validade e de objectividade, interessou-nos utilizar o TPMBO na sua forma reduzida (shortform), pela primeira vez
entre nós, junto de uma população de crianças com DA definida segundo parâmetros de consensualidade internacional, com o objectivo de aprofundar a sua caracterização
em termos de motricidade. Esse interesse tornou-se ainda mais exequível na medida em que os estudos de Beitel e Mead 1980, 1982 e de Moore, Reeve e Boan 1986,
e entre nós o estudo de Morato 1986, concluíram que tal forma reduzida do teste é um inswmento válido para avaliar a proficiência motora de crianças, razão pela
qual a seleccionámos nesta pesquisa.
De referir ainda, nesta revisão, outros estudos relevantes utilizados com a forma reduzida noutras populações. como os trabalhos por nós orientados de
Morato 1986, numa população de 38 crianças com síndroma de Down (trissomia 21 ) de ambos os sexos com idades entre os seis e os 12 anos de idade e caracterizadas
como escolarizáveis, e de Manins, 1990, com 120 crianças normais e de ambos os sexos dos 2. o e 4. o anos de escolaridade, que nos forneceram também garantia
da validade do inswmento de medida da proficiência motora.
De assinalar que o trabalho efectuado em populações de crianças e jovens com deficiência mental sugere que os baixos rendimentos evidenciados na proficiência
motora expressavam os mais variados sinais disfuncionai/ segundo o seu autor, nomeadamente: lentidão, dismetria, paragens e inércias motoras, dificuldades de
controlo postural, insuficiência nos reflexos posturais equilibratórios, quedas, imaturidade posturorreguladora, descoordenação bilateral, fragilidade impulsiva
horizontal, etc. , nas habilidades motoras globais do teste, e lentidão na captação de detalhes de objectos e de figuras e de situações de resolução rápida,
incoordenação interdigital, insuficiências no transpone visual e na reprodução grafomotora, apercepção de constâncias angulares e sobreposições gestálticas,
imprecisão na dextralidade com frequentes interrupções na sequência do movimento nas habilidades motorasfinas. O trabalho de Morato, embora utilizando um teste
motor como é efectivamente o TPMBO centrou-se mais em interpretações de índole psicomotora do que em explicações funcionais de índole motora.
416
PROFICIÉ NCIA MOTORA
A investigação efectuada por Martins 1990 procurou analisar as relações entre a proficiência motora medida pela forma reduzida do TPMBO e a competência grafomotora
medida pelo Diagnóstico e Reeducação dos Problemas da Escrita de Scott, Moyes e Henderson 1986. Os resultados apurados na proficiência motora revelaram superioridade
constante do sexo masculino e do grupo do 4. o ano de escolaridade na globalidade da amostra em todos os subtestes da motricidade global, da motricidade composta
e da motricidade fina, em relação ao sexo feminino e ao grupo do 2. o ano de escolaridade, embora nesta última habilidade a aproximação entre as médias obtidas
fosse registada.
Em resumo, a revisão da literatura aponta para a verìficação de condições de validade e objectividade do instrumento de medida utilizado, e ilustra uma
ampla gama de pesquisas que abrangem populações quer normais, quer desviantes, algo que reforçou a nossa decisão em efectuar um estudo especificamente centrado
na comparação da proficiência motora entre crianças definidas como normais, e crianças def midas como evidenciando DA,
Independentemente de nos movermos em terreno conceptual pouco definido como é, por um lado, a caracterização da nossa amostra desviante e, por outro,
o objecto de estudo da motricidade nas suas várias componentes sistémicas, que procurámos aflorar nesta revisão da literatura, preocupou-nos particularmente investigar
se, efectivamente, em termos de proflciência motora, as crianças normais e as crianças com DA se distinguem e diferenciam signijcativamente. Para o efeito,
desenvolvemos uma metodologia, captámos, tratámos e interpretámos dados que abordaremos nos capítulos seguintes.
METODOLOGIA
Para verificar a relação das variáveis da proficiência motora, à luz das concepções de Bruininks 1974, em crianças normais (N) e em crianças com dificuldades
de aprendizagem (DA), desenvolvemos um estudo com base numa metodologia de investigação comparativa, visando comparar ambos os grupos nas variáveis de estudo,
e correlativa, com a finalidade de investigar a relação entre determinadas variáveis (Ferguson 1981 e Pinto 1990), com o objectivo de estudar as diferenças evidenciadas
por ambos os grupos nas componentes da motricidade global, da motricidade composta e da motricidade fina, constantes da forma reduzida do Teste de Projciência
Motora de Brulninks-Oseretsky - TPMBO (ver ficha de registo, nas págs. 422-425), para o qual foram adoptados diversos critérios de selecção da amostra para exercer
o maior controlo possível sobre a mesma (lsaac e Michael 1985).
417
INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
Formulação das hipóteses
Tendo em atenção a colocação do problema e a revisão da literatura, em que se procurou situar as assunções conceptuais, a delineação das várias posições
teóricas e a substanciação dos postulados inerentes ao estudo da proficiência motora, o enfoque da formulação das hipóteses centrou-se na seguinte questão:
- as crianças N apresentam níveis de proficiência motora significativamente diferentes das crianças com DA?
Neste contexto, foram formuladas as seguintes hipóteses nulas (Ho):
Ho 1 - Não existem diferenças significativas entre os dois grupos nas variáveis da componente da motricidade global;
Ho 2 - Não existem diferenças significativas entre os dois grupos nas variáveis da componente da motricidade composta;
Ho 3 - Não existem diferenças significativas entre os dois grupos nas variáveis da componente da motricidade fma;
Ho 4 - Não existem diferenças significativas entre os dois grupos na proficiência motora.
Descrição das variáveis
O estudo integrou as seguintes variáveis controláveis:
- Idade (dos 7; 6 aos 8; 6);
- Sexó (masculino e feminino);
- Componentes da Motricidade Global:
Corrida de agilidade;
Equilíbrio (unipedal e dinâmico);
Coordenação bilateral (dissociação e salto vertical);
Força (salto horizontal);
- Componentes da Motricidade Composta:
Coordenação dos membros superiores (recepção manual e coordena ção oculomanual);
- Componentes da Motricidade Fina:
Velocidade de reacção;
Visuomotricidade (labirintos, cópia do círculo e cópia de figura sobrepostas);
Dextralidade (distribuição de cartas e marcação de pontos);
- Componentes da Proficiência Motora (totais da motricidade global, composta e fina).
418
PROFICIENCIA MOTORA
Amostra
A amostra foi constituída por 30 crianças, do 2. " ano e do 3. o ano da escolaridade primária da rede do ensino público da zona da Grande Lisboa, de ambos
os sexos, com a idade média de 8, 0 anos e pertencentes ao nivel sócioeconómico médio, segundo a Escala de Classificação Social Internacional de Graffar (adaptação
de Fonseca 1989).
A partir da amostra seleccionada foram formados dois grupos assim consútuídos:
QUADRO I
GRUPO ESCOLARIDADE IDADE NÚMERO TOTAL MÉDIA DE CRIANÇAS
A Não-repetentes 7 masculino 3. o ano 8, 0 15
8 feminino
DA
g Repetentes 8 masculino 2 á ano 8, 0 15
7 feminino
Crianças normais \ 15
Crianças com DA 15
N = Crianças sem dificuldades de aprendizagem, não repetentes. DA = Crianças com dificuldades de aprendizagem, com uma repetência.
419
INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
Considerando o objectivo do estudo, os critérios de selecção adoptados identificaram crianças que apresentavam as seguintes características:
Grupo A (N) - Crianças de ambos os sexos:
- que frequentavam o 3. o ano de escolaridade primária com aproveitamento, isto é, não apresentavam qualquer repetência;
- que apresentavam um factor g de inteligência, situado num percentil > ou = 50 (nível médio a superior) medido pelo Teste de Matrizes Progressivas
Coloridas (Raven 1974);
- que se situavam nos níveis socioeconómicos médio alto, médio médio e médio baixo, avaliado pela escala de Graffar.
Grupo B (DA) - Crianças de ambos os sexos:
- que frequentavam o 2. o ano de escolaridade primária sem aproveitamento, isto é, apresentavam uma repetência por insucesso escolar, daí
a elegibilidade das DA;
- que apresentavam um factor g ou um percentil > ou = 50 (nível médio a superior), medido pelo Teste de Matrizes Progressivas Coloridas (Raven,
1974)
- que se situavam nos níveis socioeconómicos médio alto, médio médio e médio baixo, avaliado pela escala de Graffar.
Para assegurar um maior controlo no que se refere à caracterização da amostra, foram excluídas as crianças que apresentavam as seguintes características:
reprovação por razões não académicas; deficiências sensoriais, mentais, motoras ou de comunicação; e finalmente, perturbações socioemo cionais, dados estes obtidos
através dos processos subjectivos de avaliação dos professores.
Como não existe no sistema escolar português uma definição consensual e oficial sobre a criança com DA (Fonseca 1987, 1989 e 1991), procurámos seleccionar
e caracterizar a amostra tendo em atenção a definição mais abrangente e de maior consenso e prestígio internacional, que é a da National Joint Committee on Learning
Disabilities (NJCLD 1988).
Instrumentos de avaliação e procedimentos
Matrizes progressivas de Raven
No que diz respeito à avaliação do problema da inteligência geral para efeitos de selecção da amostra, foi utilizado o Teste de Matrizes Progressivas de
Raven 1974, versão infantil colorida com a finalidade de avaliar o factor g, que o autor define como o denominador comum das operações de inteli gência.
420
PROFICIÉ NCIA MOTORA
O teste, de grande prestígio internacional na psicologia e na educação, tem sido particularmente utilizado no âmbito das DA. O teste em si avalia a capacidade
de raciocínio lógico, analógico e representacional, envolvendo processos cognitivos não verbais de seriação, de análise e comparação de estruturas visuoespaciais
não simbólicas, de inferência hipotética, de dedução, de generalização, e também de resolução de problemas.
A aplicação do teste a todas as crianças da amostra foi realizada individualmente, tendo-se respeitado as normas de cotação referidas no manual do mesmo.
As condições de aplicação decorreram de forma adequada numa sala de aula normal.
Teste de proficiência motora de Bruininks-Ozeretsky
Neste estudo, como já referimos, foi utilizado o Teste de Proficiência Motora de Bruininks-Ozeretsky (TPMBO, 1974), para estudar algumas variáveis motoras,
teste este adaptado à língua portuguesa na sua forma reduzida (short form) primeiramente por Vítor da Fonseca e Pedro Morato em 1986, e posteriormente por Vítor
da Fonseca, Rui Martins e Nilson Moreira em 1991.
O teste da autoria de R. Bruininks decorrente de uma adaptação mais moderna das Escalas de Desenvolvimento de Lincoln-Ozeretzky de Sloan 1955, constando
de uma forma reduzida e de uma forma longa, emerge efectivamente de uma publicação do autor russo de 1923, posteriormente fundamentada por dois neurologistas clássicos,
Liepman e Gourevitch, e mais tarde aprofundado por Merkin em 1925 e Kemal em 1928.
Guilmain, em França, só em 1933 o adaptou em termos clínicos, independentemente de Ihe tecer algumas críticas, e fez da escala de Ozeretsky uma verdadeira
fonte de estudo da motricidade em crianças normais e deficientes mentais entre os quatro e os seis anos de idade, fonte essa pioneira nos anos 30 e 40 e reeditada
posteriormente (Guilmain 1971 ).
Para além destas publicações, é ainda reconhecida uma publicação espanhola da mesma escala (Juarros 1942) e um outro estudo de origem portuguesa, de grande
relevância, da autoria de Maria Irene Leite da Costa, publicado na eélebre revista A Criança Portuguesa, em 1943, Vol. II, n. o 4, que influenciou marcadamente
E. A. Doll, em 1946, responsável pela sua introdução na eomunidade científica americana depois de a traduzir da adaptação portuguesa.
Cabe aqui referir também outra adaptação portuguesa do mesmo teste, aperfeiçoada por A. Paula Brito durante os anos de 1968 a 1970, de apreeiável é
significativa amostragem em crianças normais, e que nos serviu igualmente para precisar a presente adaptação para outros fins de pesquisa, abrangendo igualmente
amostras de populações desviantes e que, no fundo, visam concretizár uma linha de investigação denominada proficiência motora e defectologia.
421
INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
TESTE DE PROFICIÊNCIA MOTORA
DE BRUININKS-OSERETSKY
(BRUININKS-OSERETSKY TEST OF MOTOR PROFICIENCY)
Adaptação: Vítor da Fonseca, Rui Martins e Nilson R. Moreira (Departamento de Educação Especial e Reabilitação, FMH/UTL, 1990)
Nome Sexo Escolaridade
Escola Observador
Data de Nascimento / / Data de Obervação / /
Perfil Inlraindividual Idade Cronológica
LATERALIZAÇÃO
Não Dominante: D E M Ob5. :
Pé Dominante: D E M
FORMA REDUZIDA lSHORT FORM)
MOTRICIDADE GLOBAL
1. Velocidade de Corrida
e Agilidade 6 2. Equil brio 0 3. Coordenação Bilateral 06
4. Força 6 COMPONENTE MOTRICIDADE GLOBAL 0 0 0
Soma
5. Coorden. Membros
Superiores 0 0
MOTRICIDADE FINA
6. Velocidade de Reacção 7 7. Visuomotdcidade 8. Velocidade dos Membros
Superiores e Destreza 20 COMPONENTE MOTRICIDADE RNA 0 0
Soma
FORMA REDUZIDA
(SHORT FORM) 98 - 0
422
PROFICIÊNClA MOTORA
SUBTESTE 1: CORRIDA DE AGILIDADE ha a e dg
1. mde de Agilidade
13. 7 nelros
T tn, a 1: geg. Tentative 2: - se9' I "a de rem
SUP. 10. 9 t0. 5 9. 9 9. 5 8. 9 B. 5 7. 9 7. 5 6. 9 6. 7 6. 3 6. t 5. 7 5. 5 INF.
VakrRel!= 11. 0 11. 0 t0. B t0. 4 9. 8 9. 4 B. 8 8. 4 7. 8 7. 4 6. 8 6. 6 6. 2 6. 0 5. 6I5. 5I a 10 11 12I t3I 14
15
g 9 I I
6 7 II I
45 II
2 3 I I
0 1 I I
l Result. em
Pontos = I I
BUBTESTE 2: EOUILÍBRIO
máx. t0se9. por tentetiva)
peme dominante em e5uillbrio sobre a bana l
1. Ficar pé ne
Tentetiva 1: se9- Te^tatNB 2:
) "
s 0
Velor ReferBncie = 0 12 3 4 56 7 8 10
1 2 3 4 5 6
Result. em Pontos = 0
2. dgr tocendo com a po
n do pg no cakenhar do outro pé sobre e berra de eçuilíbrio (6pessos máx. por tentetiva)
Tgntativa 1: I I I I I passos Tentetiva 2: I I I I I passos
13 4 5 6 0
Velor ReterBncia = 0 I
1 2 3 4
Result. em Pontos 0
SUBTESTE 3: COORDENAÇÃO BILATERAL
1. 88ter com a po
^ta dos pés, altemadamente, enquanto fez círculos com os dedos idicadores. (máx. 90 se9. )
Valor Refer6ncie = I^corre o CorreMo ' I 0
Resuft. em Pontos = I 0 I 1
;
2. 58Mar pere cima, e bater palmes.
Tentetiva t : Palmes TentefNe 2: - Palmas.
1 2 3 4 4 0 Velor ReterBncá = 0 '
Resuft. em Pontos = 1 2 3 4 5
0
BUBTESTE 4: FORÇA
t. Safto em comprimento e p untos (enoter e dist ncie de cede sano) Tent. 3:
i, Tent. 1: Tent. 2: se9
I Resuft. em Pontos = I I 0 0 1
423
INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
SUBTESTE 5: COORDENAÇllO DOS IlEMBROS SUPERIORES (COORDEHAÇdO MAHUAL)
1. Agarrar com as duas mãos uma bola que Ihe é lançada.
Agarmu bolas.
Valor Reter9ncia = I 0 I 112I 32 I 3 I 0
Result. em Pontos =
L 3mHros
2. AMrar a bola ao aNo, com a mão dominante (5tentativas).
I I I I I = Exlro
Valor Referãncia = 0 I 112I 3 4I 3
3menos / 1, 5
Resun. em Pontos = 0
SUBTESTE 6: VELOCtDADE DE 1, 5 meh0
1. Velocidade de Reacçáo
TEMPO Resunados das
TentaMvas Intervalo Resunados(1) Tentativas Ordenadas (2)
ENSAIO 1... ... ... . 1 xxxxxxxxx
ENSAIO 2... ... ... ... . . 3 xxxxxxxxx
1... ... ... . 2 MAIOR
2... . . 3
1. Registar o número 3... ... ... . 1
da resposla da régua 4... ... ... . 3 M DIA
de velocidade 5... ... ... ... . . 2 - 0
na coluna. 6... ... ... . . 1
7... ... ... ... . . 1 MENOR
2. Colocar na coluna os sete
r esultados das tentativas, do MAIOR para o MENOR.
A pontuação final do SuMeste 6 é a média, ou o quano resunado,
contando de cima para baixo.
MD - igual a forma completa
424
PROFICIÉ'NCIA MOTORA
SUBTESTE 7: CONTROLO VISGMOTOR
1. Desenhar uma linha alrav8s de um labirinto recto, com a mão dominanle. Número de erros:
MAIS DE
Valor ReferBncia = 6 6 2-5 1 0 Resultado em Ponlos = 0 1 2 3 4
2. Copiar um ctrculo com a mão dominante.
Resultado:
Valor ReferBncia = 0 1 2 Resultado em Pontos = 0 1 2
3. Copiar figUras sobrepostas (lápis), com a mão dominanle.
Re B Ui Bd O:
Valor ReferBncia = 0 1 2 Resuhado em Pontoe = 0 1 2
SUBTESTE B: VELOCIDADE DOS MEMBROS SUPERIORES E DESTREZA
1. Distribuir carlas com a mão dominante (15 seg. )
Número de Canas: MAIS DE
ValorReterBncia= 0 1-B 9-12 13-16 17-20 21-25 26-29 30-33 34-37 38-41 41 Resultado em Pontos = 0 1 2 3 4 5 6 7 B 9 10
2. Fazer pontos em ctrculos com a mão dominante (15 seg. )
Número de Ctrculos em poMoe:
Velor ReferBncia = 0 1 10 11215 16 20 21425 26 30 31S 5 36 0 41 50 51 IS E Resultado em PoMos = 0
RM, NM 1990)
425
Ii
INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
O TPMBO foi desenvolvido por Bruininks 1978, no sentido de proporcionar uma informação útil sobre as aquisições motoras de crianças e jovens, avaliando
não só funções e disfunções motoras, mas também, inclusivamente, atrasos de desenvolvimento, com a finalidade de desenvolver e avaliar programas de treino motor
e reeducação motora.
Trata-se de um instrumento extremamente versátil e cuidadosamente elaborado, especialmente centrado na avaliação das componentes puramente expressivas
da motricidade global, composta e fina.
O teste, na sua forma reduzida, tem como finalidade o estudo de três componentes da proflciência motora:
- motricidade global;
- motricidade composta; e,
- motricidade fina,
integrando 14 itens que formam oito subtestes estruturados de forma a avaliar alguns aspectos específicos do desenvolvimento motor.
Os subtestes da forma reduzida utilizados foram os seguintes:
- Corrida de agilidade - consiste numa corrida curta de 13, 7 metros envolvendo a captação e o transporte de um objecto;
- Equih7 rio - avalia a habilidade da criança em manter o equilibrio postural numa posição estática unipedal e num deslocamento dinâmico;
- Coordena ão bilateral - avalia a habilidade da criança em coordenar as mãos e os pés em movimentos dissociados sequenciais e simultâneos,
utilizando ambos os lados do corpo;
- Força - avalia a força dos membros inferiores num salto horizontal a pés juntos;
- Coordenação dos membros superiores - avalia as habilidades da criança na recepção bimanual e na coordenação oculomanual
de uma bola de ténis dirigida a um alvo;
- Velocidade de reacção - mede a velocidade de resposta motora a um estímulo visual (régua) em movimento vertical;
- Visuomotricidade - avalia a motricidade fina na realização grafomotora de labirintos e de cópias de figuras geométricas;
- Dextralidade - mede a destreza e a velocidade manipulativa dos membros superiores.
426
PROFICIÉ NCl A MOTORA
QUADRO II
Estrutura da forma reduzida do TPMBO (1978)
MOTRICIDADE MOTRICIDADE GLOBAL FINA
Subteste l: Subteste 6:
Conida de agilidade MOTROCIDADE COMPllSTA Velocidade de reacção
Subteste 2: (GLOBAL E FINA) Subteste 7:
Equil rio Subteste 5: Coordenação dos u no
Subteste 3: membros superiores Subteste 8:
Coordenação bilateral Velocidade e precisão
dos membros
Subteste 4: superiores
Força e dextralidade
O teste foi aplicado dentro das condições constantes do respectivo manual, respeitando todo o rigor inerente à recolha de dados, após reunião de sensibilização
com os professores em que se explicou os objectivos da pesquisa e os concomitantes critérios de selecção das crianças com DA e com insucesso escolar, bem como os
procedimentos para a escolha aleatória das crianças com aproveitamento escolar.
Como é óbvio, as investigações educacionais, que são desenvolvidas dentro das escolas regulares, estão sujeitas a uma série de limitações impostas pela
natureza relativamente inconstante do seu envolvimento humano e material; por esse facto, o presente estudo não escapa a esta generalização, tanto mais que se
trata de um dos primeiros estudos- pilotos com tais características, para além de abranger uma amostra cuja caracterização é deveras complexa, considerando a falta
de uma definição consensual da criança com DA, a que já fizemos referência.
RESULTADOS: ANÁLISE E DISCUSSÃO
Considerando o objectivo do estudo, os resultados foram recolhidos de acordo com os seguintes quadros:
Quadro I - Caracteriza ão da Amostra - estatística descritiva básica das médias e dos desvios-padrões para a totalidade das variáveis de estudo;
Quadro II - Análise da Variância - one way ANOVA para a comparação dos resultados do grupo de crianças N e do grupo de crianças com DA na totalidade das
variáveis;
427
INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
Quadro I11- Variáveis que caracterizam significativamente cada um dos grupos; e fmalmente,
Quadro IV - Matrizes de correla ão para a relação entre as variáveis da totalidade da amostra.
CARACTERIZAÇÃO DA AMOSTRA
QUADRO III
Caracterização da Amostra
VARIÁVEIS TOTAL CRIANÇAS NCRIANÇAS COM DA Média DP MédiaDP Média DP
Corrida de agilidade 8. 63 1. 78 9. 33 1. 40 7. 93 1. 84
Equilfbrio 7. 10 1. 76 7. 73 1. 57 6. 47 1. 71
Coordenação bilateral 2. 63 0. 95 3. 07 0. 68 2. 20 0. 98
Força 6. 07 1. 41 6. 60 0. 88 5. 53 1. 63
Componentes motricidade
global 24. 47 4. 63 26. 73 3. 45 22. 20 4. 55
Coord. mb. super.
Componentes motricidade
composta 4. 53 0. 96 4. 87 0. 88 4. 20 0. 91
Velocidade de reaeção 5. 10 2. . 17 6. 33 1. 99 3. 87 1. 54
Visuomotricidade 5. 87 1. 56 6. 93 1. 06 4. 80 1. 22
Dextralidade 8. 53 1. 82 9. 47 2. 06 7. 60 0. 80
Componentes motricidade
fina 19. 57 4. 54 22. 73 3. 75 16. 40 2. 65
Proficiência motora 48. 17 8. 73 53. 67 6. 47 42. 67 7. 08
Médias e desvios-padrões (DP) para a totalidade da amostra, para o grupo de crianças N e para
o grupo de crianças com DA.
Em primeiro lugar são apresentados os valores da motricidade global, em
seguida os valores da motricidade composta, os valores da motricidade fina,
e por último, os valores totais da proficiência motora para a totalidade das
variáveis da forma reduzida do TPMBO.
Numa rápida análise, verif Icamos que os resultados de todas as componentes da motricidade estudadas são superiores nas crianças N em comparação
com as crianças com DA. Os resultados ilustram uma superioridade das
crianças N em comparação com as crianças com DA em todas as medidas
das componentes da motricidade, quer globais (Gráfico 1), quer finas
(Gráf Ico 2), quer da prof Iciência motora (Gráf Ico 3) na totalidade das variáveis estudadas.
428
PROFICIÊNCIA MOTORA
GRÁFICO I
Mouicidade global
10
M 8
d 6
i 4
a 2
s
0 I
Comda Equib'brio Coordenação Força
de agilidade bilateral
Variáveis TPMBO Ì
Normais ~- DA
I
GRÁFICO 2
Motricidade fna
10
M 8
d 6
i4 Y
2
Velocidade de reacção Visuomotricidade Dextralidade Variáveis TPMBO
~- Normais - - DA
GRÁFICO 3
Profciência motora
8
é 6
, *
d *
4 '
a 2
0 I I l i
Motricidade Motricidade Motricidade
global composta fina
Vaiiáveis TPMBO
-0- Normais *- DA
429
INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
Numa análise global e sincrética dos dados, o grupo das crianças N revelou, em todas as variáveis da proficiência motora, uma superioridade clara em relação
ao grupo das crianças com DA, reforçando o papel da proficiência motora no aproveitamento escolar em termos de presença ou ausência de repetência no 2. o ano de
escolaridade.
As crianÇas N, ao nível das componentes da motricidade global, correm mais depressa, equilibram-se em termos unipedais e dinâmicos durante mais tempo,
coordenam melódica e cinestesicamente as extremidades de forma mais rápida e precisa, evidenciam mais força dos membros inferiores e saltam mais a pés juntos.
Nas componentes da motricidade composta, demonstram mais eficácia na coordenação oculomanual receptiva e propulsiva e, finalmente, nas componentes da
motricidade fina, apresentam uma velocidade reactiva superior, revelam uma visuomotricidade com menos inêxitos e com um transporte visual mais consentâneo e pormenorizado
com as figuras copiadas e, por último, apresentam uma microdextralidade dominante mais eficaz em duas tarefas de velocidade-precisão.
Em resumo, a sua proficiência motora, combinando o nível de eficácia nas variáveis motoras globais, compostas e finas, é claramente superior à das crian
as com DA.
As crianÇas com DA da nossa reduzida amostra evidenciaram resultados mais baixos em todas as variáveis da proficiência motora, sugerindo um perfil motor
mais vulnerável, quer nas componentes mais globais, quer nas mais finas, o que pode trazer alguma compreensão à problemática da maturação motora e funcional no
potencial de aprendizagem, independentemente de muitas crianças com DA revelarem uma integridade motora global, e mesmo por compensação, ou por efeitos ecológicos
específicos, um perfil motor adequado.
Perante os resultados globais do TPMBO, as crianças N revelaram valores acima da média, enquanto as crianças com DA demonstraram valores abaixo da média.
Anúlise da variância (ANOVA)
No Quadro IV é apresentada uma ANOVA (razão F de Fisher) com os respectivos graus de liberdade e os graus de probabilidade, para verificar as diferenças
significativas entre o grupo de crianças N e o grupo de crianças com DA na totalidade das variáveis (Ferguson 1981).
430
PROFlCIÊNCIA MOTORA
QUADRO IV
ANOVA - Comparação dos resWtados obtidos pelo grupo
de crianças N vs. grupo de crianças com DA na totalidade das variáveis
VARIÁVEIS Graus liberdade Fisher Prob. Val. test
Componentes motricidade tina 28 26. 61 0. 000 4. 29 Visuomotricidade 28 24. 30 0. 000 4. 15 Proficiência motora (T) 28 18. 43 0. 000 3. 73
Velocidade de reacção 28 13. 43 0. 001 3. 28 Dextralidade 28 9. 98 0. 004 2. 90 Componentes motricidade global 28 8. 82 0. 006 2. 74
Coordenação bilateral 28 7. 39 0. 011 2. 54 Corrida de agilidade 28 5. 31 0. 031 2. 15 Força 28 4. 65 0. 040 2. 06 Equil'brio 28 4. I 8 0. 050 1. 96
Análise da variância para comparação dos grupos de crianças N e de crianças com DA.
O Quadro IV mostra diferen as signifcativas entre os dois grupos para valores p<. O5, em todas as variáveis da proficiência motora, em todas as componentes
da motricidade fina e da motricidade global, apenas exceptuando a variável das componentes da motricidade composta.
A verificação destas diferenças significativas ilustra que a proficiência motora, tal como é medida pelo TPMBO, é substancialmente superior no grupo de
crianças N, pondo em relevo a vulnerabilidade do potencial motor do grupo das crianças com DA, primeiro nas componentes da motricidade fina e segundo nas da motricidade
global, confirmando inúmeras investigações já anteriormente referenciadas.
A não-existência de diferenças significativas, aliás zzxínimas, nas componentes da motricidade composta (recepção manual e coordenação oculomanual) parece
sugerir a observância de uma reduzida discriminação desta variável da proficiência motora, quando se compara ambos os grupos.
Pela análise dos dados, a verificaÇão das hipóteses nulas (Ho I, Ho 2 e a Ho 4) definidas na nossa pesquisa é rejeitada devido à existência de diferenças
significativas entre os grupos. Apenas a Ho 3 é aceite, por não se ter identificado diferenças significativas entre eles.
431
INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
Variáveis que caracterizam significativamente cada um dos grupos
No Quadro V são apresentadas as variáveis que caracterizamtivamente cada um dos grupos, através de uma análise de dados analysis - critério t Student,
de Bouroche e Saporta 1980) que a média do grupo com a média geral.
QUADRO V
Variáveis que caracterizam significativamente o grupo de crianças N e o grupo de crianças com DA
Médias DP V. tes Prob. VaááveVCaracterísticas Gruno Geral Gmuo Geral
Grupo de crianças N (N=15)
Componentes motricidade fna 22. 733 19. 567 3. 750 4. 536 3. 76 0.
Visuomotricidade 6. 933 5. 867 1. 062 1. 565 3. 67 0. 000
Proficiência motora (T) 53. 667 48. 167 6. 467 8. 730 3. 39 0.
Velocidade de reacção 6. 333 5. 100 1. 989 2. 166 3. 07 0. 001
Dextralidade 9. 467 8. 533 2. 061 1. 821 2. 76 0. 003
Componentes motricidade global 26. 733 24. 467 3. 454 4. 631 2. 64 0. 004
Coordenaçãobilateral 3. 067 2. 633 . 680 . 948 2. 46 0. 007
Corrida de agilidade 9. 333 8. 633 1. 398 1. 779 2. 12 0. 011
Força 6. 600 6. 067 . 879 1. 413 2. 03 0. 021
Equil'brio 7. 733 7. 100 1. 569 1. 758 1. 94 0. 026
Componentes motricidade composta 4. 867 4. 533 . 884 . 957 1. 88 0. 039
Grupo de crianças com DA (N=15)
Componentes motricidade composta 4. 200 4. 533 . 909 . 957 - 1. 88 0. 03
Equil'brio 5. 467 7. 100 1. 707 1. 758 - 1. 94 0. 026
Força 5. 533 6. 067 1. 628 1. 413 - 2. 03 0. 021
Conida de agilidade 7. 933 8. 633 1. 843 1. 779 - 2. 12 0. 017
Coordenaçãobilateral 2. 200 2. 633 0. 980 0. 948 - 2. 46 0. 007
Componentes motricidade global 22. 200 24. 467 4. 549 4. 631 - 2. 64 0. 004
Dextralidade 7. 600 8. 533 . 800 1. 821 - 2. 76 0. 003
Velocidade de reacção 3. 867 5. 100 1. 543 2. 166 - 3. 07 0. 001
Pro ciência motora (T) 42. 667 48. 167 7. 077 8. 730 - 3. 39 0.
Visuomotricidade 4. 800 5. 867 1. 222 1. 565 - 3. 67 0. 000
Comoonentes motricidade f'ma 16. 400 19. 567 2. 653 4. 536 - 3. 76 0. 000
(Clusrer analysis - Critério t Student que compara a média do grupo com a média geral).
As variáveis que caracterizam significativamente o grupo de crian as N concentram-se, essencialmente, na totalidade das variáveis da motricidade fna,
na visuomotricidade e na totalidade da proficiência motora, enquanto as variáveis que caracterizam significativamente o grupo de crianças com DA se concentram na
totalidade das variáveis da motricidade composta, no equi
432
PROFICIENCIA MOTORA
librio e nafor a, marcando uma diferença nos perfis de proficiência motora dos grupos, privilegiando o grupo das crianças N nas componentes motoras mais complexas
e hierarquizadas em termos neurofuncionais, obviamente mais interligadas com o aproveitamento e/ou o rendimento nas aprendizagens escolares.
A constatação de que o grupo de crianças com DA se caracteriza mais significativamente pelas componentes da motricidade composta e da motricidade global
sugere que a sua proficiência motora é mais vulnerável e neurofuncionalmente menos estruturada e cuja repercussão em termos de repetência escolar parece fornecer
alguma razão causal. Em síntese, a análise dos dados demonstra que os grupos estudados são significativamente diferentes na proficiência motora, sugerindo mesmo
subtipos motores específicos.
Matrizes de correlação para a totalidade da amostra
Para investigar até que ponto as variações de uma variável correspondem às variações numa ou mais variáveis da proficiência motora, procurando verificar
quais os graus de relação, de associação e de variação em uníssono e em simultaneidade entre as variáveis das motricidades global, composta e fina, apresentamos
o Quadro VI da matriz de correlação, para valores de p <. 05 para a totalidade da amostra, tomando como referência o coeficiente de correlaçãoproduto-momento de
Pearson (Pearson Product-Moment Correlation Coejficien Fergusson 1976).
QUADRO VI
Matriz de correlação para a totalidade da amostra
Cor. Fqu. Coor. For. M. G. M. C. Vel. Vis. Dext. M. F. P. M.
Cocrida de agilidade 1. 00
Equil'brio 0. 27 1. 00
Coordenaçãobilateral 0. 61 0. 62 1. 00
Força 0. 69 0. 35 0. 56 10. 00
Motricidadeglobal 0. 77 0. 77 0. 84 0. 78 1. 00
Motricidadecomposta 0. 54 0. 50 0. 50 0. 36 0. 61 1. 00
Velocidade de reacção 0. 44 0. 48 0. 55 0. 52 0. 62 0. 68 1. 00
Visuomotricidade 0. 43 0. 35 0. 39 0. 60 0. 42 0. 33 0. 42 1. 00
Dextralidade 0. 27 0. 31 0. 36 0. 42 0. 42 0. 33 0. 420. 441. 00
Motricidade fina 0. 46 0. 47 0. 54 0. 62 0. 65 0. 56 0. 870. 840. 751. 00
Proficiência motora 0. 71 0. 68 0. 74 0. 76 0. 91 0. 67 0. 790. 710. 630. 871. 00
Pela análise do quadro-matriz de correlação, nenhuma variável apresenta uma correlação perfeita com outra variável; todavia, idenúficámos uma correlação
excelente entre o resultado total da proficiência motora na sua forma
433
INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
reduzida e a totalidade da motricidade global (r=. 91), sugerindo uma concordância extremamente forte entre ambas as variáveis e ilustrando a característica funcional
do TPMBO.
Em contrapartida, a correlação com a totalidade da motricidade fina (r=. 87) revela uma correlação de menor magnitude, apesar de se considerar uma correlação
muito forte em analogia com muitos testes em psicologia e em educação.
Outra correla ão muito forte foi encontrada entre as variáveis da totalidade da motricidadefina e a velocidade de reacção (r=. 87), sugerindo entre elas
uma variação concordante muito significativa.
Correlações fortes foram identiflcadas entre as seguintes variáveis:
totalidade da motricidade global e coordena ão bilateral (r =. 84); totalidade da motricidade fna e visuomotricidade (r =. 84).
Correlações satisfatórias foram ainda encontradas nos seguintes pares variáveis :
- totalidade da proficiência motora e velocidade de reacção (r =. 79);
- totalidade da motricidade global e força (r =. 78), a mesma variávei com a variável da corrida de agilidade e com a variável do equihbrio
(r =. 77);
- totalidade da proficiência motora com a for a (r =. 76), a mestna variável com a variável da coordenação bilateral (r =. 74) e com a variável
da corrida de agilidade (r =. 71), todas elas componentes da motricidade global, enquanto a mesma variável se correlacionou no mesmo grau com a visuomotricidade,
componente da motricidade fina; por último,
- totalidade da motricidade fina com a dextralidade (r =. 75).
De realçar a inexistência de correlações fortes com as variáveis da motricidade composta, bem como a observância de correlações fracas e pobres entre as
variáveis da motricidade global e as da motricidade fina, sugerindo que ambas as componentes motoras se distinguem e se diferenciam em termos funcionais envolvendo,
provavelmente, subsistemas independentes, algo que nos parece relevante para o estudo da proficiência motora em geral e nas crianças em particular.
Conclusões
Os resultados encontrados neste estudo dão suporte às perspectivas de autores pioneiros como Orton 1937, Kephart 1960, Ajuriaguerra 1961, Critchley 1970,
Frostig 1971 e 1972, Cruickshank 1972, Guilmain 1971,
434
PROFICIÊNCIA MOTORA
Denckla 1973 e 1974, e aos estudos mais recentes de Dobbins e Rarick 1975, Benton e Pearl 1978, Krus e Bruininks 1981, Denckla 1979 e 1985 e de Bruininks 1974,
1977, 1978 e 1989, que verificaram nas suas pesquisas diferenças relevantes na prestação motora entre crianças normais e crianças com DA.
Em relação à verifica ão das hipóteses nulas definidas, para uma probabilidade de erro de 0. 05, três das quatro são rejeitadas, visto terem sido encontradas
diferenças significativas entre os dois grupos, quer nas variáveis da motricidade global e fina, quer, igualmente, nas variáveis totais da proficiência motora.
Em termos de proficiência motora, e à luz do tratamento estatístico efectuado, as crianças com DA exibem diferenças significativas quando comparadas com
crianças normais da mesma idade.
O estudo sugere que as diferen as significativas entre os dois grupos de crianças em todas as componentes da proficiência motora medidas segundo o TPMBO
constatam nelas padrões de proficiência motora distintos, substanciando nas crianças com DA défices motores especi cos na motricidade composta e global, e, fundamentalmente,
na motricidade fina, componente esta mais envolvida nos processos de aprendizagem simbólica, tendo em atenção os trabalhos de pesquisa revistos.
Os resultados apurados na motricidade composta e global do TPMBO suportam os dados de Denckla 1985 e Levison 1985, que identificaram nas crianças com DA
défices vestibùlares e cerebelosos observáveis igualmente na prestação inferior da nossa amostra, acusando aquelas frequentes quedas, reequilibrações abruptas
pouco económicas e reguladas, distonias, descontrolo e insegurança gravitacional. Os resultados do nosso estudo parecem demonstrar que as crianças com DA evidenciam
problemas de integração vestibular, tonicopostural e proprioceptiva (tactiloquinestésica), a sugerirem problemas de integração não só sensorial, como psicomotora,
a que não serão estranhas certamente as suas repercussões nos processos de atenção e de recepção, elaboração e expressão de informação exteroceptiva (auditiva e
visual), obviamente mais envolvidos na aprendizagem dos processos simbólicos da leitura, da escrita e do cálculo.
Foram igualmente confirmados os estudos de Benton e Pearl 1978, na medida em que as crianças com DA revelaram movimentos da mão mais lentos e pobres, quer
na velocidade de reacção, quer na visuomotricidade e na dextralidade, reforçando nelas o surgimento de uma coordenação oculomanual e de uma micromotricidadè mais
tensas e dismétricas. A lentidão entre os processos de input e de output da prova de reacção com a queda vertical da régua, as distorções visuomotoras e visuoespaciais
verificadas nas cópias de figuras geométricas, a preensão imprecisa e insegura do lápis, a tríade instável, as hesitações entre a mão iniciativa e a mão auxiliar
na distribuição de cartas e as sincinésias, as mioclonias, as disquinésias flutuantes e descoordenadas, os tremores distais na marcação de pontos, etc.
435
INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
parecem, no seu todo, apontar para uma imaturidade psicofuncional da motricidade fina já revelada também nos estudos de Frostig e Maslow 1973 e de Denckla, Rugel
e Broman 1981.
Os resultados parecem indiciar dois tipos de coordenação quando: encara as componentes da motricidade global e as componentes da motrici- dade fina. Uma
coisa parece ser a coordenação revelada nas expressões eor porais globais nos grandes espaços, como na aprendizagem da dança ou do desporto; outra coisa parece
ser a coordenação evidenciada na sala de aula, que subentende a aprendizagem do desenho, da escrita ou do cálculo, efectivamente mais ligada a outras exigências
de controlo (Stein 1985).
De acordo com Rolland 1980 e 1989, para produzir processos de motricidade fina complexos, o ser humano, ao longo da filogénese e da ontogénese, desfrutou
e desfruta de uma área única no lobo frontal, a área 8, isto é, o campo frontal visual (frontal eye field) associado à área suplementar motora, de onde emergiu
a fabricação e a manipulação de objectos, certamente um dos mais relevantes processos da sua evolução antropológica e da sua aprendizagem (Fonseca 1989).
De assinalar, na nossa pesquisa, que nas provas da motricidade fina a magnitude das diferenças obtidas pelas crianças com DA é comparativamente maior do
que na motricidade global quando comparadas com as crianças normais, pondo em realce que a znicromotricidade põe em evidência substraetos neurológicos mais complexos
e mais especializados hemisfericamente, na medida em que engloba, e abrange, mais processos de reaferência espaeial agida e representacional.
Os dados da nossa investigação destacam, em termos gerais, uma imaturidade na proficiência motora nas crianças com DA, imaturidade neurofuncional e psicofuncional
mais emergente nas componentes da motricidade fina do que nas componentes da motricidade global ou composta, sugerindo naquela, de alguma forma, maiores implicações
nos processos de aprendizagem simbólica. Segundo Denckla 1973 e Annett 1973, coexiste uma robusta correlação entre a velocidade-precisão de movimentos finos coordenados
e a linguagem (leitura), sugerindo uma disfunção neuroevolutiva no eixo cefalocaudal, eixo este fortemente implicado na maturação motora. Os nossos dados chegam
aos mesmos pressupostos, salvaguardando as necessárias limitações do presente estudo.
À luz dos contributos sobre a moderna teoria do movimento voluntário (Eccles 1985, Stein 1985, Rolland 1980, Kornhuber 1979, Brinkman 1979 e Allen e
Tsukahara 1974), a elaboraÇão práxica que sustenta, no fundo, todos os processos de aprendizagem depende das conexões laterais cerebelosofrontais que não só garantem
o controlo automático e integrado do movimento intencional e programado por via da retroalimentação tonicopostural, como actuam na sua pré-programação antes de
serem iniciados, reforçando a perspectiva da modulação dinâmica do acto motor de Bernstein 1967.
436
PROFICI NCIA MOTORA
Face aos resultados inferiores na proficiência motora que as crianças com DA acusaram na nossa pesquisa, pode-se conjecturar, com as reservas que se impõem
ao nosso estudo, que os seus problemas de equilibrio dinâmico e unipedal ilustram alguma disfunção vestibular, proprioceptiva, tónica e cerebelosa, condições
estas inerentes à motricidade global e que se repercutiram funcionalmente na corrida de agilidade, na força e na coordenação bilateral das extremidades e, por
sua vez, na visuomotricidade e na dextralidade da motricidade fina, que requerem melodia cinestésica, sequeneiali zação fina e planificada de movimentos, ou
seja, processos de regulação e controlo mais apurados, independentes, integrados e organizados.
O comando motor processado continuamente, segundo aqueles autores, pela área suplementar motora (córtex pré-motor), integra os dados tonicoposturais do
eerebelo e do tronco cerebral, através de um anel sistémico e de uma circularidade regulativa que abrangem também o córtex associativo, a área 6 frontal de pré-programação
e os núcleos cinzentos da base que subentendem o sistema extrapiramidal, antes de actuar nas células piramidais da área 4 (córtex motor). Não é de estranhar,
portanto, que as crianças com DA acusem ligeiras disfunções ao nível da motricidade global e, paralelamente, ao nível da motricidade fina; os nossos resultados,
em certa medida, dão algumas indicações neste sentido.
A área suplementar motora onde se opera a ponte entre a intenção e a acção (Damásio 1979, Luria 1965), verdadeiro piloto do movimento voluntário (movimento
psicomotor por essência) onde se concentram o inventário dos engramas e os sistemas de antecipação e sequencialização primordiais à atenção voluntária característica
da organização práxica e, consequentemente, da aprendizagem simbólica, parece igualmente disfuncional nas crianças com DA, tendo em referência os resultados
da nossa pesquisa e confirmando de algum modo as hipóteses avançadas por Duffy 1980 e 1987. Este autor, para além de encontrar em crianças disléxicas traçados
bioeléctricos irregulares e atípicos nas áreas de Wernicke e no girus angular (fronteira do lobo parietal e do lobo occipital envolvida na linguagem), detectou
simultaneamente disfunções na área suplementar motora nos dois hemisférios, sustentando algum envolvimento disfuncional e alguma insuficiência na planificação,
na predicção e na extrapolação dos movimentos, o que subentende interacções activas e dialécticas entre os processos centrais e periféricos.
Apesar de o TPMBO não se centrar no estudo de variáveis de planificação motora, mais habituais dos diagnósticos psicomotores e neuropsicológicos (Ajuriaguerra,
1964, Towen e Prechtl 1977, Mutti, Sterling e Spalding 1978, Golden 1984, Fonseca 1985 e 1992), a verificação dos resultados inferiores das crianças com DA
nas provas da motricidade fma do TPMBO que claramente implicam tendem a demonstrar que elas acusam problemas na sequencialização espaciotemporal intencional de movimentos,
isto é, revelam sinais dispráxicos, independentemente de revelarem uma inteligência normal e uma motricidade funcional (Fonseca 1990 e 1992).
437
INSUCESSO ESCOI. AR - ABORDAGEM PSICOPEDAG lGICA
ente a área suplementar motora como subsistema principal da
Efectivam , lggg), com neurónios de aquisição ftloização psicomotora (Fonseca lenta, é a p
organ ,
nte e uma mielinização rimeira e ásieum tl te genética rece praxias globais e finas, o que exige, só p ber 1979). Tal
na elaboração das
ção
consciente, dirigida e concentrada (Kristeva e Kornhu
er de concentração, inexistente na produção de movimentos au mátn
pod à coordenação e à regulação de movimenúos g n ste modo,
mas essencial do pela ea suplementar dl otgém qimbólica, onde p
gicamente g p
arece
rolo uia
como a sede da psicomotricidade e da aroblemas, como p
an as com DA apresentam mais p rovaram as suas
que as cn ç
prestações motoras no TPMBO. p
Podemos inferir dos dados da nossa esquisa uma formulação teónca
nte: se efectivamente a área suplementar motora ntãonsold-
assaz interessa planificação motora ou da psicomotris daÓnstitui c p o a
como a sede da ue a ea motora - ea 4
mos também inferir q . Entre ambas emergem
u ão motora ou da motricidade
psicosede da exec ç
sistemas distintos de complexidade elaborativa e executiva sendo a
leoló ica e a motricidade interactiva onde certamente a implimotricidade te gquer hierarquizados, quer sistémicos, se
rocessos cognitivos
cação dos p nos atrasos
diferenciam.
Não havendo défices motores como na paralisia cerebral,
nas deficiências sensoriais, intelectuais ou psiquiátricas, e
neurológicos, as (incapacidades de aprendidagiananlongo
praxi
mais objectivamente nas acrianças com DA revelara s ue não.
devidas a lesões cerebraipsa omotores disfuncionais pouco óbvio, Q
do nosso estudo, sinais p
O, exactamente orque este teste não foi
são claramente ilustrados no TPMB proficiência motora como produto
criado para esse fim, pois med ri peZ do, integrado e psicologicamente plafinal e não como processo i
provas deste teste,
niflcado. DA revelaram, na prestação dasdisfuncionais,
As crianças com
sinais
psicomotores disfuncionais, e não sinais p u g om alterações na
nomeadamente
; problemas de integração tonico p
messe e na melodia cinestésica; hesitações frequentes na lateralização rece f diflculdades no posicionamento, e desoe onháÇ meéspa mativa e efectora
al e
ognósico na execução de sequências misór dade, vigilâ
t oral de movimentos compostos; imp ncia assistemática,
temp ; im ericia, etc. que transcende
esporádica e desplaniflcada p
onto de vista meramente funcional e numa visão
psiDe um
a tradicional fundamentação da motricidade, analisada a sua repercussão
ue ela tende a interferir com os processos centrais da
cofuncional, é óbvio Q que esta numa óptica neuropsicológica, resulta da
aprendizagem, uma vez ' pro rioceptiv
os considerados básicos em
integração harmoniosa deideddos c p plexos que os duplicam e represendados exteroceptivos cons
tam neurofuncionalmente.
438
PROFICIÊNCIA MOTORA
Para que a aprendizagem possa constituir um património do indivíduo, parece que o cérebro tem de organizar primeiro as sensações e os movimentos, e só
depois organizar os símbolos, como defendem Quirós e Schrager 1975, 1978 e 1979. Os resultados apresentados neste estudo sugerem alguns subsídios nesta questão
nuclear sobre as aprendizagens simbólicas da leitura, da escrita e do cálculo, nas quais as crianças com DA mais revelam as suas disfunções.
Não dizemos sinais motores disfuncionais porque, evidentemente, não se trata de desordens, mas mais de disfunções evolutivas ou organizativas no domínio
da relação entre a esfera do psíquico, que elabora, integra e regula os movimentos intencionais, e a esfera do motor, que os executa, nada mais do que um problema
de aprendizagem, e só isso.
Não se trata, le facto, de dificuldades motoras gerais, mas de dificuldades motoras especificas, em analogia com as dificuldades de aprendizagem específicas
que tendem a revelar-se mais nas provas de sequencialização e de velocidade-precisão como as da motricidade fina do TPMBO, do que nas provas de equilbrio, corrida
e salto da motricidade global do mesmo teste. As diferenças significativas encontradas na prestação motora nas duas componentes apontam e justificam alguma razão
explicativa nesta direcção.
A qualidade do cóntrolo motor entre as crianças normais e as crianças com DA da amostra, independentemente de ó TPMBO não a perspectivar ou cotar, foi
nitidamente diferente. Nas crianças normais a atenção face às tarefas, a segurança gravitacionat demonstrada nas provas de motricidade global e a planificação,
a antecipação e a sequencial aç o dos movimentos evidenciadas nas provas de cnotricidade fina sugérem um grau de organização pxáxica superior; aí também a ocorrência
de diferenças significativas em todas as coniponentes do teste.
, Não podendo com o TPMBO deduzir o que se passa no cérebro das crianças normais oá com DA em termos de planificação motora, aquilo que nos foi dado apreciar,
para além da recolha dos dados, foi também uma grande diferença na organização comportamental entre os dois grupos. Os processos e os produtos da organização práxica
revelaram-se qualitativamente, em ambos os grupos, também de forma distinta.
Em suma, os resultados parecem apontar para a distinção da proficiência motora entre crianças normais e crianças com DA, assinalando nestas cáanças dificuldades
motoras específicas cuja explicação encontra eco nas perspectivas neuropsicológicas mais recentes, reflectindo que elas apenas evidenciam um perf/ motor e psicomotor
mais vulnerável, e não a presença de sinais neurológicos disfuncionais.
Neste áspecto, o TPMBO revelou-se um instrumento clinicamente útil e eficaz na detecção de dificuldades motoras, não tanto no isolamento das psicomotoras,
que podem ser perfeitamente superadas desde que conduzam a uma intervenção psicomotora reabilitativa centrada nas necessidades intraindividuais observadas. Tal
recomendação parece evidente, em termos de pre
439
INSUCESSO ESCOl AR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
venção de DA e concomitantes problemas de comportamento, nos primeiros anos de escolaridade básica, em que as funções psíquicas superiores de aprendizagem iniciam
a sua complexidade neurofuncional.
A necessidade de uma observação precoce da proficiência motora e da psicomotricidade em crianças com DA parece óbvia e pode constituir um óptimo meio para
identificar a tempo dificuldades que a escola tem a obrigação de holisticamente compensar e enriquecer, pois só assim pode maximizar os seus potenciais de aprendizagem,
e esse é cenamente um dos seus deveres mais significativos.
Numa perspectiva de implicação paradigmática, o nosso estudo parece também apontar para uma nova análise entre a motricidade fina e a motricidade global
e entre a psicomotricidade e a motricidade, conceitos problemáticos quer na prática, quer na teoria, uma parecendo envolver mais a área suplementar motora, outra
mais a área motora, problematização esta deveras profunda e só possível de escrutinar com modelos informáticos e matemáticos sofisticados que tentaremos prosseguir
noutras investigações futuras.
440
CAPÍTULO 12
ALGUNS ASPECTOS DA CARACTERIZAÇÃO
PSICONEUROLÓGICA DA CRIANÇA E DO JOVEM COM DISFUNÇÃO CEREBRAL MÍNIMA
Disfunção cerebral mínima (DCM) e confusão neurofuncionat máxima
A expressão disfunção cerebral mínima (DCM) tem sido usada para designar distintas condições na criança cuja disfunção cerebral não produz grandes défices
sensoriais ou motores, ou mesmo uma deficiência intelectual generalizada, mas que, em contrapartida, exibe e revela alterações restritas pouco óbvias e disfunções
específicas, quer no comportamento, quer na aprendizagem.
Um conjunto de excelsas individualidades (Paine, Birch, Clements, Eisenberg, Kunstadter, Lis, Maslànd, Halstead, Perlstein, Myklebust, e outros)
integradas num grupo de trabalho patrocinado pela Sociedade Nacional de Pessoas Deficientes e pela Sociedade Americana de Doenças Neurológicas e Sensoriais, em
1964, definiram a DCM nos seguintes tennos:
<<A expressão "DCM" (minimal brain disfunction syndrome) refere-se a um conjunto de crianças com inteligência geral próxima da média, média ou acima da
média, evidenciando certas dificuldades de aprendizagem e de comportamento que podem manifestar-se de forma moderada ou severa, e que estão associadas a desvios
da função do sistema nervoso central. Tais desvios podem manifestar-se em várias combinações e graus disfuncionais na percepção, na conceptualização, na linguagem,
na memória e no controlo da atenção, da impulsividade e da função motora.
As mesmas condições podem complicar-se e dar origem a paralisias cerebrais, epilepsia, deficiência mental, deficiência visual e auditiva. Tais aberrações
ou desordens podem, ponanto, ser causadas por variações genétfeas, irregularidades bioquímicas, insultos pré-natais, ou outras doenças ou lesões ocomdas durante
os períodos críticos de desenvolvimento e de maturação do sistema nervoso central, ou decorrer de causas desconhecidas.
A definição integra, ainda, a possibilidade de a privação sensorial precoce poder resultar em alterações permanentes do sistema nervoso central.
441
INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
Durante os anos escolares a manifestação mais proeminente desta condição é a evidência de uma variedade de dificuldades de aprendizagem.
Como guia de classificação o mesmo grupo teve em consideração dois níveis principais de síndromas cerebrais disfuncionais:
Minimos (menores; ligeiros)
1) Disfunção da motricidade fma e da coordenação;
2) Anormalidades electroencefalográficas sem convulsões, que podem estar associadas a flutuações do comportamento e da função intelectual
3) Desvios de atenção, do nível de actividade, do controlo da impulsividade e da afectividade;
4) Défices específicos e circunscritos da percepção da memória e da inteligência;
5) Disfunções centrais e não periféricas da visão, da audição, do sistema háptico e da fala.
Máximos (severos)
1 ) Paralisia cerebral
2) Epilepsia;
3) Autismo ou outras desordens mentais e de comportamento; 4) Deficiência mental;
5) Deficiência visual, deficiência auditiva e afasias severas.
A DCM, em termos globais, não pode ser confundida com deficiência sensorial, motora ou mental, na medida em que evidencia uma capacidade intelectual
adequada, demonstra processos sensoriais e motores funcionais e revela estabilidade emocional; todavia, possui défices específicos nos processos per ceptivos,
integrativos e expressivos que se repercutem de forma difusa e variada na adaptação comportamental e na eficácia de aprendizagem.
A DCM inclui, portanto, um conjunto considerável de crianças que apresentam dificuldades específicas de comportamento e de aprendizagem, onde têm sido
inseridas determinadas condições como: os défices perceptivos, as lesões cerebrais mínimas, as afasias evolutivas, as dislexias, as disortografias, as disgrafias,
as discalculias, etc. Ela, em resumo, não pode incluir crianças com dificuldades de comportamento ou aprendizagem que são devidas prioritariamente a deficiências
visuais, auditivas, mentais, motoras, emocionais ou, eventualmente, a desvantagens envolvimentais e a privações socioculturais.
Nesta, como noutras condições desviantes, a identificação e a intervenção precoces (Fonseca 1989 e 1991) são cruciais, na medida em que estas crianças
necessitam de formas especiais de intervenção pedagogicoterapêutica e de plena integração escolar e social sem as quais, efectivamente, não se pode atingir o desenvolvimento
maximal dos seus potenciais de aprendizagem.
442
ALGUNS ASPECTOS DA CARACTERIZA ÂO PSICONEUROLÓGICA
or diversos especialistas, médicos A expressão DCM tem sido usada p sicólo os (comportamentalis(psiquiatras, patologistas, neur og tbilitad rp
(reeducadores, terapeutas, tas clínicos, testólogos, etc
professores, etc. ) com significados diferentes; daí uma certa confusão conce tual e um certo caos semântico, aliás também característicos de outros u pversos
de conhecimento como o presente, em que contornos de definição entre o normal e o patológico não são aindmmuito q osdizer que
Por se tratar de uma disfunção cerebral mín não careça de maiores cuidados de diagnóstico; pelo contrário: a atenção ao diagnóstico deve ser mais aprimorada
uma vez que e 1 uercformamai DCM pmites da normalidade do que na deflciência. De qu q ode comprometer o ajustamento à vida, o processo de desenvolvimento e o nível
de realização e de prestação dos indivíduos por ela afectados.
Como diagnóstico psiquiátrico, a DCM foi encarada mo uma síndroma
comportamental com etiologia biológica (Wender 1971 Considerada rara como síndroma de certa forma análoga às síndromas do autismo e de Leschg p
- Nyhan como causas or ânicas óbvias, , a Ds Md ó mú t ta ó mpa, deflnida como patognómica de lesões cerebrais ortamentos desviantes, segundo Rutter 1983,
não serem a elas imputados.
Clements 1966, por exemplo, refere-se à DCM e à hiperactividade como ex ressões sinónimas, tendo descrito debaixo daqueles dois conceitos uma
p problemas de comportanzento e de aprendizagem.
plétora de p
Cabem na sua deflnição a inclusão de com ortamentos desviantes como a a ressão, a labilidade emocional, o atraso na aprendizagem da leitura, as
disg nções cognitivas, etc. , como sendo indiciados pelos insultos físicos
, que abordaremos mais à frente.
ao cbréstigação mais recente, porém, tem sido conclusiva na presença de
t ais ti os de comportamento mesmo quando não se detecta ou confirma quaisquer disfunções cerebrais; daí que a DCM não possa continuar a ser assim
definida. Satz 1976 discute a definição de DCM como não sendo mais do que um atraso maturacional que desaparece com a idade; daí a sua inadequação como diagnóstico.
o de diagnóstico patológico
A DCM deflnida por mei implica a observância de uma lesão neurológica mínima da qual resultam desordens de
ortamento e de a rendizagem, mesmo quando os sinais neurológicos o pão identificados. Trata-se de uma concepção vaga, uma vez que na presen a de tais
lesões, cujos padrões mais característicos evidenciam, inequivocaz ente, ausência de severidade pode não ser captado qualquer desvio de í; comportamento ou dificuldade
de aprendizagem independentemente de os " seus efeitos no desenvolvimento psicológico poderem ser devastadores.
pIauLauv= r----- Y
comportamentais, tendo como referência a sua ill Glu
factores orgânicos de patologia cerebral, observáveis clinicamente no des;
443
INSUCESSO ESCOIAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
controlo de movimentos (clumsiness), em dificuldades específicas da linguagem e, concomitantemente, na distractibilidade ou na inatenção, embora possam ser encaradas
como entidades disfuncionais separadas. Nesta perspectiva, podemos inferir que a DCM compreende um aglomerado divetsificado de problemas de difícil interligação
e, certamente, de etiologia multifacetada.
A DCM tem sido apresentada também como uma desordem de desen volvimento à qual se tem associado uma etiologia biológica por vezes decorrente de um acidente
precoce, tipo hipóxia ou prematuridade por exemplo, com um atraso mais ou menos estável. Como atraso de desenvolvimento (a delay in development), a DCM não pode
ser entendida eomo um desvio do percurso normal evolutivo, pois apenas retrata a persistência de um problema próprio de idades mais baixas que se mantém em idades
mais avançadas (ex: enurese, padrões de atenção dos três anos que se prolongam até aos seis anos etc. ).
Em síntese, não se pode imputar à DCM um atraso de desenvolvimento, mas antes um desvio qualitativo de desenvolvimento que pode ter repercussões ao nível
do comportamento motor e do desenvolvimento psicomotor, que efectivamente pode surgir exageradamente exploratório, assistemático e desplanificado e cujo reflexo
nas funções perceptivas e cognitivas se pode verificar, indiciando aí outros problemas de comportamento e de aprendiza= gem só visíveis e detectáveis quando as
exigências das tarefas escolares ou sociais o impuserem.
Teremos de respeitar que os desvios funcionais ou as disfunções do sistema nervoso, maximais ou minimais, podem implicar uma grande variedade de dificuldades,
e a DCM não escapa a este paradigma das relações cérebro-comportamento e cérebro-aprendizagem.
Apesar de a constelação destas relações estruturais-funcionais ainda não ser totalmente conhecida com precisão, mesmo tendo sido enunciada pelos pioneiros
há cerca de mais de 50-30 anos (Gesell e Amatruda 1941, Werner e Strauss 1941, Goldstein 1942, Strauss e Lehtinen t947, Bender 1949, Masland e col. 1958,
Myklebust e Boshes 1960, Clements 1961, Cruickshank 196I, Prechtl e Stemmer 1962, Birch 1964) é consensual e compreensível cientificamente que uma disfunção
cerebral pode gerar uma dificuldade de aprendizagem, cuja indiscutibilidade se torna óbvia, por exemplo, no caso das incapacidades de aprendizagem (ex: agnosias,
afasias, apraxias, etc. ).
A DCM, ponanto, encontra-se numa encruzilhada em termos de defini ção, não só devido ao nosso incompleto conhecimento do organismo humano e do seu mais
complexo órgão, mas também pela evidência do paradigma hereditariedade-meio.
O conceito de hereditariedade e/ou de organicidade compreende a inclusão de todos os factores ou condições que dão origem ou são inerentes à patologia (ex.
irregularidades genéticas, irregularidades bioquímicas, aciden
444
ALGUNS ASPECTOS DA CARACTERl7 ACÃO SICONEUROLÓGICA
tes pré, peri e pós-natais, doenças ou lesões durante os períodos críticos de maturação neurológica, etc. ) susceptíveis de alterar o normal funcionamento da
criança e, concomitantemente, afectar o seu potencial de aprendizagem e os seus controlo e adaptabilidade do comportamento.
O conceito de meio, por seu lado, abrangendo os vários universos (endo, micro, meso, exo, macro) ecológicos, toma em consideração as experiências
normais quotidianas emergentes do meio socioeconómico e sociocultural, o úpo de relações interpessoais, o papel da experiência de aprendizagem mediatizada, e
a ocorrência de stresses ou traumas de índole psicoemocional.
Pressupondo que estes dois conceitos são os determinantes da aprendizagem e do comportamento, qualquer penurbação ou desvio da sua interacção integrada,
dinâmica e funcional pode justificar a DCM; daí o crescimento de uma cena insatisfação que se instalou, devido ao facto de muitos especialistas se terem defendido
com puras explicações psicogenéticas, interpessoais e psicométricas, enquanto o número de casos parece, aparenteménte, não estar a diminuir.
De um ponto de vista purista, só é possível diagnosticar a DCM se forem demonstradas inequívocas alterações fisiológicas, bioquímicas ou estruturais,
isto é, se os exames (electroencefalografia-EEG, tomografia axial computa dorizada-TAC, ressonância magnética-RM, etc. ), forem concludentes na detecção de
sinais disfuncionais óbvios. Porém, de um ponto de vista pragmático, onde a edueação e a reabilitação se devem posicionar, tendo em atenção que o actual conhecimentò
das relações cérebro-aprendizagem é ainda restrito, teremos de aceitar cenas categorias desviantes da aprendizagem e do comportamento, cenas discrasias evolutivas,
cenas disfunções psicomotoras, comportamentais e cognitivas como índices caracterizadores de disfunções cerebrais.
As disfunções cerebrais parecem representar sinais neurológicos difusos (sofi neurologic signals, Touwen e Prechtl 1970) que reflectem uma desorganização
funcional do SNC, principalmente nas suas funções mais relevantes, como são as da aprendizagem e do comportamento. À luz dos conhecimentos actuais, não podemos
entender a demonstração de capacidades de aprendizagem e a revelação de formas de comportamento adaptáveis sem, de imediato, perspecúvar a integridade do SNC e,
consequentemente, o equilíbrio dialéctico dos factores hereditários com o meio. De alguma forma, a IlCM ilustra uma desintegração do SNC e, paralelamente, um
desequilíbrio dos factores genéúcos ou orgânicos com os factores envolvimentais.
A DCM situa-se, de facto, ainda numa área carente de conhecimento e de transdisciplinaridade, cujas compreensão e concordância entre os peritos, aos
níveis quer do diagnóstìco, quer da terapêutica, estão longe de ser solucionadas, mesmo quando começam a surgir no horizonte meios de análise cada vez mais sofisticados.
A proeura de uma definição, de uma terminologia, de uma nomenclatura e de uma sintomatologia precisas, além de uma eficaz identificação da DCM,
445
INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
é o ponto de panida para uma inter enção pedagogicoterapêutica total e eficaz, razão pela qual os diagnósticos médicos e psicoeducacionais se devem complementar.
revenir o desenvolvimento ou
O diagnóstico médico é essencial para P
a continuação de um rocesso de doença ou de lesão cerebral. O diagnóstico sicoeducacional em complemento, fornece os dados cruciais a part dos quais se deve orientar
logicamente a intervenção pedagógica e habilitativa.
O primeiro é essencialmente desenhado para investigar ou demonstrar a
existência de factores causais de doença ou de lesão, no sentido das suas melhoria ou prevenção, isto é, fornece os conhecimentos básicos sobre a n tureza das
possíveis relações disfuncionais entre o cérebro e o com onam
O segundo avalia a prestação e o desempenho escolac e estima o oten cial cognitivo com os propósitos de identificar as dificuldades, de optimizar ' paralelamente,
de maximizar as condições e as
as capacidades da criança e
estratégias de intervenção educacional, isto é fornecer os conhecimentos adaptativos sobre a natureza das possíveis relações funcionais entre o cérebro e a aprendizagem.
g
ara o reabilitador o enfo ue crucial deve ser a Para o educador ou p p g ( ) que os identificação e a avaliação das dificuldades de a rendiza em
DA Psam ser abordadas funcionalmente nos serviços de apoio escolar e não em clínicas de luxo elas róprias geradoras, consequentemente, de processos de forma ão
avan ade especializados, onde efectivamente se deve perspectivar estratégi de avaliação dinâmica do potencial de aprendizagem e concomitantes estratégias diferenciadas
altamente individualizadas de intervenção.
Uma identificação, uma avaliação e uma gestão eficazes das DA das crianças e dos ovens acomeúdos de DMC, obviamente interligadas às suas contin
entes é pecificações reeducativas ou reabilitativas, parecem ser esseng da p p ç para uma ciais não só para esta minoria o ula ão escolac mas também quantidade
muito rande de casos que, embora atinjam um rendimento intelectual
próxim da media, não satisfazem cabalmente as exigências do
currículo mesmo que não evidenciem desvios funcionais do sistema nervoso. Foi devido a esta implicação singular e complexa do diagnóstico das DA
ue não odendo ser integradas nem nos pa euos em crianças com DCM q, P m gue atingem prestações com um quoda deficiência mental, na medida e p
ciente intelectual próximo da média (QI ? 80), nem nos parâmetros da a rendizagem dita normal (Fonseca 1984 e 1992), que muito do trabalho educacional dos pioneiros
das DA se construiu. Em certa medida, a DCM está ligada ao surgimento das DA (Strauss 1947).
A DCM parece desenhar-se como u Parsd g gi P d edu ão studo nas áreas transdisciplinares da medicina, p e das várias especialidades da linguagem,
dada a fragilidade do seu constructo multiteórico.
446
ALGUNS ASPECTOS DA CARACTERl7 AÇ ÃO PSICONEUROLÓGICA
Porque é urgente construir um enunciado de valor neurofuncional da DCM, com credibilidade clínica e educacional, porque os pais destas crianças reclamam
melhores serviços e melhores envolvimentos de aprendizagem para ajudar a desenvolver o potencial total dos seus filhos, e porque a acessibilidade a tais serviços
durante os anos evolutivos (escola pré-primária e primária) pode ser a chave da optimização do potencial nos anos subsequentes (escola secundária), temos a obrigação
de promover futuramente cada vez mais estudos e investigações pluridisciplinares neste campo.
É dentro deste contexto interconceptual que tentaremos apresentar uma primeira caracterização psiconeurológica das crianças com DCM, subdividida em três
relevantes componentes do desenvolvimento:
- caracterização psicomotora;
- caracterização socioemocional e comportamental;
- caracterização cognitiva.
Caracterização psicomotora
Um dos principais sintomas atribuídos à DCM é a dispraxia (clumsy or awkward), que Kephart 1970 denominou déftce perceptivomoton, (perceptual-motor handicap).
Para este importante pioneiro, a criança com DCM não apresenta défices nas aquisições motoras (motor skills), mas fundamentalmente dificuldades de generalização
de padrões motores (generalization of motor patterns), o que é algo substancialmente diferente, dado interferir com a plasticidade e a flexibilidade da planificação
motora, e com o ajustamento e o reajustamento às condições envolvimentais em mudança às quais o movimento intencional se deve adaptar normalmente (Fonseca 1992).
O mesmo autor desenha um perfil perceptivomotor da criança com DCM, essencialmente caracterizado por:
- respostas motoras limitadas e imprecisas;
- falta de flexibilidade na prestação motora de qualquer tipo;
- dificuldades de rápida adaptação motora a mudanças nas condições externas do envolvimento;
- dificuldades em estabelecer uma adequada coordenação entre a mão e a visão;
- dificuldades em reproduzir formas geométricas em termos grafomotores;
- dificuldades de orientação espacial com objectos, quer nas suas posições, quer nas suas inter-relações;
- desintegração ou ruptura entre os componentes perceptivos (de input) e os componentes motores (de output) do comportamento
intencional.
447
INSUCESSO ESCOIAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
Para Kephart 1968 e 1970, o problema parece situar-se mais na organização e na conswção dos padrões motores que estão na base da interacç eficaz com o
envolvimento do que na prestação de aquisições motoras específicas.
Embora não apresentem problemas na marcha bípede (considerada um pura aquisição motora para o mesmo autor), as crianças com DCM parece n evidenciar mais
problemas em combinar, integrar e generalizar várias formas de locomoção (ex. reptar, andar, coirer, saltar, saltitar, etc. ) para responde rem inteligivelmente
a situações inéditas.
Algo parece interferir no processo de desenvolvimento de padrões motores, limitando e desorganizando o potencial de aprendizagem e interferindo com a regulação
imprecisa e inadequada do comportamento, sugerindo assim uma expressão motora descoordenada, desequilibrada, pesada e descontrolada.
Em síntese, a criança com DCM, segundo Kephart 1970, evidencia falta de plasticidade e rigidez nas respostas motoras, o que reflecte um défice no processamento
da informação tactiloquinestésica, processamento do envolvimento exterior que se encontra vulnerável e fragmentado, o que é susceptível de produzir várias formas
de desintegração intersensorial com as quais a adaptabilidade da aprendizagem e do comportamento não é neurofuncionalmente compatível.
Kephart 1970 destaca, na sua formulação teórica sobre a motricidade, quatro padrões motores fundamentais:
- Postura e manutenção do equilibrio (que envolve a relação com a gravidade, à qual está associada a flexibilidade e a variabilidade
compensatórias do ajustamento postural, de onde decorrem as dimensões e as coordenadas, relacionais e espaciais, quer subjecúvas quer objectivas, em que as crianças
com DCM evidenciam inúmeras dificuldades;
- Locomoção (que envolve a combinação de actividades que são exigidas para mover o corpo de um lugar para o outro, como por exemplo:
reptar, quadrupedar, andar, correr, saltar, saltitar, galopar, transpor, etc. , sem que elas comprometam a atenção voluntária, na medida em que esta nunca
deve divergir do fim e do propósito a atingir com tais acúvidades, condição essa frequentemente detectável na criança com DCM, que exibe carências de coordenação
motora destes padrões básicos em muitas manifestações de interacção ludicossocial);
- Contacto (este padrão envolve a manipulação com a mão nos seus três componentes eswturais: apanhar, manipular e largar, que servem
de base inicial para captar informação sobre os objectos e desenvolver os conceitos de forma, contorno, textura, peso, figura-e-fundo, etc. , implicando uma
prestação motora fina onde redundam muitos problemas básicos de aprendizagem, simbólica e não simbólica, da criança com DCM, nomeadamente na escrita, no cálculo,
no desenho, na expressão plástica, etc. ; e
448
ALGUNS ASPECTOS DA CARACTERI7A ÃO PSICONEUROLÓGICA
Recepção e propulsão (padrão que envolve a relação concreta com o envolvimento e com os objectos em movimento, utilizado para apanhar, captar e interromper
controladamente ou dirigir, atirar, lançar, chutar e orientac trajectórias de objectos onde se cruzam também funções perceptivas de estimação de rotas, distâncias,
velocidades, alvos e massas, consideradas chaves para a exploração e a experimentação bem sucedida com o envolvimento, onde emergem muitas dismetrias e dissincronias
de regulação e controlo nas crianças que temos vindo a caracterizar.
Tratando-se de dificuldades motoras específicas e não de dificuldades motoras gerais, a criança com DCM, tomando por base os pressupostos avançados por
Kephart 1968 e 1970, é essencialmente caracterizada, em termos perceptivomotores, por uma fraca generalização motora, ilustrada por uma expressão motora pouco
flexível e relativamente rígida, sem disponibilidade nem facilidade para aprender novas aquisições. A sua elaboração e a integração motora são restritas, na medida
em que o seu repertório motor é limitado e muito pouco variado.
Noutra linha mais neurofuncional e clínica (Fonseca 1985 e 1992) e com base numa bateria psicomotora da nossa autoria, visando a avaliação de sete factores
psicomotores, caracterizámos o perfil psicomotor da criança com DCM da seguinte forma:
- Na tonicidade detectámos sinais disfuncionais de hipo e hiperextensibilidade e de hipo e hipenonicidade; paratonias; disquinésias, distonias e mioclonias;
ligeiros movimentos coreiformes e atetotiformes; disdiadococinésias e sincinésias bucais e contralaterais, sinais esses facilmente identificáveis na criança com
DCM e cuja significação psiconeurológica traduz alguma vulnerabilidade do estado geral de reacção tonicoemocional e do estado de atenção, vigilância e integração
sensorial, principalmente de integração proprioceptiva, isto é, intrassomática, envolvendo a captação, e a consequente inibição, de dados vestibulares, sensoriotónicos,
tactiloquinestésicos, que consubstanciam a integridade da substância reticulada, ou seja, o primeiro alicerce do sistema funcional complexo que é a psicomotricidade,
sem o qual nenhuma forma de aprendizagem diferenciada pode ser alcançda, como é frequente observar-se nos diversos tipos de hiperactividade que exibem muitas daquelas
crianças;
- Na equilibração identificámos vários sinais disfuncionais vestibulares com frequentes oseilações e reequilibrações abruptas e multidireccionais;
frequentes quedas descontroladas; descontrolo e instabilidade postural; desaferenciação proprioceptiva e visuoespacial; desintegração tonicopostural; posturoespacial,
háptica e antigravítica, quer estática quer dinârrúca; inadaptação posturoespacial; insegurança gravitacional;
449
INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
etc. , que são clinicamente observáveis em muitas crianças com DCM; ilustrando, de alguma forma, que a integridade do seu sistema vestibular e do seu
cerebelo está afectada e sugerindo uma disfunção vestibular e cerebelosa que pode gerar múltiplas interacções disfuncionais, dando origem à intervenção reguladora
de centros superiores e impedindo, assim, o acesso a funções hierarquizadas mais complexas que no fundo retratam uma desorganização neurofuncional da postura pondo
em risco a eficácia de qualquer tipo de aprendizagem.
Em concordância com o modelo de organização funcional do cérebro proposto por Luria 1965, 1973, e com base nos sinais disfuncionais da tonicidade e da
equilibração, poderemos adiantar que a criança com DCM apresenta problemas e perturbações na primeira unidade funcional de atenção e regulação, onde se encontram
os substractos neurológicos responsáveis pelos sistemas de activação reticular, ascendente e descendente (do tónus postural e do tónus cortical), pela função de
alerta e de vigilância e pela filtragem e a selecção dos dados sensoriais, condicionantes prioritários e básicos de qualquer processo de aprendizagem.
A caracterização psicomotora da criança com DCM deve igualmente abordar os factores psicomotores da lateralização, da noção do corpo e da estruturação espaciotemporal,
factores mais ligados à integração gnósica do corpo e das suas componentes envolvimentais:
Na lateralização são encontrados frequentes sinais de confusão na localização e na orientação tactiloquinestésica intra e extracorporal; inconsistência na
captação e na expressão de dados sensoriomotores; desintegração bilateral e proprioceptiva e sua inidentificação simbólica; ambidextrias inóbvias; ausência de dozninância
nos receptores (input) e nos efectores (output); instabilidade perceptiva global e analítica; desorientação simbólica devido à desorganização sensorial intrassomática;
desintegração háptica; problemas de integração posicional, relacional e intra e interespacial; distorções na direccionalidade e na reversibilidade espacial; perturbações
na especialização corporal e hemisférica; etc. , que podem ilustrar várias disfunções projectivas diencefálicas (ex. dos gânglios da base), bem como intra e inter-hemisféricas
(ex. corpo caloso), para além de consubstanciarem algumas confusões contralaterais sensoriais e motoras, isto é, inúmeros sinais disfuncionais de integração
energeticomotivacional, quer do comportamento, quer da aprendizagem, que são frequentemente observáveis nas crianças com DCM; Na noção do corpo observa-se igualmente
dificuldades de integração e de representação gnósica e visuográfica da totalidade corporal; dissomatognósias corporais e digitais; inimitações; aexterognósias;
dificuldades de reprodução de ecocinésias; ausência de sistemas de referência intra e interpessoal; dificuldades construtivas em quebra-cabeças
450
ALGUNS ASPECTOS DA CARACTERIZAÇ'ÃO PSICONEUROLÓGICA
do corpo; desintegração e fragmentação do Eu; problemas de auto-reconhecimento, de autopercepção, de auto-estima e de autoconfiança; problemas de comunicação
não verbal e de interacção social; traços de despersonalização; etc. , próximos dos sinais disfuncionais do lóbulo parietal inequivocamente associados a vários
problemas de comporta mento e de aprendizagem conhecidos em muitas crianças com DCM e que traduzem uma componente relevante do seu perfil psicomotor;
- Na estruturação espaciotemporal revelam-se sinais de desorganização e desorientação espacial, concreta, topográfica e euclideana; problemas
de retenção de curto e longo termo de dados espaciais e temporais; dificuldades perceptivovisuais e perceptivoauditivas; dificuldades de análise e síntese intra
e intersensorial; dificuldades de estruturação dinâmica e simultânea de posições e direcções; dificuldades de descodificação-codiflcação do espaço agido em espaço
representado e vice-versa; dificuldades de estruturação dinâmica sequencial de ritmos; etc. , a sugerir envolvimento disfuncional do lóbulo occipital e temporal,
características óbvias do perfil psicomotor da criança com DCM.
Em termos do modelo de Luria, todos estes sinais psicomotores disfuncionais se podem reportar a problemas e perturbações da segunda unidade funcional de
processamento, eujas funções preferenciais compreendem a análise e a síntese sensorial, a organização específica somática, espacial e temporal, a esquematização
gnósica e simbólica, a descodificação-codificação, a memória tactiloquinestésica, visual e auditiva, a associação e a equivalência transmodal e polissensorial,
etc. , funções de enorme importância para a aprendizagem, e nas quais efectivamente as crianças com DCM evidenciam também dificuldades específicas.
O perfll psicomotor da criança com DCM deve ainda apreciar dois factores psicomotores: a praxia global e a praxia fma, verdadeiros paradigmas da inteligência
e da civilização humanas, uma vez que não se trata de movimentos reflexos ou automáticos, mas de movimentos voluntários, isto é, sistemas de movimentos coordenados
em função de uma intenção e sistemas interiorizados que servem de suporte à actividade cognitiva e com os quais o ser humano aprendeu, e acrescentou, ao envolvimento
natural, um envolvimento cultural. Assim,
- Na praxia global detectámos com facilidade sinais de descoordenação oculomanual e oculopedal; dismetrias; dissincronias; disdissociação
e desplani icação de movimentos; lentidão e imprecisão macromotoras; dificuldades de realização e de construção motora; dificuldades de verbalização e de simbolização
da acção; desmelodia cinética; étc. , que no seu todo retrátam uma dispraxia global, em si indutora de outras dificuldades nos diferentes âmbitos do comportamento
e da aprendizagem; e, finalmente,
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INSUCESSO ESCOIAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
- Na praxia fina captámos inúmeros sinais disfuncionais da microm tricidade, nomeadamente: micromovimentos irregulares, imprecisos, sacádicos,
exagerados, dismétricos, deseontrolados e desequencializados; dificuldades de preensão e manipulação fma de objectos e de manuseamento de instrumentos; dificuldades
grafomotoras múltiplas; dificuldades de digitalização e interdigitalização; tremores terminais e distais; dificuldades de dextralidade, de microrregulação e microcontrolo;
descontrolo tonicoemocional; distorções foveais visuoperceptivas e visuomotoras; dificuldades de perícia manual; ete. , a partir dos quais emerge uma plétora
de problemas de instabilidade posturopsí- : quica (Wallon 1984) e de impulsividade posturomotora, de distractibilidade, de descontrolo postural e práxico, de
exploração acidental e assistemática de situações e de objectos, de desintegração entre a acção e a representação, que podem induzir inúmeros problemas de aprendizagem
e de comportamento.
Em suma, a dispraxia, não sendo uma neuropatia, nem uma miopaúa, nem mesmo uma deficiência motora, nem tão-pouco uma disfunção dos motoneurónios inferiores,
sugere porém um défice de controlo e de planificação motora que normalmente earacteriza uma disfunção do lóbulo frontal, a que a criança com DCM não escapa, evocando
eventualmente problemas ao nível da elaboração e da antecipação consciente da acção que traduzem as funções do córtez ' motor associaúvo (áreas secundárias e terciárias
contendo os centros visuais frontais) e da área suplementar motora, verdadeiros subsistemas neomotores, únicos da espécie, como são as áreas 6, 8 e 9, e profundamente
ligados à produção de competências de aprendizagem da mais elaborada complexidade.
Em termos de organização funcional do cérebro, e à luz de Luria, trata-se da função da terceira unidade funcional, que tem por função a programação,
a regulação e a verificação da actividade consciente, unidade produtora de intenções, de planos e de estratégias, portadora de múltiplos centros de reaferenciação
e de retroalimentação que permitem a inspecção, abena e permanente, da sua realização, regulando portanto todo o comportamento, de forma a estar conforme com
os fms para que foi organizado.
Nesta unidade funcional, crucial para a organização práxica e para qual- quer tipo de aprendizagem não simbólica ou simbólica, depois da regulação
da actividade, passa-se também à função cibernética de comparação dos ã efeitos, à qual está associada a capacidade plástica de desprogramar e de i reprogramar,
consoante as novas necessidades introduzidas pela situação envolvente.
É óbvio que, único portador desta enteléquia práxica, o ser humano podia tornar-se o verdadeiro vertebrado dominante, cuja capacidade de aprendi- zagem
se conservaria, se renovaria e perpetuaria constantemente ao longo da ' evolução, condição esta extremamente difícil, embora possível, que se apre- senta ao
futuro da criança com DCM, tendo em consideração os sinais
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ALGUNS ASPECTOS DA CARACTERl7 A ÃO PSICONEUROLÓGICA
disfuncionais e difusos da sua organização psicomotora, que poderão apresentar-se em termos psicoeducacionais, como condição isolada ou associada a outros factores
comportamentais e cognitivos que passaremos a abordar.
Caracterização socioemocional e comportamental
Os estudos de caracterização socioemocional e comportamental de crianças e jovens com DCM são muito vastos, desde os que não identificaram nenhuns sinais
de comportamento social desviante (também considerados na bibliografia especializada como desordens do comportamento ou desordens da conduta) aos que evidenciam
substanciais traços de desajustamento social, não esquecendo que muitos dos problemas de comportamento podem ser observáveis em muitos casos onde não existe qualquer
vestígio cerebral disfuncional e, consequentemente, ser considerados fortuitos e sem qualquer consequência práúca, pelo que nos linútaremos a rever alguns dos
que captaram sinais comportamentais sociodesviantes.
Chess 1968 identificou um conjunto de características de comportamento da criança e do jovem com DCM, pondo em destaque as seguintes: dificuldades em estabelecer
relações sociais estáveis com os pais, os professores e os companheiros; hiperactividade; distracúbilidade (grandes dificuldades de atenção e concentração); labilidade
emocional; distorções perceptivas; reacções negativas face ao stress; inibição, hiperactividade ou hipoactividade (dialéctica da disfunção, da hipo ou da hiperfunção);
desmotivação face à escola e às situações sociais; imtabilidade expressiva e bizarra; negativismo e defensividade; ansiedade; isolamento; estados confusionais; comportamento
fixo, rígido e inapropriado, podendo dele emergir vestígios neuróticos e psicóticos; etc. , etc. , chamando a atenção para que tais manifestações dependem dos
diferentes úpos de personalidade e do envolvimento e do contexto específico da famflia, bem como do tipo e do momento em que ocorreu a condição geradora de DCM,
sendo de valorizar estes aspectos do comportamento no advento da adolescência.
Noutro estudo, Rappaport 1966 caracteriza a criança e o jovem com DCM nos seguintes moldes: comportamento impulsivo; desenvolvimento atípico das funções
do ego; baixa autoestima; problemas de identidade (Erickson 1950); intolerância frustracional; deficiente interacção com o envolvimento; sentimentos de rejeição
e de tensão permanentes; inadaptação social crónlca; turbulência interpèssoal; dificuldades de leitura de situações sociais; espirais interacúvas disfuncionais com
as figuras familiares mais pr ximas e com os professores; futilidade relacional; procura de conflitualidade; supersensibilidade; orgulho vulnerável; comportamentos
antissociais; oposição a situações de aprendizagem; hostilidade volátil; agressões inesperadas e imprevisíveis; etc. , etc. , foram para este autor alguns dos
traços sociodesviantes mais eminentes das crianças e dos jovens com DCM, para os quais
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INSUCESSO ESCOIAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
é forçoso desenhar programas de modificação de comportamento na sala de aula, sem os quais o seu desenvolvimento pessoal e social pode ficar deveras comprometido.
Clements e colaboradores 1969 identificaram outros aspectos do comportamento, nomeadamente: problemas de ajustamento social; problemas familiares; irritabilidade;
disfunção da percepção social; problemas de interacção sociofamiliar; comportamento perturbador, provocando moléstia, incómodo e desconforto; antagonismo crónico
e confrontalidade; comportamentos confusionais e explosivos; infantilismo e impopularidade; inatenção; inabilidade para tolerar exigências escolares; instabilidade
de humor; exageração fiustra cional; indisciplina e desobediência voluntárias; insensibilidade a expectativas sociais; sentimentos de insucesso; etc. , todos eles
a evidenciar uma competência social vulnerável na criança e no jovem com DCM.
Bellak 1978 reduziu a maioria dos comportamentos sociais desviantes a apenas três: fraco controlo da impulsividade, perturbações emocionais e desordens
nas relações pessoais, tendo posto em relevo que estas desordens podem representar traços psicopatológicos da criança ou do jovem com DCM.
As desordens do comportamento que incluem agressividade, hiperactividade, impulsividade, hiperactividade e comportamento antisocial (delinquência), que
raramente surgem isoladas (Fonseca 1977), tendem a prejudicar o funcionamento do dia-a-dia da criança e do jovem com DCM e dos que estão à sua volta, sendo a sua
severidade dependente de factores perturbadores familiares e de factores de pobreza socioeconómica.
Brown e colaboradores 1981, examinando a relação entre desordens psiquiátricas e lesões cerebrais, identificaram os seguintes traços: comportamento social
inapropriado; insensibilidade social; inêxito em seguir convenções e regras sociais; prestação de condutas bizarras; produção de comentários verbais inadequados;
hiperverbalização inconsequente; fraca higiene; irresponsabilidade e impulsividade; etc. , sinais estes, em certa medida, segundo os autores, muito semelhantes
à síndroma do lóbulo frontal nos adultos.
Em síntese, o desajustamento social, podendo emergir de uma DCM, pode ser perfeitamente compensado ao longo do desenvolvimento com base num ambiente familiar
e social adequado, onde a autoestima se reforce e consolide apesar de sinais disfuncionais iniciais.
Todavia, num ambiente sem intencionalidades e reciprocidade afectiva, sem incentivos e encorajamentos relacionais satisfatórios, em permanente desvalorização
e em constante situação de inferioridade, o indivíduo pode chegar à adolescência com um perfil emocional e cognitivo instável.
Jovens com problemas de comportamento (Fonseca e Santos 1992) têm tendência a manifestar: características emocionais complexas; dificuldades interactivas;
problemas de personalidade; condutas incaracterísticas; desconfiança e ressentimento; cólera, irascibilidade, oposição e desmotivação; comportamentos disruptivos
e dissentivos; condutas disputativas, dissolventes e
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ALGUNS ASPECTOS DA CARACTERIZA(ÃO PSICONEUROLÓGICA
de confrontalidade física; turbulência, hipersensibilidade, inconformidade persistente, egocentrismo e inabilidade afectiva; despreocupação por direitos e sentimentos
com ausência de culpa ou remorso; falta de empatia e sociabilização inadequada; etc. , etc. , numa palavra: apresentam uma subcultura desviante com repercussões
em inúmeras disfunções cognitivas que podem pôr em perigo o seu ajustamento escolar e social futuro.
Caracterização cognitiva
São vários os autores que identificaram perturbações no pensamento conceptual e abstracto em crianças e jovens com DCM, desde Goldstein 1939, passando
por Strauss e Werner 1942, até Dolphin e Cruickshank 1951, Gallagher 1957, Ernhart e colaboradores 1963 e Myklebust 1973.
Parece frequente encontrar-se nestes casos uma certa inabilidade para lidar com objectos e ideias ao nível abstracto, evocando cenas dificuldades em captar
relações, detalhes, semelhanças e dissemelhanças entre eles, a fim de atingirem classificações verbais, conexões semânticas e categorizações conceptuais, competências
cognitivas altamente correlacionadas com as aprendizagens escolares segundo Kakiski 1959 e Burks 1960.
As perturbações perceptivas identificadas nestes casos, amplamente retratadas nos trabalhos dos grandes pioneiros, parecem querer induzir alterações nos
processos mentais superiores e de integração complexa (Luria 1966) e nos mecanismos de processamento da informação em nada distintos dos casos com dificuldades de
aprendizagem (Fonseca 1984, 1992).
Na nossa prática clínica, com base no Modelo de Avaliaçâo Dinâmica do Potencial de Aprendizagem da autoria de Feuerstein e colaboradores 1985, temos identificado
em casos com DCM um conjunto diversificado de disfunções cogniúvas subsidiadas em três parâmetros essenciais:
- Disfunções de input;
- Disfunções de elaboração;
- Disfunções de output; que passaremos a caracterizar de forma sumána.
DISFUNÇÕES COGNITIVAS DE INPUT
Quanto às disfunções cognitivas de input, destacamos as seguintes: percepção difusa e hesitante com problemas de focagem e de detecção de detalhes e pormenores;
comportamento exploratório desplanificado, impulsivo e assistemático sem escrutínio ou organização e com implicações na selectividade e na fragilidade do sistema
operacional; disfunção de inswmentos verbais receptivos que afectam a discriminição de objectos, imagens,
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lNSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
eventos, situações e suas relações, que são, por esse motivo, impropriamente designados, obviamente reflectindo uma ideação e uma abstracção pobres; disfunção
da orientação espacial e ausência de sistemas estáveis de referência com os quais se estabelecem as organizações topológicas e euclideanas, sugerindo uma apropriação
episódica da realidade e um nível rudimentar de representação espacial; disfunções de conceitos de tempo com implicações em comportamentos sumativos e qualificativos
fracos e sem relações de causalidade; disfunção na conservação de constâncias (tamanho, forma, quanti dade, cor, orientação, etc. ) e nas suas variações numa
ou mais dimensões, podendo afectar o pensamento categorial; disfunção de precisão e perfeição na captação de dados - daí a presença de distorções e a perda de processos
de interiorização; disfunção para considerar duas ou mais fontes de informação simultânea, lidando com os dados de uma forma desordenada, em vez de os tratar como
uma unidade de factos que estão organizados, o que pode gerar dificuldades em relacionar, reter e elaborar informações, algo, como é óbvio, que se reflecte
em muitas dificuldades de aprendizagem e em muitos problemas de comportamento.
DISFUNÇÕES COGNITIVAS DE ELABORAÇÃO
Quanto às disfunções cognitivas de elaboração, que incluem também as de integração, realçamos essencialmente as seguintes: disfunção na percepção, no
reconhecimento da existência ou na definição de um problema, com implicações na orientação e na intencionalidade da actividade mental; disfunção em seleccionar
dados relevantes de dados irrelevantes na definição de um problema, pondo em risco a obtenção de objectivos; disfunção no comportamento comparativo espontâneo ou
limitação da sua aplicação devido a um sistema de necessidades bastante insensível; redução do campo mental, com superficialidade das funções de procura e de pesquisa;
integração episódica da realidade, que induz a uma limitada escolha de alternativas de resposta aos problemas; disfunção da necessidade de reduzir, projectar e
estabelecer relações, devido a um vulnerável processamento analítico da informação; disfunção do comportamento sumativo e do processo reflexivo; disfunção da necessidade
de prosseguir a evidência lógica, podendo envolver inflexibilidade comportamental; disfunção do pensamento hipotético ou inferencial, sugerindo privação de requisitos
de elaboração de relações; disfunção das estratégias para testar hipóteses; disfunção na planificação de comportamentos; disfunção na interiorização; disfunção na
elaboração de categorias cognitivas porque os conceitos verbais não fazem parte do inventário individual ao nível receptivo, ou porque não são mobilizados ao nível
expressivo; etc. , plétora de disfunções cognitivas que tendem a provocar, inequivocamente, muitas dificuldades de aprendizagem e de comportamento.
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ALGUNS ASPECTOS DA CARACTERI7A ÃO PSICONEUROLÓGICA
DISFUNCÕES DE OUTPUT
Por último, as disfunções cognitivas de output, entre as quais foram identificadas: modalidades de comunicação egocêntricas com reflexo em produtos cognitivos
indiferenciados; disfunções em projectar relações vinuais, não permitindo a expressão de respostas flexíveis e adaptadas a situações em mudança, disfunções expressivas
e bloqueios de raciocínio múltiplos; produção de respostas baseadas em tentativas e enos, normalmente agitadas, explosivas, reprodutivas e imitativas, sem a
evocação de processos e estratégias de descobena; disfunção de instrumentos verbais e semântico-sin tácticos que impede uma expressão e uma destreza mais adequada,
elaborada e abstracta; disfunção na precisão, na perfeição e na qualidade das respostas verbais ou não verbais; disfunção do transpone visual; produção impulsiva,
desplanificada, probabilística, causal e randomizada de comportamentos, que são emitidos sem qualquer reflexão ou sistematização, etc. , etc. , a sugerir uma
expressão e uma comunicação inadaptadas que se perpetuam no potencial cognitivo do indivíduo e se reflectem em todas as manifestações da sua aprendizagem e da sua
conduta.
Todos estes diferentes níveis das disfunções cognitivas, que se interligam e interagem sistemicamente, em termos de recepção, elaboração e expressão de
informação, são frequentemente observados em crianças e jovens com DCM, podendo mesmo desenhar-se, inclusivamente, diversos tipos específicos de privação cultural,
cujo impacte nas suas personalidades é deveras complexo, quer nos estudos académicos, quer nos testes e nas avaliações, quer em inúmeras situações da vida diária.
A recepção (input) e a expressão (output) da informação, sendo considerados componentes periféricos dos processos cognitivos, em contraste com os componentes
centrais de integração e de elaboração, considerados mais cruciais para um funcionamento cognitivo mais eficaz, podem ser optimizados e maximizados, mesmo compensados,
desde que se proceda e um diagnóstico dinâmico das funções cognitivas, se apure o perfil das áreas fortes e fracas, e se aplique um programa de enriquecimento
cognitivo.
Em conclusão, o futuro das crianças e dos jovens com DCM pode ser alterado profundamente; para isso, teremos de acreditar nos seus potenciais de aprendizagem.
Tendo em atenção a caracterização psicoeducacional desenhada nos parâmetros psicomotores, socioemocionais e cognitivos acima identificados, desde que clínica
e dinamicamente avaliados, podemos efectivamente modificar estruturalmente as suas competências; o desafio estará em desenvolver melhores programas de enriquecimento
psicomotor e melhores programas de modificação comportamental e cognitiva.
457
I I I
CAPÍ'TIlLO 13
DISSECAÇÃO DO CONCEITO DE DISLEXIA
Podemos considerar que vivemos no século dos meios de comunicacão de massas e da explosão tecnológica, situação esta que se reflecte na necessidade de expansão
e democratização do ensino. Democratização do ensino que não é sinónimo de democratização socioeconómica e sociocultural, razão essa que constitui um dos problemas
mais discrepantes e aberrantes da situação actual do processo de ensino.
A escola acredita na democratização do ensino, mas não se atira a outro problema mais complexo, isto é, à democratização socioeconómica, onde nascem
as causas das epidemias das dificuldades escolares (Avanzini 1975). Este problema da inflação das dificuldades escolares não se limita a um problema pedagógico
- ele é um problema económico, cultural, social e político. Vivemos numa sociedade competitiva em que o diploma é sinónimo de salvo-conduto e de sobrevivência
social. O êxito escolar é uma vertigem do sucesso em que todos caem (professores, pais, etc. ), atributo este que traduz uma contradição que convém eliminar
(Vial e colaboradores, 1968).
A escola, com os seus métodos, é uma estrutura que está ao serviço dos processos de selecção social, supervalorizando o aluno perfeito", o génio,
etc. , e segregando o aluno com dificuldades", o aluno com problemas de aprendizagem.
Em França, no tempo da República, a criança com dificuldades era diagnosticada como turbulenta, desatenta e irrequieta. Com o advento do desenvolvimento
industrial esta _ noção requintou-se (cientificamente) com os diagnósticos discriminativos de debilidade mental. Binet, em 1905, criou o primeiro laboratório
de pedagogia, onde nasceu o primeiro teste de inteligência que constitui a motivação básica de vários ramos da ciência psicológica. A pedagogia, com os seus problemas,
veio criar a psicologia que tem servido aquela apenas como constatação dos seus défices, metodoÌógicos. A pedagogia recorre à psicologia quando confrontada
com os seus inêxitos. De facto, são os critérios pedagógicos que
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INSUCESSO ESCOlAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
dão significado ao quociente intelectual (QI) e não o inverso (Zazzo 1968), conceito este que assenta numa norma imposta por um grupo social dominante.
Não somos contra o diagnóstico do potencial intelectual básico, apenas combatemos o seu uso ideológico em termos de prática pedagógica.
A constelação dos problemas pedagógicos advém do desenvolvimento da industrialização e das suas contradições sociais, que geram a necessidade do aumento
do nível de inswção para se adaptar à mobilidade de novos empregos que se reflectem como pressões sobre a escola e a que esta responde com uma nova noção de debilidade
- a dislexia.
Causas exógenas e endógenas
Para abordarmos em profundidade o conceito de dislexia, é necessário não esquecer que o segredo dos actos humanos não é só do domínio da psicologia (Politzer
1974); para isso teremos de ver a dislexia também como um problema social, como um problema economicocultural. q
Só por si, não saber ler representa uma injusúça social. Os ue não sabem ler ficarão condenados irremediavelmente à incultura, à ignorância, ao analfabetismo
e à manipulação social.
O perigo de uma sociedade analfabeta, dependente, imatura e inculta é um terceno propício a desigualdades e a opressões de vária ordem.
Não podendo apoiar qualquer defmição por princípio, não esquecemos que sobre o tema mais de 5000 trabalhos foram editados, só em língua inglesa.
O termo dislexia não deve ser confundido com alexia. A dislexia revela uma dificuldade na aprendizagem da leitura, enquanto o termo alexia, revela uma
incapacidade para aprender a ler ou para compreender a linguagem escrita, como consequência de uma lesão cerebral.
A criança com dificuldade de aprendizagem da leitura não revela qualquer deficiência, auditiva, motora, intelectual ou emocional. O seu potencial
de aprendizagem está íntegro, só que não aprende ler facilmente, embora compreenda a linguagem falada e a utilize Jonhson e Myklebust 1964).
Como causas fundamentais podemos referir as seguintes:
- Imaturidade sensorial;
- Imaturidade psicomotora;
- Imaturidade psicolinguística;
- Privação cultural;
- Má qualidade de vida familiar;
- Inoportunidade pedagógica;
- Perturbações no desenvolvimento psicobiológico;
- Discrepância nos comportamentos habituais, etc.
460
DISSECAÇ'ÃO DO CONCEIIO DE DISLEXIA
De uma forma mais didáctica, teremos causas exteriores à criança (exógenas), onde o envolvimento é predominante, e causas da criança (endógenas),
onde aquelas se reflectem em termos de desenvolvimento de armónico e de dificuldades de processamento da informação, e causas que reflectem a interacção mútua entre
ambas.
Para sermos mais explícitos, passamos a diferenciar os diferentes tipos de causas que têm sido apontados em inúmeros trabalhos de investigação.
Dentro das causas exógenas, podemos realçar;
- Má frequência escolar;
- Deficiente orientação pedagógica;
- Inexistência de ensino pré-primário;
- Recusa do ambiente escolar (oposição);
- Problemas de motivação cultural;
- Falta de hábitos de trabalho;
- Falta de aprendizagem mediatizada;
- etc.
Dentro das causas endógenas, podemos destacar:
- Carências instrumentais;
- Dificuldades de processamento da informação visual e auditiva;
- Imaturidade psicomotora, com problemas de imagem do corpo, de lateralidade e de orientação no espaço e no tempo;
- Defi iente desenvolvimento da linguagem ou imaturidade psicolin uística expressão limitada, vocabulário diminuto, consW ão sint tica
pobre, problemas de comunicação verbal), etc ç
. ,
- Problemas orgânicos e genéticos que se pcdem reflectir na dificuldade de aprendizagem, como sejam, por exemplo: problemas do SNC, disfunções
cerebrais, diabetes, anomalias enzimáticas, afecções congénitas dos elementos eonstituintes do sangue, etc. ;
- Hipersensibilidade, superestimulação e hiperactividade com problemas globais de atenção (Ong l968).
As duas causas não surgem isoladas uma da outra. As causas exó enas e as sas endógenas não se opõem, aliás como a hereditariedade e o mei ou como o biológico
e o social. Há entre elas uma dinâmica dialéctica que convém des' <ar, umas são condições das outras. Nenhuma causa se reduz à outra6 na suá reciproeidade mútua
e com lexa que se situam os roblemas da ndizagem humana. P P
Uma coisa é a criança que não quer aprender a ler outra é a crian a que não pode aprender a ler com os métodos pedagógicos tradicionais. N :podemos assumir
atitudes reducionistas que afirmam que a dislexia não
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INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
existe. De facto, a dislexia é muito mais do que uma dificuldade na leitura. A dislexia, normalmente, não aparece isolada - ela surge integrada numa constelação
de problemas que justificam uma deficiente manipulação do comportamento simbólico que trata de uma aquisição simbólica exclusivamente humana.
Processo de leitura
É preciso, portanto, compreender o que é o processo de leitura. Em primeiro lugar, ler é associar os símbolos imprimidos ou escritos graficamente (que
são percebidos e integrados, em termos de informação, pela visão) com os símbolos auditivos, conferindo-lhes um significado (Jonhson e Myklebust 1964).
LEITURA = símbolo visual + símbolo audiávo + significado
A leitura é o segundo sistema visual simbólico (SVS) sobreposto sobre a linguagem falada que já se fala e se compreende, isto é, o primeiro sistema auditivo
simbólico, ou seja, é uma duplicação sistémica deste.
A complexidade da leitura resulta da combinação de inúmeras aptidões que traduzem a hierarquia do desenvolvimento da linguagem.
A leitura, por conseguinte, envolve uma correlação entre um sinal auditivo e um sinal visual, ao mesmo tempo que constitui uma reconstrução de significados,
de ideias, de sentimentos e de impressões sensoriais (Downing e Thackray 1971 ).
Noutras palavras, a leitura é uma conexão entre a linguagem falada e as formas escritas da linguagem, isto é, uma tradução das letras impressas em equivalentes
sonoros e em significados. Trata-se de um processo cognitivo em que, ao mesmo tempo que se lê (descodificação visual, para usar um termo mais específico), se
dá um duplo reconhecimento: um auditivo e outro significativo ou semântico. Para aprender a ler, a criança necessita de descodificar as letras impressas utilizando
um processo cognitivo que permite traduzi-las em termos de linguagem falada e em termos de significação linguística (Kirk e Kirk 1971).
Harris 1961 defmiu a leitura como uma interpretação significativa dos símbolos verbais". Para Myklebust e Jonhson 1964, o processo de leitura não é mais
do que a sobreposição de um sistema visual sobre um sistema auditivo previamente adquirido". Para compreendermos a multiplicidade das aptidões necessárias para
a leitura, Fries 1963 avança com uma definição operacional: a leitura não é mais do que a resposta a sinais de linguagem representados por símbolos gráficos.
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DISSECAÇÃO DO CONCEITO DE DIS1, EXIA
Uma análise cuidadosa do processo da leitura leva-nos a perceber que são necessárias várias fases de aprendizagem. As primeiras põem em destaque a assimilação
de um código auditivo. As segundas referem-se a uma transferência de aptidões: das auditivas às visuais, através da descodificação de símbolos gráficos.
Desta forma, o estímulo visual deve ser identificado como uma unidade gráfica em sequência, isto é, como uma palavra, ao mesmo tempo que ao nível do
cérebro se dá uma associação significativa entre o estímulo visual e a componente auditiva complementar (Chalfant e Schefelin 1969). A relação entre o fonema (aspecto
auditivo) e o grafema (aspecto visual), para além de uma sequência espacial específica, apresenta-se também numa sequência temporal que dá sentido e significado
à palavra.
PROCESSO DE LEITURA
1) Percepção do estímulo visual... barco
2) Identificacão do estímulo visual como uma unidade gráfica (palavra)... ... ... . barco
3) Relacionar a unidade gríca com a linguagem auditiva e com a experiência... . . barco
(/barc-co/)
4- Responder dizendo (/bar- co/) /barco/
Como vemos em 2, é necessário que a identificação das letras seja espacialmente estruturada: barco, e não braco Em 3, a relação entre cada fonema
está para cada grafema:
b -1(/bê/)
a (/á/)
r (/erre/) - [rl
c (/quê/)
o - (/u/)
pondo em destaque uma sequência espacial dos grafemas com uma sequência temporal dos fonemas que dá origem a um sinal auditivo familiar: barco", já integrado
e memorizado. Aqui está, de uma forma didáctica, o aspecto analiticossintético do processo de leitura. É aliás aqui que se retrata a evolução da linguagem escrita
em termos antropológico-históricos, que começou por ser representada por figuras, desenhos e grafismos significando situações, acontecimentos, etc. ; depois
da figura, passou-se ao sinal que representava uma palavra ou uma ideia, isto é, do pictórico ao ideográfico. O passo histórico seguinte foi usar um sinal por
cada silaba, separando assim as unidades fonéticás. A lista destes sinais é o alfabeto, cujo domínio exige uma certa evolução simbólica e mental.
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INSUCESSO ESCOL4R - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
Como se processa então a hierarquia do desenvolvimento da linguagem A hierarquia do desenvolvimento da linguagem, como já vimos, pre! supõe os seguintes
períodos de maturação:
INTEGRAÇÃO VISUAL
INTEGRAÇÃO segundo sistema AUDITIVA simbblico INTEGRAÇÃOprimeiro sistema
DA EXPERIÈNCIA simbblico
NÃO VERBAL
Figura 130 - Hierarquia da linguagem
A integração da experiência não verbal compreende: o diálogo com adultos socializados, a actividade psicomotora, a linguagem emocional, a imitação, o
jogo, a interacção com as outras crianças, a compreensão da mímica, da pantomima e da comunicação humana.
No segundo período, a integração auditiva reflete as ecolálias, as prosódias, as lalações, as entoações, o grito-chamada, palavras-frases, a compreensão
auditiva e a expressão da linguagem articulada.
Por último, a integração visual, que se verifica através da leitura, da comunicação verbal e da linguagem escrita, vista como um instrumento do pensamento
e como factor do desenvolvimento cognitivo.
Para melhor compreensão do processo da linguagem é necessário perspectivá-lo em três grandes modalidades que se interpenetram dialecticamente :
RECEPÇÃO INTEGRAÇÃO EXPRESSÃI ouvir falar
' ler escrever
i feed-Lack
i _ _ r etroacção
Flgura 131- Processo da linguagem
Como base no processo da linguagem podemos então apresentar o mo de comunicação humana (Sagir e Nitzburg 1973) (Figura 86, pág. 279).
464
DISSECA ÃO DO CONCEITO DE DISLEXIA
Por outro lado, o processo da linguagem não se encontra em oposição aos processos de assimilação da experiência no mundo exterior. Em termos humanos,
o desenvolvimento global da criança apresenta uma determinada hierarquia da experiência. Antes da linguagem verbal, a criança tem de desenvolver uma experiência
significativa e integrada em termos não verbais. A criança recebe vários tipos de estímulos táeteis, vestibulares, quinestésicos, auditivos, olfactivos, gustativos,
visuais, etc. , que serão integrados por meio de processos complexos de significação e mais tarde associados no cérebro. Como acabamos de ver, em primeiro lugar
desenvolve-se uma linguagem interna, depois uma linguagem receptiva (seguir instruções, compreensão verbal, etc. ), e por último uma linguagem expressiva (fala).
Esta hierarquia da linguagem é fundamental para se compreender a complexidade da aprendizagem da leitura. Para aprender a ler são necessárias várias pré-aptidões
e aptidões, nomeadamente aquelas que traduzem a hierarquia das experiências, já estudadas no capítulo sobre a visão integrada da aprendizagem.
Como temos vindo a analisar, a criança necessita de desenvolver uma série de aptidões: primeiro aprende uma linguagem auditivoverbal e só depois estará
apta a sobrepor um sistema visuoverbal. As letras, escritas ou lidas, representam símbolos auditivos, que por sua vez representam experiências humanas, isto
é, relações contextuais com o envolvimento concreto.
Em resumo, a sequência da comunicação verbal atravessa o seguinte desenvolvimento:
1) Aquisição do significado da linguagem dos adultos;
2) Compreensão da linguagem falada;
3) Expressão e utilização da linguagem falada;
4) Compreensão da linguagem escrita (leitura), domínio simbólico, equivalência entre o grafismo e o som (fonema) correspondente;
5) Expressão da linguagem escrita (escrever).
Só perspectivando esta hierarquia podemos perceber porque é que a aprendizagem da leitura faz parte do desenvolvimento total da linguagem. Não aprender
a ler pode ter como consequência comprometer o desenvolvimento cognitivo (daí a importância da leitura em termos do desenvolvimento cognitivo).
Que conclusão podemos tirar daqui? Para já, a leitura não é uma entidade separada do desenvolvimentò intelectual da criança. Em segundo lugar, uatraso,
na leitura acarreta outros tipos de atraso, como imaturidade social, estrangulaménto do significado da experiência, empobrecimento do vocabulário, desinteresse
pela informação, etc. Não aprender a ler é como que um passaporte para a ignorância e a iletracidade.
Como é que dèvemos, então, proporcionar a todas as crianças a oportunidade de aprender a ler e de aperfeiçoar esta aptidão humana fundamental?
465
INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
Para se responder a esta pergunta é preciso que se tome em ção um mínimo de conhecimento científico sobre as pré-aptidões para aprender a ler (conceito de
prontidão).
Vários factores devemos apresentar:
1 ) Factores sociodinâmicos Estes factores, já abordados no capítulo anterior incluem: o nível eco nómico, cultural e linguístico
dos adultos socializados que cercam a criança e dos quais depende, fundamentalmente, o seu desenvolvi= mento; a experiência social da criança; a oportunidade
de espaço lúdico e de jogo que foi proporcionada à criança; a variabilidade da experiência que condiciona o desenvolvimento do vocabulário e a maturação cognitiva;
a qualidade da vida familiar; a motivação e o envolvimento simbólico que se proporciona à criança; o conjunto das relações sociais que influenciam directamente a
segurança e o desenvolvimento global da criança, etc.
2) Factores psicomotores
Estes factores compreendem: a maturidade neuropsicomotora global, o desenvolvimento psicobiológico da criança; a organização cerebral da postura; a estabilização
da lateralidade; a consciencialização da imagem do corpo; a actividade rítmica; a orientação no espaço e no tempo; a dissociação, a diferenciação e a coordenação
práxica global e essencialmente fina; a visão; a audição e o funcionamento dos órgãos da linguagem articulada, etc.
3) Factores emocionais e motivacionais e factores de personalidade Estes factores incluem a estabilidade emocional e motivacional,
a concentração e a extensão da atenção, que são dependentes do autocontrolo tónico que a criança possui e que influenciam a atitude e o desejo de aprender.
4) Factores intelectuais
Estes factores incluem a capacidade global, as aptidões perceptivo e psicomotoras, a discriminação auditiva e visual e os seus processos sequenciais e
simultâneos de tratamento de informação e as capacidade de raciocínio e de resolução de problemas que traduzem o comportamento adaptativo da criança, onde se associam
os aspectos da comunicação verbal e da comunicação não verbal.
São a constelação e a interligação sistémica destes factores que traduzem a aptidão ou o conjunto de aptidões para aprender a ler. Claro que estas aptidões
não se conseguem apenas em resultado da maturação da criança. Os pais, a escola e a sociedade em geral devem estar alertados para garantirem à criança um conjunto
de factores de qualidade de vida que permitirão o seu desenvolvimento harmonioso antes de ela entrar para a escola. Esta situação
466
DISSECA ÃO DO CONCEITO DE DISI. EXIA
é de tal importância que em inúmeros trabalhos de investigação se verifica uma correlação elevada entre crianças com dificuldades de aprendizagem e os seus níveis
socioeconómicos desfavoráveis.
Aprender a ler exige não só uma maturação de estruturas de comportamento, mas também uma aprendizagem prévia que possibilite à criança o prazer dessa experiência.
Urge, como conclusão, desenvolver centros materno-infantis de escolas pré-primárias em que se compense os arbítrios das desigualdades sociais. A escola pré-primária
não é um luxo, é uma medida de prevenção fundamental para a construção de uma sociedade mais justa onde o direito à cultura seja propiciado em condições de igualdade
de acesso logo à partida, a fim de combater um divisionismo educacional que é assustador, isto é, a divisão dos que sabem ler dos que não sabem ler.
Aprofundando a questão, as aptidões para a leitura devem considerar níveis de processamento da informação (Chalfant e Schefelin 1969), quer no plano auditivo,
quer no plano visual.
Como aptidões auditivas fundamentais temos:
1 ) Acuidade
Frequência e decibéis;
Duração e velocidade do estímulo;
Transdução do siríal acústico em sinal auditivo.
2) PercepÇão
Discriminação de sons;
Discriminação fgura-fundo de sons;
Sequencialização de dados.
3) Descodificação
Análise; Síntese. 4) Reten ão
Extensão do estímulo;
Automatização;
Curto termo - longo termo.
5) Imagem
6) Interpretação e integração
Relação do estímulo auditivo com os outros estímulos (visuais, tácteis, quinestésicos, etc. ) e sua associação interneurossensorial.
Como apridões visuais mais importantes para o processo da leitura temos:
1 ) Acuidade Focagem;
Proximidade.
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INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
2) Coordena ão oculomotora Orientação esquerda-direita;
Fixação;
Convergência; Acomodação.
Movimentos sacádicos.
3) Percep ão
Fusão;
Posição no espaço; Relações de espaço;
Consistência da forma;
Figura-fundo.
4) Lateralidade ocular
Olho dominante e seu funcionamento com o olho auxiliar.
5) Velocidade de recep ão e de transmissão
6) RetenÇão
Curto e longo termo;
Sequência;
Automatização.
7) Descodifica ão
Análise; Síntese.
8) Interpretação e integra ão
Relação do estímulo visual com os outros estímulos e sua associação interneurossensorial.
Daqui podemos concluir que as crianças aprendem normalmente quando deterzninadas condições e integridades estão presentes e se proporciona oportunidades
educacionais adequadas.
De acordo com o que já se tratou em capítulos anteriores, temos como integridades, fundamentais da aprendizagem:
1) Factores psico e sociodinâmicos da aprendizagem (já focados); 2) Funções do sistema nervoso periférico (SNP): recepção da informação que inclui os receptores
à distância: visão e audição; e os receptores proximais: tacto, quinestésico e proprioceptivo vestibular;
3) FunÇôes do sistema nervoso central (SNC): integração, selecção, retenção e combinação da informação.
468
DISSECA ÃO DO CONCEITO DE DISLEXIA
Por outro lado, a evolução da aprendizagem simbólica estabelece-se em função de três grandes avenidas sensoriais:
- Visão;
- Audição;
- Tactiloquinestésica.
O sentido do tacto e o sentido quinestésico conferem os primeiros dados da experiência, traduzem os primeiros anos da experiência da criança. em que o
movimento ocupa um lugar privilegiado na conquista do mundo. Posteriormente surge a audição, que origina o desenvolvimento da linguagem, e por último a visão,
que permite o acesso à linguagem escrita, isto é, ao domínio da actividade simbólica consubstanciada na Ieitura e na escrita.
Respeita-se aqui não só a evolução psicobiológica de Wallon 1968, como a embriologia mental de Piaget 1965. O primeiro demonst. rou que a evolução da criança
passa primeiro por dados interoceptivos (funções neurovegetativas, função tónica, etc. ), depois por dados proprioceptivos (funções proprioceptivas vestibulares
motoras, percepúvomotoras e psicomotoras) e, por último, por dados exteroceptivos (funções de eswturação espaciotemporal e funções simbólicas). O segundo confirmou,
em termos experimentais, que a inteligência simbólica ou gnósica é antecedidá de uma inteligência prática e sensóriomotora.
Sem relacionarmos os dados psicobiológicos do desenvolvimento da eriança, como acabámos de ver, não podemos perspectivar cuidadosa e rigorosamente os processos
da leitura.
Que tipo de dificuldade na leitura podemos então encontrar nas crianças ? As crianças com dificuldades na, leitura apresentam, em função de vários trabalhos
experimentais, as seguintes características globais de comportamento:
1) Pcoblemas de lateralização e de orientação esquerda-direita; 2) Problemas de noção do corpo;
3) Problemas de orientação no espaço e no tempo; 4) Problemas de representação espacial;
5) Problemas de coordenação de movimentos;
6) Problemas de memória;
7) Problemas de grafismo e de expressão oral.
Como características, as crianças podem apresentar várias dificuldades no plano auditivo (dislexla auditiva) segundo Wepman 1960 e no plano visual (dislexia
visual) segundo Frostig 1973.
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INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
Do ponto de vista didáctico, podemos apresentar:
TIPOS DE DIFICULDADES AUDITIVAS
1) Dificuldades na compreensão das palavras;
2) Diflculdades na discriminação ou na identificação de sons familiar(telefone, porta, etc. );
3) Dificuldades em responder à linguagem falada (inêxito em seguir orientações espaciais, etc. );
4) Não relaciona a comunicação com a experiência concreta; 5) Não identifica animais ou pessoas em imagens;
6) Dificuldades na articulação de sons (não repete correctamente duas ou três palavras, ou frases simples, etc. );
7) Dificuldades em usar plurais, tempos de verbos, preposições, etc. (não completa frases com concordância gramatical, etc. );
8) A linguagem falada expressa é pobre, incorrecta e muitas vezés incompleta;
9) Não retém sequências de três palavras, nem as reproduz oralmente pela mesma ordem (na sequência: nãol pãol cão, pode alterar a sequência,
dizendo: pão; cão; não, isto é, troca a ordem de palavras muito semelhantes no seu aspecto auditivo).
TIPOS DE DIFICULDADES VISUAIS
I) Dificuldades em perceber imagens;
2) Dificuldades em fixar ou focar (não consegue isolar um pormenor de um desenho ou de uma imagem);
3) Dificuldades nas relações espaciais (não diferencia perto/longe, alto/baixo, em cima/em baixo, à frente/atrás, à esquerda/à direita);
4) Dificuldades em discriminar formas, tamanhos, cores, etc. ; 5) Dificuldades de análise e de síntese visual (dificuldades na cópia de
desenhos geométricos, não completamento de figuras familiares incompletas, etc. );
6) Problemas de visão periférica e de focagem visual;
7) Di iculdades em manter conscientes as propriedades invariáveis de um objecto ou de uma imagem (não identifica 0 0 como quadrados ou não
identifica a, com à,
a: A. ff);
8) Dificuldades em identificar sequências visuais (inêxito em situações de identificação, como por exemplo:
00 00 00 00 00
470
DISSECA ÃO DO CONCEITO DE DISLEXIA
9) Dificuldades de integração visuomotora (inêxito em realizar labirintos gráficos, dificuldades ao nível do grafismo rítmico com erros de
reprodução e de orientação);
10) Dificuldades em discriminar a figura do fundo (não identifica um triângulo em fichas do tipo que se segue:
_ ou não identifica a palavra ucasa" noutra flcha A ou é incapaz de pintar o círculo na seguinte flcha:
A título de exemplo, apresentamos agora resumidamente as características de comportamento, algumas formas simples de diagnóstico e algumas estratégias
educacionais por cada um dos principais tipos de dificuldade de aprendizagem da leitura: dificuldades auditivas e dificuldades visuais.
Dificuldades auditivas (dislexia auditiva disfonética)
Caracteristicas do comportamento
1) Problemas na captação e na integração de sons;
2) Não-associação dos símbolos gráficos com as suas componentes auditivas;
3) Não-relacionação dos fonemas com os monemas (partes e todo da palavra);
4) Confusão de silabas iniciais, intermédias e finais;
5) Problemas de percepção e imitação auditiva;
6) Problemas de articulação;
7) Dificuldades em seguir orientações e instruções;
8) Dificuldades de memorização auditiva;
9) Problemas de atenção;
10) Dificuldades de comunicação verbal.
Formas simples de diagnóstico
1) Inêxito em distinguir semelhanças e diferenças de sons (não diferencia tua, de sua, nem mão de não, );
2) Não identifica sons em palavras, nem sintetiza sons;
3) Não realiza a dissecação de silabas; 4) Dificuldades na composição de sons;
5) Dificuldades na sequência de sons;
471
INSUCESSO ESCOL4R - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
6) Dificuldades na retenção e na reprodução de estruturas rítmicas; 7) Dificuldades na leitura oral;
8) Dificuldades na compreensão da leitura;
9) Não fixa nem produz rimas nem lenga-lengas;
10) Dificuldades na articulação de palavras polissilábicas.
Algumas estratégias educacionais
1) Desenvolver a correspondência entre a visão e a audição; 2) Utilizar métodos visuais e globais, com recurso a imagens e fichas
coloridas e desenhadas;
3) Frases simples;
4) Refinar as aquisições auditivas (treino auditivo, discriminação e sequências auditivas);
5) Imitação e reprodução de sons e palavras;
6) Códigos rítmicos;
7) Agrupamento de sons;
8) Análise e síntese de sons com reforço visual;
9) Reauditorização;
10) Utilizar métodos tactiloquinestésicos (letras móveis);
11) Utilizar a leitura silenciosa;
12 Discussões orais e exposição de acontecimentos;
13) Utilização de figuras e bandas desenhadas.
Dióculdades visuais (dislexia visual discidética)
Caracteristicas do comportamento
I) Dificuldades na interpretação e na diferenciação de palavras; 2) Dificuldades na memorização de palavras;
3) Confusão na configuração de palavras;
4) Frequentes inversões, omissões e substituições;
5) Problemas de comunicação não verbal;
6) Problemas na grafomotricidade e na visuomotricidade; 7) Dificuldades na percepção social;
8) Dificuldades em relacionar a linguagem falada com a linguagem escrita.
Formas simples de diagnóstico
1) Dificuldades em conswir quebra-cabeças;
2) Dificuldades em copiar figuras geométricas e grafismos rítmicos; 3) Dificuldades de controlo visual (perseguição, fixação e rotação binocular);
4) Dificuldades em diferenciar forma, cor, tamanho e posição;
472
DISSECAÇ'ÃO DO CONCEITO DE DISLEXIA
5) Problemas de organização espacial e de sequência visual; 6) Dificuldades em identificar letras e palavras;
7) Dificuldades no uso de plurais e de tempos dos verbos;
8) Não relaciona imagens ou figuras com palavras; 9) Não reconhece imagens ou objectos comuns;
10) Não rememoriza palavras e imagens.
Algumas estratégias educacionais
I) Métodos analíticos e métodos fonéticos;
2) Relacionar letras com sons singulares;
3) Utilizar palavras com a mesma configuração; 4) Identificação de sons não verbais e verbais;
5) Associar sons (sintetizar silabas); 6) Utilização de famlias de palavras;
7) Pequenas frases e pequenas histórias;
8) Aperfeiçoar as dificuldades visuais com situações de visuomotricidade;
9) Discriminação e organização de pontos, formas e configurações; 10) Detectar pormenores em figuras incompletas;
11) Orientação diferenciada de palavras; 12) Sequência de estruturas de palavras;
13) Valorizar a velocidade de discriminação visual.
A criança pode fundamentalmente revelar dificuldade num plano, ou visual ou auditivo, como pode apresentar problemas em ambas as áreas de processamento
da informação. Nada impede que a criança utilize a expressão oral, só que a integração e a assimilação da linguagem escrita se encontram comprometidas, podendo
afectar, como é óbvio, o seu desenvolvimento cognitivo.
Para nos apercebermos destes problemas, e no sentido de podermos intervir, devemos estar aptos a construir elementos de diagnóstico ou de identificação
visual e auditiva, a fim de conhecermos profundamente a criança, antes de orientarmos a sua aprendizagem, de acordo com as suas necessidades específicas, que
devem ser conhecidas antecipadamente.
Somos de opinião de que o professor primário deve ele próprio construir os seus instrumentos de diagnóstico psicopedagógico (diagnóstico informal ou diagnóstico
baseado no curnculo) a fim de conduzir a sua actividade mais coe rentemente, isto é, de acordo com umá criança concreta que se conhece nos seus comportamentos
peculiares. Não há necessidade de sofisticados processos de diagnóstico, mas é do maior interesse o uso de instrumentos que permitam detectar precocemente qualquer
dificuldade de aprendizagem, pois só assim uma intervenção psicopedagógica pode ser considerada socialmente útil, pois quanto mais tarde for identificada a dificuldade,
menos hipóteses haverá para a solucionar correctamente.
473
I I III
CAPÍTULO 14
ALGUNS FUNDAMENTOS PSICONEUROLÓGICOS
E PSICOMOTORES DA DISLEXIA
Há mais de 100 anos, não havia um só país em que a maioria da população não fosse iletrada ou analfabeta. De facto, a alfabetização é algo muito recente.
A estimativa da linguagem escrita, em termos históricos, cifra-se em cerca de 10 000 anos.
A. Marshack, citado por Geschwind 1985, evoca que o aparecimento da linguagem escrita se calcula em 30 000 anos, através de desenhos elaborados em peças
de osso significando a produção metódica de sequências de marcas.
A produção metódica de sequências de marcas (Geschwind 1985) subentende uma transcendência e uma significação da acção. A estrutura universal da sintaxe
é um prolongamento da eswtura biológica da acção. A sintaxe não emerge de uma acção acidental, esporádica ou arbitrária - ela espelha a acção e representa-a.
Em termos filogenéticos e ontogenéticos, a acção precede a linguagem. Antes da linguagem falada, o gesto prepara a palavra, a emoção precede a comunicação,
a comunicação não verbal dá origem à comunicação verbal. Trata-se de uma hierarquia e, consequentemente, de uma pré-estruturação neurobiológica (Myklebust 1968,
1975, 1978, Lenenberg 1967, Fonseca 1984). A acção coordenada, planificada e programada, que obedece a uma intenção e à obtenção de um determinado fim, tem
também, contida em si própria, paráfrases e uma gramaticalidade (de Hirsch 1984).
Efectivamente, há uma semelhança entre a acção e a linguagem. A linguagem não guia a acção no início do seu desenvolvimento; pelo contrário, a linguagem
começa por emergir da acção, depois segue-a, sustenta-a e suporta-a e só mais tarde ela antecipa verbalmente parte da acção, ou seja, da paráfrase. A linguagem
é um componente da acção, uma marca que representa a experiência imediata, portanto sensoriomotora e concreta. A relação agente-acção-objecto é universal, está
implícita numa sequencializaÇão de acções, que fazem sentido, e dão sentido à localização, aos atributos e à direcção das relações sujeito-objecto. O domínio
da acção, que envolve uma complexa integração sensorial (proprioceptiva e exteroceptiva)
475
INSUCESSO ESCOIAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
implica uma discriminação perceptiva concomitante, de onde nasce a linguagem, que por sua vez depende de uma interacção social e colaboral, isto é, uma co-acção,
segundo Wasburn e Howell, citados por Bruner 1974.
Figura l32 - Modelo de hierarquia da linguagem e das suas disfunções
A linguagem edifica-se a partir da acção, da motricidade, para posteriormente se libenar do contexto da acção. No bebé, para se compreender o que ele
está tentando dizer, é necessário observar aquilo que está fazendo: Do Homo habilis ao Homo sapiens, o mesmo processo de continuidade ocone inexoravelmente. Nas
sociedades primitivas (Hunter-Gatherer Societies), não se usava a linguagem fora da esfera da acção.
As várias teorias da origem da linguagem oferecem outros dados que ilustram a interdependência sistémica entre a acção e a linguagem. Barber 1977, por
exemplo, apresenta as seguintes teorias sobre a origem da linguagem:
1) Teoria da imitação de sons da natureza (The Bow-Bow Theory choros de animais, gestos e sons de animais como um vocabulário
primitivo);
2) Teoria das emoções institivas (The Pooh-Pooh Theory - expressões de dor e alegria, interjeições, sinais de aviso e de perigo);
3) Teoria nativista (The Ding-Dong Theory - uso da faculdade instintiva de expressões vocais);
476
ALGUNS FUNDAMENTOS PSICONEUROLÓGICOS E PSICOMOTORES DA DISLEXIA
4) Teoria do coesforço (The Yo-He-Ho Theory - evoca que a linguagem emerge dos barulhos e sons provocados por quem trabalha em conjunto,
desenvolvendo um esforço muscular intenso que induz ao abrir e fechar da glote e das cordas vocais);
5) Teoria gestual (The Gesture Theory - presume que a linguagem verbal decorre da motricidade, reforçando que os centros cerebrais que controlam
os movimentos da mão estão intimamente ligados aos centros que controlam os órgãos vocais;
6) Teoria musical (The Musical Theory - é uma teoria que procura unir as anteriores num todo, especificando que a origem da linguagem consiste
em palavras muito longas, alternadas com intervalos musicais usando tons e timbres); por último, e ilustrando mais uma vez a interdependência da acção e da linguagem:
7) Teoria do Contacto (The Contact Theory - a linguagem é vista como o resultado da necessidade instintiva de contacto com os companheiros
de grupo).
A linguagem libertou-se das condições a partir das quais -ela se pode perceber (input auditivo ou output tactiloquinestésico e oromotor do aparelho fonador),
bem como das condições de comportamento que a acompanham (Bruner 1974).
Para se ilustrar tal dependência recíproca da acção e da linguagem, ou seja, da motricidade e da intencionalidade, o extremo-limite é o da linguagem escrita,
que se liberta espacial e temporalmente das condições motoras e sensoriais que permitem a sua materialização. Na evolução da linguagem, depara-se-nos o facto de
ela nascer da acção (acção sequencializada, ou produção metódica sequencializada ou produção metódica de sequências de marcas), para progressivamente se libertar
e se tornar independente das condições sensoriomotoras da sua utilização.
A condição de sequencializar, de seriar, de ordenar temporalmente as acções é, para muitos autores (Luria 1966, 1969 e 1975, Das, Kirby e Jarman 1975),
um processo mental imprescindível à compreensão, à elaboração e à expressão da linguagem.
A organização da linguagem, em termos psiconeurológicos, parece assim subentender substractos neurológicos que estão por detrás da organização, das praxias.
Piaget 1960, sobre esta questão, defme praxia como um sistema de movimentos coordenados (sequencializados, dizemos nós) em função de um resultado ou de
uma intenção. É este o sentido da coordenação e da sequencialização, que queremos realçar na sintaxe da acção como alicerce da linguagem humana. Piaget 1960 e
1973 vai mais longe, quando evoca que tais sistemas de movimentos não são reflexos, nem automáticos, mas sim movimentos coordenados numa sequência espaciotempora!
intencional.
477
INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSlCOPEDAGÓGICA
O sentido que Geschwind 1985 dá à produção metódica de sequências de marcas, e o sentido que Piaget 1960 dá à organização das praxias (a produção de
uma marca envolve obviamente uma praxia) têm de ter, em termos filogenéticos e ontogenéticos, suportes e processos cerebrais específicos, processos esses que
naturalmente tendem a ilustrar a evolução da linguagem e a evolução das praxias (desenvolvimento tecnológico) na espécie humana.
Nos últimos anos, segundo Eccles 1985, uma série notável de experiências transformou os novos conceitos acerca dos processos cerebrais ligados à sequencialização
das acções que interferem na programação e na planiftcação de acções que subentendem a linguagem e a praxia, e que em si encerram o estudo da área suplementar motora.
Não é de estranhar, portanto, que as dificuldades práxicas ou psicomotoras possam implicar dificuldades específicas da linguagem, principalmente porque ela só
se materializa pela acção, ou seja, pela oromotricidade (para a fala) e pela grafomotricidade (para a escrita).
A escrita é uma invenção humana; por isso, a capacidade para ler teve a sua base neurobiológica e filogenética, que surgiu para outras funções para além
da própria leitura. Pelo menos 5000 anos não seriam suficientes, em termos evolutivos, para que emergisse a função da leitura algures no cére- bro. O factor
sócio-histórico não é suficiente só por si para se compreender a origem da leitura, uma vez que a leitura pode ser aprendida por quaisquer membros de uma sociedade,
mesmo que nenhum dos seus antecessores, ou qualquer membro dessa sociedade, tenha sido exposto à linguagem escrita, como demonstram as experiências com os imigrantes
etíopes e judeus estudados por Feuersteins 1979, 1980 e 1986.
Podemos assegurar que a maioria dos seres humanos pode aprender a ler, mesmo que seja mínimo o contacto com a linguagem escrita da sociedade onde o indivíduo
se encontra inserido socioculturalmente. Aprender a ler, portanto, não é um talento especial - é, de alguma forma, semelhante à reparação de automóveis, que
pode também subentender uma herança de especialização do cérebro humano.
Aprender a ler, de qualquer forma, é um processo lento, ao contrário da capacidade para aprender a falar, que parece envolver um sistema cerebral inato.
Aprender a falar surge fenomenologicamente, por imitação, sem qualquer instrução, quase por inatismo (Chomsky 1965 e 1975), enquanto aprender a ler, ou aprender
a fazer um laço nos sapatos, envolve bastante tempo de aprendizagem.
Não têm sido consensuais as teorias sobre a aquisição da linguagem falada, como confirma o célebre debate entre nativistas e empiristas. O nativismo,
defendido por Chomsky como concepção universal de enfoque biológico, introduz conceitos revolucionários: gramática transformacional" (transformational grammar);
competência linguística, etc. , sobre a aquisição da linguagem, pondo em causa duas grandes correntes da psicologia da linguagem, ou
478
ALGUNS FUNDAMENTOS PSICONEUROLÓGICOS E PSICOMOTORES DA DISLEXIA
se a, a teoria da informação e a teoria da aprendizagem. Segundo esta teoria associada à psicolinguística, a aquisição da linguagem depende de substractos
neurológicos pré-estruturados geneticamente, que pernútem à crian a rocessar informação e formar e gerar funções que são características da Çnguagem humana. O
nativismo defende a aquisição inconsciente e inata da gr
amática, ao
contrário do empirismo, que recorre à formação da associação estímulo-resposta à base da contiguidade, cuja estrutura existe no exterior. Skinner 1959
seu proponente principal, introduz aqui a função do refor o na a uisi ão da lin guagem, pondo em realce o papel do reforço positivo n Ç rodução rrecta de palavras
ou frases. Outros autores, como Vygotsky 1962 e Feuerstein I 979 1980, destacam o papel da qualidade da interacção social e da mediatiza ão na aquisição da linguagem
falada, provando que, nesta matéria o cons Ç so é ainda polémico.
Aprender a falar é, obviamente, diferente de aprender a ler. Ambas as funções simbólicas estão inscritas na herança do Homem, ressu ondo uma hierarquia
que vai do primeiro ao segundo sistema simbólic p pondo em o o um medium de passagem de informação que progressivamente se vai desc gP xtualizando. Nesta hierarquia
estão em jogo princípios filogenéticos do prório cérebro como o da reduplicação da linguagem alada na linguagem escrita, e o da dominânciafitncional, que ilustra
a do f ância hierarquizada do segundo sistema simbólico sobre o primeiro, dando realce ao rincípio da rerepresenta ão de H. Jackson 1968. p
Ler, entendido como a capacidade para extrair significa ões de símbolos linguísticos arbitrários e visuais, colocados ou produzidos n a el na pedra,
no computador ou em qualquer outra substância, tende a d p onstrar que a leitura é a capacidade de extrair significaç'ão de qual uer tipo de re resentação visual,
(ex. : grafemas, hieroglifos do Antigo E q to sinais dasp n uagens ideográficas gestualidade dos deficientes audipvos, etc. ). Seg g do Gescçwind 1985, Bellugy
(Instituto Salk) demonstrou por exemplo que as crian as deficientes auditivas, nascidas em famflias de deficientes auditivos aprendem a sua linguagem gestual à
mesma velocidade que as crian as normais aprendem a falar. ç
Tais experiências parecem confirmar que o cérebro contém de facto, um
substrato, ou substratos, que permitem, se possível, ad uirir, sistemas linguísticos simbólicos de forma rápida (Geschwind 1985). q
A difculdade em aprender a ler, porém, é muito maior do ue a dificuldade
em aprender a falar, uma vez que a apropriação do primeú-o sistema simbólico antecede a do segundo, consubstanciando, consequentemente uma hierarquização de sistemas.
Duas condições são necessárias satisfazer, para aprender a falar: substrato neurológico apropriado e envolvimento adequado. Condições essas que também
são necessárias à aprendizagem da leitura, parecendo ilustrar a estreita interconexão entre os dois sistemas, como ilustram os trabalhos de Myklebust 1978, de
Hirsch 1968, Benton 1979 e tantos outros.
479
INSUCESSO ESCOl AR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
Os disléxicos tendem, todavia, a ter mais dificuldades em aprender a falar do que os não-disléxicos, parecendo evocar uma relação de interdependência
dos dois sistemas simbólicos já levantada nos trabalhos de Orton 1937 e de Hirsch 1984.
A aprendizagem da linguagem envolve um factor motivacional intrínseco, a observação e a aprendizagem da linguagem com base nos mediatizadores, o mesmo
se repetindo na génese de outras competências da nossa espécie. A aprendizagem da linguagem é precedida da aquisição de um sistema de comunicação. Aqui não joga
só um substrato neurológico, mas um sistema biológico extremamente poderoso, e que está na base de um sistema de interacção com os membros da mesma espécie.
As experiências de H. Harlow 1958, 1962 e 1971 (Universidade de! Wisconsin) revelam-nos as implicações da privação afectiva, do contacto : com os outros
elementos da espécie, da estabilidade emocional, do conforto táctil, da motricidade exógena e da competência de sociabilização. O contacto com elementos da mesma
espécie envolve um processo de maturação neurológica que não pode ser negligenciado. Neste contexto, situam-se, prw vavelmente, as desordens evolutivas mais
dramáticas, como o autismo, que, por razões de isolamento, falham em estabelecer vinculações afectivas sólidas, perdendo interesse pela interacção social,
que se considera um factor determinante do desenvolvimento normal e, obviamente, do desenvolvimento linguístico (Damásio e Maurer 1978). Neste contexto, podem
emergir também condições que predispõem à esquizofrenia, onde se denotam deteriorações específicas nos aspectos da comunicação, na falta de contacto social, e
na falta de interesse sexual, produzindo efeitos preponderantes na linguagem das emoções, isto é, na protolinguagem e na pré-linguagem, algo que interfere com
o sistema básico de significação, isto é, com a linguagem interior.
As bases neurobiológicas desta interacção_crucial e indispensável parecem situar-se, segundo Greschwind 1985, nos núcleos diencefálicos: núcleo septal
(septal nuclei) e amígdala. As lesões no septum (sistema límbico) provocam nos ratos induzidos uma coesão maior do que nos ratos normais (septal cohesion effect).
Lesões na amígdala em macacos tendem a provocar isolamento na colónia ou o desaparecimento na selva (King, citado por Geschwind 1985), presumindo-se mesmo que
possam morrer em isolação. Nas epilepsias límbicas, verifica- se uma forte actividade eléctrica na amígdala, o que normalmente provoca um forte contacto e comunicação
com as outras pessoas. A epilepsia emergida no lobo temporal tende a provocar uma espécie de viscosidade na relação com os outros, ou noutros casos, uma grande
necessidade de escrever, consumindo extensas páginas com sermões, ensaios, poesias, etc... Nestes casos parece observar-se uma intensificação do instinto humano
de associação e de comunicação com os outros de certa forma, dando importância ao cérebro paleomamífero de McLean 1973, certamente de
480
ALGUNS FUNDAMENTOS PSICONEUROLÓGICOS E PSICOMOTORES DA DISLFXIA
grande significação para a compreensão da comunicação não verbal humana. Em contraste, as crianças autistas podem ficar fascinadas com as actividades da linguagem
exercidas em isolamento, como nos seus monólogos, sem sentido e sem qualquer significação comunicativa ou interactiva, pois são conhecidos casos de hiperlexia
em autistas-mutistas (Rapin e Allen 1983).
ComP xo Neocbrtex o mam fero
ltmbico
i
Tmnco cesebral '
Figura 133 - Uma representação dos três cérebros integrados, de McLean. O complexo paleomanúfero como substracto neurológico da linguagem interior
A preferência inequívoca que o bebé humano tem pelas faces e pelas interacções face a face, olho a olho, a curiosidade e a função de alerta que o caracterizam
nos primeiros meses de experiência e de vinculação com a sua mãe reforçam os comportamentos de aproximação e de cooperação na comunicação, o que certamente está
em relação com substratos diencefálicos acima referenciados (Molfese 1983, Baken 1983).
Algumas crianças poderão ter dificuldades na leitura porque lhes faltam as predisposições para a comunicação (drive), ou porque lhes faltam, ou estão disfuncionais,
os instrumentos da linguagem, ou ainda porque ambos os aspectos estão afectados - são os chamados disléxicos com isolamento social ou com perturbações socioemocionais,
casos estes muito raros. A maioria dos disléxicos, porém, apresenta uma capacidade normal para comunicar, e um desejo normal pelo contacto humano; por isso,
é necessário observar quais os instrumentos ou os substratos neurológicos da leitura, recorrendo para esse efeito ao estudo das lesões cerebrais que afectam a leitura
no indivíduo adulto que já a adquiriu.
481
INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
Defnições em torno da dislexia
Dislexia evolutiva específica - Trata-se de uma desordem (diflculdade) tada na aprendizagem da leitura independentemente de:
- Instrução convencional
- Adequada inteligência; e
- Oportunidade sociocultural.
É, portanto, dependente de funções cognitivas, que são de origem orgânica na mai= oria dos casos.
Definição da Federação Mundial de Neurologia (World Federation of Neurology), do grupo de investigação da dislexia evolutiva e do analfabetismo no Mundo.
Descrição original da criança
disléxica (Orton 1937)
1) Percepção visual normal; 9) As crianças disléxicas apresentam
2) Desordem neurológica (no ginzs dados evolutivos lentos na aquisiangular). A região envolvida na ção das primeiras palavras e das
alexia terá de ser a mesma da dis- primeiras frases;
lexia. Alexia (adulto); dislexia 10) As crianças disléxicas têm pro(criança). blemas psicomotores clumsy;
3) Os disléxicos lêem melhor quan- 11) Crianças sem dificuldades na leido o texto está invertido ou em tura, contudo, com dificuldades
espelho; significativas no ditado;
4) Muitos disléxicos apresentam, fre- 12) As crianças com disléxia podem
quentemente, ambidextria. ter, frequentemente, problemas
5) Muitos disléxicos apresentam ga- emocionais. Problemas emocionais
guez (disritmia); não como consequência lógica das
6) Alta frequência de canhotismo DA, mas como resultado directo
nas crianças disléxicas; de mudanças no cérebro;
7) As familias de crianças disléxicas 13) A dislexia apresenta uma predisapresentam frequentemente desor- posição masculina.
dens de aprendizagem; 14) A dislexia é mais comum em lin8) As crianças disléxicas apresentam guagens escritas fonéticas (mais
talentos espaciais originais; em inglês do que em espanhol).
482
ALGUNS FUNDAMENTOS PSICONEUROLÓGICOS E PSICOMOTORES DA DISLEXIA
Tipos de disle>ria Smdromas dislé cos (Myklebust, 1971) (Mattis e colaboradores, 1975)
Dislexia da linguagem interior Desordem da linguagem
(world-calling)
a) Anomia (20% inêxitos nos testes
A criança percebe os grafemas e tra- de nomeação);
du-los para os equivalentes auditivos, b) Desordem da compreensão (um
lendo alto; simplesmente, a função de desvio-padrão abaixo da média no Token
significação não é atingida. Test);
c) Desordem na imitação (um desvioDislexia auditiva -padrão abaixo da média no teste de
repetição de frases);
Afecta o processo cognitivo que rela- d) Desordem na discriminação auditiva
ciona os fonemas com os grafemas. Ler (10% de inêxitos a mais na discriminação
é ver e ouvir. fonética).
A visualização pressupõe a automatização dos grafemas, i. e. , a capacidade de
simbolizar e de codificar a informação. Descoordenação articulatória
Ler envolve subaquisições auditivas e 8rafomotora
muito importantes: silabicação (silabação a) Síntese fonética disfuncional (sound
- soletração), e formologia, dado que a blending no ITPA um desvio-padrão
função auditiva de uma palavra é um abaixo da média);
processo básico de informação. b) Grafomotricidade disfuncional (um
desvio-padrão abaixo da média no teste
Dislexia visual (world-blindness) grafomotor);
Quando as letras não são reconhecidas c) Processo receptivo linguístico e
como letras (tamanho; forma; rectas e acusticossensorial dentro dos limites da
curvas; ângulos e orientação vertical ou uo idade.
horizontal, etc. ). O problema é de discriminação, o que afecta a codificação visual Desordem perceptiva visuoespacial
dos grafemas e a formação das palavras. a) QI ou QI de realização 10ponA leitura vai da identificação das letras tos acima do QIV (QINV>QIV);
à síntese das slabas (audição), e destas às b percentil inferior no Raven (matxxpalavras. zes coloridas) quando comparado com o
Dislexia intermodal percentil equivalente do QI;
c) Nível de risco (borderline) no teste
Dos processos intra (visuais ou auditi- de retenção visual de Benton (BVRT vos) passa-se a prócessos intermodais 10seg. de exposição, seguida de reprovisuoauditivos
e auditivovisuais. dução imediata).
483
INSUCESSO £SCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
Substratos neurológicos da leitura
QUE TIPOS D£ LESÕES CEREBRAIS PODEM AFECTAR A LEITURA NO ADULTO
Segundo Gerschwind 1985, para determinar quais são os instrumentos da leitura torna-se urgente estudar as lesões no sistema nervoso que produzem deficiências
na capacidade de ler. Vejamos então quais as síndromas ais características.
Sindroma de hemialexia
Descrito em primeiro lugar por Treseher e Ford 1973, o indivíduo afectado tinha uma visão normal em ambos os campos do espaço, mas só compreendia a linguagem
escrita na metade direita e não na esquerda. Verificou-se, poste ormente, que existia uma destruição numa porção particular do corpo caloso terminal posterior,
isto é, o splenium.
Quando uma palavra era apresentada só no campo visual esquerdo do paciente, ela chegava ao córtex visual direito. No sentido de ser compreendida como linguagem,
a palavra devia ser transferida para o hemisfério esquerdo, mas tal transferência não era possível devido à destruição do corpo caloso. O paciente lia normalmente
no campo visual direito. Como conciusão, podemos assegurar que o hemisfério esquerdo é um substrato essencial para ler.
Sinclroma de alexia sem agrafia (alexia pura)
Alexia sem agrafia é a mais comum das síndromas isoladas de incapacidade de leitura. O paciente tem um défice do campo visual direito e, por acréscimo,
uma lesão no splenium, a parte posterior do cozpo caloso.
Esta síndroma ocorre como resultado da oclusão da artéria cerebral esquerda posterior, o que pode levar à destruição do córtex visual esquerdo e do splenium,
produzindo uma incapacidade de leitura, depois de a sua capacidade ter estado presente (Benson 1984).
Segundo Benton e Pearl 1978, a alexia tem sido reconhecida desde a Antiguidade, só que, como desordem da linguagem escrita, tem sido pouco estudada.
Déjerine I 891 e 1892 foi o primeiro a apresentar a descrição de um caso de alexia sem agrafia, tendo demonstrado destruição do girus angular do hemisfério dominante,
área esta considerada por Geschwind 1965 e 1969 como necessária para as associações crossomodais", isto é, para as associações interneurossensoriais essenciais
para o processamento da leitura.
Os pacientes não compreendem a linguagem escrita, todavia podem copiar paiavras correctamente, independentemente de as não poderem ler. O paciente não
lê palavras no campo visual direito (blindness in the right
484
ALGUNS FUNDAMEN7'05PSICONEUROLÓGICOS E PSICOMOTORES DA DISLE;fJ A
visual field) devido a hetnianopsia. A palavra pode ser vista, se estiver
localizada no eampo visual esquerdo, para que ela chegue ao córtex visual
direito intacta, t )avia, não p
que não é transferlda para f com reendida como linguagem, pordo corpo caloso. ério esquerdo, por lesão do splenium
Estes paeientes pod
a informação táctil das a to, identifiear letras e anagramas, rque
e aúngir o hemisfério esquerdo, e tam m
porque estão intactas as eswturas do corpo caloso que transferem as informa ões tactéis. Podem compreender palavras ditas, porque elas chegam ao
cónex auditivo intacto do hemisfério esquerdo. Podem escrever normaimente
indicando que os sistemas da escrita do henúsféáo es uerdo estão intactos
(são iguais aos ormais com os olhos fechados). Não em alto, nem compreendem a lin uagem escrita; em contrapartida, escrevem, lêem letras em
relevo e compreendem palavras que Ihes são ditadas em voz alta, Há conseguinte uma desconexão entre a área que percebe a imagem visual da p
a!avra e a área onde se realiza o processamento da palavra escrita. Benson 1984
sublinha que, todavia, é conveniente classificar as alexias em osteriores
(alexia sem agrafa), centrais (alexia com agrafa) e anteriores exia relacionada com afasia anterior), para er man (
cisa e não utilizar o termo alexian o g ter uma terminologia mais prep enericamente, sendo conveniente
se arar a alexia literal da alexia verbal.
QUADRO VII
R ndo Benson Iggg
ia rior
Alexia literal
Ditado A Alexia total Alexia verbal
a severa g
Có ia Aa severa Sem aga
Pobre e dis ica Pobre Muito bre
Nomeação de letras Anonúa severa
Compreensão de Anomia severa Relativarr n a
palavras ditadas Algum sucesso
Ditado or l I êxito Rn
Momcidade i a tiuente Normal
Henú legia Paresia moderada Sem parósia
A raxia motora Fre uente
Sensibilidade ` ion Inexistente
Perda sensorial Frequente perda Sem perda sensoria)
moderada hemissensorial
vl ln to Hemia opsia pode
estar ou não presente Hemiano sia dire;
Ausente P
Síndroma de
rs Fre uentemente Ausente
resente
il
a,
485
INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
Sindroma de alexia com agrafia
Os pacientes com esta síndroma acusam lesões no girus angular" do hemisfério esquerdo, isto é, nas áreas associativas que confluem dos lobos parietais,
occipitais e temporais. Normalmente, não existem défices no campo visual, a lesão é diferente da que provoca alexia sem agrafia. Não lêem nem escrevem, nem
espontaneamente, nem em cópia ou em ditado, como também não podem repetir ou reconhecer palavras, nem ler letras e anagramas escritos tactilmente (os inputs auditivos
e tactiloquinestésicos não estão funcionais).
Os indivíduos com alexia e agrafia não escrevem, nem copiam, nem repetem palavras, mas conseguem repetir sons e letras. São quase iletrados, não escrevem,
não lêem, nem fazem ditados.
Na alexia com agrafia há um envolvimento selectivo de um sistema que é essencial para a leitura, isto é, um sistema de processamento da linguagem por meio
de formas visuais (captação grafética, captação de optemasBannatyne 1975), antes que seja processada através da significação ou dos equivalentes fonéticos.
i /
Figura 134 - Ilustração do hemisfério esquerdo indicando as áreas gerais envolvidas nas três principais variedades de alexia (posterior, central e anterior), segundo
Benson 1982
Como conclusão, parece que alguma por ão do girus angular está claramente relacionada com o processo de leitura.
Chiarello, Knight e Mandel 1982 descrevem-nos um caso de um paci ente deficiente auditivo congénito que se tornou afásico depois de uma lesão no girus angular
esquerdo. Embora tendo descrito o caso como uma afasia de Wernicke, Geschwind 1985 reconhece-o como uma alexia com agrafia, uma vez que o paciente não podia ler
(compreender) nem escrever (fazer os gestos manuais adequados) em linguagem gestual. Tal suporta a ideia de que aprender a linguagem gestual é, de certa forma,
equivalente a aprender a ler.
486
ALGUNS FUNDAMENTOS PSICONEUROLÓGICOS E PSICOMOTORES DA DlSLEXIA
Afasia de Wernicke
Na afasia de Wernicke a lesão destrói a área principal da compreensão da fala na porção superior e posterior do lobo temporal (Geschwind 1970). O paciente
não compreende as palavras escritas, mas os seus problemas de linguagem são bem mais complexos, uma vez que ele não compreende a própria linguagem falada, apesar
de produzir fragmentos incorrectos da linguagem falada ou escrita. Repete palavras de forma incorrecta.
Obviamente que uma lesão na área de Wernicke produz a destruição de alguma área que está envolvida num sistema de processamento e que parece estar relacionada
com todos os aspectos da linguagem, e não só com a leitura.
Afasia de Broca
A lesão envolve a porção inferior do lobo frontal, situada no plano anterior à área da face do córtex motor. O paciente produz uma fala afásica, escreve
mal e repete palavras incorrectamente. Pode, no entanto, compreender bem a linguagem falada (o input está intacto) e a linguagem escrita, muitas vezes com dificuldade
em nomear letras e em processar dados gramaticais, em termos quer de fala, quer de escrita.
Daqui se conclui que a área de Broca está envolvida em pelo menos alguns aspectos da leitura.
Com base nestas condições disfuncionais, os substractos neurológicos da leitura parecem ser: o hemisfééo esquerdo e o direito, o corpo caloso, o girus
angular, a área de Wernicke e a área de Broca, todos eles trabalhando segundo uma constelação sistémica e consubstanciando que, de facto, não há um ucentro de
leitura no cérebro.
O processo de leitura implica, consequentemente, a participação de subprocessos visuais, auditivos e cognitivos como um sistema aberto, cuja inter-relação
filogenética e ontogenética com o material impresso forma um todo funcional e uma constelação de trabalho espalhado pelo cérebro, como acabámos de ver com a ajuda
das lesões cerebrais que podem afectar a leitura no indivíduo que a tinha integrado e apropriado.
O processo de leitura (existem quase tantos modelos quantos os investigadores) possui obviamente várias propriedades e qualidades:
1) Totalidade: envolve a integração de processos sensoriais (fixações, movimentos sacádicos dos olhos), perceptivos (formas e conflgurações),
imagéticos (induçõès picturais), de memória (curto e longo termo), de simbolização e conceptualização;
2) Interdependência: tais subprocessos ou partes inter-relacionam-se e afectam-se mutuamente; trata-se de uma gestalt cuja totalidade é mais
importante do que a soma das partes, cujas interacções mútuas envolvem circuitós neurológicos e processos psíquicos extremamente complexos;
487
INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
3) Hierar Quia: os subprocessos da leitura organizam-se de acordo com uma complexidade crescente; do não-verbal para o verbal; do não-simbólico
para o simbólico; do simples para o composto; do composto para o complexo e hipercomplexo, pondo em marcha processos de reduplicação e de re-representação neurofuncional,
desde os subpro cessos intra e interneurosensoriais aos integrativos; desde o primeiro ao segundo sistema simbólico; desde a pré-análise à reanálise; desde a conversão
intermodal e a representação semânticossintáctica; desde a cognição à metacognição, desde a descodif icação à compreensão; desde a leitura silábica à leitura rápida
e criativa;
4) Autorregulação e controlo: o que subentende uma cibernética, uma transdução e uma transferência da informação, desde os centros de processamento
visual (grafema) aos de processamento auditivo (fonema), desde processamento semântieo (para leitura silenciosa) a processamento semântieo-sintáctico do sistema
oral (para a leitura oral), visando um fim, isto é, a extracção activa e autodirigida de informação de textos, páginas impressas, imagens, diagramas, gráficos,
etc. , o que subentende inúmeros feed-backs;
5) Intercâmbio com o exterior: compreende um acto mental com processos de input - análise visual precoce - e processos de outputoromotricidade,
mediados por processos hipercomplexos de elaboração da informação;
i I
Figura 134 - Substractos neurológicos da leitura - Uma constelação sistémica e não um centro de leitura: 1) Hemisfério esquerdo e hemisfério direito: córtex visual
- subsistema visual; 2) Córtex visual associativo dos dois hemisférios, conectados pelo corpo caloso; 3) Girus angular; 4) Área de Wernicke, subsistema auditivo
semântico; 5) Área de Broea: área motora da linguagem do lobo frontal.
Adaptação dos modelos de Benson e Geschwind
488
ALGUNS FUNDAMENTOS PSICONEUROLÓGICOS E PSICOMOTORES DA DISLEXIA
Estfmulo
AVP
RGP - RAL - AG
DM
RS
RA I/ I CGF
CM AF
Resposta
Figura 135 - O processo de leitura implica a participação de subprocessos visuais, auditivos, linguísticos e cognitivos, numa verdadeira constelação de trabalho.
(AVP - Análise visual precoce; RGP - Representação global de palavras;
RAL - Representação abstracta de letras; AG - Analisador grafético;
DM - Decomposição morfológica; RS - Representação semântica;
RA - Representação de articulemas; CGF - Conversão grafeticofonética;
AF - Assoeiação de fonemas; CM - Córtex motor (output verbal)
489
INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
6) Equihbrio o processo da leitura envolve uma homeostasia e uma arquitectura operacional que, em certa medida, foram ilustradas atrás,
ou seja, consubstanciam uma organização sistémica e sistemogenética antientrópica;
7) Adaptabilidade: o processo da leitura não é um processo rígido e inflexível, mas sim um processo adaptável porque a leitura equaciona
uma combinatória informática em constante mudança, daí decorrendo uma sistematização progressiva e um subsistema principal, assegurando, assim, a natureza realmente
dinâmica do processo de leitura;
8) Equifinalidade: o processo da leitura tem um fim, uma meta, um resultado, significando que o produto final pode ser realizado de muitas
maneiras e desde vários pontos de partida, materializando um processamento de informação complexo e exclusivo da espécie humana. Se de facto queremos abordar as
disfunções do processo da leitura, ou seja, a dislexia (dis, que significa no fundo pobre ou inadequada aprendizagem, ou fraca apropriação de aquisições, e
lexia, que significa linguagem escrita), temos de, forçosamente, tentar perceber ou enquadrar, em termos psiconeurológicos, o que subentende tal processo;
caso contrário, as nossas soluções não superarão um problema que tem repercussões individuais e sociais múltiplas.
QUE TIPOS DE DISFUNÇÕES PODEM AFECTAR A LEITURA DA CRIANÇA?
Os casos de hemialexia e de alexia sem agrafia demonstram claramente uma desconexão entre regiões ou sistemas que estão envolvidos no processamento do material
escrito, onde efectivamente o girus angular parece ter um papel essencial no processo de leitura. As áreas de Wernicke e de Broca produzem desordens de linguagem
falada e, obviamente, da escrita. Todavia, sabe-se que são áreas e componentes cruciais no processo inicial de aquisição da leitura (hierarquia do primeiro sistema
simbólico ao segundo sistema simbólico que consubstancia uma pré-estruturação no cérebro humano, quer filogeneticamente, quer ontogeneticamente).
Sabe-se, por outro lado, que uma lesão unilateral do hemisfério esquerdo ocomda precocemente na vida da criança não leva necessariamente a uma dif Iculdade
de leitura, porque o hemisfério direito pode reassumir tal função. Em contrapartida, a lesão bilateral do girus angular leva a uma dificuldade na aquisição da
leitura. Mas. haverá alguma anomalia unilateral que possa produzir tal dificuldade?
I, esões no feto e na criança: suas comparações e implicações
Por se saber que se recupera bem uma lesão unilateral na criança, tal não quer dizer que quanto mais cedo ocorrer tal lesão, melhor será o prognós
490
ALGUNS FUNDAMENTOS PSICONEUROLÓGICOS E PSICOMOTORES DA DISLEXIA
tico. A lesão fetal, por exemplo, gera inequivocamente disfunções severas. Quando a lesão (ou a malformação) ocorre no período intrauterino, as consequências
são diferentes do que se a lesão ocorrer extrauterinamente. A lesão no hemisfério esquerdo da criança leva a uma redução das funções normais do hemisfério direito,
isto é, segundo Geschwind 1983, ela tem de < <desistir" de outras funções para adquirir a linguagem.
Se a lesão for no feto, novos aspectos emergem e quase ocorre o inverso. Goldman 1978 demonstrou que quando uma região é lesada no período fetal, a região
oposta correspondente apresenta um padrão mais extensivo de conexões do que o normal. Por isso, as lesões no hemisfério esquerdo levam a um aumento das capacidades
do hemisfério direito, enquanto as do hemisfério esquerdo ficam permanentemente diminuídas. As lesões no adulto levam à perca de um ou vários talentos, enquanto
outros ficam mais ou menos intactos. A lesão na criança, em termos de factores transientes, resulta
HEMISFÉRIO fiEMISFÉRIO ESQUERDO DIREITO
I I
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Y ' . i 1 Sy
AUDIÇÃO \ AUDIÇÃO
__ :
. :r` ' i W,
çk r\ \ I
, : Planum
V F tem orale
Planum
temporale
. VOZ '
Figura 136 - Assimetrias anatómicas dos dois hemisférios cerebrais humanos, e sua relação com os temtórios de Brodmann. (Sy = Fissura de Silvius; B = Área de Broca;
W = Áréa de Wernicke V = Aquisições visuoconstrutivas (lesões nesta área produzem desordens visuoconstrutivas); F = Reconhecimento de faces (lesões nesta área produzem
prosopagnosia). O planum temporal da área associativa auditiva é visivelmente maior à esquerda. A fissura de Silvius à direita é mais angularizada diagonalmente
do que à esquerda, que é, em si, mais horizontalizada. Tais assimeú'ias têm algo a ver com o processo da leitura
491
INSUCESSO ESCOIAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
em mecanismos compensatórios pelos quais se gera uma recuperação, mas com um custo, isto é, a diminuição de ouvas capacidades afectando a prestação e
a realização. A lesão fetal leva à diminuição de um talento, enquanto outros podem aúngir níveis mais elevados.
Assimetria estrutural do cérebro e sua signi cação juncional
O girus angular é uma grandé região, que se expandiu extraordinariamente no cérebro humano mais do que qualquer outra em comparação com outros primatas.
Reúne tcês lobos: o temporal (para a integração auditiva}, o occipital (para a integração visual), e o parieta1 (para a integração taetiloquinestésica).
Geschwind e Levitsky 1968 verificaram uma simetria na parte superior do lobo temporal, região que contém parte da área de Wernicke. Idenúficaram
também uma área particular, o planum temporale, visivelmente mais larga no hemisfério esquerdo na maioria dos cérebros.
Galaburda 1978 verificou igualmente uma signifreaúva assimetria na esWtura celular (citoarquitectura), nitidamente mais larga no hemisfério esquerdo
do que no hemisfério direito.
A fissura ou rego de Silvius, que separa o lobo temporal do lobo parietal, também contém assimetrias. A fissura de Silvius esquerda é maior do
que a direita. Le May e Culebras 1972 mostraram que a fissura de Silvius direita é mais angularizada diagonatmente do que a esquerda, que é, em si, mais horizontalizada.
O corno posterior do ventrículo lateral é maior no hemisfério esquerdo do que no hemisfério direito. A zona posterior do hemisfério esquerdo é mais larga
do que a do hemisfério direito.
Em conclusão: o cérebro humano apresenta várias assimetrias, reflectináo um maior crescimento quer em si, em termos esa- uturais, quer igualmente
na arquúectura especifica as regiões qué o constituem. É óbvio que tais assimetrias têm algo a ver com o processo da leitura.
Que anomalias acompaniram a dislexia evolutiva ?
É perfeitamente aceitável que as anomalias cerebrais que caracterizam a ' dislexia estejam relacionadas com o girus angular ou com as regiões que o
cercam.
Os componentes da síndroma de Gerstmann, por exemglo, são caraeterísticos. No adulto, esta síndroma resulta da lesão do girus angular esquerdo
e consiste em dificuldades no cálculo, na orientação esquerda-direita, na identificação e no reconhecimento dos dedos e na escrita.
Os distúrbios na escrita dos disléxicos são universais, mas outras características nem sempre surgem na dislexia, o que pode sugerir um padrão
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ALGUNS FUNDAMENTOS PSICONEUROLÓGICOS E PSICOMOTORES DA DISLEXlg
diferente de desenvolvimento ou mesmo de lesão ou disfunção. Uma anomalia do girus angular pode sugerir outras manifestações, como o envolvimento da área
de Wernicke, com outras difculdades associadas.
Muitos disléxicos têm problemas na discriminação de fonemas, or outro lado, pare e estar evidente um distúrbio intra-uterino no hemisfério uerdo
que tende a uma hiper oFa do hemisfério direito em termos funciona visto que em muitos disléxicos as dificuldades na linguagem estão associadas frequentemente a
talentos superiores do hemisfério direito: capacidades supepopulação. te os artísticos, atléticos, espaciais, etc. são frequentes nesta
Possiveis alterações no cérebro disléxico
Há uma malformação evidente na vizinhança da área de Wernicke no cérebro disléxico (Geschwind 1985). Galaburda e Kemper 1979 encontram ariomalias no padrão
da área de Wernicke, assim como ilhas de células nervosas que faiharam em atingir o córtex (três casos com análise post-mortem conf >am este aspecto). Verificou-se
uma anomalia na migração normal das células nervosas para o córtex, do lado esquerdo, e fundamentalmente nas áreas da linguagem. A área de Wernicke ficou provavelmente
mais reduzida e o seu padrão de arquitectura celulac mais aúpico. O cérebro está im ro priamente interconectado (wiredj, e consequentemente não funciona adequadamente.
Talvez se verifique também nestes casos um desenvolvimento atípico intrauterino no hemisfério esquerdo.
Outros autores referem alterações químicas ou a presença de células com estruturas atípieas. De atender que, embora as células sejam normais, as suas
conexões podem ser disfuncionais, resultando daí formas de organização mbém desviantes. Por outro lado, as células, c:nbora normais, podem não ter atingido
o tamanho usual, daí resultando prohlemas de processamento ou memorização da informação.
Hier 1978 verificou que os disléxicos com atraso na fala apresentavam tomogr as computadorizadas (CT scans) em que o hemisfério esquerdo, na zona posterior,
surgia mais estreito do que a mesma região no hemisfério direito, o que em si representa uma assimetria em relação à população normal.
Casos de hiperplexia e sua significação
A hiperlexiá é exactamente a síndroma oposta à dislexia. Os casos de hiperlexia mostram uma rápida aquisição da capacidade de Ier, no sentido de aprender
a ier alto correctamente incluindo muitas palavras irregulares.
Tal precocidade, porém, é equivalente a uma fraca compreensão da leitura e a uma nula produção escrita. Nestes casos, pode-se postular que a área
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INSUCESSO ESCOIAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
envolvida na conversão grafema-fonema está bem desenvolvida, enquanto outros padrões de conexão dessa área para outras áreas cerebrais se encontram disfuncionais
e imaturos.
É sabido que os disléxicos apresentam também dificuldades em adquirir e produzir a escrita, e essencialmente nas aquisições do ditado, embora haja
casos com estas competências intactas (input intacto, output com dificuldades, ou o inverso. ); muitos casos acusam boa compreensão da linguagem escrita (descodificação
intacta), porém com dificuldades na produção da escrita (disortografia ou disgrafia, segundo Fonseca 1984).
Perfil psicomotor da criança disléxica. Introdução à síndroma dislexia mais dispraxia
O perf il psicomotor (ou perceptivomotor, para os autores americanos) da criança disléxica tem sido estudado por vários autores, desde Orton, 1937,
Critchley, 1970, Benton e Pearl 1978, Denckla 1973 e 1974,
Fonseca 1982 e muitos outros. Estudar os problemas psícomotores pode trazer alguma ajuda à compreensão da dislexia, que obviamente não pode
ser considerada uma doença ou udeficiência que tenha de ser curada, ou tratada.
O que se passa então com o perfil psicomotor da criança disléxica, uma i vez que pode haver disléxicos com dificuldades psicomotoras (designados por dyslexia
plus por Denckla 1985) e disléxicos sem dificuldades de coordenação, por vezes até, como já foi dito, com um perfil de proficiência motora que faz deles bons
atletas ou bons artistas?
A integração sensorial (Ayres 1977 e 1978) e a integração psicomotora (Fonseca 1985) constituem verdadeiros pré-requisitos da mielinização que
consubstanciam a totalidade expressiva através da qual a consciência se edifica e se materializa, e o potencial de aprendizagem se estrutura e hierarquiza,
podendo ser concebidos como verdadeiros instrumentos de apropriação sociohistórica e verdadeiros alicerces da cognitividade e da corticalização progressiva.
Tudo o que a criança faz é movimento (macro, micro, oromotricidade) ou um processo em que o movimento está implicado para o exprimir. Os pen=
samentos são expressos por movimentos, movimentos como comportamentos vicariados). Motricidade sem cognitividade é possível, mas cognitividade sem motricidade
não o é.
É a partir da motricidade que as subsequentes capacidades de aprendizagem se organizam. O desenvolvimento motor é um processo adaptativo que produz
o desenvolvimento do cérebro, pois através da acção e das suas múltiplas e variadas aquisi ões o cérebro vai organizando e diferenciando os seus centros integradores.
A hierarquia da experiência humana correspondem novos níveis de complexidade que são sobrepostos sobre unidades funcio
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ALGUNS FUNDAMENTOS PSICONEUROLÓGICOS E PSICOMOTORES DA DISLEXIA
nais pelas progressivas organização e integração de tais unidades num só e único sistema - o cérebro, órgão da aprendizagem e, consequentemente, da psicomotricidade
e da aprendizagem da leitura.
O cérebro, verdadeiro órgão da civilização (Vygotsky, 1962), é o órgão mais organizado do organismo. Não é de admirar que esteja envolvido na
psicomotricidade e na aprendizagem da leitura.
A aprendázagem da leitura requer a integridade mínima de processos psiconeurológicos e psicomotores. Psiconeurológicos, quando estão em jogo processos
neurossensoriais: tácteis, quinestésicos e vestibulares (pro prioceptivos), e também visuais e auditivos (exteroceptivos). Tais processos trabalham de forma intraneurossensorial
e interneurossensorial, para finalmente serem integrados sob a forma de memórias neuronais (Fonseca 1984 e 1985).
Estão, portanto, em jogo complexos circuitos internos e inúmeras conexões sinápticas que reflectem uma organização e uma reorganização de regiões subcorticais,
e a inter-relação de aquisições filogenéticas e ontogenéúcas, como já tínhamos equacionado.
As dificuldades de aprendizagem da leitura, que não podem ser confundidas com incapacidade de aprendizagem (agnosias, afasias, apraxias, etc. ), embora
necessitem de ser muito bem estudadas, para exactamente poderem ser compreendidas, têm sido definidas como desordens psiconeurológicas (Myklebust 1964 e 1978)
e como disfun ões cerebrais (Kirk 1966).
Trata-se de desordens num ou mais processos de linguagem falada, leitura, ortografia, caligrafia ou aritmética, resultantes de défices e/ou desvios dos
processos cerebrais da aprendizagem que não são devidos nem provocados por deficiência mental, por privação sensorial ou cultural, ou mesmo por dispedagogias).
Há, portanto, défices específicos da aprendizagem que compreendem a organização intrínseca do cérebro (Duffy 1985, Galaburda 1979) na qual subsistem discrepâncias
dos níveis de realização cognitiva quer intra, quer interverbais e intra ou inter não verbais, que em nenhuma condição podem ser confundidas com deficiência de
qualquer tipo.
As crianças disléxicas ou com dificuldades de aprendizagem apresentam uma inteligência média ou acima da média (QI > 80).
Trata-se, efectivamente, de crianças dotadas em inúmeras competências quando nos referimos aos disléxicos puros. Não podemos esquecer que nesta categoria
podem cair figuras científicas da Humanidade; personalidades políticas de grande relevo; grandes expoentes da arte e da criatividade.
Na medida em que a aprendizagem da leitura envolve uma integração automática de informações auditivas e visuais (categorização foneticografética) de nível
simbólico muito complexo, que assentam em informações sensoriais, tácteis e quinestésicas, vestibulares e proprioceptivas de nível perceptivo mais simples, é
facilmente compreensível encontrar problemas
495
INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
- I:
psicomotores em crianças com dificuldades de aprendizagem na leitura ( disléxicas, ). Muitos estudos apontam nas crianças disléxicas as seguintes características:
- Má lateralização (Orton 1937);
- Desenvolvimento insuficiente de certas zonas como o girus angular, a corpo caloso e os lobos frontais (Duffy 1985);
- Distorções perceptivoespaciais (Frostig 1965);
- Défices na memória de curto termo (memória imediata ou memória de trabalho (Bannatyne 1971);
- Actividades eléctricas evocadas e EEGS nitidamente diferenciadas das ' crianças normais (Duffy 1985). Duffy 1980, com base na comparação G da actividade
eléctrica dos cérebros de crianças normais com os de. crianças disléxicas, por meio de ordenadores, constatou que a dislexia * ~ não está apenas associada a
uma disfunção da área de Wernicke do
hemisfério esquerdo ou da zona do girus angular, que faz fronteira entre o lobo parielal e o lobo occipital. Ao contrário, aquele autor diferenciou
quatro zonasfundamentais (que acusam uma actividade eléctrica disfuncional):
1) Uma grande zona média frontal envolvendo os dois hemisférios i (e compreendendo a área suplementar motora, fundamental na orga
nização psicomotora);
2) Uma grande área temporal envolvendo as funções mais relevantes da linguagem no hemisfério esquerdo;
; 3) Uma pequena zona temporal central, também situada à esquerda; 4) Uma grande zona pós-lateral, área temporo-occipital, também
situada
no hemisfério esquerdo.
! Por estes dados se conclui que a actividade eléctrica das crianças dislóxicas envolve mais áreas disfuncionais do que anteriormente se pensou e
onde ressaltam, pela sua obviedade, áreas de integração sensorial/visual e auditiva e áreas de integração psicomotora (área parieto-occipital e área
' suplementar motora). Podemos assegurar, portanto, que algumas crianças disléxicas acusam disfunções cerebrais da organização proprioceptiva
(dispraxia) que interferem com o potencial de aprendizagem e com a planificação das acções onde certamente o pezfil psicomotor da criança se vat
manifestar (as tais crianças dyslexia-plus de Denckla 1985); trata-se de uma dispraxia, ou seja, de uma insuficiência
na planificação de acções (Fonseca 1986), independentemente de uma inteligência e de uma motricidade normais. O problema parece residir na ponte entre o intelecto
e o motor, entre o psíquico e o motor.
I
Efectivamente, os resultados de Duffy 1980 são consentâneos com as concepções mais actuais da planificação do movimento voluntário introduzidas
496
ALGUNS FUNDAMENTOS PSICONEUROLÓGICOS E PSICOMOTORES DA DISLEXIA
por Eccles 1985, Allen e Tsukahara 1974, Brinkman e colaboradores 1979, 1983, Kornhuber e colaboradores 1979, Roland e colaboradores 1980; e muitos outros.
Figura 137 - Esquema simplificado dos resultados dos estudos de EEG e dos
potenciais evocados em crianças disléxicas. As zonas indicadas no esquema
indicam as diferenças notáveis nas quatro regiões: uma zona média frontal
(área suplementar motora); uma pequena zona auterolateral frontal no hemisfério esquerdo (área de Broca); uma zona temporal centcal situada à esquerda; uma grande
zona pós-lateral que se situa no hemisfério esquerdo, segundo Duffy
Segundo estes autores, as suas experiências demonstram que os processos cerebrais que actuam na realização do movimento voluntário implicam inúmeros processos
de integração psicomotora que jogam com dados proprioceptivos (somatograma com envolvimento da noção do corpo - somatognosia - e da segurança gravitacional) e dados
exteroceptivos (opticograma e melodia cinética, com envolvimento dos dados sequenciais espaciais e temporais, isto é, visuoauditivos).
Os movimentos que requerem as formas adaptaúvas mais elementares estão naturalmente integrados nas formas adaptativas mais complexas, como uma totalidade
sistémica, razão pelo qual o acto de escrever, por exemplo, exige a sequencialização de impulsos seriados disparados pelo córtex motor e programados no córtex
pré-motor (córtex psicomotor - áreas associaúvas do lobo frontal) que envolvem necessariamenté subsistemas ditos simples, como a tonicidade e a equilibraÇão; subsistemas
ditos compostos, como a lateralização, a noção do corpo e a estrutura ão espaciotemporal e, por último, subsistemas ditos complexos, como apraxia global e apraxiafina
(Fonseca I985 e 1986).
A psicomotricidade, entendida como uma organização superior da motricidade, e como neomotricidade, reduplica subsistemas simples e compostos (proto,
paleo e arquimotrocidade) em subsistemas complexos, subsistemas
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INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
estes ligados aos processos de desencadeamento (a tal sequência evocada por Geschwind e Piaget) do movimento intencional, programado e planificado.
As primeiras reacções cerebrais, segundo os autores acima referenciados, devido à inten ão de movimento (psicomotricidade), produzem-se nos neurónios
da área suplementar motora (ASM), área situada no topo do cérebro, ocupando uma posição ideal para pilotar o seu todo funcional. É esta área suplementar motora
(ASM) que Duffy 1980 identificou como tendo uma actividade eléctrica disfuncional e diferente nas crianças disléxicas.
u v
Área cortical ' :, K 5 a e
superior da linguagem " " L 5 c
(motora suplementar) = 5 Área cortical
.. . :. r :: posterior da linguagem
)
(Wernicke
Área cortical anteàor ' da Linguagem
( Broca)
17
Cissura de Silvius [ sulcus lateralis)
Figura 138 - Área suplementar motora (ASM), região implicada na programação interna e na sequência melódica de movimentos, subsistema crucial da organização
psicomotora e da aprendizagem da leitura, área cortical superior da linguagem,
segundo Eccles 1985
A ASM, descoberta por Penfteld 1959, quando estimulada, não permite obter respostas localizadas como constam da área 4 do córtex motor, onde está representando
o homúnculo invertido Pelo contrário, segundo Eccles 1985, quando se estimula a ASM observa-se padrões de movimento associados a sons incoerentes, parecendo
evocar engramas complexos que envolvem uma atenção e uma concentração continua, algo que caracteriza as funções do lobo frontal (Luria 1965 e Damásio 1979).
As experiências de Rolland com xenon radiactivo para medir a circulação cerebral, relacionada com a precisão da actividade das células nervosas da
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ALGUNS FUNDAMENTOS PSICONEUROLÓGICOS E PSICOMOTORES DA DISLEXIA
ASM, provaram que ela está implicada na programação interna da sequência de movimentos, concluindo-se que os neurónios da ASM (de aquisição filogenética muito
recente e de mielinização lenta em termos ontogenéticos na criança, decorrendo, segundo Luria 1973, entre os seis e os nove anos), são os primeiros a ser activados
em tais situações. A intenção e a planificação desencadeiam na ASM, e apenas aí (Eccles 1985), a actividade necessária ao movimento voluntário, provando que
a ASM exige uma atenção constante para tais movimentos, ao contrário dos movimentos automáticos, que exigem um mínimo de atenção consciente. É fácil perceber
agora que a actividade eléctrica bilateral atípica registada por Duffy 1980 nas crianças disléxicas tem algo a ver com a ASM, e esta, como temos vindo a analisar,
é o subsistema principal da integração e da organização psicomotora. Kornhuber e colaboradores 1979, com um método diferente, com micropotenciais cerebrais registados
no couro cabeludo, conseguiram registar o potencial de disponibilidade na ASM, antes do início do movimento e com maior amplitude, confirmando que os movimentos
voluntários (psicomotricidade) têm a sua origem na ASM. Os doentes parkinsonianos, com grandes dificuldades em iniciar movimentos voluntários (acinésia), demonstram
enfraquecimento no potencial de disponibilidade da ASM, o que em si confirma por analogia até que ponto as crianças disléxicas estudadas por Duffy apresentam actividade
eléctrica atípica na ASM. É interessante focar que a acinésia parkinsoniana implica lesões na via que liga o córtex psicomotor aos gânglios da base (centros fundamentais
à regulação dos movimentos automáticos) e daí ao córtex motor através do tálamo, circuito neurológico estriatofugal (Eccles 1985), também imprescindível à harmonia
e à sequencialização dos movimentos intencionais, confirmando-se assim que a ASM é prioritária no desencadear do movimento intencional, primordial à organização
práxica e, de acordo com Duffy, primordial à leitura fluente.
Brinkman e Poner 1983, com experiências em primatas e com técnicas impossíveis de aplicar ao ser humano, demonstraram também que os neurónios da ASM começam
a emitir impulsos muito antes de as células piramidais do córtex motor emitirem para a medula.
A ASM é a única área receptora do cérebro que regista as intenções mentais ordenadas que permitem a sequencialização inerente à organização psicomotora.
Esta delimitação da planificação motora explica, em parte, o papel da ASM na organização práxica e na organização da linguagem e, consequentemente, na aprendizagem
da leitura.
Para aprender a ler, a criança necessita de integrar subsistemas psicomotores, combinando-os e organizando-os espaciotemporalmente, de onde emergem programas
de contracção-descontracção de músculos que materializam o movimento; a praxia fina da escrita de uma letra ou a emissão oral de uma palavra. Não é de estranhar,
portanto, que se registem fenómenos eléctricos atípicos na área supleméntar motora nas crianças disléxicas. A diversidade de programas motores é a chave da aprendizagem,
desde a oromotricidade da fala
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INSUCESSO ESCOlAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
ou do canto à macromotricidade do jogo ou dos desportos, da expressão poral (teatral e dramáúca), à micromotricidade da nossa escrita, da n expressão plástica,
musical ou laboral. O nosso potencial de aprendizag _ resultante de uma complexa integração harmoniosa, melódica e eumétriea movimentos elementares em movimentos
complexos (Eceles 1985), reflect génese das nossas competências, algo que tem necessariamente a ver eam integração psicomotora e com a ASM. Como afirma, de
novo, Eceles, a AS contém o inventário de todos os programas motores e conhece os locais a se deve dirigir para chamar e rechamar os dados, para os pôr em acç
fazendo desencadear um conjunto seleccionado de programas motores atrz do córtex associativo (onde estão integrados os subsistemas da noção do c e da estruturação
espaciotemporal) e dos gânglios da base (onde estão inte dos os subsistemas da lateralização e da integração tonicosensorial onde subsistema postural ocupa um lugar
crucial, como provam os casos patológi de assinergia e de ataxia).
A ASM, através de uma acção inter-hemisfériea (Luria 1966, 1973, B tein 1967), sabe ir aos locais de annazenamento dos programas mot activando circuitos
eomplexos e circuitos reverbativos integrados que es na base da otganização práxica inerente a qualquer processo complexo aprendizagem, como é o caso da leitura:
É possível reconhecer que a acti dade eléctrica atípica da ASM nas crianças disléxicas queira dar a noção uma desorganização cerebral intrínseca. Como provou
Penfield 1954, a AS tem também a sua influência na linguagem, daí não ser difícil aceitar os d avançados por Duffy com os registos da sua acúvidade eléctrica bilateral,
importante na sequencialização implícita à aprendizagem da leitura e à or nização práxica ou psicomotora.
Denckla 1985 avança também que a ASM tem a ver com a atenção v luntária, chegando mesmo a relacionar o seu conceito de dislexia-mais (dyslexia-plus)
com um déftee de atenção (attention deficit) e com outros termos que surgem associados à dislexia, eomo por exemplo: crianças hip ractivas, crianças eom lesões
cerebrais mtnimas (minimal brain damage, etc. , Hallahan e Cruickshank 1973).
É dentro deste contexto da dislexia-maisH que é importante ligar dados de Duffy com os de Eceles, Rolland, Kornhuber e tantos outros investigadores das
neurociências. Efectivamente, é raro surgirem crianças distó xieas puras, uma vez que a experiência clínica nos oferece, eom muita frequéncia, um quadro de
ndislexia-maisn que n6s designaríamos por adis= lexia-mais-dispraxia que naturalmente, terá de exeluir crianças com défiees motores no sentido da paralisia eerebral,
ou crianças com os clássicos ou tradicionais atrasos neurológicos, ou eventualmente crianças com outros défices sensoriais, intelectuais ou psiquiátricos.
O conceito original dislexia-mais-dispraxiaH que desejamos introduzv procura ilustcar a relação dos resultados obtidos pelos neurocienústas actnaa estudados.
São crianças que evidenciam uma impulsividade normal e u
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ALGUNS FUNDAMENTOS PSICONEUROLÓGICOS E PSICOMOTORES DA DISLEXIA
vigilância assistemática e desplanificada, mas funcional em termos sociais e escolares; trata-se de crianças que, para além de dificuldades de aprendizagem na
leitura, acusam problemas tonicoposturais (Kohen-Raz 1981), hesitações na lateralidade e na direccionalidade, dificuldades no reconhecimento do corpo e na imitação
de gestos, bem como problemas óbvios de orientação espacial e de reprodução rítmica, numa palavra, acusam um perfil dispráxico (Ajuriaguerra 1959, Bergés 1968,
Fonseca 1985, 1986).
Apesar de o termo dispraxia ser utilizado por neurologistas, pediatras, ortopedistas, psicólogos, psicomotricistas e professores de Educação Física,
etc. de formas muito diversas, com díspares implicações, com fundamentos teóricos diferenciados e com diferentes tipos de recomendações, que vão desde a aplicação
de psicofármacos a intervenções cirúrgicas, o termo, na nossa visão psiconeurológica e psicomotora, procura situar a dispraxia no campo das dificuldades psicomotoras,
consubstanciando uma descoordenação evolutiva não especifica. Como já algures avançámos (Fonseca 1986), como não podemos entrar no cérebro da criança dispráxica,
a forma que nos permite perceber que há qualquer coisa desorganizada no cérebro consiste em observar o seu comportamento. Em termos clínicos, a criança dispráxica
exibe por vezes uma distractibilidade característica, uma insegurança gravitacional, uma postura desintegrada em termos vesúbulares e proprioceptivos (Kohen-Raz
1981), ocasionalmente, frequentes difculdades de processar infonnações quer do espaço quer do tempo, dificuldades perceptivovisuais e, por inerência, dif, culdades
em sequencializar movimentos simples ou acções e coordenaÇões que envolvem uma componente praxicoconstrutiva. Denckla 1985 refere mesmo que, nas suas investigações
com estas crianças, os seus exames mulúdisciplinares apresentam défices de coordenação relacionados com as conexões vestibulares e mesmo até com disfunções cerebelosas,
independentemente de referir que estes termos induzem a muitas e diferentes interpretações.
Tal terminologia tende a pôr em causa as teorias da dislexia baseadas exclusivamente em défices vestibulares (Levison 1985), cerebelosos ou locomotores,
muitas delas responsáveis por implicarem intervenções psicofarmacológicas puras.
Benton e Pearl 1978 encontraram em crianças disléxicas movimentos da mão lentos e pobres ()inger taping, tamborilar, independência digital, etc. ) niúdamente
distintos dos das crianças não disléxicas. Em complemento, também identificaram problemas de coordenação oculomanual (cópia de desenhos tipo Bender Gestalt Tést
e outros), quer no processo de input perceptivo, quer no processo de ourput inerente à micromotricidade que envolve a cópia, embora estes autores tivessem reforçado
que o aspecto perceptivo do processo perceptivomotor não era o mais relevante do problema.
Vários estudos têm demonstrado que as crianças disléxicas (ou com dificuldades de aprendizagem) apresentam frequentemente dificuldades na cópia de figuras
e formas (Frostig e Maslow 1973, Fonseca 1982), quer na repro
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INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
= dução de ângulos, quer no completamento de figuras, embora por vezes, em
` ' termos de prática clínica, tais crianças desempenhem melhor, surpreendente mente, as figuras mais complexas, e tal é mais óbvio quando estudamos
lon gitudinalmente jovens disléxicos com idades superiores aos 11-12anos.
Porque não se dá importância a este problema da transferência visuomotora
e visuoespacial, obviamente inter-relacionado com problemas psicomotores
e grafomotores, muitos casos têm sido abusivamente diagnosticados como
problemas emocionais, quando uma identificação cuidada dos problemas
I do processamento da informação concomitante e modificabilizadora com
treinabilidade em vários componentes do processo podem permitir superar o
problema visuomotor, sem contudo se verificarem evoluções significativas na
leitura ou na escrita. A dificuldade de copiar nas idades primárias parece não
ter o mesmo significado, quando se estuda jovens que passaram a barreira
pubertal e se tornam exeelentes copiadores, apesar de manterem as mesmas
I
1
I
Figura 139 - Cópia da figura de Rey, em cima, caso de dislexia-mais- dispraxia.
Idades 8-3 e reprodução de memória da mesma figura (em baixo, caso com
dislexia pura - Idades - 9-8)
502
ALGUNS FUNDAMEMOS PSICONEUROLÓGICOS E PSICOMOTORES DA DISLEXIA
dificuldades no plano da linguagem escrita. O que se passa então? Será que haverá sistemas visuais transientes e completamente diferenciados quando os dados são
simbólicos ou não simbólicos?
Nafigura complexa de Rey, que aplicamos no nosso centro, temos observado que as crianças disléxicas em idade primária (oito-10 anos) têm com frequência
dificuldades, quer na cópia, quer na memória, embora por vezes esta última surja mais estruturada em configurações do que a primeira. Quase todos apresentam
dificuldades em reproduzir os detalhes internos e os elementos de articulação mútua e raramente apresentam uma estratégia sequencializada de reprodu ão primeiro
do esqueleto da figura, (rectângulo, duas diagonais e duas perpendiculares), e posteriormente dos detalhes externos e internos. A assistematização grafomotora
é frequentemente compatível com uma grande dificuldade em verbalizar (antecipadamente ou posteriormente) a sequência grafomotora que a figura complexa do autor suíço
reclama.
De acordo com Denckla 1985, quer no Bender, quer no Rey, temos observado uma preensão fina do lápis ou da caneta, quase sempre imprecisa e insegura;
a tríade não é estável, o indicador não coordena a estabilidade do polegar e do médio, e quase sempre os feed-backs visuais foneais (fonea) não se operam, para
já não falar na quase ausência que as crianças disléxicas apresentam da melodia cinestésica. Tremores, desincronizações, mioclonias, disquinésias e sincinésias,
etc. emergem nestas operações micromotoras com mais frequência.
A qualidade do traço, a implementação sequencializada, precisa e perfeita de ângulos, alinhamentos, detalhes, pormenores, localizações, relações,
orientações e projecções de dados espaciais são nitidamente mais flutuantes, e sincronizadas, descontroladas, impulsivas e desorganizadas. Na nossa experiência
clínica, temos detectado que a coordenação motora em termos de observação psicopedagógica não tem muito a ver com a coordenação motora em jogos ou actividades de
ar livre ou nas actividades desponivas. Nos disléxicos, pelo menos, temos dado por essa distinção. A micromotricidade, sistema mais complexo do que a macromotricidade,
tem, talvez, em termos de mecanismos cerebrais, outras exigências de controlo neurológico; daí a necessidade de as discriminar em termos de observação, uma vez
que, e isso é indiscutível, a micromotricidade está mais relacionada com as apropriações léxicas. Rolland 1984 vai ao ponto de diferenciar um campo frontal da
visão (frontal eye field) e Luria 1966 destaca a área 8 como adstrita à função de coordenação e sequencialização dos movimentos dos olhos, durante a fixação da
atençáo e durante a manipulação de objectos (e naturalmente, na realização de desenhos) que exigem controlo visual. Cenamente que estas áreas motoras bem delimitadas
por fluxos sanguíneos (Larsen er al. 1978 e Rolland e Friberg 1984) estão envolvidas e inter-relacionadas com a área suplementar motora (ASM); por isso, é relevante
o trabalho de Duffy, que detectou, nos disléxicos, uma actividade eléctrica ilustrativa de uma cena desorganização naquela região frontal.
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INSUCESSO ESCOlAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
I São conhecidas as capacidades espaciais de alguns disléxicos, muitos
deles com óptimas prestações desponivas, nomeadamente nos desponos
colectivos; todavia, as suas prestações no consultório parecem levantar outros
problemas nos vários subsistemas do analisador motor(Luria 1966), e cer tamente na sua escrita, que confirmam um conjunto (cluster) de problemas
visuomotores e visuoespaciais que põe em jogo novos subsistemas mais
complexos e hierarquizados. A coordenação motora para o professor de
i educação física ou para o treinador não tem cenamente a ver com a
coordenação motora que interessa ao psicopedagogo, ao psicólogo ou ao neu rologista. Há algo de disúnto que convém detectar em termos de observação
psicomotora, e não simplesmente em termos de proficiência motora.
Denckla, Rugel e Broman 1980, num estudo sobre orientação espacial
(map walking), descobrúam que as crianças disléxicas pré-pubenárias apre i sentavam grandes dificuldades em aansferir relações de espaço agido para
espaço representado e vice-versa.
Na nossa bateria psicomotora (Fonseca 1981, 1985e 1986), temos uma
tarefa de organização espacial que exige cálculo mental, e outra de repre sentação topográfica, onde as crianças disléxicas acusam dificuldades e
confusões posicionais e direccionais em termos de navegação espacial e da
:I sua transdução visuográfica da sala para uma planta, onde, uma vez mais, a
; sequencialização espaciotemporal está incorporada em termos de movimento
intencional. Interessante é focar, todavia, que os disléxicos adolescentes já
: não acusam tantas desorientações e dificuldades.
;;
;i Denckla e Rugel 1985apresentam uma explicação que entronca na nossa
I: linha de reflexão. Segundo estes autores, o analisador motor", que é depen; dente do hemisfério esquerdo e que é crucial para os movimentos sequenci"
ais
e detalhndos, encontra-se disfuncional na primeira década nas crianças dis léxicas.
; Há, para ambos os investigadores, um problema de imaturidade (maturation
; lag) no sistema, ou seja, o substracto neurológico, certamente interconectado
com a área suplementar motora (ASM), está ineficaz ou disfuncional até à
puberdade, podendo atingir um nível adequado por volta dessa fase, daí resul tando uma separação das dificuldades espaciais e visuopercepúvas, ao
mesmo
f
tempo que o analisador motor do hemisfério direito dá garanúa no âmbito das
Ii
organizações perceptivas e espaciais que o desporto e o design visual põem em
jogo. Parece verificar-se, de acordo com estes dados, que a maturação motora
;! dos disléxicos-dispráxicos é diferente nos dois hemisférios; só na puberdade os
I dois analisadores motores se coordenam; até lá, as suas cofunções vão traduzir! -se em problemas linguísticos.
As implicações psicomotoras da dislexia parecem mais claras à luz dos
:I dados que temos vindo a apresentar, o que em si traduz o enfoque central
deste nosso trabalho; daí a importância do estudo do perf il psicomotor da
criança disléxica, e daí a importância da terapia psicomotora como coad juvante da terapia da escrita, no apoio a estas crianças e a estes jovens.
504
ALGUNS FUNDAMENTOS PSICONEUROLÓGICOS E PSICOMOTORES DA DISLEXIA
Denckla e Rugel 1978, em investigações extremamente originais que estamos tentando aplicar na nossa prática clínica, criaram um conjunto de provas à base
de movimentos rápidos repetitivos e alternados (batimentos de calcanhar, batimentos alternados do calcanhar e da ponta do pé, batimentos das mãos, pronações e
supinações alternadas, oponibilidade repeútiva, alternada e sucessiva do polegar, e extensões da ponta da língua, etc. ), e aplicaram-nas a crianças normais
e crianças disléxicas. Durante a experiência, detectaram nas crianças disléxicas sincinésias nas mãos, quando moviam os pés, sincinésias contralaterais nas mãos
e nos dedos, e grande lentidão nos movimentos alternados dos pés, o que, segundo aqueles autores, confirmaria uma cena imaturidade cefalocaudal. A mesma experiência
revelou que tais crianças acusaram grandes dificuldades na sequência de movimentos, que surgiram frequentemente descoordenados e hipercontrolados, ao mesmo tempo
que evocaram diferenças significativas na velocidade entre a mão esquerda e a mão direita, demonstrando uma excessiva lentidão na mão esquerda quando os resultados
foram comparados.
Badian e Wolff 1977, numa experiência de batimentos rítimicos e alternados com metrónomo, verificaram que os disléxicos atingiram resultados mais fracos
com os batimentos alternados da mão esquerda, quando comparados com crianças normais, mas não apresentaram resultados inferiores quando só os batimentos da mão
direita ou da mão esquerda ou os bati mentos alternados da mão direita eram estudados. Os resultados eram inferiores na mão esquerda quando os batimentos eram relacionados
com um ritmo do metrónomo e com os batimentos alternados da mão direita. Face a estes dados, aqueles autores sugeriram que as crianças disléxicas apresentavam
um signifcativo atraso na coopera ão inter-hemisférica", o que não está dissociado da actividade registada por Duffy nem dos problemas de deslateralização (ambidextria)
já levantados por Orton 1937 e tantos outros, algo que obviamente interfere com a especialização hemisférica e que ocorre em muitas crianças que escrevem em espelho
e que apresentam problemas práxicos no ensino pré-pámário.
A lateralização cruzada (mão direita-olho esquerdo ou mão esquerda-olho direito), cenamente um problema controverso do diagnóstico psicopedagógico, provavelmente
devido à inadequada avaliação que se pratica tradicionalmente, coloca outros aspectos significativos entre a psicomotriciade e a aprendizagem da leitura.
Denckla I985 aponta para os 60%-70% de crianças disléxicas com mão direita-olho esquerdo em termos de láteralização, o que em si não pode ser interpretado
como cerebralização", ou seja, como demonstração periférica de como o cérébro organiza os engramas (somatogramas e opticogramas). A lateralização cruzada,
em si, não pode ser causadora de dificuldades na aprendizagem da leitura, mas parece ser um factor que requer mais um factor adicional de consciencialização no
processo inicial de aprendizagem da leitura. A lateralidade cruzada associada a vários problemas linguísticos pode
505
INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
ser um factor de risco, uma vez que cria mais problemas à criança; daí a importância da integração psicomotora na aprendizagem da leitura. O problema da lateralização
cruzada parece implicar competição de engramas e, portanto, problemas de organização inter-hemisférica (Quirós e Schrager 1975 e 1978), pondo uanalisadores motores
e sistemas oculomotores em dessincronização nas zonas anteriores do córtex (ASM). A dificuldade de processar informação parece advir da descoordenação entre
a actividade oculomotora controlada predominantemente pelo hemisfério direito, e o controlo motor, predominantemente localizado no hemisfério esquerdo.
Estudos de análise de computador de EEG (Sklar, Hanley e Simmon's 1973 e Leisman e colaboradores 1980) aplicados em crianças disléxicas mostraram menor
coerência funcional inter- hemisférica, algo que vem dar, mais uma vez, reforço à deficiente cooperação inter-hemisférica que ilustra o atraso neurológico nalgumas
crianças disléxicas.
A organização progressiva do cérebro, como órgão de aprendizagem e como órgão de comunicação, coloca a importância da especialização hemisférica na evolução
da espécie humana.
Sem esta especialização, o ser humano não se teria desenvolvido e organizado em termos simbólicos, e a criança não atingiria a capacidade da leitura fluente.
Uma vez mais, o cérebro tem de organizar primeiro as sensações e os movimentos, antes de organizar os símbolos; por isso, o hemisfério esquerdo, para funcionar
bem, tem de inibir o hemisfério direito, integrando as suas funções noutras de maior complexidade, como são as requeridas pela aprendizagem da leitura.
Hécaen e Ajuriaguerra 1964, Dimond 1973, Kimura 1961, Benton 1979 e Speny 1969 demonstraram que a perfeita organização do cérebro implica uma coordenação
inter-hemisférica, e essa coordenação inter-hemisférica é vital à aprendizagem da leitura.
Quirós e Schaager 1975 levantam a ideia de que a especialização hemisférica se desenvolve até ao ponto de o hemisfério direito ser responsável pela integração
postural e motora (não verbal e não simbólica), libertando o hemisfério esquerdo para assumir outras funções, nomeadamente as funções verbais e simbólicas nas
quais se inclui, necessariamente, a aprendizagem da leitura. A intercomunicação e a cooperação dos dois hemisférios coloca em actividade o sistema do corpo caloso,
substrato essencial à leitura, como vimos atrás. A transmissão posta em prática pelo corpo caloso (calosal transmission) é o ponto de partida para a criança ascender
às funções superiores de aprendizagem. O acesso à complexidade cognitiva impõe uma clareza e não uma confusão na relação entre os dois hemisférios, uma vez que
também aqui se aplicam os princípios de organização do cérebro: o da reduplicação e o da dominância hierárquica. O hemisfério esquerdo reduplica, representa o
hemisfério direito, e por isso submete-o à sua função superior. Quando estes princípios forem postos em causa, no exemplos de crianças ambidextras ou com lateralidade
cruzada, é possível que
506
ALGUNS FUNDAMENTOS PSICONEUROLÓGICOS E PSICOMOTORES DA DISLEXIA
a aprendizagem da escrita se torne um problema. Aprender a ler exige a especialização hemisférica e a maturação sistémica do hemisfério esquerdo.
O hemisfério esquerdo, para atingir a sua função, tem de inibir informação do hemisfério direito; só assim pode lidar com informação mais complexa, como
é o caso da leitura. Não é de estranhar que os disléxicos apresentem um hemisfério esquerdo ineficiente ou disfuncional (Rourke 1976 e Satz 1976) e que a actividade
eléctrica registada por Duffy nessas crianças seja um indicador relevante para demonstrar a intrínseca conexão das aquisições psicomotoras no processo da leitura.
Algumas implicações para a investigação futura
Porque é que é necessário encontrar o substrato neurológico da leitura? Muita gente tem tendência para afirmar que as anomalias do cérebro no disléxico levam
a um nihilismo terapêutico. A verdade, no entanto, pode ser outra.
1) A presença de alguma dificuldade que interfere com o desenvolvimento do sistema de leitura não deve levar à conclusão de que as medidas
educacionais são inúteis. Pelo contrário, está em causa a modificabilidade cognitiva;
2) Quando o sistema está intacto, só é necessária uma intervenção pedagógica mínima e, dessa forma, a leitura é adquirida facilmente;
3) As alternativas educacionais (métodos diferentes) colocam-se quando o sistema de leitura se encontra algo disfuncional. Aqui é necessário
saber jogar com o potencial do substrato remanescente, do qual podem, portanto, resultar estratégias diferentes das que são utilizadas para o ensino em massa.
Está em causa não só respeitar o perfil das necessidades educativas especiais, mas também valorizar o potencial neurobiológico e maturacional da arte, da música,
da micromotricidade e da psicomotricidade que garantem uma total autoestima à criança para superar as suas dificuldades;
4) A noção de que existe uma atipicidade neurológica eswtural que não pode ser alterada é inco recta. A história da medicina, da pedagogia
e da reabilitação mostram que, quando há que lidar com uma dificuldade ou disfunção, novas formas de tratamento e intervenção nascem, mesmo que o engenho humano
leve muito tempo a consegui-lo.
507
i 1
CAPÍTlILO 1 S
DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM
VERSUS INSUCESSO ESCOLAR
Vivemos num momento de inadaptação social que afecta adultos e crianças e especificamente a sua comunicação recíproca. A inadaptação, característiea da
sociedade de consumo, na época pós-industrial, reflecte-se na finalidade social da escola.
A expansão da democraúzação do ensino, entre nós, não sendo sinónimo de democratização sociocultural, vem adicionar mais problemas. A escola alimenta
a sociedade de consumo e a produção de técnicos especializados e, como consequência, a compeúção consútui o seu sistema básico de avaliação.
A escola perdeu a sua função sociocultural, para ocupar o lugar de fabricação de competências, o que tende a avolumar o problema. Esta verúgem de sucesso
alimentada por políúcos, pais e professores impõe-se à criança e à sua educação. O êxito eseolar prevalece como condição necessária a manter para bem de todos.
A eseola, na sua dimensão produúva, faz da criança a matéria-prima e do professor o instrumento de produção. Ambos, víúmas do sistema socioeducacional, estão
impedidos de edificarem uma cultura mediaúzada no verdadeiro sentido.
A escola está longe de atingir a sua função cultural quando os seus processos selectivos se baseiam em análises económicas ou em perFis de rentabilidade.
O pseudocontrolo que se faz da escola em todos os seus aspectos, excepto nos pedagógicos e nos científicos, tem sido o grande responsável em fazer do professor
um avaliador da inteligência" e da criança um homúnculo ameaçado.
A busca do sucesso escolar é uma condição do sistema social actual, é ela que reforça expeetativas e que justifica projectos e esperanças familiares. Podemos
mesmo garantir que o sueesso escolar é um meio de higiene mental a todos os níveis familiares e sociais.
Uma criança com insucesso escolar transpona um peso frustracional que se reflecte na famflia, no professor e no grupo dos seus companheiros. Este aspecto,
para além de ser impregnado de tendências antissociais que se verificam mais tarde, converteu-se num sentimento de autodesvalorização e autosubesúmação que urge
combater.
509
INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
I Porque é que as crianças falham escolarmente? Qual a consequência do insucesso escolar em termos do desenvolvimento da personalidade da criança?
O insucesso escolar é inato ou é produzido pela sociedade e pela escola? Ì A equação destes problemas é fácil; a sua resolução, porém, é maisjcomplicada
e levanta, consequentemente, problemas de formação cienúficopedagógica dos professores e de organização do sistema de ensino. Em termos sumários, o professor
deverá ter uma noção do desenvolvimento da criança, não só no que respeita à psicomotricidade (aquisições antigravíticas, consolidação da lateralidade, estruturação
da direccionalidade, integração do corpo, dissociação motora da mão e aquisições práxicas), mas também no que respeita à linguagem falada (discriminação, identificação,
completamento, sequencialização auditiva - funções receptivas - e voca- ' bulário, estrutura gramatical, memorização, formulação e articulação - funções expressivas),
e inicialmente no que respeita à cognição (funções de input, integração, elaboração e output).
Antes de iniciar o processo de aprendizagem da linguagem escrita, a criança deve ser portadora de uma diferenciada experiência multissensorial,
pois nela desenvolve as integridades e as associações visuomotoras, por um á lado, e as auditivoverbais, por outro, associações que ocorrem no sistema nervoso
e que são necessárias às aprendizagens escolares fundamentais. Num envolvimento sociofamiliar adequado e qualitativamente mediatizado, a criança desenvolve as
aptidões cognitivas que vão jogar um papel impres cindível na aprendizagem, mas num envolvimento sociofamiliar inadequado e frustre, com poucas mediatização e
interacção sociolinguística, é óbvio que as apúdões da criança não atingem a maturação exigida para superar as situações-problemas da escolaridade.
Muitas das aprendizagens adquirem-se por imitação e por simples interacção social (Bandura 1977); outras, porém, só se adquirem em situações eswturadas
que exigem a participação e a mediaúzação de um adulto cienúfica e culturalmente mais experimentado (Vygotsky 1962).
Será que todas as cnanças beneficiam do ambiente adequado antes de entrarem para a escola? Durante o período de aprendizagem escolar, estarão os
pais disponíveis para proporcionar os reforços emocionais e os momentos de mediaúzação necessários?
A etiologia das dificuldades escolares pode ser colocada em dois níveis: endógeno e exógeno. Nos aspectos endógenos, não podemos esquecer os factores
hereditários e a sua influência em termos de desenvolvimento. Nos aspectos exógenos, não podemos deixar de ter em conta a influência das oportunidades e das experiências
multissensoriais, para além das necessidades de segurança, afecto, interacção lúdica e linguística, responsabilização e independência pessoal. Estas necessidades,
em conjunto endoexógenas, determinam, por um lado, a maturação neurobiológica e neuropsicológica e, por outro, as progressivas aprendizagem e integração social,
variáveis cruciais para o desenvolvimento biopsicossocial da criança.
510
DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM VERSUS INSUCESSO ESCOlAR
Só perspectivando estes aspectos podemos formular uma ampla prevenção das dificuldades escolares. A instituição escolar não pode continuar ao sabor das
boas intenções e do imobilismo empírico e acientífico, nem muito menos ao sabor de desenhadores de currículos" que nunca intervieram no real educativo. A educação
é fundamentalmente uma verdadeira e mútua descobena entre o adulto e a criança. A escola, e principalmente os seus agentes (os professores), não podem continuar
alheios aos estudos da neurologia do desenvolvimento, da psicologia da aprendizagem e da sociologia da mediaú zação. Só tendo um conhecimento global da criança
a podemos educar, não arbitrariamente, mas de acordo com as suas necessidades específicas. A escola não pode pôr o programa ou os métodos à frente da criança.
A finalidade da escola é proporcionar a todas as crianças sem distinção, de acordo com os seus biorritmos, o desenvolvimento máximo do seu potencial e o prazer
da cultura adquirida pela experiência social das gerações antecedentes.
A identificação precoce de crianças vulneráveis" ou em risco, é capaz de ser menos dispendiosa do que ter no fim da escolaridade primária uma percentagem
de repetições que aumenta, entre nós, de ano para ano. Não combatendo a inércia pedagógica das nossas escolas, provavelmente as inadaptações sociais multiplicam-se
e, no futuro, podenios ser responsáveis por muitas neuroses.
O papel do diagnósúco precoce justifica-se no princípio da aprendizagem, e não no fim. A psicologia escolar, ou a psicopedagogia, não pode continuar
a ser uum hospital no f, m das auto-estradas, A psicologia, como a medicina têm de edificar uma perspectiva preventiva e profiláctica das dificuldades escolares.
É no princípio da escolarização, e não no fm, que se deve optimizar o potencial de aprendizagem das crianças.
Os políticos da educação que decidem não podem continuar amblíopes da pedagogia científica. A pedagogia não é um problema banal e superficial que todo o
mundo domina. Os políticos da educação têm de se envolver com especialistas, consultá-los e estimulá-los cientificamente, a fim de lançar medidas que impeçam
a epidemia assustadora das dificuldades escolares.
A escola não pode perpetuar as diferenças sociais nem legiúmar os grandes desníveis de aptidão que as crianças apresentam no início da aprendizagem.
Qual a opção? Pensar nas dificuldades escolares em termos de percentagem de repetições, ou pensar em programas preventivos que promovam os P Q g
ré-re uisitos ca Prova1 luz dos dados mais recentes da investigação psicopedagógi ve mente, se as dificuldades escolares forem encaradas na óptica da prevenção,
muito se pode economizar, quer em potencial humano, quer em dinheiro.
Não estará no insucesso escolar a razão de ser dos problemas de delinquência, desemprego, sociopatia, etc... ?
Vale a pena apoiar a atitude de prevenção ou vamos continuar a fazer da
escola uma central de psicoses?
511
INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
Segundo várias investigações, IS% das crianças precisam de apoio no início da escolaridade. Se tal intervenção tardar, a percentagem duplicará e o insucesso
escolar será a tendência normal. Como vamos resolver isto? Com a educação pré-escolar?
A escola deve continuar a hiperselectividade social logo a partir dos seis anos? Onde está a função de utilidade pública da escola? Que sociedade se pode
construir quando a escola põe de lado as necessidades da criança e as necessidades de uma sociedade mais justa e solidária?
A identificação precoce de crianças e a institucionalização do ensino materno-infantil e pré-primário podem, desde que bem orientados cientificamente,
detectar dificuldades ultrapassáveis por metodologias pedagógicas adequadas. Não basta um puro diagnóstico psicométrico ou quantificador, nem basta alimentar o
conformismo do inatismo hereditário do potencial inteleetual. Não é só um diagnóstico rigoroso e estatiscamente válido que interessa. A identificação pedagógica
do potencial de aprendizagem é a condição fundamental para proporcionar uma educação em conformidade com as necessidades peculiares e originais de cada criança.
A reeducação" em centros especializados e privados é um processo a que só alguns ascendem. Em resumo, a prevenção é a medida mais económica e mais ajustada.
A escola não se pode limitar, com a sua metodologia, a preparar os rnais ? dotados e a segregar os menos dotados. Temos de evitar, a todo o custo, este
racismo sociocultural (simbólico) subtil. A escola cria, sim, problemas mentais e emocionais aos menos dotados, exactamente aqueles que deviam ser compensa :
dos pelas drásticas condições sociais da sua evolução psicobiológica pré-escolar.
A escola não pode continuar a ser selectiva. A sua função é garantir um : apoio inestimável a todas as crianças sem exclusão, ou seja, a todos os futuros
cidadãos.
O falhanço escolar é uma condição de stress emocional. Afecta a criança, afecta a familia e afecta a escola. Mais: o insucesso escolar é sinónimo de insucesso
social. Sem as aquisições escolares, o indivíduo fica impedido de participar eficientemente no progresso da sociedade.
Só estimulando a investigação psicopedagógica e apoiando projectos de formação universitária de todos os professores se poderá responder a este perigo.
Os nossos políticos precisam de ser informados dos perigos do insucesso escolar, que podem pôr em causa todos os projectos colectivos. Um povo analfabeto não constrói
nada colectivamente, só o egocentrismo e o narcisismo o movem num sentido alienado. Um povo culto e alfabetizado é sempre livre e solidário, e só neste sentido
podem ser justificados todos os investimentos económicos possíveis.
A delinquência não pode continuar a ser porta de saída do insucesso escolar. As explicações domiciliárias ou as clínicas de luxo só chegam para os mais
favorecidos. O insucesso escolar não deve ser o comportamento de sobrevivência ou de refúgio de inúmeras crianças que, sendo inteligentes, se encontram profundamente
desmotivadas pelo que a escola oferece e proporciona.
512
DIFICULDADES DE APRENfll7 AGEM VERSUS lNSUCESSO ESCOlAR
De uma vez para sempre, a escola tem de compreender e reconhecer que 15% das crianças não podem aprender pelos métodos tradicionais. Não nos parece justo
que cerca de 15% das crianças sejam marginalizadas porque não aprendem pelo método, ou ao ritmo, imposto pelos professores ou pelos currícuios. Quantas crianças
consideradas maus alunos>> e urepetentes em Portugal, mas com potenciais intelectuais adequados, se perderam e se conúnuarão a perder?
O insucesso escolar é a explicação de uma sociedade iletrada. A percentagem do analfabetismo funcional é problemáúca e ameaçadora. O número de analfabetos
que chegam ao serviço militar já foi alguma vez apurado? A que tipo de desenvolvimento económico podemos aspirar com tão elevada percentagem de indivíduos que não
sabem ler nem escrever?
Que fazer?
Não pretendendo avançar com soluções definiúvas, parece-me que teremos de começar pela formação universitária dos professores pri nááos. Quem tem medo
de professores primários cultos, dinâmicos e insatisfeitos com a realidade cultural ponuguesa?
É evidente que tal formação não pode continuar nas mãos de uma universidade passiva e conformista, centrada em professores desactualizados normalmente
sem experiência pedagógica concreta e profunda com crianças. Na formação, os processos magistrais devem dar lugar a experiências de campo e a uma maior interacção
entre os vários intervenientes do processo, bem como dar acesso à utilização de meios audiovisuais e de materiais pedagógicos adequados. Também aqui, a formação
científica interdisciplinar deve ocupar um lugar prioritário. O professor não pode continuar a desconhecer que a aprendizagem da criança se opera no seu sistema
nervoso, segundo conexões interiorizadas de estímulos e de respostas envolvidas numa dialéctica e numa socialização progressivas.
Será que, por paternalismo, não vemos estes problemas? Se a toda a hora se põe em causa a formação universitária de médicos, engenheiros e advogados,
porque não pôr em causa a dos professores? Temos de reconhecer que muitas crianças faiham porque têm medo e se encontram confundidas. Têm medo de falhar ou de desapontar
os mais velhos, muitas vezes com expectativas utópicas e ultra-ambiciosas. Estão confundidas, porque aquilo que lhes pedem na escola não as motiva nem lhes permite
desenvolver a sua inteligência e os seus talentos.
O insucesso escolar é corolário de muitos problemas que têm por denominador comum a não-satisfação das necessidades reais da criança.
A aprendizagem é, por natureza, uma situação que desestabiliza emocionalmente as crianças. Se o professor não tiver em conta este aspecto, é evidente
que as situações escolares serão vividas numa tensão tal que jamais proporcionarão as reláções interiorizadas (recepúvas, integraúvas e expressivas) características
do processo da aprendizagem humana.
513
INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
A aprendizagem tem de ter o necessário ingrediente lúdico e emocional,
base de todo o sucesso e de toda a gratiflcação cultural. É essencial que se
reconheça que o sucesso não é a condição acrítica da aprendizagem.
O sucesso implica a superação de um obstáculo. Nele está contida a base
da motivação da aprendizagem. As situações demasiado fáceis ou difíceis
' são trampolins para o desinteresse e para a distracção. Conduzir o processo
', de aprendizagem numa criança em desenvolvimento não é fácil nem é sim' ples. A intervenção pedagógica é um misto de relação e de competência
científica.
0insucesso escolar não é só uma falha da criança; é muitas vezes uma
; falha do professor. Quer dizer, quando estamos perante uma dislexia ou uma
discalculia, é preciso imediatamente equacionar uma dispedagogia.
_ A dispedagogia reflecte fundamentalmente um mau ensino, sem funda; mento, sem planificação e sistematização e sem individualização. Se em
medicina o domínio da etiologia é o êxito do tratamento, porque não adoptar
esta perspectiva na educação? Será que a pedagogia se vai manter eterna mente empírica? Para quando a necessidade de observações sistemáticas do
comportamento da criança? Como é que o professor se deve aperceber das
aquisições da criança? Saberá o professor ou o psicólogo detectar as aqui sições receptivas e expressivas que a criança utiliza e por meio das quais
comunica e aprende?
As investigações conduzidas neste domínio (Austin 1963, Hams 1968,
Tanneubaum e Cohen 1967) chegam à conclusão de que a diferença entre
duas classes que utilizam o mesmo método está no professor. A variável
uprofessor" é mais potente do que a variável método" quanto à obtenção
de bons resultados escolares. Para já, aquelas investigações acima referidas
avançam com as seguintes conclusões:
I) Os professores que obtêm melhores resultados são os que proporcionam às crianças um ensino individualizado e adequado às suas necessidades;
2) Os resultados escolares tendem a melhorar se os métodos não forem expositivos mas participando ao nível de interacções: professor-grande
grupo; professor-pequeno grupo; criança-professor; criança-pequeno grupo; criança- grande grupo;
3) A criança tende a melhorar as suas funções receptivas auditivas, visuais e quinestésicas se se utilizar processos hierarquizados, sistemáticos
e intensivos de aprendizagem;
4) O professor não deve utilizar apenas a palavra como media, deve fazerrecurso a projectores, gravadores, jogos, fichas de trabalho e deverá
igualmente adoptar várias estratégias educacionais: quebra-cabeças, materiais de composição e de construção, exploração de materiais de ', aprendizagem,
cartões e fichas coloridos, quadros magnéticos, lotos e dominós simbólicos, blocos lógicos e discriminativos, etc...
I 514
í
DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM VERSUS INSUCESSO ESCOIAR
Aprender na escola e na vida encerra uma oposição básica de sucesso e insucesso que deve ser enfrentada em termos de atitude. A condição de errar é a condição
de ser humano, possuir e usar um cérebro. A criança não pode ser sistematicamente um falhado crónico". O insucesso deve ser equacionado em termos construtivos
e não em termos humilhantes. Uma escola que humilha é uma escola que se humilha.
Nenhuma criança gosta que lhe chamem estúpida (assim como nenhum adulto gosta que lhe chamem incompetente"). A escola não pode continuar a insultar
potencialidades e tendências. A criança deve experimentar o erro sem interiorizar o sentimento de incompetência que está implícito no poder coercivo de uma aprendizagem
repressiva.
A escola tem de ter novos professores, novos materiais, novas metodologias, para ter no futuro novos cidadãos aptos a construir uma sociedade mais justa,
culta e humanizada.
O insucesso escolar não se compadece nem com análises sociopedagogizantes nem biopsicologizantes. O professor não pode continuar a ignorar factores neurobiológicos
e psicoemocionais do desenvolvimento da criança. Dominar métodos sem saber o que se passa, de facto, no cérebro da criança, não é suficiente. A prática por
si só não é aprendizagem. A aprendizagem é significativa, e esse privilégio dá-se no sistema nervoso central da criança.
É nesta aspiração científica e transformacional que podemos entender o combate ao insucesso escolar. O professor deve, ele próprio, desenvolver meios
de identiflcação, observação e avaliação pedagógica, ao mesmo tempo que tem de lançar mão a um grande repertório de materiais e de métodos de aprendizagem. Um
só método, um só processo de aprendizagem não bastam: há que contar com os estilos de aprendizagem que variam de criança para criança.
O nosso ponto de vista é que a criança normal não nasce com dificuldades escolares - ela é transformada numa criança com problemas. A sociedade, a famflia
e a escola têm, em primeiro lugar, responsabilidade no processo.
O insucesso escolar da criança é, antes do mais, um insucesso social. A transformação desta realidade não pode dar- se na criança. Cabe ao adulto resolver
os problemas, quer nos aspectos politicoeducacionais, quer nos aspectos cientificopedagógicos. Só considerando estes aspectos numa visão dialéctica se poderá
no futuro reduzir o número assustador de crianças que tendem para o insucesso na vida.
Não vale a pena constatar o insucesso escolar e sublinhar o conformismo que lhe é inerente. E preciso partir para planos preventivos e profilácticos.
515
INSUCESSO ESCOIAR - ABORDAGEM PSICOPEDAG lGICA
1) IE e DA; conceitos independentes (não tcm nada em comum)
: IE
, .
;a a a,
2) Integração entre IE e DA. (Algumas crianças com DA não têm IE e algumas
crianças com IE não acusam DA mas algumas têm DA e acusam IE. )
s :
IE a
. . r '
3) O IE é uma subcategoria das DA. (Todas as crianças com IE t m DA, mas nem
todas as crianças com DA têm IE. )
4) As DA são uma subcategoria do IE. (Todas as crianças com DA têm IE, mas
nem todas as crianças com IE são crianças com DA. )
IE
Figura 140 - Possíveis relações entre insucesso escolar (IE) e dificuldades
de aprendizgem (DA).
516
DIFICULDADES DE APRENDIÍAGEM VERSUS lNSUCESSO ESCOIAR
Como planos preventivos, indicamos algumas reflexões que, naturalmente, incluem breves análises aos factores sociais, escolares, psicológicos e pedagógieos
que envolvem a problemáúca do insucesso escolar.
Quanto aosfactores sociais, não podemos subestimar a relatividade cWturat do problema, o tipo de envolvimento socioeconómico e sociocultura! e, basicamente,
as aútudes dos pais. O interesse e o encorajamento, bem como o grau de esúmulação e de interacção linguística, jogam um papel determinante no ajustamento social
da criança e nos seus resultados escolares. Nenhuma criança é imune a um envolvimento social desintegrado e a um envolvimento culturat fnistre. A prevenção, aqui,
inclui acções de esclarecimento, aconselhamento dos pais e maior integração e pa ticipação destes na vida da escola
Os factores escolares eomprornetem a formação científica dos profess res e a eonsolidação das aútudes pessimistas tradicionais. O professor, por natureza,
não se pode compadeeer com a iiremediabilidade dos problemas. A necessidade de uma compreensão do desenvolvimento da criança quanto às suas aquisições visuomotoras
e auditivoverbais, às suas disfunções cogniúvas, às suas moúvações e oscilações emocionais, às suas tendências e aos seus comportamentos é fundamental. Os
alunos > não podem ser vistos como sem hipóteses, ucondenados, arrumados" ou Hlimitados (um novo rótulo ainda pior do que os estigmas do QI ou das Hdis").
É neeessário que o professor aplique cuidadosamente o reforço socia! e o fortalecimento dos factores da personalidade, mantendo vigilantes os níveis de moúvação
e curiosidade, caso contrário a fobia à cultura é inevitável. Por outco lado, as estruturas admimstrativas não devem eamuflar o problema, mas atacá-lo com medidas
realistas e pedagógicas. O professor não perde a sua competência prof, ssional por não resolver os casos-problemas. E necessário que as esc las se apercebam desta
necessidade que implica, obviamente, a acção dos psicólogos escolares, que tardam em aparecer em Portugat. A esco1a não pode continuar a segregar 15 o da sua
população. É necessário que se crie centros de reeursos pedagógicos (CRP) para estas crianças, com professores especializados, a fim de se diagnosúcar e superar
os problemas de aprendizagem. O estudo de casos nas reuniões de conselho pedagógico deve ser prioritário às avaliações puramente numéricas que se faz nas escolas.
O conselho pedagbgico das escolas deve proporcionar condições adequadas, provendo as escolas com materiais e estratégias adequados. O psicólogo escolar, que se
justifica em termos primários e seeundários, assim como os serviços médicos, devem ser solicitados e eonsultados para reuniões pedagógicas em que se decida acçe
orientações metodológicas que saúsfaçam as potencialidades básicas das crianças. As uturmas de repetentes, tão características das nossas escolas, são mais um
nicho que avoluma os problemas. Este erro metodológico é ainda acrescido, dado que por tradição e por segregação lamentáveis, as turmas dos piores alunos,
são distribuídas aos professores mais imaturos e menos experientes. A escola tem de definir
51?
INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
objectivos curriculares, métodos educacionais alternativos e operar trans= formações na organização pedagógica, através da criação de módulos horários que facilitem
acções e recursos e intervenções pedagógicas a tem parcial. Noutra dimensão, a escola tem de criar não as tradicionais provas da admissão, mas sim modelos de
identificação de problemas de aprendizagen consoante o nível de escolarização e com base nos curriculos. Talvez assi. seja possível aplicar estratégias educacionais
preventivas. :
Os factores psicológicos têm de ser instituídos ao nível da escola. Trata
-se de uma opção que os políticos da educação têm de realizar. O psicólog escolar é necessário para acções de identificação, observação e orientaçã pedagógica.
A identificação deverá respeitar as crianças que iniciam a esco: laridade e as crianças urepetentes". A identificação, ao contrário dos testes;= não pode perder
de vista a situação objectiva de aprendizagem nem deve correr o risco das predicções abusivas. Em desenvolvimento humano, nunca podemos assumir uma predicção ou
uma infalibilidade rigorosas, na medida em que a imprevisibilidade e modificalibilidade do comportamento humano são por natureza condições de maturação do SNC
que, nos primeiros anos;: se encontra mais plástico e disponível para novas conexões neuronais que vão justificar a aprendizagem.
A identificação precoce permite a recolha de informação que pode alertar os professores para uma acção preventiva e pedagógica de acordo com as necessidades
das crianças. Ao contrário do teste, em que a relação observador-observado muitas vezes não equaciona a interacção entre ambos, a identificação tem em vista o
perfil das capacidades intraindividuais (dentro do próprio indivíduo) de grande interesse para a intervenção pedagógica consequente.
Por último, os factores pedagógicos vêm demonstrar o grande interesse da observação sistemática dos professores. O professor é a pessoa que mais oportunidades
tem para observar o comportamento do aluno, não só na situação de aprendizagem, mas também na sua evolução objectiva. Os professores têm de dominar modelos de
observação sistemática, dinâznica, individualizada e colectiva, bem como os problemas na linguagem falada, na linguagem escrita e na linguagem quantitativa.
Trata-se de garantir uma formação dinâmica que tem por base um espírito científico e um meio de controlo da realidade da sala de aula.
A listagem dos comportamentos apropriados às situações de aprendiza= gem (check-lists) é fundamental para conduzir as sessões de grandes grupos ou de pequenos
grupos.
O professor deve estar apto a captar científica e pedagogicamente as características do comportamento de aprendizagem das crianças. Várias escalas de identificação
de dificuldades de aprendizagem (EIPA) (Figura 103) devem ser desenvolvidas, contendo os seguintes aspectos do comportamento:
1) Compreensão auditiva (segue instruções, retém pequenas histórias e rimas, percebe a significação de palavras e frases, etc. );
518
DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM VERSUS INSUCESSO ESCOLAR
2) Linguagem falada (vocabulário, estrutura gramatical, formulação de ideias, contar histórias, etc. );
3) Orientação espacial (percepção figura-fundo, constância da forma, posição e relação de espaço, controlo visuomotor, cópia de grafismos
e de figuras geométricas, etc. );
4) Psicomotricidade (equil'brio do corpo, imitação de gestos, estruturação rítmica, coordenação oculomanual e oculopedal, etc. );
5) Comportamento social e emocional (cooperação, atenção, responsabilidade, integração no grupo, completamento de tarefas, discernimento,
compreensão de situações novas, etc. ).
Dominando escalas de comportamento, sem qualquer processo sofisticado de controlo, o professor pode acompanhar a aprendizagem da criança, ao mesmo tempo
que selecciona, mais eficientemente, estratégias educacionais.
A acção do professor isolado é insuficiente; daí a urgente participação da escola como um todo. A escola deve proporcionar condições adequadas de aprendizagem
aos menos dotados, evitando problemas emocionais e problemas de comportamento. Inúmeras crianças esperam por uma atenção especial, e essa deve ser garantida não
fora da escola, mas sim no seu interior.
A escola deve poder contar com professores e consultores especializados nos domínios da leitura, da ortografia e do cálculo e, ao mesmo tempo, de psicólogos
com formação educacional específica. Esta medida parece-nos urgente, sem no entanto privar o professor de uma preparação psicológica mais profunda e dinâmica.
A identificação e a observação devem pertencer ao professor, de modo a permitir um mais amplo entendimento do desenvolvimento académico e social do aluno.
Paralelamente, deve pertencer ao professor a responsabilidade no planeamento cumcular, dando mais flexibilidade aos currículos de ensino, que inúmeras vezes não
tomam em conta o grau de assimilação e de integração (perfil das funções cognitivas) das crianças em situação escolar.
Temos de compreender que muito do insucesso escolar das crianças é apenas espelho do insucesso social e pedagógico que não permite responder às suas necessidades.
519
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caPírcrto 16
(IN)CONCLUSÕES
Neste modesto livro de introdução às dificuldades de aprendizagem (DA) não foi possível, nem seria possível, cobrir todos os aspectos que afectam os grocessos
da aprendizagem humana. Apenas nos preocupou apresentar um conjunto de dados que consideramos relevantes, para tentar lançar outras preocupações, perspectivas
e soluções de carácter científico- pedagógico, num domínio tão controverso e disputado.
As DA já não são uma excepção do sistema educacional. O insucesso da criança, rotulado de dislexia é também o resultado de outros insucessos: sociais,
políticos, culturais, educacionais, pedagógicos, etc. O abuso do poder ( saben ) de considerar as DA um problema estritamente da criança deve ceder lugar
a outra atitude, bem mais real e concreta, ou seja, considerar as DA um reflexo das dificuldades de ensino (dispedagogia).
A aprendizagem humana é um processo interactivo, onde, portanto, várias componentes se inter-relacionam - genéticas, neurológicás, psicológicas, educacionais,
sociais, etc. Não basta, pois, encarar variáveis genéticas ou biológicas, ignorando variáveis soeiais e educacionais, ou vice-versa.
Efectivamente, enquanto muitas patologias não deixam espaço à intervenção, considerada inútil ou improfícua, por outro lado as etiologias neurofisiológicas
(lesões mínimas no eérebro) mostram que a intervenção é positiva se oeorrer precocemente.
Em contrapartida, admitir que a pobreza (tipo de envolvimento sociofamiliar, nível socioeconómico, etc. ), durante os primeiros momentos do desenvolvimento,
pode levar à reduçãó do potencial de aprendizagem, faz pensar que a intervenção só dá resultado quando ocorre muito cedo. Nestas duas perspectivas, sempre problemáticas,
defende-se a irreversibilidade da deficiência mental e das DA, com a qual não nos compatibilizamos, pois acreditamos na modificabilidade cognitiva.
Condições genéticas, neurofisiológicas e envolvimentais adversas podem ser modiflcadas num estádio de desenvolvimento relativamente adiantado
521
INSUCESSO ESCOIAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
(Feuerstein 1985); por outro lado, sabe-se hoje que quanto pior é a história
i social, melhor é o prognóstico para a mudança (Clark e Clark 1976).
i Com Feuerstein 1975, consideramos o organismo humano um sistema
aberto e a inteligência" um processo auto-regulado, e não fixo ou imutável.
A abordagem sociologicopsiquiátrica, embora de inestimável importância,
Í é, por vezes, encantatória. Encantatória, na medida em que assume que as
I DA são mais um reflexo de problemas emocionais e pessoais; de problemas
t familiares; de problemas de classe social; da pobreza; da discriminação
Í cultural; da privação linguística, etc. É conveniente equacionar que, inde pendentemente das condições envolvimentais serem adversas para muitas
crianças, principalmente as mais desfavorecidas, há ainda factores inerentes
à sua estrutura cognitiva e ao próprio sistema educacional que não só cau sam muitos problemas de aprendizagem, como acentuam e complicam os
problemas que as crianças já trazem para a escola.
Independentemente das extraordinárias contribuições da psicanálise, do
behaviorismo" e da psicometria, não restam dúvidas de que estas correntes
pouca importância deram, em termos de aprendizagem, ao maior atributo
humano, isto é, a capacidade para pensar, ou seja, a cognição.
A cogni ão, é quanto a nós, o ponto fulcral da aprendizagem, não obs tante aquelas correntes de pensamento não terem aprofundado os seus estudo
e desenvolvimento.
A psicanálise mantém-se no plano de considerar que o comportamento,
e como tal a aprendizagem, são largamente dependentes de factores não inte lectuais (inconscientes e emocionais) que determinam a cognição. A sua
influência, determinante no âmbito da educação pré-primária e primária, pôs
acento tónico nos factores emocionais e na sua modificabilidade, à custa,
quanto a nós, do esvaziamento e da irrelevância dos factores cognitivos, não
reconhecendo aqui, inexplicavelmente, a sua modificabilidade. Em vez de
estabelecer um balanço, a psicanálise não reconheceu que as dificuldades
cognitivas e emocionais podem produzir problemas concomitantes em cada
uma delas.
0 behaviorismo", emergindo como reacção anti-introspectiva à psica; nálise, acabou por cair nos princípios da associação, com estímulos e respostas
observáveis vistos como únicas fontes de informação. Também aqui se impe diu o avanço das estruturas cognitivas, equacionadas como ficções científicas
inacessíveis, como assegura de novo Feuerstein 1975. Foi possível, então,
atingir a aprendizagem programada, as máquinas de ensino, etc. , mas inexi plicavelmente pouca atenção se deu às operações cognitivas.
Por último, a psicometria levou a ver a criança na base de testes, pondo
enfoque e ênfase na predicção aritmética. Independentemente dos inegáveis
( avanços estatísticos, o QI foi criado para medir a inteligência, considerando[ -a estável e constante, o que é quanto a nós, demasiado restritivo
e limita tivo, na medida em que se trata de uma faculdade humana intrinsecamente
modificável.
522
(IN)CONCLUSÕES
O QI centrado na medição de produtos (nível de realização demonstrado em testes) não diz nada sobre os processos que estão por detrás da realização verbal
ou não verbal. Dá indicações do que foi aprendido no passado em termos de conteúdo, mas não fornece dados sobre como se dá a aprendizagem e onde é que o educando
tem, ou não tem, em termos de estrutura, potencial para desenvolver a capacidade de aprendizagem. Porque a inteligência é medida, supõe-se que ela seja fixa
e imutável, caindo abusivamente na ideia de que ela é largamente dependente do potencial genético e dos limites hereditários e, portanto, inacessível à sua modificabilidade.
Tese esta defendida por Jensen 1972 e outros.
O QI, porque tem sido visto como a melhor medida de avaliação e predicção da educabilidade e da treinabilidade da inteligência, tem determinado quase todo
o sistema educacional e vocacional, independentemente do paradoxo de ainda hoje não se compreender e saber, profunda e efectivamente, o que é que o QI mede e
qual a sua relatividade clínica ou pedagógica.
A cognição não é estática nem quantitativa; aqui Piaget surgiu como alternativa magnífica, pois demonstrou que a essência da inteligênica não é explicada
pela sua medição como produto, mas sim pela construção activa operada pelo próprio indivíduo. Piaget explicou que a inteligência não é deterxninada à nascença,
nem é determinada pelo estatismo e a esterilidade do QI; daí os novos desafios que colocou à educação moderna.
A infalibilidade do QI, a sua perfectibilidade e a sua significação social, têm de ser questionados, pois como predictor do sucesso escolar, e concomitantemente
do sucesso social e económico, consubstancia a lógica da segregação das DA e, mais claramente, da deficiência mental. O QI não apresenta recomendações claras
para a instrução posterior, nem mergulha no potencial de aprendizagem do educando.
Há cada vez mais necessidade de investigar o papel mediatizador do sistema educacional nas proporções epidémicas das DA. Efectivamente, cada vez mais crianças
são segregadas e falham na escola, não obstante a melhoria relativa das condições sociais. A intensa pressão social e familiar sobre o sucesso escolar põe em questão
a finalidade da educação e a higiene mental dos homens de amanhã, na medida em que as crianças com DA são normais" intelectualmente, sensorialmente, motoramente
e emocionalmente.
As DA aumentam na presença de escolas superlotadas e mal equipadas, carenciadas de materiais didácticos inovadores, para além de frequentemente contarem
com muitos professores derrotados" e desmotivados, onde não pode ser esquecida a excessiva percentagem de professoras, a que corresponde, corr lativamente,
maior percentagem de insucesso escolar nos rapazes, em comparação com as raparigas.
Já nãó se pode esquecer que a formação de grupos escolares (as tradicionais turmas) na primeira fase de aprendizagem deve tomar em linha de conta que as
raparigas se desenvolvem muito mais depressa. Os rapazes têm mais taxas metabólicas do que as raparigas, por isso são mais activos e mais
523
INSUCESSO ESCOIAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
distrácteis. A motricidade fina e a linguagem nas raparigas são superiores às
dos rapazes e isso é determinante na leitura e na eserita, como se sabe. Há
ii mais rapazes com problemas cerebrais do que raparigas, assim como um
!; maior número de predisposições alérgicas nos rapazes. Enfim, a investiga
ção neste campo demonstra claramente que se verificam diferençam
neuropsicológicas significaúvas entre rapazes e raparigas e este ponto deve
! 5er levado em conta no âmbito da organização educacional no que respeita
aos educandos com baixo rendimento.
A filosofia educacional actual é pouco envolvente, optimista e relevante,
abusivamente esvasiada da prática reflexiva e criativa. O pensar, que é o dom
mais importante do nosso cérebro, raramente é explorado na escola, que deve ria ser exactamente o local privilegiado para pensar no pensar e no aprender
a
aprender.
t 0insucesso na escola é, de certa forma, a antevisão da desorganização
5ocial. Se se falha em qualquer estádio da escolaridade (primária, secundária,
etc. ), as hipóteses de sucesso na vida ficam amplamente diminuídas. O insu1 eesso é, na nossa sociedade, uma profecia, uma exclusão e um esúgma mui
tas vezes irreversível; por isso, torna-se urgente acabar definitivamente com
ele. Uma sociedade livre e justa tem a responsabilidade de fomecer aos futu ros cidadãos um sistema escolar onde o sucesso não seja só possível,
como
; provável.
` A descontrolada produção do insueesso escolar e das DA não é um pro; 6lema meramente educacional. Trata-se de um problema social, cultural e até
económico. Com o insucesso escolar justificam-se posteriormente mais coni flitos e exclusões sociais, mais prisões e mais hospitais psiquiátricos,
etc.
A criança com DA corre o risco de se tornar num adulto desajeitado, des motivado, desempregado, rebelde, apáúco, marginalizado, não identificado,
etc. , independentemente de no seu seio emergirem valores eomo: Einstein (só
1 aos quatro anos começa a falar e só aos sete inicia os passos na leitura);
? Newton (considerado um aluno de fracos recursos); Beethoven (o seu pro fessor de música chegou a dizer que, como compositor, não únha hipóteses);
Abraham Lincoln (despromovido na carreira militar); Winston Churchil
(repetente na escola primária); Thomas Edison (os seus professores conside ravam-no estúpido para aprender o que quer que fosse); Walt Disney (o seu
editor chegou a confessar que ele não tinha boas ideias), etc. Quantos valores
humanos semelhantes se continuarão a perder se não se modificar a função
da escola e a problemática do insucesso escolar?
A escola não pode conúnuar a ser uma fábrica de insucessos. É preciso
determinar exausúvamente as deficiências no sistema educacional e posteri; 0rmente pensar num conjunto de acções para corrigir tal perigosa e dramá
tica
tendência. Na escola a criança deve ser esúmada, pois só assim se
poderá considerar útil. Professores e alunos devem aprender a respeitar-se e
a ajudar-se mutuamente, combatendo antagonismos, no sentido de resolve; rem cooperaúvamente os inúmeros problemas sociais e educacionais que se
524
(IN)CONCLUSÕES
lhes deparam. Assim como o médico se põe ao lado do paciente para vencer a doença, o professor e a professora deviam colocar-se ao lado do estudante (cliente)
para superar a sua DA.
Os que falham na escola tendem a ser isolados na sociedade. Atrás do insucesso encobrem-se angústias, frus ç s, mentos, etc. A escola e os
seus professores devem, portanto, ansformar-se pedagogicamente e humanamente até ao ponto de pernútirem às crianças a identificação com os valores culturais e
com os valores humanos que lhes são inequivocamente inerentes.
Nenhuma escola e nenhum professor se pode justificar quando fazem lembrar a qualquer criança que ela é uma falhada. A razão da escola justifica-se
pela transformação das crianças em seres humanos autónomos, independentes e pensadores, ou seja, capazes de iniciarem, elaborarem e pragmatizarem ideias.
A escola precisa de trabalhar cada vez mais no sucesso da aprendizagem, qualquer que seja o potencial da criança. Quando alguma criança aprende, ela jamais
está isolada; ao contrário, ganha reconhecimento social, maturidade, respeito, amor e identidade positiva. A escola do sucesso é sempre bem sucedida, ao contrário
da escola do insucesso, onde não é possível o desenvolvimento da responsabilidade social e da autovalorização. É óbvio que ninguém pode aprender responsabilidade
social ou pensar, quando falha, dado que não possui a autoconfiança necessária para superar as situações pelas exigências escolares. Independentemente de pais,
professores, políticos, administrativos e especialistas acreditarem firmemente no que é melhor para as crianças, o problema do insucesso escolar e das DA prolifera.
As profecias consubstanciadas criam expectativas que se reflectem no aproveitamento escolar das crianças, motivo por si justifcativo da mudança do sistema
educacional. Não é possível continuar a solucionar as questões do insucesso escoiar e das DA com classes especiais, classes de apoio, classes de repetentes ou
classes homogéneas. À esc la cabe a responsabilidade de impedir o insucesso escolar, sinónimo de insucesso social, eliminando a filosofia da separação e da segregação
das crianças que falham, impedindo-as de interagir com as crianças que sucedem e privando-as de oportunidades de socialização, numa palavra, subtiimente excluindo=as.
Sem sucesso académico os problemas de comportamento não se superam. nem mesmo com i ntervenções psiquiátricas directas. A mudança do sistema educacional
deve operar-se o mais p cocemente possível.
A mudança não pode continua a ser vista como ameaça. O seu efeito é necessário para dar respostas adaptadas às novas exigências escolares e sociais. A
política de educação deve incentivar a mudança e não ó conservadorismo. Os professores não podem continuar a resistir à mudança porque receiam que o seu trabalho
se torne mais difícil. A sua função social deve ser reconceptualizada, ná medida em que não podem mudar o sistema se continuarem inseguros e ameaçados por aqueles
que sugerem mudanças básicas nos métodos de ensino, nos conteúdos cumculares ou nos processos de formação
525
INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
(inicial, em exercício e pós-graduada). Sente-se neles alguma insatisfação pelas práticas pedagógicas presentes, mas também se sente neles um antagonismo em relação
a quem advogue a mudança. A relutância à mudança deve ceder a uma reflexão crítica e progressivamente adaptada, só possível de atingir com novos, contínuos,
exigentes e mais dinâmicos processos de formação e informação, a fim de salvaguardar o futuro de muitas crianças.
Embora toda a gente se preocupe com as DA, não há tempo para um encontro ou para uma discussão sobre os problemas educacionais numa atmosfera aberta e livre
de pressões e de afirmações inconsequentes. Os pais censuram os políticos e os professores por não instituirem a mudança. Os politácos e administrativos não concordam
com professores e pais, pelas suas dificuldades em mudar os programas e os processos. Os professores censuram pais e políticos, por estes se intrometerem nas
suas competências. Este ciclo vicioso deverá ser quebrado por processos de negociação e inovação pedagógica; caso contrário, o insucesso escolar continuará a ser
a base da maioria dos problemas escolares.
Não há que evitar a mudança, nem esta pode estar à espera de programas perfeitos. A resignação pelo status quo não solucionará o problema das DA; é preciso
fornecer oportuniddes fortes e sólidas para se trabalhar numa alternativa. O isolamento cientificopedagógico e organizacional dos professores deve dar lugar a um
sentimento de grupo e a um projecto colectivo para alterar as práticas pedagógicas tradicionais, na base de intervenções sérias e persistentes e de estudos fidedignos.
Persistir em ideias vagas e em reflexões pedagogizantes não resolve o problema.
Caracterizar, controlar e transformar o insucesso escolar e as DA envolve medidas educacionais intensivas claras e consequentes.
Transformar o sistema de avaliaÇão, onde nascem os problemas do insucesso, seria necessariamente uma medida significativa. Enquanto não for inovado o
sistema de avaliação e de selecção, o insucesso caracterizará a situação escolar. Com o actual sistema de avaliação, que no fundo equaciona todos os problemas
políticos e sociais da educação, a situação tenderá a agravar-se. O insucesso nunca é motivador, não estimula o trabalho nem a alegria de aprender.
As crianças, quando chegam à escola, encontram-se altamente receptivas à aprendizagem, venham de envolvimentos favorecidos ou desfavorecidos. Convém
aqui reflectir em que muitos fenómenos de privação proteica e calórica ou de privação afectiva, lúdica, linguística e social que ocorrem desde o nascimento até
a entrada para a escola tendem diariamente a reflectir-se ao nível do potencial de aprendizagem, ou seja, em termos de impriting social e em termos de maturação
psiconeurológica. Para muitas crianças, e fundamentalmente para as mais desfavorecidas económica e familiarmente, a escola é um mundo de primeira importância.
Mesmo assim, o sistema educacional, revelando o seu paradoxo, torna-se implacavelmente selectivo e socialmente reprodutivo, gerando processos de avaliação que
não
526
(IN)CONCLUSC3ES
respeitam as diferenças psicológicas da criança, e que vão progressivamente transformando a escola num ambiente desvalorativo e humilhante.
A maioria dos professores assume, por inerência do sistema, mesmo sem se aperceber às vezes disso, que a sua função é a de atribuir classificações de
insucesso, que se reflectem mais nas crianças desfavorecidas, exactamente as mais necessitadas de medidas de facilitação social e de mediatização cognitiva na
aprendizagem. O insucesso tem, assim, o peso do tradicional, é o tradicional; por isso, escola e insucesso são muitas vezes sinónimos.
Os sistemas de avaliação não podem ser concebidos na óptica da eficácia e do rendimento. Há que estabelecer mveis de sucesso, na medida em que é sempre
possível atingi-lo em algum grau.
Não nos podemos esquecer de que logo que a criança obtém um rótulo de insucesso, ela assume que falhou, o que poderá levar à impossibilidade de se afumar
em termos de pessoa. Se, ao contrário, basearmos o ensino na optimização das áreas fortes da criança, ganhamos tudo, não se perde nada. Aprendendo a falhar
na escola, as crianças, futuros adolescentes e depois adultos, falharão em pensar e em trabalhar eficientemente, permanecerão marcadas, quando não derrotadas,
pelo insucesso.
A educação deve e tem de levar as crianças a pensar em sucesso e não em insucesso, mas só podemos atingir este objectivo se deixarmos de usar processos
e sistemas de avaliação, como conteúdos de matérias, profundamente despersonalizantes e descolectivizantes.
A ciência moderna assegura que sè pode modificar a criança em termos cognitivos. Não basta mudar só o material, didáctico e pedagógico, ou os cumculos.
Não restam dúvidas de que os novos materiais construídos à luz de recentes dados de investigação psicopedagógica podem vir a ampliar e enriquecer o reportório funcional
da criança. Cabe ao professor, em conclusão, o desenvolvimento das estruturas cognitivas das crianças com DA, das crianças deficientes mentais ou privadas culturalmente.
Pode-se modificar também o educando, por vezes até será mais fácil, do que modificar primeiro o envolvimento, esperando que essa mudança se reflicta no educando
mais tarde. Mais: isso é preciso para especificar a natureza das mudanças, com interacção activa entre o educando e os recursos pedagógicos e ecológicos, e bem
assim com estimulação interna que ocorre nas estruturas cognitivas que se deseja modificar.
A mediatização cognitiva na base de programas de facilitação da aprendizagem alicerçados em dados científicos actuais é uma das intervenções educacionais
que leva à mudança da estrutura e da natureza do pensamento.
Tais mudanças estruturais podem ser provadas por situações educacionais específicas em que a exposição a condições de aprendizagem proporciona processos
de matúração e estruturação cognitiva. As mudanças no organismo (Feuerstein 1975) podem operar-se como consequência de uma intervenção pedagógica, implicando a
capacidade de perceber, processar e comunicar informação e de ser sensivel, interior e exteriormente, a fontes de estimulação devidamente estruturadas e sequencializadas.
527
INSUCESSO ESCOlAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
O organismo humano está aberto à modificabilidade em todas as idades e todos os estádios de desenvolvimento. É possível que a organização e a planificação
do futuro, da mediatização cognitiva, venham a demonstrar que é viável a superação dos actuais problemas educacionais.
A visão do insucesso é uma visão adulta, não é cenamente uma visão da criança. A criança, quando entra na escola, aspira a uma experiência gratificadora
e maturativa, isto é, bem sucedida. A visão adulta, do insucesso é, de certa forma, o reflexo negativo que a escola (e talvez a vida... ) Ihe deixou.
Os actuais processos de avaliação e de transmissão cultural, independentemente de algumas melhorias neste sector, são ainda sérios obstáculos ao desenvolvimento
da educação.
Abolindo o insucesso do sistema de educação, encorajar-se-ia a aprendizagem e a realização psicossocial de todas as crianças sem excepção ou exclusão.
É necessário, portanto, evitar a todo o custo o estigma do insucesso ou a imutabilidade do QI.
As crianças que não aprendem as aquisições simbólicas essenciais - ler, escrever, falar e contar - falham na escola e terão provavelmente menos hipóteses
de suceder na vida, ficando portanto privadas de identidade cultural.
Sem identidade cultural o desenvolvimento humano está inexoravelmente em perigo; daí que se coloque a necessidade de reperspectivar a noção de privação cultural.
Não são as crianças desfavorecidas que são responsáveis pela privação, nem muito menos a cultura em si. O factor desestabilizador está no falhanço da sociedade
(e da escola) em transmitir e mediatizar a sua cultura a novas gerações.
Muitas experiências têm sido e continuam a ser conduzidas com populações desfavorecidas e/ou emigrantes (Israel, Cuba, etc. ), provando que muitos indivíduos
de meios pobres e desfavorecidos e de grupos étnicos e rácicos podem chegar a altos níveis escolares e académicos, e ter até sucesso económico na cultura dominante.
Há aqui uma dialéctica entre factores extrínsecos e intrínsecos que convém respeitar, independentemente de os extrínsecos, muitas vezes, não afectarem os intrínsecos,
o que em si prova a contradição aparente acima apontada.
É preciso reavaliar a avaliação e o sistema educacional, a fim de se planificar novas intervenções que mudem o curso dos acontecimentos e as oportunidades
culturais.
A útulo meramente esquemático, como cabe nesta (in)conclusão, depois de abordar sumariamente o insucesso escolar e introdutoriamente as DA, a planificação
de medidas de intervenção educacional deve obedecer a um conjunto eswturado e integrado de acções de levantamento, de identificação, de diagnóstico, de avaliação
educacional, etc. que obviamente teriam de passar por modelos educacionais de descentralização administrativa e pedagógica.
528
(IN)CONCLUSÕES
O levantamento dos problemas das DA exigiria a implementação de processos sistemáticos de localização e de identificação precoce de crianças em risco, o
que implicaria a criação de serviços de intervenção e a definição de fronteiras geográficas (regionais, distritais, zonais, etc. ). A coordenação dos serviços
medicossociais com os serviços educacionais locais seria urgente, pois tornar-se-ia necessário desenvolver a consciencialização dos mesmos e convencer a comunidade
para as vantagens da identificação e da intervenção precoces, prevenindo problemas futuros e eliminando condições que tendem a agravar a adaptação psicossocial
de inúmeras crianças. Reduzir-se-ia os custos, que tendem a aumentar em espiral, criar-se-ia alternativas, controlar-se-ia processos e minimizar-se-ia os efeitos
cumulativos das DA.
Dentro desta linha de medidas, a indispensável criação do ensino préprimário obrigatório constituiria a base do combate ao insucesso escolar. A mudança
do sistema educacional deveria iniciar-se pelos seus alicerces, visto serem mais eficazes aí a identificação e a intervenção precoces. Despistar precocemente as
DA por rotina poderia levar a intervenções compensatórias mais adequadas, quer médicas quer psicopedagógicas, originando, por consequência, a criação de programas
educacionais individualizados e preparando heterogeneamente cada criança, de acordo com o seu estilo de aprendizagem para a apropriação das pré-aptidões simbólicas
subsequentes.
Tais medidas da responsabilidade dos serviços educacionais deveriam ser coordenadas paralelamente com acções de sensibilização junto da comunidade através
de programas de televisão è de rádio; de artigos de jornais; de folhas de informação; de posters informativos colocados nos locais mais frequentemente visitados
pelas populações locais; de sessões demonstrativas com diaporamas e filmes; de reuniões locais, de profissionais e de pais; etc.
De certa forma, a planificação da intervenção no combate às DA implicaria a educação da comunidade, despertando-a para a importância da identificação precoce
de problemas dé desenvolvimento e de aprendizagem.
A identi, ca ão precoce, sendo adoptada sistematicamente como processo de discriminação das crianças que necessitassem de outros serviços educacionais,
permitiria: o desenvolvimento de processos de diagnóstico; a criação de meios de encaminhamento; a avaliação de programas educacionais de intervenção; etc. Por
exemplo, aos quatro anos, todas as crianças escolarmente integradas deveriam ser rapidamente identificadas, nascendo daí a necessidade de outros diagnósticos
mais diferenciados, de outros modelos de encaminhamento e de outros apoios adicionais, etc. Quanto mais cedo se identificar os problemas de aprendizagèm melhor,
na medida em que se pode modificar o envolvimento familiar, social e educacional facilitando à criança a apropriação precoce de aquisições básicas de aprendizagem.
De igual modo, quanto mais precoce fo tervenção, maior será a mobilização do potencial de desenvolvimento.
Consequentemente, cabe áquLz-e eri que o desenvolvimento cognitivo precoce e a sua estrutura põem éin jógo duas modalidades de intetacção
529
INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
entre o organismo e o envolvimento. A primeira compreende a exposição
"' directa a fontes de estimulação, de onde emerge o repertório de compor' tamento e o perfil cognitivo, confirmando a crucial importância dos
trabalhos de Piaget, embora a interacção assimilação-acomodação nos surja
: restringida ao domínio dos objectos. A segunda compreende a aprendi zagem mediatizada, ou seja, o modo como os estímulos do meio são
transmitidos, filtrados, seleccionados e reforçados por um agente de medi atização, culturizado e socializado (pais, parentes ou outros portadores).
Ao processo de Piaget (estímulo-organismo-resposta E O - R),
Feuerstein, e já Vygostsky, Zaporozets e Elkonin (Fonseca 1982) adicio nam mais um elemento, isto é, o mediador humano que se interpõe entre
; o estímulo e o organismo E - H - O t- H H R. De facto, e isto é
de uma grande importância para o desenvolvimento humano, quanto mais
cedo o organismo é sujeito a uma aprendizagem mediatizada (humani; zada), maior será a sua capacidade e eficiência em usar, ou em ser afeci
tado,
pela directa exposição às fontes de estimulação.
' De facto, o desenvolvimento humano requer condições mínimas de esti,
mulação em períodos sensíveis de maturação. Porque algumas aquisições
devem ser aprendidas antes de outras; a criança com DA que não for devi damente estimulada ficará cada vez mais em dificuldade, à medida que o
tempo passar.
A identificação assim perspectivada deve implicitamente sugerir medidas
de intervenção educacional; daí a sua importância longitudinal e pedagógica.
Não basta identificar ou requisitar o diagnóstico com especialistas raros e
superlotados; é fundamental que se ensaie e se avalie, logo após o diagnós úco, programas de enriquecimento educacional.
! 0recurso ao diagnóstico deveria ser utilizado para confirmar ou
desconf irmar a existência das DA. Neste âmbito, o diagnóstico dinâmico
: deveria surgir como dispositivo clarificador da natureza do problema, tendo
' em atenção a interacção dos factores biossociais (orgânicos e envolvimen tais). O diagnóstico deveria, em sequência, fornecer a informação suficiente
'' àcerca da condição da criança, a fim de pernútir a discussão do caso e a
decisão apropriada e adequada a um programa de intervenção. Enquanto a
identif icação podia dar uma amostragem das capacidades da criança em
várias áreas, o diagnóstico deveria envolver um exame em profundidade
! sobre os problemas não evidenciados durante a identificação. Por outro
lado, enquanto a identificação poderia ser realizada por educadores e pro fessores, o diagnóstico deveria envolver professores especializados,
terapeutas, psicólogos ou médicos. No mesmo sentido, o diagnóstico não
deveria ser confundido com a avaliação educacional, na medida em que
aquele decide do tipo de intervenção, e esta do conteúdo da intervenção.
Em resumo, o diagnóstico deveria assegurar a obtenção e a captação de
' dados que ajudassem a determinar as áreas fortes e fracas, facilitando a
' tomada de decisões e de prescrições em termos educacionais.
530
(IN)CONCLUSl SES
As áreas do diagnóstico poderiam circunscrever-se, em termos ideais, a diferentes técnicos e a diferentes tipos de informação, de acordo com o seguinte
quadro:
Áres Técnicos Tipos de Informação
1. História social Assistente social Informação sobre a dinâmica familiar;
Determinação do que significa para a fanulia toda a dimensão dos problemas da criança, etc. ; Dados mesológicos;
2. Exame médicoPediatra Nível de saúde da criança; história clínica; identificação de problemas biomédicos, genéti cos; marcos do desenvolvimento;
anamnése;
3. Exame neurológico Neurologista Informação sobre algum envolvimentao do SNC, lesão cerebral; EEG; determinar disfunções;
4. Exame psicológico Psicólogo Informações de testes (dados psicométricos) e de observações informais; Medir o nfvel de realização em
várias áreas, e detectar respostas emocionais em testes projecúvos; perfl intraindividual; modelos de informação, intra ou interssensorial;
5. Exame auditivo Audiologista (ou enfernteira de Informação sobre o audiosaúde pública) grama e determinação do tipo
de desordem;
6. Exame visual Oftalmologista (ou enfermeira Detecção de algum problema
de saúde pública) visual (discriminação, figura -fundo, etc. );
7. Exame de linguagem Terapeuta da fala Identificar o nível de compre ensão e de uúlização de pala vras, frases e conceitos;
8. Exame educacional Professor especializado Detemtinar o estilo de aprenPsicopedagogo dizagem e a áreas fortes e
fracas; PEI (programa educa cional individualizado).
531
INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
A concluir este simples modelo integrado de acções de intervenção no âmbito das DA, deveria surgir a avaliação educacional. Tal avaliação, como
já foi dito, deveria constituir-se como um processo sistemático de recolha de informação sobre o nível básico defuncionamento da criança em áreas especificadas
da aprendizagem, cabendo-lhe, em consequência, a interpretação cuidadosa da informação recolhida. A sua finalidade principal situar-se-ia no desenvolvimento
de um plano educacional total, especificado em objectivos de curto e médio termo e estruturado hierarquicamente em várias tarefas e subtarefas (plano passo-a-passo).
Com base em novos processos de intervenção, como a avaliação educacional (diagnostic teaching) e a análise de tarefas (task analysis), poder-se-ia:
I) Identificar os problemas educacionais;
2) Avaliar as características educacionais e envolvimentais das crianças com DA, detectando as dificuldades por áreas, determinando os problemas,
analisando os resultados do diagnóstico, administrando dispositivos de diagnóstico mais sistemáticos, formulando hipóteses sobre os problemas educacionais ou recorrendo
à investigação;
3) Desenvolver um plano educacional individualizado baseado nos dados do diagnóstico;
4) Colocar a criança no envolvimento educacional mais ajustado às suas necessidades educacionais específicas.
A avaliação educacional deveria permitir obter um pe l intraindividual,
equivalente ao nível de realização aetual da criança. Com base nesse perfil,
: determinar as necessidades, estabelecer objectivos, desenvolver e planificar
programas, implementá-los e avaliá-los continuamente.
A avaliação educacional assim equacionada constituiria uma espécie de
: controlo à eficácia dos programas de intervenção no domínio das DA.
Em certa medida, o combate ao insucesso escolar e às DA envolveria a
' 1ndividualização, o desenho curricular, a aprendizagem sequencializada e a
aplicação sistemática e adequada de reforços positivos.
A mudança é possível e necessária, o problema está no desafio que
; actualmente se apresenta ao desenvolvimento científico da educação. Tal desen volvimento envolveria obviamente a aplicação de processos de programação,
de
processos pormenorizados e detalhados de tarefas e subtarefas, das rotinas e
5ubrotinas de aprendizagem, ete. , tendo como finalidade a obtenção de um certo
9rau de personalidade, isto é, a adequação das condições externas de ensino às
condições internas de aprendizagem, inerentes às próprias crianças com DA.
A individualização não é sinónimo de um professor por cada aluno, mas
"; antes de um ensino plástico e adaptativo.
Para se superar o insucesso é necessário começar por algo que a eriança
possa aprender (inventário das aptidões) e não aguardar que, milagrosamente,
. a criança aprenda sem possuir pré-aptidões e pré-requisitos adequados. Em
532
(IN)CDNCLUSÕES
vez de esperar que a criança ultrapasse o nível de exigência das tarefas educacionais, seria preferível que o nível de dificuldade fosse simplificado ou subdividido
em componentes altamente motivadoras e susceptíveis de serem resolvidas, por aproximações sucessivas, através das competências inerentes às crianças em dificuldade.
Baseando o programa em processos que promovam o êxito e de sucesso em sucesso, as crianças com DA poderiam ter outras experiências pedagógicas bem mais
gratificantes.
É necessário encontrar o método que permite à criança aprender. É o método que se adapta à criança e não o contrário.
Utilizar planos detalhados e espeeíficos; prever altemativas; seleccionar materiais; trabalhar com objectivos; escrever objectivos em termos operacionais;
verificar se estão a ser ou não alcançados; acompanhar permanentemente a evolução da criança com processos de registo intra e interindividuais; aplicar reforços
positivos; sistematizar a aprendizagem com base numa sequência hierarquizada; generalizar e transferir as aquisições já aprendidas para novas situações; procurar
e criar materiais e recursos que se ajustem às necessidades das crianças; encorajar e entusiasmar a conduta das crianças; etc. , devem ser outras tantas características
da mudança a imprimir.
Para aprender a ler e a escrever, certamente as aquisições mais importantes no sucesso escolar, a criança necessita de um grande repertório de aquisições.
Enquanto estas aquisições não fizerem parte do repertório de cada criança à entrada da escola primária, muito diflcilmente ela poderá aprender a ler ou a escrever;
daí a urgência de medidas de organização educacional.
Em termos esquemáticos, podemos destacar as aquisições essenciais à aprendizagem simbólica. (Figura 141. )
Para implementar algumas destas medidas num sistema educacional centralizador, tornar-se-ia necessário organizar, a nível regional (udistrito escolar"),
um modelo dinâmico de intervenção compatível com as necessidades locais, evitando as colocações e os encaminhamentos ineficazes.
De uma forma esquemática, vejamos algumas das medidas a equacionar. O recrutamento de professores para acções de identificação e avaliação teria de ser
coordenado com processos de formação devidamente planificados na base de créditos académicos. A criação de facilidades de sistemas de informação e de recursos,
etc. , teria de ser igualmente perspectivada, dado que as crianças não poderiam beneficiar dos meios proporcionados pelas classes normais.
Os madelos de identificação, por mais simplificados que fossem, deveriam ser experimentados durante a formação, permitindo treinar professores na detecção
de problemas de aprendizagem e de comportamento, de sinais de distractibilidade, de problemas perceptivomotores, de problemas conceptuais e de sinais de instabilidade
emocional.
Os programas a adoptar deveriam cobrir as classes de apoio e as classes especiais, abrangendo alternativas de integração. A relação professor-aluno,
533
INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
nos casos das crianças com DA, deveriam ser de mais ou menos 12 crian ças por professor, pois só assim a individualização e a qualidade do ensino se poderiam
materializar.
A cobertura da intervenção no campo das DA não se poderia circuns crever apenas ao ensino primário - haveria que equacionar intervenções no ambito
do ensino pré-primário e no ensino secundário dando prioridade às estruturas já formadas, minimizando problemas familiares e resolvendo problemas de transporte.
PROCESSO PROCESSO PROCESSO
RECEPTIVO INTEGRATIVO EXPRESSIVO
rQ
Percepção visual Praxia e competência
. Formas das leVas manual
VISÃO e dos númems Gestualidade P
Atenção visual DescodificaçãoDesenho 'lA 1
i i
. Percepção visual Codificação Escrita
. Percepção Retenção Ì
do espaço
. Figura-fundo
Percepçõo auditiva Rememorização Praxia e competência
Sons de letras da linguagem
AIIDISAO e números Combinação Articulação FALA
. Atenção auditiva Produção de sons
Discriminação Equivalência Entoação
auditiva interssensorial F1uência
Orientação auditiva Nomes de letras
Figura-fundo e números
Percepção Organização Praxia gtobal
' _ tactilo- espacial Controlo da i`
' TALfO E qu stésica actividade
" Q páoceptividade Planificação Coordenação visuo- j"
I \ , I OImagem do co po motora auditivomotora PRAlDA
- Lateralidade Linguagem Equilfbrio GLOBAL
Direccionalidade Sintaxe Melodia
I I
Est. tactil-múltipla Semântica quimstósica
Praxia vestibular Estrumração . Expressão cotporal
Gnosia tflctil espaciotemporal Dextralidade Y
1 I
I
. . Acuidade Detecção Formação de conceitos . Adaptação
. Recepção Discriminação . Generalização Comportamento
da informação Alerta . Categorização Velocidade i
Telen'eceptores . Facilitação ou Maturidade . Ritmo
. Pmprioceptores inibição de: psicomotora Sequência
Transdução sensações Associação Simetria
. Transmissão ao SNC automatismos Imagem esquerda-direita t
Sistema actividades Simbolização Dinâmica visual, auditiva
sensorial motoras manual e pedal I
perifBrico
. t I 1 I
,
Figura 141- Aquisições essenciais à aprendizagem simbólica
534
(IN)CONCLUSÕES
A definição da criança com DA deveria obedecer a critérios de selecção uniformizados: QI > 75-90, sem problemas sensoriais, neurológicos ou emocionais.
A selecção, com base em instrumentos válidos e fidedignos, com dispositivos de detecção de problemas nas seguintes áreas: emocionais, psicomotoras, perceptivas
(visão e audição), linguístieas, cognitivas e sociais, deveria culminar com um relatório médico, psicológico e pedagógico circunstanciado, a fim de substancializar
o encaminhamento e a orientação mais adequada para cada caso. Tal orientação deveria ser tomada com base em reuniões interdisciplinares e de síntese na presença
dos pais, nas quais se procederia à discussão sobre as necessidades específicas da criança e sobre o programa educacional individualizado por que optar.
Os critérios de admissão definidos por uma comissão composta por vários membros com funções bem definidas teria de integrar vários processos, nomeadamente:
relatórios de coordenadores; solicitação de professores, de assistentes sociais, médicos, psicólogos escolares e de pais; análise de recomendações dos vários
especialistas; pragmatização a nível local das recomendações; prioridades a atender e satisfações a operacionalizar, etc.
A colocação de tais crianças deveria levar em linha de conta listas de espera; notificações das autoridades escolares locais, etc. Do mesmo modo outras
acções seriam de equacionar: programas de sensibilização para pais; reuniões para professores; programação da intervenção; planificações das sessões individuais
em pequeno grupo ou na classe; sistemas de mudança de comportamento a adoptar; transportes e serviços a contactar; reuniões entre os professores das classes regulares
e professores especializados ou coordenadores; entrevistas; avaliações anuais; elaboração de relatórios dos progressos escolares (relatórios progressivos); etc.
, etc.
Estas medidas, aqui simplesmente descritas, porque a conclusão dum livro o não permite, só poderiam obter êxito se devidamente coordenadas com acções
de formação de professores, que deveriam englobar: sessões de sensibilização, explicação e demonstração (workshops) de modelos de identificação e de intervenção;
cursos intensivos pragmáticos e baseados numa investigação formativa; visitas guiadas a escolas, a professores especializados, a centros de observação e a grupos
experimentais; cursos de verão ou de actualização; reuniões semanais para discussão de casos e apresentação de modelos de intervenção e de avaliação; organização
da instrução e das estratégias educacionais; etc. , etc.
Muito pouco destas ideias é implementado nos sistemas educacionais. Muito há a fazer para refinar e reprecisar os processos de diagnóstico e de intervenção
nas D A.
Não há tempo a perder, pois o trabalho intensivo que urge iniciar na prevenção e na intervenção das DA espera por soluções viáveis e eficazes.
A educabilidade das crianças com DA e o conhecimento das suas diferenças intraindividuais exigem que se vá ao seu encontro para determinar a
535
INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
que nível educacional elas funcionam. A partir daí, construir um curriculo, planificar as sessões, reforçar as respostas desejáveis e reavaliar a eficácia do
programa educacional individualizado: tais são, em nosso entender, as armas pedagógicas do futuro, para combater o insucesso escolar e as DA.
Noutros volumes, que temos intenção de escrever, se efectivamente tal satisfizer os leitores interessados, procuraremos dar exemplos de modelos de identificação,
observação e intervenção no campo das DA, e ao mesmo tempo fornecer alguns resultados sobre as nossas investigações, para além de ilustrações de casos de dislexia,
disgrafia, disortografia e discalculia e respectivas estratégias educacionais.
Eis pois, em (in)conclusão, o nosso pequeno contributo para o estudo das DA.
Concentrámo-nos no estudo dos factores e das condições em que se desenrola a aprendizagem normal e atípica, procurando sempre uma análise interdisciplinar,
aberta e sistémica.
Concluímos uinconclusivamente" esta abordagem com uma série de sugestões que temos intenção de aprofundar noutros trabalhos. Em resumo, procurámos caracterizar
o campo das DA, apresentámos processos de controlo dessa realidade complexa e sugerimos processos de transformação, sempre com a ideia de que é possível ultrapassar
o insucesso escolar e as DA e, ao mesmo tempo, salvaguardar o potencial de todas as crianças e todos os jovens que temos a responsabilidade de educar cada vez
melhor.
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SIGLAS E ACRÓNIMOS
ABC Aprendizagem baseada no cumculo
ADN Ácido desoxiribonucleico
ANOVA Análise da variância
A Ácido ribonucleico
ASM Àrea suplementar motora
BVRT Benton Visual Retention Test
CECDIC Comissão de Estudo de Crianças com Dificuldades de Aprendi zagem e Dificuldades Emocionais
CITAP Centro de Investigação de Terapias Aplicadas à Psicomotricidade
CLIMEFIRE Clínica Médica Física e de Reabilitação
CNV Comunicação não verbal
CRP Centro de recursos pedagógicos
CTBS Canadian Test of Basic Skills
DA Dificuldades de aprendizagem
DANV Dificuldades de aprendizagem não verbais
DAPA Diagnóstico das aquisições da percepção auditiva
DAV Dificuldades de aprendizagem verbais
M Disfunção cerebral mínima
DE Dificuldades de ensino
DEL Dificuldades específicas da linguagem
DILE Diagnóstico informal da leitura
DL Dislexia
DM Deficiência mental
DME Deficientes mentais educáveis
DTVP Development Test of Visual Perception
EEG Electroencefalograma
EET Estruturação espaciotemporal
EIPA Escala de identificação de potencial de aprendizagem
ES Estrututras sintácticas
GEIPP Gabinete de Estudos e Intervenção Psicopedagógica
GEP Gabinete de Estudos e Planeamento
IAACF Instituto António Aurélio da Costa Ferreira
IE Insucésso escolar
IF Inteligência formal
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INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSlCOPEDAGÓGICA
IMT Integração multisensorial total
IO Inteligência operacional
IPA Identificação de potencial de aprendizagem
IPO Inteligência pré-operacional
ISM Inteligência sensoriomotora
ISPA Instituto Superior de Psicologia Aplicada
ITPA The Illinois Test of Psycholinguistic Abilities
LCM Lesões cerebrais mínimas
LF Lóbulo frontal
LO Lóbulooccipital
LP Lóbulo parietal
LT Lóbulo temporal
MBD Minimal brain dysfunctions
MMPI Minnesota Multiphasic Personality Inventory
NBA Nível básico adaptativo
NEE Necessidades educativas especiais
NJCLD National Joint Committee of Learning Disabilities
NP Neuropsicológico
OS Orton Society
PAR Processo auditivo perceptivo
PEI Programa educacional individualizado
PET Tomografia por emissão de positrões
PIPSE Programa Interministerial de Promoção do Sucesso Escolar
PPI PerFl psiconeurológico intra-individual
PPVT Peabody Picture Vocabulary Test
PSLT Picture Story Language Test
PVE Processo verbal expressivo
QA Quociente de aprendizagem
QI Quociente intelectual
QINV Quociente intelectual não verbal
QIV Quociente intelectual verbal
QPL Quociente psicolinguístico
I RM Ressonância magnética
RN Recém-nascido
SBIS Standford Binet Intelligence Scale
SIF Subnormal intellectual functioning
SIPCOM 5ocietà de Investigazione per la Patologia della Comunicazione e
della Motricità
SNC Sistema nervoso central
SNP Sistema nervoso periférico
TAC Tomografia axial computorizada
TPMBO Teste de Proficiência Motora de Bruininsk-Oseretsky
TQ Tactiloquinestésico
VIS Visual information storage
WAIS Weschler Adult Intelligence Scale
WISC Weschler Intelligence Scale for Children
WISC-R Weschler Intelligence Scale for Children Revised
WRAT Wide Range Achievement Test
Fim
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