TIM LAHAYE JERRY B. JENKINS
Vamos para o segundo livro desta série de ficção incrível.
Nã se têm muito o quê dizer, é preciso ler, é ficção, mas uma
ficção inventada com base em passagens biblicas, tanto do novo quanto do
antigo testamento, e, novesfora nos remete, ou relembra da existência de
Cristo, confrontando esse pensamento com o do pensamento ortodoxo Judeu.
Ainda não sei o final do livro, nem chequei a assistir os filmes
passados, só sei que vale a leitura.
PRÓLOGO
O que aconteceu antes.
Em um instante cataclísmico, milhões de pessoas de todas as partes do mundo
desapareceram. Simplesmente sumiram, deixando para trás tudo o que era
material: roupas, óculos, lentes de contato, cabelos postiços, aparelhos de surdez,
próteses, jóias, sapatos e até mesmo marcapassos e pinos cirúrgicos.
Milhões de pessoas sumiram. Mas outros milhões ficaramadultos, porém não
crianças, e apenas alguns adolescentes. Todos os bebês, inclusive os que estavam
para nascer, desapareceramalguns durante o parto.
Instalou-se o caos no mundo inteiro. Aviões, trens, ônibus e carros colidiram,
navios afundaram, casas incendiaram, sobreviventes acometidos de angústia
suicidaram-se. Um congestionamento de transportes e linhas de comunicação,
somado ao desaparecimento de inúmeros funcionários, deixou a maioria das
pessoas lutando sozinhas para sobreviverem até que a situação começasse a se
normalizar.
Alguns disseram que o mundo tinha sido invadido por seres extraterrestres. Outros
disseram que os desaparecimentos tinham sido causados por um ataque inimigo.
Não obstante, todos os países do mundo sofreram perdas em razão dos
desaparecimentos.
O capitão-aviador Rayford Steele e sua filha Chloe de vinte anos foram deixados
para trás. A esposa de Rayford e o filho de doze anos do casal sumiram. Rayford,
que pilotava um 747 sobre o Atlântico a caminho de Londres, disse à chefe do
serviço de bordo, Hattie Durham, que não sabia explicar o que acontecera. A
terrível verdade era que ele sabia muito bem. Sua esposa o advertira a respeito
desse acontecimento. Cristo retornara para levar os escolhidos, e o restante havia
sido deixado para trás, inclusive Rayford e Chloe.
Rayford passou a ocupar-se em descobrir a verdade e assegurar-se de que ele e
Chloe não perderiam uma segunda oportunidade, se porventura houvesse. Ele se
sentia responsável pelo ceticismo da filha e pela atitude dela em "acreditar só no
que é possível ver e sentir".
Essa busca levou-o a freqüentar a igreja da esposa, onde um punhado de pessoas,
inclusive um membro da equipe pastoral, havia sido deixado para trás. O pastor
visitador Bruce Barnes perdera a esposa e os filhos. Ele, mais que todos os outros,
compreendeu imediatamente que sua fé artificial e fraca o abandonara no momento
mais crítico de sua vida. Em um piscar de olhos, passou a ser a pessoa mais
convincente da terraum evangelista entusiasta e não-apologético.
Sob a tutela de Bruce e a influência de um videoteipe que o pastor titular deixara
para essa ocasião, primeiro Rayford e depois Chloe passaram a crer em Cristo.
Junto com o novo pastor, formaram a Força Tribulação, um grupo determinado a
desafiar as forças do mal durante o período de Tribulação predito na Bíblia.
Nesse ínterim, Cameron Buck Williams, articulista sênior do prestigioso
Semanário Global, buscava por conta própria as respostas para os
desaparecimentos. Buck estava a bordo da aeronave pilotada por Rayford Steele
quando aconteceu o Arrebatamento, e ele foi designado para encontrar uma
explicação para os desaparecimentos em todas as partes do mundo. Suas
entrevistas levaram-no a entrar em contato com uma das mais poderosas e
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carismáticas personalidades já existentes no mundo, o misterioso Nicolae
Carpathia. Duas semanas após os desaparecimentos, Carpathia foi levado a ocupar
uma posição de poder internacional como chefe da Organização das Nações Unidas,
prometendo unir o mundo devastado, em uma pacífica aldeia global.
Buck apresentou a chefe do serviço de bordo Hattie Durham a Carpathia, que
imediatamente a nomeou sua assistente pessoal. Após ter aceitado a Cristo por
influência de Rayford, Chloe e Bruce, Buck sentiu-se responsável por Hattie e
passou a lutar desesperadamente para tirá-la das garras de Carpathia.
Rebaixado de cargo por ter supostamente recusado uma incumbência importante,
Buck foi transferido de Nova York para Chicago, onde se uniu a Rayford, Chloe e
Bruce como quarto membro da Força Tribulação. Juntos, os quatro decidiram
permanecer firmes e lutar contra todas as disparidades, e jamais desistir.
Representando milhões de pessoas que perderam a oportunidade de ter um
encontro com Cristo no firmamento, resolveram não abrir mão de sua fé
recentemente encontrada, sem se importar com o que teriam de enfrentar no
futuro.
Buck Williams testemunhou o poder sanguinário e maligno de Nicolae Carpathia, e
Bruce Barnes sabe, por ter estudado a Bíblia, que dias sombrios ainda estão por vir.
Por mais estranho que possa parecer, apenas um dos quatro membros da Força
Tribulação sobreviverá nos próximos sete anos.
Mas apenas Bruce conhece o horror que está por acontecer. Se os outros
soubessem, talvez não se aventurassem de maneira tão corajosa rumo ao futuro.
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UM
Era a vez de Rayford Steele ter uma pausa para descanso. Pendurou os audiofones
no pescoço e vasculhou sua maleta à procura da Bíblia de sua esposa, admirado
diante da rapidez com que sua vida mudara. Quantas horas ele perdera durante
momentos ociosos iguais a este, dedicando toda a atenção a jornais e revistas que
não tinham nada a dizer? Depois de tudo o que acontecera, só um livro poderia
despertar seu interesse.
O Boeing 747 estava ligado no piloto automático, tendo partido de Baltimore rumo
ao aeroporto O'Hare de Chicago, onde deveria pousar às dezesseis horas de sextafeira,
mas Nick, o novo co-piloto de Rayford, olhava firme para a frente, como se
estivesse pilotando a aeronave. Não quer mais conversar comigo, pensou Rayford.
Sabia o que estava por vir e me mandou ficar quieto antes de eu abrir a boca.
"Você não vai se ofender se eu ficar aqui lendo por alguns instantes?" perguntou
Rayford.
O jovem co-piloto virou-se e retirou o audiofone do ouvido. "O que você disse?"
Rayford repetiu, apontando para a Bíblia. Pertencera à sua esposa que ele não via
há mais de duas semanas e que provavelmente não veria nos próximos sete anos.
- "Desde que eu não tenha de ouvir sua leitura."
- "Já disse em alto e bom som, Nick. Você acha que não me preocupo com o que
pensa a meu respeito, não é isso?
- "Como?"
Inclinando-se, Rayford aproximou-se dele e falou mais alto. - "O que você pensa de
mim teria sido imensamente importante algumas semanas atrás", ele disse.
"Mas...
- "Ah, sim, eu sei, e daí? Entendi, Steele, está bem? Você e muitas outras pessoas
pensam que foi Jesus. Não entro nessa. Iluda-se sozinho, mas me deixe fora disso."
Rayford ergueu as sobrancelhas e deu de ombros. - "Você não me respeitaria se eu
não tivesse tentado."
- "Não tenha tanta certeza disso."
Mas quando Rayford se virou para se dedicar à leitura, foi o Chicago Tribune
despontando de dentro de sua maleta que lhe chamou a atenção.
O Tribune, como todos os jornais do mundo, estampava na primeira página:
Durante uma reunião particular na Organização das Nações Unidas, pouco antes
da entrevista coletiva à imprensa de Nicolae Carpathia, aconteceu um terrível
assassinato/suicídio. O novo secretário-geral da ONU Nicolae Carpathia acaba de
dar posse aos dez novos membros do novo Conselho de Segurança, parecendo ter
cometido um erro ao empossar dois homens para a mesma posição de embaixador
dos Grandes Estados Britânicos na ONU.
De acordo com testemunhas, o bilionário Jonathan Stonagal, amigo e consultor
financeiro de Carpathia, dominou de surpresa um guarda de segurança, apoderouse
de sua arma e atirou em sua própria cabeça, tendo o projétil
atravessado e atingido mortalmente um dos novos embaixadores britânicos.
A Organização das Nações Unidas permaneceu fechada durante o dia, e Carpathia
lamentou a perda trágica de seus dois caros amigos e fiéis conselheiros.
Por mais bizarro que pudesse parecer, Rayford Steele era uma das únicas quatro
pessoas do planeta que sabia a verdade acerca de Nicolae Carpathia - que ele
mentia, fazia lavagem cerebral por hipnose e era o próprio Anticristo. Outras
pessoas poderiam suspeitar que Carpathia fosse um enganador, mas só Rayford,
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sua filha, seu pastor e seu novo amigo jornalista Buck Williams tinham certeza
disto.
Buck tinha sido um dos dezessete presentes naquela sala de reunião da ONU. E ele
testemunhara algo totalmente diferente - não um assassinato/suicídio, mas um
duplo assassinato. De acordo com Buck, o próprio Carpathia apossou-se da arma
do guarda de segurança, obrigou seu velho amigo Jonathan Stonagal a ajoelhar-se
e, em seguida, assassinou Stonagal e o embaixador britânico com um único tiro.
Carpathia promoveu os assassinatos e depois, enquanto as testemunhas
permaneciam sentadas e paralisadas pelo horror da cena, contou-lhes calmamente
o que elas tinham visto - a mesma história que os jornais estavam relatando. Todas
as testemunhas naquela sala, menos uma, confirmaram a história. A maioria sentiu
um arrepio, mas acreditou. Até mesmo Steve Plank, ex-chefe de Buck, e agora
secretário de imprensa de Carpathia. Até mesmo Hattie Durham, ex-chefe do
serviço de bordo de Rayford, que se tornara assistente pessoal de Carpathia.
Todas, exceto Buck Williams.
Rayford duvidou quando Buck contou sua versão no escritório de Bruce Barnes
duas noites antes. - "Você foi o único da sala que presenciou o fato desta maneira?"
indagou, pondo à prova o articulista.
- "Capitão Steele", respondeu Buck, "todos nós presenciamos o fato da mesma
maneira. Mas a seguir Carpathia descreveu calmamente o que ele desejava que
tivéssemos visto, e todos, menos eu, imediatamente aceitaram-no como
verdadeiro. Não entendo como ele consegue explicar que o sucessor do homem
morto estava presente quando aconteceu o assassinato e chegou a prestar
juramento de posse. Mas agora não há evidências de que estive lá. É como se
Carpathia me tivesse apagado da memória dos presentes. Pessoas que conheço
juram que eu não estava lá, e elas não estão brincando.
Chloe e Bruce Barnes olharam-se mutuamente e depois para Buck. Buck finalmente
tornara-se crente, pouco antes de entrar na reunião da ONU. - "Estou
absolutamente convencido de que se tivesse entrado naquela sala sem Deus", disse
Buck, "também teria sido submetido a uma lavagem cerebral."
"E se agora você contar ao mundo a verdade..."
- "Senhor, fui removido para Chicago porque meu chefe acredita que não compareci
à reunião. Steve Plank perguntou-me por que não aceitei seu convite. Ainda não
conversei com Hattie, mas o senhor sabe que ela não se lembrará de que estive lá."
- "A dúvida maior", disse Bruce Barnes, "é o que Carpathia pensa sobre o que se
passa em sua cabeça, Buck. Será que ele imagina ter apagado a história verdadeira
de sua mente? Se ele souber que não, você corre grande perigo".
Agora, enquanto Rayford lia a notícia bizarra no jornal, notou que Nick estava
mudando o piloto automático para manual. "Início da descida", disse Nick. "Quer
assumir o comando?"
"Claro", respondeu Rayford. Nick poderia aterrissar a aeronave, mas Rayford
sentia-se responsável. Ele era o capitão. Teria de dar conta dos passageiros. E
apesar de a aeronave poder aterrissar sozinha, ele não queria perder a emoção de
pilotá-la. Poucas coisas faziam-no lembrar da vida como ela fora algumas semanas
antes; aterrissar um 747 era uma delas.
Buck Williams passou o dia à procura de um apartamento para morar e de um carro
para comprar. Em Manhattan nunca sentira necessidade de ter veículo próprio.
Encontrou um lindo condomínio, onde se anunciavam apartamentos com telefone,
localizado no meio do caminho entre a sucursal do Semanário Global de Chicago e a
Igreja Nova Esperança de Mount Prospect. Buck tentou convencer-se de que o
motivo principal que o levara a procurar moradia na zona oeste da cidade foi por
causa da igreja, e não por causa de Chloe, a filha de Rayford Steele. Por ser dez
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anos mais velho do que ela, Buck sabia que, por maior que fosse sua atração por
Chloe, ela apenas o considerava uma espécie de conselheiro bem mais velho e
experiente.
Buck protelou sua ida ao escritório. A bem da verdade, só deveria comparecer na
segunda-feira, e não lhe agradava a idéia de enfrentar Verna Zee. Quando foi
incumbido de encontrar uma substituta para a experiente Lucinda Washington,
chefe da sucursal de Chicago que havia desaparecido, informaram-lhe que a
destemida Verna se antecipara, mudando-se imediatamente para a sala de sua exchefe.
Agora Buck tinha sido rebaixado de cargo e Verna, promovida. De repente
ela passou a ser sua chefe.
Porém, Buck não queria passar o fim de semana amofinando-se com a reunião,
nem desejava parecer ansioso demais para ter um novo encontro com Chloe.
Resolveu, então, dar uma chegada até o escritório pouco antes do encerramento do
expediente. Será que Verna o faria pagar por seus anos de glória que o levaram a
conquistar prêmio como articulista de reportagem de capa? Ou faria pior ainda,
destruindo-o com ares de bondade?
Ao atravessar o corredor em direção ao escritório, Buck percebeu os olhares e
sorrisos dos subalternos. Evidentemente todos já sabiam o que acontecera.
Solidarizavam-se com ele, atônitos em razão de sua falta de bom senso. Como
Buck Williams poderia ter deixado de comparecer a uma reunião que certamente
seria a mais importante da história contemporânea, apesar do fim trágico que
resultou em duas mortes? Mas todos também estavam cientes da capacidade de
Buck. Muitos, sem dúvida, ainda consideravam um privilégio trabalhar com ele.
Sem causar surpresa a ninguém, Verna já se mudara para a sala principal. Buck
piscou para Alice, uma jovem de cabelos espetados, secretária de Verna, e espiou
dentro da sala. Dava a impressão que Verna trabalhava ali havia anos. Já mudara
os móveis de lugar e pendurara seus próprios quadros e placas de homenagem,
demonstrando claramente que ocupava um cargo importante e adorava
desempenhá-lo.
Uma pilha de papéis entulhava a mesa de Verna, e a tela do computador estava
acesa, mas ela lançava um olhar perdido em direção à janela. Buck enfiou a cabeça
no vão da porta e pigarreou. Viu que ela o reconheceu e se recompôs rapidamente.
"Cameron", disse em tom de voz seco, ainda sentada. "Esperava que você só viesse
na segunda-feira."
"Estou apenas fazendo um reconhecimento do local", ele disse. "Pode me chamar
de Buck."
"Vou chamá-lo de Cameron, se você não se importar, e..."
"Eu me importo. Por favor, pode me chamar de..."
"Vou chamá-lo de Cameron mesmo que você não queira. Você informou a alguém
que viria?"
"Como assim?"
"Você marcou horário?"
"Horário?"
"Comigo. Tenho uma agenda lotada, você sabe."
"E não há nenhum espaço para mim?"
"Então você está pedindo para que eu marque um horário?"
"Se não for incômodo. Gostaria de saber onde vou aportar e que tipo de
incumbências você tem em mente para mim, que tipo de..."
"Esses assuntos poderão ser discutidos quando nos reunirmos", disse Verna. "Alice!
Veja se tenho um horário livre em vinte minutos, por favor!"
"Tem", gritou Alice. "E terei satisfação em mostrar o cubículo do Sr. Williams
enquanto ele aguarda, se você..."
"Prefiro eu mesma fazer isso, Alice. Obrigada. Você poderia fechar a porta de minha
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sala?"
Alice olhou para Buck com ar de desculpa enquanto se levantava para fechar a
porta. Ele achou que ela revirou os olhos em sinal de enfado. "Você pode me
chamar de Buck", cochichou.
"Obrigada", respondeu ela timidamente, indicando uma cadeira perto de sua mesa.
"Vou ter de esperar aqui, como se estivesse aguardando o diretor?"
Ela assentiu com a cabeça. "Alguém procurou por você pouco antes de sua
chegada. Ela não disse quem era. Informei que você só estaria aqui na segundafeira."
"Não deixou recado?"
"Não."
"Então, onde fica meu cubículo?"
Alice olhou de relance para a porta fechada, como se temesse que Verna pudesse
vê-la. Levantou-se e apontou por cima de várias divisórias em direção a um canto
no fundo, sem janelas.
"Era ali que ficava o bule de café na última vez em que estive aqui", disse Buck.
"E continua lá", disse Alice com uma risadinha. O interfone tocou. "Pois não,
senhora."
"Se vocês precisam conversar, poderiam falar mais baixo enquanto estou
trabalhando?"
"Desculpe!" Desta vez Alice revirou os olhos de verdade.
"Vou dar uma espiada", cochichou Buck, levantando-se.
"Por favor, não faça isso. Vai me criar problemas com a manda-chuva."
Buck balançou a cabeça e voltou a sentar-se. Pensou nos lugares por onde andara,
nas pessoas com quem se encontrara, nos perigos que enfrentara em sua carreira.
E agora estava cochichando com uma secretária para que ela não tivesse
problemas com uma pretensa chefe que nunca foi capaz sequer de escrever uma
comunicação interna.
Buck suspirou. Pelo menos estava em Chicago, cercado de pessoas que se
importavam com ele de verdade.
Apesar de Rayford Steele e Chloe partilharem de uma nova fé, ele ainda estava
sujeito a profundas alterações de humor. Enquanto atravessava o aeroporto de
O'Hare, passou abruptamente e em silêncio por Nick e sentiu uma grande tristeza.
Como sentia falta de Irene e Raymie! Não tinha dúvida nenhuma de que ambos
estavam no céu. Talvez estivessem pranteando por ele. O mundo mudara de forma
tão dramática desde os desaparecimentos que poucas pessoas haviam readquirido
o senso de equilíbrio. Sentia-se agradecido por ter Bruce dando-lhe assistência, por
Chloe, e agora por Buck estar a seu lado trabalhando firme na missão que se
propuseram levar adiante, mas às vezes a simples idéia de enfrentar o futuro
parecia um fardo muito grande.
Foi por isso que sentiu um grande alívio ao ver o rosto sorridente de Chloe
aguardando por ele no fim do corredor. Em duas décadas de trabalho como piloto,
adquirira o hábito de misturar-se aos passageiros que recebiam as boas-vindas no
terminal. Quase todos os pilotos simplesmente desembarcavam da aeronave e
dirigiam-se sozinhos para casa.
Chloe e Rayford passaram a entender um ao outro como nunca acontecera antes.
Rapidamente tornaram-se amigos e confidentes. Apesar de não concordarem em
tudo, permaneciam juntos nos momentos de tristeza e dor, unidos pela nova fé e
companheiros na missão à qual deram o nome de Força Tribulação.
Rayford abraçou a filha. "Há algo errado?"
"Não, mas Bruce esteve à sua procura; Convocou uma reunião de emergência do
núcleo para o início desta noite. Não sei do que se trata, mas Bruce gostaria que
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levássemos Buck à reunião."
"Como você veio até aqui?"
"De táxi. Sabia que você tinha deixado seu carro aqui."
"Onde Buck poderia estar?"
"Ele saiu hoje à procura de um carro e de um apartamento. É difícil saber onde ele
está."
"Você telefonou para o Semanário"
"Falei com Alice, a secretária, no início da tarde. Bruce só deverá comparecer na
segunda-feira, mas poderemos ligar novamente pelo telefone do carro. Isto é, você
pode. Você é quem deve telefonar para ele, não acha? Não é melhor?"
Rayford conteve um sorriso.
Sentada à sua mesa, Alice inclinou-se para frente com a cabeça erguida, fitando
Buck e segurando-se para não cair na gargalhada enquanto ele lhe contava
algumas anedotas em voz baixa. Ele se perguntava o tempo todo como poderia
encaixar todos os seus pertences que estavam em sua sala espaçosa no escritório
de Manhattan naquele cubículo onde o pessoal se servia de café. O telefone tocou e
Buck ouviu a conversa dos dois lados da linha por meio do viva-voz. Da outra
extremidade do corredor, a recepcionista disse: "Alice, Buck Williams ainda está
aí?"
"Bem na minha frente."
"Ligação para ele."
Era Rayford Steele, telefonando do carro. "Às sete e meia da noite?" disse Buck.
"Claro, estarei lá. O quê? Ah, sim, diga a ela que retribuo o abraço. Nos
encontraremos na igreja hoje à noite."
Buck estava desligando quando Verna apareceu na porta e olhou-o com expressão
de desagrado.
"Algum problema?" ele indagou.
"Em breve você terá um telefone", ela disse. "Vamos, entre."
Assim que Buck se acomodou na cadeira, Verna informou-lhe suavemente que ele
não mais viajaria para o exterior trabalhando em reportagens de capa ou em
matérias de impacto para o Semanário Global. "Aqui em Chicago exercemos um
papel importante na revista, porém limitado", ela disse. "Interpretamos as notícias
nacionais e internacionais a partir de um ponto de vista local e regional, e
submetemos nossas reportagens a Nova York."
Buck empertigou-se na cadeira. "Quer dizer que estou sendo designado para a
Bolsa de Mercadorias de Chicago?
"Não me venha com gozações, Cameron. Nunca vai conseguir. Você trabalhará em
qualquer matéria que necessite de cobertura no decorrer da semana. Sua tarefa
será canalizar o assunto ao editor-chefe e a mim, e eu decidirei se a matéria tem
conteúdo e qualidade para ser transmitida a Nova York."
Buck suspirou. "Não perguntei ao chefão o que eu deveria fazer com meus
trabalhos em andamento; Acho que nem você sabe."
"De agora em diante seu contato com Stanton Bailey será também por meu
intermédio. Entendido?"
"Você está me perguntando se entendo ou se concordo?"
"Nem uma coisa nem outra. Estou perguntando se aceita."
"Acho que não", respondeu Buck, sentindo uma onda de calor subindo pelo pescoço
e o pulso acelerando. Não queria entrar em discussão acalorada com Verna. Mas
também não pretendia permanecer calado diante de alguém que não pertencia ao
ramo jornalístico e que jamais deveria sentar-se na cadeira de Lucinda Washington
e exercer liderança sobre ele.
"Discutirei o assunto com o Sr. Bailey", ela disse. "Como você pode imaginar, tenho
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todos os tipos de recursos à minha disposição para lidar com empregados
insubordinados."
"Posso imaginar. Por que você não liga agora para ele?"
"Para quê?"
"Para esclarecer qual é a minha função. Aceitei ser rebaixado de cargo e
transferido. Você sabe tanto quanto eu que se meu trabalho for restrito a matérias
de natureza regional, meus contatos e experiência irão por água abaixo."
"E seu talento também, você gostaria de dizer."
"Deduza o que quiser. Mas antes de você liquidar-me de vez, saiba que trabalhei
dezenas de horas em minha reportagem de capa sobre a teoria dos
desaparecimentos... ora, por que estou lhe falando disso?"
"Porque sou sua chefe e porque dificilmente um articulista da sucursal de Chicago
trabalharia em uma reportagem de capa."
"Nem mesmo um articulista que já trabalhou em muitas? Desafio você a ligar para
Bailey. A última vez que ele comentou algo sobre meu trabalho foi para dizer que
seria um sucesso."
"Ah, é? Na última vez que conversei com ele, tomei conhecimento da última
conversa entre vocês."
"Aquilo foi um mal-entendido."
"Foi uma mentira. Você disse que esteve em um lugar, mas todo mundo jurou que
você não esteve. Se eu fosse ele, teria demitido você."
"Se você tivesse autoridade para me demitir, eu pediria demissão."
"Quer demitir-se?"
"Vou lhe dizer o que quero, Verna. Quero..."
"Exijo que todos os meus subordinados me chamem de Srta. Zee."
"Você não tem subordinados neste escritório", disse Buck. E você não..."
"Você está se aproximando muito da linha de fogo, Cameron."
"Você não receia que Srta. Zee seja um tratamento muito juvenil?"
Ela levantou-se. "Acompanhe-me." Irritada, passou por ele, saiu abruptamente da
sala e caminhou pelo longo corredor com passos firmes.
Buck parou diante da mesa de Alice. "Obrigado por tudo, Alice", disse rapidamente.
"Tenho uma boa quantidade de bugigangas que estão sendo despachadas para cá e
gostaria que você as enviasse para meu novo apartamento."
Alice começou a assentir com a cabeça, mas seu sorriso gelou quando Verna gritou
no final do corredor. "Rápido, Cameron!"
Buck virou-se lentamente. "Voltarei a falar com você, Alice." Caminhou devagar
propositadamente só para irritar Verna. Algumas pessoas dentro de seus cubículos
observaram a cena, fingindo não ter visto nada, mas sorrindo furtivamente.
Verna marchou até o canto destinado a servir café e apontou para uma pequena
mesa, um telefone e um arquivo. Buck sorriu com desdém.
"Você terá um computador dentro de uma semana ou pouco mais", ela disse.
"Peça que o entreguem em meu apartamento."
"Isso está fora de cogitação."
"Não, Verna, o que está fora de cogitação é você tentar desabafar toda a sua
frustração em alguém que conhece as coisas em um piscar de olhos. Você sabe
tanto quanto eu que ninguém com um mínimo de dignidade suportaria isto. Se eu
tiver de trabalhar na região de Chicago, vou trabalhar em casa com um
computador, um modem e um fax. Se você está pretendendo me ver neste
escritório novamente por uma razão ou outra, é melhor telefonar para Stanton
Bailey imediatamente."
Verna parecia preparada para não arredar pé, portanto Buck tomou a iniciativa de
dirigir-se para a sala dela. Verna o seguiu. Ele passou por Alice, que parecia
tomada pelo pânico, e aguardou diante da mesa de Verna até ela chegar. "Você
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mesma vai discar ou quer que eu disque?" ele ordenou.
Rayford e Chloe lancharam a caminho de casa e encontraram um recado telefônico
urgente do comandante de Rayford. "Ligue para mim assim que chegar." Com o
quepe debaixo do braço e trajando ainda sua capa impermeável de uniforme,
Rayford discou o número que sabia de cor. "O que houve, Earl?"
"Obrigado por retornar minha ligação imediatamente, Ray. Você e eu nos
conhecemos há muito tempo."
"Tempo suficiente para que você vá direto ao assunto, Earl. O que foi que eu fiz?"
"Este não é um telefonema oficial, está bem? Não se trata de uma reprimenda,
nem de uma admoestação, nem de outra coisa qualquer. Trata-se de uma conversa
de amigo para amigo."
"Se é de amigo para amigo, Earl, devo me tranqüilizar?"
"Não, mas deixe-me dizer-lhe uma coisa, rapaz, você andou fazendo proselitismo."
"Fazendo o quê?"
"Falando de Deus no trabalho, homem."
"Earl, eu paro de falar quando alguém retruca, e você sabe que não deixo esse
assunto interferir no trabalho. A propósito, qual é sua opinião a respeito dos
desaparecimentos?"
"Já esgotamos esse assunto, Ray. Estou apenas lhe dizendo que Nicky Edwards vai
fazer um relatório sobre você, e eu gostaria de dizer a ele que já conversamos
sobre isso e que você concordou em parar de falar no assunto."
"Fazer um relatório sobre mim? Por acaso transgredi alguma regra, infringi um
regulamento ou cometi um crime?"
"Não sei que nome ele dará a isso, mas você já foi advertido, certo?"
"Entendi que esse telefonema não era oficial."
"E não é, Ray. Você quer que seja? Quer que eu lhe telefone amanhã e o arraste
até aqui para uma reunião e redija um memorando para seu prontuário, ou prefere
que eu contorne a situação, que lhes diga que foi um mal-entendido, que você já
esfriou a cabeça e que o assunto não voltará à baila novamente?"
Rayford permaneceu calado.
"Vamos, Ray, isto não é um bicho-de-sete-cabeças. Não quero que você pense
muito no assunto."
"Mas terei de pensar, Earl. Gostei de você ter-me alertado, mas ainda não me sinto
preparado para fazer concessões."
"Não faça isso comigo, Ray."
"Não tem nada a ver com você, Earl. Tem a ver comigo."
"Ah, sim, mas eu é que terei de encontrar um substituto qualificado para pilotar o
747 e o 757."
"Você não está falando sério! Eu poderia perder o emprego por causa disso?"
"Aposto que sim."
"Ainda preciso pensar mais um pouco."
"Você está piorando as coisas, Ray. Preste atenção, mesmo que você recupere o
bom senso e o assunto seja esquecido, será necessário reinscrever-se logo para
pilotar o 757. A empresa estará adquirindo mais seis aeronaves dentro um mês ou
pouco mais, e haverá falta de pilotos aqui. Você vai querer fazer parte da lista. Mais
dinheiro, você sabe."
"Isso já não é o mais importante para mim, Earl."
"Eu sei."
"Mas a idéia de pilotar o 757 é atraente. Voltarei a falar com você."
"Não me faça esperar muito, Ray."
"Telefonarei para o Sr. Bailey se eu quiser", disse Verna, "mas você deve saber que
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já é tarde para ligar para Nova York."
"Ele está sempre lá, você sabe disso. Disque para sua linha direta que fica ligada
após o expediente."
"Não tenho o número."
"Vou escrevê-lo para você. Provavelmente ele está entrevistando um substituto
para mim."
"Vou ligar para o Sr. Bailey, Cameron, e permitirei que você lhe diga o que pensa.
Antes, porém, preciso conversar com ele, e me reservo o direito de lhe contar o
quanto você tem sido insubordinado e desrespeitoso. Por favor, espere lá fora."
Alice estava juntando suas coisas para encerrar o expediente quando Buck surgiu
com um olhar travesso. Os outros funcionários já estavam saindo do escritório em
direção ao estacionamento ou à estação do metrô. "Você ouviu tudo?" cochichou
Buck.
"Eu ouço tudo", ela disse em voz baixa. "Você conhece estes novos aparelhos vivavoz,
esses que a pessoa não precisa aguardar até que a outra termine de falar?"
Ele assentiu com a cabeça.
"Esses aparelhos também não acusam se alguém estiver ouvindo. Basta desligar a
tecla de comunicação, deste jeito, e se algo bater sem querer no botão viva-voz -
epa! - você poderá ouvir a conversa sem que ninguém saiba. Não é uma boa?"
Do aparelho viva-voz na mesa dela ouviu-se o som do telefone tocando em Nova
York.
"Stanton. Quem é?"
"Lamento, senhor, precisar aborrecê-lo a esta hora..."
"Se você sabe o número é porque tem algo importante a me dizer. Vamos, quem
é?"
"Verna Zee, de Chicago."
"Ah, sim, Verna, o que houve?"
"Tenho um problema aqui. Cameron Williams."
"Ah, sim, eu pretendia dizer a você para deixá-lo em paz. Williams está trabalhando
em duas grandes matérias para mim. Você arrumou um belo lugar onde ele possa
trabalhar, ou devemos deixá-lo trabalhar em seu próprio apartamento?"
"Temos um lugar para ele aqui, senhor, mas Cameron foi grosseiro e insubordinado
comigo hoje e..."
"Ouça, Verna, não quero que você se preocupe com Williams. Ele está determinado
a buscar explicação para algo que nem imagino, mas deixe que vá em frente. Ele
ainda é uma estrela aqui e vai fazer mais ou menos a mesma coisa que tem feito.
Receberá menos dinheiro, terá um cargo com menos prestígio e não voltará a
trabalhar em Nova York, mas suas tarefas partirão daqui. Você não precisa
preocupar-se com ele, está certo? Na verdade, acho que seria melhor para ambos
se ele não trabalhasse no escritório."
"Mas, senhor..."
"Tem algo mais a dizer, Verna?"
"Bem, gostaria que o senhor me tivesse dito isso antes. Preciso de seu apoio. Ele
agiu de maneira imprópria comigo e..."
"E daí? Ele avançou sobre você, chegou a atacá-la ou fez algo parecido?"
Buck e Alice cobriram a boca com as mãos para não caírem na gargalhada. "Não,
senhor, mas deixou claro que não vai subordinar-se a mim."
"Sinto muito, Verna, mas ele não vai mesmo, está bem? Não vou desperdiçar
Cameron Williams em trabalhos regionais. Com isso não estou dizendo que não
aprecie cada linha de texto que vem de seu escritório, entenda bem."
"Mas, senhor...
"Lamento muito, Verna, há mais alguma coisa? Não estou sendo claro ou temos
outro problema? Diga-lhe apenas para pedir o equipamento necessário, debitar as
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despesas na conta da sucursal de Chicago e receber as ordens diretamente daqui.
Entendido?"
"Mas ele deveria pedir desc..."
"Verna, você realmente precisa que eu atue como mediador de um conflito de
personalidades, estando a quilômetros de distância? Se você não pode resolver a
questão sozinha..."
"Posso, senhor, e resolverei. Obrigada. Lamento tê-lo aborrecido."
O interfone tocou. "Alice, mande-o entrar."
"Sim, senhora, e depois posso..."
"Sim, pode ir embora."
Buck percebeu que Alice arrumava suas coisas lentamente, como quem quer
continuar ouvindo a conversa. Entrou rapidamente na sala de Verna, esperando
poder conversar por telefone com Stanton Bailey.
"Ele não precisa falar com você. Deixou claro que não devo envolver-me em suas
embromações. Estou ordenando que você trabalhe em seu apartamento."
Buck sentiu vontade de dizer que seria difícil deixar passar em branco os
comentários sarcásticos que ela proferira a seu respeito, mas já estava se sentindo
culpado por ter escutado sua conversa às escondidas. Um sentimento novo. Culpa.
"Tentarei ficar fora de seu caminho", ele disse.
"Será um prazer."
Quando Buck chegou ao estacionamento, Alice estava à sua espera. "Aquilo foi
ótimo", ela disse.
"Você deveria envergonhar-se." Ele deu um largo sorriso.
"Você também escutou."
"Escutei sim. Tchau."
"Vou perder o trem das seis e meia", ela disse, "mas valeu a pena."
"Posso levá-la até a estação. Mostre-me onde fica a estação."
Alice aguardou enquanto ele abria a porta do carro. "Belo carro."
"Novinho em folha", ele respondeu. Era exatamente como se sentia.
Rayford e Chloe chegaram adiantados à Igreja Nova Esperança. Bruce estava lá,
terminando de comer um sanduíche. Ele aparentava ter bem mais do que seus
trinta e poucos anos. Depois de cumprimentá-los, ajeitou os óculos no lugar e
recostou-se na cadeira. "Vocês localizaram Buck?" indagou.
"Ele disse que viria", respondeu Rayford. "Qual é o assunto urgente?"
"Você ouviu as notícias hoje?"
"Por alto. É algo significativo?"
"Acho que sim. Vamos aguardar a chegada de Buck."
"Enquanto isso, deixe-me contar o que aconteceu comigo hoje", disse Rayford.
Quando ele terminou, Bruce estava sorrindo. "Aposto que isso nunca constou de
seu prontuário antes."
Rayford balançou a cabeça e mudou de assunto. "Parece" muito estranho Buck
fazer parte do núcleo, principalmente por ele ser tão novato no assunto.
"Somos todos novatos, não?" disse Chloe.
"Verdade."
Bruce levantou a cabeça e sorriu. Rayford e Chloe viraram-se e avistaram Buck na
porta de entrada.
14
DOIS
Buck não sabia como reagir quando Rayford Steele o cumprimentou efusivamente.
Gostava do calor humano e da franqueza de seus três novos amigos, mas algo o
aborrecia e ele mantinha uma certa distância. Ainda não se sentia à vontade com
esse tipo de afeição. E qual seria o tema da reunião? A Força Tribulação estava
programada para reunir-se regularmente, portanto uma reunião especialmente
convocada deveria ter um significado importante.
Chloe olhava para ele com ar esperançoso quando o cumprimentou. Mesmo assim,
não o abraçou como Steele e Bruce Barnes haviam feito. A conduta discreta de
Chloe era por sua causa, naturalmente. Eles mal se conheciam, mas houvera uma
reação da parte de ambos. Já tinham deixado transparecer os sinais do início de um
relacionamento. Em um bilhete a Chloe, Buck admitira que sentia atração por ela.
Mas ele precisava agir com cautela. Ambos eram novos na fé e somente agora
estavam aprendendo o que o futuro lhes traria. Só um tolo iniciaria um
relacionamento em tempos como este.
E ele não era exatamente issoum tolo? Como pôde ter levado tanto tempo para
conhecer Cristo apesar de ter sido um aluno brilhante, um jornalista internacional e
um pretenso intelectual?
E o que estava acontecendo com ele agora? Sentia-se culpado por ter ouvido seus
chefes discutindo a seu respeito por telefone. No passado, jamais teria dado a
mínima importância a um fato como esse. As artimanhas, os esquemas e as
mentiras que ele preparara e contara para conseguir uma reportagem dariam para
escrever um livro. E agora, seria ele tão bom jornalista como sempre foi, tendo
Deus em sua vida parecendo alfinetar sua consciência mesmo diante de coisas
insignificantes?
Rayford percebeu o desconforto de Buck e a hesitação de Chloe. Porém o que mais
o impressionou foi a mudança quase instantânea no semblante de Bruce. Bruce
sorrira diante da história contada por Rayford a respeito de seu problema no
emprego, e sorriu quando Buck chegou. De repente, contudo, o rosto de Bruce
anuviou-se. Seu sorriso desapareceu e ele estava tendo dificuldade de recomporse.
Rayford era inexperiente nesse tipo de sensibilidade. Antes do desaparecimento da
esposa e do filho, fazia anos que não chorava. Sempre considerou que as emoções
eram sinal de fraqueza e falta de virilidade. No entanto, após os desaparecimentos,
viu muitos homens chorar. Estava convencido de que os sumiços por todo o mundo
tinham sido ocasionados por Cristo ao arrebatar sua igreja, mas para aqueles que
foram deixados para trás o evento foi catastrófico.
Mesmo para ele e Chloe, que se tornaram crentes em razão disso, o horror de
perder os membros da família foi terrível. Houve dias em que Rayford se sentiu tão
angustiado e saudoso da esposa e do filho que teve dúvidas se conseguiria
prosseguir. Como pôde ser tão cego? Que fracasso ele havia sido como marido e
como pai!
Bruce, porém, era um sábio conselheiro. Também perdeu esposa e filhos, e ele,
acima de tudo, deveria estar preparado para a vinda de Cristo. Com o apoio de
Bruce e a ajuda das duas outras pessoas presentes naquela sala, Rayford sabia que
poderia prosseguir. Contudo, havia algo mais na mente de Rayford do que uma
simples luta pela sobrevivência. Estava começando a acreditar que ele - e todos os
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presentes - precisariam tomar uma atitude, talvez arriscando suas próprias vidas.
Se houve um momento de dúvida ou hesitação quanto a isso, elas desapareceram
quando Bruce Barnes finalmente conseguiu falar. O jovem pastor cerrou os lábios
para evitar que tremessem. Seus olhos estavam marejados de lágrimas.
"Eu, hã, preciso falar com vocês", ele começou, inclinando-se para frente e parando
para se recompor. "Diante de todas as notícias vindas de Nova York nestes últimos
dias, resolvi deixar a televisão ligada na CNN o tempo todo. Rayford, você disse
que não ouviu a última. E você, Chloe?" Ela balançou a cabeça negativamente.
"Buck, suponho que você tenha acesso imediato a todos os pronunciamentos de
Carpathia."
"Não o de hoje", disse Buck. "Só fui ao escritório no fim do dia, e não ouvi nada."
O rosto de Bruce pareceu anuviar-se novamente, e ele deu um sorriso apologético.
"As notícias são devastadoras, mas este não é o problema principal", ele disse.
"Estou sentindo uma enorme responsabilidade por vocês. Estou tentando dirigir
esta igreja, vocês sabem, mas isso parece muito insignificante quando comparado a
meu estudo a respeito da profecia. Tenho passado a maior parte de meus dias e
noites debruçado sobre a Bíblia e comentários correlatos, e sinto a pressão de Deus
sobre mim."
"A pressão de Deus?" repetiu Rayford. Bruce rompeu em prantos. Chloe estendeu o
braço sobre a mesa e colocou sua mão sobre a dele. Rayford e Buck também
tocaram em Bruce.
"É difícil demais", disse Bruce, lutando para se fazer compreendido. "E sei que isso
não acontece só comigo. Acontece com vocês e com todos os que freqüentam esta
igreja. Todos nós estamos sofrendo muito, todos nós perdemos entes queridos, e
todos nós não enxergamos a verdade."
"Mas agora a encontramos", disse Chloe, "e Deus usou o senhor para isso."
"Sei. É que sinto tantas emoções conflitantes que passo a me perguntar o que virá
a seguir. Minha casa é tão grande e está tão fria e solitária sem minha família que
às vezes nem vou para lá à noite. Há ocasiões em que estudo até cair de sono, e
vou para casa de manhã só para tomar uma ducha, trocar de roupa e voltar para
cá."
Pouco à vontade, Rayford olhava para um ponto distante. Por ter sido ele quem
tentara aproximar seus amigos, gostaria agora que alguém mudasse o rumo da
conversa, derivasse o assunto para o tema principal da reunião. Mas Bruce era uma
pessoa diferente. Tinha seus próprios métodos de comunicação e momento
apropriado para falar.
Bruce pegou um lenço de papel enquanto os outros três permaneciam em silêncio.
Quando falou novamente, sua voz ainda estava rouca. "Sinto um peso enorme
sobre mim", disse. "Uma das coisas que nunca foram meu ponto forte era ler a
Bíblia diariamente. Eu fingia ser um crente, um pretenso obreiro cristão dedicado,
mas não dava muita importância à Bíblia. Agora não consigo extrair o máximo que
ela tem a me oferecer.
Buck identificava-se com Bruce. Desejava saber cada coisa que Deus havia tentado
comunicar-lhe durante anos. Esse foi um dos motivos, além de Chloe, de não ter se
importado ao ser transferido para Chicago. Desejava freqüentar esta igreja e ouvir
Bruce explicar a Bíblia sempre que as portas estivessem abertas. Desejava
mergulhar nos conhecimentos e ensinamentos de Bruce como membro deste
pequenino núcleo.
Buck ainda tinha o emprego e estava escrevendo uma matéria importante, mas sua
principal ocupação era conhecer a Deus e ouvir sua mensagem. O resto não
passava de um meio para atingir um fim.
Bruce ergueu a cabeça. "Agora entendo o que o povo queria dizer com a expressão
regozijar-se na Palavra. Às vezes, passo horas sorvendo-a, chorando e orando.
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Perco a noção do tempo e esqueço até de me alimentar. Outras, dobro os joelhos,
clamando a Deus por mais esclarecimento. E o que mais me espanta é que Ele está
fazendo exatamente isso."
Buck percebeu que Rayford e Chloe movimentavam a cabeça afirmativamente. Era
mais novato que ambos no assunto, mas sentia o mesmo interesse ardente pela
Bíblia. Mas aonde Bruce estaria querendo chegar? Estaria dizendo que Deus lhe
revelara algo?
Bruce deu um longo suspiro e levantou-se. Caminhou até um dos cantos da mesa e
sentou-se ali, olhando firme para os três. "Necessito de suas orações", disse. "Deus
está me mostrando coisas, incutindo verdades dentro de mim que mal consigo
refreá-las. E se as tornar públicas, serei ridicularizado e possivelmente estarei em
perigo."
"Claro que oraremos", disse Rayford. "Mas o que isso tem a ver com as notícias de
hoje?"
"Tem tudo a ver com as notícias, Rayford." Bruce balançou a cabeça. "Você não
enxerga? Sabemos que Nicolae Carpathia é o Anticristo. Digamos que por uma
questão de argumentação a história de Buck sobre o poder hipnótico sobrenatural
de Carpathia e o assassinato desses dois homens seja ridícula. Mesmo assim, há
plenas evidências de que Carpathia se encaixa nas descrições proféticas. Ele é
enganador. É sedutor. O povo está se unindo para apoiá-lo. Foi levado ao poder
aparentemente contra sua vontade. Ele está forçando a idéia de um governo
mundial único, uma moeda única, um tratado com Israel, transferir a sede da ONU
para Babilônia. Isso basta como prova. Como pode um homem fomentar todas
essas coisas e não ser o Anticristo?"
"Sabíamos que isso aconteceria", disse Buck. "Ele tornou público todos os seus
planos?"
"Todos hoje."
Buck deu um leve assobio. "O que Carpathia disse?"
"Deu a notícia por intermédio do secretário de imprensa, seu ex-chefe, Buck. Como
é o nome dele?"
"Plank."
"Correto. Steve Plank. Organizaram uma entrevista coletiva à imprensa para que
ele informasse aos meios de comunicação que Carpathia estaria fora de circulação
durante alguns dias, dirigindo reuniões estratégicas de alto nível."
"E ele disse do que se tratavam as reuniões?"
"Disse que Carpathia, apesar de não estar almejando a posição de líder, sentiu-se
na obrigação de tomar rápidas providências para unir o mundo em direção à paz.
Organizou equipes de trabalho para implementar o desarmamento das nações do
mundo e para confirmar que isso foi feito. Ordenou que os 10 por cento da
produção armamentista de cada país que não estão sendo destruídos sejam
embarcados para Babilônia, à qual ele deu o novo nome de Nova Babilônia. A
comunidade financeira internacional, cujos representantes já estão em Nova York
para as reuniões, foi encarregada de estabelecer uma única moeda."
"Eu jamais teria acreditado nisso." Buck franziu as sobrancelhas. "Tempos atrás um
amigo tentou me alertar."
"E isso não é tudo", prosseguiu Bruce. "Vocês acham que foi coincidência o fato de
os líderes das principais religiões estarem em Nova York quando Carpathia chegou
na semana passada? Como isso poderia ter acontecido, a não ser para que a
profecia fosse cumprida? Carpathia está persuadindo esses líderes a se unirem,
concordarem em um tipo de esforço em conjunto quanto à tolerância, respeitando
suas crenças em comum."
"Crenças em comum?" estranhou Chloe. "Algumas dessas religiões têm tantas
diferenças que jamais chegariam a um acordo."
17
"Mas eles estão concordando", disse Bruce. "Aparentemente Carpathia está
negociando. Não sei o que está oferecendo, mas espera-se um pronunciamento dos
líderes religiosos até o fim da semana. Acho que teremos uma religião mundial
única."
"Quem se deixaria seduzir por isso?"
"A Bíblia menciona que muitos."
A mente de Rayford girava. Sentia dificuldade em concentrar-se desde o dia dos
desaparecimentos. Em certas ocasiões ele ainda se perguntava se tudo aquilo não
havia sido um terrível pesadelo, do qual acordaria para em seguida mudar a sua
maneira de viver. Seria ele o Scrooge (personagem do livro Canção de Natal, de
Charles Dickens, n.t.), que precisou ter um sonho tão horrível para ver o mal que
havia praticado? Ou seria George Bailey, personagem interpretado por James
Stewart no filme It's a Wonderful Life, que conseguiu ter seus desejos realizados e
depois se arrependeu?
Rayford sabia de duas pessoas - Buck e Hattie - que conheceram pessoalmente o
Anticristo! O quanto isso era bizarro! Quando ele se permitiu refletir sobre o
assunto, sentiu um calafrio de terror dentro de si. A batalha cósmica entre Deus e
Satanás abatera-se sobre sua própria vida. Em um piscar de olhos, ele, que sempre
fora um pai cético e negligente, um marido lascivo e galanteador, passou a ser um
crente fanático em Cristo.
"Por que as notícias de hoje o transtornaram tanto, Bruce?" indagou Rayford.
"Penso que nenhum de nós duvidou da história de Buck nem perdeu tempo em
questionar se Carpathia era o Anticristo."
"Não sei, Rayford." Bruce voltou a sentar-se na cadeira. "Tudo o que sei é que
quanto mais me aproximo de Deus, quanto mais me aprofundo no estudo da Bíblia,
mais pesada fica a carga sobre meus ombros. O mundo precisa saber que está
sendo enganado. Sinto urgência em falar de Cristo em qualquer lugar, não apenas
aqui. O povo desta igreja está assustado e sedento de Deus. Estamos tentando
satisfazer suas necessidades, porém vejo mais sofrimentos pela frente.
"A notícia que chegou a meus ouvidos hoje foi o comunicado que o próximo
principal objetivo de Carpathia é o que ele chama de 'um entendimento' entre a
comunidade global e Israel, bem como o que ele chama de 'um acordo especial'
entre a ONU e os Estados Unidos."
Buck endireitou-se na cadeira. "O que você deduz disso?"
"Não sei qual é o papel dos Estados Unidos porque, por mais que eu estude, não
vejo a América envolvida neste período da história. Porém todos nós sabemos que
haverá o 'entendimento' com Israel. Não sei de que forma acontecerá ou que
benefícios trará à Terra Santa, mas este é claramente o tratado dos sete anos."
Chloe ergueu a cabeça. "E isso sinaliza o início do período de sete anos de
tribulação."
"Exatamente." Bruce olhou para o grupo. "Se esse comunicado disser qualquer
coisa sobre uma promessa de Carpathia de que Israel será protegido ao longo dos
próximos sete anos, isso oficialmente anuncia a Tribulação."
Buck fazia anotações. "Então os desaparecimentos, o Arrebatamento, não deram
início ao período de sete anos?"
"Não", respondeu Bruce. "Parte de mim esperava que acontecesse algo para
retardar o tratado com Israel. A Bíblia não menciona que isso venha a acontecer
imediatamente. Mas assim que acontecer, o cronômetro começará a funcionar."
"Começará a funcionar marcando o tempo em que Cristo estabelecerá seu reino na
terra, certo?" perguntou Buck. Rayford estava impressionado por Buck ter
aprendido tanto em tão curto espaço de tempo.
Bruce assentiu. "Certo. E esse é o motivo desta reunião. Preciso dizer-lhes uma
coisa. Vou realizar uma reunião de duas horas, aqui neste escritório, uma vez por
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semana, das vinte às vinte e duas horas. Só para nós."
"Estarei viajando um bocado", disse Buck
"Eu também", complementou Rayford.
Bruce levantou a mão. "Não posso obrigá-los a comparecer, mas devo insistir.
Sempre que estiverem na cidade, venham aqui. Em nossos estudos vamos
descrever em linhas gerais o que Deus revelou nas Escrituras. Alguns fatos vocês já
conhecem por meu intermédio. Mas se o tratado com Israel acontecer nos próximos
dias, não teremos tempo a perder. Precisamos organizar novas igrejas, novos
grupos de crentes. Quero viajar para Israel e ouvir as duas testemunhas no Muro
das Lamentações. A Bíblia fala do surgimento de 144.000 judeus que viajarão ao
redor do mundo. Haverá um grande número de almas que aceitarão a Cristo, talvez
mais de um bilhão."
"Isso parece fantástico", disse Chloe. "Devemos ficar emocionados."
"Eu estou emocionado", disse Bruce. "Porém haverá pouco tempo para regozijo ou
descanso. Lembra-se do que o livro de Apocalipse fala dos sete Julgamentos
Selados?" Ela concordou com um movimento de cabeça. "Começarão
imediatamente, se estou certo. Haverá um período de dezoito meses de paz, mas
nos três meses seguintes, o restante dos Julgamentos Selados cairá sobre a terra.
Um quarto da população mundial será extinta. Não quero parecer piegas, mas
olhem ao redor desta sala e digam-me o que esse fato significa para vocês."
Rayford não precisou olhar ao redor da sala. Estava sentado ao lado das três
pessoas mais próximas a ele no mundo. Será que em menos de dois anos perderia
outro ente querido?
Buck fechou seu livro de anotações. Não ia deixar registrado que alguém naquela
sala poderia morrer brevemente. Lembrou-se de seu primeiro dia de aula na
faculdade quando o professor lhe pediu para olhar para a direita e depois para a
esquerda. "Um de vocês três não estará aqui depois de um ano." Aquilo foi quase
engraçado quando comparado à situação atual.
"Não queremos simplesmente sobreviver", disse Buck. "Queremos agir."
"Eu sei", disse Bruce. "Acho que estou sofrendo por antecipação. Vai ser uma
caminhada longa e difícil. Estaremos todos atarefados e assoberbados, mas
devemos traçar nossos planos."
"Eu estava pensando em voltar para a faculdade", disse Chloe pensativa. "Não para
Stanford, mas para uma outra aqui por perto. Agora me pergunto, valerá a pena?"
"Você poderá freqüentar uma faculdade aqui neste lugar", disse Bruce. "Todas as
noites às oito horas. E há mais uma coisa."
"Eu sabia", disse Buck.
"Precisaremos de um abrigo."
"Um abrigo?" indagou Chloe.
"No subsolo", respondeu Bruce. "Durante o período de paz poderemos construir um
sem levantar suspeitas. Quando acontecer o Julgamento, não teremos condição de
levar esse plano adiante."
"Do que você está falando?" perguntou Buck.
"Estou falando de conseguir uma escavadeira e preparar um lugar para nos
refugiar. A guerra está chegando - fome, pragas e morte."
Rayford levantou a mão. "Achei que não íamos fugir e nos esconder."
"E não vamos", disse Bruce. "Mas se não traçarmos planos, se não tivermos um
lugar para nos abrigar, reorganizar os grupos, escapar da irradiação e de doenças,
morreremos tentando provar que somos corajosos."
Buck estava impressionado pelo fato de Bruce ter um plano, um plano real. Bruce
disse que encomendaria um enorme tanque d'água para ser entregue ali. Ficaria
instalado ao lado do estacionamento durante semanas, e as pessoas pensariam que
se tratava apenas de um tanque para armazenar água. Depois, ele providenciaria
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uma escavadeira para abrir uma cratera com tamanho suficiente para alojar o
tanque.
Nesse ínterim, os quatro componentes do grupo perfurariam as paredes do tanque,
passariam fios elétricos e condutores de água pelos buracos e preparariam o local
para servir de esconderijo. Depois de algum tempo, Bruce mandaria retirar o
tanque dali. Se alguém visse o tanque ser retirado imaginaria que ele não tinha o
tamanho ideal ou estava com defeito. Quem não viu imaginaria que foi
originalmente instalado debaixo da terra.
A Força Tribulação faria uma conexão entre o abrigo no subsolo e a igreja por meio
de uma passagem secreta, mas só a usariam em caso de necessidade. Todas as
reuniões seriam realizadas no escritório de Bruce.
A reunião daquela noite terminou com uma oração. Os três novos crentes oraram
por Bruce e por sua responsabilidade como líder.
Buck insistiu para que Bruce fosse para casa e dormisse um pouco. Na saída, Buck
virou-se para Chloe. "Vou lhe mostrar meu carro novo, mas agora já não parece ter
sido um bom negócio."
"Entendo o que você quer dizer." Ela sorriu. "É bonito. Você gostaria de jantar
conosco?"
"Não estou com fome. Na verdade, estou precisando começar a me instalar no novo
apartamento."
"Já está mobiliado?" ela perguntou. "Caso contrário, você poderia ficar conosco até
comprar alguns móveis. Temos muito espaço em casa."
Ele pensou na ironia do convite. "Obrigado. O apartamento está mobiliado."
Rayford apareceu, vindo do fundo da sala. "Onde você vai morar, Buck?"
Buck descreveu o condomínio que ficava na metade do caminho entre a igreja e o
Semanário.
"Não é muito longe."
"Não. Convidarei vocês para me visitarem assim que estiver instalado."
Rayford abriu a porta do carro, do lado do motorista, e Chloe esperou que ele
abrisse a outra porta. Os três permaneceram de pé em silêncio e pouco à vontade
sob a parca iluminação das lâmpadas da rua. "Bem", disse Buck, "é melhor eu
seguir meu caminho." Rayford entrou no carro. Chloe permaneceu fora. "Até logo."
Chloe fez um leve aceno e Buck foi embora. Ele se sentia um idiota. Como deveria
ter agido? Sabia que ela estava aguardando, esperando algum sinal de que ele
estava interessado. E ele estava. Só que tinha dificuldade em demonstrar. Não
sabia se era por causa do pai dela ou por causa das muitas coisas que estavam
acontecendo na vida de todos eles.
Buck pensou no comentário de Chloe ao dizer que não valeria a pena cursar a
faculdade. Aquilo também se aplicava a um caso amoroso, ele pensou. Por certo,
ele estava sozinho. Por certo, tinham muitas coisas em comum. Por certo, sentia
atração por ela, e estava claro que essa atração era recíproca. Mas o fato de
demonstrar interesse por uma mulher naquele momento não pareceria um pouco
trivial, considerando tudo o que Bruce acabara de dizer?
Buck já aprendera a amar a Deus. Essa deveria ser sua paixão até a volta de
Cristo. Seria certo, ou pelo menos prudente, concentrar sua atenção em Chloe
Steele ao mesmo tempo? Tentaria afastá-la de seus pensamentos.
As chances eram poucas.
"Você gosta dele, não?" perguntou Rayford ao saírem do estacionamento.
"Ele é uma boa pessoa."
"Estou falando de Buck."
"Sei de quem você está falando. Ele é uma boa pessoa, porém mal toma
conhecimento de minha existência."
"Ele está com a cabeça cheia."
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"Recebo mais atenção da parte de Bruce, e ele tem a cabeça mais cheia do que
qualquer um de nós."
"Depois que Buck se instalar em seu apartamento ele nos telefonará."
"Telefonará?" disse Chloe. "Você parece o personagem Pa [pai] de Little House on
the Prairie [seriado da TV sobre uma família de colonos]."
"Desculpe-me."
"De qualquer forma, penso que Buck Williams não quer mais saber de
telefonemas."
O apartamento de Buck parecia vazio sem seus pertences ali. Desvencilhou-se dos
sapatos e ligou para seu voice mail (sistema eletrônico de comunicação com
mensagens gravadas) em Nova York. Queria deixar um recado para Marge Potter,
sua ex-secretária, perguntando quando chegariam as caixas despachadas de Nova
York. Marge se adiantara a ele. O primeiro dos três recados era dela. "Não sabia
para onde despachar suas coisas, portanto enviei-as ontem à noite para a sucursal
de Chicago. Devem chegar na segunda-feira de manhã."
O segundo recado era do chefão, Stanton Bailey. "Ligue para mim na segundafeira,
Cameron. Quero receber sua matéria até o final da próxima semana e
precisamos conversar."
O terceiro era de seu antigo editor-executivo, Steve Plank, agora porta-voz de
Nicolae Carpathia. "Buck, ligue para mim assim que puder. Carpathia deseja
conversar com você."
Buck fungou, deu uma risadinha e apagou os recados. Deixou gravado um
agradecimento para Marge e uma confirmação de recebimento de recado para
Bailey. Anotou o número do telefone de Steve e decidiu esperar para retornar sua
ligação. Carpathia deseja conversar com você. Uma maneira casual de dizer O
inimigo de Deus está à sua procura. Buck não tinha certeza se Carpathia sabia que
a lavagem cerebral não surtira efeito em relação a ele. O que aquele homem faria,
ou tentaria fazer, se soubesse que a memória de Buck estava perfeita? E se
imaginasse que Buck sabia que ele era um assassino, um mentiroso, uma besta?
Sentado diante do aparelho de TV, Rayford ouvia as análises dos comentaristas a
respeito dos comunicados vindos da Organização das Nações Unidas. A maioria
apoiava a transferência da ONU para as ruínas da Babilônia, localizada ao sul de
Bagdá. Um dos comentaristas disse: "Se Carpathia estiver sendo sincero quanto ao
desarmamento mundial e armazenar os 10 por cento restantes do equipamento
bélico, prefiro que o local escolhido seja no Oriente Médio, nas cercanias de Teerã,
e não em uma ilha perto de Nova York. Gostaria também que o edifício da ONU,
depois de desativado, fosse transformado em museu, por ser o edifício mais
horroroso que este país já construiu."
Os mais experientes prenunciaram frustração e fracasso nos resultados das
negociações entre os líderes religiosos e os especialistas financeiros. Um deles
disse: "Não é possível haver uma única religião mundial, por mais sedutora que
possa parecer, e uma moeda única mundial, mesmo que seja destinada a facilitar
seu manuseio. Estes serão os primeiros problemas principais de Carpathia, e talvez,
a partir de então, as massas abrirão os olhos em relação a ele. A lua-de-mel
terminará logo."
"Aceita uma xícara de chá, papai?" gritou Chloe da cozinha. Ele recusou com um
agradecimento e ela apareceu logo em seguida trazendo uma para si mesma.
Sentou-se do outro lado do sofá e ajeitou os pés por baixo do roupão, sem tirar os
chinelos. Seus cabelos recém-lavados estavam envoltos em uma toalha.
"Marcou algum encontro para este fim de semana?" indagou Rayford no intervalo
para os comerciais.
"Não seja engraçadinho".
21
"Não foi essa a minha intenção. O que haveria de estranho em alguém convidá-la
para sair?"
"A única pessoa que eu gostaria que me convidasse parece ter mudado de idéia a
meu respeito."
"Bobagem! Não posso nem imaginar quanta coisa se passa na mente de Buck."
"Pensei que eu estivesse presente na mente dele, papai. Agora fico aqui sentada
como uma colegial, cheia de dúvidas e esperançosa. É uma situação insuportável.
Mas por que eu deveria me importar? Mal o conheço. Apenas o admiro, e é só."
"Você o admira?"
"Claro! Quem não o admiraria? Ele é inteligente, desembaraçado, talentoso."
"Famoso."
"Ah, sim, um pouco. Mas não vou me atirar nos braços dele. Apenas pensei que
estivesse interessado, é tudo. Em seu bilhete, disse que sentia atração por mim."
"Como você reagiu a isso?"
"A ele, você quer dizer?"
Rayford assentiu.
"Não fiz nada. O que deveria ter feito? Também senti atração por ele, mas não quis
afugentá-lo."
"Talvez ele pense que afugentou você. Talvez pense que foi muito impetuoso,
rápido demais. Mas você não sentiu o mesmo impulso?"
"De certa forma sim, mas só intimamente. Achei que se eu fosse sincera e me
tornasse amiga dele, as coisas aconteceriam naturalmente."
Rayford deu de ombros. "Talvez ele necessite de mais incentivo."
"Ele não receberá nenhum incentivo de minha parte. Não é meu estilo. Você sabe
disso."
"Sei, querida", disse Rayford, "mas você mudou muito nestes últimos tempos."
"Sim, mas meu estilo não mudou." Ao dizer isso, ela sorriu. "Papai, o que devo
fazer? Não quero desistir dele, mas você não percebeu que a situação mudou? Ele
deveria ter-me convidado para jantar fora, mas nem sequer aceitou nosso convite."
"Nosso convite? Eu fiz algum convite?"
"Bem, achei que não seria certo convidá-lo para sair comigo."
"Eu sei. Mas talvez ele não desejasse a minha companhia."
"Se Buck sentisse por mim o mesmo que sinto por ele, teria aceito. Na verdade, ele
é quem deveria ter feito o convite e deixado você fora disso. Quero dizer... não me
interprete mal, papai."
"Sei o que você quis dizer. Acho que está tirando conclusões muito precipitadas.
Espere mais um dia. Você verá que diferença faz uma boa noite de sono."
O intervalo para os comerciais terminou e Chloe passou a bebericar seu chá.
Rayford sentia-se privilegiado por Chloe conversar com ele sobre assuntos como
esse. Ao que se lembrava, ela não chegou a conversar muito com Irene sobre
rapazes. Ele sabia que era o único porto seguro para a filha nesse período
tempestuoso e apreciava ouvir suas confidencias. "Se você quiser conversar mais,
posso desligar a TV", ele disse. "Não há nenhum fato novo além dos que Bruce nos
contou."
"Não", ela disse, levantando-se. "Francamente, estou farta de mim mesma. Ficar
sentada aqui falando sobre minha vida amorosa, ou carência de amor, parece muito
infantil nesta época em que estamos vivendo, você não acha? Parece que só há
uma coisa para preencher meu tempo se eu não voltar para a faculdade. De início,
quero memorizar os livros de Ezequiel, Daniel e Apocalipse."
Rayford riu. "Você está brincando!"
"Claro! Mas sabe o que quero dizer, papai? Nunca imaginei que a Bíblia viesse a
despertar algum interesse em mim, mas agora passei a estudá-la como se não
houvesse amanhã."
22
Rayford permaneceu em silêncio e percebeu que Chloe estava surpresa diante de
sua própria ironia não-intencional. "Eu também", ele disse. "Já aprendi sobre a
profecia do final dos tempos muito mais do que pensei que pudesse aprender.
Estamos vivendo esse momento, aqui, agora. E não haverá muitos amanhãs, não é
mesmo?"
"Certamente não muitos para perder tempo lamentando a respeito de um homem."
"Ele é um homem muito interessante, Chio."
"Você está querendo dar uma ajuda. Vamos esquecê-lo, está bem?"
Rayford sorriu. "Se eu não mencionar o nome dele, você o esquecerá? Devemos
dispensá-lo da Força Tribulação?"
Chloe balançou a cabeça. "A propósito, há quanto tempo você não me chama de
Chio?
"Você gostava quando eu a chamava assim."
"É verdade. Quando eu tinha nove anos. Boa-noite, papai."
"Boa-noite, querida. Eu amo você."
Chloe começou a se dirigir para a cozinha, mas parou e virou-se rapidamente,
curvando-se para abraçá-lo e tomando cuidado para não derramar o chá da xícara.
"Eu também amo você, papai. Mais do que nunca e de todo o meu coração."
Buck Williams deitou-se de bruços em sua nova cama pela primeira vez. Era uma
sensação estranha. O belo apartamento fazia parte de um ótimo edifício, mas a
pacata Chicago não se assemelhava em nada a Nova York. Tudo era muito quieto.
Ele havia comprado algumas frutas frescas, mas deixou-as de lado. Viu as notícias
na TV e depois ouviu um pouco de música suave. Decidiu ler o Novo Testamento
até pegar no sono.
Buck absorveu tudo o que pôde de Bruce Barnes acerca dos próximos
acontecimentos, porém achou mais interessante ler os Evangelhos do que o Velho
Testamento ou as profecias do Apocalipse. Jesus havia sido um revolucionário. Buck
sentia-se fascinado com seu caráter, sua personalidade, sua missão como homem.
O Jesus que ele sempre imaginou ou pensou conhecer era um impostor. O Jesus da
Bíblia era radical, um homem de paradoxos.
Buck colocou a Bíblia na mesa de cabeceira e deitou-se de costas, protegendo os
olhos da luz com o braço. Se você quiser ser rico, desfaça-se de seu dinheiro, ele
disse a si mesmo. Este é ponto mais importante. Se você quiser ser exaltado,
humilhe-se. A vingança parece lógica, mas é errada. Ame seus inimigos, ore por
quem o despreza. Estranho.
Seus pensamentos desviaram-se para Chloe. O que ele estava fazendo. Ela não era
cega. Era jovem, mas não tola. Ele não poderia seduzi-la e depois mudar de idéia,
sem ser grosseiro. Será que estava mudando de idéia? Queria realmente esquecêla?
Claro que não. Ela era uma pessoa maravilhosa, divertida. Era uma colega
crente e sua compatriota. Poderia ser uma boa amiga, independentemente de
qualquer coisa.
Então a situação havia chegado a esse ponto? Diria a ela que seriam apenas bons
amigos? Era isso o que ele queria? Deus, o que devo fazer? ele orou
silenciosamente. Para ser franco, estou adorando estar apaixonado. Adoraria iniciar
um relacionamento com Chloe. Será que ela é muito jovem? A época não é
apropriada para pensar nisso? Sei que tu tens muito trabalho destinado a nós. E o
que acontecerá se estivermos apaixonados? Devemos nos casar? E deveríamos ter
filhos, se tu estarás voltando em sete anos? Se já existiu uma época em que
deveríamos pensar muito a respeito de trazer filhos ao mundo, essa época é agora.
Buck afastou o braço dos olhos e desviou-os da luz. E agora? Deus responderia à
sua oração em voz alta? Por certo que não. Sentou-se à beira da cama, segurando
a cabeça com as mãos.
23
O que estaria acontecendo com ele? Tudo o que queria saber era se deveria
continuar a cortejar Chloe. Começou orando por isso, e de repente estava pensando
em casamento e filhos. Loucura. Talvez Deus trabalhe dessa maneira, ele pensou.
Conduz a pessoa a tirar conclusões lógicas ou ilógicas.
Baseado nisso, achou que seria melhor não dar esperanças a Chloe. Ela estava
interessada, ele sabia. Se ele demonstras-se o mesmo interesse, a situação
derivaria para uma única direção. No mundo caótico em que estavam vivendo,
acabariam trazendo aflição um ao outro. Seria justo?
Isso não fazia sentido. Como ele poderia permitir que alguma coisa se intrometesse
em sua devoção a Deus?
Apesar disso, ele não conseguia esquecê-la, tratá-la apenas como uma irmã. Não,
ele deveria fazer a coisa certa. Conversaria com Chloe sobre o assunto. Por certo,
ela merecia uma explicação. Marcariam um encontro informal e conversariam. Ele
seria franco com ela. Se omitisse seus próprios sentimentos, poderia conhecê-la
melhor. Isso a faria sentir-se bem, não? Mas será que teria coragem de dizer-lhe o
que realmente pensava? Que nenhum dos dois deveria levar adiante um
relacionamento amoroso em uma época como aquela?
Ele não sabia. Porém estava certo de uma coisa: se não resolvesse a situação
imediatamente, talvez nunca mais o fizesse. Olhou para o relógio. Passava um
pouco das dez e meia. Será que ela ainda estava acordada? Discou para a casa dos
Steeles.
Rayford estava subindo a escada quando o telefone tocou. Ouviu Chloe se mexer na
cama, mas a luz de seu quarto estava apagada. "Vou atender, querida", ele disse.
Correu até a sua mesa de cabeceira e atendeu.
"Sr. Steele, é Buck."
"Oi, Buck, pare de me chamar de senhor. Você está me fazendo sentir um velho."
"E você não é?"
"Engraçadinho. Pode me chamar de Ray. O que posso fazer por você?"
"Gostaria de saber se Chloe ainda está acordada."
"Acho que não, mas vou verificar."
"Não, está tudo bem", disse Buck. "Só diga a ela para me ligar quando puder, está
bem?" Ele informou seu novo número a Rayford.
"Papai!" disse Chloe alguns minutos depois. "Você sabia que eu estava acordada!"
"Você não disse nada quando falei que ia atender. Eu não tinha certeza. Você não
acha que foi melhor assim? Deixar que ele aguarde até amanhã?"
"Oh, papai!" ela disse. "Não sei. Você imagina o que ele queria?"
"Não tenho a mínima idéia."
"Oh, detesto isso!"
"Estou adorando."
"Claro!"
24
TRÊS
No sábado de manhã Buck foi de carro até a Igreja Nova Esperança, na expectativa
de encontrar Bruce Barnes em seu escritório. A secretária lhe disse que Bruce
estava terminando de preparar um sermão, mas iria recebê-lo. "Você faz parte do
grupo de amigos de Bruce, não?" indagou ela.
Buck assentiu. Achava que sim. Isso deveria ser honra? Sentia-se muito
inexperiente como novo seguidor de Cristo, parecendo um bebê. Quem poderia
prever tal transformação nele? E quem teria imaginado que haveria o
Arrebatamento? Buck balançou a cabeça. Só os milhões de pessoas que estavam
preparados, concluiu ele.
Ao saber que Buck o aguardava, Bruce imediatamente abriu a porta e
cumprimentou-o com um abraço. Aquele gesto também era novidade para Buck -
abraços efusivos, principalmente entre homens. Bruce parecia perturbado. "Outra
noite longa?" indagou Buck.
Bruce concordou com um movimento de cabeça. "Mas deleitando-me no estudo da
Palavra. Estou recuperando o tempo perdido, você sabe. Tive esses recursos na
mão durante anos e nunca os utilizei. Estou me preparando para dizer à
congregação, provavelmente na próxima semana, que recebi um chamado de Deus
para viajar. Os crentes desta igreja vão precisar se unir para suprir a falta de um
líder.
"Você acha que eles se sentirão abandonados?"
"Exatamente. Mas não vou deixar a igreja. Estarei presente sempre que possível.
Conforme contei ontem a você e aos Steeles, trata-se de um peso que Deus
colocou sobre meus ombros. Sinto-me feliz por isso, estou aprendendo muito. Mas
também estou assustado. Sei que não estarei à altura se não contar com o poder
do Espírito Santo. Talvez seja outro preço que devo pagar por ter ignorado a
verdade. Mas você não veio até aqui para ouvir minhas lamúrias."
"Tenho apenas dois assuntos breves, e depois você poderá voltar aos seus estudos.
Primeiro, tenho tentado afastar esses pensamentos de minha mente nos últimos
dias, mas estou com remorso pelo que fiz a Hattie Durham. Lembra-se dela? A
comissária de vôo de Rayford..."
"A mulher que você apresentou a Carpathia? Claro. Aquela com quem Rayford
quase teve um caso."
"Sim. Penso que ele também sente remorso."
"Quanto a ele, não sei, Buck, mas lembro que você tentou alertar Hattie sobre
Carpathia."
"Eu disse que ela poderia se transformar em um joguete de Carpathia, mas ao
mesmo tempo não tinha idéia de quem ele era."
"Hattie foi para Nova York porque quis. A escolha foi dela."
"Mas, Bruce, se eu não tivesse feito as apresentações, ele não teria pedido para vêla
novamente."
Bruce encostou-se no espaldar da cadeira e cruzou os braços. "Você quer salvá-la
das garras de Carpathia, é isso?"
"Claro."
"Não vejo como você pode fazer isso sem arriscar sua vida. Sem dúvida, ela já se
encantou com a nova posição. Passou de comissária de bordo para assistente
pessoal do homem mais poderoso do mundo."
"Assistente pessoal e talvez algo mais."
25
Bruce movimentou a cabeça afirmativamente. "É bem provável. Não posso
imaginar que ele a tenha escolhido só por causa de seu talento profissional. E daí, o
que você pretende fazer? Telefonar a Hattie e dizer-lhe que seu novo chefe é o
Anticristo e que ela deve abandoná-lo?"
"É por isso que estou aqui. Não sei o que fazer", disse Buck.
"E você acha que eu sei?"
"Pensei que sim."
Bruce deu um sorriso desanimado. "Agora entendo o que o meu ex-pastor, Vem
Billings, sentia ao dizer que as pessoas acham que o pastor da igreja deve ter
respostas para tudo."
"Não vou receber nenhum conselho?"
"Minha resposta poderá parecer banal, Buck, mas você tem de fazer o que acha
que deve ser feito."
"Sério?"
"Se você já orou e sente realmente que Deus deseja que converse com Hattie, vá
em frente. Mas você pode imaginar as conseqüências. A próxima pessoa a saber
disso será Carpathia. Lembre-se do que ele já fez a você."
"Esta é a questão", disse Buck. Preciso arrumar um jeito de descobrir o que
Carpathia sabe quanto a isso. Será que ele pensa que conseguiu apagar de minha
memória que estive presente naquela reunião, como fez com as outras pessoas? Ou
será que ele sabe que me lembro de tudo e foi por isso que tentou prejudicar-me,
depreciando-me, transferindo-me para outro local de trabalho, etc. etc?
"E você sabe qual é a minha maior preocupação?" perguntou Bruce. "Minha intuição
diz que, se Carpathia souber que agora você é crente e que não foi atingido pela
lavagem cerebral, ele vai matá-lo. Se ele souber que ainda exerce domínio sobre
você, como faz com todas as pessoas que não têm Cristo no coração, tentará usálo."
Buck recostou-se na cadeira e olhou para o teto. "Achei interessante o que você
disse. Isso me leva ao segundo assunto que desejo conversar com você.
Rayford passou a manhã ao telefone finalizando os trâmites para habilitar-se a
pilotar o Boeing 757. Na segunda-feira de manhã voaria de O'Hare a Dallas, como
simples passageiro, para treinar decolagens e aterrissagens em pistas militares a
alguns quilômetros de distância do aeroporto Dallas-Fort Worth.
"Sinto muito, Chloe", ele disse quando finalmente desligou o telefone. "Esqueci que
você queria retornar a ligação de Buck hoje de manhã."
"Apenas uma correção", ela disse. "Eu queria retornar a ligação dele ontem à noite.
Ou melhor, queria falar com Buck quando ele ligou."
Rayford levantou as duas mãos em sinal de resignação. "O erro foi meu. A culpa foi
minha. O telefone é todo seu."
"Não, obrigada."
Rayford olhou para a filha com a testa franzida. "O quê? Agora você vai punir Buck
por minha causa? Ligue para ele!"
"Não, penso que foi melhor assim. Eu queria conversar com ele ontem à noite, mas
provavelmente você estava certo. Eu teria aparentado muita ansiedade, muita
precipitação. E ele disse que eu deveria retornar sua ligação de acordo com minha
conveniência. Bem, ligar para ele logo cedo não seria conveniente. É melhor eu me
encontrar com ele na igreja amanhã, certo?"
Rayford balançou a cabeça. "Agora você resolveu fazer jogo com ele? Você estava
preocupada em parecer uma colegial correndo atrás dele e agora está agindo como
tal."
Chloe pareceu magoada. "Oh, obrigada, papai. Lembre-se de que a idéia de fazê-lo
esperar foi sua."
26
"Eu disse esperar apenas uma noite. Não me envolva nisso para que a situação não
fique desagradável."
"Bem, Buck, esta é a sua oportunidade de pôr Hattie à prova", disse Bruce Barnes.
"O que você acha que Carpathia deseja?"
Buck balançou a cabeça. "Não tenho idéia."
"Você confia nesse tal de Steve Plank?"
"Ah, sim, confio. Trabalhei muitos anos com Steve. O que mais me assusta é que
ele me deu as boas-vindas na reunião que precedeu a entrevista coletiva de
Carpathia à imprensa, indicou-me um lugar para sentar e mencionou o nome de
várias pessoas presentes. E, mais tarde, perguntou-me por que não compareci à
reunião. Contou-me que Carpathia ficou um pouco irritado com minha ausência."
"E você o conhece tão bem a ponto de saber se ele está sendo sincero?"
"Francamente, Bruce, ele é o principal motivo para eu acreditar que Carpathia seja
o cumprimento das profecias que estamos estudando. Steve é um jornalista
inflexível da faculdade dos velhos tempos. O fato de ele se deixar convencer a
abandonar o jornalismo legítimo para ser o porta-voz de um político de fama
mundial mostra o poder de persuasão de Carpathia. Até eu abandonei aquela
função. Mas chegar ao ponto de assistir àquela carnificina e depois esquecer-se de
que estive presente, é um tanto..."
"Estranho."
"Exatamente. Apesar disso, vou lhe contar um fato mais extraordinário ainda. Havia
algo em mim forçando-me a acreditar em Carpathia quando ele explicou o que
acontecera. Em minha mente começaram a formar cenas de Stonagal atirando em
si mesmo e assassinando Todd-Cothran em seguida."
Bruce balançou a cabeça. "Confesso que quando ouvi sua história pela primeira vez,
pensei que você estivesse maluco."
"Eu teria concordado com você, se não fosse um detalhe."
"Que detalhe?"
"Todas as pessoas da sala que presenciaram o fato e lembram-se da cena de uma
só maneira. Eu me lembro de uma maneira completamente diferente. Se Steve me
tivesse dito que não vi o que aconteceu realmente, talvez eu tivesse pensado que
havia ficado maluco e me rendesse. Mas ele me disse que não estive lá! Bruce,
ninguém se lembra de que estive lá! Bem, você pode achar que estou sendo
contraditório, mas isso é tolice. Voltei para meu escritório e registrei todos os
detalhes no computador antes que o pessoal da imprensa ouvisse a versão de
Carpathia. Se não estive lá, como poderia saber que os corpos de Stonagal e Todd-
Cothran foram retirados dentro de sacos?"
"Você não precisa me persuadir, Buck. Estou do seu lado. A questão agora é a
seguinte: O que Carpathia deseja? Será que ao conversar em particular com você,
ele vai lhe revelar a verdade sobre si mesmo? ou vai ameaçar você? ou vai lhe
dizer que sabe que você conhece a verdade?"
"Com que finalidade?"
"Para intimidar você. Para usar você."
"Talvez. Talvez ele queira descobrir a verdade, tentar saber se conseguiu fazer uma
lavagem cerebral em mim."
"É uma situação muito perigosa, e isso é tudo o que tenho a lhe dizer."
"Espero que isso não seja tudo o que você tem a me dizer, Bruce. Gostaria de ser
aconselhado um pouco mais."
"Orarei em seu favor", disse Bruce. "Mas no momento não sei o que lhe dizer."
"Bem, pelo menos preciso retornar a ligação de Steve. Não sei se Carpathia quer
conversar comigo por telefone ou pessoalmente."
"Você não pode aguardar até segunda-feira?"
27
"Claro. Posso dizer a ele que entendi que deveria lhe telefonar durante o horário de
expediente, mas não posso garantir que ele não me ligue nesse meio tempo."
"Ele tem seu novo número?"
"Não. Steve costuma ligar para meu voice mail em Nova York."
"Assim será possível retardar mais um pouco."
Buck deu de ombros e assentiu com a cabeça. "Se é isso o que você acha que devo
fazer."
"Desde quando passei a ser seu conselheiro?"
"Desde que se tornou meu pastor."
Depois de terminar seus afazeres naquela manhã, Rayford percebeu o quanto havia
magoado Chloe em razão dos gestos e respostas sucintas da filha. "Vamos
conversar", ele disse.
"Sobre o quê?"
"Sobre como você me pegou de calças curtas. Nunca fui muito bom nessa questão
de ser pai, e agora estou tendo problemas em tratá-la como uma pessoa adulta.
Lamento ter chamado você de colegial. Trate Buck como você acha que é o correto,
e não faça caso de mim, certo?"
Chloe sorriu. "Eu já estava fazendo isso. Não preciso mais de sua permissão."
"Então estou perdoado?"
"Não se preocupe comigo, papai. Não posso ficar zangada com você por muito
tempo. Acho que precisamos um do outro. A propósito, já liguei para Buck."
"Verdade?"
Ela assentiu com a cabeça. "Ninguém atendeu. Acho que ele não estava esperando
minha ligação ao lado do telefone."
"Você deixou recado?"
"A secretária eletrônica ainda não está ligada, acho. Vou vê-lo na igreja amanhã."
"Vai dizer a ele que telefonou?"
Chloe sorriu com ar brincalhão. "Provavelmente não."
Buck passou o restante do dia trabalhando em sua reportagem de capa para o
Semanário Global acerca das teorias existentes sobre os desaparecimentos. Estava
gostando desse trabalho, apostando que seria sua melhor matéria até então. As
explicações variavam desde um ataque em estilo sensacionalista feito pelo
fantasma de Hitler, OVNIs e seres extraterrestres até a idéia de que houve uma
espécie de purificação evolucionária cósmica, uma redução na população mundial,
permanecendo apenas os melhores.
No meio da matéria, Buck incluiu o que acreditava ser a verdade, mas não em
forma de editorial. Como sempre, a matéria seria uma análise direta do assunto,
escrita por um terceiro. Ninguém, a não ser seus novos amigos, saberia que ele
concordava com a história do piloto, do pastor e de diversas outras pessoas que
entrevistou, ou seja, que os desaparecimentos aconteceram porque Cristo
arrebatou sua igreja.
O mais interessante para Buck foi a interpretação do evento por parte de outros
líderes religiosos. Uma grande parte dos católicos estava confusa porque, apesar de
muitos terem ficado para trás, alguns desapareceram - inclusive o novo papa que
havia sido investido poucos meses antes dos desaparecimentos. Ele criara polêmica
na igreja com uma nova doutrina que mais parecia coincidir com a "heresia" de
Martinho Lutero do que com a ortodoxia histórica à qual os católicos estavam
acostumados. Quando o papa desapareceu, alguns estudiosos católicos concluíram
que o evento foi verdadeiramente um ato de Deus. "Aqueles que se opuseram às
doutrinas ortodoxas da Igreja Mãe foram separados de todos nós", dissera a Buck
Peter Cardinal Mathews, um importante arcebispo de Cincinnati. "A Bíblia relata que
28
os últimos dias serão semelhantes aos da época de Noé. E você há de se lembrar
que na época de Noé as pessoas boas ficaram e as más pereceram."
"Então", concluiu Buck, "o fato de ainda estarmos aqui prova que somos bons?"
"Eu não generalizaria a esse ponto", respondeu o arcebispo Mathews, "mas diria
que sim, e esta é a minha posição."
"E o que dizer de todas as pessoas maravilhosas que desapareceram?"
"Talvez não tenham sido tão maravilhosas assim."
"E quanto às crianças e bebês?"
O arcebispo demonstrou um certo desconforto. "Isso eu deixo para Deus", ele
disse. "Devo acreditar que talvez ele estivesse protegendo os inocentes."
"Do quê?"
"Não tenho certeza. Não aceito os livros apócrifos ao pé da letra, mas existem
profecias lúgubres do que ainda está por vir."
"Então o senhor não afasta a idéia de que as crianças e os bebês que
desapareceram foram separados do mal?"
"Não. Muitos dos pequeninos que desapareceram foram batizados por mim,
portanto sei que estão em Cristo e com Deus."
"E mesmo assim desapareceram."
"Desapareceram."
"E nós ficamos."
"Devemos encontrar consolo nisso."
"Poucas pessoas encontram consolo nisso, Excelência."
"Entendo seu ponto de vista. Estamos atravessando um tempo muito difícil. Eu
mesmo estou lamentando a perda de uma irmã e de uma tia. Mas elas
abandonaram a igreja.
"Abandonaram?"
"Opuseram-se à doutrina. Mulheres maravilhosas, muito bondosas. E fervorosas,
devo acrescentar. Mas temo que tenham sido separadas como o joio do trigo.
Apesar disso, nós, os que ficamos, devemos estar confiantes em nossa posição em
relação a Deus como nunca estivemos."
Buck foi bastante corajoso para pedir ao arcebispo que comentasse certas
passagens da Bíblia, principalmente Efésios 2.8-9: "Porque pela graça sois salvos,
mediante a fé; e isto não vem de vós, é dom de Deus; não de obras, para que
ninguém se glorie."
"Agora você vê", disse o arcebispo, "este é precisamente o meu ponto de vista. Ao
longo dos séculos, as pessoas têm extraído versículos como esse do contexto,
tentando estabelecer doutrinas em cima deles."
"Mas há outras passagens iguais a essa", disse Buck.
"Entendo que sim, mas diga-me uma coisa, você não é católico, é?
"Não, senhor."
"Bem, então veja, você não entende a amplitude da igreja histórica."
"Desculpe-me, mas se sua hipótese estiver correta, por que tantos não-católicos
ainda permanecem aqui?"
"Só Deus sabe", respondeu o arcebispo Mathews. "Ele conhece os corações das
pessoas. Ele conhece muito mais do que nós."
"Com certeza", disse Buck.
Evidentemente Buck deixou seus comentários e opiniões pessoais fora do artigo,
mas conseguiu aprofundar-se no estudo da Bíblia e na tentativa do arcebispo de
explicar a doutrina da graça. Buck planejava enviar o artigo aos escritórios do
Semanário Global em Nova York na segunda-feira.
Enquanto trabalhava, Buck mantinha-se alerta ao telefone. Poucas pessoas
conheciam seu novo número. Apenas os Steeles, Bruce e Alice, a secretária de
Verna Zee. Ainda estava aguardando a secretária eletrônica, o computador, o fax e
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os demais equipamentos de escritório, juntamente com os arquivos, que deveriam
chegar à sucursal de Chicago na segunda-feira. Então ele se sentiria mais à
vontade e equipado para trabalhar no outro quarto.
Buck aguardava notícias de Chloe. Pensou ter deixado um recado com Rayford para
que ela ligasse quando achasse conveniente. Talvez ela fosse do tipo que não
telefona para rapazes, mesmo quando lhe deixavam recados. Por outro lado, Chloe
ainda não chegara aos vinte e um anos, e ele reconhecia não ter nenhuma idéia a
respeito dos costumes dessa geração. Talvez ela o considerasse um irmão mais
velho ou até mesmo um pai, e rejeitasse a idéia de que ele pudesse estar
interessado nela. Isso não combinava com a maneira como ela se comportara na
noite anterior, mas ele também não havia incentivado nada.
Simplesmente queria agir corretamente, conversar com ela para esclarecer que a
época não era apropriada para ambos e que poderiam tornar-se bons amigos e
compatriotas por uma causa comum. Mas percebeu que seria tolice. E se ela não
tivesse imaginado nada mais além disso? Ele teria de dar explicações para algo que
não existia.
Talvez Chloe tivesse ligado enquanto ele esteve com Bruce naquela manhã.
Resolveu telefonar para ela, convidá-la para conhecer seu novo apartamento
quando tivesse um tempo disponível. Então, poderiam conversar. Ele improvisaria
uma situação na tentativa de saber quais seriam suas expectativas. Ela poderia
recusá-lo com delicadeza ou ignorar um assunto que não precisava ser levantado.
Rayford atendeu o telefone. "Chloe!" gritou. "Buck Williams para você!"
Buck ouviu a voz dela ao fundo. "Por favor, diga que ligarei para ele em seguida.
Ou melhor, diga que nos veremos na igreja amanhã."
"Já ouvi", disse Buck. "Ótimo. Vejo vocês amanhã."
Aparentemente ela não quer gastar tempo e energia preocupando-se conosco,
concluiu Buck. Discou para seu voice mail em Nova York. O único recado era de
Steve Plank.
"Buck, qual é o problema? De quanto tempo você precisa para se instalar? Devo
ligar para a sucursal de Chicago? Deixei recados, mas o velho Bailey me disse que
você está trabalhando em casa.
"Você recebeu meu recado de que Carpathia quer vê-lo? As pessoas não têm o
hábito de fazê-lo esperar, meu amigo. Estou embromando o homem, dizendo que
você está em trânsito, cuidando da mudança, essas coisas. Mas ele espera poder
vê-lo neste fim de semana. Sinceramente não sei o que ele quer, a não ser que
esteja empolgado com você. Não está zangado por você ter recusado seu convite
para aquela reunião, se é isso que o preocupa.
"Para lhe dizer a verdade, Buck, o jornalista que existe dentro de você gostaria e
deveria ter estado lá. Mas você deve ter ficado tão confuso quanto eu. Um suicídio
violento diante de nossos olhos não é coisa fácil de esquecer.
"Ligue para mim para que eu possa marcar a reunião entre vocês. Bailey me disse
que você está dando os toques finais no artigo sobre as teorias dos
desaparecimentos. Se você puder encontrar-se logo com Carpathia, poderá incluir
suas idéias. Ele não faz segredo disso, mas uma ou duas citações exclusivas não
fariam mal a ninguém, certo? Você sabe onde me localizar a qualquer hora do dia
ou da noite."
Buck gravou o recado. O que deveria fazer? Parecia que Carpathia desejava ter
uma reunião particular com ele. Alguns dias antes, Buck teria pulado para agarrar
essa oportunidade. Não seria ótimo entrevistar uma personalidade de projeção
mundial na véspera de divulgar sua mais importante reportagem de capa? Todavia,
Buck era um novo crente, convencido de que Carpathia era o Anticristo. Buck
presenciara o poder daquele homem. E estava apenas iniciando em sua nova fé.
Não tinha muitos conhecimentos acerca do Anticristo. Seria ele onisciente como
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Deus? Poderia ler os pensamentos de Buck?
Carpathia obviamente podia manipular as pessoas e fazer lavagens cerebrais. Mas
isso significava que ele também conhecia o que se passava na mente humana?
Buck seria capaz de resistir a Carpathia só pelo fato de ter o Espírito de Cristo
dentro de si? Buck gostaria que houvesse uma explicação mais pormenorizada na
Bíblia quanto aos poderes do Anticristo. Então saberia como lidar com o assunto.
No mínimo, Carpathia deveria estar curioso a respeito de Buck. Quando Buck saiu
furtivamente da sala de reuniões onde foram cometidos os assassinatos, deve ter
perguntado a si mesmo se houve alguma falha em seus próprios controles sobre a
mente. Caso contrário, por que apagar da memória de todas as outras pessoas não
apenas os assassinatos, substituindo-os pela cena de um suicídio estranho, mas
também apagar a lembrança de que Buck esteve presente?
Claramente Nicolae tentara proteger-se fazendo com que todos esquecessem que
Buck compareceu à reunião. Se esse artifício teve a finalidade de fazer Buck
duvidar de sua própria sanidade, não funcionou. Deus esteve com Buck naquele
dia. Buck tinha certeza do que viu, e nada poderia fazê-lo mudar de idéia. Não
havia nada mais a conjeturar, nenhum remorso por imaginar que pudesse estar
enganado. De uma coisa ele estava certo; não contaria a Carpathia o que sabia. Se
Carpathia constatasse que Buck não havia sido ludibriado, não teria outro recurso a
não ser eliminá-lo. Se Buck conseguisse fazer Carpathia pensar que teve êxito, isso
daria a ele ou à Força Tribulação uma pequena vantagem na guerra contra as
forças do mal. O que eles fariam com essa vantagem, Buck não podia imaginar.
Porém, uma coisa ele sabia. Não retornaria a ligação de Steve Plank até segundafeira.
Rayford estava feliz porque ele e Chloe haviam decidido ir logo cedo para a igreja.
O templo lotava todas as semanas. Rayford sorriu ao ver a filha. Chloe estava com
uma aparência linda, a melhor que ele vira desde que ela retornara da faculdade.
Pensou em brincar com ela, perguntar se estava vestida para agradar a Buck
Williams ou a Deus, mas desistiu.
Rayford conseguiu uma das últimas vagas no estacionamento e viu fileiras de
carros ao redor do quarteirão, aguardando lugar para estacionar na rua. As pessoas
estavam aflitas, apavoradas. Andavam à procura de esperança, de respostas, de
Deus. Estavam sentindo a presença de Deus naquela igreja, e aos poucos a notícia
se espalhava.
Quase todas as pessoas que ouviam as palavras sinceras e comovidas de Bruce
Barnes deixavam o templo com a certeza de que os desaparecimentos haviam sido
obra de Deus. A igreja fora arrebatada e todas elas foram deixadas para trás. A
mensagem de Bruce centralizava-se no que a Bíblia chama de "glorioso
aparecimento", ou seja, a volta de Jesus sete anos após o início da Tribulação. Até
então, ele dizia, três quartos do restante da população mundial seriam extintos, na
maioria os crentes em Cristo. A exortação de Bruce não se dirigia aos tímidos. Era
um desafio aos crentes, àqueles que acreditavam na maior e mais dramática
invasão de Deus na vida do homem desde a encarnação de Jesus Cristo como um
ser mortal.
Bruce já havia dito aos Steeles e a Buck que um quarto da população da terra
morreria durante o segundo, o terceiro e o quarto julgamentos do Livro Selado com
Sete Selos. Ele citou Apocalipse 6.8, onde o apóstolo João escreveu: "E olhei, e eis
um cavalo amarelo e o seu cavaleiro, sendo este chamado Morte: e o Inferno o
estava seguindo, e foi-lhes dada autoridade sobre a quarta parte da terra para
matar à espada, pela fome, com a mortandade e por meio das feras da terra."
Contudo, o que viria a seguir seria ainda pior.
Um minuto ou dois depois que Rayford e Chloe estavam acomodados em seus
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lugares, ele sentiu um leve tapa no ombro. Ambos viraram-se para trás. Buck
Williams estava sentado bem atrás deles na quarta fileira de bancos e batera no
ombro de ambos ao mesmo tempo. "Oi, fujões", ele disse. Rayford levantou-se e
abraçou Buck. Com aquele gesto, Rayford compreendeu o quanto havia mudado em
questão de semanas. Chloe foi cordial e apertou a mão de Buck.
Quando se sentaram novamente, Buck inclinou-se para frente e cochichou: "Chloe,
liguei para você porque gostaria de saber..."
Mas a música já havia começado.
Buck levantou-se para cantar junto com os demais fiéis. Muitos pareciam conhecer
as músicas e a letras. Ele acompanhava as palavras projetadas na parede e tentava
captar as melodias. Os corinhos eram simples e fáceis de memorizar, mas Buck
ainda não os conhecia. Muitas daquelas pessoas, ele pensou, haviam sido
freqüentadoras assíduas da igreja - muito mais do que ele. Por que não
compreenderam a verdade?
Depois de alguns corinhos, um Bruce Barnes desajeitado dirigiu-se apressado ao
púlpito - não ao púlpito principal da plataforma, mas a um menor no mesmo nível
da congregação. Carregava uma Bíblia, dois livros grandes e um maço de papéis
que ele tinha dificuldade em manusear. Bruce deu um sorriso tímido.
"Bom dia", ele principiou. "Penso que seria apropriado dar-lhes uma pequena
explicação. Geralmente cantamos mais corinhos, mas hoje não temos tempo para
isso. Geralmente apresento-me com a gravata alinhada, a camisa bem vestida e o
paletó abotoado. Isso parece não ter muita importância nesta manhã. Geralmente
recolhemos as ofertas. Estejam certos de que ainda necessitamos das ofertas, e os
senhores poderão deixá-las nos cestos colocados perto da porta quando saírem do
templo ao meio-dia, se é que sairão daqui tão cedo.
"Quero aproveitar o tempo desta manhã porque tenho urgência em falar com os
senhores, muito mais do que nas últimas semanas. Não quero que se preocupem
comigo. Não me tornei um velho maluco, nem um cultista nem outra coisa qualquer
além do que tenho sido a partir do momento em que me dei conta de que não fui
incluído no Arrebatamento.
"Contei a meus conselheiros mais próximos que a mão de Deus pesou sobre mim
nesta semana, e eles estão orando comigo para que eu seja prudente e perspicaz e
para que eu não aja precipitadamente disparando fogo contra alguma nova e
estranha doutrina. Nesta semana tenho lido, orado e estudado mais do que nunca,
e estou ansioso para lhes contar o que Deus me disse.
"Deus falou comigo de forma audível? Não. Gostaria que tivesse sido assim. Se isso
tivesse acontecido, provavelmente eu não estaria aqui hoje. Porém, Deus quis que
eu o aceitasse pela fé, sem que Ele precisasse provar sua existência de alguma
maneira mais dramática do que simplesmente enviar seu Filho para morrer por
mim. Ele nos deixou a sua Palavra e ela contém tudo o que necessitamos saber."
Buck sentiu um nó na garganta ao observar a maneira como seu novo amigo pedia,
suplicava e persuadia sua platéia a ouvir, compreender e se entregar a Deus e
acatar o propósito que Ele tinha para cada um ali presente. Bruce contou sua
história mais uma vez, descrevendo a falsa vida piedosa que levara durante anos e
como se sentira miserável e deixado para trás, sem a esposa e os filhos queridos,
quando Deus veio buscar seu povo. Buck ouvira essa história mais de uma vez e,
mesmo assim, sempre se comovia. Algumas pessoas soluçavam alto. Aquelas que
ainda não conheciam a história de Bruce, ouviram uma versão abreviada. "Não
quero nunca parar de contar o que Cristo fez por mim", ele disse. "Contem suas
histórias. As pessoas poderão identificar-se com seu sofrimento, suas perdas, sua
solidão. Jamais me envergonharei do evangelho de Cristo. A Bíblia diz que a Cruz
escandaliza. Se os senhores estão escandalizados, estou fazendo meu trabalho. Se
os senhores se sentem atraídos a Cristo, o Espírito Santo está fazendo sua obra.
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"Não fomos incluídos no Arrebatamento, e agora vivemos uma época que em breve
passará a ser o período mais perigoso da história. Os evangelistas costumavam
advertir seus ouvintes que eles poderiam ser atropelados por um carro ou morrer
queimados e que, portanto, deveriam aceitar a Cristo imediatamente. Eu estou
dizendo que se os senhores forem atropelados por um carro ou morrerem
queimados, essas poderão ser as maneiras mais misericordiosas de morrer.
Estejam preparados para o tempo que se aproxima. Estejam preparados. Vou lhes
dizer como deverão se preparar.
"O tema de meu sermão de hoje é Os Quatro Cavaleiros do Apocalipse, e quero
concentrar-me no primeiro, o cavaleiro do cavalo branco. Se os senhores sempre
pensaram que os Quatro Cavaleiros do Apocalipse faziam parte da linha de defesa
dos brutamontes da Notre Dame, Deus tem uma lição para lhes ensinar hoje."
Buck nunca vira Bruce demonstrar tanta sinceridade, tanta inspiração. Enquanto
falava, ele consultava suas anotações, os livros de referência, a Bíblia. Começou a
transpirar e enxugava constantemente o suor da testa com um lenço. Interrompeu
o sermão para admitir que considerava esse gesto uma gafe. Parecia a Buck que os
todos congregados sorriam para Bruce procurando incentivá-lo a prosseguir. A
maioria fazia anotações. Quase todos acompanhavam o sermão, lendo os trechos
em suas Bíblias ou nas que estavam à disposição nos bancos.
Bruce explicou que o livro de Apocalipse, o relato de João a respeito do que Deus
lhe revelou sobre os últimos dias, fala sobre o que acontecerá depois que Cristo
arrebatar sua igreja. "Alguém aqui duvida que estes são os últimos dias?" ele
bradou. "Milhões desapareceram, e o que virá em seguida? O que virá?"
Bruce explicou que a Bíblia prediz em primeiro lugar um tratado entre um líder
mundial e Israel. "Alguns acreditam que o período de sete anos de tribulação já
começou, e que começou com o Arrebatamento. Já estamos passando por
provações e tribulações desde o desaparecimento de milhões de pessoas, inclusive
de nossos amigos e entes queridos, não? Mas isso não é nada comparado à
tribulação que virá.
"Durante estes sete anos, Deus efetuará três julgamentos consecutivos: o livro
selado com sete selos, ao qual damos o nome de Julgamentos Selados; as sete
trombetas; e as sete taças. Esses julgamentos, creio eu, têm a finalidade de nos
soltar de qualquer fio de segurança que porventura tenhamos deixado para trás. Se
o Arrebatamento não chegou a chamar nossa atenção, os julgamentos chamarão. E
se os julgamentos não chamarem, morreremos apartados de Deus. Por mais
horríveis que esses julgamentos venham a ser, exorto os senhores para que os
considerem como advertências finais vindas de um Deus amoroso que não deseja
que nenhuma alma pereça.
"Quando o livro for aberto e os selos dilacerados, revelando os julgamentos, os
primeiros quatro serão representados pelos cavaleiros - os Quatro Cavaleiros do
Apocalipse. Se os senhores já leram sobre isso, provavelmente consideraram-no
apenas simbólico, como eu também. Será que ainda há alguém aqui que considere
a doutrina profética da Bíblia um mero simbolismo?"
Bruce fez uma pausa dramática. "Acho que não. Prestem atenção a esta doutrina.
Os Julgamentos Selados durarão vinte e um meses a partir da assinatura do
tratado com Israel. Nas próximas semanas falarei sobre os quatorze julgamentos
restantes que durarão até o final do período dos sete anos, mas por ora vamos nos
concentrar nos primeiros quatro dos sete selos."
Enquanto Bruce prosseguia, Buck sentia-se estarrecido porque o último orador que
ele ouvira falar de modo tão fascinante foi Nicolae Carpathia. Mas a marca deixada
por Carpathia fora coreografada, manipulada. Bruce só estava tentando
impressionar as pessoas com a verdade da Palavra de Deus. Será que ele diria à
congregação que sabia quem era o Anticristo? De certa maneira, Buck esperava
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que sim. Mas aquilo poderia ser considerado uma calúnia, apontar publicamente
alguém como o arquiinimigo do Deus Todo-Poderoso.
Ou será que Bruce simplesmente repetiria as palavras da Bíblia e deixaria que as
pessoas tirassem suas próprias conclusões? Já existiam fortes rumores sobre um
iminente acordo entre Carpathia - ou pelo menos entre a ONU sob a liderança de
Carpathia - e Israel. Se Bruce vaticinasse um pacto que seria confirmado nos
próximos dias, quem poderia duvidar dele?
Rayford estava mais do que fascinado. Estava extasiado. Parecia que Bruce
conseguia ler sua mente. Pouco tempo atrás ele teria zombado de tal doutrina, de
uma interpretação literal sobre uma passagem tão claramente poética e metafórica.
Mas o que Bruce disse fazia sentido. Havia poucas semanas que aquele jovem
começara a pregar. Não era vocacionado nem treinado para isso. Porém, tratava-se
mais de uma aula do que de uma pregação, e o entusiasmo de Bruce, a forma pela
qual ele mergulhava de corpo e alma no assunto, atraía a atenção de todos.
"Nesta manhã não tenho tempo para falar do segundo, do terceiro e do quarto
cavaleiros", disse Bruce, "a não ser para dizer que o cavaleiro do cavalo vermelho
significa guerra, o do cavalo preto significa fome, e o do cavalo amarelo significa
morte. Não temos coisas boas pela frente", ele disse com uma expressão de
desagrado, e algumas pessoas deram uma risadinha nervosa. "Mas eu preveni os
senhores de que estas palavras não seriam dirigidas aos fracos de coração."
Apressando-se para atingir o ponto que desejava e concluir o sermão, Bruce leu
Apocalipse 6.1-2: "Vi quando o Cordeiro abriu um dos sete selos, e ouvi um dos
quatro seres viventes, dizendo, como se fosse voz de trovão: Vem. Vi, então, e eis
um cavalo branco e o seu cavaleiro com um arco; foi-lhe dada uma coroa; e ele
saiu vencendo e para vencer."
Bruce deu um passo para trás de forma dramática e começou a arrumar suas
coisas. "Não se preocupem", ele disse, "ainda não concluí." Para surpresa de
Rayford, as pessoas começaram a aplaudir. Bruce disse: "Vocês estão batendo
palmas porque querem que eu conclua ou porque querem que eu prossiga o estudo
todas as tardes?"
A congregação aplaudia cada vez mais. Rayford não entendeu o que estava
acontecendo. Aplaudiu também enquanto Chloe e Buck faziam o mesmo. Eles
estavam sorvendo aqueles ensinamentos e queriam mais. Bruce claramente
mantinha-se em sintonia com o que Deus estava lhe mostrando. Disse reiteradas
vezes que essa verdade não era novidade, que os comentários por ele citados
existiam havia décadas e que a doutrina do final dos tempos era muito, muito mais
antiga que isso. Aqueles que relegaram esse tipo de ensinamento aos intelectuais,
aos fundamentalistas e aos evangélicos de mente tacanha, foram deixados para
trás. Em um piscar de olhos concluiu-se que era correto levar a Bíblia a sério! Se
nada mais servisse para convencer o povo, a perda de tantas pessoas por ocasião
do Arrebatamento serviria.
Bruce permaneceu de pé apenas com a Bíblia na mão. "Agora quero dizer-lhes que
acredito no que a Bíblia menciona a respeito do cavaleiro do cavalo branco, o
primeiro cavaleiro do Apocalipse. Não vou apresentar minha opinião. Não vou tirar
nenhuma conclusão. Simplesmente deixarei que Deus os ajude a traçar quaisquer
paralelos que necessitem ser traçados. Vou lhes dizer apenas uma coisa
antecipadamente: Para mim, este relato escrito há milênios parece tão recente
como o jornal de amanhã."
34
QUATRO
Sentado no banco atrás de Rayford e Chloe Steele, Buck olhou de relance para seu
relógio. Passara-se mais de uma hora desde que ele olhou a última vez para o
relógio. Seu estômago dizia que ele estava com fome, ou pelo menos que já era
hora de comer alguma coisa. Sua mente dizia que ele poderia permanecer ali o dia
inteiro ouvindo Bruce Barnes explicar, com base na Bíblia, o que estava
acontecendo hoje e o que aconteceria amanhã. Seu coração dizia que ele estava à
beira de um precipício. Buck sabia aonde Bruce queria chegar com seus
ensinamentos, com sua imagem retórica do livro de Apocalipse. Além de saber
quem era o cavaleiro do cavalo branco, Buck o conhecia pessoalmente. Já
experimentara o poder do Anticristo.
Buck havia passado tempo suficiente com Bruce e os Steeles, analisando as
passagens bíblicas, para ter a plena certeza de que Nicolae Carpathia personalizava
o inimigo de Deus. Mesmo assim, não poderia precipitar-se e fortalecer a
mensagem de Bruce, contando sua própria história. Nem Bruce poderia revelar que
Buck sabia quem era o Anticristo ou que alguém daquela igreja o conhecera.
Durante anos Buck sempre gostou de citar nomes de pessoas famosas para dar a
entender que era íntimo delas. Freqüentou a alta-roda por tanto tempo que era
comum ouvi-lo dizer: "Encontrei-me com ele", "Entrevistei-a", "Conheço-o bem",
"Estive com ela em Paris", "Hospedei-me na casa deles".
Porém aqueles modos egocêntricos deixaram de existir após os desaparecimentos e
suas experiências ao deparar-se frente a frente com eventos sobrenaturais. Em
outros tempos, Buck Williams teria tido satisfação em poder dizer que conhecia
pessoalmente não só a personalidade líder do mundo, mas também o próprio
Anticristo profetizado nas Escrituras. Agora, ele simplesmente permanecia atento e
concentrado no que seu amigo pregava.
"Permitam-me um esclarecimento", Bruce estava dizendo. "Acredito que, com as
imagens retóricas desses cavaleiros, Deus não tenha tido o propósito de
caracterizar um indivíduo, mas sim as condições do mundo. Sabemos que essas
imagens não se referem a povos específicos, porque, por exemplo, o quarto
cavaleiro é chamado Morte. "Ah, mas e o primeiro cavaleiro? Observem que é o
Cordeiro quem abre o primeiro selo e revela esse cavaleiro. O Cordeiro é Jesus
Cristo, o Filho de Deus, que morreu por nossos pecados, ressuscitou e
recentemente arrebatou sua igreja.
"Na Bíblia, o primeiro de uma série é sempre importante - o primogênito, o
primeiro dia da semana, o primeiro mandamento. O primeiro cavaleiro, o primeiro
dos quatro cavalos dos primeiros sete julgamentos, é importante! Ele puxa a fila.
Ele é o elemento principal para compreendermos o restante dos cavaleiros, o
restante dos Julgamentos Selados, ou seja, o restante de todos os julgamentos.
"Quem é o primeiro cavaleiro? Evidentemente representa o Anticristo e seu reino.
Seu propósito é 'vencer o vencedor'. Ele tem um arco na mão, símbolo de combate
agressivo, mas não há menção de uma flecha. Então, como ele vencerá? Outras
passagens bíblicas indicam que ele é um 'rei voluntarioso' e que triunfará por meio
de diplomacia. Ele anunciará uma falsa paz, prometendo a união mundial. Será
vitorioso? Sim! Ele tem uma coroa."
Tudo isso era novidade tanto para Rayford como para Chloe. Porém, desde que
aceitaram a Cristo, eles haviam mergulhado tanto nesse estudo junto com Bruce
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que Rayford já previa todos detalhes. Parecia que estava se tornando um
especialista na matéria, e não se lembrava de ter captado um assunto com tanta
rapidez. Sempre foi um bom aluno, principalmente em ciências e matemática.
Aprendeu rapidamente suas funções na aviação. Mas o assunto atual referia-se ao
universo. Referia-se à vida. Referia-se ao mundo real. Explicava o que acontecera à
sua esposa e filho, o que ele e sua filha sofreriam e o que aconteceria no dia
seguinte e nos anos subseqüentes.
Rayford admirava Bruce. Esse jovem compreendera instantaneamente que sua
maneira falsa de agir como cristão o fez fracassar no momento mais importante da
história da humanidade. Arrependeu-se imediatamente e passou a dedicar-se à
tarefa de salvar o maior número possível de pessoas. Bruce Barnes entregara-se de
corpo e alma à causa.
Em outras circunstâncias, Rayford teria se preocupado com Bruce, temendo que ele
estivesse se desgastando, exaurindo suas forças. Mas Bruce parecia estar
energizado, satisfeito. Com certeza precisaria dormir mais, porém no momento a
verdade da Palavra de Deus transbordava e ele estava ansioso por compartilhá-la.
Se as demais pessoas fossem como Rayford, não poderiam pensar em outra coisa a
não ser ficar ali e aprender.
"Nas próximas semanas falaremos dos outros três cavaleiros do Apocalipse", Bruce
estava dizendo, "mas antes vou dizer algo em que os senhores devem refletir. O
cavaleiro do cavalo branco é o Anticristo, que vem como um impostor prometendo
paz e união ao mundo. O livro de Daniel no Velho Testamento - capítulo 9,
versículos 24 a 27 - diz que ele assinará um tratado com Israel.
"Ele parecerá amigo e protetor desse povo, mas no final o vencerá e o destruirá.
Devo encerrar o estudo desta semana, mas depois explicaremos mais por que isso
acontece e quais serão os efeitos posteriores. Vou encerrar dizendo por que os
senhores podem estar certos de que eu não sou o Anticristo."
Esta frase chamou a atenção dos congregados, inclusive a de Rayford. Todos riram
constrangidos.
"Não estou insinuando que os senhores suspeitem de mim", disse Bruce,
provocando mais risadas. "No entanto, devemos partir do ponto de que todo líder é
suspeito. Lembrem-se, contudo, que os senhores nunca ouvirão promessas de paz
partindo deste púlpito. A Bíblia diz claramente que teremos talvez um ano e meio
de paz após o pacto com Israel. Porém, ao longo do tempo, prevejo o oposto da
paz. Os outros três cavaleiros estão chegando e trarão guerra, fome, pragas e
morte. Esta não é uma mensagem agradável de ouvir nem algo aconchegante no
qual vocês possam se apegar nesta semana. Nossa única esperança está em Cristo
e, mesmo assim, sofreremos. Até a próxima semana."
Rayford percebeu uma sensação de desassossego entre os presentes enquanto
Bruce encerrava com uma oração. Parecia que todos sentiam o mesmo que Rayford
sentia. Ele queria ouvir mais e tinha mil perguntas. Normalmente a organista
começava a tocar perto do final da oração de Bruce, e ele imediatamente dirigia-se
para os fundos da igreja onde cumprimentava as pessoas que saíam. Mas nesse dia
enquanto Bruce começava a atravessar o corredor foi parado por pessoas que o
abraçavam, agradeciam e faziam perguntas.
Rayford e Chloe estavam sentados em uma das fileiras da frente. Ele percebeu que
Buck estava conversando com Chloe e, ao mesmo tempo, ouviu as perguntas que
as pessoas faziam a Bruce.
"Você está dizendo que Nicolae Carpathia é o Anticristo?" perguntou alguém.
"Você me ouviu dizer isso?" disse Bruce.
"Não, mas ficou claro. Já estão divulgando notícias sobre seus planos e uma
espécie de acordo com Israel."
"Continue lendo e estudando", disse Bruce.
36
"Mas não pode ser Carpathia, não? Você acha que ele é um mentiroso?"
"O que você acha que ele é?" perguntou Bruce.
"Um salvador."
"Quase um messias?" pressionou Bruce.
"Sim!"
"Há apenas um Salvador, um Messias."
"Sei disso espiritualmente, mas estou dizendo politicamente. Não me diga que
Carpathia não é o que parece ser."
"Só posso lhe dizer o que está nas Escrituras", disse Bruce, "e insisto para que você
ouça as notícias com atenção. Devemos ser espertos como serpentes e simples
como pombas."
"É assim que eu descreveria Carpathia", disse uma mulher.
"Tome cuidado", disse Bruce, "ao conferir atributos de Cristo a alguém que não se
assemelha a Ele."
No final do culto Buck segurou o braço de Chloe, mas ela não reagiu como ele
esperava. Virou-se lentamente para saber o que ele queria, sem demonstrar aquele
ar de expectativa de sexta-feira à noite. Ele a magoara de alguma maneira. "Tenho
certeza de que você gostaria de saber por que lhe telefonei", ele começou.
"Achei que você me contaria quando tivesse oportunidade."
"Eu só queria saber se você gostaria de conhecer meu novo apartamento." Ele
informou o endereço. "Que tal você passar por lá amanhã perto da hora do almoço
para conhecê-lo? Poderemos almoçar juntos."
"Não sei", disse Chloe. "Acho que não poderei almoçar, mas se passar por perto,
chegarei até lá."
"Está bem." Buck estava desolado. Aparentemente não era difícil desapontá-la. O
difícil seria amolecer seu coração.
Enquanto Chloe se misturava aos congregados, Rayford cumprimentou Buck com
um aperto de mão. "Como vai, meu amigo?"
"Tudo bem", respondeu Buck. "Ainda tentando me organizar."
Uma pergunta martelava a mente de Rayford. Ele olhou para o teto e depois para
Buck. Nesse ângulo de visão, avistou centenas de pessoas andando de um lado
para o outro, aguardando um momento para conversar a sós com Bruce Barnes.
"Buck, preciso lhe perguntar algo. Você está arrependido de ter apresentado Hattie
Durham a Carpathia?"
Buck cerrou os lábios e fechou os olhos, passando o dedo na testa. "Todos os dias",
ele sussurrou. "Estive conversando com Bruce sobre isso."
Rayford fez um movimento com a cabeça e ajoelhou-se em um dos bancos, de
frente para Buck. Buck sentou-se. "Foi o que pensei", disse Rayford. "Tenho muito
dó dela. Fomos amigos, você sabe. Colegas de trabalho, mas amigos também."
"Imagino", disse Buck.
"Nunca tivemos um caso ou qualquer coisa parecida", Rayford assegurou. "Mas me
preocupo com o que possa acontecer a ela."
"Ouvi dizer que ela tirou uma licença de trinta dias da Pan-Con."
"Ah, sim", disse Rayford, "mas foi só para disfarçar. Você sabe que Carpathia vai
querer tê-la por perto e ele arrumará dinheiro para pagar muito mais do que ela
ganha na empresa aérea."
"Sem dúvida."
"Ela se apaixonou pelo trabalho, para não dizer que se apaixonou por ele. E quem
sabe até onde irá esse relacionamento?"
"Como Bruce diz, não penso que ele a contratou por causa de sua capacidade
intelectual", disse Buck.
Rayford assentiu com a cabeça. Ambos concordavam. Hattie Durham passaria a ser
um dos passatempos de Carpathia. Se um dia houve alguma esperança de sua
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alma ser salva, agora seria remota, uma vez que ela estava diariamente na
companhia dele.
"Lamento por ela", prosseguiu Rayford, "e apesar de nossa amizade não me sinto à
vontade para adverti-la. Ela foi a primeira pessoa a quem tentei falar de Cristo. Não
se interessou. Antes disso demonstrei mais interesse por ela do que devia, e
naturalmente ela agora não tem um conceito positivo a meu respeito."
Buck inclinou-se para frente. "Talvez eu tenha uma oportunidade de conversar em
breve com Hattie."
"E o que você vai lhe dizer?" indagou Rayford. "Pelo que sabemos os dois já são
íntimos. Ela vai contar tudo a ele. Se ela lhe disser que você se tornou crente e que
vai tentar salvá-la, ele constatará que a lavagem cerebral coletiva não surtiu efeito
em sua mente."
Buck concordou com a cabeça. "Tenho pensado nisso. Mas sinto-me responsável
por Hattie estar lá. Eu sou o responsável por ela estar lá. Podemos orar por ela,
mas vou me sentir um inútil se não fizer algo concreto para tirá-la de lá.
Precisaremos trazê-la para cá, onde poderá conhecer a verdade."
"Tenho dúvidas se ela já não se mudou para Nova York", disse Rayford. "Talvez
possamos descobrir um motivo para Chloe telefonar para seu apartamento em Des
Plaines."
Depois que eles despediram um do outro e caminharam para fora do templo,
Rayford começou a se perguntar até que ponto deveria incentivar o relacionamento
entre Chloe e Buck. Gostava muito de Buck, mas conhecia muito pouco a seu
respeito. Acreditava e confiava nele, considerava-o um irmão. Ele era um jovem
inteligente e perspicaz. Porém, a idéia de que sua filha começasse a namorar ou
viesse a se apaixonar por um homem que conhecia pessoalmente o Anticristo... ia
além de sua compreensão. Rayford teria de ser franco com ambos, se o
relacionamento entre eles fosse adiante.
Contudo, ao se encontrar com Chloe no carro, ele se deu conta de que não havia
motivos para preocupações, pelo menos por ora.
"Não me diga que você convidou Buck para almoçar conosco", ela disse.
"Nem pensei nisso. Por quê?"
"Ele está me tratando como uma irmã, e mesmo assim quer que eu vá conhecer
seu apartamento amanhã."
Rayford teve vontade de dizer "E daí?" e perguntar à filha se ela não estaria
exagerando ao interpretar as palavras e ações de um homem que mal conhecia. Na
opinião de Chloe, Buck deveria estar loucamente apaixonado por ela e sem saber
como se expressar. Rayford não disse nada.
"Você tem razão", ela disse. "Estou com idéia fixa."
"Eu não disse uma só palavra."
"Posso ler seus pensamentos", ela disse. "De qualquer forma, estou furiosa comigo
mesma. Não dou a menor atenção a um recado deixado para mim, e depois fico
pensando o tempo todo em um sujeito que deixei escapar por entre os dedos. Não
tem importância. Quem vai se preocupar com isso?"
"Pelo jeito, você."
"Mas eu não deveria. As coisas antigas já passaram e tudo se fez novo", ela disse.
"Preocupar-se com rapazes definitivamente deve ser uma coisa antiga. Por ora não
há tempo para banalidades."
"Aja de acordo com seu coração."
"É exatamente o que não quero fazer. Se eu agir de acordo com meu coração, vou
visitar Buck hoje à tarde para esclarecer nossa situação."
"E você não vai?"
Ela balançou a cabeça negativamente.
"Então você me faria um favor? Tentaria localizar Hattie Durham para mim?"
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"Por quê?"
"Na verdade, estou curioso para saber se ela já se mudou para Nova York."
"E por que ela não teria se mudado ainda? Carpathia a contratou, não é verdade?"
"Não sei. Ela tirou trinta dias de licença. Gostaria que você ligasse para o
apartamento dela. Se a secretária eletrônica estiver ligada, é sinal que ela ainda
não se decidiu."
"E por que você não liga para ela?"
"Acho que já me intrometi demais em sua vida."
A caminho de casa, Buck parou para comprar comida pronta em uma lanchonete
chinesa e almoçou sozinho, olhando pela janela. Ligou a TV em um jogo de beisebol
mas não prestou atenção, deixando o volume baixo. Tinha a mente confusa.
Aprontara o artigo para ser transmitido a Nova York e estava ansioso para saber a
reação de Stanton Bailey. Também aguardava seus arquivos e equipamentos de
escritório, que deveriam chegar na sucursal de Chicago na manhã do dia seguinte.
Seria bom ter tudo na mão para organizar-se.
Também não conseguia parar de pensar na mensagem de Bruce. Não tanto no
conteúdo da mensagem, mas no sofrimento de Bruce. Precisava conhecer Bruce
melhor. Talvez isso fosse a cura para a sua solidão - e a de Bruce. Se Buck se
sentia tão sozinho, a solidão deveria ser muito maior para um homem que teve
mulher e filhos. Buck estava acostumado a uma vida solitária, mas tinha uma roda
de amigos em Nova York. Em Chicago, a não ser que alguém do escritório ou da
Força Tribulação ligasse, o telefone permanecia mudo.
Com certeza ele não estava sabendo lidar com Chloe. Quando foi removido, pensou
que a mudança de Nova York para Chicago seria positiva - teria condições de se
encontrar mais vezes com Chloe, freqüentaria uma boa igreja, receberia um bom
treinamento, teria um grupo de amigos. Pensou também que estava agindo certo
por não ter se apressado em correr atrás dela. A época não era apropriada. Quem
se preocuparia em ter um caso amoroso no final dos tempos?
Buck sabia - ou pelo menos acreditava - que Chloe não estava brincando com ele.
Ela estava se esforçando para continuar a atrair sua atenção. Fosse de propósito ou
não, estava funcionando, e ele sentiu-se um tolo por dar tanta importância a isso.
Apesar de qualquer coisa que tivesse acontecido, por mais que ela estivesse
fingindo, e qualquer que fosse o motivo, ele lhe devia uma explicação. Poderia vir a
se arrepender por continuar a tratá-la como uma amiga, mas não enxergava outra
saída. Para o bem de ambos, deveriam continuar amigos e aguardar um tempo
para ver o que aconteceria. Na opinião dele, Chloe também pensava assim.
Buck tirou o fone do gancho, mas quando o colocou no ouvido, escutou um som
estranho e, em seguida, uma gravação. "Há um recado para você. Aperte o botão
dois para ouvi-lo."
Um recado? Não requisitei um voice mail. Buck apertou o botão. Era Steve Plank.
"Buck, onde você se meteu, homem? Se você não está querendo retornar as
ligações de seu voice mail, vou parar de deixar recados lá. Sei que você não tem
registro lá, mas se pensa que Nicolae Carpathia é alguém com quem se pode
brincar, pergunte a si mesmo como consegui seu número de telefone. Como
jornalista, você vai querer ter esses recursos. Agora, Buck, de amigo para amigo,
sei que costuma verificar seus recados com freqüência e sabe que Carpathia deseja
conversar com você. Por que não me ligou? Você está me prejudicando. Eu disse a
ele que consegui localizá-lo e que você viria até aqui para vê-lo. Disse a ele que
não entendi por que você não aceitou seu convite para a reunião de posse, mas
que o conheço como a um irmão e que você não se rebelaria contra ele.
"Agora ele quer ver você. Não sei do que se trata nem mesmo se vou participar.
Não sei se faz parte do protocolo, mas com certeza você poderá pedir-lhe algumas
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citações para seu artigo. É só vir até aqui. Você poderá entregar pessoalmente seu
artigo ao Semanário, cumprimentar sua velha amiga Srta. Durham e descobrir o
que Nicolae deseja. Há uma passagem de primeira classe aguardando por você em
O'Hare sob o nome de McGillicuddy para o vôo das nove horas de amanhã. Haverá
uma limusine à sua disposição no aeroporto e você almoçará com Carpathia. Faça
isso, Buck. Talvez ele queira agradecer o fato de você ter-lhe apresentado Hattie.
Parece que estão se dando bem.
"Agora, Buck, se você não me ligar, vou achar que você virá. Não me decepcione."
"E então, o que você conseguiu?" perguntou Rayford.
Chloe imitou a voz da gravação. "'O número para o qual você ligou está desativado.
O novo número é...'"
"É qual?"
Ela entregou-lhe um pedaço de papel. O código de área era de Nova York. Rayford
suspirou. "Você tem o novo número de Buck?"
"Está preso na parede perto do telefone."
Buck ligou para Bruce Barnes. "Detesto ter de lhe perguntar isto, Bruce, mas
poderíamos marcar uma reunião para esta noite?"
"Estou tentando dormir um pouco", respondeu Bruce.
"Você está precisando de um bom sono. Marcaremos a reunião para outra hora."
"Não, não vou dormir tanto assim. Você quer marcar uma reunião para nós quatro
ou só para nós dois?"
"Só nós dois."
"Que tal eu ir ao seu apartamento? Estou cansado do escritório e da casa vazia."
Eles marcaram para as dezenove horas, e Buck decidiu que tiraria o fone do gancho
depois de fazer mais uma ligação. Não queria correr o risco de conversar com
Plank, ou pior, com Carpathia, até ter conversado e orado sobre esse assunto com
Bruce. Steve havia dito que achava que Buck voaria para Nova York a não ser que
houvesse algo em contrário, mas com certeza ligaria novamente para confirmar. E
Carpathia era totalmente imprevisível.
Buck telefonou para Alice, a secretária da sucursal de Chicago. "Preciso de um
favor".
"Às ordens", ela disse.
Ele contou que voaria para Nova York na manhã seguinte, mas não queria que
Verna Zee soubesse. "Também não quero aguardar minhas coisas por muito
tempo, portanto gostaria de deixar uma cópia da chave de meu apartamento com
você antes de seguir para o aeroporto. Se você não se importar, poderia trazer
tudo para cá e trancar a porta. Eu lhe ficaria muito agradecido."
"Sem problemas. De qualquer maneira, terei de passar aí por perto por volta da
hora do almoço. Vou buscar meu noivo no aeroporto. Verna não precisa saber que
estarei levando suas coisas."
"Você gostaria de ir até Dallas comigo amanhã cedo, Chio?" perguntou Rayford.
"Acho que não. Você vai ficar o dia todo dentro do 757, certo?"
Rayford assentiu com a cabeça.
"Vou ficar por aqui. Talvez aceite o convite de Buck para conhecer seu
apartamento."
Rayford balançou a cabeça. "Não consigo acompanhar seu raciocínio. Agora você
quer ir até lá para ver o sujeito que a trata como uma irmã?"
"Não vou até lá para vê-lo", ela disse. "Vou conhecer seu apartamento."
"Ah", disse Rayford. "Falha minha."
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"Você está com fome?" perguntou Buck antes de Bruce atravessar a porta naquela
noite.
"Um pouco", respondeu Bruce.
"Vamos jantar fora", sugeriu Buck. "Você poderá conhecer o apartamento quando
voltarmos."
Escolheram um canto mais tranqüilo de uma pizzaria barulhenta, e Buck pôs Bruce
a par das últimas novidades de Steve Plank. "Você está pensando em ir?" indagou
Bruce.
"Não sei o que pensar e, se você me conhecesse melhor, saberia o quanto isso é
esquisito para mim. Evidentemente, meus instintos como jornalista dizem sim - vá,
sem fazer perguntas. Quem não iria? Mas eu sei quem esse sujeito é, e a última
vez que o vi ele baleou dois homens."
"Eu gostaria muito que você também pedisse a opinião de Rayford e Chloe."
"Sei disso", disse Buck, "mas quero pedir-lhe que não conte nada a ninguém sobre
esse assunto. Se eu resolver ir, prefiro que eles não saibam."
"Buck, se você for, vai precisar de muitas orações."
"Você poderá contar-lhes depois que eu partir. Devo almoçar com Carpathia ao
meio-dia ou um pouco mais tarde, horário de Nova York. Diga-lhes que estou em
uma viagem importante."
"Se é isso que você quer, tudo bem. Mas você precisa se dar conta de que não é
assim que vejo a atuação do grupo."
"Eu sei e concordo. Mas eles poderão considerar a minha ida como algo temerário,
e talvez seja. Se eu for, não quero desapontá-los até ter uma oportunidade de me
explicar."
"E por que não fazer isso antes?"
Buck empinou a cabeça e deu de ombros. "Porque ainda não consegui explicar a
mim mesmo."
"Parece que você está resolvido a ir."
"Acho que devo."
"Você quer que eu apóie sua decisão?"
"Na verdade, não. Você apoiaria?"
"Estou tão perdido quanto você, Buck. Não consigo enxergar nada positivo nisso.
Ele é um homem perigoso e um assassino. Poderá fazê-lo desaparecer sem deixar
provas. Já fez isso diante de uma sala cheia de testemunhas. Por outro lado, por
quanto tempo você poderá evitar esse encontro? Dois dias depois de você ter-se
mudado, ele consegue ter acesso ao seu número que ainda não consta da lista. Ele
pode encontrá-lo e, se você se esquivar, poderá deixá-lo furioso."
"Eu sei. Poderei dizer-lhe que estive ocupado com a mudança e a arrumação do
novo apartamento..."
"E você esteve."
"Estive, e depois me apresento no dia marcado, usando sua passagem e
imaginando o que ele deseja."
"Ele tentará ler seus pensamentos, descobrir o que você se lembra daquele dia."
"Não sei o que vou dizer. Também não sabia o que fazer na reunião de posse.
Percebi a presença do Maligno naquela sala, mas tinha a certeza de que Deus
estava comigo. Eu não sabia o que dizer ou como reagir, mas, quando penso nisso,
Deus me conduziu perfeitamente para permanecer em silêncio e deixar que
Carpathia tirasse suas próprias conclusões."
"Agora você também poderá depender de Deus, Buck. Mas deve elaborar algum
tipo de plano, o que falar ou o que não falar, esse tipo de coisa."
"Em outras palavras, ficar sem dormir esta noite?"
Bruce sorriu. "Não sei se existem muitas probabilidades para isso."
"Nem eu."
41
Buck levou Bruce para conhecer seu apartamento. Naquele momento, decidiu ir
para Nova York na manhã seguinte.
"Por que você não telefona para seu amigo...", Bruce começou a dizer.
"Plank?"
"Sim, Plank, e diga-lhe que você irá. Assim poderá parar de se preocupar com a
ligação dele e deixar a linha aberta para mim ou qualquer outra pessoa que queira
conversar com você."
Buck assentiu com a cabeça. "Boa idéia."
Depois de deixar um recado para Steve, Buck não recebeu mais nenhuma ligação
naquela noite. Pensou em telefonar para Chloe dizendo para ela não vir na manhã
seguinte, mas não queria ter de contar-lhe o motivo nem inventar uma história. De
qualquer forma, ele estava convencido de que ela não viria. Com certeza, ela não
parecera interessada naquela manhã.
Buck teve um sono agitado. Na manhã seguinte, entregou a chave de seu
apartamento a Alice. Felizmente, ao sair do estacionamento, não viu Verna que
estava chegando. Ela também não chegou a vê-lo.
Buck não tinha nenhum documento de identidade com o nome de McGillicuddy. Ao
pegar um envelope em O'Hare sobrescritado com esse nome, constatou que nem
mesmo a jovem do balcão sabia que havia uma passagem dentro.
Apresentou-se para o check-in uma hora e meia antes do embarque. "Sr.
McGillicuddy", disse o homem de meia-idade que o atendeu, "o senhor poderá ser o
primeiro a embarcar, se quiser."
"Obrigado", disse Buck.
Ele sabia que os passageiros de primeira classe, os que voavam com freqüência, os
idosos e as pessoas com crianças pequenas tinham prioridade para embarcar. Mas
quando Buck dirigiu-se para a sala de espera, o homem perguntou: "O senhor não
deseja embarcar imediatamente?"
"Como assim?" perguntou Buck. "Agora?"
"Sim, senhor."
Buck olhou ao redor, perguntando a si mesmo se não ouvira o chamado para
embarcar. Havia ainda poucas pessoas na fila, e ninguém estava se dirigindo para a
aeronave.
"O senhor tem o privilégio de embarcar no momento em que desejar, mas não se
sinta obrigado a isso. A escolha é sua."
Buck deu de ombros. "Claro. Vou embarcar imediatamente."
Somente a comissária de vôo estava na aeronave. O compartimento da classe
econômica ainda estava sendo limpo. Não obstante, a comissária ofereceu-lhe
champanhe, suco ou refrigerante e entregou-lhe o cardápio do desjejum.
Buck nunca foi apreciador de bebida alcoólica, portanto recusou o champanhe.
Também não estava disposto a comer nada. A comissária disse: "O senhor tem
certeza? Há uma garrafa a seu lado." Ela olhou para a prancheta que tinha nas
mãos. "'Cortesia de N.C"
"De qualquer maneira, obrigado." Buck balançou a cabeça. Será que não havia um
paradeiro para tudo o que Carpathia podia - ou queria - fazer?
"Não vai querer levar a garrafa?"
"Não, senhora. Obrigado. "A senhora gostaria de ficar com ela?"
A comissária lançou-lhe um olhar de perplexidade. "O senhor está brincando? É
Dom Pérignon!"
"Sinta-se à vontade para levá-la."
"Sério?"
"Claro."
"Bem, o senhor assinaria esta papeleta indicando que aceitou o champanhe para
que eu não tenha problemas por tê-lo levado?" Buck assinou. O que aconteceria em
42
seguida?
"Senhor?" disse a comissária. "Qual é o seu nome?"
"Desculpe-me", disse Buck. "Estava distraído." Pegou a papeleta, anulou sua
assinatura verdadeira e rabiscou "B. McGillicuddy."
Normalmente os passageiros da classe econômica lançavam olhares furtivos para
os da primeira classe, mas agora até mesmo os da primeira classe fizeram o
mesmo em relação a ele. Buck tentou não demonstrar ostentação, mas
evidentemente estava recebendo tratamento preferencial. Já estava acomodado a
bordo quando os demais passageiros chegaram. Durante o vôo, as comissárias
rodearam-no o tempo todo, completando seu copo e perguntando se ele precisava
de mais alguma coisa. A quem Carpathia pagara por esse tratamento, e quanto?
No aeroporto Kennedy, Buck não precisou procurar por alguém carregando um
cartaz com seu nome. Um motorista uniformizado caminhou em sua direção assim
que ele apareceu no terminal, pegou sua maleta e perguntou se havia outras
malas.
"Não."
"Ótimo, senhor. Acompanhe-me até o carro, por favor."
Buck era um homem acostumado a viajar pelo mundo todo e já havia sido tratado
como rei e como pobretão ao longo dos anos. Mesmo assim, sentiu-se
desconfortável diante do atual tratamento. Atravessou o aeroporto acompanhando
submissamente o motorista até avistar uma enorme limusine preta na beira da
calçada. O motorista abriu a porta e Buck entrou, saindo da luz do sol para a
escuridão no interior da limusine.
Ele não havia mencionado seu nome ao motorista e este também não perguntou.
Buck entendeu que tudo fazia parte da hospitalidade de Carpathia. E se ele tivesse
sido confundido com outra pessoa? E se isso fosse um tremendo engano?
Enquanto acostumava sua vista ao ambiente escuro de vidro fume, Buck notou um
homem de terno escuro olhando para ele, sentado de costas para o motorista.
"Você é funcionário da ONU", perguntou Buck, "ou trabalha diretamente para o Sr.
Carpathia?"
O homem não respondeu. Nem se moveu. Buck inclinou-se para frente. "Desculpeme
a insistência", ele disse. "Você..."
O homem colocou o dedo nos lábios em sinal de silêncio. Tudo bem, pensou Buck.
Não preciso saber. Porém, ele estava curioso para saber se a reunião com
Carpathia seria na ONU ou em um restaurante. E seria muito bom saber também se
Steve Plank estaria presente.
"Eu poderia falar com o motorista?" perguntou Buck. Nenhuma resposta. "Por
favor, motorista."
No entanto, havia uma divisória de vidro transparente entre o assento da frente e o
restante do chassi. O homem que parecia um guarda-costas continuava olhando e
Buck perguntou a si mesmo se esta seria sua última viagem de carro.
Estranhamente, ele não sentiu a mesma apreensão que o dominara na última vez.
Não sabia se tudo isso procedia de Deus, ou se ele estava sendo ingênuo. Pelo que
entendia, poderia estar a caminho de sua própria execução. O único registro de sua
viagem era uma assinatura que ele mesmo havia anulado na papeleta da
comissária de bordo.
Rayford Steele sentou-se na cabina de um Boeing 757 na pista militar escura de
Dallas - Fort Worth. Um examinador autorizado, sentado no banco do primeiropiloto,
já havia esclarecido que estava ali só para tomar notas. Rayford deveria
fazer a conferência preliminar de todos os itens do vôo, comunicar-se com a torre,
aguardar ordens, decolar, seguir as instruções da torre sobre a rota e aterrissar.
Não lhe disseram quantas vezes deveria repetir a seqüência toda nem se haveria
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necessidade de algo mais.
"Lembre-se", disse o examinador, "não estou aqui para lhe ensinar nada nem para
tirá-lo de alguma enrascada. Não respondo a perguntas nem mexo nos controles."
A conferência preliminar ocorreu sem nenhum problema. Taxiar o 757 era diferente
do pesado e desajeitado 747, mas Rayford conseguiu. Depois de receber
autorização da torre, ele acelerou para poder levantar vôo e sentiu a propulsão
violenta da maravilha da aerodinâmica. Quando a aeronave movimentou-se
ruidosamente pela pista como um cavalo de corridas, Rayford disse ao examinador:
"Este é um Porsche em matéria de aeronaves, não?"
O examinador nem se dignou a olhar para ele, quanto menos responder à sua
pergunta.
A decolagem foi enérgica e verdadeira, e Rayford lembrou-se de seus tempos de
militar quando pilotou aeronaves de guerra potentes, porém muito menores. "Ou
quem sabe um Jaguar?" perguntou ao examinador, que desta vez se dignou a dar
um leve sorriso e um movimento afirmativo com a cabeça.
A aterrissagem de Rayford foi perfeita. O examinador aguardou até que ele taxiasse
na posição correta e desligasse os motores. Então disse: "Vamos repetir mais duas
vezes e você poderá pilotar por conta própria."
A limusine em que Buck Williams viajava ficou presa no trânsito congestionado.
Buck gostaria de ter trazido algo para ler. Por que tanto mistério? Ele não
compreendia o motivo desse tratamento nem antes nem depois do vôo. A única vez
que alguém lhe sugeriu para usar um pseudônimo foi quando uma revista
concorrente lhe fez uma oferta considerada irrecusável por seus proprietários, e
eles não queriam que o Semanário Global soubesse que Buck sequer estaria
considerando a idéia de mudar de emprego.
Buck avistou a sede da Organização das Nações Unidas à distância, mas só soube
que este não seria seu destino quando o motorista passou à toda velocidade pela
frente do edifício. Ele esperava ser conduzido a um belo local para o almoço. Apesar
de ter recusado o desjejum, gostava mais da idéia de almoçar do que morrer.
Quando Rayford foi conduzido à caminhonete de cortesia da Pan-Con de volta ao
aeroporto Dallas - Fort Worth, o examinador entregou-lhe um envelope comercial.
"Então, passei no exame?" perguntou Rayford.
"Você só saberá daqui mais ou menos uma semana", respondeu o examinador.
E agora, o que seria isto? perguntou Rayford a si mesmo, entrando na caminhonete
e abrindo o envelope. Dentro havia uma única folha de papel com o timbre da
Organização das
Nações Unidas e escrito em alto relevo: Hattie Durham, Assistente Pessoal do
Secretário-Geral. A mensagem escrita à mão dizia simplesmente:
Capitão Steele,
Suponho que você saiba que o Air Force One novinho em folha é um 757.
Sua amiga,
Hattie Durham
44
CINCO
Buck começou a sentir-se mais confiante por não estar em perigo mortal. Havia
muitas pessoas envolvidas em sua viagem de Chicago a Nova York e agora para o
centro da cidade. Por outro lado, se Nicolae Carpathia conseguira esconder um
assassinato diante de mais uma dezena de testemunhas, certamente poderia
eliminar um articulista de revista.
A limusine seguiu em direção às docas, onde parou em um estacionamento circular
diante do exclusivo Manhattan Harbor Yacht Club. Quando o porteiro se aproximou,
o motorista abaixou o vidro da porta dianteira direita e fez um sinal com o dedo
para ele, como se o estivesse advertindo a permanecer afastado do carro. Em
seguida, o segurança desceu, segurou a porta aberta e Buck também desceu do
carro. "Siga-me, por favor", disse o segurança.
Buck teria se sentido à vontade no Yacht Club se não estivesse acompanhando um
homem de terno e que visivelmente o fazia passar por uma longa fila de clientes à
espera de uma mesa vaga. O maitre olhou de relance e fez um movimento
afirmativo com a cabeça enquanto Buck
acompanhava o homem até a entrada do restaurante. Ali o homem parou e
cochichou: "O senhor almoçará com o cavalheiro que está no reservado perto da
janela."
Buck olhou. Alguém acenava energicamente para ele, atraindo a atenção dos
presentes. Como o sol batia nas costas da pessoa, Buck avistou apenas a silhueta
de um homem de estatura pequena, ombros curvados para frente e cabelos ralos
despenteados. "Voltarei para buscá-lo à uma e meia em ponto", disse o segurança.
"Não saia do restaurante sem mim."
"Mas..."
O segurança afastou-se rapidamente e Buck olhou para o mattre, que não lhe deu
atenção. Sem perder o autocontrole, Buck passou pelas inúmeras mesas e
caminhou em direção ao reservado perto da janela, onde foi cumprimentado
efusivamente por seu velho amigo Chaim Rosenzweig. O homem conhecia as boas
maneiras de falar baixo em público, mas seu entusiasmo foi imenso.
"Cameron!" o israelense gritou com um forte sotaque. "Que bom ver você! Sentese,
sente-se! Este não é um lugar lindo? Só para os melhores amigos do secretáriogeral."
"Ele nos fará companhia, senhor?"
Rosenzweig pareceu surpreso. "Não, não! Muito ocupado. Sem tempo para isso.
Hospedando chefes de estado, embaixadores, todos querem estar perto dele. Eu
mesmo mal consigo conversar com ele mais do que cinco minutos por dia!"
"Quanto tempo o senhor ficará em Nova York?" perguntou Buck, pegando o
cardápio que lhe fora oferecido e permitindo que o garçom estendesse o
guardanapo em seu colo.
"Pouco tempo. No final desta semana Nicolae e eu vamos finalizar os preparativos
para sua visita a Israel. Será um dia glorioso!"
"Fale-me sobre isso, doutor."
"Vou falar! Vou falar! Mas antes precisamos esclarecer algo!" De repente o homem
ficou sério e falou em tom de voz sombrio. Estendeu o braço sobre a mesa e cobriu
a mão de Buck com a sua. "Cameron, sou seu amigo. Você precisa ser franco
comigo. Por que não compareceu a uma reunião tão importante? Sou um cientista,
sim, mas também considero-me uma espécie de diplomata. Esforcei-me bastante
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por trás dos bastidores com Nicolae e com seu amigo, o Sr. Plank, para que você
fosse convidado. Não entendi."
"Nem eu", disse Buck. O que mais poderia dizer? Rosenzweig, idealizador da
fórmula que fez os desertos de Israel florescerem como um jardim, era seu amigo
desde que Buck o enquadrou na categoria de "Fazedor da Notícia do Ano" no
Semanário Global pouco mais de um ano atrás. Rosenzweig foi um dos primeiros a
mencionar o nome de Nicolae Carpathia a Buck. Carpathia era um político de baixo
escalão da Romênia que solicitara uma reunião particular com Rosenzweig após a
fórmula ter adquirido fama.
Chefes de estado de todo o mundo haviam tentado aproximar-se servilmente de
Israel para ter acesso à fórmula. Inúmeros países enviaram diplomatas com a
finalidade de bajular Rosenzweig depois de não terem obtido sucesso com o
primeiro-ministro de Israel. Curiosamente, Carpathia foi um dos que mais
impressionou Rosenzweig. Carpathia organizou a visita e viajou por conta própria, e
na ocasião parecia não ter poderes para fazer acordos, apesar de Rosenzweig estar
disposto a isso. Carpathia só precisava da boa vontade de Rosenzweig. E
conseguiu. Agora, Buck entendeu, estava tudo acertado.
"Onde você estava?" indagou o Dr. Rosenzweig.
"Esta é uma pergunta de natureza existencial", respondeu Buck. "Onde cada um de
nós está?"
Rosenzweig piscou os olhos sem entender nada, e Buck sentiu-se um tolo. Estava
usando uma linguagem incoerente, mas não sabia mais o que falar. Não poderia
dizer ao homem: Eu estava lá! Vi o mesmo que o senhor viu, mas Carpathia fez
uma lavagem cerebral em todos vocês porque ele é o Anticristo!
Rosenzweig era um homem inteligente, esperto e adorava uma intriga. "Então,
você não quer me contar. Tudo bem. Quem perdeu foi você por não ter
comparecido. Evidentemente, foi poupado de uma cena de horror, mas foi sem
dúvida uma reunião histórica. Peça o salmão. Você vai achar delicioso."
Buck sempre teve o hábito de não aceitar a recomendação de pratos em
restaurantes. Provavelmente essa era uma das razões de seu apelido. Percebeu o
quanto estava confuso ao pedir o prato sugerido por Rosenzweig. Mas estava
realmente delicioso.
"Agora permita que eu lhe faça uma pergunta, Dr. Rosenzweig."
"Por favor! Por favor, Chaim."
"Como poderei me dirigir dessa maneira a um ganhador do Prêmio Nobel?"
"Por favor, será uma honra para mim. Por favor!"
"Está bem, Chaim", disse Buck, sentindo-se um tanto desconfortável. "Por que
estou aqui? Qual é a finalidade?"
O velho homem pegou o guardanapo, limpou toda a barba com ele, enrolou-o em
formato de bola e atirou-o no prato. Empurrou o prato de lado, endireitou-se na
cadeira e cruzou as pernas. Buck já vira muita gente demonstrar profundo
interesse por um determinado assunto, mas não com a avidez de Chaim
Rosenzweig.
"Então, o jornalista que existe dentro de você veio à tona, heim? Vou começar
dizendo que hoje é o seu dia de sorte. Nicolae tem em mente conceder-lhe uma
honra tão grande que não posso lhe contar."
"Mas o senhor vai me contar, não?"
"Vou lhe contar só o que estou autorizado, e nada mais. O resto ficará por conta de
Nicolae." Rosenzweig olhou para seu relógio de vinte dólares, de pulseira de
plástico, que não combinava com seu status internacional. "Ótimo. Temos tempo.
Ele destinou trinta minutos para sua visita, portanto não se esqueça disso. Sei que
são amigos e que você talvez queira desculpar-se por não ter comparecido à
reunião, porém lembre-se de que Nicolae tem muito a lhe oferecer e pouco tempo
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para conversar. Ele viaja no final da tarde para Washington onde terá uma reunião
com o presidente. A propósito, o presidente ofereceu-se para se reunirem em Nova
York, mas Nicolae, em sua humildade, não aceitou de jeito nenhum."
"Você considera Carpathia uma pessoa humilde?"
"Talvez tão humilde quanto qualquer líder que já conheci, Cameron.
Evidentemente, conheço muitos homens públicos e também de vida privada que
são humildes e têm o direito de ser! Mas os políticos, chefes de estado e líderes
mundiais, em sua maioria, são todos cheios de si. Grande parte deles tem muito do
que orgulhar-se e, de certa forma, suas realizações são movidas por seus próprios
egos. Mas nunca vi um homem como Nicolae."
"Ele tem personalidade marcante", admitiu Buck.
"Isso é o mínimo que se pode falar dele", insistiu o Dr. Rosenzweig. "Pense um
pouco, Cameron. Ele não procurou essas posições. Começou em cargo de baixo
escalão no governo da Romênia e tornou-se presidente daquele país quando não
havia sequer uma eleição programada. E passou incólume por isso!"
Aposto que sim, pensou Buck.
"E quando foi convidado a falar na Organização das Nações Unidas pouco menos de
um mês atrás, sentiu-se temeroso e tão despreparado que quase recusou. Mas
você esteve lá! Ouviu o discurso. Eu o teria nomeado primeiro-ministro de Israel se
soubesse que ele aceitaria o cargo. Logo em seguida, o secretário-geral afastou-se
do cargo e insistiu para que Nicolae o substituísse. E ele foi eleito por unanimidade,
entusiasticamente, e contou com o apoio dos chefes de estado de quase todos os
países.
"Cameron, ele tem uma idéia atrás da outra! É um diplomata por excelência. Fala
tantos idiomas que raramente necessita de intérpretes, mesmo quando conversa
com líderes políticos de algumas das distantes tribos da América do Sul e África!
Outro dia ele pronunciou algumas frases compreensíveis apenas por um aborígine
da Austrália!"
"Permita-me interrompê-lo por alguns instantes, Chaim", disse Buck.
"Evidentemente, você sabe que em troca de ter-se afastado do cargo de secretáriogeral
da ONU, Mwangati Ngumo recebeu a promessa de que teria acesso à sua
fórmula para ser usada em Botsuana. Essa não foi uma atitude tão altruísta como
pareceu, e..."
"É claro. Nicolae me contou. Mas isso não fez parte de nenhum acordo. Foi um
gesto de sua gratidão pessoal pelo que o presidente Ngumo fez pela Organização
das Nações Unidas ao longo dos anos.
"Mas como ele pode demonstrar gratidão pessoal cedendo a fórmula que pertence
ao senhor! Ninguém mais teve acesso a ela, e..."
"Eu fiquei muito feliz por oferecê-la."
"Ficou?" A mente de Buck girava rapidamente. Haveria limites para o poder
persuasivo de Carpathia?
O velho homem descruzou as pernas e inclinou-se para frente, apoiando os
cotovelos na mesa. "Cameron, todas as peças se encaixam. Este é um dos motivos
de sua presença aqui. O acordo com o ex-secretário-geral foi uma experiência, um
exemplo."
"Estou ouvindo, doutor."
"Ainda é muito cedo para dizer, é claro, mas se a fórmula funcionar tão bem quanto
funcionou em Israel, Botsuana imediatamente se transformará em um dos países
mais férteis da África, talvez do mundo. O presidente Ngumo já viu seu prestígio
crescer dentro de seu país. Todos concordam que ele foi afastado de suas funções
na ONU e que o mundo melhorou após a posse do novo líder."
Buck deu de ombros, mas aparentemente Rosenzweig não percebeu. "E então
Carpathia planeja fazer isso mais vezes, ceder sua fórmula por conveniência?"
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"Não, não! Você não está entendendo. Sim, eu convenci o governo de Israel a
ceder o uso da fórmula ao secretário-geral da Organização das Nações Unidas."
"Ora, Chaim! Para quê? Para conseguir os bilhões de dólares que Israel não mais
necessita? Não faz sentido! A fórmula transformou vocês em uma das nações mais
ricas do mundo em razão de sua magnitude e solucionou inúmeros problemas, mas
só deu certo em razão da exclusividade! Por que você acha que os russos atacaram
seu país? Eles não precisam de suas terras! Lá não há petróleo a ser explorado!
Eles queriam a fórmula! Imagine se todos os recantos daquela imensa nação
fossem férteis!"
O Dr. Rosenzweig ergueu a mão. "Entendo, Cameron. Mas o dinheiro não tem nada
a ver com isso. Não necessito de dinheiro. Israel não necessita de dinheiro."
"Então, o que Carpathia podia oferecer que valesse a pena comercializar?"
"Você sabe quais têm sido as orações de Israel desde o início de sua existência,
Cameron? Não estou falando de seu renascimento em 1948. Desde o início dos
tempos como o povo escolhido de Deus, pelo que temos orado?"
O sangue de Buck gelou nas veias, e ele não conseguia sair do lugar, apesar de não
concordar com isso. Rosenzweig respondeu a sua pergunta. "Shalom. Paz. Ore
pela paz de Israel. Somos um país frágil, vulnerável. Sabemos que o Deus Todo-
Poderoso nos protegeu de maneira sobrenatural do ataque violento dos russos.
Você sabia que houve tantas mortes em suas tropas que os corpos precisaram ser
enterrados em uma vala comum, uma cratera aberta em nosso solo precioso por
uma de suas bombas, e que Deus não permitiu que nada nos acontecesse? Tivemos
de enterrar alguns corpos e ossos dos russos. E os escombros de suas armas de
destruição eram tão volumosos que foram utilizados por nós como matéria prima e
transformados em mercadorias negociáveis. Cameron," complementou ele em tom
de voz agourento, "grande parte dos aviões deles espatifou-se - bem, todos, é
claro. Esses aviões ainda tinham tanto combustível que, de acordo com nossos
cálculos, poderemos utilizá-lo por mais cinco a oito anos. Agora você entende por
que a paz é tão importante para nós?"
"Chaim, você mesmo disse que o Deus Todo-Poderoso protegeu seu povo. Não
poderia haver outra explicação para o que aconteceu na noite daquela invasão.
Com Deus ao lado, por que vocês precisam permutar proteção com Carpathia?"
"Cameron, Cameron", respondeu Rosenzweig melancolicamente, "a história tem
provado que Deus é caprichoso quando se trata de nosso bem-estar. Desde a época
em que os filhos de Israel vaguearam quarenta anos pelo deserto até a Guerra dos
Seis Dias e até a recente invasão russa, não conseguimos compreendê-lo. Ele nos
favorece quando a situação convém ao seu plano eterno, o que não conseguimos
compreender. Oramos, buscamos a presença de Deus, tentamos agradá-lo. Mas, ao
mesmo tempo, acreditamos que ele ajuda aqueles que se ajudam. E você sabe, é
claro, que é esse o motivo de você estar aqui."
"Não sei de nada", disse Buck.
"Bem, este é em parte o motivo de sua presença aqui. Você compreende que tal
acordo precisa ser muito bem elaborado..."
"De que acordo estamos falando?"
"Lamento, Cameron, pensei que você estivesse acompanhando meu raciocínio. Não
pense que foi fácil para mim, apesar do prestígio que gozo em meu país, convencer
as autoridades a concederem licença para a fórmula, mesmo para um homem tão
sedutor quanto Nicolae."
"Claro que não."
"E você tem razão. Algumas reuniões atravessaram a noite, e cada vez que eu
imaginava ter convencido alguém, surgia outro. Precisei convencer um a um.
Muitas vezes desanimei e quase desisti. Mas finalmente, finalmente, após muitas
condições, fui autorizado a fazer um acordo com a Organização das Nações
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Unidas."
"Com Carpathia, você quer dizer.
"Claro. Foi o que eu disse. Ele agora é a Organização das Nações Unidas."
"Você disse bem."
"Parte do acordo diz que passo a ser membro de seu grupo principal de
colaboradores, um conselheiro. Vou assessorar o comitê que decide onde a fórmula
será licenciada."
"Não haverá dinheiro mudando de mãos?"
"Nenhum."
"E Israel receberá proteção da Organização das Nações Unidas contra seus países
vizinhos?"
"Oh, o assunto é muito mais complexo, Cameron. Veja, agora a fórmula está ligada
à política de desarmamento global de Nicolae. Qualquer nação suspeita de resistir à
destruição de 90 por cento de seu armamento ou suspeita de não entregar os 10
por cento restantes a Nicolaeou melhor, à ONUjamais receberá permissão
sequer para ser considerada candidata à licença de uso. Nicolae garantiu que ele -
e estarei presente para me certificar disso - será muito criterioso ao conceder
autorizações para nossos vizinhos mais próximos e inimigos em potencial."
"Deve haver mais do que isso."
"Oh, sim, mas o ponto crucial é este, Cameron. Assim que o mundo estiver
desarmado, Israel não terá de se preocupar em proteger suas fronteiras."
"Isso é ingênuo."
"Não tão ingênuo quanto possa parecer, porque de uma coisa eu tenho certeza
Nicolae não é nem um pouco ingênuo. Prevendo que algumas nações possam
ajuntar, esconder ou produzir novos armamentos, o acordo entre o estado
soberano de Israel e o Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas -
com o aval de Nicolae Carpathia - faz uma promessa solene. Qualquer nação que
ameaçar Israel será extinta imediatamente, usando-se para isso o armamento
acumulado pela ONU. Cada país doando 10 por cento, você poderá imaginar o
potencial de fogo."
"O que não posso imaginar, Chaim, é o fato de um reconhecido pacifista, um
convicto proponente do desarmamento global durante toda a sua carreira política,
ameaçar extinguir países da face da terra."
"Isso é apenas de uma questão de semântica, Cameron", disse Rosenzweig.
"Nicolae é um homem pragmático. Evidentemente, ele possui uma boa dose de
idealismo, mas sabe que a melhor maneira de manter a paz é ter os recursos para
implementá-la."
"E esse acordo durará por...?"
"Pelo tempo que desejarmos. Propusemos dez anos, mas Nicolae disse que não
precisará da licença de uso da fórmula por tanto tempo. Disse que pedirá apenas
sete anos, e depois todos os direitos da fórmula retornarão para nós. Quanta
generosidade! E se quisermos renovar o acordo a cada sete anos, teremos
liberdade para isso."
Você não vai precisar de nenhum tratado de paz daqui a sete anos, pensou Buck.
"E então, o que isso tem a ver comigo?" perguntou.
"Esta é a melhor parte", disse Rosenzweig. "Pelo menos para mim, porque lhe
favorece. Não é segredo que Nicolae está ciente de sua posição como o jornalista
mais talentoso do mundo. E para provar que não guarda nenhum rancor por você
ter desdenhado seu convite, ele lhe pedirá que vá a Israel para a assinatura do
tratado."
Buck balançou a cabeça.
"Sei que isso é demais para você", disse Rosenzweig.
49
A aeronave de Rayford pousou no solo de O'Hare à uma hora da tarde, horário de
Chicago. Ele telefonou para casa e a secretária eletrônica estava ligada. "Oi, Chloe",
ele disse, "voltei antes do que imaginei. Só queria que você soubesse que estarei
em casa dentro de uma hora e..."
Chloe pegou o telefone. Ela parecia mal-humorada. "Oi, papai", resmungou.
"Você está indisposta?"
"Não. Apenas aborrecida. Papai, você sabia que Buck Williams está morando com
uma moça?"
"O quê!?"
"É verdade. E estão comprometidos! Eu a vi. Ela estava levando caixas para seu
apartamento. Uma moça magrinha, de cabelos espetados e saia curta."
"Talvez você tenha errado o número do apartamento."
"O número estava certo.
"Você está tirando conclusões precipitadas."
"Papai, ouça-me. Fiquei tão furiosa que rodei uma volta de carro, depois sentei-me
em um estacionamento e chorei. Por volta do meio-dia, resolvi visitá-lo no
escritório do Semanário Global, e ela estava lá, descendo do carro. Eu perguntei
'Você trabalha aqui?' e ela respondeu 'Sim, posso ajudá-la?' Então eu disse 'Acho
que a vi hoje cedo', e ela disse 'Talvez. Estive com meu noivo. Há alguém aqui que
você deseja ver?' Virei as costas e fui embora, papai."
"E depois você falou com Buck?"
"Você está brincando? Talvez nunca mais fale com ele. Espere um minuto. Alguém
está batendo na porta."
Instantes depois, Chloe voltou a falar com o pai. "Não posso acreditar. Se ele acha
que isso fará alguma diferença..."
"O quê?"
"Flores! E, é claro, vindas de um anônimo. Ele deve ter-me visto no carro por ali e
percebeu como me senti. Se você quiser estas flores, vai encontrá-las na lata do
lixo quando chegar."
Poucos minutos depois das duas horas da tarde em Nova York, Buck e Chaim
Rosenzweig aguardavam na suntuosa sala de espera do secretário-geral da
Organização das Nações Unidas. Chaim discorria alegremente sobre um assunto
qualquer, e Buck fingia prestar atenção. Ele orava silenciosamente, sem saber se o
mau pressentimento que sentia era psicológico por saber que Nicolae Carpathia
estava por perto ou se aquele homem realmente emitia alguma espécie de aura
demoníaca, perceptível aos seguidores de Cristo. Buck sentia-se fortalecido por
saber que Bruce estava orando por ele naquele momento e refletia sobre o fato de
não ter avisado Rayford e Chloe a respeito de sua viagem. Sua passagem de volta
estava marcada para as cinco horas da tarde, portanto ele chegaria a tempo de
assistir à primeira parte dos estudos das oito horas que Bruce planejara, os quais
Buck aguardava com ansiedade. Antes do início dos estudos, poderia convidar
Chloe para um jantar a dois, depois de encerradas as atividades na igreja. "Então,
o que você acha disso?" perguntou o Dr. Rosenzweig.
"Desculpe-me, doutor", respondeu Buck. "Minha mente estava em outro lugar."
"Não há motivos para nervosismo, Cameron. Nicolae ficou aborrecido, sim, mas ele
só reservou coisas boas para você."
Buck deu de ombros e assentiu com a cabeça.
"Eu estava dizendo que meu caro amigo, o rabino Tsion Ben-Judá, concluiu seu
estudo de três anos e não me surpreenderei se ele ganhar o Prêmio Nobel.
"Por seu estudo de três anos?"
"Você não estava prestando atenção, não é mesmo, meu amigo?"
"Desculpe-me."
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"Você deverá ser mais atento quando falar com Nicolae, prometa-me."
"Prometo. Perdoe-me."
"Tudo bem. Mas ouça, o rabino Ben-Judá foi designado pelo Instituto Hebraico de
Pesquisas Bíblicas para fazer um estudo de três anos."
"Estudo sobre o quê?"
"Algo relacionado com as profecias a respeito do Messias para que nós, os judeus, o
reconheçamos quando ele vier."
Buck estava perplexo. O Messias já viera, e os judeus que foram deixados para trás
não o identificaram. Quando ele veio pela primeira vez, a maioria não o
reconheceu. O que Buck deveria dizer a seu amigo? Se ele se declarasse um "santo
da Tribulação", como Bruce gostava de se referir aos novos crentes após o
Arrebatamento, quais seriam as conseqüências em relação a si mesmo?
Rosenzweig era confidente de Carpathia. Buck gostaria de dizer que um estudo
autêntico das profecias messiânicas só poderia conduzir a Jesus. Porém, disse
apenas: "Quais são as principais profecias que apontam para o Messias?"
"Para lhe dizer a verdade", disse o Dr. Rosenzweig, "não sei. Só passei a ser um
judeu praticante depois que Deus destruiu a Força Aérea Russa, e não posso
afirmar se agora sou um devoto. Sempre considerei as profecias messiânicas da
mesma forma que considero o restante do Torá. Simbólicas. O rabino do templo
que eu freqüentava de vez em quando em Tel-Aviv dizia que não era importante
saber se Deus era um ser literal ou apenas um conceito. Isso condiz com meu
ponto de vista humanístico do mundo. Os religiosos, judeus ou não, raramente me
impressionaram mais do que um ateu de bom coração.
"O Dr. Ben-Judá foi meu aluno vinte e cinco anos atrás. Ele sempre foi um judeu
destemido, um ortodoxo sem idéias fundamentalistas. Tornou-se rabino, mas não
em razão do que lhe ensinei, disso tenho certeza. Sempre gostei dele.
Recentemente ele me contou que terminou o estudo, mencionando que foi a coisa
mais satisfatória e gratificante que já fez." Rosenzweig fez uma pausa. "Imagino
que você está curioso para saber por que estou lhe contando isto."
"Francamente, sim."
"Estou trabalhando por trás dos bastidores para que o rabino Ben-Judá seja incluído
no grupo de assessores de Carpathia."
"Como o quê?"
"Como conselheiro espiritual." "Ele está procurando um?"
"Nem ele sabe disso!" Rosenzweig soltou uma gargalhada e deu uma palmada no
joelho. "Mas até agora ele tem confiado em meu julgamento. É por isso que você
está aqui." Buck ergueu uma sobrancelha. "Imaginei que fosse porque Carpathia
pensa que sou o melhor jornalista do mundo." O Dr. Rosenzweig inclinou-se para
frente e sussurrou em tom de conspiração: "E por que você acha que ele acredita
nisso?"
Rayford teve dificuldade em localizar Chloe pelo telefone do carro, mas finalmente
conseguiu. "Queria saber se você está disposta a jantar fora com seu velho pai", ele
sugeriu, imaginando que a filha precisava divertir-se um pouco.
"Não sei", ela disse. "Obrigada pelo convite, papai, mas você não acha que
devemos ir à reunião das oito horas de Bruce?"
"Eu gostaria muito."
"É melhor jantarmos em casa. Eu estou bem. Acabei de falar com Bruce por
telefone. Queria saber se Buck vai chegar hoje à noite."
"E?"
"Ele não tem certeza. Espera que sim. Eu espero que não."
"Chloe!"
"Estou com medo do que vou dizer, papai. Não é de admirar que ele tenha sido tão
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frio comigo por causa daquela, daquela, sei lá o que ela é dele. Mas as flores! Com
que finalidade?"
"Você nem sabe se foi ele quem mandou."
"Ora, papai! Se não foram enviadas por você, foram enviadas por Buck."
Rayford riu. "Por que não tive essa idéia?"
"Eu teria preferido."
Hattie Durham aproximou-se de Buck e Chaim Rosenzweig, e ambos levantaramse.
"Sr. Williams!" ela disse, abraçando-o. "Não o vejo desde que comecei a
trabalhar aqui."
Sim, você me viu, pensou Buck. Apenas não se lembra.
"O secretário-geral e o Sr. Plank vão atendê-lo agora", ela disse a Buck e virou-se
para o Dr. Rosenzweig. "Doutor, o secretário-geral pede que o senhor esteja
preparado para participar da reunião daqui a vinte e cinco minutos."
"Pois não", disse o Dr. Rosenzweig. Piscando para Buck, ele deu um leve aperto em
seu ombro.
Buck acompanhou Hattie, passando por várias mesas e um corredor em declive
revestido de mogno. Percebeu que nunca a vira sem uniforme. Nesse dia, ela
trajava um elegante conjunto que lhe dava a aparência de mulher fina, rica e
sofisticada, realçando sua extraordinária beleza. Até sua linguagem parecia mais
erudita. Aparentemente, a companhia de Carpathia ajudou a melhorar sua
presença.
Hattie deu uma leve batida na porta da sala, entreabriu-a e enfiou a cabeça pela
fresta. "Sr. Secretário-Geral e Sr. Plank", anunciou, "Cameron Williams do
Semanário Global. Escancarou a porta e saiu discretamente, enquanto Nicolae
Carpathia adiantava-se para cumprimentar Buck com as duas mãos. Buck pareceu
estranhamente calmo diante do sorriso daquele homem. "Buck!" ele disse. Posso
chamá-lo assim?"
"O senhor sempre me chamou de Buck."
"Vamos! Vamos! Sente-se! Você e Steve já se conhecem, é claro."
Buck impressionou-se mais com a aparência de Steve do que com a de Carpathia.
Nicolae sempre se vestiu formalmente, combinando muito bem os acessórios,
paletó abotoado, tudo no lugar. Mas Steve, apesar de sua posição de editorexecutivo
de uma das revistas mais famosas do mundo, nem sempre se vestiu da
maneira adequada a um jornalista. Sempre usou os obrigatórios suspensórios
surrados e camisas de mangas compridas, é claro, mas geralmente com o laço da
gravata afrouxado e as mangas da camisa enroladas, parecendo um hippie de
meia-idade ou um aluno das escolas da Ivy League.
Nesse dia, contudo, Steve parecia um clone de Carpathia. Segurava uma pasta fina
de couro preto e, no todo, parecia ter saído da capa da edição 500 da revista
Fortune. Até mesmo seu cabelo tinha um leve estilo europeu - cortado a navalha e
muito bem penteado e engomado, escova e secador. Usava óculos de armação
moderna, terno escuro quase preto, camisa branca com as pontas da gola presas
por um pino e gravata que provavelmente custou mais do que ele costumava pagar
por um paletó esporte. Os sapatos eram de couro macio, talvez italianos, e se Buck
não estava enganado, havia um novo anel de brilhante na mão direita de Steve.
Carpathia pegou uma das cadeiras da mesa de reunião, colocou-a ao lado das duas
que estavam diante de sua mesa e sentou-se perto de Buck e de Steve. Extraído de
um manual do bom administrador, pensou Buck. Derrube a barreira entre o
superior e o subordinado.
Não obstante, apesar dessa tentativa, ficou claro que a reunião tinha a finalidade
de impressionar Buck. E impressionou. Hattie e Steve já haviam mudado o
suficiente para se tornarem praticamente irreconhecíveis. Ao olhar para as feições
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firmes, ossudas e penetrantes de Carpathia, sorriso aparentemente sincero e
apaziguador, Buck desejou de todo o coração que aquele homem fosse o que
aparentava ser e não o que era realmente.
Em nenhum momento Buck se esqueceu ou perdeu de vista o fato de que estava na
presença da personalidade mais sagaz, mais matreira da história. Ele só queria
conhecer alguém tão sedutor quanto Carpathia, mas que fosse autêntico.
Buck sentia pena de Steve, porém não foi consultado antes de ele sair do
Semanário Global para trabalhar com Carpathia. Agora, por mais que Buck
desejasse falar ao amigo sobre sua nova fé, não podia confiar em ninguém. A
menos que Carpathia tivesse poderes sobrenaturais para conhecer todas as coisas,
Buck esperava e orava para que aquele homem não percebesse que ele era um
agente inimigo dentro de seu território. "Vou começar com uma expressão
idiomática engraçada", disse Carpathia, "e depois pediremos que Steve saia da sala
para termos uma conversa franca, só entre você e mim, que tal?"
Buck assentiu.
"Há uma expressão que só ouvi dizer depois de ter chegado a este país: 'o elefante
na sala'. Você já ouviu esta expressão, Buck?"
"O senhor se refere a pessoas que se encontram e evitam falar do assunto do
momento, como, por exemplo, o fato de uma delas ter acabado de saber que está
com uma doença terminal?"
"Exatamente. Então, vamos começar falando do elefante na sala e encerrar este
assunto. Depois poderemos discutir outras questões. Tudo bem?"
Buck assentiu novamente, sentindo sua pulsação acelerar.
"Confesso que fiquei confuso e um pouco magoado por você não ter comparecido à
reunião de posse dos novos embaixadores. No entanto, da maneira como tudo
terminou, o episódio teria sido tão traumático para você quanto foi para todos nós
que lá estávamos."
Buck não queria de maneira nenhuma ser sarcástico naquele momento. Também
não queria e não ia desculpar-se. Como poderia dizer que lamentava o fato de não
ter comparecido a uma reunião em que esteve?
"Gostaria de ter comparecido e não queria perder a reunião de jeito nenhum", disse
Buck. Carpathia o fitava com olhar penetrante, e permaneceu em silêncio como se
estivesse aguardando o restante da história. "Francamente", prosseguiu Buck,
"aquele dia foi nebuloso para mim e quase não me lembro de nada." Nebuloso com
detalhes tão vividos que ele jamais esqueceria.
Carpathia pareceu descontrair-se. Abandonou sua postura formal, inclinou-se para
frente, com os cotovelos apoiados nos joelhos, e desviou o olhar de Buck para
Steve e depois para Buck novamente, demonstrando irritação. "Tudo bem", disse,
"aparentemente não há nenhuma desculpa, nenhuma explicação."
Buck olhou de relance para Steve, que parecia estar tentando se comunicar com os
olhos e fazer um sinal com a cabeça, como se estivesse dizendo: Fale alguma coisa,
Buck! Peça desculpas! Explique-se!
"O que posso dizer? Aquele foi um dia horrível para mim", disse Buck. Esta breve
explicação foi a que mais se aproximou do que os dois interlocutores queriam ouvir.
Buck sabia que Steve era inocente. Steve acreditava piamente que Buck não esteve
na reunião. Carpathia, evidentemente, tinha planejado e coreografado a charada
toda. Agia com perfeição ao mostrar-se aborrecido por não ter recebido uma
desculpa ou uma explicação, pensou Buck. Carpathia estava claramente tentando
captar alguma evidência de que Buck sabia o que acontecera. Tudo o que Buck
podia fazer era fingir-se de bobo, ser evasivo e orar para que Deus impedisse que
Carpathia enxergasse a verdade, ou seja, que Buck era um homem crente e que
estava protegido do poder de Carpathia.
"Tudo bem", disse Carpathia, endireitando-se na cadeira e se recompondo. "O dia
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foi horrível para todos nós. Lamento a perda de dois compatriotas, um deles amigo
de muitos anos." Buck sentiu o estômago revirar. "Agora quero conversar com
Buck, o jornalista, e pediremos ao amigo Steve que tenha a bondade de retirar-se."
Steve levantou-se e bateu de leve no ombro de Buck, saindo da sala em silêncio.
Buck compreendeu dolorosamente que a partir daquele momento só ele e Deus
estariam sentados lado a lado com Carpathia.
Mas o "lado a lado" não durou muito. De repente, Nicolae levantou-se e dirigiu-se
para a cadeira de espaldar alto atrás de sua mesa. Pouco antes de sentar-se,
apertou o botão do interfone. Buck ouviu a porta abrir atrás de si.
"Com licença", sussurrou Hattie Durham, pegando a terceira cadeira que estava
diante da mesa e colocando-a de volta no lugar. Antes de sair, ajeitou a cadeira
que Steve usara. Sem nenhum ruído, saiu discretamente da sala. Buck achou
aquilo muito estranho. A reunião toda parecia ter sido cuidadosamente planejada,
desde o anúncio formal de sua presença até a encenação de quem participaria e
onde se sentaria. Agora que a sala voltara a ser o que era antes de Buck entrar, e
com Carpathia protegido atrás de sua imensa mesa, toda a simulação de igualdade
de poder havia desaparecido.
Não obstante, Carpathia ainda mantinha todo o seu poder de sedução. Cruzou as
mãos e fitou Buck, sorrindo. "Cameron Williams", ele disse vagarosamente. "Qual é
a sensação de ser o jornalista mais famoso da época?"
Que tipo de pergunta era aquela? Exatamente por não fazer perguntas é que Buck
era um jornalista respeitado. "Neste momento sou apenas um reles jornalista
rebaixado de cargo", ele disse.
"E despretensioso", disse Carpathia, com um sorriso. "Em poucos instantes vou lhe
mostrar que, apesar de seu prestígio ter caído no Semanário Global, não caiu
perante o restante do mundo nem perante mim, com certeza. Eu deveria estar
mais aborrecido do que seu editor pelo fato de você não ter comparecido à reunião,
mas, mesmo assim, ele se irritou. Vamos deixar tudo para trás e prosseguir. Um
erro não anula uma vida inteira de sucessos."
Carpathia fez uma pausa como se esperasse que Buck reagisse. Buck estava
preferindo cada vez mais permanecer em silêncio. Parecia ser a maneira certa de
lidar com Carpathia, e certamente foi a maneira pela qual Deus o guiara na fatídica
reunião quando Carpathia perguntou a cada um o que tinha visto. Buck acreditava
que o silêncio salvou sua vida.
"A propósito", prosseguiu Carpathia quando ficou claro que Buck não tinha nada a
dizer, "você trouxe sua reportagem de capa sobre as teorias por trás dos
desaparecimentos?"
Buck não conseguiu esconder sua surpresa. "Para ser franco, sim."
Carpathia deu de ombros. "Steve me falou sobre a reportagem. Adoraria vê-la."
"Receio não poder mostrá-la a ninguém antes de entregar a matéria final ao
Semanário Global."
"Com certeza eles já viram o rascunho."
"Claro."
"Steve disse que você gostaria de incluir uma ou duas citações minhas."
"Francamente, a menos que o senhor tenha alguma novidade, acho que suas
opiniões já foram tão amplamente divulgadas que não despertariam mais interesse
em nossos leitores."
Carpathia pareceu magoado.
"Quero dizer", prosseguiu Buck, "o senhor ainda se apega à idéia de uma reação
nuclear acompanhada de forças naturais, certo? Aquele relâmpago deve ter
acionado uma espécie de interação espontânea entre todo o estoque de armas
nucleares, e..."
"Você sabe que seu amigo, o Dr. Rosenzweig, também aceita esta teoria."
54
"Entendo que sim, senhor."
"Mas não será mencionada em seu artigo?"
"Claro que sim. Achei que estávamos discutindo se eu precisava de uma nova
citação sua. A não ser que seu ponto de vista tenha mudado, eu não preciso."
Carpathia olhou para seu relógio. "Como você sabe, tenho uma agenda lotada.
Correu tudo bem com sua viagem? Foi bem tratado? Almoço bom? O Dr.
Rosenzweig adiantou-lhe parte do assunto?"
Buck assentiu após cada pergunta.
"Presumindo que ele lhe tenha falado a respeito do tratado da ONU com Israel e
que a assinatura será daqui a uma semana em Jerusalém, gostaria de fazer-lhe um
convite pessoal para estar lá."
"Duvido que o Semanário enviaria um simples articulista da sucursal de Chicago
para um evento internacional de tal magnitude."
"Não estou convidando você para fazer parte do grupo de milhares de jornalistas do
mundo inteiro que solicitarão credenciais assim que a notícia for divulgada. Meu
convite é para que você faça parte de minha delegação, sente-se à mesa comigo.
Será um privilégio que nenhuma outra pessoa dos meios de comunicação do mundo
inteiro terá."
"A política do Semanário Global diz que seus jornalistas não podem aceitar favores
que venham..."
"Buck, Buck", disse Carpathia. "Lamento cortá-lo, mas ficarei muito surpreso se
você continuar a ser funcionário do Semanário Global daqui a uma semana. Muito
surpreso."
Buck levantou as sobrancelhas e olhou para Carpathia com ceticismo. "O senhor
tem conhecimento de algo que não sei?" Assim que proferiu essas palavras Buck se
deu conta de que havia perguntado involuntariamente o motivo principal daquela
reunião.
Carpathia riu. "Não sei de nenhum plano do Semanário para despedi-lo. Acho que o
castigo para seu malfadado novo cargo já foi o suficiente. E, apesar de você ter
recusado minha oferta de emprego anterior, creio que tenho uma oportunidade a
lhe oferecer que mudará sua cabeça."
Não conte com isso, pensou Buck, e disse: "Estou ouvindo."
55
SEIS
"Antes de falar sobre isso", disse Carpathia, procurando ganhar tempo, uma
péssima característica de sua personalidade que sempre irritou Buck, "deixe-me
pensar um pouco. Você se lembra de quando eu lhe assegurei que poderia livrá-lo
de um problema?"
Será que Buck se lembrava? Até o dia dos assassinatos, aquele tinha sido seu olhar
mais assustado a Carpathia. O informante de Buck, um galés colega dos tempos de
faculdade, morreu depois de aproximar-se muito de um esquema internacional de
transações bancárias envolvendo seu chefe, Joshua Todd-Cothran, presidente da
Bolsa de Valores de Londres.
Buck voara para a Inglaterra a fim de fazer uma investigação junto com um amigo,
agente da Scotland Yard. Quase morreu quando o agente foi exterminado por uma
bomba deixada no carro. Buck concluiu que o suicídio de seu amigo galés tinha
sido, na verdade, um homicídio. Diante disso, precisou fugir da Inglaterra usando
um nome falso. Quando regressou a Nova York, o próprio Nicolae Carpathia
prometeu-lhe que tomaria conta do assunto, se Todd-Cothran estivesse envolvido
em qualquer atividade ilícita. Pouco tempo depois, Todd-Cothran morreu pelas
mãos de Carpathia diante dos olhos de Buck em um duplo assassinato do qual
apenas Buck parecia recordar.
"Eu me lembro", disse Buck categoricamente.
"Deixei claro que não toleraria falsidade ou desonestidade em minha administração
na ONU. E a situação de Todd-Cothran resolveu-se sozinha, não foi?
Resolveu-se sozinha? Buck permaneceu em silêncio.
"Você acredita em sorte, Sr. Williams?"
"Não."
"Você não acredita em sorte para aqueles que agem corretamente?"
"Não."
"Eu acredito. Sempre tive sorte. Os fanfarrões e até mesmo os criminosos têm
sorte uma vez na vida. Porém, geralmente, quanto melhor uma pessoa executa seu
trabalho, mais sorte parece ter. Você está entendendo?
"Não."
"Deixe-me simplificar. Você correu grande perigo. Viu pessoas morrerem ao seu
redor. Eu lhe disse que tomaria conta do assunto, apesar de não ter nada a ver
com aquilo. Confesso que quando lhe assegurei com tanta ênfase que o livraria de
problemas, não estava certo de como faria isso. Por não ser uma pessoa religiosa,
devo dizer que estive acompanhado de um bom carma. Você não concorda?
"Para ser franco, não tenho a menor idéia do que o senhor está falando."
"E está curioso para saber por que gosto tanto de você?" Carpathia deu um largo
sorriso. "Você é a pessoa de que preciso! O que estou dizendo é que você e eu
temos um problema. Você estava na mira de alguém e eu tive duas pessoas de
minha confiança que se envolveram em graves crimes. Ao matar Todd-Cothran e
em seguida suicidar-se, meu velho amigo Jonathan Stonagal resolveu os problemas
que nós dois tínhamos. Este é o bom carma, se é que entendo meus amigos
orientais."
"Então, quando o senhor diz que lamenta a morte de seus amigos, na verdade está
feliz porque ambos estão mortos."
Carpathia endireitou-se na cadeira, parecendo estar impressionado. "Exatamente.
Feliz por você. Lamento a morte deles. Eram meus velhos amigos e conselheiros de
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confiança, até mesmo mentores. Mas quando procederam mal, eu tinha de fazer
algo a respeito. Se tivesse feito, não teria cometido erro. Mas Jonathan fez isso por
mim."
"Posso imaginar", disse Buck. Carpathia fixou atentamente os olhos em Buck como
se quisesse ler seus pensamentos.
"Estou sempre me surpreendendo", prosseguiu Carpathia, "com a velocidade com
que as coisas mudam."
"Não posso contestar isso."
"Há menos de um mês eu era senador da Romênia. No minuto seguinte, fui
presidente daquele país e uma hora depois, passei a ser secretário-geral da
Organização das Nações Unidas.
"Buck sorriu diante da hipérbole de Carpathia, mas mesmo assim, sua ascensão ao
poder tinha sido muito rápida. O sorriso de Buck desapareceu quando Carpathia
complementou: "É quase o suficiente para fazer um ateu acreditarem Deus."
"Mas o senhor atribui o sucesso a um bom carma", disse Buck.
"Francamente", disse Carpathia, "isso me dá uma lição de humildade. De certa
maneira esse parece ter sido meu destino, mas nunca sonhei com tal coisa, nem
imaginei e muito menos planejei. Não procurei ocupar nenhum cargo público desde
que me candidatei a senador da Romênia, e mesmo assim cheguei até onde estou.
Não posso fazer nada a não ser dedicar-me de corpo e alma e esperar que seja
merecedor da confiança que foi depositada em mim."
Um mês antes, Buck teria amaldiçoado aquele homem em voz alta. Perguntou a si
mesmo se demonstrou essa reação. Aparentemente não.
"Buck", prosseguiu Carpathia, "preciso de você. E desta vez não vou aceitar um não
como resposta."
Rayford desligou o telefone do carro depois de falar com Bruce Barnes. Rayford
tinha perguntado a Bruce se poderia chegar um pouco antes do início da reunião
daquela noite para mostrar-lhe algo, mas não contou o que era. Pegou o bilhete de
Hattie no bolso da camisa e abriu-o diante do volante. O que aquilo significava?
Como Hattie, ou melhor, o chefe dela, sabia onde localizá-lo?
O telefone do carro tocou. Rayford apertou um botão e pegou o fone embutido no
espelho retrovisor. "Ray Steele", ele disse.
"Papai, você estava usando o telefone?"
"Sim, por quê?"
"Earl está tentando falar com você."
"O que houve?"
"Não sei. Parece ser assunto sério. Eu lhe disse que você estava a caminho de casa
e ele ficou surpreso. Resmungou dizendo que ninguém o mantém informado sobre
nada. Pensou que você voltaria de Dallas mais tarde e..."
"Eu também pensei."
"De qualquer forma, ele tinha esperança de encontrá-lo em O'Hare antes de você
sair de lá."
"Vou ligar para ele. Vejo você mais tarde. Vou sair de casa um pouco mais cedo
para conversar com Bruce. Você poderá ir comigo e aguardar na ante-sala ou,
então, iremos com dois carros."
"Está bem, papai. Não sei se quero aguardar na ante-sala e ter de encarar Buck.
Acho que não. Vá na frente, papai. Chegarei um pouco depois."
"Oh, Chloe."
"Não comece, papai."
Buck sentiu-se confiante. Curioso, mas confiante. Certamente queria ouvir o que
Carpathia tinha em mente, mas pareceu que aquele homem ficou mais
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impressionado quando Buck usou de franqueza. Buck não estava preparado para
dizer tudo o que sabia e o que de fato pensava, e provavelmente não faria isso,
mas sentiu que devia falar, para seu próprio bem.
"Talvez eu não devesse ter vindo sem saber o que o senhor desejava", disse Buck.
"E quase não vim. Passei um bom tempo dando explicações a Steve."
"Ora, vamos falar com franqueza e seriedade", disse Carpathia. "Sou diplomata e
sou sincero. Agora você já me conhece o suficiente para saber disso." Ele fez uma
pausa como se estivesse aguardando uma confirmação. Buck nem sequer assentiu
com a cabeça. "Vamos, vamos. Você não se desculpou nem explicou o motivo de
ter feito pouco caso de meu convite, e mesmo assim não guardo nenhum rancor.
Você não pode desapontar-me novamente."
"Não posso? O que me aconteceria?"
"Talvez teria de explicar-se novamente com Stanton Bailey, e você seria rebaixado
ainda mais. Ou demitido. De qualquer maneira, seria uma lástima. Não sou
ingênuo, Buck. Conheço a origem de seu apelido [potro], e este é um dos motivos
por que o admiro tanto. Mas você não pode continuar a me jogar no chão. Não que
eu me considere uma pessoa especial, mas o mundo e os meios de comunicação
me consideram. As pessoas que me desprezam correm perigo."
"Então devo ter medo do senhor, e é por isso que devo aceitar qualquer papel que
venha a me oferecer?"
"Oh, não! Medo de fazer pouco caso de mim, sim, mas só pelos motivos óbvios e
práticos que acabei de expor. Mas esse medo devia motivá-lo apenas a estar
presente quando peço e quando tenho uma proposta para você. O medo nunca
deverá ser o motivo principal para você decidir se deve trabalhar comigo. Não é
necessário impor medo para persuadi-lo." Buck desejava perguntar o que seria
necessário, mas estava claro que Nicolae aguardava essa pergunta, portando não
disse nada.
"Qual é mesmo a antiga expressão que vocês, americanos, gostam muito de usar?
'Uma oferta irrecusável'? É isso o que tenho para lhe oferecer."
"Rayford, detesto agir assim com você, mas precisamos conversar pessoalmente
hoje à tarde."
"Earl, já estou a caminho de casa."
"Lamento muito. Eu não faria isso se não fosse importante.
"O que houve?"
"Se eu pudesse falar por telefone, não estaria insistindo para uma conversa
pessoal, certo?"
"Você quer que eu dê meia-volta imediatamente?"
"Sim, e lamento muito."
"Existem leis e existem regras", Carpathia estava dizendo. "Leis às quais obedeço.
Regras que não me importo de desprezar, se puder justificá-las. Por exemplo, em
seu país não é permitido levar lanches a um campo esportivo. A administração quer
arrecadar sozinha todo o dinheiro da concessão. Ótimo. Entendo por que essas
regras são estabelecidas e, se eu fosse o proprietário, provavelmente tentaria fazer
com que fossem cumpridas. Mas não consideraria crime o fato de entrar no campo
com meu lanche escondido. Você me entende?" "Acho que sim."
"Há uma regra que é pertinente aos chefes de estado e aos órgãos oficiais, como a
Organização das Nações Unidas. Entendo que somente em um regime repressivo
ditatorial o líder tenha domínio ou interesse financeiro na divulgação de uma notícia
importante pelos meios de comunicação." "Concordo plenamente." "Mas é uma lei?"
"Nos Estados Unidos, sim." "E na esfera internacional?" "Não existe uniformidade."
"Aí está o ponto."
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Carpathia queria induzir Buck a perguntar aonde ele queria chegar, mas não obteve
sucesso. "Vocês gostam muito de usar a expressão a verdade é que", disse Nicolae.
"Já ouvi você usá-la. Sei o que significa. A verdade aqui é que vou adquirir os
principais órgãos de comunicação e quero que você faça parte."
"Parte do quê?"
"Parte do corpo administrativo. Serei o único proprietário dos grandes jornais do
mundo, das redes de TV e dos serviços de comunicação. Você poderá dirigir para
mim qualquer um que escolher."
"O secretário-geral da ONU proprietário dos principais órgãos de comunicação?
Como o senhor explicaria isso?"
"Se as leis precisarem ser mudadas, elas mudarão. A época é mais do que
apropriada para exercer influência positiva nos meios de comunicação, Buck. Você
não concorda?"
"Não concordo."
"Milhões de pessoas desapareceram. O povo está assustado. Tem medo de guerra,
está cansado de derramamento de sangue, cansado do caos. O povo precisa saber
que temos condição de propiciar a paz. A reação ao meu plano de desarmamento
mundial foi favorável por quase unanimidade."
"Não pelo movimento da milícia norte-americana."
"Que se dane a milícia", disse Carpathia, sorrindo. "Se levarmos a cabo minha
proposta, você acha realmente que um bando de fanáticos que perambulam pelas
matas usando fardas surradas e dando tiros de espingarda serão considerados
ameaça à comunidade global? Buck, estou simplesmente atendendo aos anseios
dos cidadãos decentes do mundo. É claro que as maçãs podres não serão
erradicadas, e jamais proibirei os órgãos de comunicação de lhes dar uma
cobertura razoável, mas faço isso com a mais sincera das intenções. Não preciso de
dinheiro. Tenho um mar de dinheiro."
"A ONU tem tanto dinheiro assim?"
"Buck, vou lhe contar uma coisa que poucas pessoas sabem e, como confio em
você, sei que guardará segredo. Jonathan Stonagal nomeou-me o único herdeiro de
todos os seus bens."
Buck não conseguiu esconder sua surpresa. Se o multibilionário tivesse nomeado
Carpathia para receber parte de sua fortuna, ninguém se surpreenderia, mas ser o
único herdeiro? Significava que agora Carpathia era proprietário dos principais
bancos e instituições financeiras do mundo.
"Mas, mas, a família dele...", Buck balbuciou.
"Já fiz um acordo judicial com eles. Comprometeram-se a manter silêncio e jamais
contestar a vontade de Jonathan. Cada um receberá 100 milhões de dólares."
"Isso me faz calar a boca", disse Buck. Mas quanto se sacrificaram por não receber
a parte justa que lhes cabe?"
Carpathia sorriu. "E você ainda quer saber por que o admiro? Você sabe que
Jonathan era o homem mais rico do mundo. Para ele, dinheiro era simplesmente
uma comodidade. Nem sequer carregava carteira. A parcimônia fazia parte de seu
charme. Permitia que um homem de poucas posses lhe pagasse um jantar e, em
seguida, comprava uma empresa por centenas de milhões de dólares. Para ele, o
dinheiro era apenas uma questão de números."
"E o que será para o senhor?"
"Buck, digo isso do fundo do coração. Esse estupendo recurso me dá a
oportunidade de concretizar um sonho acalentado há muito tempo. Quero a paz.
Quero o desarmamento global. Quero unificar os povos do mundo. O mundo devia
ter-se transformado em uma aldeia global décadas atrás quando fomos unidos por
meio dos transportes aéreos e das comunicações via satélite. Mas foram os
desaparecimentos - talvez a melhor coisa que já aconteceu a este planeta - que
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conseguiram nos unir. Quando falo, sou ouvido em quase todos os cantos do
mundo.
"Não estou interessado em riqueza pessoal", prosseguiu Nicolae. "Minha história
prova isso. Conheço o valor do dinheiro. Não me importo de usá-lo como forma de
persuasão, se servir para motivar uma pessoa. Porém toda a minha preocupação
está voltada para a humanidade." Buck sentia-se enojado, e sua mente estava
invadida por imagens. Carpathia encenara o "suicídio" de Stonagal e conseguira
mais testemunhas do que qualquer tribunal necessitaria. Agora, estaria aquele
homem tentando impressioná-lo com seu altruísmo, sua generosidade?
A mente de Buck foi transportada para Chicago e, de repente, ele sentiu falta de
Chloe. O que seria isso? Algo dentro dele o fazia desejar conversar com ela. O fato
de serem "apenas bons amigos" nunca o agradou, mas desta vez a sensação foi
pior. Teria sido meramente a confissão chocante de Carpathia o motivo para fazer
Buck sentir falta de alguma coisa ou de alguém que lhe proporcionasse conforto e
segurança? Havia pureza e frescor em Chloe. Como ele pôde confundir seus
sentimentos com fascinação por uma mulher mais jovem?
Carpathia olhava firme para ele. "Buck, você jamais deverá comentar com quem
quer que seja o que eu lhe disse hoje. Ninguém poderá saber. Você trabalhará para
mim e terá privilégios e oportunidades que nem pode imaginar. Você vai pensar
nisso, mas no final das contas aceitará."
Buck lutava para manter sua mente focalizada em Chloe. Admirava o pai dela e
estava começando a sentir uma grande amizade por Bruce Barnes, uma pessoa
com quem nunca teria nada em comum se não tivesse se tornado seguidor de
Cristo. Mas o objeto de sua atenção era Chloe, e Buck se deu conta de que Deus
havia fixado esses pensamentos em sua mente para ajudá-lo a resistir ao poder
hipnótico e persuasivo de Nicolae Carpathia.
Será que amava Chloe Steele? Não sabia dizer. Mal a conhecia. Sentia atração por
ela? Claro. Queria sair com ela, iniciar um relacionamento? Com certeza.
"Buck, se você pudesse escolher um lugar para morar no mundo, onde seria?"
Buck ouviu a pergunta e procurou ganhar tempo. Cerrou os lábios como se
estivesse pensando na resposta. Mas ele só pensava em Chloe. O que ela diria se
soubesse disso? Sentado diante do homem mais falado do mundo que lhe oferecia
um cheque em branco, Buck não conseguia desviar o pensamento de uma moça de
vinte anos que abandonara os estudos e vivia em Chicago.
"Onde seria, Buck?"
"Já estou morando nesse lugar", respondeu Buck.
"Chicago?"
"Chicago."
De repente, Buck percebeu que não podia viver longe de Chloe. O comportamento
e as atitudes dela nos dois últimos dias evidenciavam que ele não lhe dera a
atenção devida, mas Buck acreditava que haveria tempo de reverter a situação.
Quando ele demonstrou interesse, ela fez o mesmo. Quando demonstrou incerteza,
ela fez o mesmo. Ele teria de deixar claro seu interesse e esperar pelo melhor.
Havia ainda graves questões a considerar, mas, no momento, ele só sabia que
sentia muita falta de Chloe.
"Por que razão alguém desejaria morar em Chicago?" indagou Carpathia. "A cidade
tem um aeroporto central, porém o que mais oferece? Estou lhe pedindo que
amplie seus horizontes, Buck. Pense em Washington, Londres, Paris, Roma, Nova
Babilônia. Você morou aqui durante anos e sabe que esta cidade é a capital do
mundo - pelo menos até transferirmos nossa sede."
"O senhor me perguntou onde eu gostaria de morar se pudesse escolher", disse
Buck. "Francamente, eu poderia morar em qualquer lugar. Com a Internet e os
aparelhos de fax, posso enviar uma reportagem mesmo estando no Pólo Norte. Eu
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não escolhi Chicago, mas agora não gostaria de sair de lá."
"E se eu lhe oferecesse milhões de dólares para você ser transferido?"
Buck encolheu os ombros e deu uma risadinha. "O senhor é o dono da maior
fortuna do mundo e diz que não é motivado por dinheiro. Bem, eu tenho pouco
dinheiro, e com certeza não sou motivado por ele."
"Então você é motivado pelo quê?"
Buck orou rápida e silenciosamente. Deus, Cristo, a salvação, a Tribulação, o amor,
os amigos, as almas perdidas, a Bíblia, o aprendizado, a preparação para o Glorioso
Aparecimento, a Igreja Nova Esperança, Chloe. Eram esses os motivos principais de
sua vida, mas como Buck poderia dizer isso? Deveria dizer? Deus, coloca as
palavras na minha boca!
"Sou motivado pela verdade e pela justiça", disse Buck secamente.
"Ah, a característica dos norte-americanos!" disse Carpathia. "Exatamente como o
Superman!"
"Mais do tipo Clark Kent", disse Buck. "Sou um simples repórter de um grande
semanário metropolitano."
"Está certo, você quer morar em Chicago. Então, o que gostaria de fazer, se
pudesse escolher?"
De repente, Buck voltou à realidade. Gostaria de refugiar-se em seus pensamentos
secretos a respeito de Chloe, mas sentiu-se pressionado pelo relógio. Sua viagem,
por mais estranha que tenha sido, valera a pena só por aquela informação que
Carpathia deixara escapar sobre a herança de Stonagal. Buck não queria discutir
com Nicolae, e preocupava-se com a bomba que sua última pergunta representava.
"Se eu pudesse escolher? Sempre acalentei o sonho de ser editor quando estiver
velho demais para viajar pelo mundo correndo atrás de notícias. Seria muito
divertido ter uma grande equipe de gente talentosa para treinar, e conseguir uma
publicação que mostrasse suas habilidades. Mas eu sentiria falta de bater pernas,
pesquisar, entrevistar e escrever."
"E se você pudesse fazer as duas coisas? Ser editor com funcionários para chefiar
e, ao mesmo tempo, ter o privilégio de escolher os trabalhos que mais aprecia?"
"Creio que seria o máximo." "Buck, antes de contar-lhe como posso fazer isso
acontecer, diga-me por que usa o verbo no condicional quando fala de seus sonhos,
como se os considerasse difíceis de ser concretizados."
Buck não havia sido cuidadoso. Quando confiou em Deus para ter uma resposta,
recebeu-a. Quando se aventurou a emitir uma por conta própria, escorregou. Ele
sabia que o mundo duraria apenas sete anos a partir da assinatura do tratado entre
Carpathia e Israel.
"Acho que falo assim porque não sei quanto tempo este mundo vai durar", disse
Buck. "Ainda estamos apurando os fatos da devastação causada pelos
desaparecimentos e..."
"Buck! Assim você me ofende! Estamos mais perto de alcançar a paz mundial do
que estivemos em cem anos! Minhas humildes propostas encontraram muita
receptividade e acho que estamos perto de anunciar uma sociedade global quase
utópica! Confie em mim! Fique comigo! Junte-se a mim! Você poderá concretizar
todos os seus sonhos! Você não é motivado por dinheiro? Ótimo! Nem eu. Deixeme
oferecer-lhe os recursos para que você nunca mais tenha de pensar ou se
preocupar com dinheiro.
"Posso oferecer-lhe uma posição, uma publicação, um grupo de colaboradores, um
escritório e até mesmo um refúgio onde você poderá fazer o que sempre quis,
mesmo morando em Chicago."
Como sempre, Carpathia fez uma pausa, aguardando Buck morder a isca. E ele
mordeu.
"Isso eu preciso ouvir", ele disse.
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"Desculpe-me um instante, Buck", disse Carpathia, apertando o botão do interfone
para chamar Hattie. Aparentemente ele deu um sinal diferente do que o usual,
porque ao invés de atender o interfone ela surgiu na porta atrás de Buck. Ele virouse
para ver quem era, e ela piscou para ele.
"Srta. Durham", disse Carpathia, "por favor, avise o Dr. Rosenzweig, o Sr. Plank e o
presidente Fitzhugh que estou um pouco atrasado em minha programação. Devo
gastar mais dez minutos aqui e outros dez com Chaim e Steve. Estaremos em
Washington por volta das cinco horas." "Perfeitamente, senhor."
Rayford estacionou o carro em O'Hare e atravessou rapidamente o terminal em
direção ao centro de controle no subsolo e à sala de Earl Halliday. O comandante
Earl era seu chefe havia anos e acompanhou sua carreira desde quando ele era um
de seus jovens pilotos mais eficientes até tornar-se um de seus brilhantes e
experientes pilotos. Agora, Rayford sentia-se feliz por estar em uma posição na
qual podia conversar francamente com Earl, eliminando as formalidades e entrando
direto no assunto.
Earl o aguardava do lado de fora da sala e olhou para seu relógio quando Rayford
se aproximou. "Ótimo", disse Earl. "Entre."
"Prazer em vê-lo", disse Rayford colocando o quepe debaixo do braço e sentandose.
Earl sentou-se na única outra cadeira daquela sala atravancada, a que estava atrás
de sua mesa. "Temos um problema", principiou.
"Obrigado por ir direto ao assunto", disse Rayford. "Será que Edwards escreveu um
relatório a meu respeito por eu estar fazendo, como é mesmo o nome que você dá
a isso, proselitismo?"
"Essa é apenas uma parte do problema. Se não fosse isso, eu estaria aqui para darlhe
uma notícia extraordinária."
"Que notícia?"
"Antes de tudo, diga-me se entendi bem o que você disse. Quando o repreendi por
estar falando de Deus no trabalho, você me disse que precisava pensar no assunto.
Eu lhe disse que se você me garantisse que pararia de falar nisso, eu convenceria
Edwards a desistir do relatório. Certo?"
"Certo."
"E quando você concordou em ir a Dallas hoje para se reinscrever, eu não deveria
supor que poderia contar com sua boa vontade?"
"Não inteiramente. E entendo que você gostaria de saber como transcorreu minha
reinscrição."
"Já sei como transcorreu sua reinscrição, Ray!" vociferou Earl. "Agora responda à
minha pergunta! Você está querendo dizer que foi até lá para conseguir autorização
para pilotar o 757 e que em nenhum momento teve a intenção de parar de falar de
religião no trabalho?"
"Eu não disse isso."
"Então seja claro, Ray! Você nunca foi desleal comigo, e estou muito velho para
isso. Você me ofendeu com toda aquela história de igreja e Arrebatamento, e eu fui
atencioso, não fui?"
"Mais ou menos."
"Mas ouvi como amigo, da mesma forma que você me ouve quando enalteço meus
filhos, certo?"
"Eu não estava enaltecendo nada."
"Não, mas estava empolgado. Você encontrou algo que lhe deu conforto e o ajudou
a explicar as perdas que sofreu. E eu me sinto feliz por isso, seja qual for o motivo
que o empurre para frente. Você começou a pressionar-me para ir à igreja e ler a
Bíblia. Eu lhe disse, tentando ser gentil, que considerava isso um assunto de
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natureza pessoal e pedi que você não insistisse."
"Foi o que fiz. Apesar disso, continuo orando por você."
"Oh, muito obrigado. Eu também lhe disse para tomar cuidado no trabalho, mas
você não me obedeceu. Estava achando tudo uma novidade e sentindo-se como um
sujeito que acabou de encontrar a fórmula de enriquecer rapidamente. Então, o que
fez? Entre todos, preferiu doutrinar Nick Edwards. Ele é novato aqui, Ray, e os
chefes gostam dele."
"Eu também gosto dele. É por isso que me preocupo com ele e com seu futuro."
"Ah, sim, tudo bem, mas ele deixou claro que não quer mais ouvir isso, da mesma
forma que eu. Você parou de pressionar-me, então por que não pára também de
pressioná-lo?"
"Pensei que tinha parado."
"Só pensou." Earl pegou uma pasta na gaveta e folheou-a até encontrar uma
determinada página. "Então você nega ter-lhe dito 'eu não me importo com o que
você pensa de mim'?"
"Essa frase está um pouco fora do contexto, mas não nego o espírito da coisa. Eu
só estava dizendo que..."
"Eu sei o que você estava dizendo, Ray, tudo bem, porque você também me disse!
Eu o alertei que não queria vê-lo transformar-se em um daqueles fanáticos de olhar
furioso que se acha melhor do que todos os outros e tenta salvá-los. Você disse que
se preocupava comigo, o que muito aprecio, e eu retruquei que você estava
próximo de perder meu respeito."
"E eu disse que não me importava."
"Bem, você não vê que está me insultando?"
"Earl, como posso insultá-lo quando me preocupo tanto com sua alma a ponto de
pôr em risco nossa amizade? Eu disse a Nick a mesma coisa, que não me importo
mais com o que as pessoas pensam de mim. Parte de mim ainda se preocupa, é
claro. Ninguém quer ser visto como um tolo. Mas se eu não lhe falar de Cristo só
por estar preocupado com o que você vai pensar de mim, que tipo de amigo eu
sou?"
Earl suspirou e balançou a cabeça, olhando fixo para a pasta. "Então, você sustenta
que Nick extraiu uma frase do contexto, mas tudo o que acabou de dizer está aqui
no relatório."
"Está?"
"Está."
Rayford empinou a cabeça. "O que você sabe sobre isso? Ele me ouviu. Entendeu o
ponto principal."
"Tenho certeza de que ele não entendeu. Caso contrário, qual a razão de tudo
isso?" Earl fechou a pasta e empurrou-a com força.
"Earl, eu estava exatamente onde você e Nick estavam na noite anterior aos
desaparecimentos. Eu..."
"Já ouvi tudo isso", disse Earl.
"Estou apenas dizendo que entendo sua posição. Eu estava quase me indispondo
com minha mulher por pensar que ela se tornara fanática."
"Você me contou."
"Mas agora digo que ela se tornou fanática. Ela estava certa! Provou que estava
certa!"
"Rayford, se você quer pregar, por que não cai fora da aviação e vai ser ministro?"
"Você está me despedindo?"
"Espero não precisar fazer isso."
"Então você quer que eu me desculpe com Nick, diga-lhe que compreendi que o
pressionei muito mas que minhas intenções eram boas?"
"Gostaria que fosse tão fácil assim."
63
"E não é o que você me propôs no outro dia?"
"Sim! E eu cumpri minha palavra. Não enviei cópia deste relatório para o
Departamento Pessoal nem para meus superiores, e contei isso a Nick. Disse-lhe
que o guardaria e que ele passaria a fazer parte permanente de meu arquivo
pessoal sobre você como meu subordinado..."
"O que não significa nada."
"Evidentemente, você e eu sabemos disso, e Nick também não é nada bobo. Mas
aparentemente ficou satisfeito.
Entendi que ao ir a Dallas para se reinscrever você estava tentando me dizer que
ouviu meus conselhos e que estávamos cooperando um com o outro."
Rayford assentiu. "Eu tinha planejado ser mais sensato e não lhe criar problemas
por você defender minhas atitudes."
"Não me importei de fazer isso, Ray. Você é merecedor. Mas, de repente, hoje de
manhã você me deu outro golpe igual. O que estava pensando?"
Rayford sobressaltou-se e endireitou-se na cadeira. Colocou o quepe sobre a mesa
e ergueu as mãos, com as palmas para cima. "Hoje de manhã? Do que você está
falando? Pensei que tudo correu bem, perfeito. Fui reprovado?"
Earl curvou-se sobre a mesa e lançou um olhar zangado a Rayford. "Então, você
não fez com o examinador a mesma coisa que fez comigo, com Nick e com todos os
outros colegas com quem trabalhou nas últimas semanas?" "Falar a respeito de
Deus, você quer dizer?" "Sim!"
"Não! Na verdade, senti-me um pouco culpado por isso. Não conversamos quase
nada. Ele foi muito severo e veio com uma conversa fiada sobre o que ia e o que
não ia fazer."
"Você não pregou para ele?"
Rayford balançou a cabeça, tentando lembrar-se do que havia feito ou dito que
pudesse ter sido mal interpretado. "Não. Só não escondi minha Bíblia. Geralmente
guardo-a dentro de minha maleta de vôo, mas ela estava fora quando nos
encontramos porque eu a estava lendo no furgão. Ei, você tem certeza de que a
queixa não partiu do motorista do furgão? Ele me viu lendo e fez perguntas.
Conversamos sobre o que havia acontecido."
"Como sempre."
Rayford assentiu. "Mas não percebi nenhuma reação negativa da parte dele."
"Nem eu. A queixa partiu de seu examinador."
"Não entendo", disse Rayford. "Você acredita em mim, não, Earl?"
"Gostaria de acreditar", respondeu Earl. "Não me olhe desse jeito. Sei que somos
amigos há muito tempo, e nunca imaginei que você pudesse mentir para mim.
Lembra-se daquela vez em que você reteve a aeronave no solo propositadamente
por ter tomado alguns drinques?"
"Cheguei a me oferecer para pagar outro piloto."
"Eu sei. Mas o que devo pensar agora, Ray? Você diz que não discutiu com aquele
sujeito. Quero acreditar. Mas você fez o mesmo comigo, com Nick e com outros.
Sou obrigado a pensar que agiu da mesma forma hoje de manhã."
"Vou ter uma conversa com esse sujeito."
"Não, não vai."
"O quê? Não posso enfrentar meu acusador? Earl, eu não disse uma só palavra a
respeito de Deus àquele indivíduo. Gostaria de ter dito, principalmente se vou ser
prejudicado. Quero saber por que ele disse isso. Deve ter sido um mal-entendido,
alguma queixa indireta do motorista do furgão, mas como estou dizendo, não
percebi nenhuma resistência da parte dele. No entanto, ele deve ter dito algo ao
examinador. Do contrário, como o examinador sabia que já fiz isso antes? Será que
foi por causa da Bíblia?"
"Não posso imaginar que o motorista do furgão tenha tido algum contato com o
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examinador. Por que teria, Ray?"
"Estou confuso, Earl. Não tenho certeza se deveria desculpar-me por essas
acusações, mas tenho certeza de que não posso desculpar-me por algo que não
fiz."
Buck lembrou-se de Rosenzweig ter-lhe dito que o presidente se oferecera para ir a
Nova York a fim de encontrar-se com Carpathia, mas em sua imensa humildade,
Nicolae insistira em ir até Washington. Agora Carpathia pede casualmente que sua
assistente pessoal avise o presidente que está um pouco atrasado? Teria planejado
isso? Seria essa a maneira de Carpathia informar a todos o quanto era poderoso?
Poucos minutos depois, Hattie bateu na porta e entrou.
"Sr. Secretário-Geral", ela disse. "O presidente Fitzhugh está enviando o Air Force
One para buscá-lo."
"Oh, diga-lhe que não será necessário", disse Carpathia.
"Ele disse que a aeronave já decolou e que o senhor poderá embarcar quando
desejar. O piloto informará a Casa Branca quando o senhor estiver a caminho."
"Obrigado, Srta. Durham", disse Carpathia, virando-se para Buck. "Que homem
bondoso! Você o conhece pessoalmente?"
Buck assentiu. "Ele foi o primeiro 'Fazedor da Notícia do Ano' indicado por mim."
"Foi a primeira ou a segunda vez que ele recebeu esse título?"
"A segunda." Mais uma vez, Buck admirava a memória enciclopédica daquele
homem. Haveria alguma dúvida sobre quem seria o próximo "Fazedor da Notícia do
Ano"? Era uma tarefa que Buck não apreciava nem um pouco.
65
SETE
Earl ajeitou-se na cadeira com nervosismo. "Bem, deixe-me dizer-lhe uma coisa,
isso aconteceu no pior momento possível. O novo Air Force One, que está
programado para voar na próxima semana, é um 757.
Rayford ficou atordoado. O bilhete de Hattie Durham, dizendo a mesma coisa, ainda
estava em seu bolso.
Rayford ajeitou-se na cadeira e observou o rosto de seu chefe. "Eu já tinha ouvido
falar", disse, procurando ganhar tempo. "Existe alguém nos Estados Unidos que não
tenha ouvido falar do novo avião? Pelo que dizem dele, eu gostaria muito de
conhecê-lo."
"É o máximo, com certeza", disse Earl. "A última palavra em tecnologia,
comunicação, segurança e acomodações."
"Você é a segunda pessoa que fala desse avião hoje. O que há de tão importante?"
"O importante é que a Casa Branca entrou em contato com nossa diretoria.
Aparentemente o pessoal da Casa Branca acha que já é tempo de despedir seu
atual piloto. Querem que recomendemos um para substituí-lo. O pessoal de Dallas
reduziu a lista a meia dúzia de pilotos veteranos, e ela veio parar em minhas mãos
porque inclui seu nome."
"Não estou interessado."
"Não seja precipitado! Como pode falar assim? Quem não gostaria de pilotar um
dos aviões mais modernos do mundo, com todos aqueles equipamentos, para o
homem mais poderoso da terra? Ou talvez eu deva dizer o segundo mais poderoso,
agora que temos Carpathia na direção da ONU."
"Simples. Eu teria de mudar-me para Washington."
"O que o mantém aqui? Chloe vai voltar para a faculdade?"
"Não."
"Então ela também não sabe o que quer. Ou conseguiu um emprego."
"Está procurando?"
"Então que procure um em Washington. Você ganhará o dobro do que ganha agora,
e já está na lista dos cinco por cento mais bem remunerados da Pan-Con.
"O dinheiro não significa tanto para mim", disse Rayford.
"Pare com isso!" vociferou Earl. "Quem é o primeiro a me telefonar quando há uma
notícia de aumento de salário à vista?"
"Agora não é mais assim, Earl. E você sabe por quê."
"Ah, sim, poupe-me de um sermão. Ray, pense na independência financeira para
conseguir uma casa maior e mais bonita, freqüentar outros lugares..."
"É o lugar que estou freqüentando que me prende em Chicago. Minha igreja."
"Ray, o salário..."
"Não me importo com dinheiro. Agora somos apenas dois, Chloe e eu, lembra-se?"
"Desculpe-me."
"Talvez seja até necessário mudarmos para um lugar menor. A casa ficou muito
grande para nós e temos mais dinheiro do que podemos gastar."
"Então aceite a função como desafio! Não haverá rotas comuns, não haverá um
grupo de comandantes e navegadores. Você viajará pelo mundo inteiro, conhecerá
um lugar diferente de cada vez. É a realização de um piloto, Ray."
"Você disse que havia outros cinco nomes na lista."
"Ah, e são todos bons. Mas se eu interferir a seu favor, você ganhará a posição. O
problema é que não posso interferir a seu favor com este relatório de Nick Edwards
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na pasta."
"Você disse que está apenas em seu arquivo."
"Está, mas depois da confusão desta manhã não posso correr o risco de escondê-lo.
Imagine se eu conseguir o cargo na Casa Branca para você, e o examinador puser
a boca no mundo? Assim que a notícia se espalhar, Edwards tomará conhecimento
e confirmará a história. O cargo não será seu e eu parecerei um idiota por ter
acobertado a queixa e defendido você. Fim da história."
"De qualquer forma, é o fim da história", disse Rayford. "Não posso mudar-me para
Washington."
Earl levantou-se. "Rayford", ele disse vagarosamente, "tenha calma e ouça-me.
Abra um pouco a sua mente. Deixe-me dizer-lhe o que tenho ouvido, e depois dême
uma oportunidade de persuadi-lo."
Rayford começou a protestar, mas Earl o interrompeu. "Por favor! Não posso tomar
uma decisão por você, e não vou tentar. Mas deixe-me terminar. Mesmo que eu
não concorde com sua opinião sobre os desaparecimentos, estou satisfeito por você
ter encontrado algum conforto na religião."
"Não é..."
"Ray, eu sei. Eu sei. Você já me falou e eu ouvi com atenção. Para você, o
importante não é a religião, é Jesus Cristo. Será que entendi bem, ou o quê?
Admiro o fato de você ter se dedicado a isso. Você é um homem piedoso. Não
duvido. Mas não vire as costas a um cargo que milhares de pilotos dariam tudo
para conseguir. Francamente, não estou absolutamente certo se você precisará
mudar de cidade. Com que freqüência o presidente dos Estados Unidos viaja nos
domingos? Com certeza, menos vezes do que você tem voado nos domingos."
"Por ser um piloto veterano, raras vezes trabalho nos domingos."
"Você poderá designar outro piloto para voar em seu lugar nos domingos. Você
será o comandante, o mais experiente, o responsável, o chefe. Não reportará mais
a mim."
"Se é assim, aceito!", disse Rayford sorrindo. "Estou brincando."
"Claro! Para você, faria mais sentido morar em Washington, mas aposto que se sua
única condição for morar em Chicago, talvez eles aceitem."
"Não posso, de jeito nenhum."
"Por quê?"
"Porque minha igreja não tem trabalhos apenas nos domingos. Temos reuniões
freqüentes. Trabalho ao lado do pastor. Reunimo-nos quase todos os dias."
"E você não pode abrir mão disso?"
"Não posso."
"Ray, e se essa for apenas uma fase de sua vida? E se você vier a deixar de lado o
fanatismo? Não estou dizendo que você é um impostor ou que dará as costas ao
que encontrou. Estou apenas dizendo que a novidade poderá acabar, e talvez você
tenha condição de trabalhar em outro lugar se puder estar em Chicago nos fins de
semana."
"Por que isso é tão importante para você, Earl?"
"Você não sabe?"
"Não."
"Porque é uma coisa com a qual sonhei a vida inteira", disse Earl. "Depois que
assumi esta posição, acompanhei de perto todos os últimos concursos e inscrevime
como piloto de cada presidente eleito."
"Eu nunca soube disso."
"Claro que não. Quem admitiria ser perdedor e contar a todo mundo que se remoía
por dentro a cada quatro ou oito anos por ver outros pilotos conseguirem a vaga?
Se você consegui-la, será uma maravilha. Eu ficarei imensamente feliz por você.
"Só por esse motivo, eu gostaria muito de estar livre para aceitar o cargo."
67
Earl voltou a sentar-se. "Obrigado por conceder-me essa migalha."
"Eu não quis que você entendesse assim, Earl. Estou falando sério."
"Sei que está. A verdade é que conheço dois bobocas da lista, e não permitiria
sequer que dirigissem meu carro."
"Pensei ter ouvido você dizer que eram bons pilotos."
"Estou apenas tentando dizer-lhe que se você não aceitar, alguém aceitará.
"Earl, eu realmente não acho..."
Earl levantou a mão. "Ray, você me faria um favor? Não tome uma decisão agora.
Quero dizer, sei que você já se decidiu, mas será que poderia contar-me isso
oficialmente só depois de consultar o travesseiro?"
"Vou orar nesse sentido", consentiu Rayford.
"Já sabia disso."
"Você está me proibindo de falar com o examinador?"
"Absolutamente. Se quiser fazer uma queixa, faça-a por escrito, por meio dos
canais competentes, da maneira certa."
"Você tem certeza de que deseja recomendar um sujeito como eu, em quem não
acredita, para ocupar uma função como essa?"
"Se você me disser que não pressionou o indivíduo, serei obrigado a acreditar."
"Eu nem sequer puxei o assunto, Earl."
"Isso é uma loucura." Earl balançou a cabeça.
"Quem recebeu a queixa?"
"Minha secretária."
"Partindo de quem?"
"Da secretária dele, acho."
"Posso ver a queixa?"
"Eu não deveria mostrá-la."
"Deixe-me vê-la, Earl. O que você está pensando? Que vou prejudicá-lo?"
Earl chamou a secretária pelo interfone. "Francine, traga-me suas anotações sobre
a queixa que recebeu de Dallas esta manhã." Ela trouxe uma única folha de papel
datilografada. Earl leu-a e colocou-a sobre a mesa diante de Rayford. Dizia o
seguinte:
Recebi um telefonema às 11:37 da manhã de uma mulher que se identificou como
Jean Garfield, secretária do examinador Jim Long, da Pan-Con de Dallas.
Perguntou-me como poderia protocolar uma queixa contra Rayford Steele por ter
molestado Long com assunto de natureza religiosa durante seu teste esta manhã.
Eu disse que voltaria a ligar para ela mais tarde. Ela não deixou o número do
telefone, mas disse que ligaria novamente.
Rayford levantou o papel. "Earl, você costuma ser melhor detetive do que está
sendo."
"Como assim?"
"Isso não está me cheirando bem."
"Você acha que é trambique?"
"Em primeiro lugar, o sobrenome de meu examinador tinha duas sílabas, de acordo
com seu crachá. E desde quando um examinador tem secretária?"
Earl fez uma careta. "Boa pista."
"E por falar em pista", disse Rayford, "gostaria de saber de onde partiu esse
telefonema. É difícil constatar?" "Não. Francine! Chame alguém da segurança para
mim, por favor."
"Você poderia pedir que ela verifique mais uma coisa para mim?" perguntou
Rayford. "Peça-lhe que telefone para o Departamento Pessoal e veja se existe um
Jim Long ou uma Jean Garfield trabalhando na Pan-Con."
"Se você não se importar", disse Carpathia, "gostaria de convidar seus amigos para
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se reunirem conosco."
Agora, já? perguntou Buck a si mesmo. Na hora exata da grande notícia, seja ela
qual for?
"O espetáculo é seu", disse Buck, surpreso diante da expressão magoada de
Carpathia. "Quero dizer, a reunião é sua. Claro! Peça-lhes que entrem."
Buck não sabia se era fruto de sua imaginação, mas parecia que Steve Plank e
Chaim Rosenzweig estavam confusos, trocando olhares quando entraram, seguidos
de Hattie. Ela pegou uma cadeira da mesa de reunião e colocou-a do outro lado de
Buck. Os dois homens sentaram-se. Hattie saiu da sala.
"O Sr. Williams tem um pré-requisito", anunciou Carpathia, provocando um
murmúrio de Plank e Rosenzweig. "Ele precisa ficar sediado em Chicago."
"Isso reduz as possibilidades", disse o Dr. Rosenzweig. "Não é mesmo?"
"É verdade", disse Carpathia. Buck olhou de relance para Steve que estava
balançando a cabeça afirmativamente. O secretário-geral virou-se para Buck.
"Minha proposta é a seguinte: Você passa a ser presidente e editor do Chicago
Tribune, que eu vou adquirir da família Wrigley dentro dos próximos dois meses. O
nome do jornal será mudado para The Midwest Tribune e publicado sob o patrocínio
das Empresas Comunidade Global. A sede permanecerá na Tribune Tower em
Chicago. Você terá uma limusine com motorista, um criado pessoal, funcionários
que julgar necessários, uma casa em North Shore com empregados domésticos e
uma casa de lazer no Lago Genebra, ao sul de Wisconsin. Não vou intrometer-me
em suas decisões, a não ser mudar o nome do jornal e a editora. Você terá inteira
liberdade para dirigir o jornal como desejar." A voz de Carpathia adquiriu um tom
sarcástico. "Com suas duas torres, a da verdade e da justiça, circundando cada
palavra."
Buck sentiu vontade de rir alto. Sem dúvida, Carpathia tinha condição de fazer tal
aquisição, mas não seria possível a um homem de tanta notoriedade esconder-se
atrás do nome de uma editora e romper com todas as regras da ética jornalística,
sendo proprietário de um órgão de imprensa tão importante e, ao mesmo tempo,
atuando como secretário-geral da Organização das Nações Unidas.
"O senhor jamais conseguirá isso", disse Buck, sem expressar a verdadeira
questão: que Carpathia jamais daria liberdade total a alguém sob seu comando, a
menos que acreditasse ter domínio completo sobre sua mente.
"Será problema meu", disse Carpathia.
"Se eu tiver liberdade total", disse Buck, "também serei problema seu. Parto do
princípio que o público tem o direito de ser bem informado. Portanto, a primeira
matéria de investigação que eu atribuir a um funcionário, ou escrever por conta
própria, será sobre a aquisição do jornal."
"E eu gostaria da publicidade", disse Carpathia. "Que mal haveria se a Organização
das Nações Unidas fosse proprietária de um jornal dedicado a publicar notícias da
comunidade global?"
"O proprietário não será o senhor?"
"Trata-se de uma questão de semântica. Se for mais apropriado que a ONU seja a
proprietária, e não eu, doarei o dinheiro ou comprarei a empresa e a doarei à
ONU."
"O Tribune se transformaria, então, em um órgão de publicação interna,
promovendo os interesses da ONU."
"O que está de acordo com a lei."
"Mas o jornal também não teria forças como um arauto independente."
"Isso será problema seu."
"O senhor está falando sério? Permitiria que seu próprio jornal o criticasse?
Discordasse da ONU?"
"Aplaudo sua responsabilidade. Meus motivos são puros, meus objetivos são
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pacíficos e meu público é global."
Buck lançou um olhar de frustração para Steve Plank, mesmo sabendo que seu
antigo chefe era um dos que provaram ser suscetíveis ao poder de Carpathia.
"Steve, você é seu conselheiro para assuntos de comunicação! Diga-lhe que tal
empreendimento não teria credibilidade! Não seria levado a sério."
"A princípio, não seria levado a sério pelos outros meios de comunicação, Buck",
admitiu Steve. "Mas em breve a Editora Comunidade Global também será dona de
seus próprios meios de comunicação."
"Então, o senhor monopoliza o ramo editorial, elimina a concorrência e o público
não percebe?"
Carpathia assentiu com a cabeça. "Esta é uma das formas de expressar isso. E se
meus motivos forem movidos só por idealismo, também terei problemas. Porém,
que mal há em controlar os noticiários mundiais quando estamos nos esforçando
para conseguir a paz, a harmonia e a união dos povos?"
"E como ficará o poder de formação de opinião? E como ficará o fórum de
diversificação de idéias? O que acontecerá com o tribunal de opinião pública?"
"O tribunal de opinião pública", disse Steve, "está exigindo mais do que o
secretário-geral tem a oferecer."
Buck sentiu-se derrotado, e sabia disso. Não podia esperar que Chaim Rosenzweig
entendesse a ética do jornalismo, mas quando um veterano como Steve Plank era
capaz de defender um blefe jornalístico para um ditador caridoso, que esperança
havia?"
"Não posso sequer imaginar envolver-me em tal aventura", disse Buck.
"Eu adoro esse sujeito!" exclamou Carpathia, entusiasmado. Plank e Rosenzweig
sorriram e concordaram com um movimento de cabeça. "Pense no assunto. Medite
sobre ele. Darei um jeito de legalizá-lo de forma que seja aceito até mesmo por
você, e então não admitirei um não como resposta. Quero adquirir o jornal, e vou
conseguir. Quero que você o dirija, e vou conseguir. Liberdade, Buck Williams.
Liberdade total. O dia em que você achar que estou me intrometendo, poderá
demitir-se recebendo indenização total.
Depois de agradecer a confiança de Earl Halliday e prometer pensar no assunto
embora a idéia de aceitar o cargo nem lhe passasse pela cabeça - Rayford
permaneceu de pé no terminal diante de uma fileira de telefones desocupados.
Francine, a secretária de Earl, confirmara que não havia nenhuma Jean Garfield
trabalhando na Pan-Con. E, dos seis funcionários com o nome de James Long,
quatro eram carregadores de malas e os outros dois, burocratas de nível médio.
Nenhum trabalhava em Dallas, nenhum era examinador e nenhum tinha secretária.
"Quem estaria perseguindo você?" perguntara Earl.
"Não consigo imaginar."
Francine informou que a chamada recebida naquela manhã partira de Nova York.
"Ainda vai levar algum tempo para sabermos o número exato do telefone", ela
disse, mas Rayford descobriu em um piscar de olhos quem estava por trás disso.
Ele não tinha certeza do motivo, mas apenas Hattie Durham seria capaz de realizar
tal façanha. Somente ela tinha acesso ao pessoal da Pan-Con que sabia onde ele
estava e o que fazia naquela manhã. E o que tudo aquilo tinha a ver com o Air
Force One7.
Rayford chamou o serviço de informações e conseguiu o número do telefone da
ONU. Depois de passar pela telefonista e pelo setor administrativo, finalmente
chegou até Hattie, a quarta pessoa com quem falou.
"Aqui fala Rayford Steele", ele disse secamente.
"Oi, capitão Steele!" A vivacidade em sua voz fê-lo retrair-se.
"Eu desisto", disse Rayford. "Seja lá o que for que está fazendo, você venceu."
70
"Não estou entendendo."
"Vamos, Hattie, não se faça de tola."
"Ah! Meu bilhete! Achei engraçado, porque há alguns dias, quando eu estava
conversando com uma amiga do setor de tráfego da Pan-Con, ela mencionou que
meu velho amigo estava se reinscrevendo para pilotar o 757 em Dallas hoje cedo.
Você não achou divertido receber um bilhete meu? Não foi mesmo divertido?"
"Ah, sim, divertido demais. O que significa?"
"O bilhete? Ora, nada. Com certeza você já sabia, não? Todo mundo já sabe que o
novo Air Force One é um 757, não é verdade?"
"Sim, e qual a razão de você me lembrar disso?"
"Foi uma brincadeira, Rayford. Quando eu soube de sua reinscrição, fiz uma
brincadeira achando que você ia ser o novo piloto do presidente. Você não
entendeu?"
Como era possível? Seria ela assim tão ingênua e inocente? Será que aquela
brincadeira sem graça teria sido uma coincidência? Rayford queria perguntar a
Hattie como ela soube que a posição foi oferecida a ele, mas se ela não soubesse,
ele certamente não gostaria de lhe contar.
"Entendi. Muito engraçado. Então, qual foi o motivo daquela falsa queixa?"
"Falsa queixa?"
"Não me faça perder tempo, Hattie. Você é a única pessoa que sabia onde eu
estava e o que fazia. E então sou acusado falsamente de ter molestado alguém com
assuntos religiosos."
"Oh, entendi!" Ela riu. "Foi apenas uma suposição. Você teve um examinador a seu
lado, não teve?"
"Sim, mas eu não..."
"E precisou jogar aquela conversa fiada em cima dele, certo?"
"Não."
"Ora, Rayford. Você fez isso comigo, com sua filha, com Cameron Williams, com
Earl Halliday, com qualquer pessoa com quem trabalhou recentemente. Não é
verdade? Você não pregou para o examinador?"
"Não, com certeza."
"Está bem, acho que me enganei. Mas continua a ser engraçado, você não acha? E
as probabilidades estão do meu lado. Eu quis saber o que você pensaria se tivesse
falado de religião ao examinador e recebesse uma queixa. Você teria de pedir-lhe
desculpas e ele negaria. Adoro passar trotes! Vamos, dê-me um pouco de crédito."
"Hattie, se você está tentando vingar-se de mim pela maneira como a tratei, acho
que mereço."
"Não, Rayford, não se trata disso! Não tenho nada contra você. O assunto está
superado. Se tivéssemos tido um relacionamento, eu jamais estaria onde estou
hoje e, creia-me, este é o melhor lugar do mundo. Não foi uma vingança. Eu só
quis fazer uma brincadeira. Se você não gostou, lamento muito."
"Você me criou um problema."
"Ora, vamos! Quanto tempo vai demorar para essa história ser esquecida?"
"Tudo bem, você venceu. Há mais surpresas reservadas para mim?"
"Acho que não, mas fique alerta.
Rayford não engoliu nenhuma palavra de Hattie. Carpathia devia saber do
oferecimento da Casa Branca. O bilhete de Hattie e aquela proposta, e a pequena
brincadeira dela que quase estragou o negócio eram coincidência demais para
serem considerados uma simples tentativa de trote. Rayford estava mal-humorado
quando retornou ao estacionamento. Esperava que Chloe não continuasse
aborrecida. Se estivesse, talvez ambos devessem acalmar-se um pouco antes da
reunião daquela noite.
71
Chaim Rosenzweig colocou a mão enrugada no joelho de Buck. "Insisto que você
aceite esta posição de tanto prestígio. Se não aceitá-la, alguém aceitará, e não será
interessante."
Buck não estava disposto a discutir com Chaim. "Obrigado", disse. "Preciso pensar
muito." Mas ele não pretendia considerar a idéia de aceitar a proposta. Gostaria
muito de conversar sobre o assunto, primeiro com Chloe e depois com Bruce e
Rayford.
Quando Hattie Durham se desculpou por interromper e aproximou-se da mesa para
falar ao ouvido de Carpathia, Steve começou a cochichar algo para Buck. Porém,
Buck estava agraciado com o poder de discernir o que valia a pena ouvir e o que
valia a pena ignorar. Naquele momento, decidiu que seria mais conveniente prestar
atenção em Hattie e Nicolae do que escutar o que Steve estava lhe dizendo.
Inclinou-se em direção ao amigo, fingindo ouvir. Buck sabia que Steve tentaria
convencê-lo a aceitar o cargo, assegurando-lhe que exercera pressão sobre
Carpathia, admitindo que como jornalista a história lhe parecera meio maluca no
início, mas que o mundo havia mudado, blá, blá, blá. Buck concordava com a
cabeça e fitava o amigo nos olhos enquanto prestava atenção em Hattie Durham e
Carpathia.
"Acabei de receber uma ligação do alvo", ela disse.
"Sim, e daí?"
"Ele não demorou muito tempo para decifrar."
"E o Air Force One?
"Acho que ele não tem nenhuma pista."
"Bom trabalho. E o outro?"
"Nenhuma resposta ainda."
"Obrigado, querida."
O alvo. Aquilo não parecia boa coisa. O restante da conversa aparentemente estava
relacionado com a viagem de Carpathia naquela tarde no avião do presidente.
Carpathia voltou a atenção para seu convidado. "No mínimo, Buck, converse sobre
o assunto com as pessoas que lhe dizem respeito. E se pensar em sonhos mais
específicos que você gostaria de realizar, se o problema não fosse dinheiro, lembrese
de que neste momento você está no assento do motorista. Está na posição de
vendedor. Eu sou o comprador e vou conseguir o homem que quero."
"O senhor me obriga a recusar sua oferta só para mostrar-lhe que não estou à
venda."
"Conforme eu lhe disse inúmeras vezes, esse é o verdadeiro motivo por que você é
o homem talhado para o cargo. Não cometa o erro de perder a oportunidade de
uma vida toda só para provar um ponto de vista insignificante."
Buck sentiu-se preso em uma armadilha. De um lado estava o homem que ele
admirara e com quem trabalhara durante anos, um jornalista de princípios. Do
outro lado estava o homem a quem ele amava como um pai, um brilhante cientista
que, de muitas maneiras, era ingênuo o suficiente para ser um perfeito peão no
jogo de xadrez do fim do mundo. Do lado de fora estava alguém que ele conheceu
no avião quando Deus tomou conta do mundo. Foi o próprio Buck que a apresentou
a Carpathia só para se mostrar, e vejam onde eles estavam agora.
Bem em sua frente, exibindo um sorriso belo e conciliatório, estava Carpathia. Das
quatro pessoas com quem Buck estava conversando naquela tarde, Carpathia era
quem ele mais entendia. Sabia também que Carpathia era a pessoa com quem
tinha menos prestígio. Seria tarde demais para conversar com Steve, adverti-lo
sobre a situação em que ele se metera? Tarde demais para salvar Hattie pela
estupidez de tê-la apresentado a Carpathia? Estaria Chaim apaixonado demais
pelas possibilidades geopolíticas, deixando de dar ouvidos à razão e à verdade?
E se confiasse em qualquer um deles, seria o fim de qualquer esperança de impedir
72
que a verdade viesse à tona, ou seja, que Deus o protegia do poder de Carpathia?
Buck não via a hora de retornar a Chicago. Seu apartamento era novo e ainda lhe
parecia um pouco estranho. Seus amigos também eram novos, mas não havia
ninguém mais no mundo em quem ele confiasse tanto. Bruce ouviria com atenção,
analisaria o assunto, oraria e o aconselharia. Rayford, com sua mentalidade
científica, analítica e pragmática, daria sugestões sem jamais impingir opiniões.
Mas era de Chloe que ele mais sentia falta. Seria um plano de Deus? Teria sido
Deus quem havia derivado os pensamentos de Buck para Chloe naquele momento
mais vulnerável diante de Carpathia? Buck mal conhecia aquela mulher. Mulher?
Ela era pouco mais que uma garota, mas parecia... o quê? Adulta? Mais que adulta.
Atraente. Quando ele falava, o olhar de Chloe o absorvia. Ela demonstrava
compreensão, empatia. Aconselhava e orientava sem dizer uma única palavra.
A presença dela lhe trazia uma sensação de conforto e segurança. Ele a tocara
apenas duas vezes. Uma vez para tirar um pedaço de chocolate que grudara perto
de sua boca, e a outra na igreja, na manhã do dia anterior, para que ela notasse
sua presença. E agora, a uma distância de duas horas de vôo, Buck sentia uma
necessidade premente de abraçá-la.
Evidentemente, não podia fazer isso. Mal a conhecia e não desejava afugentá-la.
Não obstante, em sua mente, Buck aguardava com ansiedade o momento de poder
segurar as mãos dela e abraçá-la. Visualizava os dois juntos, sentados lado a lado
em um lugar qualquer, desfrutando a companhia um do outro ela com a cabeça
apoiada em seu peito, ele com os braços ao redor dela.
Foi então que Buck se deu conta do homem solitário no qual se transformara.
Ao chegar em casa, Rayford encontrou Chloe completamente desolada. Decidiu não
lhe contar os acontecimentos daquele dia, por enquanto. Tudo foi muito estranho, e
aparentemente o dia não havia sido muito diferente para ela. Rayford abraçou a
filha e ela rompeu em prantos. Na lata do lixo, havia um enorme buquê de flores.
"As flores só serviram para piorar a situação, papai. Pelo menos essa minha reação
mostrou-me uma coisa - que Buck é muito importante para mim."
"Parece uma reação muito racional de sua parte", disse Rayford, arrependendo-se
imediatamente de suas palavras.
"Então não posso ser racional só porque sou mulher, não é mesmo?"
"Desculpe-me! Eu não deveria ter dito isso."
"Se estou sentada aqui chorando é porque minha reação é emocional, certo? Não
se esqueça, papai, cinco semestres na lista do reitor. Isso não é emocional; é
racional. Sou mais parecida com você do que com a mamãe, lembra-se?"
"Claro. E justamente por sermos assim é que ainda estamos aqui."
"Bem, estou feliz por termos um ao outro. Pelo menos estava até você acusar-me
de ser uma típica mulher."
"Eu não disse isso."
"É o que você estava pensando."
"Agora você passou também a ler pensamentos?"
"Sim, sou uma adivinha emocional."
"Eu me rendo", disse Rayford.
"Ora, vamos, papai. Não desista tão cedo. Ninguém gosta de um perdedor que
desiste facilmente."
No avião, novamente agraciado com uma viagem de primeira classe, Buck
continha-se para não dar uma gargalhada. Editor do Tribune. Dentro de vinte anos,
talvez, se não for adquirido por Carpathia e se Cristo não tiver retornado antes.
Buck sentia-se como se tivesse ganho um prêmio de loteria em uma sociedade na
qual o dinheiro não valia nada.
73
Depois de jantar, ele reclinou-se na poltrona e contemplou o pôr-do-sol. Fazia anos,
muitos anos desde a última que ele foi atraído a uma cidade por causa de alguém.
Será que chegaria a tempo de vê-la antes da reunião? Se o trânsito não estivesse
muito congestionado, haveria tempo para conversarem da maneira como ele tanto
desejava.
Buck não queria afugentar Chloe por ser muito detalhista, mas queria desculpar-se
por ter sido evasivo. Não desejava pressioná-la. Mas talvez ela não tivesse nenhum
interesse. Ele estava certo apenas de uma coisa – não fecharia a porta a qualquer
possibilidade. Talvez fosse melhor ligar para ela do avião.
"Bruce ofereceu-me um emprego hoje", disse Chloe.
"Você está brincando", disse Rayford. "Que tipo de emprego?"
"Algo que tem muito a ver comigo. Estudo, pesquisa, preparo, ensino."
"Onde? Como?"
"Na igreja. Ele quer 'multiplicar seu ministério."
"Uma função remunerada?"
"Sim. Tempo integral. Poderei trabalhar em casa ou na igreja. Ele me passará as
tarefas, ajudará a ampliar meu currículo, essas coisas. Quer que eu vá devagar na
parte de ensino porque ainda sou muito novata nessa área. Muitas pessoas a quem
estarei lecionando passaram a vida freqüentando igreja e escola dominical."
"O que você vai lecionar?"
"As mesmas coisas que ele. Minha pesquisa também o ajudará no preparo das
aulas. Posteriormente passarei a dar aulas em classes da escola dominical e a
pequenos grupos. Bruce vai pedir a você e a Buck que façam o mesmo, mas
evidentemente ele ainda não sabe do caso de Buck com sua noivinha."
"E você foi bastante prudente para não lhe contar."
"Por enquanto", disse Chloe. "Se Buck achar que não está errado - e talvez pense
assim - alguém precisa contar a Bruce."
"E você está se candidatando a essa tarefa."
"Sim, se não houver ninguém que queira contar-lhe. Sou a única pessoa que soube
desde o início."
"Mas você não acha que existe um leve conflito de interesses?"
"Papai, desejei muito que algo acontecesse entre mim e Buck. Agora, não o quero
mais, mesmo que ele se atire em meus braços."
O telefone tocou. Rayford atendeu e, em seguida, cobriu o fone com a mão. "Aqui
está a oportunidade de provar o que acaba de dizer. Buck está ligando do avião."
Chloe semicerrou os olhos como se estivesse decidindo se devia atender ou não.
"Dê-me o telefone", ela disse.
Buck tinha certeza de que Rayford dissera à filha de quem era a ligação. Mas o alô
de Chloe foi seco, e ela fingiu não saber quem era, portanto Buck foi obrigado a
identificar-se.
"Chloe, sou eu, Buck! Como vai?"
"Já estive melhor."
"O que houve. Você está doente?"
"Estou bem. Você deseja alguma coisa?"
"Bem, sim, acho que gostaria de vê-la esta noite."
"Acha que gostaria?"
"Sim, isto é, claro que gostaria. Posso?"
"Vou vê-lo na reunião das oito, certo?"
"Ah, sim, mas pensei que poderíamos conversar um pouco, antes da reunião."
"Não sei. O que você deseja?"
"Só conversar com você."
"Estou ouvindo."
"Chloe, há algo errado? Houve alguma falha minha? Você parece aborrecida."
74
"As flores estão na lata do lixo, se isto lhe diz alguma coisa."
As flores estão na lata do lixo, Buck repetiu para si mesmo. Era uma expressão que
ele nunca tinha ouvido. Devia ter algo a ver com gente da geração de Chloe. Ele
era um articulista famoso, mas com certeza nunca ouvira essa expressão.
"Sinto muito", disse Buck.
"É um pouco tarde para isso", ela retrucou.
"Quero dizer, sinto muito não ter entendido o que você estava dizendo."
"Você não me ouviu?"
"Ouvi, mas não entendi."
"Como não entendeu? Eu disse que 'as flores estão na lata do lixo'."
Buck tinha estado um pouco distante dela na sexta-feira à noite, mas o que seria
isso? Bem, valia a pena prosseguir. "Vamos começar pelas flores", ele disse.
"Sim, vamos."
"De que flores estamos falando?"
Rayford gesticulou com as duas mãos para que Chloe se acalmasse. Ele receava
que a filha explodisse, e mesmo sem saber o que se passava do outro lado da
linha, tinha certeza de que ela não estava dando a Buck uma oportunidade de se
explicar. Se houvesse um pingo de verdade no que Chloe estava alegando, ela não
ajudava em nada agindo daquela maneira. Talvez Buck não tivesse se livrado de
todos os problemas de sua vida pregressa. Talvez houvesse algumas situações que
precisariam ser enfrentadas imediatamente. Mas não acontecia o mesmo com todos
eles, os quatro membros da Força Tribulação?
"É melhor conversarmos hoje à noite, está bem?" concluiu Chloe. "Não, antes da
reunião, não. Não se terei tempo depois... Bem, dependerá da hora em que a
reunião terminar, acho... Sim, ele disse das oito às dez, Buck, mas você ainda não
entendeu que não quero conversar nada agora? E também não sei se vou querer
conversar mais tarde... Sim, até à noite."
Ela desligou o telefone. "Ufa, que homem insistente! Estou conhecendo um lado
dele que nunca imaginei."
"Ainda gostaria que algo acontecesse?" perguntou Rayford.
Ela balançou a cabeça negativamente. "Se houve alguma coisa, agora acabou de
vez."
"Mas ainda dói."
"Claro! Só não imaginei quantas esperanças depositei nisso."
"Lamento muito, querida."
Ela afundou-se no sofá e apoiou o rosto nas mãos. "Papai, sei que não devemos
explicações um ao outro, mas você não acha que ele e eu conversamos e nos
conhecemos o suficiente para que eu viesse a saber que havia alguém mais na vida
dele?"
"Parece que sim."
"Será que eu o interpretei mal? Será que ele acha certo dizer que sente atração por
mim sem me contar que existe outra pessoa em sua vida?"
"Não posso imaginar."
Rayford não sabia mais o que falar. Se houvesse alguma verdade no que Chloe
dizia, ele também estava começando a perder o respeito por Buck. Parecia um
ótimo sujeito. Rayford só esperava poder ajudá-lo.
Buck estava magoado. Ainda desejava ver Chloe, mas já não seria da maneira
como ele sonhara. Tinha feito algo, ou deixara de fazer, e seria necessário mais do
que uma simples desculpa ou alguns gestos para atingir o âmago da questão.
As flores estão na lata do lixo, ele pensou. Qual seria o significado disso?
75
OITO
Quando Buck entrou no apartamento, a porta bateu em uma pilha de caixas. Ele
teria de mandar um bilhete de agradecimento a Alice. Gostaria de ter tido tempo
para começar a organizar seu escritório em casa, mas tinha de se apressar se
quisesse ver Chloe antes da reunião.
Ele chegou à Igreja Nova Esperança cerca de meia hora antes e viu o carro de
Rayford estacionado próximo ao de Bruce. Ótimo, pensou, todos já chegaram.
Olhou para o relógio. Teria se esquecido da mudança de fuso horário? Estaria
atrasado? Caminhou apressadamente até a sala de Bruce e bateu na porta ao
entrar. Bruce e Rayford levantaram os olhos surpresos. Ali só estavam os dois.
"Sinto muito, acho que cheguei um pouco adiantado." "Ah, sim, Buck", disse Bruce.
"Estamos conversando um pouco e nos encontraremos às oito, certo?" "Claro. Vou
falar com Chloe. Ela já chegou?" "Chegará um pouco mais tarde", respondeu
Rayford. "Está bem, ficarei aguardando por ela lá fora."
"Antes de tudo", disse Bruce a Rayford, "meus parabéns. Independentemente do
que você decidir, é uma honra imensa e uma realização. Imagino que poucos
pilotos recusariam uma oferta como essa."
Rayford endireitou-se na cadeira. "Na verdade, não estava pensando dessa
maneira. Acho que deveria estar agradecido."
Bruce assentiu. "Acho que sim. Você queria um conselho ou apenas alguém para
escutá-lo. Naturalmente, orarei junto com você sobre isso."
"Gostaria de ouvir um conselho."
"Não me sinto em condições de aconselhá-lo, Rayford. Gosto de saber que você
prefere ficar aqui em Chicago, mas primeiro é preciso saber se essa oportunidade
procede de Deus. Também quero ficar por aqui, mas sinto que Ele está me
encaminhando para viajar, organizar outros pequenos grupos, visitar Israel. Sei que
você não vai permanecer aqui só por minha causa, mas..."
"Isso também faz parte, Bruce."
"Agradeço, mas quem sabe por quanto tempo mais permanecerei aqui?"
"Precisamos de você, Bruce. Penso que Deus o mantém aqui por um motivo."
"Acho que Chloe lhe contou que estou à procura de mais professores."
"Ela me contou. E está empolgada com a possibilidade. E eu estou querendo
aprender."
"Normalmente a igreja não coloca crentes recém-convertidos na posição de líderes
ou professores, mas agora não existe alternativa. Eu mesmo sou um novo crente.
Sei que você seria um bom professor, Rayford. O problema é que não posso deixar
de pensar que esta oportunidade de trabalhar com o presidente é a única que você
deveria levar a sério. Imagine a influência que você poderia ter sobre o presidente
dos Estados Unidos."
"Oh, não posso imaginar que o presidente e seu piloto conversem muito entre si, se
é que conversam."
"Ele não entrevista um novo piloto?"
"Duvido."
"Você não acha que ele vai querer conhecer o homem que tem a sua vida nas mãos
todas as vezes que o avião levanta vôo?"
"Estou certo de que ele confia nas pessoas que tomam tal decisão."
"Porém, com certeza, haverá ocasiões em que vocês conversarão."
Rayford deu de ombros. "Talvez."
76
"O presidente Fitzhugh, firme e independente como é, deve estar assustado e
procurando explicações como qualquer cidadão comum. Pense no privilégio de falar
de Cristo ao líder do mundo livre."
"E depois perder o emprego", disse Rayford.
"Certamente você terá de escolher o momento certo. O presidente perdeu vários
parentes no Arrebatamento. O que ele disse quando foi indagado sobre o assunto?
Disse algo como estar certo de que não foi obra de Deus, porque ele sempre
acreditou em Deus."
"Você está falando desse assunto com tanta naturalidade como se eu fosse aceitar
o emprego."
"Rayford, não posso tomar decisões em seu lugar, mas você precisa lembrar-se do
seguinte: Agora sua lealdade não mais deve ser com esta igreja, com a Força
Tribulação ou comigo. Você deve ser leal a Cristo. Se você decidir não aceitar esta
oportunidade, precisa ter certeza absoluta de que ela não procede de Deus."
Era típico de Bruce, pensou Rayford, acrescentar um novo argumento na conversa.
"Você acha que devo contar a Chloe ou a Buck?"
"Estamos todos juntos nessa história", disse Bruce.
"Nesse meio tempo", disse Rayford, "deixe-me extrair algo mais de você. O que
você acha de um caso amoroso durante este período da história?"
De repente, Bruce demonstrou um certo desconforto. "Boa pergunta", ele disse.
"Francamente, sei por que você está me perguntando." Rayford duvidou dessa
afirmação. "Sei o quanto você se sente solitário. Pelo menos tem a companhia de
Chloe, mas deve sentir o mesmo vazio doído que sinto depois de perder minha
mulher. Tenho pensado se conseguirei viver sozinho durante os próximos prováveis
sete anos. Não gosto da idéia, mas estarei muito atarefado. Para ser franco com
você, gostaria de acalentar alguma esperança de que Deus venha a me
proporcionar uma companheira. Evidentemente, ainda é cedo demais. Vou chorar a
perda de minha mulher por muito tempo, como se ela estivesse morta. Sei que ela
está no céu, mas está morta para mim. Há dias em que me sinto tão só que mal
consigo respirar."
Essa foi a história mais reveladora de Bruce desde que ele contou o motivo de não
ter sido arrebatado, e Rayford estava admirado por ser ele quem o instigara. A
pergunta tinha sido em relação a Chloe. Ela se apaixonara por Buck e, se o caso
não fosse adiante, haveria de encontrar outra pessoa, ou isso seria impróprio em
razão dos poucos anos que ainda faltavam até a volta de Cristo?
"Sinto uma certa curiosidade em relação à questão de logística", explicou Rayford.
"Se duas pessoas se apaixonarem, como deverão proceder? A Bíblia diz alguma
coisa sobre o casamento durante este período?"
"Não especificamente", respondeu Bruce, "até onde sei. Mas também não proíbe."
"E os filhos? Seria prudente a um casal pôr filhos no mundo nesta época?"
"Não pensei nisso", disse Bruce. "Você gostaria de ter outro filho nessa idade?"
"Bruce! Eu não estou pretendendo me casar novamente. Estou pensando em Chloe.
Não estou dizendo que ela tenha alguém em vista, mas se tiver..."
Bruce mexeu-se na cadeira. "Imagine ter um bebê agora", ele disse. "Não
precisaríamos pensar sequer em uma educação primária, e muito menos em
educação secundária ou faculdade. Teríamos de criar essa criança, preparando-a
para a volta de Cristo dentro de poucos anos."
"Estaríamos também proporcionando a essa criança uma vida de medo e perigo e
75 por cento de probabilidade de ela morrer durante o julgamento que virá."
Bruce segurou o queixo com a mão, firmando o cotovelo na mesa. "É verdade", ele
disse. "Antes de alguém pensar nisso, eu aconselharia muita cautela, oração e
exame de consciência."
77
Buck nunca gostou muito de esperar. Passou os olhos pela estante na ante-sala do
escritório de Bruce. Aparentemente era esse o lugar em que o ex-pastor guardava
os livros e as obras de referência consultados com menos freqüência. Havia
dezenas de livros sobre o Velho Testamento. Buck folheou alguns deles, sem
encontrar nada interessante.
De repente, viu um álbum de fotografias dos crentes daquela igreja datado de dois
anos antes. Ali, sob a letra B, havia a foto de um jovem Bruce Barnes, de cabelos
bem mais longos. Tinha o rosto um pouco mais cheio, sorriso forçado e estava
cercado pela mulher e filhos. Que tesouro Bruce havia perdido! Sua mulher era
simpática e roliça, e tinha um sorriso triste, porém autêntico.
Na página seguinte havia a fotografia do Dr. Vernon Billings, o pastor titular que
desaparecera. Parecia ter pouco mais de sessenta anos e estava rodeado de sua
pequenina esposa e de três filhos acompanhados dos respectivos cônjuges. O
pastor Billings assemelhava-se a Henry Fonda, com profundos pés-de-galinha e
rosto enrugado ao sorrir. Parecia um homem que Buck gostaria de ter conhecido.
Buck folheou a parte final do álbum e encontrou os Steeles. Lá estava Rayford com
seu uniforme de piloto, parecendo tão bem-apessoado como agora, talvez com
menos fios de cabelo branco e feições um pouco mais definidas. E Irene. Ele estava
vendo sua fotografia pela primeira vez. Ela parecia inteligente e animada, e se
alguém acreditasse nos excêntricos estudiosos da psicologia das fotos, notaria que
ela era mais dedicada ao marido do que vice-versa. Seu corpo inclinava-se em
direção do marido. Ele estava sentado com o corpo reto.
Rayford Júnior também aparecia na fotografia, identificado na legenda como
"Raymie, 10 anos". Ele e a mãe tinham asteriscos ao lado de seus nomes. Rayford
não tinha. Nem Chloe, que estava relacionada como 18 anos, caloura da
Universidade Stanford, Paio Alto, Califórnia (não fotografada)".
Buck procurou encontrar o significado dos asteriscos, que indicavam quem era
membro da igreja. Os outros, ele imaginou, eram meros freqüentadores.
Buck olhou para seu relógio. Dez para as oito. Olhou pela janela em direção ao
estacionamento. O outro carro dos Steeles estava lá, perto dos carros de Rayford,
de Buck e de Bruce. Buck colocou a mão na vidraça para enxergar melhor e avistou
Chloe sentada ao volante. Dez minutos não seriam suficientes para conversarem,
mas ele poderia pelo menos cumprimentá-la e acompanhá-la até o escritório da
igreja.
Assim que Buck apareceu na porta, Chloe saiu do carro e caminhou apressada em
direção ao templo. "Ei!" ele gritou.
"Oi, Buck", ela disse, sem demonstrar nenhum entusiasmo.
"As flores ainda estão na lata do lixo?" ele tentou iniciar a conversa, em busca de
uma pista para saber o que se passava com ela.
"Para dizer a verdade, estão", ela disse, passando rente a ele e abrindo sozinha a
porta. Ele subiu a escada atrás dela, passando pelo vestíbulo até chegar ao
escritório da igreja.
"Acho que eles ainda não terminaram a conversa", disse Buck, enquanto ela se
dirigia à sala de Bruce e batia na porta.
Aparentemente Bruce disse a mesma coisa a Chloe, e ela fechou a porta,
desculpando-se. Era evidente que Chloe gostaria de estar em qualquer lugar,
menos ali, e de olhar para qualquer coisa, menos para ele. Notava-se que ela havia
chorado. Seus olhos estavam vermelhos e inchados. Ele desejava ansiosamente
conversar com ela. Algo lhe dizia que não se tratava apenas de simples melancolia,
um aspecto de sua personalidade com o qual ele já se habituara. Havia algo errado
e Buck estava no meio. Tudo o que ele desejava naquele momento era ir a fundo
no assunto. Porém, teria de esperar.
Chloe sentou-se com os braços e as pernas cruzados, balançando a perna de cima.
78
"Veja só o que encontrei", disse Buck, colocando o álbum da igreja diante de seus
olhos. Ela nem sequer estendeu a mão para pegá-lo.
"Hum, hum", ela disse.
Buck abriu o álbum na letra B e apontou as famílias de Bruce e do Dr. Billings. De
repente ela abrandou a expressão, pegou o álbum e analisou-o. "A mulher de
Bruce", ela disse suavemente. "E veja estas crianças!"
"Sua família também está aí", disse Buck.
Chloe folheou o álbum lentamente até a letra S, analisando página por página como
se estivesse procurando alguém mais que conhecera. "Cursei o segundo grau com
ele", disse, sem expressão. "Ela e eu estudamos na mesma classe na quarta série.
A Sra. Schultz foi minha primeira professora de educação física."
Quando finalmente chegou à página de sua família, ela se emocionou. Com o rosto
contorcido, olhou fixamente para a fotografia, lágrimas rolando pelo rosto. "Raymie
aos dez anos de idade", ela conseguiu dizer. Buck pousou a mão instintivamente
sobre seu ombro, e ela retesou o corpo. "Por favor, não faça isso." "Desculpe-me",
ele disse, e a porta da sala de Bruce abriu-se.
"Pronto", disse Rayford, percebendo que Buck parecia embaraçado e que Chloe
tinha um aspecto desolador. Ele esperava que a filha ainda não tivesse começado a
discutir com Buck.
"Papai, olhe", ela disse, levantando-se e mostrando-lhe o álbum.
Rayford sentiu um aperto na garganta e inspirou profundamente quando viu a
fotografia. O suspiro foi dolorido. Era difícil demais.
Fechou o álbum e entregou-o a Buck, e ao mesmo tempo ouviu a cadeira de Bruce
ranger. "O que vocês estão vendo?"
"Isto", disse Buck, exibindo a capa e tentando colocar o álbum de volta na
prateleira. Porém, Bruce pegou-o. "Já faz dois anos", complementou Buck.
"Cerca de um mês depois que passamos a freqüentar esta igreja", disse Rayford.
Bruce abriu o álbum direto na fotografia de sua família, analisou-a por alguns
segundos e perguntou: "Você também está aqui, Rayford?"
"Sim", respondeu Rayford, e Buck notou que ele tentava conduzir Chloe até o
escritório.
Bruce virou as páginas até encontrar a fotografia dos Steeles e fez um movimento
afirmativo com a cabeça, sorrindo. Levou o álbum consigo até o escritório, colocouo
sob sua Bíblia e o caderno de anotações, e começou a reunião com uma oração.
A princípio Bruce estava um pouco emocionado, porém passou logo ao assunto
principal. Folheava a Bíblia de Apocalipse a Ezequiel, depois a Daniel e retomava a
seqüência, comparando as passagens proféticas com o que estava acontecendo em
Nova York e no restante do mundo.
"Algum de vocês ouviu o noticiário de hoje sobre as duas testemunhas em
Jerusalém?"
Buck balançou negativamente a cabeça, e Rayford fez o mesmo. Chloe não esboçou
reação. Também não estava anotando nem fazendo perguntas. "Um repórter disse
que um grupo de meia dúzia de assassinos tentou acusar os dois, mas foram todos
queimados até morrer."
"Queimados?" disse Buck.
"Ninguém sabe de onde veio o fogo", disse Bruce, "mas nós sabemos, não é
mesmo?"
"Sabemos?"
"Leia Apocalipse 11. O anjo diz ao apóstolo João: 'Darei às minhas duas
testemunhas que profetizem por mil duzentos e sessenta dias, vestidas de pano de
saco. São estas as duas oliveiras e os dois candeeiros que se acham em pé diante
do Senhor da terra. Se alguém pretende causar-lhes dano, sai fogo das suas bocas
e devora os inimigos; sim, se alguém pretender causar-lhes dano, certamente deve
79
morrer'."
"E saiu fogo da boca deles como se fossem dragões?"
"Está escrito aqui", disse Bruce.
"Gostaria de ver essa notícia na CNN", disse Buck.
"Continue acompanhando", disse Bruce. "Veremos mais do que isto."
Rayford perguntou a si mesmo se chegaria a acostumar-se com o que Deus lhe
estava revelando. Mal conseguia compreender até onde havia chegado e quanta
coisa aceitara em menos de um mês. Havia algo acerca da dramática invasão de
Deus na vida da humanidade e especificamente dentro dele próprio que mudara
seu modo de pensar. Buck sempre foi um homem que precisava ter tudo
documentado e, de repente, passou a crer, sem questionar, nos fatos mais
absurdos possíveis, desde que comprovados nas Escrituras Sagradas. E o oposto
também era verdadeiro: ele acreditava na Bíblia de capa a capa. Mais cedo ou mais
tarde os noticiários transmitiriam a mesma história.
Bruce virou-se para Buck. "Como foi o seu dia?" Para Rayford, pareceu uma
pergunta de natureza pessoal.
"Aconteceu tanta coisa que não dá para lhe contar aqui", disse Buck.
"Não brinque", disse Chloe asperamente. Foi a primeira vez que ela se manifestou.
Buck olhou de relance para ela e disse: "Vou lhe contar tudo amanhã, Bruce, e à
noite discutiremos o assunto aqui." "Oh, é melhor você falar agora", disse Chloe.
"Somos todos amigos."
Rayford gostaria de poder mandar a filha calar a boca, mas ela já era adulta. Se
Chloe desejasse exigir uma explicação, qualquer que fosse, a prerrogativa era dela.
"Você nem sequer sabe onde estive hoje", disse Buck dirigindo-se a ela e
demonstrando espanto. "Mas sei com quem você esteve." Rayford notou o olhar de
Buck em direção a Bruce, mas não entendeu. Evidentemente, algo transpirara entre
ambos que não era do conhecimento de todos. Teria ele contado a Chloe que Buck
esteve com Carpathia? "Você..." Bruce balançou a cabeça.
"Acho que você não sabe, Chloe", disse Buck. "Vou discutir o assunto com Bruce
amanhã, e à noite contarei a vocês e oraremos juntos."
"Ah, sim, claro", disse Chloe. "Mas eu tenho uma pergunta e um pedido de oração
para esta noite."
Bruce olhou para seu relógio. "Está bem, diga."
"Gostaria de saber o que você pensa a respeito de um relacionamento amoroso
nesta época."
"Você é a segunda pessoa que me faz a mesma pergunta hoje", disse Bruce.
"Devemos viver sozinhos." Chloe riu com desdém e olhou zangada para Buck.
Ela deve estar pensando que foi Buck quem fez essa pergunta antes a Bruce,
Rayford pensou.
"É melhor deixar este assunto para ser discutido especificamente em uma de
nossas reuniões", disse Bruce.
"Que tal na próxima reunião?" pressionou Chloe.
"Tudo bem. Conversaremos sobre esse assunto amanhã à noite."
"E você poderia acrescentar quais são as regras para a conduta moral dos novos
crentes?" perguntou Chloe.
"Como assim?"
"Fale de como deve ser a nossa vida, agora que somos seguidores de Cristo. Você
sabe, assuntos relacionados à moral, sexo, essas coisas."
Buck estremeceu. Chloe não parecia a mesma. "Está certo", disse Bruce.
"Poderemos abranger tudo isso. Mas não haverá grandes novidades, porque as
mesmas regras que se aplicavam antes do Arrebatamento continuam a prevalecer.
Não terei muito mais a acrescentar. Somos chamados a levar uma vida pura, e
estou certo de que vocês não se surpreenderão..."
80
"Talvez não seja tão óbvio para todos nós", disse Chloe.
"Trataremos do assunto amanhã à noite", disse Bruce. "Alguma coisa mais para
hoje?"
Antes que alguém respondesse ou se oferecesse para encerrar a reunião com uma
oração, Chloe disse: "Não. Até amanhã." E saiu.
Os três homens oraram e a reunião terminou de maneira estranha. Conforme
Carpathia dissera, ninguém quis falar sobre o elefante na sala.
Buck voltou para casa frustrado. Não estava acostumado a deixar assuntos sem
resolver, e o que mais o enfurecia era não saber sequer o que estava errado.
Trocou a roupa de viagem por calça caqui, camisa de brim, botas de passeio e
jaqueta de couro. Telefonou para os Steeles. Rayford atendeu e depois de alguns
minutos retornou dizendo que Chloe estava ocupada. Buck estava apenas
adivinhando, mas pareceu que Rayford se sentia tão frustrado com Chloe quanto
ele.
"Rayford, ela está aí perto?"
"Correto."
"Você tem idéia de qual é o problema dela?"
"Não totalmente."
"Quero ir até o fim", disse Buck.
"Concordo."
"Ainda esta noite."
"Positivo. Com certeza. Você poderá tentar falar com ela amanhã."
"Rayford, você está me dizendo que posso ir até aí agora?"
"Sim, você está certo. Não posso prometer que ela estará aqui, mas tente
novamente amanhã."
"Então se eu for até aí agora, não haverá problema?"
"Absolutamente. Aguardaremos sua ligação amanhã."
"Estou a caminho."
"Está bem, Buck. Conversaremos amanhã."
Rayford não gostava de enganar Chloe. Foi quase uma mentira. Mas divertiu-se
com a brincadeira entre ele e Buck. Lembrou-se de um pequeno desentendimento
que teve no passado com Irene a respeito de um encontro. Ela ficou muito
aborrecida por alguma coisa insignificante e pediu-lhe que não a procurasse até
segunda ordem. Ele obedeceu, e ela se zangou. Rayford não sabia o que fazer, mas
sua mãe lhe deu um conselho. "Vá atrás dela e agrade-a. Ela o repeliu uma vez,
mas se fizer o mesmo depois que você a procurar novamente, então o assunto é
sério. Talvez ela esteja confusa, mas no fundo, se conheço bem as mulheres, ela
vai gostar que você a procure e demonstre que não quer abandoná-la."
E assim, de certa maneira, ele estimulara Buck a fazer o mesmo com Chloe. Ainda
não havia um relacionamento sério entre eles, mas Rayford imaginou que ambos
gostariam que houvesse. Ele não tinha idéia do que aquela outra mulher
representava na vida de Buck, porém estava certo de que, se o amigo forçasse uma
explicação, Chloe o encurralaria até descobrir a verdade. Se Buck estivesse
morando com alguém, isso seria um problema para Rayford, para Bruce e também
para Chloe. Contudo, Chloe não tinha provas suficientes.
"Então ele vai tentar me ligar amanhã?" indagou Chloe.
"Foi o que lhe recomendei."
"Como ele reagiu?"
"Estava à procura de uma explicação."
"Você foi bem claro."
"Tentei ser."
81
"Vou dormir".
"Não seria melhor conversarmos um pouco?"
"Estou cansada, papai. Já esgotei o assunto", ela disse, dirigindo-se para a escada.
Rayford deteve-a. "Então, você vai atender a ligação dele amanhã, certo?"
"É improvável. Antes quero ver qual será a reação dele diante do que Bruce vai
falar amanhã à noite."
"Como você acha que ele reagirá?"
"Papai! Como posso saber? Só sei é o que vi hoje cedo. Agora deixe-me dormir."
"Eu queria apenas ouvir mais sobre isso, querida. Converse comigo."
"Conversaremos amanhã."
"Bem, você gostaria de conversar comigo agora se eu falasse de mim e de minha
situação no emprego ao invés de falar sobre você e Buck?"
"Uma coisa não tem nada a ver com outra, papai. Minha resposta é não. Prefiro
conversar outra hora, a menos que você esteja sendo despedido ou mudando de
emprego ou outra coisa parecida."
Rayford sabia que poderia prender a atenção da filha contando o que lhe
acontecera naquele dia, desde o bilhete de Hattie, o vexame de ter sido acusado
falsamente até a reunião com Earl Halliday. Rayford estava propenso a falar sobre o
assunto, mas a filha não demonstrava disposição de ouvir. "Você me ajudaria a
arrumar a cozinha?"
"Papai, a cozinha está perfeitamente em ordem. Qualquer coisa que você queira
que eu faça, será feita amanhã, certo?"
"O marcador de tempo da cafeteira já está programado para amanhã cedo?"
"Está programado há muito tempo, papai. O que há com você?"
"Estou apenas me sentindo um pouco solitário. Ainda não estou disposto a dormir."
"Se você preferir que eu fique aqui um pouco mais, ficarei, papai. Mas por que você
não liga a TV para relaxar um pouco?"
Rayford não tinha mais argumentos para deter a filha. "Está bem. Ficarei aqui na
sala de estar com a TV ligada, está bem?
Ela dirigiu-lhe um olhar astuto e respondeu no mesmo tom. "E eu ficarei lá em cima
no meu quarto com a luz apagada, tá?"
Ele assentiu.
Ela balançou a cabeça. "Agora que já dissemos tudo um ao outro e sabemos onde
cada um de nós estará e o que vai fazer, você me dá licença?"
"Sinta-se à vontade."
Rayford aguardou Chloe começar a subir a escada e acendeu a lâmpada da
varanda. Buck conhecia a região e o endereço, mas não havia estado ali antes.
O noticiário na TV estava terminando e havia apenas alguns programas de
entrevista, mas Rayford não prestou muita atenção. Estava sentado ali apenas para
passar o tempo. Olhou através das cortinas, procurando avistar o carro de Buck.
"Papai!" gritou Chloe do alto da escada. "Você poderia abaixar um pouco o som? Ou
então ver o programa em seu quarto?"
"Vou abaixar o som", ele disse, enquanto um carro subia a rampa com os faróis
acesos iluminando a sala. Antes de abaixar o som, ele correu até a porta e
interceptou Buck antes que ele tocasse a campainha. "Vou subir a escada para me
deitar", ele cochichou. "Aguarde alguns instantes antes de tocar a campainha.
Estarei debaixo do chuveiro, e ela vai precisar atender a porta."
Rayford trancou a porta, desligou a TV e subiu a escada.
Ao passar pelo quarto de Chloe, ela disse: "Papai, você não precisava ter desligado
a TV. Bastava ter reduzido o volume."
"Está tudo bem", ele disse. "Vou tomar uma ducha e me deitar."
"Boa noite, papai."
"Boa noite, Chio."
82
Rayford entrou no boxe do banheiro da suíte, sem ligar o chuveiro, deixando a
porta aberta. Assim que ouviu o toque da campainha, abriu a torneira. Ouviu Chloe
gritar: "Papai! Há alguém batendo à porta!"
"Estou debaixo do chuveiro!" "Oh, papai!"
Foi uma grande idéia! pensou Buck, impressionado por Rayford ter confiado nele a
ponto de deixá-lo conversar com Chloe apesar de ela ter demonstrado estar
aborrecida com ele. Aguardou alguns instantes e tocou novamente a campainha.
Ela gritou: "Um momento, estou indo!"
O rosto de Chloe apareceu na janelinha no meio da porta. Ela revirou os olhos.
"Buck!" ela disse, com a porta fechada. "Ligue para mim amanhã, está bem? Eu já
estava deitada!"
"Preciso conversar com você!" disse Buck.
"Não agora."
"Sim, agora", ele disse. "Não vou sair daqui até você conversar comigo."
"Não vai sair?"
"Não, não vou."
Chloe não levou essas palavras em consideração. A luz da varanda apagou-se e ele
ouviu os passos dela subindo a escada. Não podia acreditar. Ela era mais durona do
que ele imaginara. Mas depois de dizer que não ia sair dali, ele não podia voltar
atrás. Buck era um homem de palavra. Talvez a palavra obstinado fosse mais
adequada. E foi isso que o levou a ser o jornalista que era.
Ele ainda não se livrara da saudade que sentiu de Chloe naquela tarde em Nova
York. Decidiu que esperaria por ela ali fora. Ficaria na varanda até ela se levantar
na manhã seguinte, se fosse necessário.
Buck sentou-se no último degrau da escada da varanda com as costas para a porta,
encostando-se em um dos imponentes pilares. Chloe poderia vê-lo sentado ali se
voltasse para verificar. Provavelmente ela ficaria atenta para ouvir o barulho do
motor do carro, mas não ouviria nada.
"Papai!" gritou Chloe da porta do quarto de Rayford. "Você já terminou seu banho?"
"Ainda não! O que houve?"
"Buck Williams está lá fora, e disse que não vai embora!"
"O que você quer que eu faça?"
"Livre-se dele!"
"Livre-se você dele! O problema é seu!"
"Você é meu pai! É dever seu!"
"Ele molestou você? Ameaçou você?"
"Não! Vá agora até lá, papai."
"Eu não quero que ele vá embora, Chloe! Se você quiser, dispense-o."
"Vou dormir!" ela disse.
"Eu também!"
Rayford desligou o chuveiro e ouviu Chloe bater a porta do quarto dele. E depois a
do quarto dela. Será que ela ia dormir deixando Buck na varanda? Buck ficaria ali?
Rayford foi até a porta do quarto na ponta dos pés e abriu-a o suficiente para poder
observar a filha. A porta do quarto dela permanecia fechada. Rayford deitou-se e
ficou imóvel, ouvindo e contendo-se para não dar uma gargalhada. Havia sido
incluído na lista dos candidatos a piloto do presidente dos Estados Unidos, e agora
lá estava ele, espreitando a própria filha. Fazia semanas que não se divertia tanto.
Buck não se deu conta do frio da noite até ficar encostado durante alguns minutos
naquele pilar gelado. Sua jaqueta de couro fez um ruído quando ele se
movimentou, levantando a gola para proteger o pescoço. O cheiro do couro o fez
lembrar de vários lugares no mundo, onde ele arrastara sua velha jaqueta, fugindo
83
de bombardeios. Por diversas vezes ele pensou que morreria dentro dela. Buck
esticou as pernas e colocou um pé sobre o outro, percebendo o quanto estava
cansado. Se tivesse de dormir na varanda, dormiria.
De repente, no silêncio da noite, ele ouviu um leve rangido nos degraus da escada
interna. Chloe estava descendo devagar para ver se ele ainda continuava ali. Se
fosse Rayford, os passos seriam mais firmes e mais barulhentos. Rayford
provavelmente lhe diria para desistir e voltar para casa, que seria melhor lidar com
o problema no dia seguinte. Buck ouviu o piso de madeira ranger perto da porta.
Para impressionar Chloe, encostou a cabeça no pilar e ajeitou o corpo como se
estivesse cochilando.
O som dos passos na escada interna aumentou de intensidade. E agora?
Rayford ouvira Chloe abrir a porta do quarto e dirigir-se para a escada no escuro.
Agora, ela estava voltando. Abriu a porta do quarto com força e deu um tapa no
interruptor de luz. Rayford inclinou um pouco o corpo e, minutos depois, viu a filha
apagar a luz e sair do quarto. Tinha o cabelo preso no alto da cabeça e usava um
roupão longo de veludo. Depois de acender a luz no alto da escada, ela desceu com
determinação. Se Rayford tivesse o poder de adivinhar, diria que ela não
despacharia Buck.
Buck viu sua própria sombra no gramado e percebeu que havia uma luz atrás de si,
mas não quis parecer nem muito confiante nem muito ansioso. Permaneceu imóvel,
como se estivesse dormindo. A porta foi destravada e aberta, porém ele não ouviu
mais nenhum outro som. Movimentou os olhos sorrateiramente. Aparentemente ela
o estava convidando para entrar. Já que cheguei até este ponto, pensou Buck, não
vou parar. Continuou na posição anterior, de costas para a porta.
Instantes depois, ele ouviu Chloe caminhando firme novamente até a porta de
entrada da casa. Abriu apenas a porta de proteção contra chuva e frio e disse: "O
que você deseja, um convite impresso em alto relevo?"
"O que...?" disse Buck, fingindo ter levado um susto e virando-se para ela. "Já
amanheceu?"
"Engraçadinho. Venha até aqui. Você tem dez minutos."
Ele se levantou para entrar na casa, mas Chloe soltou com força a porta de
proteção e sentou-se na ponta do sofá na sala de estar. Buck empurrou a porta e
entrou. "Está tudo bem", ele disse. "Não vou demorar."
"A visita foi idéia sua, não minha", ela disse. "Perdoe-me por não tratá-lo como um
convidado."
Chloe sentou-se em cima dos pés e com os braços cruzados, como se estivesse
concedendo com relutância alguns minutos de seu tempo a Buck. Ele colocou sua
jaqueta em cima de uma espreguiçadeira e arrastou o banquinho, sentando-se
diante de Chloe. Permaneceu ali olhando firme para ela, como se estivesse
pensando por onde começar.
"Não estou vestida de modo adequado para receber visitas", ela disse.
"Você é linda, não importa a roupa que esteja usando."
"Poupe-me desses comentários", ela disse. "O que você quer?"
"Na verdade, gostaria de ter-lhe trazido flores quando soube que as suas estão na
lata do lixo."
"Você acha que eu estava brincando?" perguntou ela, apontando para um canto da
sala. Ele virou-se e olhou. De fato, havia ali um enorme buquê que mal cabia na
lata do lixo.
"Não achei que era brincadeira", disse Buck. "Só achei que você estava usando uma
linguagem figurada que não consegui entender."
"Do que você está falando?"
"Quando você me disse que as flores estavam na lata do lixo, pensei que fosse um
tipo de expressão que eu nunca tinha ouvido antes, mais ou menos como 'o gato
84
está escondido com o rabo de fora' ou 'águas passadas não movem moinho'."
"Eu disse que as flores estavam na lata do lixo, e estão. Eu disse exatamente o que
aconteceu, Buck."
Buck sentiu-se perdido. Os dois pareciam estar representando papéis diferentes, e
ele nem sequer sabia se os papéis se referiam ao mesmo texto. "Hã, você poderia
me dizer por que as flores estão na lata do lixo? Talvez isso ajude a esclarecer as
coisas para mim."
"Porque eu não quis as flores."
"Oh, que tolo eu sou. Faz sentido. E você não quis as flores porque..." Ele parou e
balançou a cabeça, esperando que ela concluísse a frase.
"Fiquei ofendida por saber de onde vieram."
"E de onde vieram?"
"Está bem, por saber de quem vieram."
"E vieram de quem?"
"Oh, Buck, francamente! Não tenho tempo nem disposição para isso."
Chloe fez um movimento para levantar-se e, de repente, Buck ficou zangado.
"Chloe, espere um pouco." Ela voltou a sentar-se com os braços cruzados,
demonstrando desassossego. "Você me deve uma explicação."
"Não, você me deve uma explicação."
Buck suspirou. "Explicarei o que você quiser, Chloe, mas chega de brincadeira.
Ficou claro que estávamos sentindo atração um pelo outro, e sei que não
demonstrei tanto interesse por você na sexta-feira à noite, mas hoje percebi..."
"Hoje cedo", ela interrompeu, lutando contra as lágrimas, "eu descobri por que
você pareceu perder o interesse por mim de repente. Você estava se sentindo
culpado por não ter me contado tudo, e se acha que essas flores serviram para
reparar alguma coisa..."
"Chloe! Vamos falar sério! Eu não tenho nada a ver com essas flores."
Desta vez, Chloe não soube o que dizer.
Chloe permaneceu sentada, olhando com ceticismo para Buck. "Não foi você?" ela
disse finalmente.
Ele balançou a cabeça. "Talvez você tenha outro admirador."
"Ah, sim", ela disse. "Outro? Então tenho dois?"
Buck estendeu as mãos na direção dela. "Chloe, com certeza houve um malentendido."
"Com certeza."
"Você pode me chamar de presunçoso, mas tive a impressão de que houve uma
espécie de atração entre nós a partir do momento em que nos conhecemos." Ele
fez uma pausa, aguardando uma reação.
Ela assentiu. "Nada sério, mas achei que gostamos um do outro."
"E eu estava a seu lado no avião quando você orou com seu pai", ele disse.
Ela fez um leve movimento afirmativo com a cabeça.
"Foi um momento especial", prosseguiu Buck.
"Foi", ela concordou.
"Em seguida, passei por sérias provações e não via a hora de voltar para cá e lhe
contar tudo."
A boca de Chloe tremeu levemente. "Foi a história mais incrível que já ouvi, Buck, e
não duvidei de você em nem um momento sequer. Eu sabia que você estava
sofrendo muito, mas achei que existia um vínculo entre nós."
"Eu não sabia que nome dar a isso", disse Buck, "mas, conforme lhe contei em meu
bilhete naquele domingo, senti atração por você."
"Aparentemente, não só por mim."
Buck não sabia o que dizer. "Não só por você?" repetiu.
"Prossiga com seu discurso."
85
Discurso? Então ela pensa que é um discurso? E pensa que existe alguém mais?
Fazia anos que não havia nenhuma pessoa especial! Buck sentiu um vazio dentro
de si e pensou em desistir, mas decidiu que valia a pena lutar por ela.
Desorientada, tirando conclusões precipitadas por algum motivo; mesmo assim
valia a pena lutar por ela.
"Entre domingo e sexta-feira à noite pensei muito em nós dois."
"Mais essa agora", disse Chloe, arrasada novamente. O que ela achava? Que ele
estava disposto a dormir na varanda só para lhe jogar na cara, depois que ela o
deixasse entrar, que havia outra pessoa em sua vida?
"Acho que não me fiz entender bem na sexta-feira à noite", ele disse. "Não foi bem
isso. Eu estava me afastando."
"Não havia muito do que se afastar."
"Mas estávamos começando a nos envolver, não é mesmo?" disse Buck. "Você não
achou que a situação ia progredir?"
"Claro. Até sexta-feira à noite."
"Fico um pouco constrangido por admitir isso...", ele disse com hesitação.
"E deveria estar".
"...mas percebi que estava sendo muito arrojado, tendo em vista o pouco tempo
que nos conhecemos, sua idade e..."
"Então é isso. O problema não é a sua idade, é a minha."
"Sinto muito, Chloe. O problema não é a sua idade nem a minha. O problema é a
diferença de idades. Quando me dei conta de que teremos só sete anos pela frente,
a diferença de idades deixou de ser problema. Mas continuei confuso. Pensei em
nosso futuro, como ficaria nosso relacionamento, apesar de não termos ainda um
relacionamento."
"E não vamos ter, Buck. Não quero reparti-lo com outra pessoa. Se existe um
futuro para nós, precisa haver exclusividade e... ora, não faça caso. Aqui estou eu
falando de coisas que nenhum de nós sequer chegou a considerar antes."
"Aparentemente consideramos", disse Buck. "Acabei de dizer isso e parece que
você também andou pensando um pouco para frente."
"Não, desde hoje cedo."
"Chloe, vou ter de perguntar-lhe uma coisa e não quero ser mal interpretado.
Talvez eu possa parecer um pouco condescendente, até mesmo paternal, e não
quero que seja assim." Ela empertigou-se no sofá, como se esperasse ser
repreendida. "Vou lhe pedir que não diga nada por alguns instantes, está bem?"
"Como assim?" ela indagou, surpresa. "Não terei permissão para falar?"
"Não foi o que eu disse."
"Foi o que você acabou de dizer."
Buck não conseguia controlar a voz. Sabia que seu olhar e tom de voz eram
ásperos, mas tinha de fazer alguma coisa. "Chloe, você não está me ouvindo com
atenção. Não está me deixando dizer tudo o que penso. Existe algum equívoco e
não sei do que se trata. Não tenho condições de me defender contra mistérios e
fantasias. Você continua a dizer que não quer me repartir com ninguém. Existe algo
que você queira me perguntar ou me acusar antes que eu possa prosseguir?"
Rayford, que estava deitado quieto e quase prendendo a respiração para tentar
ouvir a conversa, entendeu muito pouco do que eles diziam até Buck levantar a
voz. Rayford gostou do que ouviu. Chloe também levantou a voz. "Quero saber se
existe outra pessoa em sua vida antes que eu comece a pensar... oh, Buck, do que
estamos falando? Será que não existem muitas outras coisas mais importantes
para pensarmos neste momento?"
Rayford não entendeu a resposta sussurrada de Buck e desistiu. Foi até a porta do
quarto e gritou: "Será que dá para vocês falarem mais alto ou então só
86
cochicharem? Se eu não , ...conseguir ouvir, vou dormir!"
"Vá dormir, papai!" disse Chloe.
Buck sorriu. Chloe também estava contendo o riso.
"Chloe, passei o fim de semana inteiro pensando em todas as 'coisas mais
importantes' que precisamos pensar. Quase decidi propor-lhe que continuássemos
bons amigos... até o momento em que eu estava sentado naquele escritório hoje à
tarde e senti sua presença a meu lado."
"Sentiu minha presença? Você me viu no escritório do Semanário Global?"
"Escritório do Semanário Global. Do que você está falando?"
Chloe hesitou. "Bem, de qual escritório você estava falando?"
Buck fez um trejeito com a boca. Não tinha planejado falar de sua reunião com
Carpathia. "Vamos falar disso depois de terminarmos este assunto. Eu estava
dizendo que de repente senti um desejo enorme de ver você, conversar com você,
voltar para você."
"Voltar de onde? Ou voltar de quem, eu deveria perguntar."
"Bem, prefiro não falar desse assunto até que você esteja preparada para ouvi-lo."
"Estou preparada, Buck, porque já sei de tudo."
"Como você soube?"
"Porque estive lá!"
"Chloe, se você foi até a sucursal de Chicago, então sabe que não estive lá o dia
todo, isto é, a não ser logo cedo."
"Então você esteve lá."
"Só passei por lá para deixar as chaves com Alice."
"Alice? É este o nome dela?"
Buck assentiu, completamente perdido.
"Qual é o sobrenome dela, Buck?"
"O sobrenome? Não sei. Sempre a chamei de Alice. Ela é nova na empresa.
Substituiu a secretária de Lucinda, que desapareceu."
"Você quer que eu acredite que não sabe o sobrenome dela?"
"Que motivos eu teria para mentir? Você a conhece?"
Os olhos de Chloe perscrutaram os dele. Buck finalmente percebeu que ela estava
tentando chegar a um ponto qualquer, mas ele ainda não descobrira qual era. "Não
posso afirmar que a conheço", disse Chloe. "Apenas conversei com ela, só isso."
"Você conversou com Alice", ele repetiu, tentando juntar as peças.
"Ela me disse que vocês estão noivos."
"Oh, ela não disse!" gritou Buck, acalmando-se em seguida e olhando em direção à
escada. "Do que você está falando?"
"Estamos falando da mesma Alice, não estamos?"
perguntou Chloe. "Magra, cabelos escuros espetados, saia curta, funcionária do
Semanário Global, não é mesmo?"
"É ela", respondeu Buck, balançando a cabeça afirmativamente. "Mas você não
acha que eu deveria saber o sobrenome dela se estivéssemos noivos? E mais, isso
seria uma grande novidade para o noivo dela."
"Então ela está noiva, mas não de você?" disse Chloe, demonstrando um ar de
dúvida.
"Alice me contou por alto que ia buscar seu noivo hoje, não sei onde", ele disse.
Chloe parecia abalada. "Você se importaria de me dizer o que aconteceu enquanto
esteve no Semanário e conversou com ela? Estava à minha procura?"
"Para ser franca, estava", respondeu Chloe. "Eu a tinha visto antes e fiquei
surpresa ao vê-la no Semanário."
"Conforme eu já lhe disse, Chloe, não estive lá hoje."
"Onde você esteve?"
"Eu perguntei primeiro. Onde você viu Alice pela primeira vez?"
87
Chloe respondeu em tom de voz tão baixo que Buck precisou inclinar a cabeça para
ouvir. "Em seu apartamento."
Buck endireitou-se na cadeira. Agora estava tudo explicado. Sentiu vontade de rir,
mas pobre Chloe! Lutou para permanecer sério. "Foi culpa minha", ele disse. "Eu
convidei você para me visitar, meus planos mudaram e eu não lhe contei."
"Ela tinha as chaves do apartamento", sussurrou Chloe.
Buck balançou a cabeça, demonstrando compreensão. "Eu entreguei as chaves a
Alice para ela levar para meu apartamento alguns equipamentos que chegaram no
escritório. Precisei viajar para Nova York hoje."
A frustração de Buck em relação a Chloe transformou-se em compaixão. Ela não
conseguia fitá-lo nos olhos, e estava prestes a romper em prantos. "Então não foi
você quem enviou as flores", ela disse em voz baixa.
"Se eu achasse que deveria fazer isso, teria feito."
Chloe descruzou os braços e cobriu o rosto com as mãos. "Buck, estou tão
envergonhada", ela lamentou, soluçando em seguida. "Não tenho como me
desculpar. Fiquei aborrecida depois da sexta-feira à noite e fiz um cavalo de batalha
por nada."
"Eu não sabia que você se importava tanto comigo", disse Buck.
"Claro que me importava. Mas agora não posso esperar que você compreenda ou
me perdoe por eu ter sido tão, tão... oh, se você não quiser me procurar mais, vou
entender." Ela ainda escondia o rosto. "É melhor você ir embora", complementou.
"Eu não estava com boa aparência quando você chegou, e com certeza não estou
agora."
"Você concorda que eu durma na varanda? Eu gostaria de estar aqui quando sua
aparência estiver melhor."
Ainda com as mãos no rosto banhado em lágrimas, ela olhou para ele por entre os
dedos e sorriu. "Você não precisa fazer isso, Buck."
"Chloe, lamento muito. Causei todo esse mal-entendido por não tê-la avisado sobre
minha viagem."
"Não, Buck. A culpa foi toda minha, e peço-lhe desculpas."
"Está bem", ele disse. "Você me pediu desculpas e está desculpada. Podemos
encerrar o assunto?"
"Isso só vai me fazer chorar ainda mais."
"O que eu deveria fazer?"
"Você está sendo tão compreensivo!"
"Eu não posso vencer sozinho!"
"Você me daria um minuto? " Chloe pulou do sofá e subiu correndo a escada.
Depois de pedir que os dois falassem mais alto ou apenas cochichassem, Rayford
sentou-se no alto da escada, fora do ângulo de visão de ambos. Quando tentou sair
dali para esgueirar-se até seu quarto, deu de encontro com Chloe.
"Papai!" ela cochichou. "O que você está fazendo?!"
"Ouvindo às escondidas. O que você acha disso?"
"Que comportamento horrível!"
"O meu, horrível? Veja o que você fez a Buck! Mandando o indivíduo para a forca
antes de ser julgado."
"Papai, fui uma tola."
"Foi apenas um equívoco engraçado, querida. Conforme Buck disse, só serviu para
mostrar o quanto você se importa com ele."
"Você sabia que ele viria?"
Rayford assentiu com a cabeça.
"Esta noite? Você sabia que ele viria esta noite?"
"Reconheço minha culpa."
88
"E você me fez abrir a porta."
"Pode me matar."
"É o que eu deveria fazer."
"Não, você deveria me agradecer."
"Claro. Agora você pode ir dormir. Vou trocar de roupa e ver se Buck me convida
para um passeio."
"Então, você está dizendo que não posso ir junto? Nem mesmo acompanhar à
distância?"
Buck ouviu cochichos no pavimento superior, e depois o barulho de água correndo
e do abrir e fechar de gavetas. Chloe desceu a escada trajando calça jeans,
camiseta, jaqueta com capuz e tênis. "Você quer ir embora ou dar um passeio?" ela
perguntou.
"Você não vai me dar um pontapé depois de tudo o que aconteceu?"
"Precisamos conversar em outro lugar para que papai possa dormir."
"Ele ficou acordado por nossa causa?"
"Mais ou menos."
Depois de ouvir a porta da frente fechar-se, Rayford ajoelhou-se ao lado da cama.
Orou para que Chloe e Buck se dessem bem, independentemente do que o futuro
lhes reservava. Mesmo que viessem a ser apenas bons amigos, ele seria grato.
Ajeitou-se na cama e dormiu um sono leve e agitado, aguardando a volta de Chloe
e orando a respeito da oportunidade que lhe fora oferecida naquele dia.
A noite estava fria, porém clara por volta da meia-noite. "Buck", disse Chloe assim
que viraram a esquina e atravessaram a elegante subdivisão de Arlington Heights,
"gostaria apenas dizer novamente como..."
Buck parou e tocou na manga da jaqueta de Chloe. "Chloe, não faça isso. Temos só
sete anos. Não podemos viver no passado. Nós dois erramos neste fim de semana
e já nos desculpamos, portanto vamos encerrar o assunto."
"Sério?"
"Com certeza." Continuaram a caminhar. "Claro que vou precisar descobrir quem
lhe enviou as flores."
"Já pensei nisso, e desconfio de uma pessoa."
"Quem?"
"É um pouco constrangedor, porque a culpa também deve ter sido minha."
"Seu ex-namorado?"
"Não! Eu já lhe contei antes, Buck. Namoramos quando eu era caloura e ele estava
no último ano. Ele se formou e nunca mais o vi. Ele se casou."
"Então não deve ter sido ele. Há outros rapazes em Stanford que gostariam que
você voltasse a estudar lá?"
"Ninguém que tenha o hábito de enviar flores."
"Seu pai?"
"Ele já negou."
"Quem resta?"
"Pense um pouco", disse Chloe.
Buck semicerrou os olhos e pensou. "Bruce!? Oh, não, você não está pensando...?"
"Quem mais poderia ser?"
"Você lhe deu algumas esperanças?"
"Não sei. Gosto muito dele e o admiro. Sua integridade me comove, e ele é muito
fervoroso e sincero."
"Eu sei, e ele se sente sozinho. Porém, faz apenas algumas semanas que perdeu a
família. Não posso imaginar que tenha sido ele."
89
"Eu costumo dizer-lhe que gosto de suas mensagens", disse Chloe. "Talvez eu
tenha demonstrado mais amizade do que deveria. Só que nunca pensei nele dessa
maneira, você entende?"
"E por que não? Ele é um sujeito jovem e inteligente."
"Buck! Ele é mais velho que você!"
"Não muito.
"Sim, mas você está chegando bem perto da idade máxima que considero
adequada para mim."
"Muito obrigado! Quanto tempo ainda resta até você me despachar?"
"Ora, Buck, que situação constrangedora! Necessito de Bruce como amigo e como
mestre!"
"Você tem certeza de que não existe algo mais?"
Ela balançou a cabeça negativamente. "Nunca pensei nisso. Não que ele não seja
atraente, mas não posso sequer imaginar que existe algo mais. Bruce me convidou
para trabalhar com ele, tempo integral. Jamais imaginei que pudesse haver outro
motivo."
"Não tire conclusões precipitadas, Chloe."
"Sou exímia nisso, não sou?"
"Você está perguntando para a pessoa errada."
"O que devo fazer, Buck? Não quero magoar Bruce. Não posso dizer essas coisas a
ele. Você sabe que tudo isso deve ser uma reação por causa das perdas que ele
sofreu. Talvez uma reação emocional."
"Não posso imaginar o que significa perder uma esposa", disse Buck.
"E os filhos."
"Ah, sim."
"Você me disse certa vez que nunca teve um caso sério com ninguém."
"Correto. Quero dizer, duas vezes pensei que isso tivesse acontecido, mas agi com
precipitação. Uma garota, que estava um ano na minha frente no curso de pósgraduação,
me deu o fora porque eu era muito lerdo para me aproximar dela."
"Não!"
"Acho que sou um pouco antigo nessas coisas."
"Isso é animador."
"Perdi logo o interesse por ela."
"Posso imaginar. Então você não foi um típico aluno de faculdade?"
"Quer saber a verdade?"
"Não sei. Devo?"
"Depende. Você prefere ouvir que eu tive todos os tipos de experiência porque sou
um cara legal, ou que sou virgem?"
"Você vai me dizer só o que eu quero ouvir?"
"Vou lhe dizer a verdade. Eu só quero saber antecipadamente o que você gostaria
de ouvir."
"Experiente ou virgem", repetiu Chloe. "Isso é fácil. Definitivamente o último."
"Acertou", disse Buck suavemente, mais por constrangimento do que por desejo de
contar vantagem.
"O quê!" exclamou Chloe. "Isso é motivo de orgulho hoje em dia."
"Devo dizer que sinto mais gratidão do que orgulho. Meus motivos não foram tão
puros como podem parecer hoje. Isto é, sei que teria sido errado andar por aí
dormindo de cama em cama, mas não foi por moralidade que me abstive disso.
Quando surgiram oportunidades, eu não estava interessado. Estava tão
concentrado nos estudos e em meu futuro que foram poucas as oportunidades. A
verdade é que as pessoas sempre pensaram que eu viajava de um lado para outro
porque tinha um caso em cada lugar. Mas eu era um tímido quando se tratava
dessas coisas. Uma espécie de conservador."
90
"Você está arrumando desculpas."
"Talvez. Não foi minha intenção. É um pouco constrangedor chegar a essa idade
totalmente inexperiente. Em outros assuntos, sempre estive adiante de minha
geração."
"Essa é uma forma atenuada de se expressar", disse Chloe. Você acha que Deus o
protegia, mesmo antes de sua conversão?"
"Nunca pensei no assunto dessa maneira, mas pode ter sido. Nunca precisei
preocupar-me com problemas de natureza emocional que acompanham os
relacionamentos amorosos entre duas pessoas."
Buck esfregou a nuca, consciente de seu gesto.
"Isso o constrange, não?" perguntou Chloe.
"Sim, um pouco."
"Então suponho que você prefere ignorar se tenho ou não experiência sexual."
Buck fez trejeito com a boca. "Sim, se você não se importar. Veja, tenho apenas
trinta anos e me sinto um homem ultrapassado quando você usa a palavra... sexo.
Portanto, talvez seja melhor você me poupar disso."
"Mas Buck, e se nosso relacionamento for adiante? Você não vai ficar curioso?"
"Talvez eu lhe faça essa pergunta na ocasião."
"E se então você já estiver loucamente apaixonado por mim e vier a descobrir algo
que não consegue aceitar?"
Buck sentiu vergonha de si mesmo. Era difícil admitir sua virgindade a uma mulher,
uma vez que isso o enquadrava dentro de uma pequena minoria no mundo. Mas
Chloe era muito direta, muito franca. Buck não queria falar sobre o assunto, ouvir
explicações, principalmente se ela fosse mais "experiente" do que ele. E, mesmo
assim, ela era objetiva. Parecia se sentir mais à vontade ao falar do futuro de
ambos, mas havia sido ele quem decidira levar adiante o relacionamento. Em lugar
de responder à pergunta de Chloe, ele simplesmente deu de ombros.
"Vou desvendar o mistério", disse Chloe. "Meus namoricos durante curso
secundário e, especificamente, meu namoro nos tempos de caloura na Stanford,
nunca foram exemplos de decoro. Era assim que minha mãe se referia a essas
coisas. Mas tenho a satisfação de dizer que nunca fizemos sexo. Talvez tenha sido
por esse motivo que meus namoros nunca foram adiante."
"Chloe, gostei do que você disse, mas poderíamos falar sobre um outro assunto?"
"Você é um cara esquisito, não?"
"Acho que sim." Buck corou. "Sou capaz de entrevistar chefes de estado, mas esse
tipo de conversa franca é novidade para mim."
"Vamos, Buck, você costuma ouvir isso e coisas muito piores todos os dias nos
programas de entrevistas."
"Mas você não está incluída na categoria de uma convidada a um programa de
entrevistas."
"Sou muito grosseira?"
"Apenas não estou acostumado a esse tipo de conversa e não me saio bem."
Chloe deu uma risadinha. "Existe a probabilidade de haver duas pessoas solteiras
nos Estados Unidos passeando à meia-noite, sendo ambas virgens?"
"Principalmente depois que os cristãos foram arrebatados."
"Surpreendente", ela disse. "Mas você queria conversar sobre outro assunto."
"Queria!"
"Diga-me por que precisou viajar para Nova York."
Passava de uma hora da manhã quando Rayford se mexeu na cama ao ouvir um
barulho na porta da frente. A porta foi aberta, mas não foi fechada. Ele ouviu Chloe
e Buck conversando na soleira. "Eu preciso ir embora", disse Buck. "Estou
aguardando uma resposta de Nova York amanhã cedo sobre meu artigo e quero
estar bem acordado para argumentar."
91
Depois que Buck partiu, Rayford ouviu Chloe fechar a porta. Seus passos na escada
pareciam mais leves do que no início da noite. Ela caminhou na ponta dos pés até o
quarto dele e espiou. "Estou acordado, querida", ele disse. "Está tudo bem?"
"Melhor impossível", ela respondeu, aproximando-se e sentando-se na beira da
cama de Rayford. "Obrigada, papai", ela disse na escuridão do quarto.
"A conversa foi boa?"
"Sim. Buck é uma pessoa incrível."
"Ele a beijou?"
"Não! Papai!"
"Segurou a sua mão?"
"Não! Pare com isso! Só conversamos. Você não vai acreditar na oferta que ele
recebeu hoje."
"Oferta?"
"Não tenho tempo para explicar os detalhes esta noite. Você vai voar amanhã?"
"Não."
"Então conversaremos amanhã cedo."
"Quero lhe contar sobre a oferta que também recebi hoje", disse Rayford.
"Do que se trata?"
"Muito complicada para falar dela agora. De qualquer forma, não vou aceitá-la.
Conversaremos amanhã cedo."
"Papai, diga mais uma vez que não foi você quem mandou aquelas flores só para
me tranqüilizar. Se foi você, vou me sentir muito mal por tê-las atirado na lata do
lixo."
"Não fui eu, Chio."
"Isso é bom, acho. Mas também não foram enviadas por Buck."
"Tem certeza?"
"Agora, sim."
"Xi!"
"Você está pensando o mesmo que eu, papai?"
"Passei a pensar em Bruce desde o momento em que ouvi Buck dizer a você que
não foi ele quem enviou as flores."
"O que devo fazer, papai?"
"Se você vai trabalhar com Bruce, precisará ter uma conversa com ele."
"Por que sou eu a responsável? Não comecei isso! Não incentivei pelo menos não
tive a intenção.
"Bem, você pode deixar as coisas como estão. Quero dizer, ele enviou as flores
anonimamente. Como você poderia saber de quem partiram?"
"Sim! De fato, eu não sei, não é mesmo?"
"Claro que não."
"Devo encontrar-me com ele amanhã à tarde", ela disse, "para conversarmos sobre
o emprego."
"Então converse sobre o emprego."
"E não tomo conhecimento das flores?"
"De certo modo você já fez isso, não fez?"
Chloe riu. "Se ele tiver coragem de confessar que mandou as flores, então
poderemos conversar sobre o que elas significam."
"Parece uma boa idéia."
"Mas, papai, se Buck e eu continuarmos a nos encontrar, o nosso relacionamento
vai se tornar evidente."
"Você não quer que as pessoas saibam?"
"Não quero atirar isso na cara de Bruce, sabendo o que ele sente em relação a
mim."
"Mas você não sabe."
92
"É verdade. Se ele não disser, eu não sei."
"Boa noite, Chloe."
"Vai ser esquisito trabalhar para ele ou com ele, não é mesmo, papai?
"Boa noite, Chloe."
"Eu só não queria..."
"Chloe! Daqui a pouco o dia vai amanhecer!"
"Boa noite, papai."
Buck foi despertado no meio da manhã de terça-feira por uma ligação de Stanton
Bailey. "Cameron!" gritou ele. "Você já acordou?"
"Sim, senhor."
"Não parece!"
"Meio acordado, senhor."
"Dormiu tarde?"
"Sim, mas agora estou acordado, Sr...."
"Você sempre foi muito honesto, Cam. É por isso que não entendo por que insiste
em dizer que esteve naquela reunião quando... ah, é melhor deixar esse assunto
para trás. Você está muito isolado. Gostaria que fosse o substituto de Plank aqui,
mas o que está feito, está feito, não é mesmo?"
"Sim, senhor."
"Mas você ainda tem credibilidade."
"Como assim?"
"Ainda tem prestígio. Como você se sente por ter escrito um artigo merecedor de
mais um prêmio?"
"Fico satisfeito em saber que o senhor gostou do artigo, mas não o escrevi para
receber prêmio."
"Nunca escrevemos para receber prêmio, não é mesmo? Você já viu algum colega
de profissão escrever um artigo só para disputar um prêmio? Eu também não. No
entanto, tenho visto alguns sujeitos tentar. Não funciona. Eles poderão aprender
com você. Perfeito, abrangente mas conciso, incluindo todas as citações, cobrindo
todos os ângulos, imparcial diante de todas as opiniões. Gostei muito de você não
ter feito aqueles alienígenas excêntricos e religiosos fanáticos parecerem imbecis.
Todos têm direito a dar opinião, certo? E todos representam o grande potencial
econômico dos Estados Unidos, não importando se acreditam que o responsável foi
alguma criatura verde vinda de Marte ou Jesus montado em um cavalo."
"Continuo não entendendo."
"Ou outra coisa qualquer, fruto da imaginação de alguém. Você sabe o que quero
dizer. De qualquer forma, o artigo é uma obra-prima e, como sempre, apreciei seu
excelente trabalho e o fato de você não ter permitido que aquele outro assunto o
abatesse. Você vai continuar a fazer um bom trabalho e permanecer aí em Chicago
pelo tempo que for necessário, portanto sinto que ainda tenho algum controle sobre
meu famoso articulista. Você estará de volta a Nova York antes do que imagina.
Quando termina seu contrato?"
"Em um ano, mas gosto daqui e..."
"Muito engraçado. Se eles começarem a pressioná-lo sobre esse contrato,
Cameron, fale comigo e traremos você de volta para cá. Não sei se poderei
reservar-lhe a vaga de editor-executivo porque precisamos preenchê-la antes disso,
e provavelmente não faria sentido você passar de comandado a comandante. Mas
pelo menos faremos com que seu salário torne a ser condizente com as suas
qualificações e você voltará para cá para fazer o que sempre fez com perfeição."
"Obrigado."
"Ei, tire o dia de folga! Esse assunto chegará nas bancas de jornais daqui a uma
semana e você será notícia na cidade durante alguns dias."
93
"Vou aceitar sua idéia."
"E ouça, Cameron, fique longe daquela fulaninha. Qual é o nome dela?"
"Verna Zee?"
"Sim, Verna. Ela trabalha bem, mas deixe-a em paz. Você não vai precisar ir até lá,
a menos que exista um bom motivo. Você tem outro assunto a tratar comigo?"
"Steve quer que eu vá até Israel na próxima semana para a assinatura do tratado
entre Israel e a ONU."
"Temos um bando de pessoas indo para lá, Cameron. Eu ia designar a reportagem
de capa ao editor de religião."
"Jimmy Borland?"
"Algum problema?"
"Bem, em primeiro lugar não vejo essa reportagem como um assunto de natureza
religiosa, principalmente com a reunião da religião única mundial acontecendo em
Nova York ao mesmo tempo, os judeus falando sobre a reconstrução do templo e
os católicos escolhendo um novo papa. E, em segundo lugar, isso vai parecer um
trabalho em causa própria. Você acha realmente que Jimmy é capaz de assumir a
responsabilidade de uma reportagem de capa?"
"Provavelmente não. Achei que seria conveniente. Ele esteve lá tantas vezes, e
qualquer coisa que Israel faça pode ser considerada de natureza religiosa, certo?"
"Não necessariamente."
"Sempre gostei de sua franqueza quando fala comigo, Cameron. Há muitas pessoas
subservientes aqui. E você não vê essa reportagem como um assunto de natureza
religiosa só por estar acontecendo na chamada Terra Santa."
"Qualquer coisa em que Carpathia esteja envolvido é geopolítica, mesmo que tenha
algumas ramificações religiosas. O grande assunto religioso de lá, além do templo,
são aqueles dois pregadores no Muro das Lamentações."
"Ah, sim, o que acontece com aqueles malucos? Eles disseram que não ia chover
em Israel durante três anos e meio, e até agora não choveu! É uma terra seca
como sempre foi, mas se ficar muito tempo sem chover, tudo vai definhar e
desaparecer. Será que vão depender da fórmula daquele cientista... hã,
Rosenzweig... sobre a chuva?"
"Não tenho certeza. Sei que essa fórmula requer menos quantidade de chuva do
que tentar viver sem ela, mas acho que, para dar certo, é necessário que a água
venha de algum lugar."
"Eu gostaria que Jimmy conseguisse uma entrevista exclusiva com aqueles dois",
disse Bailey, "mas eles são perigosos, não são?"
"Como assim?"
"Bem, dois sujeitos tentaram matá-los e caíram mortos no chão. E aquilo que
aconteceu no outro dia? Um grupo de gente foi queimado. O povo disse que os dois
invocaram fogo do céu!"
"Outros disseram que eles sopraram fogo no grupo."
"Também ouvi isso!" disse Bailey. "Esse deve ser um problema de mau hálito,
não?"
Bailey estava rindo, mas Buck não conseguia disfarçar. Acreditava na história do
sopro de fogo porque constava da Bíblia. Ele também não enquadrava as pessoas
que acreditavam no Arrebatamento na mesma categoria dos que acreditavam em
OVNIs.
"De qualquer forma", prosseguiu Bailey, "eu não disse a Borland que ele vai fazer a
reportagem de capa, mas há rumores de que será ele. Eu podia atribuir essa tarefa
a você, e preferia, porém alguém teria de ser excluído da viagem porque
extrapolamos o orçamento. Talvez eu exclua um fotógrafo."
Buck estava ansioso para que um fotógrafo captasse alguma cena sobrenatural.
"Não, não faça isso", ele disse. "Plank está me propondo viajar como parte da
94
comitiva da ONU." Houve um longo silêncio. "Senhor?"
"Não sei disso, Cameron. Estou impressionado por eles o terem perdoado depois do
que aconteceu, mas como você poderá manter a objetividade se estiver por conta
deles?"
"O senhor precisa confiar em mim. Nunca negociei favores."
"Sei disso, e Plank também sabe. Mas será que Carpathia entende o que é
jornalismo?"
"Não tenho certeza."
"Nem eu. Você sabe do que tenho medo."
"Do quê?"
"Que ele o faça desaparecer."
"Não há muitas chances de eu ir para qualquer lugar", disse Buck.
"Pensei que Carpathia estivesse mais aborrecido com você do que eu, e agora ele
quer que o acompanhe na assinatura do tratado?"
"Ele só quer que eu esteja presente à assinatura do tratado como parte de sua
delegação."
"Isso seria totalmente impróprio."
"Eu sei."
"A menos que você deixe claro que não faz parte da delegação. Que situação
complicada! A única pessoa da imprensa sentada à mesa!"
"Sim, como eu poderia fazer isso?"
"Talvez seja simples. Use alguma identificação qualquer no paletó que mostre que
você faz parte do Semanário."
"Isso eu posso fazer."
"Você poderia carregar essa identificação consigo e exibi-la só depois que todos
estiverem sentados em seus lugares."
"Acho um pouco desonesto."
"Ora, não seja tolo, filho. Carpathia é o político dos políticos e tem todos os motivos
do mundo para querer você ao lado dele. O mínimo que poderá acontecer é que
sejam criadas situações para que você deixe o Semanário Global."
"Não tenho tais planos, senhor."
"Sei que não tem. Ouça, você acha que poderia participar da assinatura do tratado,
isto é, estar presente ao lado das partes envolvidas e não junto com o pessoal da
imprensa, mesmo sem viajar com a delegação da ONU?"
"Não sei. Posso perguntar."
"Então pergunte. Vou conseguir uma passagem extra em um vôo comercial para
que você não viaje por conta da ONU. Não quero que deva nenhum favor a
Carpathia, mas gostaria demais de ver você espiando por cima de seu ombro
quando ele assinar aquele tratado."
95
DEZ
Buck gostou da idéia de tirar o dia de folga, apesar de não ter planejado nada
importante para aproveitá-lo. Arrumou com calma o quarto vago, instalando ali seu
escritório. Depois de ligar todos os equipamentos e testá-los, verificou seu e-mail e
encontrou uma longa mensagem de James Borland, o editor de religião do
Semanário Global. Vejam só, ele pensou.
Pensei em ligar para você e conversarmos por telefone. Porém achei melhor colocar
tudo por escrito porque quero desabafar um pouco antes de receber suas desculpas
de sempre. Você sabe muito bem que eu estava cotado para fazer a reportagem de
capa sobre a assinatura do tratado. A coisa estará acontecendo na capital religiosa
do mundo, Cameron. Quem você acha que ia cuidar disso?
Só porque não sou um articulista experiente em reportagens de capa e não fiz nada
no gênero antes, não significa que sou incapaz de cuidar do assunto. Eu deveria ter
pedido seus conselhos, mas provavelmente você ia querer dividir a autoria da
matéria comigo, com seu nome aparecendo em primeiro lugar.
O velho me disse que a idéia de lhe passar essa matéria foi dele, mas não posso
imaginar ver você escrevendo o que bem entender, e eu fora disso. Vou para Israel
também. Ficarei longe de você, desde que fique longe de mim.
Buck ligou imediatamente para Borland. "Jimmy", ele disse, "é Buck."
"Você recebeu meu e-mail"
"Recebi."
"Não tenho mais nada a dizer."
"Imagino que não", disse Buck. "Você foi bem claro."
"Então, o que você quer?"
"Só esclarecer alguns pontos."
"Ah, sim, vai me dizer o mesmo que Bailey, convencer-me de que você nem sequer
lhe pediu essa reportagem."
"Para ser franco, Jim, eu disse a Bailey que considerava essa matéria mais de
natureza política do que religiosa, e cheguei a mencionar que não tinha certeza se
você estava à altura."
"E isso por acaso não significa tirar-me da frente para você ser o autor da
reportagem?"
"Talvez, Jim, mas não foi minha intenção. Lamento muito, e se ela significa tanto
para você, vou insistir para que lhe dêem essa responsabilidade."
"Certo. Qual é a condição?"
"Que eu fique com suas reportagens, e uma inédita."
"Você quer ocupar o meu lugar?"
"Só por algumas semanas. Para mim, você conseguiu o cargo mais invejado do
Semanário."
"Por que devo confiar em você, Buck? Você parece o Tom Sawyer (personagem do
livro As Aventuras de Tom Sawyer, de Mark Twain, n.t.) tentando me fazer pintar
sua cerca."
"Estou falando sério, Jim. Se você deixar por minha conta as reportagens sobre a
religião mundial, a reconstrução do templo, os dois pregadores diante do Muro das
Lamentações, a votação para o novo papa, e uma outra que faz parte de sua
especialidade mas que ainda não contei a ninguém, vou fazer o possível para que
lhe dêem a reportagem de capa sobre o tratado."
"Vou morder a isca. O que há de tão importante no meu cargo que deixei escapar?"
96
"Você não deixou escapar. Acontece que tenho um amigo que estava no lugar certo
na hora certa."
"Quem? O quê?"
"Não vou revelar minha fonte, mas fiquei sabendo que o rabino Tsion Ben-Judá..."
"Eu o conheço."
"Conhece?"
"Bem, ouvi falar dele. Todo mundo ouviu. Um ótimo sujeito."
"Você sabe o que ele está engendrando?"
"Um projeto de pesquisas, não? Algo tipicamente antiquado."
"Então essa é outra coisa que não lhe interessa. Parece que estou pedindo o Báltico
e o Mediterrâneo e oferecendo em troca o Boardwalk e o Park Place [logradouros
populares em Atlantic City].
"É exatamente o que parece, Buck. Você me considera um idiota?"
"Claro que não, Jimmy. Você não está entendendo. Não sou seu inimigo."
"Apenas meu concorrente, reservando as reportagens de capa só para você."
"Acabei de oferecer-lhe uma!"
"Essa conversa não cola, Buck. A reunião da religião mundial está seca como pó, e
nunca vai dar certo. Nada vai impedir os judeus de reconstruírem seu templo
porque ninguém mais, a não ser eles, se importa com isso. Garanto a você que
aqueles dois indivíduos diante do Muro das Lamentações dariam uma grande
reportagem, porém mais de meia dúzia de pessoas que tentaram aproximar-se
deles caíram mortos. Acho que todos os jornalistas do mundo receberam a
incumbência de fazer uma entrevista exclusiva com os dois, mas nenhum teve a
coragem de se aproximar deles. Todos já sabem quem vai ser o novo papa. E quem
no mundo vai se importar com a pesquisa do rabino?"
"Opa, espere um pouco, Jim", disse Buck. "Agora você me passou a perna sobre o
assunto do novo papa porque não tenho idéia de quem vai ser."
"Ora, vamos, Buck. Por onde você andou? Todos apostam no arcebispo Mathews
de..."
"Cincinnati? Sério? Eu o entrevistei para o..."
"Eu sei, Buck. Eu vi. Todos aqui viram seu próximo Pulitzer."
Buck calou-se. A dimensão da inveja não teria limites?"
Borland deve ter percebido que foi longe demais. "Sinceramente, Buck, eu
precisava lhe contar isso. Vai ser uma boa leitura. Mas você não tinha idéia de que
ele está na mira de ser nomeado papa?"
"Nenhuma."
"Ele é um indivíduo muito astuto. Recebeu apoio de todos os lados, e penso que
será eleito. Muita gente pensa o mesmo."
"Então, já que o conheço e acho que ele confia em mim, você não deveria se
importar que essa reportagem faça parte do negócio."
"Oh, agora você acha que estamos fazendo um negócio, não é mesmo?" disse
Jimmy.
"Por que não? Você não está louco para conseguir a reportagem de capa?"
"Buck, pensa que não sei que você vai fazer parte da delegação da ONU na
assinatura do tratado e que vai usar um distintivo qualquer do Semanário Global no
paletó ou no chapéu para nos dar uma colher de chá?"
"Então inclua isso em sua reportagem. 'Substituto do Editor de Religião Coloca-se
ao lado do Secretário-Geral'."
"Não achei graça. Não acredito de jeito nenhum que Plank lhe dê essa oportunidade
maravilhosa e depois indique outra pessoa para escrever a matéria."
"Estou lhe dizendo, Jim, que vou insistir nisso."
"Você não devia ter mais nenhum poder de barganha depois de deixar de
comparecer àquela reunião de Carpathia. O que faz você pensar que Bailey lhe dará
97
ouvidos? Agora você é apenas um articulista da sucursal de Chicago."
Buck sentiu um pontapé em seu ego, e as palavras brotaram antes que ele pudesse
medi-las. "Ah, sim, apenas um articulista da sucursal de Chicago que escreveu a
reportagem de capa da próxima edição e que foi designado para escrever a da
semana seguinte."
"Touchél"
"Sinto muito, Jim. Desviei o assunto. Mas falo sério. Não estou blefando para fazer
você pensar que seu cargo é mais importante para mim do que uma reportagem de
capa. Estou convencido de que as notícias sobre religião darão reportagens mais
interessantes do que a assinatura do tratado."
"Espere um pouco, Buck. Você não é um daqueles trouxas que acreditam em todas
aquelas teorias proféticas e apocalípticas da Bíblia, não?"
É exatamente o que eu sou, pensou Buck, mas ele ainda não podia tornar isso
público. "Você sabe se essa idéia está sendo muito divulgada?" indagou Buck.
"Você devia saber. Foi você quem escreveu a reportagem."
"Minha reportagem reproduz todas as opiniões."
"Ah, sim, mas você foi fundo na tolice do Arrebatamento. Eles adorariam ver um
pouco de invencionice em todas essas histórias para enquadrá-las no plano de
Deus."
"Você é o editor de religião, Jim. Eles têm uma opinião a respeito?"
"Não me parece algo que Deus teria feito."
"Você está admitindo que existe um Deus."
"É só maneira de falar."
"Que maneira?"
"Deus está em todos nós, Buck. Você conhece minha opinião."
"Sua opinião não mudou depois dos desaparecimentos?"
"Não."
"Deus estava nas pessoas que desapareceram?"
"Claro."
"Então uma parte de Deus foi embora?"
"Tem uma maneira de falar muito literal, Buck. Em seguida vai me dizer que o
tratado prova que Carpathia é o Anticristo."
Como eu gostaria de convencê-lo, pensou Buck. E um dia vou tentar. "Sei que o
tratado é um assunto muito importante", ele disse. "Provavelmente maior do que
muita gente imagina, mas a assinatura é apenas o espetáculo. O acordo faz parte
da história, e essa história foi contada."
"A assinatura talvez seja apenas o espetáculo, mas vale uma reportagem de capa,
Buck. Por que você acha que não sou capaz de escrevê-la?"
"Diga-me que conseguirei as outras, e farei força para que você consiga essa."
"Negócio fechado."
"Sério?"
"Claro. Tenho certeza de que você acha que conseguiu me iludir, mas não sou mais
criança, Buck. Não me importo em que grau essa reportagem de capa será
classificada, depois de todas as que você já fez. Quero a reportagem para fazer
parte de meu arquivo, para meus netos, essas coisas."
"Entendo."
"Ah, sim, você entende. Você tem a vida inteira pela frente e fará o dobro de
reportagens de capa que já fez até agora."
"Chloe! Venha até aqui!"
Rayford estava de pé na sala de estar, surpreso demais para sentar-se. Tinha
acabado de ligar a TV e ouviu o boletim de notícias extraordinárias.
Chloe desceu correndo a escada. "Tenho de ir à igreja", ela disse. "O que houve?"
98
Rayford pediu que ela se calasse e ambos passaram a prestar atenção às notícias.
Um correspondente da CNN na Casa Branca estava falando. "Aparentemente esse
gesto raro foi resultado de uma reunião ocorrida no início da noite de ontem entre o
secretário-geral da ONU Nicolae Carpathia e o presidente Gerald Fitzhugh. Fitzhugh
já assumiu a liderança entre os chefes de estado em razão de seu firme apoio à
administração do novo secretário-geral, mas ao lhe ceder o novo avião presidencial,
ele estabelece uma conduta totalmente nova.
"A Casa Branca enviou o atual Air Force One para Nova York no final da tarde de
ontem a fim de buscar Carpathia, e hoje foi anunciado que o vôo inaugural do novo
Air Force One transportará Carpathia e não o presidente."
"O quê?" perguntou Chloe.
"A assinatura do tratado em Israel", disse Rayford.
"Mas o presidente também vai, não?"
"Sim, mas no avião antigo."
"Não entendi."
"Nem eu."
O repórter da CNN prosseguiu. "Os céticos suspeitam de um acordo por trás dos
bastidores, mas foi o próprio presidente quem fez o pronunciamento na Casa
Branca poucos momentos atrás."
A CNN rodou um teipe. O presidente Fitzhugh parecia perturbado. "A oposição e os
cretinos que só fazem política vão ter muito o que falar sobre este gesto", disse o
presidente, "mas os norte-americanos que amam a paz e todos os que estão
cansados da politicagem de sempre vão comemorar. O novo avião é lindo. Já o vi.
Estou orgulhoso dele. O espaço interior é suficiente para acomodar as delegações
inteiras dos Estados Unidos e da ONU, mas decidi que só a delegação da ONU tem o
direito de usar o avião em seu vôo inaugural.
"Até que nosso atual Air Force One passe a ser Air Force Two, batizaremos o novo
757 de 'Global Community One' (Comunidade Global Um) e o ofereceremos ao
secretário-geral Carpathia com nossos votos de sucesso. Já é hora de o mundo se
unir em torno deste homem apaixonado pela paz, e estou orgulhoso por ser o autor
deste pequeno gesto.
"Também exorto meus colegas do mundo inteiro a estudarem seriamente o
desarmamento proposto por Carpathia. A firme defesa de nosso país tem sido
elogiada por várias gerações, mas estou certo de que todos nós concordamos que a
hora da verdade, do desarmamento em favor da paz, já deveria ter acontecido há
muito tempo. Espero fazer um pronunciamento em breve sobre nossas decisões a
este respeito."
"Papai, isso significa que você...?"
Rayford novamente pediu silêncio à filha com um gesto enquanto a CNN passava a
transmitir de Nova York para uma resposta ao vivo de Carpathia.
Com os olhos fixos na câmera, Nicolae parecia estar penetrando nos olhos de cada
telespectador. Sua voz era tranqüila e comovida. "Eu gostaria de expressar minha
gratidão ao presidente Fitzhugh por este gesto de tanta generosidade. Nós da
Organização das Nações Unidas estamos profundamente sensibilizados, agradecidos
e nos consideramos indignos de tal honra. Aguardamos ansiosamente a magnífica
cerimônia a realizar-se em Jerusalém na próxima segunda-feira."
"Homem, ele é engenhoso." Rayford balançou a cabeça.
"Esse é o emprego que você me contou. Você vai pilotar aquele avião?"
"Não sei. Suponho. Eu não me dei conta de que o velho Air Force One passaria a
ser Air Force Two, o avião do vice-presidente. Gostaria de saber se eles vão
realmente aposentar o atual piloto. Parece a dança das cadeiras. Se o atual piloto
permanecer com o 747 quando ele se transformar em AF2, o que vai acontecer
com o atual piloto do AF2?"
99
Chloe deu de ombros. "Você tem certeza de que não quer ser piloto do novo
avião?"
"Mais do que nunca. Não quero nada que tenha relação com Carpathia."
Buck recebeu um telefonema de Alice, da sucursal de Chicago. "É melhor você ter
duas linhas de telefone", ela disse, "se quiser continuar trabalhando em casa."
"Tenho duas linhas", disse Buck, "mas uma delas está ligada no computador."
"O Sr. Bailey está tentando falar com você, mas o telefone está sempre ocupado."
"Por que ele ligou para a sucursal? Ele sabe que estou em casa."
"Ele não ligou para cá. Marge Potter estava falando por telefone com Verna sobre
um outro assunto e lhe contou."
"Aposto que Verna adorou saber disso."
"Claro que sim. Ela quase pulou de alegria. Acha que você está novamente com
problemas com o chefe."
"Duvido."
"Sabe o que ela está imaginando?"
"Diga logo."
"Que Bailey não gostou de sua reportagem de capa e vai despedi-lo."
Buck riu.
"Não é verdade?" perguntou Alice.
"Exatamente o oposto", respondeu Buck. "Mas, por favor, não conte a Verna."
Buck agradeceu-lhe a entrega dos equipamentos no dia anterior, poupando-a da
história de Chloe ter pensado que Alice era sua noiva, e desligou a fim de telefonar
para Bailey. Quem atendeu foi Marge Potter.
"Buck, já estou com saudade de você", ela disse. "O que aconteceu?"
"Qualquer dia eu lhe conto tudo", ele disse. "Soube que o chefe está tentando falar
comigo."
"Bem, ele me pediu que fizesse a ligação. No momento ele está com Jim Borland na
sala e ouço vozes alteradas. Nunca ouvi Jim levantar a voz antes."
"Você tem ouvido Bailey levantar a voz?"
Marge riu. "Talvez duas vezes por dia. De qualquer forma, vou pedir para ele
retornar sua ligação."
"É melhor você interrompê-los, Marge. Ele deve estar tentando falar comigo por
causa dessa reunião."
Stanton Bailey entrou na linha quase que imediatamente. "Williams, você me faz
perder a paciência agindo como se fosse um editor-executivo."
"Como assim?"
"Não é da sua conta designar reportagens de capa. Você disse a Borland que eu
tinha em mente passar a ele a matéria sobre o tratado. Em seguida começou a
bajulá-lo oferecendo-se para ficar com aquelas porcarias de histórias e depois
passou a ele sua reportagem de capa."
"Eu não fiz isso!"
"Ele não fez isso!" gritou Borland.
"Não agüento vocês dois", disse Bailey. "Então, qual é acordo?"
Depois que Chloe saiu para tratar de seu novo emprego na igreja, Rayford pensou
em ligar para seu chefe. Earl Halliday aguardava uma resposta o mais breve
possível e provavelmente ligaria para Rayford, se ele não se pronunciasse logo.
As notícias do dia foram determinantes para selar a decisão de Rayford. Ele não
podia negar o prestígio que acompanharia sua função como piloto do presidente. E
ser o piloto de Carpathia provocaria mais repercussão ainda. Contudo, os motivos e
sonhos de Rayford haviam dado uma guinada de 180 graus. Ser conhecido como o
piloto do Air Force One - ou até mesmo do Global Community One - durante sete
100
anos simplesmente não fazia parte de seus planos.
O tamanho da casa às vezes confundia Rayford, mesmo quando havia quatro
pessoas morando ali. Em outras ocasiões ele sentiu orgulho dela. Evidenciava sua
posição social, condição de vida, grau de realizações. Agora era um lugar solitário.
Rayford estava muito agradecido por ter a companhia de Chloe em casa. Apesar de
ter resolvido não interferir em sua decisão caso ela desejasse retornar à faculdade,
não fazia idéia de como seria sua vida durante as horas de folga. Uma coisa é
ocupar a mente, cuidando de tudo o que é necessário para transportar com
segurança centenas de pessoas pelo ar. Outra coisa bem diferente é não ter nada
para fazer em casa a não ser comer e dormir. O lugar se tornaria insuportável.
Cada cômodo, cada bugiganga, cada toque feminino o fazia recordar-se de Irene.
De vez em quando, uma coisa qualquer povoava sua mente com as lembranças de
Raymie. Rayford havia encontrado um pedaço do doce favorito de Raymie debaixo
da almofada do sofá. Também encontrara seus livros. Havia um brinquedo
escondido atrás de um vaso de planta.
Rayford estava se transformando em um homem emotivo, mas já não se
preocupava muito com isso. Agora sua tristeza provocava-lhe mais uma sensação
de melancolia do que de sofrimento. Quanto mais ele se aproximava de Deus, mais
ansiava pelo momento de estar na presença dele, junto com Irene e com Raymie,
após o Glorioso Aparecimento.
As lembranças traziam seus entes queridos mais para perto de si, tanto no
pensamento como no coração. Agora, depois de convertido, ele os compreendia e
os amava mais ainda. Quando o sentimento de culpa se abatia sobre Rayford,
quando ele se sentia envergonhado de sua atuação como marido e como pai, ele
simplesmente orava suplicando perdão por ter sido tão cego.
Naquela noite, Rayford decidiu cozinhar para Chloe. Prepararia um dos pratos
favoritos da filha - camarão acompanhado de massa e outros alimentos
decorativos. Ele sorriu. Apesar de todos as características negativas que a filha
herdara dele, ela era uma pessoa maravilhosa. Se havia alguém que servisse de
exemplo para mostrar como Cristo pode mudar a vida de um ser humano, esse
alguém era Chloe. Rayford gostaria de lhe dizer isso, e o jantar era uma forma de
expressar seus sentimentos. Teria sido mais fácil comprar alguma coisa para ela ou
convidá-la para jantar fora, mas Rayford queria oferecer-lhe algo feito por ele.
Passou uma hora na mercearia e mais uma hora e meia na cozinha para deixar
tudo pronto antes da chegada da filha. Sentiu uma certa identificação com Irene,
lembrando-se de sua expressão de expectativa quase todas as noites antes de
servir o jantar. Talvez ele tivesse agradecido e elogiado a esposa o suficiente. Mas
somente agora compreendia que ela se esforçava para agradá-lo com o mesmo
amor e devoção que ele sentia por Chloe.
Rayford nunca se dera conta disso, e suas insignificantes tentativas de elogiá-la
devem ter sido feitas com muita negligência. Agora não havia mais condições de se
explicar com Irene, a não ser no reino eterno, tendo Chloe a seu lado.
Buck desligou o telefone depois de conversar com Stanton Bailey e Jim Borland,
perguntando a si mesmo por que não aceitava a proposta de Carpathia para dirigir
o Chicago Tribune e encerrava o assunto. Tinha convencido ambos de que estava
sendo sincero e finalmente conseguiu uma aprovação de má vontade da parte do
velho, porém estava em dúvida se valia a pena ficar em situação inferiorizada
novamente. Seu objetivo era compilar as reportagens religiosas da melhor maneira
possível de modo que Borland aprendesse como deveria realizar seu trabalho e
Bailey tivesse uma noção do que era um editor-executivo.
Buck não queria aquele cargo e mantinha a mesma opinião quando ele lhe foi
oferecido por ocasião da saída de Steve Plank. Porém, esperava que Bailey
101
encontrasse alguém que gostasse de trabalhar ali.
Digitou algumas anotações em seu computador, fazendo um resumo das
incumbências que assumira na negociação com Jimmy Borland. Ele havia feito as
mesmas suposições iniciais que Borland fizera sobre todas as notícias que estavam
pipocando. Mas isso aconteceu antes de ter estudado as profecias, antes de saber
em que lugar Nicolae Carpathia se enquadrava na história.
Agora Buck esperava que todos esses fatos acontecessem ao mesmo tempo.
Naquele momento, era provável que ele estivesse trabalhando diretamente nos
acontecimentos relativos ao cumprimento das profecias de séculos e séculos atrás.
Quer fossem reportagens de capa ou não, esses acontecimentos causariam tanto
impacto no curto período que ainda restava na história da humanidade quanto o
tratado com Israel.
Buck telefonou para Steve Plank. "Você já tem uma resposta?" indagou Steve.
"Alguma notícia que eu possa dar ao secretário-geral?"
"É assim que você o chama?" perguntou Buck, atônito. "Não pode chamá-lo pelo
nome?"
"Preferi assim. É uma questão de respeito, Buck. Até Hattie chama-o de 'Sr.
Secretário-Geral' e, segundo sei, os dois estão sempre juntos tanto no trabalho
como fora dele."
"Não seja fofoqueiro. Fui eu que apresentei um ao outro."
"Você se arrepende? Apresentou ao líder mundial uma pessoa a quem ele adora e
mudou a vida de Hattie para sempre."
"É disso que receio", disse Buck, percebendo que estava muito perto de revelar
seus verdadeiros sentimentos a um confidente de Carpathia.
"Ela era uma pessoa totalmente desconhecida, Buck, e agora está em evidência na
história." Aquilo não era o que Buck desejava ouvir, mas ele também não estava
planejando dizer a Steve o que desejava ouvir. "Então, qual é o assunto, Buck?"
"Ainda não me decidi", respondeu Buck. "Você sabe qual é a minha posição."
"Não compreendo você, Buck. Onde está o problema? O que poderá não dar certo?
É tudo o que você sempre quis."
"Sou um jornalista, Steve, e não um relações-públicas."
"É assim que você se refere a mim?"
"É o que você é, Steve. Não o culpo por isso, mas não finja ser o que não é."
Steve sentiu-se claramente ofendido por Buck. "Ah, sim, bem, que assim seja",
disse ele. "Você me telefonou, o que deseja?"
Buck contou-lhe a respeito do acordo feito com Borland.
"Foi um grande erro", disse Steve, ainda zangado. "Você há de se lembrar que
nunca o escalei para uma reportagem de capa."
"Esta não deveria ser uma reportagem de capa. As outras matérias, as que ele está
me passando, essas sim são importantes."
Steve levantou a voz. "Esta seria a reportagem de capa mais importante que você
teve nas mãos! Será o evento de maior cobertura jornalística da história."
"Você me diz isso e fala que não é um relações-públicas?"
"Por quê? O quê?"
"A ONU assina um tratado de paz com Israel e você acha que esse evento é mais
importante do que os desaparecimentos de bilhões de pessoas no mundo inteiro?"
"Bem, sim, acho. Claro."
"'Bem, sim, acho. Claro'", arremedou Buck. "Pelo amor de Deus, Steve. A notícia é
o tratado, não a cerimônia. Você sabe disso."
"Então você não irá?"
"Claro que irei, mas não junto com vocês."
"Você não quer viajar no novo Air Force One1."
"O quê?"
102
"Vamos, Senhor Jornalista Internacional. Mantenha-se informado, homem."
Rayford aguardava ansiosamente a chegada de Chloe da mesma forma que
aguardava a reunião do núcleo naquela noite. Chloe lhe havia dito que Buck não
queria aceitar o emprego oferecido por Carpathia tanto quando ele, Rayford, não
queria aceitar o emprego na Casa Branca. Mas ninguém ouvira ainda a opinião de
Bruce. Às vezes ele tinha um modo diferente de analisar a situação e quase sempre
suas opiniões eram sensatas. Rayford não conseguia imaginar de que maneira
essas mudanças poderiam enquadrar-se em suas vidas de recém-convertidos, mas
estava ansioso para conversar e orar sobre o assunto. Olhou para seu relógio. O
jantar estaria pronto em meia hora, exatamente quando Chloe disse que chegaria.
"Não", disse Buck, "não quero viajar até lá no Air Force One, seja ele novo ou
velho. Agradeço o convite para fazer parte da delegação. Mantenho minha palavra
de sentar à mesa na ocasião da assinatura, mas até mesmo Bailey concorda que
devo viajar por conta do Semanário Global."
"Você contou a Bailey sobre nossa proposta?!"
"Não sobre a proposta de emprego, evidentemente. Mas sobre viajar com a
delegação, sim."
"Por que você acha que sua viagem a Nova York foi tão sigilosa, Buck? Acha que
queríamos que o Semanário soubesse?"
"Imaginei que vocês não queriam que ele soubesse que me ofereceram um
emprego, e não lhe contei isso. Mas como eu lhe explicaria o fato de estar em
Israel por ocasião da assinatura?"
"Esperávamos que você não se importasse que o seu então ex-chefe soubesse."
"Não faça suposições, Steve", disse Buck.
"Nem você, Buck."
"Como assim?"
"Não pense que essa excelente proposta vai ficar à sua disposição sobre a mesa se
você fizer pouco caso como fez da última vez."
"Então o emprego está ligado à minha viagem como relações públicas?"
"Se é assim que você entende."
"A idéia não me agrada, Steve."
"Sabe, Buck, não tenho certeza se nesta altura dos acontecimentos você é o
homem talhado para política e jornalismo."
"Concordo que isso é querer me rebaixar mais ainda."
"Não foi minha intenção. De qualquer forma, você se lembra das previsões de seu
chefão sobre a nova moeda mundial? Que tal coisa nunca aconteceria? Assista ao
noticiário de amanhã, companheiro. E lembre-se que foi obra de Nicolau Carpathia,
diplomacia nos bastidores."
Buck já conhecia a suposta diplomacia de Carpathia. Com essa mesma diplomacia
ele conseguira que o presidente dos Estados Unidos lhe cedesse um 757 novinho
em folha, isso sem mencionar as testemunhas de um assassinato que acreditaram
ser suicídio.
Estava na hora de falar de sua viagem a Bruce.
"Rayford, você pode vir até aqui?" "Quando, Earl?"
"Já. Grandes novidades sobre o novo Air Force One. Você ouviu?"
"Sim, estão em todos os noticiários."
"É só me dar a sua palavra e estará voando naquele avião para Israel tendo Nicolae
Carpathia a bordo."
"Ainda não estou preparado para me decidir."
"Ray, preciso de você aqui. Você vem ou não?"
103
"Hoje não, Earl. Estou no meio de uma tarefa neste momento e pretendo encontrar
com você amanhã."
"O que há de tão importante nessa tarefa?"
"É assunto pessoal."
"O quê! Não me diga que arrumou um emprego de cozinheiro!"
"Estou cozinhando, mas não é um emprego. Estou preparando o jantar para minha
filha."
Rayford não ouviu mais nenhuma palavra do outro lado da linha durante alguns
instantes. Finalmente: "Rayford, sou totalmente a favor de dar prioridade à família.
Só Deus sabe quantos dos nossos pilotos são mal casados e têm problemas com os
filhos. Mas sua filha..."
"Chloe."
"Certo, ela tem idade para estar na faculdade, certo? Ela compreenderia, não é
mesmo? Não poderia retardar o jantar com o papai por algumas horas, sabendo
que ele está prestes a conseguir o melhor emprego de piloto do mundo?"
"Conversaremos amanhã, Earl. Vou para Baltimore no final da manhã e retornarei
no final da tarde. Poderei me encontrar com você antes de partir."
"Nove horas?"
"Ótimo."
"Rayford, preciso alertá-lo: os outros sujeitos daquela pequena lista devem estar
babando por causa desse emprego. Aposto que estão recorrendo aos seus
conhecidos, pedindo apoio, tentando descobrir quem tem mais influência, essas
coisas."
"Ótimo. Talvez um deles consiga e não vou ter de me preocupar mais com isso."
Earl Halliday parecia agitado. "Agora, Rayford...", ele começou a falar, mas Rayford
o interrompeu.
"Earl, é melhor você e eu não perdermos tempo agora. Vamos conversar amanhã
cedo. Você já sabe minha resposta e só não lhe confirmei ainda porque você me
pediu para aguardar até amanhã em nome de nossa amizade. Estou pensando no
assunto, orando por ele e conversando com pessoas que me dizem respeito. Não
vou me atormentar nem me envergonhar de minha atitude. Se eu recusar um
emprego que todos querem, e depois vier a me arrepender, será problema meu."
Buck estava entrando no estacionamento da Igreja Nova Esperança no momento
em que Chloe saía. Eles emparelharam os carros e baixaram os vidros. "Oi,
garotinha", disse Buck, "você sabe alguma coisa sobre esta igreja?"
Chloe sorriu. "Só sei que lota todos os domingos."
"Ótimo, vou começar a freqüentá-la. Então, aceitou o emprego?"
"Eu deveria lhe fazer a mesma pergunta."
"Eu já tenho um emprego."
"Parece que também já tenho um", ela disse. "Aprendi mais hoje do que durante
um ano inteiro na faculdade."
"Como você agiu com Bruce? Quero dizer, contou-lhe que já sabe que foi ele quem
enviou as flores?"
Chloe olhou por cima dos ombros, receando que Bruce pudesse ouvir. "Vou contar
tudo a você", ela disse. "Quando tivermos tempo."
"Pelo cheiro, é o que estou pensando?" disse Chloe entusiasmada, vindo da
garagem. "Camarões ao molho?" Entrou na cozinha e deu um beijo no pai. "Meu
prato predileto! Quem são os convidados?"
"A convidada de honra acaba de chegar", ele disse. "Você prefere fazer a refeição
na sala de jantar? Poderemos levar tudo para lá rapidamente."
"Não, aqui está ótimo. Qual é o motivo?"
104
"Seu novo emprego. Fale-me dele."
"Papai! O que deu em você?"
"Liberei o meu lado feminino", ele disse.
"Ora, por favor!" ela suspirou. "Tudo menos isso!"
Durante o jantar ela contou ao pai o serviço que Bruce lhe passara e todas as
pesquisas e estudos que já havia feito.
"Então, é isso que você vai fazer?"
"Aprender, estudar e ganhar dinheiro? Acho que é uma tarefa fácil, papai."
"E sobre Bruce?"
Ela fez um movimento afirmativo com a cabeça. "E sobre Bruce?"
Enquanto Rayford e Chloe lavavam a louça do jantar, ele ouviu o relato da filha
sobre seu embaraçoso encontro com Bruce. "Então quer dizer que ele não
confessou ter enviado as flores?"
"Foi muito estranho, papai", ela disse. "Tentei várias vezes puxar o assunto da
solidão e do quanto nós quatro necessitávamos um do outro, mas ele pareceu não
captar a mensagem. Depois de concordar que todos nós estávamos carentes, ele
sempre voltava ao assunto do estudo ou de outra coisa que desejava que eu
examinasse. Finalmente eu falei que estava curiosa acerca dos relacionamentos
amorosos durante este período da história, e ele disse que abordaria o assunto hoje
à noite. Disse também que outras pessoas o haviam procurado recentemente para
falar deste mesmo assunto e, como ele também tinha algumas dúvidas, resolveu
aprofundar-se no estudo."
"Talvez ele esclareça tudo esta noite."
"Não é uma questão de esclarecer, papai. Não acho que Bruce vai confessar diante
de você e de Buck que foi ele quem enviou as flores. Talvez possamos ler nas
entrelinhas e descobrir por que ele fez isso."
Buck ainda estava no escritório de Bruce quando Rayford e Chloe chegaram. Bruce
iniciou a reunião da Força Tribulação naquela noite, pedindo a permissão do grupo
para contar o que estava acontecendo na vida de cada um deles. Todos
concordaram.
Depois de resumir as propostas recebidas por Buck e Rayford, Bruce disse que
precisava confessar que não se sentia à altura de ser o pastor de uma igreja de
crentes recém-convertidos. "Eu ainda me sinto envergonhado todos os dias. Sei
que fui perdoado e redimido, porém viver uma vida de mentiras durante trinta anos
é desgastante demais para qualquer pessoa. Apesar de Deus ter dito que nossos
pecados estão afastados dele assim como o Oriente está distante do Ocidente, para
mim é difícil esquecer." Bruce também admitiu sua solidão e fadiga.
"Principalmente", prosseguiu ele, "quando penso nessa tarefa de viajar para tentar
unir os pequenos focos que a Bíblia chama de 'santos da tribulação'."
Buck desejava ir direto ao assunto e perguntar por que ele não havia assinado o
cartão das flores de Chloe, mas achou que não seria conveniente. Bruce passou,
então, a falar das novas oportunidades de trabalho recebidas por Rayford e Buck.
"Talvez minha opinião escandalize a todos vocês por eu não ter-me manifestado até
o momento, mas acho que vocês dois, Buck e Rayford, deveriam pensar seriamente
em aceitar essas propostas."
Essas palavras causaram grande alvoroço nos participantes da reunião. Foi a
primeira vez que os quatro falaram com tanta firmeza sobre seus assuntos
pessoais. Buck mantinha a opinião de que jamais seria capaz de viver em paz
consigo mesmo se abrisse mão de seus princípios jornalísticos, passando a
manipular as notícias e ser manipulado por Carpathia. Ele tinha a impressão de que
Rayford ainda não se deixara influenciar pela proposta, mas concordava com Bruce
que o amigo deveria estudá-la.
"Rayford", disse Buck, "o fato de você não estar ansioso por aceitar é um bom
105
sinal. Se estivesse ansioso depois de saber tudo o que sabe agora, estaríamos
todos preocupados com você. Mas pense na oportunidade de ficar perto dos
corredores do poder."
"Qual seria a vantagem?" perguntou Rayford.
"Talvez pouca no âmbito pessoal", respondeu Buck, "a não ser pela remuneração.
Mas será que essa aproximação com o presidente não seria uma grande vantagem
para todos nós?"
Rayford disse a Buck que considerava um erro pensar que o piloto oficial da Casa
Branca tem a oportunidade de estar mais bem informado sobre a vida do
presidente do que qualquer outra pessoa que leia os jornais diariamente.
"Talvez isso se aplique à situação do momento", disse Buck. "Mas se Carpathia
adquirir os principais órgãos de imprensa, alguém que trabalhe próximo do
presidente será um dos poucos a saber o que realmente acontece."
"Uma razão a mais para você trabalhar para Carpathia", disse Rayford.
"Talvez eu devesse aceitar o seu emprego e você o meu", disse Buck, provocando
risos.
"Vejam só o que está acontecendo aqui", disse Bruce. "Nós quatro enxergamos a
situação alheia com mais clareza e mais objetividade do que enxergamos a nossa
própria situação.
Rayford deu uma risadinha. "Você está dizendo que Buck e eu estamos sendo
contraditórios."
Bruce sorriu. "Talvez. É possível que Deus tenha colocado essas coisas no caminho
de vocês só para testar seus objetivos e o quanto são leais a ele, mas elas parecem
grandes demais para serem desprezadas."
Buck perguntou a si mesmo se Rayford se sentia tão indeciso quanto ele. Antes,
estava plenamente convicto de que jamais aceitaria a proposta de Carpathia.
Agora, não sabia o que pensar. Chloe rompeu o silêncio. "Acho que vocês dois
deveriam aceitar os empregos."
Buck achou estranho Chloe ter aguardado os quatro se reunirem para se
pronunciar, e era evidente que seu pai pensava o mesmo. "Você disse antes que eu
deveria pensar no assunto, Chio", disse Rayford, "e agora tem certeza de que devo
aceitar?"
Chloe assentiu com a cabeça. "Não por causa do presidente. Por causa de
Carpathia. Se Carpathia for o que estamos pensando, e isso nós quatro já sabemos,
em breve ele será mais poderoso do que o presidente dos Estados Unidos. Pelo
menos um de vocês deverá estar perto dele sempre que possível."
"Eu estive perto dele uma vez", disse Buck, "e foi o suficiente."
"Acho que vocês dois estão preocupados com sua própria segurança e equilíbrio
mental", pressionou Chloe. "Sei o quanto aquela cena foi horrível para você, Buck.
Mas se não houver alguém firme por perto, Carpathia vai ludibriar todo mundo."
"Mas assim que eu abrir a boca para dizer o que realmente está acontecendo",
disse Buck, "serei eliminado."
"Talvez. Mas talvez Deus o proteja. Talvez vocês dois venham a ter condições de
nos dizer o que está acontecendo para que possamos transmitir aos crentes."
"Eu teria de abandonar todos os meus princípios jornalísticos."
"E esses princípios são mais sagrados do que suas responsabilidades para com seus
irmãos e irmãs em Cristo?"
Buck não sabia como responder. Essa era uma das características da personalidade
de Chloe que ele tanto admirava. Porém, a independência e a integridade sempre
estiveram tão enraizadas dentro de si desde o início de sua carreira jornalística que
Buck não conseguia sequer pensar em fingir ser o que não era. A idéia de ocupar o
cargo de editor e, ao mesmo tempo, fazer parte da folha de pagamento de
Carpathia não lhe passava pela cabeça.
106
Bruce virou-se subitamente e passou a concentrar-se em Rayford. Buck ficou
satisfeito por deixar de ser o foco das atenções, mas entendia como Rayford se
sentia. "Acho que sua decisão é mais fácil de ser tomada, Rayford", disse Bruce.
"Basta impor algumas condições, como, por exemplo, morar aqui desde que isso
seja importante para você, e pôr à prova a seriedade deles."
Rayford estava confuso. Olhou para Buck. "Se colocássemos o assunto em votação,
seriam três contra um?"
"Eu poderia perguntar o mesmo", disse Buck. "Aparentemente somos os únicos a
achar que não devemos aceitar esses empregos."
"Talvez você deva", disse Rayford, em tom de brincadeira.
Buck riu. "Estou propenso a pensar que devo ter sido cego, ou pelo menos míope."
Rayford disse que também não sabia o que ele próprio estava propenso a pensar.
Bruce sugeriu que todos se ajoelhassem para orar... algo que eles costumavam
fazer reservadamente, mas não em grupo. Bruce empurrou sua cadeira para o
outro lado da escrivaninha e os quatro ajoelharam-se. Rayford sempre se comoveu
ao ouvir outras pessoas orando. Desejava que Deus lhe dissesse de forma audível o
que deveria ser feito, mas quando ele orou, simplesmente pediu a Deus que
esclarecesse a mente de todos.
Enquanto permanecia ajoelhado, Rayford se deu conta de que precisava submeterse
à vontade de Deus... novamente. Aparentemente essa deveria ser uma atitude
diária, despojar-se de todas as coisas pessoais, racionais e mesquinhas às quais ele
se apegava.
Rayford sentia-se tão insignificante, tão imperfeito diante de Deus que desejava
render-se a ele de maneira mais submissa ainda. Curvou-se mais um pouco, apoiou
as mãos no chão, encostou o queixo no peito, e mesmo assim continuava a sentirse
arrogante, em evidência. Bruce estava orando em voz alta, mas parou
repentinamente. Ao perceber que ele chorava em silêncio, Rayford sentiu um nó na
garganta. Apesar de sentir falta de Irene e Raymie, ele estava profundamente grato
por Chloe, por sua própria salvação e por seus amigos.
Ajoelhado diante de sua cadeira, com o rosto enterrado nas mãos, Rayford orava
silenciosamente. Obedeceria à vontade de Deus, mesmo que não fizesse sentido do
ponto de vista humano. A sensação opressiva de ser uma criatura indigna parecia
aniquilá-lo e ele prostrou-se no chão sobre o carpete. Por um breve instante veiolhe
à mente a posição ridícula em que se encontrava, mas afastou rapidamente
esse pensamento. Ninguém estava olhando nem prestando atenção. E se alguém
viesse a pensar que aquele orgulhoso piloto havia perdido o juízo, estaria certo.
Rayford esticou seu longo corpo no chão, enterrando o rosto nas palmas das mãos
sobre o áspero carpete. De vez em quando um deles orava alto por alguns
instantes, e
Rayford percebeu que todos estavam com o rosto encostado no chão.
Rayford perdeu a noção do tempo. Sabia apenas vagamente que haviam se
passado alguns minutos sem que ninguém dissesse nada. Ele nunca sentira antes a
presença de Deus de forma tão real. Essa era a verdadeira sensação de pisar em
solo sagrado, a mesma que Moisés deve ter sentido quando Deus lhe pediu que
tirasse as sandálias dos pés. Rayford desejava afundar-se ainda mais no carpete,
poder cavar um buraco no chão e ocultar-se da pureza e poder infinito de Deus.
Ele não tinha certeza de quanto tempo permaneceu ali orando, ouvindo. Depois de
alguns instantes, ouviu Bruce levantar-se e sentar-se, cantarolando um hino. Em
seguida, os outros três começaram a cantar em voz baixa e voltaram a sentar-se.
Todos tinham os olhos banhados em lágrimas. Finalmente Bruce falou.
"Tivemos uma experiência muito rara", ele disse. "Acho que precisamos selar esse
acontecimento com uma renovação de compromisso com Deus e com cada um de
nós. Se houver algo entre nós que necessite ser confessado ou perdoado, não
107
devemos sair daqui sem fazer isso. Chloe, ontem à noite você abordou alguns
assuntos importantes, sem deixar claro o que pretendia."
Rayford olhou de relance para Chloe. "Peço desculpas", ela disse. "Foi um malentendido.
Já está esclarecido."
"Não vamos precisar de uma reunião para discutir a pureza sexual durante a
Tribulação?"
Ela sorriu. "Não, acho que o assunto está bastante claro para todos nós. No
entanto, há uma coisa que eu gostaria de esclarecer e lamento fazer esta pergunta
diante de todos..."
"Não há problema", disse Bruce. "Faça."
"Bem, recebi flores de um anônimo e gostaria de saber se esse gesto partiu de
alguém desta sala."
Bruce olhou ao redor. "Buck?"
"Não", respondeu ele, com um leve sorriso. "Já fui castigado por ser considerado
suspeito."
Em seguida, Bruce olhou para Rayford, que apenas sorriu balançando
negativamente a cabeça.
"Então só restei eu", disse Bruce.
"Você?" perguntou Chloe.
"Você limitou suas suspeitas às pessoas que estão aqui nesta sala, não foi?"
Chloe fez um movimento afirmativo com a cabeça.
"Acho que você deverá ampliar a lista de suspeitos", disse Bruce, corando. "Não fui
eu, mas sinto-me lisonjeado por ser um deles. Gostaria de ter tido essa idéia."
A surpresa de Rayford e Chloe deve ter-se evidenciado, porque Bruce
imediatamente passou a dar explicações. "Oh, não é o que vocês estão pensando",
disse Bruce. "Acontece que... bem, acho que enviar flores é um gesto maravilhoso
e espero que você tenha gostado de recebê-las, Chloe, não importa de quem
tenham partido."
Bruce pareceu aliviado ao mudar de assunto e voltar ao tema principal da reunião.
Pediu que Chloe falasse de suas pesquisas naquele dia. Às dez horas, quando todos
já estavam prontos para partir, Buck virou-se para Rayford. "Por mais maravilhosos
que tenham sido estes momentos de oração, não recebi nenhuma orientação direta
sobre o que fazer."
"Nem eu."
"Só vocês não receberam", disse Bruce olhando de relance para Chloe, que
concordou com um movimento de cabeça. "Ficou claro para nós o que vocês devem
fazer. E ficou claro para cada um de vocês o que o outro deve fazer. Mas ninguém
poderá tomar decisões por vocês."
Buck acompanhou Chloe até a saída da igreja.
"Foi uma maravilha", ela disse.
Ele assentiu. "Não sei o que seria de mim sem aqueles dois."
"Aqueles dois?" Ela sorriu. "Você não deveria ter dito sem vocês?"
"Como eu poderia dizer isso a alguém que tem um admirador secreto?"
Ela piscou para ele. "Talvez você saiba melhor que eu."
"Falando sério, quem você acha que é?"
"Nem sei por onde começar."
"Há tantas possibilidades assim?"
"Poucas. Para falar a verdade, nenhuma."
Rayford estava começando a imaginar que Hattie Durham tinha algo a ver com as
flores de Chloe, mas não queria mencionar essa desconfiança à filha. Que espécie
de idéia maluca teria passado pela mente de Hattie para maquinar tal coisa? Seria
outro de seus trotes?
108
Na manhã de quarta-feira, Rayford teve a surpresa de ver o presidente da Pan-Con,
Leonard Gustafson, no escritório de Earl em O'Hare. Já se encontrara com ele duas
vezes. Quando desceu do elevador no piso inferior, Rayford deveria ter imaginado
que havia algo anormal. O lugar parecia diferente. Mesas bem arrumadas,
funcionários atarefados, gravatas com laços impecáveis e nenhum sinal de
desorganização. As pessoas lançavam olhares inquiridores enquanto Rayford
caminhava em direção ao escritório de Earl.
Gustafson, um ex-militar, era mais baixo que Rayford e mais magro que Earl, mas
sua presença ali parecia tomar conta do pequeno escritório de Earl. Havia uma
cadeira extra na sala. Quando Rayford entrou, Gustafson levantou-se rapidamente,
com a capa de uniforme ainda pendurada no braço, e cumprimentou-o
efusivamente.
"Steele, como vai você, homem?" ele disse, apontando uma cadeira como se
estivesse em seu próprio escritório. "Precisei vir a Chicago hoje para tratar de outro
assunto, e quando soube que você tinha um encontro com Earl, bem... quis passar
por aqui para felicitá-lo e liberá-lo e desejar-lhe muito sucesso."
"Liberar-me?"
"Bem, não para demiti-lo, é claro, mas para deixá-lo à vontade. Fique tranqüilo
porque não haverá nenhum ressentimento de nossa parte. Você teve uma carreira
extraordinária, ou melhor, brilhante na Pan-Con. Sentiremos sua falta e estamos
orgulhosos de você."
"A notícia já foi liberada oficialmente?" indagou Rayford.
Gustafson deu uma sonora gargalhada. "A notícia poderá ser liberada
imediatamente e fazemos questão de divulgá-la. Isso será motivo de orgulho para
você tanto quanto para nós. Você é dos nossos e a partir de agora será dele. Você
nem está acreditando, não?"
"Os outros candidatos foram eliminados?"
"Não, mas temos informações confidenciais de que o emprego é seu, se você
quiser."
"Como foi possível? Houve troca de favores?"
"Não, Rayford, trata-se de uma coisa meio maluca. Você deve ter amigos
influentes."
"Para ser franco, não. Não tive nenhum contato com o presidente e não conheço
nenhum de seus assessores."
"Aparentemente você foi recomendado pelo pessoal de Carpathia. Você o conhece?"
"Nunca o vi."
"Conhece alguém que o conheça?"
"A bem da verdade, conheço", murmurou Rayford.
"Você deu a cartada na hora certa", disse Gustafson, dando uma leve palmada no
ombro de Rayford. "Você é perfeito para a função, Steele. Estaremos torcendo por
você."
"Então não posso recusar, se quiser?"
Gustafson sentou-se, com o corpo inclinado para frente e os cotovelos apoiados nos
joelhos. "Earl me contou que você estava apreensivo. Não cometa o maior erro de
sua vida, Rayford. Você quer esse emprego. Sabe que quer. Ele está em suas
mãos. Agarre-o. Eu o agarraria. Earl o agarraria. Qualquer outra pessoa da lista
daria tudo por ele."
"E tarde demais para eu cometer o maior erro de minha vida", disse Rayford.
"Como é que é?" perguntou Gustafson, mas Rayford viu Earl tocar no braço dele,
como se o estivesse lembrando de que estava lidando com um fanático religioso
que acreditava ter perdido a oportunidade de ir para o céu. "Ah, sim, entendi. Eu
quis perguntar desde quando é tarde demais", emendou Gustafson.
"Sr. Gustafson, como é possível Nicolae Carpathia determinar ao presidente quem
109
deve ser o piloto de seu avião?"
"Não sei! E daí? Política é política, seja ela da parte dos democratas ou
republicanos, como acontece neste país, ou da parte dos trabalhistas ou
bolcheviques em outro lugar qualquer."
Rayford não gostou muito da analogia, mas não podia discutir sua lógica. "Então
alguém está fazendo negociatas e eu sou apenas o instrumento."
"Não é o que acontece com todos nós?" disse Gustafson. "Mas todos amam
Carpathia. Ele parece estar acima da política. Se eu tivesse o poder de adivinhar,
diria que o presidente está lhe cedendo o novo 757 só porque gosta dele."
Ah, sim, pensou Rayford, e eu sou o coelhinho da Páscoa.
"Então, vai aceitar o emprego?"
"Nunca fui pressionado a aceitar um emprego."
"Você não está sendo pressionado, Rayford. Gostamos muito de você. Apenas não
teríamos como justificar por que um de nossos melhores pilotos recusou o melhor
emprego do mundo."
"E sobre meu prontuário? Houve o registro de uma queixa contra mim."
Gustafson deu um sorriso de compreensão. "Uma queixa? Não ouvi falar de queixa
nenhuma. Você ouviu, Earl?"
"Nada chegou à minha mesa, senhor", ele disse. "E se tivesse chegado, teria sido
encaminhada imediatamente."
"A propósito, Rayford", disse Gustafson, "você conhece bem Nicholas Edwards?"
Rayford fez um movimento afirmativo com a cabeça.
"Ele é seu amigo?"
"Foi meu primeiro-piloto duas vezes. Gostaria de pensar que somos amigos."
"Você soube que ele foi promovido a capitão?"
Rayford balançou negativamente a cabeça. Política, ele pensou, carrancudo.
"Bom, não?" disse Gustafson.
"Muito bom", disse Rayford, com a cabeça rodando.
"Há outra coisa atrapalhando seu caminho?" perguntou Gustafson.
Rayford percebeu que suas desculpas estavam acabando. "No mínimo eu teria de
permanecer aqui em Chicago, e mesmo assim não estou afirmando que vou aceitar
o emprego."
Gustafson fez um trejeito com a boca e balançou a cabeça. "Earl já me contou isso.
Não compreendo. Achei que você gostaria de estar longe daqui, longe das
lembranças de sua mulher e de sua filha."
"Filho."
"Sim, o que estava na faculdade."
Rayford não o corrigiu, mas viu Earl estremecer levemente.
"De qualquer forma", disse Gustafson, "você poderia afastar sua filha de quem a
esteja perseguindo e..."
"Como?"
"...e arrumar um bom lugar para morar nos arredores de Washington."
"Perseguindo?"
"Bem, talvez isso não seja tão evidente ainda, Rayford, mas com certeza eu não ia
gostar que minha filha recebesse presentes anônimos de quem quer que fosse."
"Mas como o senhor...?"
"Rayford, você nunca se perdoaria se algo acontecesse à sua filha se tivesse a
oportunidade de afastá-la de quem a esteja ameaçando."
"Minha filha não está sendo perseguida nem ameaçada! Do que o senhor está
falando?"
"Estou falando das rosas ou de um buquê de flores. O que está por trás disso?"
"É o que eu gostaria de saber. Até onde sei, apenas três pessoas, além da que
enviou as flores, sabe disso. Como o senhor descobriu?"
110
"Não me lembro. Alguém já mencionou que às vezes uma pessoa tem um bom
motivo para sair de onde está da mesma forma que tem um bom motivo para
aceitar uma nova oportunidade."
"Mas se o senhor não estiver me pressionando, não terei nenhum motivo para sair
de onde estou."
"Nem mesmo se sua filha estiver sendo seguida por alguém?"
"Qualquer um que queira seguir minha filha poderá encontrá-la tanto em
Washington quanto aqui com a mesma facilidade", disse Rayford.
"Mas ainda..."
"Não me agrada a idéia de que o senhor esteja sabendo disso."
"Não recuse um emprego que vale uma vida inteira só por causa de um mistério
insignificante."
"Não é insignificante para mim."
"Gustafson levantou-se. "Não estou acostumado a implorar para que façam o que
peço."
"Então, se eu não aceitar o emprego, estarei liquidado na Pan-Con?"
"Deveria estar, mas acho que teríamos de enfrentar um processo de sua parte
depois de termos incentivado você a aceitar o emprego de piloto do presidente."
Rayford não tinha nenhuma intenção de dar entrada em um processo, mas
permaneceu calado.
Gustafson sentou-se novamente. "Faça-me um favor", ele disse. "Vá até
Washington. Converse com algumas pessoas, principalmente com os assessores do
presidente. Diga-lhes que concorda em pilotar o avião que voará até Israel para a
assinatura do tratado de paz. Depois decida o que fazer. Você me faria esse favor?"
Rayford sabia que Gustafson jamais lhe diria quem o informou a respeito das flores
de Chloe e achou que o melhor seria perguntar a Hattie. "Sim", respondeu ele.
"Farei isso."
"Ótimo!" disse Gustafson, cumprimentando Rayford e Earl. "Penso que já
percorremos metade do caminho. Earl, providencie para que o vôo de hoje de
Rayford para Baltimore seja o último antes de sua viagem a Israel. Ou melhor,
como Rayford estará bem perto de Washington, arrume outro piloto para trazer o
avião de volta de modo que ele possa encontrar-se com o pessoal da Casa Branca
ainda hoje. Você pode providenciar isso?"
"Já está providenciado, senhor."
"Earl", disse Gustafson, "se você fosse dez anos mais novo, seria o homem ideal
para esse emprego."
Rayford percebeu uma expressão de mágoa no rosto de Earl. Gustafson não sabia o
quanto Halliday havia desejado aquela posição. No caminho para tomar o avião,
Rayford verificou sua caixa de correspondência. Entre outros pacotes e
memorandos internos havia um bilhete. Dizia simplesmente o seguinte: "Obrigado
por seu aval à minha recente promoção. Agradeço muito. E boa sorte a você.
Capitão Nicholas Edwards."
Algumas horas depois, quando saía da cabina de piloto de seu 747 em Baltimore,
Rayford deparou com um funcionário da Pan-Con que lhe entregou as credenciais
para entrar na Casa Branca. Assim que lá chegou, passou com facilidade pelo
portão. Um segurança cumprimentou-o pelo nome e desejou-lhe boa sorte. Quando
finalmente chegou ao escritório de um assistente do chefe de gabinete, Rayford
deixou claro que concordava apenas em ser o piloto do avião que voaria para Israel
na segunda-feira da semana seguinte.
"Muito bem", disse o assistente. "Já começamos a providenciar a checagem de suas
referências e atestado de idoneidade, a investigação no FBI e a entrevista com o
Serviço Secreto. Como esse processo é um pouco demorado, por ora o senhor
poderá demonstrar suas aptidões para nós e para o presidente, sem ser
111
responsável por ele, até que as investigações sobre sua vida sejam finalizadas.
"Então, os senhores estão me autorizando a transportar o secretário-geral da ONU
com menos burocracia do que necessitam para o presidente?"
"Exatamente. De qualquer forma, o senhor já foi aprovado pela ONU."
"Fui?"
"Foi."
"Por quem?"
"Pelo próprio secretário-geral..
Buck estava falando ao telefone com Marge Potter, do Semanário Global em Nova
York, quando tomou conhecimento da notícia. O mundo inteiro passaria a usar o
dólar como moeda corrente dentro de um ano. O plano seria iniciado e dirigido pela
Organização das Nações Unidas, sendo que um décimo do imposto de um por cento
sobre cada dólar seria revertido à ONU.
"Parece razoável, não?" perguntou Marge.
"Pergunte ao editor financeiro, Marge", disse Buck. "A arrecadação será de
montanhas de dinheiro por ano."
"E o que representa isto?"
"Mais do você e eu somos capazes de contar", disse Buck, com um suspiro. "Você
ficou de fazer alguns contatos, Marge, a respeito de encontrar alguém que pudesse
ajudar a organizar as entrevistas sobre religião."
Ele percebeu que Marge mexia em papéis sobre a mesa. "O pessoal ligado à religião
universal está aqui em Nova York", ela disse. "Eles irão embora na sexta-feira, mas
poucos seguirão para Israel. Tentaremos entrar em contato com aqueles dois
malucos do Muro das Lamentações, mas os entendidos daqui aconselham a não
contarmos com isso."
"Vou aproveitar as oportunidades."
"E para onde você quer que seus restos mortais sejam enviados?"
"Vou sobreviver."
"Ninguém conseguiu."
"Não vou ameaçá-los, Marge. Vou ajudá-los a divulgar a mensagem deles."
"Se é que eles têm."
"Você entende por que precisamos fazer uma reportagem sobre eles."
"A vida é sua, Buck."
"Obrigado."
"E quando você estiver por aqui, será conveniente ter um encontro com o cardeal
Mathews. Ele está viajando constantemente de Nova York até a arquidiocese de
Cincinnati para participar das reuniões da religião universal. Em seguida, irá para o
Vaticano para a eleição do papa, logo após a assinatura do tratado na próxima
segunda-feira."
"Ele estará em Jerusalém?"
"Ah, sim. Se o cardeal Mathews for eleito o novo papa, há rumores de que ele fará
alguns contatos em Jerusalém para erigir ali um santuário ou coisa parecida. Mas
os católicos jamais deixarão o Vaticano, não?"
"Nunca se sabe, Marge."
"Bem, isso é verdade. Mal tenho tempo para pensar nessas coisas porque estou
sempre trabalhando para você e para todo o pessoal daqui que não consegue andar
com as próprias pernas."
"Você é excelente, Marge."
"A bajulação vai atrapalhar você."
"Atrapalhar no quê?"
"Sei lá, vai atrapalhar."
"E quanto ao assunto do rabino?"
112
"O rabino recusa-se a dar qualquer entrevista antes de apresentar os resultados de
sua pesquisa."
"E quando vai ser isso?"
"Fiquei sabendo hoje que a CNN lhe está concedendo uma hora ininterrupta em sua
comunicação internacional via satélite. Os judeus do mundo inteiro poderão ver o
programa ao mesmo tempo, mas evidentemente alguns terão de acordar no meio
da noite."
"E esse programa, quando será?"
"Na segunda-feira à tarde, após a assinatura do tratado, que será às dez da
manhã, horário de Jerusalém. O pronunciamento do rabino Ben-Judá irá ao ar
durante uma hora, a partir das duas da tarde."
"Um plano muito astuto. O programa irá ao ar exatamente quando a nata da
imprensa mundial estiver em Jerusalém."
"Todos aqueles religiosos são astutos, Buck. O indivíduo que provavelmente será o
novo papa estará presente por ocasião da assinatura do tratado, fazendo média
com os israelitas. O rabino se considera tão importante que a assinatura do tratado
terá um brilho muito maior em razão da leitura de sua pesquisa. Com certeza,
naquele momento estarei assistindo ao meu programa favorito de TV. Não quero
ver de maneira nenhuma essa baboseira."
"Ora, vamos, Marge. Ele vai contar como você poderá encontrar o Messias."
"Não sou judia."
"Também não sou judeu, mas eu gostaria muito de poder reconhecer o Messias. E
você?"
"Você está querendo me tirar do sério para que eu lhe diga a verdade pelo menos
uma vez, Buck? Acho que já vi o Messias. Acho que o conheço. Se é que existe
realmente alguém enviado por Deus para salvar o mundo, acho que esse alguém é
o novo secretário-geral da ONU."
Buck sentiu um calafrio.
O nome de Rayford constava da lista de prioridade como passageiro de primeira
classe para o próximo vôo de Baltimore para Chicago. Ele telefonou para Chloe do
aeroporto informando que chegaria um pouco mais tarde.
"Hattie Durham está à sua procura."
"O que ela quer?"
"Está tentando marcar uma entrevista entre você e Carpathia antes que você seja
seu piloto."
"Serei seu piloto na viagem de ida e volta a Tel-Aviv. Por que deveria encontrar-me
com ele?"
"Talvez seja por esse motivo que ele queira ver você antes. Hattie lhe contou que
você é cristão."
"Que maravilha! Ele jamais vai confiar em mim."
"Talvez ele queira vigiá-lo."
"De qualquer forma, preciso conversar com Hattie pessoalmente. Quando Carpathia
quer me ver?"
"Amanhã."
"De repente, minha vida passou a ser muito agitada. Você tem alguma novidade?"
"Hoje recebi mais um presente de meu admirador secreto", ela disse. "Bombons,
desta vez."
"Bombons!" exclamou Rayford, assustado depois do que ouviu de Leonard
Gustafson. "Você não comeu nenhum, não?"
"Ainda não. Por quê?"
"Não toque nessa coisa antes de saber quem mandou."
"Ora, papai!"
113
"Nunca se sabe, querida. Por favor, não corra riscos."
"Está bem, mas são meus bombons prediletos! Parecem apetitosos.
"Não tente abri-los até sabermos de onde vieram, está bem?"
"Está bem, mas você vai querer experimentar um. São iguais aos que você sempre
me traz de Nova York, daquela pequena rede de lojas de departamentos."
"Bombons Windmill com recheio de hortelã, da Holman Meadows?"
"Exatamente."
Aquilo era o maior dos insultos. Quantas vezes Rayford havia mencionado a Hattie
que precisava comprar bombons com recheio de hortelã naquela loja durante suas
escalas em Nova York! Ela chegou a acompanhá-lo mais de uma vez. Então Hattie
não estava tentando esconder que partiam dela os misteriosos presentes. Qual
seria o objetivo? Não poderia ser uma vingança uma vez que ele sempre a tratara
como cavalheiro. O que isso tinha a ver com Chloe? Será que Carpathia tinha
conhecimento - ou estava por trás - de uma coisa tão banal?
Rayford descobriria, disso ele tinha certeza.
Buck sentia-se animado novamente. Depois dos desaparecimentos, sua vida esteve
tão tumultuada que ele pensava consigo mesmo se conseguiria voltar à rotina
agitada da qual tanto gostava. Sua jornada espiritual não tinha nada a ver com seu
rebaixamento de cargo e transferência. Mas agora ele parecia ter voltado a cair nas
graças da diretoria do Semanário Global, e usara sua sensibilidade para fazer a
troca das reportagens consideradas por ele as mais sensacionais do mundo inteiro.
Sentou-se em seu escritório doméstico improvisado e voltou a fazer suas tarefas
costumeiras, tais como enviar fax e e-mails, trabalhar com Marge e com os
repórteres do Semanário e fazer contatos telefônicos. Ele precisava entrevistar
muitas pessoas em curto espaço de tempo e todos os acontecimentos pareciam
estar pipocando na mesma hora.
Embora estivesse horrorizado com o que acontecera, Buck gostava de seu trabalho
agitado. Desejava muito convencer sua família a respeito da verdade. Contudo, seu
pai e seu irmão, não lhe dariam ouvidos, e se ele não estivesse tão atarefado com
seu trabalho empolgante e polêmico, aquele fato em si teria sido suficiente para
deixá-lo completamente desnorteado.
Buck tinha apenas poucos dias, antes e depois da assinatura do tratado, para
aprontar seu trabalho. Parecia que sua vida inteira estava agora girando em alta
velocidade, e ele procurava aproveitar ao máximo esse período de sete anos. Ele
não sabia como seria o reino celestial na terra, embora Bruce estivesse tentando
explicar isso a ele, a Rayford e a Chloe. Buck aguardava com ansiedade o Glorioso
Aparecimento e o reinado de Cristo na terra durante mil anos. Porém, pelo que
aprendera até aquele momento, qualquer coisa normal que ele desejasse fazer -
como, por exemplo, reportagens e artigos sobre fatos a serem investigados, paixão
por uma mulher, casamento e talvez filhos - teria de ser feita em breve.
Chloe era o que Buck tinha de melhor em sua nova vida. Mas será que haveria
tempo para aprender a lidar com um relacionamento que prometia ir além das
experiências que ele já tivera? Ela era diferente de qualquer mulher que ele
conhecera e, mesmo assim, não sabia distinguir essa diferença. A nova fé de Chloe
a enriquecera e transformara em outra pessoa, mas ele sentiu atração por ela
antes de ambos aceitarem a Cristo.
A idéia de que o encontro de ambos foi obra de um plano divino deixava Buck
maravilhado. Como ele gostaria de tê-la conhecido alguns anos antes e serem
arrebatados juntos! Se ele quisesse passar algum tempo ao lado dela antes de sua
viagem a Israel, teria de ser naquele mesmo dia.
Buck olhou para o relógio. Havia tempo para mais um telefonema antes de falar
com Chloe.
114
Rayford cochilava na primeira classe, com os fones de ouvido ligados. As imagens
do noticiário povoavam a tela à sua frente, mas ele perdera o interesse por
reportagens sobre os índices de criminalidade nos Estados Unidos. Ao ouvir o nome
de Carpathia, despertou. O Conselho de Segurança das Nações Unidas estava se
reunindo várias horas por dia com o objetivo de finalizar os planos para a moeda
universal e o desarmamento em massa que o secretário-geral havia estabelecido.
Originalmente, a idéia era destruir 90 por cento das armas e doar à ONU os 10 por
cento restantes. Agora, os países aliados teriam de alistar seus soldados na força
militar da ONU em prol da paz.
Carpathia pedira ao presidente dos Estados Unidos que encabeçasse o comitê de
inspeção, uma atitude altamente controvertida. Os países inimigos dos Estados
Unidos chamaram Fitzhugh de tendencioso e desleal, considerando-se prejudicados
porque estariam destruindo suas armas ao passo que os Estados Unidos estariam
aumentando seu potencial bélico.
Carpathia estava abordando esses assuntos, como sempre de maneira direta e
simpática. Rayford deu de ombros enquanto ouvia. Se não tivesse se tornado
cristão, com certeza ele teria defendido esse homem e confiado nele.
"Os Estados Unidos têm sido um país mantenedor da paz desde muito tempo",
disse Carpathia. "Este país dará o exemplo, destruindo seus armamentos e
enviando os 10 por cento restantes para a Nova Babilônia. Os povos do mundo
inteiro poderão vir até aqui e inspecionar o trabalho feito pelos Estados Unidos,
para verem com seus próprios olhos o cumprimento desta determinação e seguirem
o exemplo.
"Permitam-me fazer um adendo", disse o secretário-geral. "Esta é uma tarefa
importante e grandiosa que talvez levasse anos para ser concluída. Cada país
poderia retardar mês após mês o processo de remessa, mas não devemos permitir
que isso aconteça. Os Estados Unidos da América do Norte darão o exemplo e
nenhum outro país deverá demorar mais do que eles para destruir suas armas e
doar o restante. Quando a nova sede da Organização das Nações Unidas estiver
instalada na Nova Babilônia, as armas estarão em seu devido lugar.
"A era da paz está próxima, e o mundo finalmente estará no limiar de tornar-se
uma comunidade global."
O pronunciamento de Carpathia foi seguido de aplausos ensurdecedores, até
mesmo por parte da imprensa.
Mais tarde, no mesmo noticiário, Rayford assistiu a uma breve edição especial
sobre o novo Air Force One, um 757 que pousaria no Aeroporto Dulles, em
Washington, e em seguida voaria para Nova York a fim de aguardar seu vôo
inaugural sob a direção de "um novo capitão a ser anunciado em breve. Esse
homem foi selecionado de uma lista dos melhores pilotos das principais empresas
aéreas".
Um outro noticiário mencionava que Carpathia havia dito que ele e o conselho
ecumênico dos líderes religiosos do mundo inteiro fariam um importante
pronunciamento na tarde do dia seguinte.
Buck conseguiu falar por telefone com o assistente do cardeal arcebispo Peter
Mathews em Cincinnati. "Sim, ele está aqui, descansando. Partirá amanhã cedo
para Nova York para estar presente na reunião de encerramento do conselho
ecumênico. De lá seguirá para Israel e depois para o Vaticano."
"Eu estou às ordens para ir a qualquer lugar, a qualquer hora, como ele preferir.",
disse Buck.
"Ligarei para o senhor de volta dentro de trinta minutos, dando-lhe uma resposta."
Buck telefonou para Chloe. "Meu tempo está muito escasso", ele disse, "mas será
115
que poderíamos nos encontrar, só nós dois, antes da reunião desta noite?"
"Claro, o que houve?"
"Nada específico", ele respondeu. "Eu só gostaria de passar alguns momentos com
você, agora que sabe que sou um homem livre."
"Livre? É isso que você é?"
"Sim, madame! E você?"
"Acho que também sou livre. Isso significa que temos algo em comum."
"Você tinha algum plano para hoje à noite?"
"Não. Papai chegará mais tarde. Ele foi entrevistado na Casa Branca hoje."
"Então ele vai aceitar o emprego?"
"Ele vai fazer a vôo inaugural e decidir depois."
"Eu poderia estar naquele vôo."
"Eu sei."
"Então, posso buscá-la às seis?" perguntou Buck.
"Eu adoraria."
Conforme prometeu, o assistente do cardeal Mathews telefonou para Buck, dando
boas notícias. Por ter gostado muito da entrevista que concedera anteriormente a
Buck, a qual seria brevemente publicada como reportagem de capa, o cardeal
mandou o assistente dizer que o convidava para viajar junto com ele para Nova
York na manhã seguinte.
Buck reservou lugar no último vôo daquela noite, de O'Hare para Cincinnati.
Surpreendeu Chloe ao aparecer em sua casa às seis horas da tarde levando comida
chinesa. Contou a ela sobre seus planos de viajar ainda naquela noite e
complementou: "Eu não quis perder nosso precioso tempo tentando descobrir um
lugar para jantarmos."
"Meu pai ficará com inveja quando chegar", ela disse. "Ele adora comida chinesa."
Enfiando a mão dentro de uma grande sacola, Buck retirou um prato extra e disse
sorrindo. "É preciso deixar o papai feliz."
Buck e Chloe sentaram-se na cozinha para comer e conversaram por mais de uma
hora. A conversa girou em torno dos mais variados assuntos a infância de
ambos,
suas famílias, principais acontecimentos, esperanças, temores e sonhos. Buck
gostava muito de ouvir Chloe falar, não só pelo que ela dizia, mas pelo som de sua
voz. Ele não sabia se ela era a melhor pessoa com quem já conversara ou se
simplesmente estava apaixonado. Provavelmente as duas coisas, ele concluiu.
Quando Rayford chegou, encontrou Buck e Chloe diante do computador de Raymie,
que não havia sido ligado desde a semana dos desaparecimentos. Em poucos
minutos Buck havia estabelecido conexão entre Chloe e a Internet e conseguido um
endereço eletrônico para ela. "Agora você poderá localizar-me em qualquer lugar
do mundo", ele disse.
Rayford deixou Buck e Chloe sozinhos diante do computador e examinou os
bombons da Holman Meadows. Ainda estavam embalados em papel celofane e
tinham sido entregues por uma empresa conceituada. Estavam endereçados a
Chloe, mas não havia nenhum cartão. Rayford notou que não havia sinal de
violação na embalagem. Decidiu que, mesmo que tivessem sido enviados por Hattie
Durham por algum motivo inexplicável, não faria sentido deixar de saboreá-los.
"Seja lá quem for que esteja apaixonado por sua filha, com certeza tem bom
gosto", disse Buck.
"Obrigada", disse Chloe.
"Eu quis dizer bom gosto para escolher bombons com recheio de hortelã."
Chloe corou. "Entendi o que você quis dizer."
Por insistência de Rayford, Buck concordou em deixar seu carro na garagem da
116
casa dos Steeles durante sua viagem. Buck e Chloe saíram mais cedo da reunião da
Força
Tribulação direto para o aeroporto. O trânsito estava menos congestionado do que
o normal e eles chegaram ao aeroporto com mais de uma hora de antecedência.
"Poderíamos ter ficado mais tempo na igreja", disse Buck.
"É melhor chegar com antecedência, você não acha?" ela disse. "Detesto chegar em
cima da hora."
"Eu também", ele disse, "mas é o que sempre acontece comigo. Você poderá
deixar-me no meio-fio."
"Eu posso até a hora do vôo, se você não se importar de pagar o estacionamento."
"Você não tem medo de voltar sozinha para pegar o carro a esta hora da noite?"
"Já fiz isso muitas vezes", ela disse. "Há muitos seguranças por aqui."
Ela estacionou o carro e ambos atravessaram juntos o enorme terminal. Ele levava
sua sacola de couro a tiracolo, contendo tudo o que havia de mais precioso em sua
vida. Chloe parecia embaraçada, mas não havia outra sacola para ela carregar.
Como eles ainda não haviam chegado à fase de andar de mãos dadas, continuaram
a caminhar lado a lado. Todas as vezes que Buck virava-se para que ela pudesse
ouvi-lo, sua sacola saía do lugar e a tira escorregava do ombro, portanto
resolveram seguir em silêncio até o portão.
Ao fazer o check-in, Buck constatou que havia poucos passageiros em seu vôo.
"Gostaria que você fosse comigo", ele disse suavemente.
"Eu gostaria...", ela começou a falar, mas aparentemente arrependeu-se.
"Do quê?"
Ela balançou a cabeça.
"Você também gostaria de ir comigo?"
Ela assentiu. "Mas não posso e não vou, portanto não há o que discutir."
"E o que eu faria com você?" perguntou ele. "Colocaria você dentro da sacola?"
Ela riu.
Ambos permaneceram diante das paredes envidraçadas, observando os
carregadores de malas e os controladores do tráfego de terra. Buck fingia olhar
através do vidro, mas fixava-se no reflexo de Chloe a pouca distância dele. Por
duas vezes Buck percebeu que Chloe desviou o olhar da pista para o vidro, e
imaginou que deveria estar atraindo o olhar dela. Assim fosse verdade, ele pensou.
"O vôo atrasará vinte minutos", avisou a funcionária do balcão.
"Não se sinta obrigada a aguardar, Chloe", disse Buck. "Quer que eu a acompanhe
até o carro?"
Ela riu novamente. "Você é paranóico quanto a estacionamentos grandes e antigos,
não é mesmo? Combinamos que eu o traria até aqui, ficaria a seu lado para você
não sentir-se sozinho e aguardaria até você entrar no avião. No momento da
decolagem vou acenar para você, fingir que não consigo sair do lugar e só voltarei
para o estacionamento quando o avião desaparecer de vista."
"O quê? Você sempre faz isso quando acompanha alguém?"
"Claro. Agora sente-se, relaxe e finja que está acostumado a viajar pelo mundo
inteiro."
"Gostaria de fingir pelo menos uma vez que não estou acostumado."
"Então você ficaria nervoso e precisaria de minha companhia?"
"Preciso de você em qualquer circunstância."
Ela desviou o olhar. Vá devagar, ele disse a si mesmo. Essa era a parte mais
divertida, a fase de defesa mútua, mas também era extremamente incerta. Ele não
queria dizer coisas a ela que não teria dito se não fosse pelo fato de permanecer
longe durante alguns dias.
"Preciso de você aqui", ela disse suavemente, "mas você está me abandonando."
"Eu jamais faria isso." "O quê? Abandonar-me?"
117
"Jamais", ele disse em tom de brincadeira para não afugentá-la. "Isso é animador.
Não gosto dessa história de abandonar."
Rayford aguardava a chegada de Chloe enquanto arrumava as coisas para sua
rápida viagem a Nova York na tarde do dia seguinte. Earl telefonara querendo saber
se Rayford recebera algum telefonema do escritório de Carpathia.
"Essa tal de Hattie Durham é a mesma que trabalhou conosco?" perguntou Earl.
"Exatamente a mesma."
"Ela é secretária de Carpathia?"
"Mais ou menos isso.
"Que mundo pequeno!"
"Acho que seria tolice de minha parte dizer-lhe para tomar cuidado em Cincinnati,
Nova York e Israel, considerando tudo o que você já passou", disse Chloe.
Buck sorriu. "Não comece com suas despedidas antes de estar pronta para ir
embora."
"Vou ficar aqui até seu avião desaparecer de vista. Eu já disse isso."
"Temos tempo para comer um doce", ele disse, apontando para um balcão no
corredor.
"Já comemos a sobremesa", ela disse. "Chocolates e doces."
"Biscoitinhos da sorte não valem", ele disse. "Vamos. Você se lembra do nosso
primeiro doce?"
No dia em que se conheceram, Chloe havia comido um doce e ele retirara com o
polegar um pedacinho de chocolate que ficou grudado no canto de sua boca. Em
seguida, sem saber o que fazer, ele havia lambido o polegar.
"Eu fui uma tola", ela disse. "E você tentou levar na brincadeira."
"Você gostaria de comer um doce?" perguntou Buck, iniciando a mesma brincadeira
que ela fizera com ele no dia em que se conheceram em Nova York.
"Por quê? Eu pareço um?"
Buck riu, não porque a brincadeira foi mais engraçada do que na primeira vez, mas
porque foi um fato tolo acontecido entre eles.
"Não estou com fome", ela disse enquanto ambos observavam através do vidro um
jovem atendente aguardando o pedido com ar de tédio.
"Eu também não", disse Buck. "É para comermos mais tarde."
"Mais tarde ainda hoje ou mais tarde amanhã?" ela perguntou.
"Quando nossos relógios estiverem sincronizados."
"Vamos comer os doces juntos? Quero dizer, na mesma hora?"
"Não seria ótimo?"
"Sua imaginação não tem fim."
Buck pediu dois doces, em pacotes separados.
"Não posso fazer isso", disse o jovem.
"Então quero um só", disse Buck, com o dinheiro na mão e entregando algumas
moedas a Chloe.
"E eu também quero um", ela disse, mostrando as moedas.
O jovem fez uma careta, resolvendo atender ao pedido inicial de Buck, e fez o
troco.
"Um jeito a mais de convencer alguém", disse Buck.
Eles caminharam lentamente de volta ao portão. Havia mais alguns passageiros à
espera e a funcionária do balcão avisou que o avião deles finalmente tinha
chegado. Buck e Chloe sentaram-se observando os passageiros que caminhavam
em fila, parecendo cansados.
Buck embrulhou cuidadosamente seu doce e colocou-o na sacola. "Estarei voando
para Nova York amanhã cedo, às oito horas", ele disse. "Vou comer este doce na
118
hora do café, pensando em você."
"Aqui serão sete horas", disse Chloe. "Ainda estarei na cama, pensando em meu
doce e sonhando com você."
Ainda estamos nos testando, pensou Buck. Nenhum de nós quer falar sério.
"Então vou esperar você se levantar", ele disse. "Diga-me quando vai comer seu
doce."
"Chloe olhou para cima. "Hummm, ela brincou. "A que horas você estará em sua
reunião mais importante, mais formal?"
"Provavelmente no final da manhã em um dos grandes hotéis de Nova York.
Carpathia estará lá para fazer um pronunciamento em conjunto com o cardeal
Mathews e outros líderes religiosos."
"Então vou comer meu doce nessa hora", disse Chloe. "E duvido que você também
coma o seu nessa hora."
"Você vai aprender a não duvidar de mim." Buck sorriu, mas não estava brincando.
"Não sei o que é medo."
"Pois sim!" ela disse. "Você tem medo do estacionamento daqui e não é capaz de
atravessá-lo sozinho!"
Buck pegou o pacote de doce da mão dela.
"O que você está fazendo?" ela perguntou. "Não estamos com fome, lembra-se?"
"Quero só cheirá-lo", ele disse. "O aroma ajuda a memória."
Buck abriu o pacote do doce de Chloe e aproximou-o do nariz. "Que cheiro bom!
Não sei se é da massa, do chocolate, das nozes ou da manteiga."
Ele aproximou o doce do nariz de Chloe. "Adoro esse cheiro", ela disse.
Com a outra mão, Buck segurou o queixo de Chloe. Ela não se retraiu e fixou os
olhos nos dele. "Lembre-se deste momento", ele disse. "Estarei pensando em você
enquanto estiver longe."
"Eu também", ela disse. "Agora feche o pacote. O doce precisa permanecer fresco
para que o cheiro me faça lembrar de você."
Rayford despertou mais cedo que Chloe e dirigiu-se para a cozinha. Pegou o pacote
de doce que estava no balcão. Sobrou um, ele pensou, e teve vontade de comê-lo.
Em vez disso, escreveu o seguinte bilhete a Chloe: "Espero que você não se
importe. Não pude resistir." No verso ele escreveu: "Foi brincadeira", e colocou o
bilhete em cima do pacote. Tomou café e suco. Depois, trocou de roupa e saiu para
sua corrida matinal.
Buck sentou-se na primeira classe com o cardeal Mathews no vôo da manhã de
Cincinnati para Nova York. Mathews tinha pouco menos de 60 anos e era um
homem forte de rosto redondo e cabelos bem aparados, cuja cor parecia natural.
Sua posição eclesiástica era evidenciada apenas por seu colete clerical. Carregava
uma fina maleta e um computador portátil. Buck notou que ele havia embarcado
quatro malas.
Mathews tinha um acompanhante, que simplesmente desviava a atenção das
pessoas e falava pouco. O acompanhante mudou-se para a poltrona da frente de
modo que Buck pudesse sentar-se ao lado do arcebispo. "Por que o senhor não me
contou que era candidato a sucessor do papa?" indagou Buck.
"É melhor não entrarmos desde já neste assunto", disse Mathews. "Você gosta de
tomar champanhe de manhã?"
"Não, obrigado."
"Bem, se você não se importar, preciso tomar algo estimulante."
"Esteja à vontade. Avise-me quando o senhor estiver disposto a conversar."
O acompanhante de Mathews ouviu a conversa e fez um sinal para a comissária de
bordo, que imediatamente trouxe uma taça de champanhe ao cardeal. "O de
119
sempre, não é mesmo?" ela perguntou.
"Obrigado, Caryn", ele disse, como se a comissária fosse uma velha amiga.
Aparentemente era. Depois que ela foi embora, ele sussurrou: "Ela é da família
Litewski, de minha primeira paróquia. Foi batizada por mim. Trabalha neste vôo há
anos. Mas sobre o que estávamos falando?"
Buck não respondeu. Sabia que o cardeal ouvira o que ele disse e se lembrava da
pergunta. Se quisesse que fosse repetida para satisfazer seu próprio ego, ele que a
repetisse.
"Ah, sim, você queria saber por que não mencionei que era candidato a sucessor do
papa. Pensei que todos soubessem. Carpathia sabia."
Aposto que sim, pensou Buck. Provavelmente maquinou isso. "Carpathia espera
que o senhor seja o próximo papa?"
"Trata-se de um assunto confidencial", sussurrou Mathews. "Já está tudo acertado.
"Nós temos os votos."
"Nós?"
"É uma forma de dizer. Nós, eu. Eu tenho os votos, você entende?"
"Como o senhor pode ter tanta certeza assim?"
"Fui membro do Sacro Colégio por mais de dez anos. O fato de vir a ser papa não
me surpreende. Você sabe como Nicolae me chama? Ele me chama de P.M."
Buck deu de ombros. "Ele o chama por suas iniciais? Existe algum significado?"
O acompanhante de Mathews olhou para trás por entre as poltronas e balançou a
cabeça. Eu devia saber, conjeturou Buck. Mas ele nunca receou fazer perguntas
tolas.
"Pontifex Maximus", disse Mathews, radiante. "Supremo Papa."
"Parabéns", disse Buck.
"Obrigado, mas espero que você saiba que Nicolae tem outros planos em mente
para meu pontificado do que meramente ser o líder da Santa Madre Igreja Católica
Romana."
"Diga-me quais são."
"Serão anunciados no final desta manhã, e se você não mencionar que fui eu quem
disse, vou lhe dar a notícia em primeira mão."
"Por que o senhor faria isso?"
"Porque gosto de você."
"O senhor mal me conhece."
"Mas conheço Nicolae."
Buck afundou-se na poltrona. "E Nicolae gosta de mim."
"Exatamente."
"Então esta viagem em sua companhia não aconteceu por causa de meu trabalho."
"Ah, não", disse Mathews. "Carpathia deu boas referências suas. Quer que eu lhe
conte tudo. Só não me julgue um homem mau nem pense que estou fazendo
autopromoção ao lhe contar isso."
"O pronunciamento dará essa idéia do senhor?"
"Não, porque o próprio Carpathia fará o pronunciamento."
"Estou ouvindo."
"Escritório do secretário-geral Carpathia. Quem fala é a Srta. Durham."
"Aqui é Rayford Steele."
"Rayford! Como vai..."
"Deixe-me ir direto ao assunto, Hattie. Quero chegar um pouco mais cedo esta
tarde para poder conversar com você em particular por alguns minutos."
"Seria maravilhoso, capitão Steele. Porém, devo dizer-lhe antecipadamente que já
tenho alguém em vista."
"Não achei graça."
120
"Eu não quis fazer graça."
"Você terá um tempo disponível?"
"Com certeza. Sua reunião com o secretário-geral Carpathia está marcada para as
quatro horas. Posso esperá-lo às três e meia?"
Rayford desligou o telefone enquanto Chloe entrava na cozinha, vestida para
trabalhar na igreja. Ela leu o bilhete. "Oh, papai! Não acredito que você tenha feito
isso!" Rayford achou que a filha estava prestes a romper em prantos. Ela pegou o
pacote e chacoalhou-o. Assim que virou o bilhete do outro lado, fez uma expressão
de alívio e riu. "Seja adulto, papai. Pelo menos uma vez na vida, aja de acordo com
sua idade."
Ele estava se aprontando para dirigir-se para o aeroporto, e ela para o trabalho,
quando a CNN mostrou ao vivo uma entrevista coletiva à imprensa diretamente da
reunião dos líderes religiosos em Nova York. "Veja isto, papai", ela disse. "Buck
está lá."
Rayford colocou sua bagagem de mão no chão e postou-se ao lado de Chloe, que
segurava uma caneca de café com as duas mãos. O correspondente da CNN
explicava o que estava acontecendo. "Estamos aguardando um pronunciamento em
conjunto da coalizão dos líderes religiosos e da Organização das Nações Unidas,
representada pelo novo secretário-geral Nicolae Carpathia. Ele parece ser a
personalidade do momento. Ajudou a elaborar as proposições e a reunir os
representantes de uma ampla gama de crenças. Desde que ele assumiu o cargo,
não passou um dia sequer sem que houvesse um importante acontecimento.
"Especula-se por aqui que as religiões do mundo vão fazer uma nova tentativa no
sentido de lidar com as questões de natureza global de uma forma mais coesiva e
tolerante como nunca fizeram. O ecumenismo fracassou no passado, mas em breve
veremos que desta vez existe uma nova maneira de fazer com que finalmente ele
seja posto em prática. Neste momento está subindo à tribuna o cardeal arcebispo
Peter Mathews, prelado da arquidiocese da Igreja Católica Romana em Cincinnati e
considerado por muitos como um forte candidato a sucessor do Papa João IV,
cuja atuação polêmica durou apenas cinco meses até ser incluído na lista dos que
desapareceram algumas semanas atrás."
A TV exibiu uma imagem panorâmica da plataforma diante dos jornalistas, onde
mais de duas dúzias de religiosos do mundo inteiro, todos vestidos com trajes de
seus países de origem, dirigiam-se para seus respectivos lugares. Assim que o
arcebispo Mathews abriu caminho até o lugar destinado aos microfones, Rayford
ouviu Chloe dar um grito.
"Lá está Buck, papai! Olhe! Bem ali!"
Ela apontava para um repórter que não se encontrava no meio da multidão de
jornalistas, mas que parecia estar balançando na beira da plataforma. Era Buck,
tentando manter o equilíbrio. Por duas vezes ele desceu e subiu novamente na
plataforma.
Enquanto Mathews discorria em tom monótono a respeito da cooperação
internacional, Rayford e Chloe fixavam os olhos em um canto no fundo da
plataforma onde estava Buck. Ninguém mais teria notado sua presença. "O que ele
tem nas mãos?" perguntou Rayford. "Parece um bloco de anotações ou um
gravador."
Chloe aproximou-se do aparelho de TV e respirou fundo. Correu até a cozinha e
voltou com o pacote de doce. "E o doce dele!" ela disse. "Vamos comer nossos
doces na mesma hora!"
Rayford não entendeu nada, mas com certeza gostou de não ter comido aquele
doce. "O quê...?" ele começou a falar, mas Chloe pediu-lhe silêncio.
"Tem o mesmo cheiro de ontem à noite!" ela disse.
Rayford deu uma risada de desdém. "O que tem o mesmo cheiro de ontem à
121
noite?"
"Silêncio!"
Enquanto ambos fitavam a tela da TV, Buck enfiou rapidamente a mão dentro do
pacote e, de modo disfarçado e quase invisível pegou o doce, colocou-o na boca e
deu uma mordida. Chloe acompanhou os gestos dele e Rayford notou que ela ria e
chorava ao mesmo tempo.
"Você não deve estar regulando bem", ele disse, e saiu para o aeroporto.
Buck não fazia idéia se sua pequena artimanha tinha sido notada por alguém, muito
menos por Chloe Steele. O que aquela moça estava fazendo com ele? Algo estranho
havia acontecido. Ele, que era um famoso jornalista internacional, de repente
passara a ser um homem romântico cometendo tolices para chamar a atenção. Não
muita atenção, assim ele esperava. Poucas pessoas costumam notar o que se passa
nos cantos de uma tela de TV. Chloe poderia estar assistindo ao noticiário sem tê-lo
visto.
Mais importante do que seus esforços para chamar a atenção foi um acontecimento
maior ainda que, em outra ocasião, poderia ter sido rotulado de típica confabulação
internacional. Quer fosse pelo fato de prometer apoio ao pontificado de Mathews
quer fosse por sua sinistra habilidade em cativar as pessoas, Nicolae Carpathia
tinha conseguido que aqueles líderes religiosos elaborassem uma proposição de um
incrível significado.
Além de anunciarem seus esforços e cooperação no sentido de serem mais
tolerantes uns com os outros, eles também estavam anunciando a formação de
uma religião totalmente nova, que incorporaria os dogmas de todas as já
existentes.
"E para que isso não pareça impossível aos seguidores de cada uma das religiões
que aqui representamos", disse Mathews, "houve unanimidade de nossa parte, de
todos nós. Nossas religiões têm sido a causa de muitas divisões e derramamento de
sangue no mundo inteiro como acontece com qualquer governo, exército ou
armamento. A partir de hoje nos uniremos sob a bandeira da Fé da Comunidade
Global. Nosso emblema terá os símbolos sagrados de todas as religiões, e daqui em
diante abrangerá todos esses símbolos. Quer acreditemos em Deus como um ser
real ou simplesmente como um conceito, Deus está em tudo, acima de tudo e ao
redor de tudo. Deus está em nós. Deus é igual a nós. Nós somos Deus."
Quando a sessão foi aberta para perguntas, muitos astutos editores religiosos
dispararam suas flechas. "O que vai acontecer com a liderança do, digamos,
catolicismo romano? Haverá necessidade de um papa?"
"Elegeremos um papa", respondeu Mathews. "E esperamos que as outras principais
religiões continuem a nomear seus líderes. Porém esses líderes prestarão contas à
Fé da Comunidade Global e esperamos que preservem a lealdade e a devoção de
seus paroquianos à causa maior."
"Existe um dogma principal que tenha a concordância de todos vocês?"
Esta pergunta provocou gargalhadas nos participantes. Mathews convocou um
rastafariano (membro de uma seita da Jamaica que considera os negros como o
povo escolhido por Deus para a salvação, n.t.) para responder. Por meio de um
intérprete, ele disse: "Acreditamos de fato em duas coisas. Em primeiro lugar
acreditamos na bondade fundamental do ser humano. Em segundo lugar
acreditamos que os desaparecimentos foram uma purificação de natureza religiosa.
Em algumas religiões, muitas pessoas desapareceram. Em outras, poucas. Em
diversas, nenhuma. Porém o fato de muitas pessoas terem sido deixadas para trás,
independentemente da religião que professam, prova que nenhuma é melhor que a
outra. Seremos tolerantes com todas as pessoas, acreditando que as melhores
ficaram."
122
Buck postou-se diante dos líderes religiosos e levantou a mão. "Cameron Williams,
do Semanário Global", ele disse. "Esta pergunta é dirigida ao cavalheiro que está
diante do microfone, ao cardeal Mathews ou outro líder religioso. Como esse dogma
da bondade fundamental do ser humano se coaduna com a idéia de que as pessoas
más foram separadas de nós? Elas não possuíam a bondade fundamental do ser
humano?"
Nenhum deles se movimentou para responder. O rastafariano olhou para Mathews,
que fitava Buck de maneira inexpressiva, deixando claro que não desejava
demonstrar aborrecimento mas desejando também dar a entender que se sentia
traído.
Finalmente Mathews pegou o microfone. "Não estamos aqui para debater teologia",
ele disse. "Sou um daqueles que acredita que os desaparecimentos constituíram
uma purificação e que a bondade fundamental do ser humano é o denominador
comum dos que ficaram. E grande parte dessa bondade fundamental é encontrada
no secretário-geral da Organização das Nações Unidas Nicolae Carpathia. Vamos
saudá-lo, por favor!"
Os líderes religiosos levantaram as mãos para saudar Carpathia. Alguns jornalistas
aplaudiram. Pela primeira vez Buck notou o enorme público que se aglomerava
atrás do pessoal da imprensa. Em razão dos holofotes, ele não conseguira enxergar
o público e não ouvira sua manifestação até Carpathia aparecer.
Carpathia, com seu típico jeito dominador, dava todo crédito à liderança do corpo
ecumênico e apoiava aquela "idéia histórica e perfeita, que há muito tempo deveria
ter sido implantada".
Ele respondeu a algumas perguntas, inclusive sobre o que aconteceria com a
reconstrução do templo judeu em Jerusalém. "Tenho a satisfação de dizer que a
reconstrução continuará. Conforme a maioria de vocês já sabe, uma grande soma
de dinheiro tem sido doada para esta causa durante décadas, e há alguns anos
estão sendo preparados blocos pré-moldados em outros lugares do mundo para a
reconstrução do templo. Assim que a reconstrução for iniciada, terminará
rapidamente."
"E o que acontecerá com a Cúpula Islâmica do Rochedo?"
"Fico muito satisfeito por você ter feito esta pergunta", disse Carpathia, enquanto
Buck indagava a si mesmo se o próprio Carpathia não a teria planejado. "Nossos
irmãos muçulmanos concordaram em mudar o santuário e a parte sagrada do
rochedo para a Nova Babilônia, deixando os judeus à vontade para reconstruírem
seu templo onde acreditam ser o seu lugar primitivo.'
E agora, peço a permissão dos senhores para alongar-me um pouco mais. Eu
gostaria de dizer que estamos vivendo o momento mais decisivo da história
mundial. Com a consolidação da moeda universal, com a cooperação e tolerância
de muitos líderes religiosos, com o desarmamento mundial e o compromisso rumo
à paz, o mundo será verdadeiramente unificado.
"Muitos de vocês ouviram-me pronunciar a expressão Comunidade Global. Trata-se
de um nome digno para a nossa nova causa. Podemos nos comunicar uns com os
outros, professar nossa fé uns com os outros, comercializar uns com os outros. Em
razão dos avanços nas comunicações e nas viagens, não somos mais um
conglomerado de países e nações, mas uma comunidade global completa, uma
aldeia composta de cidadãos iguais. Agradeço aos líderes aqui presentes que
compuseram esta linda peça de mosaico, e gostaria de fazer um pronunciamento
em homenagem a eles.
"Com a mudança da sede da ONU para a Nova Babilônia nossa grande organização
receberá um nome novo. Seremos conhecidos como Comunidade Global!" Depois
que os aplausos cessaram, Carpathia concluiu: "Portanto, o nome da nova religião
universal, Fé da Comunidade Global, aplica-se com precisão."
123
Carpathia estava sendo conduzido para fora enquanto as equipes de TV e som
começavam a deixar o local da entrevista. Nicolae avistou Buck e parou, avisando
seus guarda-costas que queria conversar com alguém. Eles formaram uma barreira
humana enquanto Carpathia abraçava Buck. Sem poder recuar, Buck só conseguiu
sussurrar o seguinte no ouvido de Carpathia: "Tome cuidado com o que o senhor
está fazendo com minha independência jornalística."
"Alguma notícia boa para mim?" perguntou Carpathia, segurando no braço de Buck
e lançando-lhe um olhar penetrante.
"Ainda não, senhor.
"Nós nos encontraremos em Jerusalém?"
"Claro."
"Você manterá contato com Steve?"
"Sim."
"Diga-lhe o que você vai precisar e será feito. É uma promessa."
Buck desviou-se para um pequeno grupo onde Peter Mathews estava rodeado de
admiradores. Quando o arcebispo notou sua presença, Buck inclinou-se para frente
e' sussurrou: "O que eu deixei de ver?"
"Como assim? Você esteve presente."
"O senhor disse que Carpathia faria um pronunciamento a respeito de uma função
mais abrangente para o novo papa, algo maior e mais importante até mesmo que a
Igreja Católica."
Mathews balançou a cabeça. "Talvez eu tenha supervalorizado sua capacidade,
amigo. Ainda não sou papa, mas pela declaração do secretário-geral você deveria
ter deduzido que haverá necessidade de um chefe para a nova religião. E qual o
melhor lugar para sua sede a não ser o Vaticano? E quem estaria mais apto a dirigila
do que o novo papa?" "Então o senhor será o papa dos papas."
Mathews sorriu e balançou a cabeça afirmativamente. "P.M.", ele disse.
Duas horas mais tarde, Rayford chegou à sede da Organização das Nações Unidas.
Continuava a orar em silêncio depois de ter telefonado a Bruce Barnes pouco antes
de embarcar. "Parece que vou encontrar-me com o demônio", dissera Rayford.
"Não que exista algo nesta vida que me assuste, Bruce. Sempre me orgulhei disso.
Mas preciso lhe dizer que isto é horrível."
"Em primeiro lugar, Rayford, se você fosse encontrar-se com o Anticristo na
segunda metade da Tribulação, aí é que estaria lidando com o próprio Satanás."
"Então, o que Carpathia é? Um demônio de segundo escalão?"
"Não, você necessita de orações. Sabe o que aconteceu diante dos olhos de Buck."
"Buck é dez anos mais novo que eu e está em melhor forma física", disse Rayford.
"Achou que vou desmoronar lá."
"Não vai. Permaneça firme. Deus sabe onde você está, e o tempo dele é perfeito.
Estarei orando e você sabe que Chloe e Buck também estarão."
Essa conversa foi muito confortadora para Rayford, e ele se sentia particularmente
animado por saber que Buck estava em Nova York. O fato de saber que ele estava
próximo fez Rayford sentir-se menos solitário. Mesmo assim, em sua ansiedade por
ter de encarar Carpathia, não queria deixar passar a provação de enfrentar Hattie
Durham.
Hattie estava aguardando quando ele desceu do elevador. Ele esperava ter alguns
momentos para fazer o reconhecimento do terreno, refrescar-se, respirar fundo.
Mas lá estava ela, jovem e linda, mais deslumbrante do que nunca em razão de
uma tez bronzeada e roupas caras confeccionadas sob medida para um corpo
escultural. Rayford não esperava vê-la tão linda e teve a sensação de estar
pecando quando um lampejo de saudade dela invadiu sua mente.
A velha índole de Rayford imediatamente fê-lo lembrar-se do motivo de ter sentido
124
atração por ela durante um período crítico de seu casamento. Orou em silêncio,
agradecendo a Deus por não ter permitido que ele tivesse feito algo do qual viesse
a arrepender-se para sempre. Assim que Hattie abriu a boca, ele voltou à realidade.
Sua dicção e articulação eram mais refinadas, mas ela ainda era uma mulher
misteriosa, e ele percebeu isso em seu tom de voz.
"Capitão Steele", disse efusivamente. "Que maravilha vê-lo novamente! Como vão
todos os outros?"
"Todos os outros?"
"Você sabe. Chloe, Buck e todos os outros."
Chloe e Buck são todos, ele pensou, mas não disse.
"Todos estão bem."
"Ah, que ótimo."
"Existe um lugar reservado onde possamos conversar?"
Ela o conduziu para seu local de trabalho que era demasiadamente exposto. Não
havia ninguém por perto para ouvi-los, mas o teto tinha uma altura de no mínimo
seis metros. A escrivaninha, as mesas e os arquivos dela estavam instalados em
uma local que fazia lembrar uma estação ferroviária, sem paredes ao redor. Os
passos de ambos ecoavam e Rayford teve a nítida impressão de que eles estavam
muito distantes do escritório do secretário-geral.
"Então, quais são as novidades depois da última vez que nos encontramos, capitão
Steele?"
"Hattie, não quero ser indelicado, mas peço que você pare com esse 'capitão
Steele' e deixe de fingir que não sabe das novidades. A novidade é que você e seu
novo chefe invadiram meu trabalho e minha família, e parece que estou sem forças
para tomar uma atitude."
125
TREZE
Stanton Bailey segurou firme nos braços de sua enorme poltrona e encostou-se no
espaldar, analisando Buck Williams.
"Cameron", ele disse, "nunca vou conseguir entender você. Qual o significado
daquele pacote?"
"Era apenas um doce. Eu estava com fome."
"Eu também sinto fome", vociferou Bailey, "mas não costumo comer diante das
câmeras de TV!"
"Achei que não seria visto por ninguém."
"Bem, agora você já sabe que foi visto. E se Carpathia e Plank ainda quiserem que
você esteja presente durante a assinatura do tratado em Jerusalém, nada de
lanches."
"Era só um doce."
"Nada de doces também."
Depois de anos como capitão de Hattie Durham, agora Rayford sentia-se como se
fosse seu subordinado, sentado do outro lado daquela imensa mesa. De repente ela
ficou séria, talvez por ele ter abordado o assunto de forma tão direta.
"Ouça, Rayford", ela disse, "continuo a gostar de você apesar de ter-me
desprezado, está certo? Não quero magoá-lo por nada deste mundo."
"Tentar protocolar uma queixa contra mim na empresa em que trabalho não é uma
forma de me magoar?"
"Foi só uma brincadeira. Você sabe disso."
"Causou-me muita dor de cabeça. E quanto ao bilhete enviado para mim em Dallas,
mencionando que o novo Air Force One era um 757?"
"Foi a mesma coisa, eu já lhe disse. Uma brincadeira."
"Não achei graça. Foi muita coincidência."
"Bem, Rayford, se você não gosta de brincadeiras, tudo bem, não vou ficar
aborrecida. Como somos amigos, achei que um pouco de divertimento não faria
mal a ninguém."
"Vamos, Hattie. Você acha que acredito nessa história? Não é de seu feitio. Você
não costuma passar trotes em seus amigos. Não faz parte de seu modo de ser."
"Está bem, sinto muito."
"Isso não basta."
"Perdoe-me, mas lembre-se que não me reporto mais a você."
Hattie tinha a capacidade de confundir Rayford mais do que qualquer outra pessoa.
Ele deu um suspiro profundo e lutou para controlar-se. "Hattie, quero que você me
conte a história das flores e dos bombons."
Hattie não tinha o mínimo talento para blefar. "Flores e bombons?" ela repetiu após
uma pausa, demonstrando culpa.
"Pare com esse jogo", disse Rayford. "Admita que foi você e explique-se."
"Só faço o que me pedem, Rayford."
"Viu? Não consigo compreender. Será que eu deveria perguntar ao homem mais
poderoso do mundo por que ele enviou flores e bombons para minha filha, se nem
ao menos a conhece? Ele a está perseguindo? E se estiver, por que não se
identifica?"
"Ele não a está perseguindo, Rayford! Ele tem alguém em vista."
"Como assim?"
126
"Ele tem interesse em alguém."
"Alguém que conhecemos?" Rayford lançou-lhe um olhar de desagrado.
Hattie parecia conter o riso. "Só posso dizer que temos uma novidade, mas a
imprensa ainda não sabe, portanto gostaríamos..."
"Vamos fazer um trato. Você pára de mandar presentes anônimos a Chloe, me
explica os motivos e eu guardo seu pequeno segredo, que tal?"
Hattie inclinou-se para frente, como se estivesse conspirando. "Está bem. Vou dizer
o que penso, certo? Quero dizer, não sei. Conforme já lhe disse, faço o que me
pedem. Mas existe uma mente brilhante por trás disso."
Rayford não tinha dúvidas. Só gostaria de saber por que Carpathia estava gastando
tempo com uma coisa tão banal.
"Prossiga."
"Ele deseja realmente que você seja seu piloto."
"Está bem", disse Rayford, tentando fazê-la prosseguir.
"Você vai aceitar?"
"Aceitar o quê? Eu só mencionei que estava entendendo o que você dizia, apesar de
não ter certeza disso. Ele quer que eu seja seu piloto, e...?"
"Mas ele sabe que você se sente feliz onde está."
"Continuo tentando entender."
"Ele quer oferecer-lhe um emprego sedutor e, ao mesmo tempo, forçá-lo a sair do
lugar onde você vive."
"Ele persegue minha filha e eu vou trabalhar com ele por causa disso?"
"Não, seu bobo. Para todos os efeitos, você não sabe que foi ele!"
"Entendo. Eu ficaria preocupado com alguém de Chicago e tentaria procurar outro
emprego longe de lá." "Agora você entendeu." "Tenho muitas perguntas a fazer,
Hattie." "Pergunte."
"Por que eu iria embora de lá só pelo fato de alguém estar perseguindo minha filha?
Ela já tem quase vinte e um anos. É normal que tenha admiradores."
"Mas nós agimos anonimamente. Deveria ter dado a impressão de algo um pouco
perigoso, um pouco preocupante."
"E foi."
"Então conseguimos o que queríamos."
"Hattie, você não imaginou que eu descobriria tudo quando enviou os bombons
favoritos de Chloe, vendidos só na Holman Meadows em Nova York?"
"Opa!", ela disse. "Parece que não fui muito esperta."
"Está bem, digamos que funcionou. Acho que minha filha está sendo perseguida por
alguém que parece sinistro. Se Carpathia está tão íntimo do presidente, ele não
sabia que a Casa Branca me quer como piloto do Air Force Onel"
"Rayford! Entenda! "É esse o emprego que ele deseja para você."
Rayford afundou-se na cadeira e suspirou. "Hattie, por tudo o que há de mais
sagrado no mundo, diga-me o que está acontecendo. Recebo informações da Casa
Branca e da Pan-Con que Carpathia quer que eu seja piloto do presidente. Sou
aprovado sem burocracia para conduzir a delegação da ONU até Israel. Carpathia
me quer como seu piloto mas primeiro quer que eu seja o capitão do Air Force One,
é isso?"
Hattie dirigiu um sorriso tolerante e condescendente a Rayford, o que o deixou
furioso. "Rayford Steele", ela disse em tom de voz professoral, "você ainda não
entendeu nada, não? Você não sabe quem Carpathia realmente é."
Rayford ficou desorientado por alguns instantes. Ele sabia mais do que ela quem
Carpathia realmente era. A dúvida era se ela suspeitava disso. "Então me conte
quem ele é", disse Rayford. "Ajude-me a entender."
Hattie olhou para trás, como se estivesse aguardando a chegada de Carpathia a
qualquer momento. Rayford sabia que ninguém conseguiria entrar sorrateiramente
127
naquele enorme edifício com piso de mármore sem que o eco de seus passos
fossem ouvidos. "Nicolae não vai devolver o avião."
"Como?"
"Você ouviu. O avião já está em Nova York. Você vai vê-lo hoje. Está sendo
pintado."
"Pintado?"
"Você verá."
A mente de Rayford girava. O avião tinha sido pintado em Seattle antes de seguir
para Washington, D.C. Por que seria pintado novamente?
"Como ele vai fazer para não devolvê-lo?"
"Ele vai agradecer ao presidente o presente que recebeu e..."
"Ele já agradeceu. Eu ouvi."
"Mas desta vez ele deixará claro que está agradecendo um presente e não um
empréstimo. Você vai ser contratado pela Casa Branca e vai trazer o avião,
recebendo seu salário como funcionário do presidente. O que o presidente poderá
fazer? Dizer que foi traído? Dizer que Nicolae está mentindo? Ele apenas vai desejar
ser tão generoso quanto Nicolae diz que ele é. Você não acha uma idéia brilhante?"
"Trata-se de uma grosseria, de um roubo. Por que eu deveria querer trabalhar para
um homem como esse? E você? Por quê?"
"Vou trabalhar para Nicolae pelo tempo que ele me quiser aqui, Rayford. Nunca
aprendi tanto em tão pouco tempo. Não se trata de roubo nenhum. Nicolae diz que
os Estados Unidos estão tentando encontrar uma forma de ajudar a ONU, e a forma
é esta. Você sabe que o mundo está se unificando e alguém vai precisar ser o líder
desse novo governo universal. A doação do avião é uma prova de que o presidente
Fitzhugh tem o secretário-geral Carpathia em alta consideração."
Hattie falava como um papagaio. Carpathia a doutrinara bem, talvez não para
entender, mas pelo menos para acreditar.
"Está bem", resumiu Rayford. "Carpathia consegue de uma maneira ou outra que a
Pan-Con e a Casa Branca coloquem meu nome em primeiro lugar na lista dos
candidatos a piloto do Air Force One. Ele faz com que você me perturbe a ponto de
eu querer mudar de cidade. Eu aceito o emprego, ele pega o avião e nunca mais o
devolve. Eu sou o piloto, mas quem me paga é o governo dos Estados Unidos. E
tudo isso tem relação com o fato de Carpathia finalmente tornar-se o líder do
mundo."
Hattie apoiou o queixo nos dedos cruzados, com os cotovelos sobre a mesa,
empinando a cabeça. "Não foi tão complicado assim, foi?"
"Eu só não entendo por que sou tão importante para ele."
"Ele me perguntou qual foi o melhor piloto com quem trabalhei e por quê."
"E eu venci", disse Rayford.
"Venceu."
"Você lhe contou que quase tivemos um caso?"
"Tivemos?"
"Não importa."
"Claro que não lhe contei e nem você vai querer lhe contar, se quiser preservar um
bom emprego."
"Mas você contou-lhe que sou cristão."
"Sim, por que não? Você conta a todo mundo. Eu acho que ele também é cristão."
"Nicolae Carpathia?"
"Claro! Pelo menos ele vive de acordo com os princípios cristãos. Está sempre
preocupado em fazer o bem. Esta é uma de suas frases prediletas. Assim como o
assunto do avião. Ele sabe que os Estados Unidos querem presenteá-lo com o
avião, mesmo que não estejam pensando nisso. Talvez eles se sintam um pouco
confusos a princípio, mas como é para o bem do mundo, ficarão satisfeitos com
128
este gesto. Parecerão heróis generosos aos olhos de todos, por causa de Carpathia.
Não é uma atitude cristã?"
Buck estava escrevendo à mão rapidamente. Havia deixado seu gravador no hotel,
dentro da mala, na esperança de apanhá-lo quando retornasse do escritório do
Semanário Global para entrevistar o rabino Marc Feinberg, um dos principais
defensores da reconstrução do templo judaico. Porém, assim que entrou no saguão
do hotel, quase esbarrou em Feinberg, que arrastava um enorme baú, com rodas
na base. "Lamento muito, meu amigo. Consegui lugar em um vôo mais cedo e
estou de saída. Acompanhe-me."
Buck tirou o caderno de anotações de um dos bolsos e uma caneta do outro. "O
que o senhor tem a dizer sobre os pronunciamentos?" perguntou Buck.
"Tenho a dizer o seguinte: Hoje eu me transformei em uma espécie de político. Se
acredito que Deus é um conceito? Não! Acredito que Deus é uma pessoa! Se
acredito que todas as religiões do mundo podem unir-se e tornar-se uma só? Não,
provavelmente não. Meu Deus é um Deus cioso de seus direitos e não
compartilhará sua glória com ninguém. Se temos condição de tolerar uns aos
outros? Com certeza.
"Você talvez vai me perguntar por que estou dizendo que me tornei um político.
Porque vou me empenhar na reconstrução do templo. Vou tolerar e cooperar com
qualquer pessoa que tenha um bom coração, desde que minha fé no verdadeiro
Deus de Abraão, Isaque e Jacó não venha a ser sacrificada. Não concordo com as
idéias e os métodos de grande parte dessa gente, mas se eles quiserem prosseguir,
vou fazer o mesmo. Acima de tudo, quero que o templo seja reconstruído em seu
local primitivo. E essa idéia será levada adiante a partir de hoje. Tome nota de
minhas palavras. O templo será reconstruído dentro de um ano."
O rabino atravessou rapidamente a porta de saída e pediu ao porteiro que
chamasse um táxi. "Mas, senhor", disse Buck, "se o dirigente da nova religião
universal considera-se um cristão..."
Feinberg fez um gesto de irritação com a mão. "Ora! Todos nós sabemos que o
chefe da nova religião será Mathews e que ele provavelmente também será o novo
papa! Considera-se um cristão? Ele é um cristão do princípio ao fim! Ele acredita
que Jesus foi o Messias. Logo, logo vou acreditar que Carpathia é o Messias."
"O senhor está falando sério?"
"Creia-me, já pensei nisso. A missão do Messias é trazer justiça e paz duradoura.
Veja o que Carpathia fez em questão de semanas! Ele não preenche todos os
requisitos? Constataremos isso na segunda-feira. Você sabia que meu colega, o
rabino Tsion Ben-Judá, está..."
"Sim, e vou continuar atento." Havia inúmeras outras questões que Buck poderia
levantar acerca de Carpathia, mas antes ele precisava conversar pessoalmente com
Ben-Judá. De Feinberg, ele só queria extrair a história do templo, portanto
redirecionou o assunto. "O que há de tão importante a respeito da reconstrução do
templo?"
O rabino Feinberg deu um passo à frente e virou o corpo, observando a fila de
táxis, visivelmente preocupado com o pouco tempo de que dispunha. Apesar de não
fitar Buck nos olhos, ele continuou sua explanação. Fez uma breve preleção, como
se estivesse lecionando a um grupo de gentios interessados na história dos judeus.
"O rei Davi desejava construir um templo ao Senhor", ele disse. "Deus, porém,
achou que Davi havia provocado muito derramamento de sangue por ser um
guerreiro. Portanto, quem construiu o templo foi Salomão, o filho de Davi. O templo
era magnífico. Jerusalém era a cidade onde Deus estabeleceria seu nome e onde
seu povo se reuniria para adorá-lo. A glória de Deus tornou-se visível no templo e
ele passou a ser um símbolo da mão de Deus protegendo a nação. O povo sentia-se
129
tão protegido que, mesmo quando se voltava contra Deus, acreditava que
Jerusalém era uma cidade intocável, enquanto o templo permanecesse ali."
Um táxi aproximou-se e o porteiro colocou a maleta dentro do baú. "Pague o
porteiro e acompanhe-me", disse Feinberg. Buck sorriu, tirou uma nota do bolso e
colocou-a na mão do porteiro. Mesmo que tivesse de pagar a corrida de táxi, a
entrevista em si valeria a pena.
"Kennedy", disse Feinberg ao motorista.
"Este carro tem telefone?" perguntou Buck ao motorista.
O motorista entregou-lhe um telefone celular. "Só para chamadas com cartão de
crédito."
Buck pediu a Feinberg que lhe mostrasse a conta do hotel onde constava o número
do telefone. Chamou a chefe da administração e disse-lhe que sua mala deveria
ficar guardada ali por mais tempo do que ele esperava. "Alguém já pegou a mala
para o senhor."
"Alguém o quê?"
"Pegou a mala para o senhor. Disse que era seu amigo e que a entregaria ao
senhor."
Buck estava perplexo. "A senhora deixou minha mala ser levada por um estranho
que disse ser meu amigo?"
"Senhor, o caso não é tão grave assim. Acho que o homem poderá ser localizado
facilmente, se for necessário. Ele aparece todas as noites nos noticiários."
"O Sr. Carpathia?"
"Sim, senhor. Um de seus assessores, um tal de Sr. Plank, prometeu entregar a
mala ao senhor."
Feinberg demonstrou um ar de satisfação quando Buck desligou o telefone. "Vamos
voltar ao templo!" ele gritou e o motorista tirou o pé do acelerador. "Você não!"
disse Feinberg. "Nós!"
Buck perguntou a si mesmo o que um homem com tanta energia e entusiasmo faria
em outra profissão. "O senhor seria um exímio racquetball player [jogador de um
tipo semelhante ao squash]."
"Eu sou um exímio jogador de squash!" retrucou Feinberg. "Categoria 'menos A. E
você?"
"Aposentado."
"Tão jovem!"
"Tão atarefado."
"Ninguém é atarefado demais para praticar exercícios físicos", disse o rabino,
batendo de leve em seu estômago firme e rijo. "Ah, o templo", ele disse. O trânsito
estava congestionado e Buck continuou a fazer anotações.
Quando Hattie se desculpou para atender ao telefone, Rayford tirou do bolso seu
Novo Testamento que incluía o livro dos Salmos, dos quais ele havia memorizado
alguns versículos. À medida que sua ansiedade sobre a reunião com Carpathia
começou a intensificar-se, ele passou a tentar localizar seus versículos favoritos.
Encontrou o Salmo 91 e leu os versículos que ele havia sublinhado. "O que habita
no esconderijo do Altíssimo, e descansa à sombra do Onipotente, diz ao Senhor:
Meu refúgio e meu baluarte, Deus meu em quem confio. Caiam mil ao teu lado, e
dez mil à tua direita; tu não serás atingido. Nenhum mal te sucederá, praga
nenhuma chegará à tua tenda. Porque aos seus anjos dará ordens a teu respeito,
para que te guardem em todos os teus caminhos."
Quando Rayford levantou os olhos, Hattie já tinha desligado o telefone e olhava
para ele com ar de expectativa. "Desculpe-me", ele disse, fechando a Bíblia.
"Está tudo bem", ela disse. "O secretário-geral já pode recebê-lo."
130
Diante da afirmativa do motorista de que chegariam ao aeroporto a tempo,
Feinberg voltou ao assunto. "O templo e a cidade de Jerusalém foram destruídos
pelo rei Nabucodonozor. Setenta anos depois, foi emitido um decreto para que a
cidade fosse reconstruída e, em seguida, o templo. O novo templo, sob a direção de
Zorobabel e Josué, o sumo sacerdote, era tão inferior ao templo de Salomão que
alguns anciãos choraram quando viram seus alicerces.
"Mesmo assim, o templo serviu ao povo de Israel até ser profanado por Antíoco
Epífanes, um legislador greco-romano. Por volta do ano 40 a.C, Herodes, o Grande,
derrubou peça por peça do templo e reconstruiu-o. O templo passou a ser
conhecido como Templo de Herodes. E você sabe o que aconteceu depois."
"Sinto muito, não sei."
"Você escreve sobre religião e não sabe o que aconteceu com o Templo de
Herodes?"
"Na verdade, nesta reportagem sou um reserva do articulista religioso."
"Um reserva?"
Buck sorriu. "O senhor é um jogador de raquetball categoria 'menos A' e não
sabe o que é reserva?"
"Não é uma palavra usada em squash", disse o rabino. "E com exceção do futebol
americano, não me interesso por outros esportes. Deixe-me contar-lhe o que
aconteceu com o Templo de Herodes. Tito, um general romano, sitiou Jerusalém e,
apesar de ter dado ordens para que o templo não fosse destruído, os judeus não
confiaram nele. Resolveram queimar o templo para impedir que caísse nas mãos
dos pagãos. Hoje o Monte do Templo, local do antigo templo judaico, está ocupado
pelos maometanos e abriga a mesquita muçulmana chamada Cúpula do Rochedo."
Buck estava curioso. "Como os muçulmanos foram persuadidos a transferir a
Cúpula do Rochedo de lugar?"
"É uma prova da grandeza de Carpathia", disse Feinberg. "Quem, a não ser o
Messias, poderia pedir aos devotos muçulmanos que mudassem o santuário que, na
religião deles, é o segundo em importância depois de Meca, o local de nascimento
de Maomé? Mas veja, a Cúpula do Rochedo no Monte do Templo está construída
bem em cima do Monte Moriá, onde acreditamos que Abraão tenha mostrado sua
submissão a Deus, dispondo-se a sacrificar seu filho Isaque. Evidentemente não
cremos que Maomé seja divino, portanto acreditamos que nosso local sagrado está
sendo profanado, enquanto a mesquita muçulmana estiver ocupando o Monte do
Templo."
"Então hoje é um grande dia para Israel."
"Um grande dia! Desde que nossa nação foi estabelecida, temos reunido milhões de
pessoas do mundo inteiro para a reconstrução do templo. A obra já começou.
Muitas paredes pré-fabricadas estão terminadas e, em breve, serão enviadas para o
local. Quero viver para assistir à reconstrução do templo. Ele será mais espetacular
do que o templo da época de Salomão!"
"Finalmente nos conhecemos", disse Nicolae Carpathia, levantando-se e
caminhando ao redor da mesa para apertar a mão de Rayford Steele. "Obrigado,
Srta. Durham. Vamos nos sentar aqui mesmo."
Hattie saiu e fechou a porta. Nicolae apontou para uma cadeira e sentou-se na
outra, diante de Rayford. "E assim fechamos nosso pequeno círculo."
Rayford sentia-se estranhamente calmo. Tinha orado por isso e sua mente estava
repleta das promessas dos Salmos. "Como assim, senhor?"
"Acho interessante notar como o mundo é pequeno. Talvez seja por isso que
acredito tanto que em breve seremos uma verdadeira comunidade global. Você
acredita que vim a conhecê-lo por intermédio de um botânico israelense chamado
Chaim Rosenzweig?"
131
"Ouvi falar de seu nome, evidentemente, mas não o conheço pessoalmente."
"Claro que não. Mas você o conhecerá. Se não for hoje, enquanto estiver aqui, será
no sábado, no vôo para Israel. Chaim me apresentou a um jovem jornalista que
escreveu uma reportagem sobre ele. O jornalista conheceu sua comissária de
bordo, a Srta. Durham, no avião que você pilotava e depois apresentou-a a mim.
Agora ela é minha assistente e apresentou você a mim. Que mundo pequeno!"
Earl Halliday dissera a mesma coisa quando ouviu falar que Hattie Durham, uma
ex-funcionária da Pan-Con, estava trabalhando para o homem que queria Rayford
como piloto do Air Force One. Rayford não disse nada a Carpathia. Não acreditava
que o encontro entre eles havia sido coincidência. O mundo não era tão pequeno
assim. Talvez todos eles tinham sido encaminhados para o lugar onde Deus queria
que estivessem, e por esse motivo Rayford estava ali naquele dia. Não era uma
situação que ele tinha almejado ou procurado, mas estava disposto a ouvir.
"Então, você quer ser o piloto do Air Force One."
"Não, senhor, não era esse o meu desejo. Estou disposto a pilotá-lo até Jerusalém
com sua delegação, a pedido da Casa Branca, e depois vou decidir se aceito ou não
o convite para o cargo de piloto."
"Você não procurou ocupar essa posição?"
"Não, senhor."
"Mas está disposto."
"Vou fazer uma tentativa."
"Sr. Steele, vou fazer um prognóstico. Presumo que depois de ver o avião,
experimentar sua tecnologia de última geração, jamais desejará pilotar outro mais
simples."
"Acredito que sim." Mas não por esse motivo, pensou Rayford. Só se for da vontade
de Deus.
"Quero também contar-lhe um pequeno segredo, algo que ainda não foi divulgado.
A Srta. Durham assegurou-me que você é um homem confiável, um homem de
palavra e que recentemente tornou-se um homem religioso."
Rayford assentiu, não desejando dialogar.
"Vou confiar que você guardará segredo até a notícia ser divulgada. O Air Force
One está sendo emprestado à Organização das Nações Unidas pelo presidente dos
Estados Unidos como um gesto de apoio ao nosso trabalho."
"Os noticiários já divulgaram isso, senhor."
"Claro, mas ainda não divulgaram que, depois, o avião será doado a nós, junto com
a tripulação, para nosso uso exclusivo."
"Quanta amabilidade da parte do presidente Fitzhugh."
"Quanta amabilidade", repetiu Carpathia. "E quanta generosidade."
Rayford compreendeu por que as pessoas eram atraídas pelo charme de Carpathia,
mas, sentado diante daquele homem e sabendo que ele estava mentindo, era fácil
resistir.
"Para quando está marcado seu vôo de volta?" perguntou Carpathia.
"Deixei-o em aberto. Estou à sua disposição. No entanto, preciso estar em casa
antes de partirmos no sábado."
"Gosto de seu estilo", disse Carpathia. "Você está à minha disposição. Isso é ótimo.
Evidentemente você deve entender que, se aceitar este emprego - e sei que vai
aceitá-lo - não deverá fazer dele uma plataforma para proselitismos."
"Não entendi."
"Estou dizendo que a Organização das Nações Unidas, que passará a ser conhecida
como Comunidade Global, e eu em particular, somos contra o sectarismo."
"Sou um crente em Cristo", disse Rayford. "Freqüento igreja. Leio minha Bíblia.
Digo às pessoas o que acredito."
"Mas não no trabalho."
132
"Se o senhor vier a ser meu superior e der essa ordem, serei obrigado a obedecer."
"Serei seu superior, darei essa ordem e você obedecerá", disse Carpathia. "Creio
que estamos entendidos."
"Certamente."
"Gosto de você e acredito que podemos trabalhar juntos."
"Eu não conheço o senhor, mas acredito que posso trabalhar com qualquer
pessoa." De onde partira essa frase? Rayford quase sorriu. Se ele podia trabalhar
com o Anticristo, com quem mais não poderia?
Assim que o táxi encostou no meio-fio do Aeroporto Internacional Kennedy, o
rabino Marc Feinberg disse: "Estou certo de que você não se importará de incluir
esta corrida de táxi em sua conta, uma vez que me entrevistou."
"Certamente", disse Buck. "O Semanário Global tem a satisfação de proporcionarlhe
uma corrida de táxi até o aeroporto, desde que não seja necessário levá-lo de
avião para Israel."
"Já que você mencionou isso...", disse o rabino com um piscar de olhos, porém não
completou a frase. Limitou-se a fazer um aceno, pegou sua bagagem e entrou
apressadamente no terminal.
"Só chamadas com cartão..."
"Eu sei, só chamadas com cartão de crédito." Buck ligou para Steve Plank na ONU.
"Qual o motivo para você surripiar minha mala?"
"Eu só estava tentando fazer-lhe um favor, velho companheiro. Você está no Plaza?
Levarei a mala para você."
"Estou no Plaza, mas vou até aí. Não era isso que você pretendia?"
"Que assim seja."
"Estarei aí em uma hora."
"Carpathia talvez não esteja aqui."
"Não vou até aí para ver Carpathia. Vou até aí para ver você."
Nicolae Carpathia apertou o botão do interfone. "Srta. Durham, já providenciou o
carro para nos levar até o hangar?"
"Sim, senhor. Está na entrada dos fundos."
"Estamos prontos."
"Darei um toque quando o pessoal da segurança chegar."
"Obrigado." Nicolae virou-se para Rayford. "Quero que você veja o avião."
"Certamente", disse Rayford, embora preferisse voltar para casa. Por que cargas
d'água havia dito que estava à disposição de Carpathia?
"Vamos voltar para o hotel, senhor?"
"Não", respondeu Buck. "Para o edifício da ONU, por favor. Eu gostaria de usar
novamente seu telefone celular. Posso?"
Quando Hattie deu o toque, Carpathia levantou-se e sua porta foi aberta. Dois
seguranças postaram-se ao lado de Nicolae e Rayford enquanto eles se dirigiam
para os corredores até o elevador de serviço. Desceram até o subsolo e
caminharam em direção ao estacionamento onde havia uma limusine aguardando.
O motorista levantou-se rapidamente e abriu a porta para Carpathia. Rayford foi
encaminhado para o outro lado do carro, onde a porta já estava aberta.
Rayford notou algo estranho. Carpathia não lhe oferecera nada para beber
enquanto estiveram em seu escritório e agora insistia em mostrar-lhe tudo o que
havia na limusine em matéria de bebidas, desde uísque e vinho até cerveja e
refrigerantes. Rayford aceitou um refrigerante.
"Você não bebe?"
"Não bebo mais."
133
"Costumava beber?"
"Nunca fui um beberrão, mas abusava de vez em quando. Não bebi mais nada
desde que perdi minha família."
"Lamento muito a perda de sua família."
"Obrigado, mas já superei essa fase. Sinto imensamente a falta deles..."
"Claro."
"Mas sinto-me em paz."
"Sua religião acredita que Jesus Cristo os levou para o céu, não é isso?"
"Isso mesmo."
"Não vou fingir que aceito essa crença, mas respeito em razão do conforto que ela
lhe trouxe."
Rayford gostaria de argumentar, mas lembrou-se do conselho prudente de Bruce
Barnes quanto ao fato de 'testemunhar' ao Anticristo.
"Também não sou um beberrão", disse Carpathia, tomando um gole de água
mineral gasosa.
"Por que você não quis que eu levasse sua mala ao hotel?" perguntou Steve Plank.
"Eu teria ido até lá."
"Necessito de um favor."
"Podemos fazer uma troca de favores, Buck. Diga sim à proposta de Carpathia e
jamais precisará pedir favores nesta vida."
"Para lhe dizer a verdade, Steve, neste momento tenho tantas reportagens
excelentes nas mãos que não há tempo sequer para pensar em mudar de
emprego."
"Escreva-as para nós."
"De jeito nenhum. Mas ajude-me, se você puder. Quero encontrar-me com aqueles
dois indivíduos que estão no Muro das Lamentações."
"Nicolae odeia aqueles dois. Acha que são malucos. E é evidente que são."
"Então ele não teria problemas em me ajudar a entrevistá-los."
"Vou ver o que posso fazer. Hoje ele está ocupado, falando com um candidato a
piloto.
"Não diga!"
Carpathia e Rayford desceram da limusine em um imenso hangar do aeroporto
Kennedy. Carpathia disse ao motorista: "Diga a Frederick para preparar a
apresentação de sempre."
Quando as portas do hangar se abriram, o avião foi magnificamente iluminado por
holofotes. No lado diante de Rayford viam-se as palavras Air Force One e o brasão
da presidência dos Estados Unidos. No entanto, quando se dirigiram para o outro
lado, Rayford viu um grupo de homens em cima de um andaime, pintando o avião.
O brasão e o nome tinham sido eliminados. Em seu lugar, havia o antigo logotipo
da Organização das Nações Unidas mas com as palavras Comunidade Global
pintadas por cima do nome atual. E no lugar do nome da aeronave os homens
estavam terminando de pintar as palavras Global Community One (Comunidade
Global Um).
"Quanto tempo vai demorar para vocês terminarem de pintar os dois lados?"
perguntou Carpathia ao chefe da equipe.
"A tinta estará seca em ambos os lados por volta da meia-noite!" foi a resposta.
"Levamos seis horas para pintar este lado. A pintura do outro lado será mais
rápida. Estará em perfeitas condições para voar no sábado!"
Carpathia fez um sinal de positivo com o polegar e os funcionários do hangar
aplaudiram. "Gostaríamos de subir a bordo", disse Carpathia em voz baixa. Em
poucos minutos os homens instalaram um elevador improvisado para permitir que
134
os dois entrassem pela porta traseira daquele avião cintilante.
Rayford já havia conhecido inúmeros aviões novos e geralmente ficava
impressionado, mas nenhum era semelhante ao que ele via naquele momento.
Cada detalhe foi luxuosamente instalado e todos eram funcionais e maravilhosos.
Na parte traseira havia banheiros completos com chuveiros. Depois via-se a área
reservada à imprensa, com tamanho suficiente para instalar divisórias. Cada
poltrona tinha um telefone, tomada para modem, videocassete e TV. O restaurante
ficava na parte central, completamente abastecido e com espaço para os
passageiros movimentarem-se e respirarem.
Perto da parte frontal estavam os aposentos presidenciais e a sala de reuniões. Um
dos cômodos continha sofisticados equipamentos de segurança e vigilância, serviço
de comunicação de alta tecnologia, permitindo que o avião se comunicasse com
qualquer parte do mundo.
Logo atrás da cabina do piloto viam-se os aposentos da tripulação, incluindo um
apartamento privativo para o piloto. "Talvez você não queira permanecer dentro do
avião quando pousarmos em algum lugar durante alguns dias", disse Nicolae, "mas
com certeza vai ser difícil encontrar acomodações semelhantes fora daqui."
Enquanto Buck se encontrava na sala de Steve, Hattie entrou para avisar que
Nicolae saíra por alguns minutos. "Oh, Sr. Williams!" ela disse. "Não me canso de
agradecer-lhe por ter-me apresentado ao Sr. Carpathia."
Buck não sabia o que falar. Não queria dizer que foi uma satisfação. Na verdade,
sentia-se arrependido. Fez apenas um sinal afirmativo com a cabeça.
"Você sabe com quem ele está hoje?" ela perguntou.
Ele sabia, mas fingiu ignorar. "Com quem?"
Buck entendeu que deveria estar sempre alerta diante dela, de Steve e
principalmente de Carpathia. Eles não poderiam saber de sua amizade com
Rayford, e se tivesse condições de impedir que os três tomassem conhecimento de
seu caso com Chloe, seria melhor ainda.
"Rayford Steele. Ele era o piloto do avião em que conheci você."
"Eu me lembro", disse Buck.
"Você sabia que ele está sendo avaliado para ser o piloto do Air Force One!"
"Seria uma honra para ele, não?"
"Ele merece. É o melhor piloto com quem já trabalhei."
Buck sentia-se embaraçado por falar sobre seu novo amigo e irmão em Cristo como
se mal o conhecesse. "O que faz dele um bom piloto?" perguntou Buck.
"Decolagens e aterrissagens suaves. Ele se comunica muito com os passageiros.
Trata a tripulação como colegas e não como escravos."
"Impressionante", disse Buck.
"Você gostaria de conhecer o avião?" perguntou Steve.
"Posso?"
"Ele está no hangar suplementar do aeroporto Kennedy."
"Acabei de vir de lá."
"Gostaria de voltar?"
Buck deu de ombros. "Já designaram outra pessoa para fazer a reportagem sobre o
novo avião, sobre o piloto e outros assuntos relacionados, mas com certeza eu
adoraria conhecer o avião."
"Você poderá voar nele até Israel." "Não, não posso", disse Buck. "Meu chefe foi
muito claro quanto a esta questão."
Quando Rayford voltou para casa naquela noite, sabia que Chloe seria capaz de
adivinhar que ele estava pensativo. "Bruce cancelou a reunião desta noite", ela
disse.
135
"Ótimo. Estou exausto."
"Então fale-me sobre Carpathia."
Rayford tentou. O que havia para ser dito? O homem era amistoso, charmoso,
sereno e, se não tivesse mentido, Rayford teria pensado que eles o haviam julgado
mal. "Acho que não há mais dúvidas quanto à sua identidade, você concorda?" ele
deduziu.
"Em minha mente, não", ela disse. "Mas ainda não o conheço pessoalmente."
"Sabendo quem você é, acho que ele não a enganaria nem por um segundo."
"Assim espero", ela disse. "Mas Buck admite que ele é um assombro."
"Você teve notícias de Buck?"
"Ele ficou de ligar hoje à meia-noite, horário de Nova York."
"Será que vou precisar ficar acordado para ter a certeza de que você não vai cair no
sono?"
"É difícil. Ele ainda não sabe que comemos nossos doces na mesma hora. Eu não
poderia deixar de contar-lhe isso por nada deste mundo."
136
QUATORZE
Buck Williams estava tirando proveito de todas as suas habilidades jornalísticas. No
sábado, depois de tentar dormir um pouco no Hotel Rei Davi para recuperar o
cansaço da viagem, deixou recados para Chaim Rosenzweig, Marc Feinberg e até
mesmo para Peter Mathews. De acordo com Steve Plank, Nicolae Carpathia
recusara o pedido de Buck para ajudá-lo a aproximar-se dos dois pregadores diante
do Muro das Lamentações.
Eu já contei a você, disse Steve. Ele acha que aqueles indivíduos são loucos e está
desapontado por você pensar que merecem uma reportagem.
E ele não conhece ninguém que possa me ajudar a chegar lá?
É uma área restrita.
Exatamente o meu ponto forte. Será que finalmente descobrimos algo que Nicolae,
o Grande, não pode fazer?
Steve zangou-se. Você sabe tanto quanto eu que Carpathia pode comprar o Muro
das Lamentações – disse em tom irado. Mas você não chegará perto daquele lugar
sem sua ajuda. Ele não quer você lá, Buck. Pelo menos uma vez na vida, procure
entender e não se meta.
Ah! Até parece que sou assim.
Buck, deixe-me perguntar-lhe uma coisa. Se você afrontar Carpathia e depois
recusar sua proposta ou deixá-lo tão irritado a ponto de ele desistir de contratá-lo,
onde vai trabalhar?
Vou trabalhar.
Onde? Você não vê que ele exerce influência em qualquer lugar? O povo o adora!
Fará qualquer coisa por ele. As pessoas saem de uma reunião com ele e passam a
fazer coisas que jamais sonharam fazer.
Não me diga! pensou Buck.
Tenho muito trabalho a fazer disse Buck. De qualquer maneira, obrigado.
Neste momento você tem trabalho. Mas nada é permanente.
Steve jamais proferira palavras tão verdadeiras, apesar de não saber.
A segunda batalha de Buck foi com Peter Mathews, que estava escondido em uma
suíte de cobertura em um hotel cinco estrelas de Tel-Aviv. Apesar de ter recebido o
recado de Buck, não dera a devida atenção. Admiro você, Williams - ele disse -
mas acho que já lhe passei as melhores informações que sei, tanto confidenciais
como não-confidenciais. Não tenho nenhuma ligação com os indivíduos do Muro,
mas vou-lhe dar uma opinião, se é isso que você quer.
Só quero encontrar alguém que tenha condições de me aproximar dos dois, a fim
de que eu possa conversar com eles. Se quiserem me matar, me queimar ou
ignorar minha presença, é prerrogativa deles.
Tenho permissão para aproximar-me do Muro das Lamentações por causa de
minha posição, mas não estou interessado em ajudá-lo a chegar lá. Sinto muito.
Acho que esses indivíduos são dois anciãos estudiosos do Torá, fingindo ser Moisés
e Elias reencarnados. Seus trajes são horríveis e suas pregações, piores ainda. Não
tenho idéia por que as pessoas morreram quando tentaram ofendê-los. Talvez
esses dois bobocas tenham compatriotas escondidos no meio das massas que tiram
da frente quem os ameaça. Agora preciso ir. Você estará presente por ocasião da
assinatura do tratado na segunda-feira?
Estou aqui por esse motivo, senhor.
Então nos encontraremos lá. Faça um favor a si mesmo e não manche sua
137
reputação escrevendo uma reportagem sobre esses dois. Se você quiser uma
reportagem, acompanhe-me num passeio hoje à tarde, quando visitarei os
possíveis locais para a instalação do Vaticano em Jerusalém.
Mas como o senhor explica o fato de não ter chovido em Jerusalém desde que
esses dois começaram a pregar?'
Eu não dou a mínima atenção a isso. Talvez até as nuvens não queiram ouvir o
que eles têm a dizer. De qualquer forma, é raro chover por aqui.
Rayford conheceu a tripulação do Global Community One apenas poucas horas
antes da decolagem. Nenhum dos tripulantes trabalhara na Pan-Continental.
Durante uma rápida conversa preliminar com eles, Rayford enfatizara que a
segurança era um requisito de suma importância. É por isso que cada um de nós
está aqui. Os procedimentos corretos e o protocolo vêm depois. Devemos fazer
tudo de acordo com o regulamento e manter em dia nosso diário de bordo e a
conferência de todos os itens da aeronave. Devemos estar vigilantes, com os pés
no chão e servir a nossos patrões e passageiros. Embora tenhamos de dar
tratamento diferenciado às autoridades e servi-las, devemos ter em mente que a
segurança dessas pessoas é a nossa maior preocupação. A tripulação mais eficiente
é a tripulação invisível. Os passageiros sentem conforto e segurança quando vêem
uniformes e bom atendimento, mas não nos vêem individualmente.
O primeiro co-piloto de Rayford era mais velho que ele e provavelmente gostaria de
ocupar a posição de piloto. No entanto, era simpático e eficiente. O navegador era
um jovem que Rayford não teria escolhido, mas que dava conta do recado. Os
comissários de bordo tinham trabalhado junto no Air Force One e pareciam estar
muito impressionados com a nova aeronave. Rayford não poderia culpá-los por
isso. Tratava-se de uma maravilha da tecnologia, porém em breve eles já estariam
acostumados e não mais haveria motivos para espanto.
Pilotar o 757 era, conforme Rayford comentara com o examinador em Dallas, a
mesma coisa que sentar-se ao volante de um Jaguar. Contudo, a empolgação foi
desaparecendo durante o vôo. Logo depois da decolagem, Rayford deixou a
aeronave por conta do co-piloto e dirigiu-se a seus aposentos particulares. Esticouse
na cama e, de repente, se deu conta de sua solidão. Como Irene ficaria
orgulhosa naquele momento, quando ele tinha alcançado a posição máxima na
aviação mundial. Para ele, no entanto, isso significava muito pouco, apesar de
sentir dentro de si que estava cumprindo a vontade de Deus. Por que motivo, ele
não fazia idéia. Porém, no fundo Rayford tinha a certeza de que não mais voaria
pela Pan-Con.
Telefonou a Chloe, acordando-a. Sinto muito, Chio, ele disse.
Não se preocupe, papai. Como você está? Empolgado?
Ah, sim. Não posso negar isso.
Eles já haviam conversado que as comunicações entre o ar e a terra provavelmente
seriam vigiadas, portanto não deveria haver palavras depreciativas a respeito de
Carpathia nem de qualquer outra pessoa ao redor dele. Também não mencionariam
o nome de Buck.
Você conhece alguém daí?
Somente Hattie. Estou me sentindo muito só.
Eu também. Não conversei com ninguém mais. Devo receber um telefonema na
segunda-feira de manhã, seu horário. Quando você chegará a Jerusalém?
Dentro de mais ou menos três horas pousaremos em Tel-Aviv e seremos
transportados para Jerusalém em carros de luxo.
Você não vai pousar em Jerusalém?
Não. Um 757 não tem condições de pousar lá. Tel-Aviv fica apenas a cinqüenta e
poucos quilômetros de Jerusalém.
138
Quando você vai voltar?
Estamos programados para sair de Telavive na terça-feira de manhã, mas agora
estão dizendo que voaremos para Bagdá na segunda à tarde e sairemos de lá na
terça de manhã. Isto aumenta o percurso total em seiscentas milhas aéreas, cerca
de mais uma hora.
Por que Bagdá?
É o único aeroporto perto da Babilônia que comporta uma aeronave deste
tamanho. Carpathia quer dar uma chegada até a Babilônia para contar seus planos
ao povo de lá.
Você vai junto com ele?
Imagino que sim. Babilônia fica cerca de oitenta quilômetros ao sul de Bagdá, de
ônibus. Se eu aceitar este emprego, imagino que vou conhecer uma grande parte
do Oriente Médio nos próximos anos.
Eu já estou com saudade de você. Gostaria de estar aí.
Sei de quem você está com saudade, Chloe.
Minha saudade inclui você, papai.
Ah, dentro de um mês serei apenas um zero à esquerda para você. Então, vou
poder ver de perto aonde você e esse tal de quem está com saudade vão chegar.
Bruce ligou. Ele recebeu um telefonema estranho de uma senhora chamada
Amanda White, que diz ter conhecido a mamãe. Ela contou a Bruce que viu a
mamãe apenas uma vez num dos grupos de estudos bíblicos da igreja e que não se
lembra exatamente do nome dela. Ela só se lembra que o nome da mamãe soava
como ferro e aço.
Hum - disse Rayford - Irene Steele. Nunca pensei nela dessa maneira. O que
aquela senhora queria?
Ela contou que se tornou cristã em grande parte por lembrar-se do que a mamãe
disse naquele estudo bíblico, e agora está procurando uma igreja. Ela queria saber
se a Igreja Nova Esperança ainda estava de pé e funcionando.
Por onde ela tem andado?
Chorando a perda do marido e de duas filhas adultas. Ela os perdeu no
Arrebatamento.
Se sua mãe foi tão importante em sua vida, como essa senhora não consegue
lembrar-se do nome dela?
Sei lá disse Chloe.
Buck deu um cochilo de uma hora e meia antes de receber uma ligação de Chaim
Rosenzweig, que acabara de chegar.
Até eu vou precisar adaptar-me ao fuso horário, Cameron, disse Rosenzweig. - Já
fiz tantas vezes esta viagem e, no entanto, ainda sinto os efeitos da mudança de
horário. Há quanto tempo você está em nosso país?
Cheguei ontem de manhã. Preciso de sua ajuda. - Buck contou a Rosenzweig que
gostaria de aproximar-se do Muro das Lamentações. - Já tentei - ele disse - mas
devo ter ficado a quase cem metros de distância. Os dois homens estavam
pregando, e a multidão era muito maior do que vi pela CNN.
Oh, a multidão é bem maior agora que estamos perto da assinatura do acordo. Em
vista disso, talvez os dois intensifiquem suas atividades. Mais e mais pessoas estão
chegando para ouvi-los, e aparentemente eles estão vendo judeus ortodoxos
convertendo-se ao Cristianismo. Muito estranho. No caminho, Nicolae perguntou
sobre os dois e os viu nos noticiários da TV. Ele ficou tão zangado como nunca vi.
O que ele disse?
Esse é o problema. Ele não disse nada. Seu rosto ficou vermelho e ele cerrou a
mandíbula. Só o conheço um pouco, você sabe, mas sei quando ele está
perturbado.
139
Chaim, preciso de sua ajuda.
Cameron, não sou ortodoxo. Não posso ir até o Muro, e mesmo que pudesse,
provavelmente não me arriscaria. Também não o aconselho a ir. O fato mais
importante aqui é a assinatura do acordo na segunda-feira de manhã. Nicolae, a
delegação israelense e eu finalizamos os preparativos em Nova York na sexta-feira.
Nicolae foi brilhante. Ele é magnífico, Cameron. Aguardo com ansiedade o dia em
que nós dois estaremos trabalhando para ele.
Chaim, por favor. Sei que qualquer jornalista do mundo gostaria muito de ter uma
entrevista exclusiva com os dois pregadores, mas sou o único que não vai desistir
até conseguir ou morrer tentando.
Não faça isso.
Doutor, nunca lhe pedi nada a não ser um pouco de seu tempo, e o senhor sempre
demonstrou generosidade.
Não sei o que posso fazer por você, Cameron. Eu mesmo o levaria até lá, se
pudesse. Mas, de qualquer forma, você não vai conseguir.
Mas o senhor conhece alguém que tenha acesso.
Claro que conheço! Conheço muitos judeus ortodoxos, muitos rabinos, mas...
E quanto a Ben-Judá?
Ora, Cameron! Ele está muito atarefado. Sua apresentação ao vivo sobre o projeto
de pesquisa irá ao ar na segunda-feira à tarde. Ele deve estar se preparando como
um estudante antes das provas de fim de ano.
Talvez não, Chaim. Talvez ele já tenha feito tantas pesquisas que poderia falar
sobre esta última durante uma hora, sem ter nenhuma anotação em mãos. Talvez
ele já esteja pronto e aguardando algo com que se ocupar, a fim de não exagerar
nos preparativos ou não ficar estressado enquanto aguarda o grande momento.
Houve silêncio do outro lado da linha, e Buck orou para que Rosenzweig
capitulasse.
Não sei, Cameron. Eu não gostaria de ser incomodado numa ocasião tão próxima a
um grande momento.
Você me faria apenas um favor, Chaim? Só peço que ligue para ele, deseje-lhe boa
sorte e sinta como está sua programação neste fim de semana. Eu irei a qualquer
lugar, a qualquer hora, se ele puder me fazer chegar perto do Muro.
Só se ele estiver à procura de uma diversão - disse Rosenzweig.. - Se eu perceber
que ele está mergulhado em seu trabalho, não vou nem abordar o assunto.
Obrigado! O senhor me dará um retorno?
De uma forma ou outra. Cameron, por favor não fique muito esperançoso nem me
culpe se ele não tiver tempo.
Eu jamais faria isso.
Eu sei. Percebo o quanto isso é importante para você.
Buck estava desligado do mundo e não tinha idéia de quanto tempo o telefone
estava tocando. Sentou-se na cama e viu o sol da tarde de domingo adquirir uma
tonalidade alaranjada. Pela janela entrava uma réstia de luz, formando um belo
desenho sobre a cama. Quando esticou o braço para atender o telefone, Buck viu
sua imagem de relance no espelho. Suas faces estavam vermelhas e vincadas, o
cabelo completamente despenteado. Sentia um gosto horrível na boca, e dormira
sem trocar de roupa.
Alô!
Aí ês Chamerown Weeleeums? soou a voz grossa do outro lado da linha com
sotaque hebraico.
Sim, senhor.
Aqui ês Dochtor Tsion Ben-Judah.
Buck levantou-se imediatamente, como se estivesse diante de um mestre na sala
de aula. - Sim, Dr. Ben-Judá. É um privilégio falar com o senhor!
140
Obrigado, disse com dificuldade o Dr. Ben-Judá. - Estou ligando de perto de seu
hotel.
Buck esforçou-se para compreender. Sim?
Tenho um carro e um motorista.
Um carro e um motorista, entendi, sim, senhor.
Você está pronto para ir?
Ir?
Ao Muro.
Oh, sim, senhor... quero dizer, não, senhor. Vou precisar de dez minutos. O
senhor pode aguardar dez minutos?
Eu devia ter telefonado antes. Nosso amigo disse que era um caso de certa
urgência para você.
Buck analisou rapidamente aquele estranho modo de falar.
Um caso de urgência, sim! Só preciso de dez minutos! Obrigado, senhor!
Buck tirou as roupas apressadamente e entrou debaixo do chuveiro. Não esperou a
água esquentar. Ensaboou o enxaguou o corpo e, em seguida, barbeou-se o mais
rápido que pôde.
Como não tinha tempo a perder procurando o adaptador elétrico para o secador de
cabelos, pegou uma toalha e esfregou com tanta força seus cabelos compridos que
pensou estar arrancando metade do couro cabeludo.
Passou um pente nos cabelos e escovou os dentes. Que roupa deveria usar para ir
ao Muro das Lamentações? Ele sabia que não teria permissão para entrar, mas será
que ofenderia seu anfitrião se não usasse paletó e gravata? Ele não tinha trazido
terno. Não tinha planejado o que vestir mesmo por ocasião da assinatura do
tratado na manhã seguinte.
Escolheu uma camisa comum de algodão grosso, calça jeans, botas de cano curto e
jaqueta de couro. Jogou seu gravador e sua câmera dentro de uma pequena sacola
de couro e desceu correndo três lances de escada. Quando atravessou rapidamente
a porta de saída, parou. Não tinha idéia da fisionomia do rabino. Será que ele era
parecido com Rosenzweig, com Feinberg ou com nenhum dos dois?
Não se parecia com nenhum dos dois. Tsion Ben-Judá, trajando terno preto e
chapéu de feltro preto, desceu do banco de passageiros de um Mercedes branco e
acenou timidamente. Buck correu em sua direção.
- Dr. Ben-Judá? - ele disse, apertando sua mão. O rabino era um homem de meiaidade,
magro, de fisionomia jovem, forte e traços pronunciados, e com apenas
alguns fios grisalhos em seu cabelo castanho escuro.
Em seu inglês com sotaque, o rabino disse: Em seu dialeto, meu primeiro nome
soa mais ou menos como a cidade, Zion [Sião]. Você pode me chamar assim.
Zion? O senhor tem certeza?
Certeza de meu nome?. O rabino sorriu. - Tenho certeza.
Não, quero dizer, o senhor tem certeza de que posso chamá-lo...
Sei o que o você quer dizer, Sr. Williams. Pode me chamar de Zion.
Para Buck, Zion não soava muito diferente de Tsion no modo de falar do Dr. Ben-
Judá. Por favor, chame-me de Buck.
Buck? - O rabino segurou a porta aberta enquanto Buck entrava e sentava-se ao
lado do motorista.
É um apelido.
Está certo, Buck. O motorista não entende nenhuma palavra de inglês.
Buck virou-se e viu o motorista com a mão estendida. Apertou a mão dele e o
homem disse algo totalmente indecifrável. Buck limitou-se a sorrir e movimentar a
cabeça afirmativamente. O Dr. Ben-Judá dirigiu-se ao motorista em hebraico, e o
carro começou a rodar.
Agora, Buck – disse o rabino enquanto Buck virava-se no banco para ver o rosto
141
dele - o Dr. Rosenzweig disse que você quer ter acesso ao Muro das Lamentações,
o que é impossível, você deve compreender. Só posso levar você até perto das
duas testemunhas para que possa chamar a atenção deles, se tiver coragem.
As duas testemunhas? O senhor chama os dois de testemunhas? É assim que
meus amigos e eu...
O Dr. Ben-Judá levantou as duas mãos e virou a cabeça, indicando que não
responderia nem comentaria aquela pergunta. - A pergunta é: você tem coragem?
Tenho.
E não vai me responsabilizar por qualquer coisa que possa acontecer a você?
Claro que não, mas eu também gostaria de entrevistar o senhor.
O rabino levantou as mãos novamente. - Deixei claro à imprensa e ao Dr.
Rosenzweig que não estou concedendo entrevistas.
Só quero algumas informações pessoais. Não vou perguntar-lhe sobre a pesquisa,
porque estou certo de que após ter resumido três anos de estudos em uma hora de
apresentação, o senhor explicará todas as suas conclusões amanhã à tarde.
Exatamente. Quanto a informações pessoais, tenho quarenta e dois anos. Cresci
em Haifa, filho de rabino ortodoxo. Tenho dois doutorados, um em história judaica
e um em línguas antigas. Estudei e lecionei durante a vida inteira e me considero
mais um erudito e historiador do que um educador, embora meus alunos sejam
generosos quando me avaliam. Penso, oro e leio a maior parte do tempo em
hebraico, e fico embaraçado por falar tão mal o inglês, principalmente num país
igualitário como este. Conheço a gramática e a sintaxe inglesas melhor do que
muitos ingleses e muitos americanos - você está fora disso, é claro - mas nunca
tive tempo de praticar e muito menos de aperfeiçoar minha dicção. Sou casado há
apenas seis anos e tenho dois filhos pequenos, um menino e uma menina. Há
pouco mais de três anos, fui comissionado por um órgão estatal para conduzir um
estudo completo das passagens messiânicas a fim de que os judeus reconheçam o
Messias quando ele vier. Foi o trabalho mais gratificante da minha vida. No
processo, incluí o grego e o aramaico na lista dos idiomas antigos que domino, que
agora chegam a vinte e dois. Estou empolgado por ter completado o trabalho e
ansioso para revelar minhas descobertas ao mundo, via TV. Não pretendo que o
estudo vá competir com qualquer outro que inclua sexo, violência ou humor, mas
espero que gere controvérsias.
Não sei o que mais perguntar - admitiu Buck.
Então é melhor terminarmos a entrevista e passarmos para o assunto do
momento.
Tenho curiosidade de saber por que o senhor está investindo seu tempo nisto.
O Dr. Rosenzweig é um mentor e um dos colegas que mais prezo. Um amigo dele
é amigo meu.'
Obrigado.
Admiro o trabalho seu. Li os artigos que você escreveu sobre o Dr. Rosenzweig e
muitos outros. Além disso, os homens do Muro também me intrigam. Talvez a
minha versatilidade em línguas ajude a nos comunicar com eles. Até agora, só sei
que eles se comunicam com as massas que se reúnem ao seu redor. Eles falam
com as pessoas que os ameaçam, mas, por outro lado, não conheço ninguém que
tenha conversado com eles.
O Mercedes estacionou perto de alguns ônibus de turismo, e o motorista aguardou
enquanto o Dr. Ben-Judá e Buck subiam numa escada para avistar o Muro das
Lamentações, a Colina do Tempo e tudo o que havia entre um e outro. - Nunca vi
uma multidão tão grande como esta - disse o rabino.
Mas todos estão em silêncio - cochichou Buck.
Os dois pregadores não usam microfones - explicou o Dr. Ben-Judá. - As pessoas
que fazem barulho se arriscam. Há tanta gente querendo ouvir o que os dois
142
homens têm a dizer que sempre existe alguém para ameaçar os arruaceiros.
Os dois nunca fazem uma pausa para descansar?
Ah, sim, fazem. De vez em quando um deles caminha ao redor daquele pequeno
edifício ali e deita-se no chão, perto da cerca. Geralmente os dois se revezam para
descansar e falar. Os homens que há pouco tempo foram consumidos pelo fogo
tentaram atacar os dois pelo lado de fora da cerca enquanto eles descansavam. É
por isso que ninguém se aproxima dos dois quando eles estão ali.
Talvez esta seja a minha melhor oportunidade - disse Buck.
É o que estou pensando.
O senhor vai comigo?
Só se deixarmos claro aos dois que não queremos lhes fazer nenhum mal. Eles
mataram pelo menos seis pessoas e ameaçaram muitas outras. Um amigo meu
esteve presente no dia em que eles queimaram quatro agressores, e ele jura que o
fogo saiu da boca dos dois.
O senhor acredita nisso?
Não tenho motivos para duvidar de meu amigo, apesar de estarmos bem distantes
dos dois.
Será que existe um momento apropriado para nos aproximarmos deles, ou
devemos sondar o ambiente?
Acho melhor nos misturarmos à multidão, antes de mais nada.
Eles desceram a escada e caminharam em direção ao Muro. Buck estava
impressionado com a demonstração de respeito da parte do povo. A uma distância
de doze ou quinze metros dos pregadores havia rabinos ortodoxos, curvando-se,
orando e introduzindo papéis contendo orações nas fendas das pedras do Muro. De
vez em quando, um dos rabinos virava-se para as testemunhas e levantava o braço
com a mão fechada, gritando palavras em hebraico. A multidão pedia que se
calasse. Às vezes, um dos pregadores respondia diretamente.
Quando Buck e o Dr. Ben-Judá se aproximaram da multidão, um rabino que estava
diante do Muro ajoelhou-se, olhou para o céu e proferiu, aos berros, uma oração de
angústia.
Silêncio! - gritou um dos pregadores, e o rabino caiu num choro convulsivo. O
pregador virou-se para a multidão.
Ele implora ao Deus Todo-poderoso que nos destrua por estarmos blasfemando
seu nome! Mas ele é igual aos fariseus de antigamente! Ele não reconhece aquele
que foi Deus, que é Deus e que será Deus eternamente! Viemos para testemunhar
a divindade de Jesus Cristo de Nazaré!
Com isso, o rabino que chorava prostrou-se e escondeu o rosto, tremendo de
humilhação diante das palavras cruéis que ouvira.
Você gostaria que eu traduzisse? cochichou o Dr. Ben-Judá a Buck.
Traduzir o quê? A oração do rabino?
E a resposta do pregador.
Entendi o que o pregador disse.
O Dr. Ben-Judá parecia perplexo. - Se eu soubesse que você fala hebraico
fluentemente, teria sido muito mais fácil eu me comunicar com você.
Eu não sei falar hebraico. Não entendi a oração do rabino, mas o pregador falou à
multidão em inglês.
Ben-Judá balançou a cabeça. – Eu me enganei. Às vezes esqueço em que língua
estou falando ou ouvindo. Mas veja! Agora! Ele está falando em hebraico
novamente. Está dizendo...
Perdão por interromper o senhor, mas ele está falando em inglês. Existe um
sotaque hebraico, mas ele está dizendo:
"E Ele tem o poder de impedir que você caia..."
Você está entendendo?!
143
Claro.
O rabino demonstrou estar confuso e cochichou a Buck em tom de voz sinistro. Ele
está falando em hebraico.
Buck virou-se e fixou o olhar nos dois pregadores. Eles revezavam-se para falar,
frase por frase. Buck entendia cada palavra em inglês. Ben-Judá tocou de leve no
ombro de Buck, e ambos entraram no meio da multidão. - Inglês? - perguntou Ben-
Judá a um homem de características hispânicas que estava de pé ao lado da mulher
e dos filhos.
- Espanhol - respondeu o homem, como se estivesse se desculpando.
O Dr. Ben-Judá imediatamente passou a conversar com ele em espanhol. O homem
assentia com a cabeça e respondia afirmativamente. O rabino agradeceu-lhe e
continuou a caminhar. Encontrou um norueguês e conversou com ele na língua
nativa daquele homem, e depois conversou com alguns asiáticos. Ele segurou firme
no braço de Buck e afastou-o da multidão, aproximando-se dos pregadores.
Pararam a cerca de dez metros dos dois homens, separados por uma grade de
ferro.
Estas pessoas estão ouvindo os pregadores, cada uma em sua própria língua! -
disse Ben-Judá com a voz estremecida. - Com certeza isto procede de Deus!
O senhor tem certeza?
Absoluta. Eu ouço os dois falando em hebraico. Você ouve os dois falando em
inglês. A família do México conhece apenas um pouco de inglês e nada de hebraico.
O homem da Noruega conhece um pouco de alemão e de inglês, mas nada de
hebraico. Ele ouve os dois falando em norueguês. Oh Deus, oh Deus
complementou o rabino, e Buck percebeu que seu tom era de reverência. Estava
com medo de que Ben-Judá desfalecesse.
Iuuuuh! Gritou um jovem de botas surradas, calça caqui e camiseta branca, abrindo
caminho por entre a multidão. As pessoas deitaram-se imediatamente no chão
quando viram sua arma automática. Ele usava uma corrente dourada e tinha barba
e cabelos pretos desgrenhados. Seus olhos escuros estavam injetados e ele rodava
uma espécie de pandeiro no ar, para abrir caminho até os pregadores.
O jovem gritava algumas palavras num dialeto oriental que Buck não conseguia
entender. Porém, enquanto Buck estava deitado no chão olhando por baixo do
braço, o rabino Ben-Judá cochichou: - Ele diz que está em missão de Alá.
Buck estendeu o braço para pegar sua sacola e ligou o gravador enquanto o jovem
corria para a frente da multidão. As duas testemunhas pararam de pregar e
permaneceram lado a lado, fitando o jovem armado, enquanto ele se aproximava,
correndo a toda velocidade e disparando tiros. Os pregadores continuaram firmes
como uma rocha, sem falar, sem se mover, com os braços cruzados sobre seus
trajes longos e esfarrapados. Quando o jovem chegou a uma distância de um metro
e meio dos dois, pareceu chocar-se contra uma parede invisível. Ele caiu e rolou, e
sua arma voou para longe. Sua cabeça bateu no chão ele começou a gemer.
De repente, um dos pregadores gritou: - Você está proibido de aproximar-se dos
servos do Deus Altíssimo! Estamos sob sua proteção até o momento devido e
causamos desgraça a qualquer um que se aproxime sem a proteção do próprio
Jeová. - Enquanto ele terminava de falar, o outro soprou uma coluna de fogo da
boca que reduziu a cinzas as roupas do jovem, consumiu seu corpo e órgãos e, em
segundos, deixou no chão um esqueleto carbonizado, de onde saía fumaça. A arma
derreteu-se e fundiu-se com o cimento, e o ouro derretido da corrente do jovem
penetrou na cavidade de seu peito.
Deitado de bruços e boquiaberto, Buck pôs a mão nas costas do rabino, que tremia
incontrolavelmente. As famílias correram gritando em direção a seus carros e
ônibus, enquanto os soldados israelenses se aproximavam lentamente do Muro,
com as armas engatilhadas.
144
Um dos pregadores falou. - Ninguém deve nos temer, se vier aqui para ouvir nosso
testemunho a respeito do Deus vivo! Muitos creram e ouviram o que dissemos.
Somente aqueles que nos querem agredir morrerão! Não temais!
Buck acreditou nele. Não tinha certeza se o rabino também acreditou. Ambos
levantaram-se e começaram a afastar-se, porém os olhos das testemunhas
estavam fixos neles.
Os soldados israelenses gritavam da calçada da praça pública. - Os soldados dizem
que devemos sair daqui lentamente - traduziu o Dr. Ben-Judá.
Quero ficar. - disse Buck. - Quero conversar com esses dois.
Você não viu o que acabou de acontecer?
Claro, mas ouvi também que eles não fazem nenhum mal aos ouvintes sinceros.
Você é um ouvinte sincero ou é um jornalista à procura de um furo de
reportagem?
Sou as duas coisas admitiu Buck.
Deus o abençoe - disse o rabino, virando-se e falando em hebraico com as duas
testemunhas enquanto os soldados gritavam para que ele, Buck e as outras
pessoas se afastassem dali. Buck e Ben-Judá olharam para os dois, que agora
permaneciam em silêncio.
Eu lhes disse que voltaremos para encontrá-los às dez horas desta noite atrás do
edifício onde eles descansam de vez em quando. Você tem condições de vir
comigo?
Não rejeitaria este convite por nada deste mundo disse Buck.
Depois de terminar um jantar tranqüilo com parte de sua nova tripulação, Rayford
recebeu um recado urgente de Chloe. A ligação de retorno demorou alguns minutos
para ser completada, e Rayford desejou que ela lhe tivesse dado alguma indicação
do que havia acontecido. Chloe não tinha o hábito de dizer que alguma coisa era
urgente, se realmente não fosse. Ela atendeu após o primeiro toque.
Alô! ela disse. Buck? Papai?
Sim, o que houve?
Como está Buck?
Não sei. Ainda não o vi.
Você vai vê-lo?
Com certeza, isto é, suponho.
Você sabe em que hospital ele está?
O quê?
Você não viu?
Vi o quê?
Papai, a notícia foi divulgada aqui hoje de manhã. As duas testemunhas diante do
Muro das Lamentações queimaram um indivíduo até morrer, e todos os que
estavam perto caíram no chão. Um dos dois últimos que ficaram estendidos ali era
Buck.
Você tem certeza?
Absoluta.
Você sabe com certeza se ele foi ferido?
Não! Só pensei. Ele estava deitado no chão ao lado de um homem de terno preto,
cujo chapéu caiu-lhe da cabeça.
Onde ele está hospedado?
No Hotel Rei Davi. Deixei um recado para ele. Disseram que a chave estava na
portaria, mas que ele saíra. O que isso significa?
Algumas pessoas costumam deixar a chave na portaria sempre que saem do hotel.
Não há nada de especial nisso. Tenho certeza de que ele vai telefonar para você.
Existe algum jeito de você descobrir se ele foi ferido?
145
Vou tentar. Vamos fazer o seguinte: se souber de alguma coisa, telefono para
você, quer a notícia seja boa ou má.
Os joelhos de Buck tremiam como gelatina. - O senhor está bem, rabino?
Estou bem - respondeu o Dr. Ben-Judá - mas ainda não me recuperei do susto.
Sei o que está sentindo.
Quero acreditar que aqueles homens são de Deus.
Eu acredito que são disse Buck.
Você acredita? Você é um estudioso da Bíblia?
Passei a estudá-la recentemente.
Venha. Quero mostrar-lhe uma coisa.
Quando eles retornaram ao carro, o motorista do rabino estava de pé com a porta
de seu lado aberta e o rosto pálido. Tsion Ben-Judá conversou com ele em
hebraico, tranqüilizando-o. O motorista olhou firme para o rabino e depois para
Buck, o qual forçou um sorriso.
Buck entrou no carro e sentou-se ao lado do motorista. Ben-Judá orientou o
motorista em voz baixa para que estacionasse o mais perto possível do Golden
Gate (Portão de Ouro), a leste da Colina do Templo. Convidou Buck para
caminharem juntos até o portão de modo que ele pudesse interpretar as palavras
rabiscadas em hebraico. Veja. Aqui diz o seguinte: "Venha, Messias". E aqui:
"Liberte-nos". E ali: "Venha em triunfo". Meu povo tem almejado, orado, observado
e aguardado a chegada do Messias há séculos. Porém, uma parte do Judaísmo, até
mesmo na Terra Santa, tornou-se secular e menos orientado biblicamente falando.
Minha pesquisa foi solicitada quase como um fato inevitável. As pessoas perderam
a noção exata do que ou de quem estão procurando, e muitas desistiram. E para
que você comprove a intensa animosidade entre os muçulmanos e os judeus, veja
este cemitério que muçulmanos construíram junto desta cerca aqui, do lado de
fora.
Qual é o significado?
A tradição judaica diz que no final dos tempos, o Messias e Elias conduzirão os
judeus ao templo em triunfo através do portão do lado leste. Mas Elias é um
sacerdote e, se atravessar um cemitério, será maculado, portanto os muçulmanos
construíram um aqui para tornar impossível a entrada triunfal.
Buck pegou seu gravador e ia pedir ao rabino que repetisse aquele pequeno trecho
da história, mas percebeu que ainda estava ligado. Veja isto disse Buck.
Gravei toda a investida daquele jovem.
Ele voltou a fita até o ponto em que ouviram o tiroteio e os gritos. Depois ouviram
o som do jovem caindo e a arma sendo atirada para longe. Em sua mente, Buck
reteve a imagem do fogo saindo da boca de um dos pregadores. Na fita, o som foi
semelhante ao de uma forte rajada de vento. Mais gritos. Em seguida, os
pregadores gritaram numa língua que Buck não conseguiu entender.
É hebraico! disse o rabino Ben-Judá. - Com certeza você ouviu as palavras em
hebraico!
Eles falaram em hebraico - admitiu Buck - e o gravador captou as palavras em
hebraico. Mas eu as ouvi em inglês e tenho absoluta certeza.
Você disse que ouviu os dois prometerem que não causariam mal àquele que
estivesse ali para ouvir o testemunho deles.
Entendi palavra por palavra.
O rabino fechou os olhos. - O momento em que isto aconteceu é muito importante
para minha apresentação.
Buck caminhou ao lado dele de volta para o carro. - Preciso dizer-lhe uma coisa.
Acredito que seu Messias já veio.
Sei disso, meu jovem. Estarei interessado no que os pregadores vão dizer quando
146
você lhes contar isso.
Rayford conversou com Steve Plank para constatar se algum de seus funcionários
tinha notícia de mais uma morte no Muro das Lamentações. Não falou
especificamente de Buck, pois não queria que Plank soubesse da amizade entre
ambos.
Sabemos de tudo o que aconteceu - disse Plank zangado. - O secretário-geral
acredita que aqueles dois devem ser presos e julgados por assassinato. Ele só não
entende por que o exército israelense parece tão impotente.
Talvez eles tenham medo de ser queimados.
Que chance teriam os dois contra uma arma de precisão de alta potência? Alguém
cerca o local, tira fora os inocentes e mata aqueles dois. Pode ser uma granada ou
um míssil.
Essa é a idéia de Carpathia?
Ouvi de sua própria boca.
Palavras de um verdadeiro pacifista.
147
QUINZE
Rayford viu o noticiário e estava certo de que Chloe tinha razão. Era Buck Williams
o homem que naquele momento estava deitado no chão, aparentemente com o
corpo completamente chamuscado, a uma distância de pouco menos de dez metros
das testemunhas e bem próximo do atirador. Porém, a TV de Israel continuou a
reproduzir as imagens e, após observar a cena por mais alguns instantes, Rayford
conseguiu tirar os olhos da testemunha que soprava fogo e observar as margens da
tela. Buck estava se levantando rapidamente e ajudando o homem de terno preto a
levantar-se também. Nenhum dos dois parecia estar ferido. Rayford ligou para o
Hotel Rei Davi. Como Buck ainda não havia retornado, Rayford foi de táxi até o
hotel e sentou-se no saguão para aguardar sua chegada. Sabendo que não deveria
ser visto na companhia de Buck, Rayford planejava esgueirar-se até uma cabina
telefônica assim que o avistasse.
Na longa história do Judaísmo - estava dizendo o rabino Ben-Judá - existem claras
evidências da mão protetora de Deus. Mais durante os tempos bíblicos, é claro,
porém a proteção de Israel contra todas as guerras modernas, mesmo lutando em
condição de inferioridade, é outro exemplo. A destruição da Força Aérea Russa,
deixando a Terra Santa incólume, com certeza foi um ato de Deus.
Buck virou-se para trás no banco do carro. - Eu estava aqui quando isso aconteceu.
Li sua reportagem - disse Ben-Judá. - Mas pelo mesmo motivo os judeus
aprenderam a ser céticos em relação ao que aparenta ser uma intervenção divina
em suas vidas. Os que conhecem as Escrituras sabem que, apesar de Moisés ter
tido o poder de transformar uma vara em serpente, os mágicos do Faraó também
fizeram o mesmo. Eles transformaram a água em sangue, imitando Moisés. Daniel
não foi o único interpretador de sonhos na corte do rei. Estou lhe contando isto só
para explicar por que esses dois pregadores estão sendo vistos com tantas
suspeitas. Seus atos são poderosos e terríveis, mas sua mensagem é um anátema
no modo de pensar dos judeus.
Mas eles estão falando sobre o Messias! disse Buck.
E parecem ter o poder de sustentar suas afirmações - disse Ben-Judá. - Porém a
idéia de Jesus ter sido o Messias judeu é arcaica, tem milhares de anos. O nome de
Jesus é tão profano aos judeus como o racismo e os epítetos são para outras
minorias.
Algumas pessoas converteram-se aqui - disse Buck. - Eu vi isso nos noticiários,
gente curvando-se e ajoelhando-se diante da cerca, tornando-se seguidores de
Cristo.
A duras penas - disse o rabino. - E eles são uma grande minoria. Por mais boa
impressão que essas testemunhas de Cristo possam causar, você não verá um
número significativo de judeus converter-se ao Cristianismo.
Esta é a segunda vez que o senhor chama os pregadores de testemunhas disse
Buck. - O senhor sabe que isso é o que a Bíblia...
Sr. Williams - interrompeu o rabino Ben-Judá - não se engane ao pensar que sou
apenas um estudioso do Torá. Você deve entender que meus estudos incluíram as
obras sagradas de todas as principais religiões do mundo.
Então como o senhor o explica o Novo Testamento, uma vez que o conhece?
Em primeiro lugar, você talvez esteja exagerando ao dizer que eu "conheço" o
Novo Testamento. Não posso afirmar que o conheço tanto quanto minha Bíblia. Só
passei a aprofundar-me no estudo do Novo Testamento nos últimos três anos. Em
148
segundo lugar, você está extrapolando a ética jornalística.
Não estou perguntando como jornalista! - disse Buck. - Estou perguntando como
cristão!
Não confunda gentio com cristão - disse o rabino. - Muitas, muitas pessoas se
consideram cristãs só porque não são judias.
Eu sei qual é a diferença - disse Buck. - De amigo para amigo, ou pelo menos de
conhecido para conhecido, o senhor, com todo o seu estudo, deve ter chegado a
algumas conclusões a respeito de Jesus como o Messias..
O rabino escolheu cuidadosamente as palavras. Jovem, em três anos eu não
divulguei a ninguém uma letra sequer dos resultados de minhas pesquisas. Mesmo
aqueles que me encarregaram deste estudo e o patrocinaram não sabem a que
conclusões eu cheguei. Respeito você. Admiro sua coragem. Vou levá-lo novamente
até as duas testemunhas hoje à noite, conforme prometi. Porém, não vou revelar
nada a você do que vou dizer na TV amanhã.
Entendo, disse Buck. - Haverá mais pessoas vendo do que o senhor imagina.
Talvez. E talvez eu estivesse usando de falsa modéstia quando disse que minha
apresentação provavelmente não competiria com a programação normal. A CNN e o
órgão estatal que me incumbiu do estudo têm cooperado em âmbito internacional
para comunicar a transmissão do programa aos judeus de todos os continentes.
Disseram-me que o índice de audiência em Israel será apenas uma fração dos
telespectadores judeus do mundo inteiro.
Rayford estava lendo o International Tribune quando Buck passou apressado por
ele dirigindo-se à recepção, onde pegou a chave e um recado. Rayford provocou
um ruído com as folhas do jornal e, quando Buck olhou em sua direção, fez um
sinal que telefonaria para ele. Buck movimentou a cabeça afirmativamente e subiu
a escada.
É melhor você ligar para Chloe - disse Rayford quando ligou da cabina telefônica
para Buck alguns minutos depois. - Você está bem?
Sim. Rayford, eu estava lá!
Eu vi você.
O rabino com quem eu estava é amigo de Rosenzweig. É o tal que falará na TV
amanhã à tarde. Avise a quem você puder para que vejam o programa. Ele é uma
pessoa muito interessante.
Vou avisar. Prometi a Chloe que um de nós ligaria para ela assim que eu tivesse
alguma notícia.
Ela viu?
Sim, no noticiário da manhã.
Vou ligar para ela agora mesmo.
Buck pediu à telefonista do hotel que fizesse a ligação e desligou, aguardando a
chamada. Nesse ínterim, sentou-se na beira da cama com a cabeça baixa. Sentiu
um arrepio ao pensar no que vira. Depois de ter visto a mesma coisa, ouvido a
mesma coisa, como o rabino podia insinuar que os dois se faziam passar por
mágicos ou videntes e que não eram homens de Deus? O telefone tocou. - Sim!
Buck!
Sou eu, Chloe, e estou bem.
Oh, graças a Deus.
Obrigado!
Chloe parecia emocionada. Buck, aquelas testemunhas conhecem a diferença
entre quem é crente e quem é inimigo, não é mesmo?
Espero que sim. Vou saber disso hoje à noite. O rabino vai me levar de novo até lá
para eu vê-los.
149
Quem é o rabino?
Buck contou-lhe a história do rabino.
Você tem certeza que isso é prudente?
Chloe, é a chance de toda a minha vida! Ninguém conseguiu falar com eles
particularmente.
Qual é a posição do rabino?
Ele é ortodoxo, mas conhece o Novo Testamento, pelo menos intelectualmente.
Você e Bruce precisam ver o programa amanhã à tarde... bem, estamos seis horas
na frente de vocês. Peça a todos na igreja que vejam. Seria interessante. Se você
quiser ver a assinatura do pacto antes, vai precisar levantar bem cedo.
Buck, estou com saudade de você.
Eu também. Mais do que você pensa.
Rayford retornou ao hotel em que estava hospedado e encontrou um envelope de
Hattie Durham. Dentro havia o seguinte bilhete:
Capitão Steele, isto não é um trote. O secretário-geral está lhe enviando a
passagem anexa para a solenidade de amanhã cedo e manifestando sua ótima
impressão sobre o seu serviço no Global Community One. Como ele não sabe se
terá condições de conversar pessoalmente com você até amanhã à tarde, a
caminho de Bagdá, está desde já agradecendo o seu serviço. E eu também. Hattie
D.
Rayford colocou a passagem junto com seu passaporte e jogou o bilhete no lixo.
Buck, sofrendo ainda as conseqüências do fuso horário e do trauma da manhã,
tentou dormir algumas horas antes do jantar. Jantou sozinho uma comida leve.
Enquanto isso, pensava consigo se haveria algum protocolo para encontrar-se com
os homens de Deus. Seriam eles humanos? Seriam espíritos? Seriam, como Bruce
acreditava, Elias e Moisés? Eles chamavam um ao outro de Eli e Moisés. Poderiam
ter milhares de anos? Buck estava mais ansioso por conversar com eles do que
esteve quando entrevistou um chefe de estado ou até mesmo Nicolae Carpathia.
Fazia muito frio à noite. Buck vestiu um paletó de lã esporte com forro grosso e
bolsos grandes para não precisar carregar uma sacola. Pegou apenas uma caneta,
um bloco e um gravador, e lembrou-se de falar com Jim Borland e outros
funcionários do Semanário para saber se os fotógrafos estavam conseguindo tirar
fotografias dos dois enquanto pregavam, mesmo que fosse a longa distância.
Às 9:45 Rayford sentou-se na cama. Cochilara diante da TV, com a roupa do corpo,
mas algo lhe chamara a atenção. Ele ouvira a palavra Chicago, talvez Chicago
Tribune, e isso o fez despertar. Começou a vestir o pijama enquanto ouvia. O
jornalista estava resumindo uma reportagem importante diretamente dos Estados
Unidos.
"O secretário-geral está fora do país este fim de semana e sem condições para
comentar, mas os principais meios de comunicação do mundo inteiro estão
confirmando esta notícia. A surpreendente legislação concede a uma autoridade
não-eleita e a uma organização internacional sem fins lucrativos o domínio irrestrito
de todas as formas de veiculação de notícias e abre as portas para a Organização
das Nações Unidas, que em breve será conhecida como Comunidade Global, para
que ela adquira e controle as comunicações via jornais, revistas, rádio, televisão,
cabo e satélite. A única limitação será o valor do capital disponível à Comunidade
Global, mas os seguintes meios de comunicação estão entre os mais visados pelo
grupo da Comunidade Global encarregado dessa transação: New York Times, Long
Island News Day, USA Today, Boston Globe, Baltimore Sun, Washington Post,
Atlanta Journal and Constitution, Tampa Tribune, Orlando Sentinel, Houston..."
150
Sentado na beira da cama, Rayford parecia não acreditar no que ouvia. Nicolae
Carpathia conseguira colocara-se em posição de controlar as notícias e, portanto,
controlar as mentes da maioria das pessoas dentro de sua esfera de influência.
O jornalista continuava a ler a lista em tom monótono: Turner Network News, the
Cable News Network, the Entertainment and Sports Network, the Columbia
Broadcast System, the American Broadcasting Corporation, the Fox Television
Network, the National Broadcasting Corporation, the Christian Broadcasting
Network, The Family Radio Network, Trinity Broadcasting Network, Time-Warner,
Disney, U.S. News and World Report, Global Weekly [Semanário Global],
Newsweek, Readefs Digest e uma relação de outras cadeias de noticiários e
publicações periódicas e grupos de revistas.
"Mais surpreendente ainda foram as primeiras reações dos atuais proprietários.
Quase todos parecem saudar o novo capital e dizem que acata a palavra do líder da
Comunidade Global, Nicolae Carpathia, quando ele pede que não haja
interferências.
Rayford pensou em telefonar para Buck. Mas com certeza ele já devia saber da
notícia antes de ser divulgada pela TV. Alguém do Semanário Global o teria
informado ou, pelo menos, Buck teria ouvido a notícia de um das centenas de
jornalistas que estavam presentes em Israel para a assinatura * do tratado. Mas
talvez todos estivessem pensando o mesmo que ele. Rayford não queria que Buck
fosse o último a saber.
Pegou o telefone e ligou, porém não houve resposta do quarto de Buck.
Uma pequena aglomeração movia-se lentamente na escuridão, a pouco menos de
cinqüenta metros do Muro das Lamentações. O corpo do pretenso assassino tinha
sido removido, e o comandante militar da região disse ao pessoal da imprensa que
o jovem e seu grupo não foram capazes de agir "contra duas pessoas que não
portavam armas, não tocaram em ninguém e tinham sido atacadas".
Aparentemente ninguém que ali estava parecia disposto a aproximar-se dos
pregadores, embora ambos pudessem ser vistos de pé, sob uma iluminação fraca,
perto de uma das extremidades do Muro. Eles não se aproximavam das pessoas
nem falavam.
Assim que o motorista do rabino Tsion Ben-Judá entrou com o carro num
estacionamento quase vazio, Buck foi tentado a perguntar se o rabino acreditava
em oração. Sabia que o rabino diria que sim, mas gostaria de orar em voz alta
pedindo a proteção de Cristo, e orar a Cristo era algo que ele não deveria pedir a
um rabino. Resolveu orar silenciosamente.
Buck e Tsion desceram do carro e caminharam com passos lentos e com cuidado,
bem distantes da aglomeração. O rabino caminhava com as mãos cruzadas diante
de si. Ao perceber isso de relance, Buck olhou pela segunda vez para confirmar.
Parecia um gesto piedoso inusitado e quase ostensivo... principalmente porque
Ben-Judá demonstrara muita humildade para alguém que ocupava uma posição tão
elevada no meio religioso.
Estou caminhando na posição tradicional de respeito e conciliação - explicou o
rabino. - Não quero erros nem mal-entendidos. Para nossa segurança, é importante
que esses homens saibam que viemos até aqui com espírito de humildade e
curiosidade. Devemos deixar claro que não vamos atacá-los.
Buck fitou o rabino nos olhos. A verdade é que estamos morrendo de medo e não
queremos dar a eles nenhum motivo para que nos matem.
Buck notou um leve sorriso nos lábios do rabino. Você tem um jeito especial de
falar uma verdade - disse Ben-Judá. - Estou orando para que nós dois voltemos
sãos e salvos e que possamos contar aos outros a experiência que tivemos aqui.
Eu também, pensou Buck, sem dizer nada.
151
Três soldados israelenses interceptaram o caminho de Buck e do rabino, e um deles
falou asperamente em hebraico. Buck começou a procurar sua credencial de
jornalista, mas percebeu que ela não teria nenhuma serventia ali. Tsion Ben-Judá
deu um passo à frente e conversou também em hebraico, em tom de voz firme e
baixo, com o líder dos três soldados. O soldado fez algumas perguntas, parecendo
agora menos hostil e curioso. Finalmente, ele fez um sinal afirmativo com a cabeça,
e os dois foram autorizados a passar.
Buck olhou de relance para trás. Os soldados permaneciam no mesmo lugar. - O
que aconteceu? - ele perguntou.
Eles disseram que apenas os ortodoxos têm permissão para passar de um
determinado ponto. Assegurei-lhes que você estava comigo. Acho sempre divertido
quando o exército secular tenta fazer cumprir as leis religiosas. Ele me advertiu
sobre o que aconteceu antes, mas eu lhe disse que tínhamos um encontro marcado
e que estávamos dispostos a assumir o risco.
E estamos? - perguntou Buck, sem pensar.
O rabino deu de ombros. Talvez não. Mas, de qualquer forma, vamos até o fim,
não é mesmo? Dissemos que iríamos, e nenhum de nós perderia esta
oportunidade.
Enquanto Buck e Ben-Judá prosseguiam, as duas testemunhas mantinham os olhos
fixos neles, da extremidade do Muro onde estavam, a uma distância de cerca de
quinze metros. - Estamos caminhando em direção àquela cerca disse Ben-Judá,
apontando para o outro lado do pequeno edifício. Se eles estiverem dispostos a
falar conosco, virão até aqui e haverá uma cerca entre nós.
Depois do que aconteceu ao assassino hoje, a cerca não ajudaria muito.
Não estamos armados.
Como eles podem saber?
Eles não sabem.
Quando Buck e Ben-Judá chegaram a menos de cinco metros da cerca, uma das
testemunhas levantou a mão, e os dois pararam. - Vamos nos aproximar e nos
apresentar - falou a testemunha, não em tom de voz alto como Buck já ouvira
antes, mas audível. Os dois homens caminharam lentamente e ficaram atrás das
barras de ferro. - Podeis me chamar de Eli ele disse. Este é Moisés.
Em inglês? sussurrou Buck.
Hebraico respondeu Ben-Judá.
Silêncio! disse Eli em voz baixa e rouca.
Buck teve um sobressalto. Naquele mesmo dia um dos dois havia gritado pedindo
silêncio ao rabino. Poucos minutos depois o jovem caíra morto e carbonizado.
Eli fez um gesto para que Buck e Tsion se aproximassem. Eles avançaram, ficando
a menos de um metro da cerca. Buck surpreendeu-se com seus trajes
esfarrapados. Um odor de cinzas, como se tivesse havido um incêndio recente,
pairava sobre eles. Na penumbra, os braços compridos e fortes dos dois pareciam
musculosos e de pele rija. Suas mãos eram grandes e ossudas, e ambos estavam
descalços.
Eli disse: Não responderemos a nenhuma pergunta sobre nossa origem e
identidade. Deus as revelará ao mundo no tempo devido.
Tsion Ben-Judá fez um movimento afirmativo com a cabeça e curvou levemente o
tronco para frente. Buck enfiou a mão no bolso e ligou o gravador. De repente,
Moisés aproximou-se da cerca e pôs o rosto barbado entre as barras.
Fitou o rabino com os olhos semicerrados. O suor corria por seu rosto.
Ele falou mansamente com voz firme e lenta, mas Buck entendeu cada palavra.
Queria perguntar a Tsion se ele ouvira Moisés falar em inglês ou em hebraico.
Moisés falou como se tivesse acabado de pensar em uma história muito
interessante, mas suas palavras eram familiares a Buck.
152
Há muitos anos, houve um homem fariseu chamado Nicodemos, uma autoridade
entre o povo judeu. Assim como vós, esse homem foi falar com Jesus à noite.
O rabino Ben-Judá sussurrou: Eli e Moisés, sabemos que sois homens de Deus,
porque ninguém é capaz de fazer os sinais que fazeis sem que Deus esteja com
ele.
Eli falou: Em verdade te digo que, se uma pessoa não nascer de novo, não poderá
ver o Reino de Deus... - Como um homem pode nascer, sendo velho? perguntou
o rabino Ben-Judá, e Buck percebeu que ele estava citando o Novo Testamento. -
Pode, porventura, voltar ao ventre materno e nascer pela segunda vez?
Moisés respondeu: Em verdade te digo: Quem não nascer da água e do Espírito,
não pode entrar no Reino de Deus. O que é nascido da carne, é carne; e o que é
nascido do Espírito, é espírito. Não te admires de eu te dizer: Importa-vos nascer
de novo.
Eli falou novamente: O vento sopra para onde quer, ouves a sua voz, mas não
sabes de onde vem, nem para onde vai; assim é todo o que é nascido do Espírito.
Aproveitando a deixa, o rabino disse: Como pode suceder isto?
Moisés ergueu a cabeça. Tu és mestre em Israel, e não compreendes estas coisas?
Em verdade te digo que nós dizemos o que sabemos e testificamos o que temos
visto, contudo não aceitais o nosso testemunho. Se tratando de coisas terrenas não
me credes, como crereis, se vos falar das celestiais?
Eli fez um movimento afirmativo com a cabeça. Ninguém subiu ao céu, senão
aquele que de lá desceu, a saber, o Filho do Homem que está no céu. E do modo
por que Moisés levantou a serpente no deserto, assim importa que o Filho do
Homem seja levantado, para que todo o que nele crê tenha a vida eterna.
Buck estava empolgado. Sentiu como se tivesse voltado no tempo e fosse o
espectador da mais famosa conversa noturna. Em nenhum momento ele se
esqueceu de que seu acompanhante não era Nicodemos nem que os outros dois
homens não eram Jesus. Buck conhecia a Bíblia e essa verdade há pouco tempo,
mas sabia o que estava acontecendo quando Moisés concluiu: Porquanto Deus
enviou o seu Filho ao mundo, não para que julgasse o mundo, mas para que o
mundo fosse salvo por ele. Quem nele crê não é julgado; o que não crê já está
julgado, porquanto não crê no nome do unigênito Filho de Deus.
Repentinamente o rabino pareceu animar-se. Abriu os braços e levantou as mãos,
afastando uma da outra. Como se estivesse assistindo a uma peça ou a um recital,
ele provocou as testemunhas para mais uma resposta. E o que é julgamento?
Os dois responderam em uníssono. Que a luz veio ao mundo.
E como os homens não a viram?
Os homens amaram mais as trevas do que a luz.
Por quê?
Porque as suas obras eram más.
Que Deus nos perdoe disse o rabino.
Deus vos perdoa - disseram as duas testemunhas. - E aqui se encerra a nossa
mensagem.
Não falareis mais conosco? perguntou Ben-Judá.
Não - respondeu Eli, porém Buck não viu seus lábios se moverem. Pensou que
tivesse se enganado, que talvez tivesse sido Moisés quem respondeu. Contudo, Eli
prosseguiu, falando claramente, mas não em voz alta. - Moisés e eu não falaremos
novamente até o alvorecer quando continuaremos a testificar a respeito da vinda
do Senhor.
Mas eu ainda tenho muitas perguntas a fazer disse Buck.
Nem mais uma pergunta - disseram em uníssono, sem que nenhum deles abrisse
a boca. - Que a bênção de Deus, a paz de Jesus Cristo e a presença do Espírito
Santo se derramem sobre vós. Amém.
153
Quando os homens se afastaram, Buck sentiu os joelhos tremerem. Enquanto ele e
o rabino permaneceram parados e olhando, Eli e Moisés simplesmente dirigiram-se
para o edifício, sentaram-se e encostaram-se na parede. Adeus e obrigado disse
Buck, sentindo-se um tolo.
O rabino Ben-Judá entoou uma linda canção, uma espécie de bênção que Buck não
compreendeu. Eli e Moisés pareciam estar orando ou dormindo sentados.
Buck estava sem fala. Acompanhou Ben-Judá, que se voltou e caminhou na direção
de um obstáculo feito de correntes. Pulou o obstáculo começou a afastar-se do
Monte da Colina, atravessando a estrada rumo a um pequeno bosque. Buck pensou
que talvez o rabino quisesse ficar sozinho, mas Ben-Judá deu a entender que
desejava sua companhia.
Quando chegaram à beira do bosque, o rabino passou a olhar fixamente para o céu.
Cobriu o rosto com as mãos e chorou. Seu choro transformou-se em fortes soluços.
Buck também estava emocionado e não conseguiu conter as lágrimas. Ambos
haviam estado em solo sagrado, disso ele sabia. Ele só não sabia como o rabino
interpretava tudo aquilo. Será que o rabino não entendera a mensagem da
conversa entre Nicodemos e Jesus, quando a leu na Bíblia, e não entendera
novamente ao ouvir sua reprodução?
Buck certamente entendera. O Comando Tribulação não acreditaria no privilégio
que lhe fora concedido. Ele não o guardaria para si, não teria receio de divulgá-lo.
Na verdade, desejava que todos pudessem ter estado ali junto com ele.
Como se estivesse sentindo que Buck desejava conversar, Ben-Judá o preveniu.
Não devemos aviltar a experiência reduzindo-a a simples palavras - ele disse. -
Pelo menos até amanhã, meu amigo.
O rabino virou-se e avistou seu carro e o motorista na beira da estrada. Caminhou
até a porta da frente, do outro lado do motorista, e abriu-a para Buck. Buck entrou
e murmurou um agradecimento. O rabino deu a volta pela frente do carro e
cochichou com o motorista, que deu partida e acelerou, deixando Ben-Judá na beira
da estrada.
O que está acontecendo? perguntou Buck, esticando o pescoço e vendo o
homem de terno preto desaparecer na escuridão. - Ele vai saber voltar?
O motorista não disse nada.
Espero não ter ofendido o rabino.
O motorista lançou um olhar de desculpa a Buck e deu de ombros. Não entender
inglês - ele disse, levando Buck de volta para o Hotel Rei Davi.
O recepcionista do hotel entregou a Buck um recado de Rayford, porém como não
estava marcado urgente, Buck resolveu deixar o telefonema para a manhã
seguinte. Se desencontrasse de Rayford, procuraria por ele na solenidade da
assinatura do tratado.
Buck apagou a luz do quarto e atravessou a porta de vidro que dava para um
pequeno terraço no meio das árvores. Por entre dos galhos ele avistou a lua cheia
no céu sem nuvens. O vento estava brando, mas a noite começava a esfriar. Ele
levantou a gola do casaco e admirou a beleza da noite. Sentia-se o homem mais
privilegiado do mundo. Além de sua charmosa vida profissional e de seu
aprimorado talento, ele havia sido testemunha ocular de uma das obras mais
extraordinárias de Deus na história do mundo.
Ele havia estado em Israel por ocasião do ataque russo menos de um ano e meio
antes. Deus havia destruído a ameaça a seu povo escolhido. Buck estava em pleno
vôo quando aconteceu o Arrebatamento, num avião pilotado por um homem que
ele não conhecia. Foi atendido por uma comissária de bordo cujo futuro
aparentemente passou a ser responsabilidade dele. E a filha do piloto? Buck
acreditava que estava apaixonado por ela, se soubesse o que era amor.
Buck curvou os ombros, deixou as mangas do casaco cobrirem suas mãos e cruzou
154
os braços. Fora poupado de uma explosão de carro em Londres, aceitara a Cristo
no ápice do fim do mundo e fora protegido de forma sobrenatural ao testemunhar
dois assassinatos cometidos pelo Anticristo. Naquele mesmo dia, ele assistira ao
cumprimento das Escrituras quando um assassino foi atingido pelo fogo que saiu da
boca de uma das testemunhas. E, logo depois, ouviu uma delas recitar as palavras
de Jesus a Nicodemos! Buck sentia que devia humilhar-se, dizer a seu Criador e
Salvador o quanto era indigno, o quanto estava agradecido. Tudo o que posso
fazer - ele sussurrou com voz rouca na noite fria - é entregar-me inteiramente a Ti
pelo tempo que ainda me restar. Farei o que quiseres, irei aonde me mandares,
obedecer-te-ei em tudo.
Em seguida, tirou o gravador do bolso e rebobinou a fita. Ao reproduzir a conversa
que teve com as testemunhas naquela noite, ele surpreendeu-se por não ouvir
nenhuma
palavra em inglês. Não deveria ser surpresa, ele pensou. Fazia parte dos
acontecimentos do dia. Buck ouviu pelo menos três idiomas. Identificou o hebraico,
embora não o compreendesse. Identificou o grego, que também não compreendia.
O outro idioma, que Buck estava certo de nunca ter ouvido antes, foi usado quando
as testemunhas recitaram as palavras de Jesus. Tinha de ser aramaico.
No final da fita, Buck ouviu o Dr. Ben-Judá perguntar algo em hebraico, que ele se
lembrava ter ouvido em inglês. "Não falareis mais conosco?" Porém, não ouviu
nenhuma resposta.
Em seguida, ouviu sua própria voz: "Mas eu ainda tenho muitas perguntas a fazer."
E depois, após uma pausa: "Adeus e obrigado." O que os homens falaram
diretamente ao seu coração não havia sido gravado.
Com uma caneta, Buck quebrou pequenas lingüetas da fita. Ninguém mais poderia
gravar por cima daquela fita de valor incalculável.
A única coisa que ele poderia fazer para tornar tudo mais perfeito seria
compartilhar sua experiência com Chloe. Olhou para ao relógio. Passava da meianoite
em Israel, o que significava pouco mais de seis horas da tarde em Chicago.
Porém, quando Buck ligou para Chloe, ele mal conseguiu falar. Contou chorando o
que se passara naquela noite, e Chloe chorou com ele. Buck ela disse
finalmente desperdiçamos tantos anos de nossas vidas sem Cristo. Vou orar pelo
rabino.
Alguns minutos depois, Rayford foi despertado pela campainha do telefone. Estava
certo de que era Buck e esperava que ele não tivesse ouvido de outra pessoa a
notícia dos planos de Carpathia a respeito da imprensa.
Papai, é Chloe. Acabei de conversar com Buck, mas não tive coragem de falar
sobre o assunto de Carpathia a respeito da imprensa. Você ouviu?
Rayford confirmou que tinha ouvido e perguntou se ela tinha certeza de que Buck
não sabia de nada. Chloe relatou o que Buck lhe contara sobre sua experiência
naquela noite. Vou tentar localizá-lo de manhã - disse Rayford. - Se eu não falar
com Buck logo cedo, com certeza ele vai ouvir a notícia da boca de alguém.
Ele estava muito emocionado, papai. A hora não é boa para lhe dar essa notícia.
Não sei como ele reagirá. O que você acha que vai acontecer com ele?
Buck vai superar. Terá de engolir uma grande parte de seu orgulho, tendo de
trabalhar para Carpathia aonde quer que ele vá. Mas vai dar tudo certo. Sei quem
ele é. Vai encontrar um jeito de levar a verdade às massas, camuflando-a nas
publicações de Carpathia ou trabalhando por baixo dos panos em publicações
vendidas clandestinamente.
Parece que Carpathia vai controlar tudo.
Com certeza vai.
Rayford ligou para Buck às seis e meia da manhã seguinte, mas ele já havia saído
155
do hotel.
Fazia séculos que Buck não via Steve Plank tão aflito. Este trabalho foi divertido e
interessante até hoje - disse Steve enquanto um grupo hospedado no mesmo hotel
começava a aglomerar-se para uma curta excursão até a Cidade Velha. - Carpathia
arruma confusão e joga o problema pra cima de mim.
O que houve?
Ora, nada de especial. Tudo precisa ser perfeito, só isso.
E você ainda está tentando convencer-me a trabalhar para ele? De jeito nenhum.
Bem, de qualquer maneira esse assunto vai ser muito discutido nas próximas
semanas, não vai?
Claro que vai. - Buck sorriu intimamente. Já decidira recusar a oferta do Tribune e
continuar no Semanário Global.
Você vai conosco para Bagdá?
Estou tentando arrumar uma maneira de ir, mas não com vocês.
Buck, não vai haver muitas maneiras de chegar lá. Temos lugar e, para todos os
efeitos, você trabalha para Carpathia. Vá conosco. Você vai adorar o que ele tem
em mente para a Nova Babilônia e, se as notícias forem levadas a sério, a coisa já
começou a acontecer.
Eu, trabalhar para Carpathia? Achei que o assunto estava encerrado.
É apenas uma questão de tempo, meu rapaz.
Você está sonhando disse Buck, assustando-se com o olhar perplexo de Plank.
Buck viu Jim Borland organizando suas anotações. Oi, Jim - ele disse. - Já
entrevistou Carpathia? Borland mal levantou os olhos.
Sim - respondeu Borland. - Nada de tão especial. No momento ele só está
preocupado com a transferência do local da assinatura.
Transferência?
Ele está com receio daqueles malucos diante do Muro das Lamentações. Os
soldados têm condições de manter o local livre de turistas, mas os dois contarão
com a presença da multidão que vai assistir à assinatura do tratado.
Uma grande multidão disse Buck.
Não brinque. Não sei por que eles não mantêm aqueles dois esfarrapados longe
daqui.
Você não sabe?
O quê? Buck, você acha que aqueles velhos bobocas vão soprar fogo no exército?
Seja franco. Você acredita na história do fogo?
Eu vi o cara, Jimmy. Ele ficou torrado.
Aposto um milhão contra um que ele pôs fogo em si mesmo.
Não foi um ato de imolação, Jim. Ele caiu ao chão, e um daqueles dois o queimou
completamente.
Com o fogo que saiu de sua boca.
Foi o que eu vi.
Ainda bem que você está fora da reportagem de capa, Buck. Você está perdendo a
parada. E daí, você conseguiu uma entrevista exclusiva com os dois?
Não foi inteiramente exclusiva nem exatamente uma entrevista.
Em outras palavras, você só tentou, certo?
Não. Estive com eles ontem, tarde da noite. Não foi um diálogo, é tudo o que
posso dizer.
Eu diria que você vai escrever uma ficção, você devia entrar para o ramo de
novelas e seguir em frente. Você ainda vai trabalhar no ramo editorial com
Carpathia, mas precisa ter um pouco mais de visão.
Não vou trabalhar para Carpathia disse Buck.
Então vai ficar fora dos meios de comunicação.
156
Do que você está falando?
Borland contou-lhe sobre o comunicado.
Buck empalideceu. O Semanário Global está incluído?
Incluído? Se você me perguntar, vou dizer que ele é um dos principais.
Buck balançou a cabeça. Nesse caso, ele estaria escrevendo suas reportagens para
Carpathia, no final das contas. Não é de admirar que todos pareçam tão
neuróticos. Então, se a assinatura do tratado não for perto do Muro, onde será?
No Knesset.
Dentro?
Acho que não.
A parte de fora é viável?
Não acho.
Ouça, Jim, você vai ver a apresentação do rabino Ben-Judá hoje à tarde?
Só se for no avião para Bagdá.
Você conseguiu lugar?
Vou no Global Community One.
Você se vendeu?
Ninguém pode se vender a seu próprio chefe, Buck.
Ele ainda não é seu chefe.
É só uma questão de tempo, companheiro.
Chaim Rosenzweig caminhava apressadamente e parou de repente. Cameron! -
ele disse - Venha, venha! - Buck acompanhou aquele homem idoso e de ombros
curvados até um canto. - Fique comigo, por favor! Nicolae está aborrecido esta
manhã. Vamos transferir a assinatura para o Knesset, tudo está num rebuliço, ele
quer que todo mundo vá até Babilônia e alguns estão resistindo. Para lhe dizer a
verdade, acho que ele próprio mataria aqueles dois do Muro das Lamentações, se
tivesse oportunidade. A manhã toda eles gritaram contra a injustiça da assinatura,
dizendo que o tratado sinaliza uma aliança profana entre um povo que não aceitou
o Messias da primeira vez e um líder que nega a existência de Deus. Mas, Cameron,
Nicolae não é ateu. Pode ser um agnóstico... mas eu também sou!
O senhor deixou de ser agnóstico desde a invasão russa!
Bem, talvez não, mas aqueles dois falam palavras duras contra Nicolae.
Pensei que não fosse permitida a presença de ninguém na área em frente ao Muro
esta manhã. O que estão dizendo sobre isso?
A imprensa está lá com seus microfones de longo alcance, e aqueles homens têm
bons pulmões! Nicolae conversou por telefone com a CNN a manhã toda, insistindo
para que eles não dêem nenhuma cobertura aos dois, principalmente hoje. A CNN
não aceitou, é claro. Mas ai quando ele passar a ser o proprietário da CNN, eles vão
cumprir as ordens de Nicolae. Vai ser um alívio.
Chaim! O senhor aceita esse tipo de liderança? Controle total da imprensa?
Estou cansado da maior parte da imprensa, Cameron. Você sabe que eu o tenho
na mais alta estima. Você é um dos poucos em quem confio. O resto é tão
preconceituoso, tão crítico, tão negativo. É nossa obrigação unir o mundo de uma
vez por todas. Finalmente haverá uma organização noticiosa com credibilidade,
dirigida pelo Estado, para dar um jeito em tudo.
Isto é assustador disse Buck. Intimamente ele lamentava por seu amigo que
teve uma visão tão ampla e agora estava disposto a submeter-se a um homem em
quem ele não devia confiar.
157
DEZESSEIS
O dia de Rayford - e o seu futuro, assim ele imaginava - estavam traçados. Ele
compareceria à solenidade de gala, e depois voltaria de táxi para o Aeroporto
Internacional Ben Gurion em Lod, localizado a quase quinze quilômetros a sudeste
de Tel-Aviv. Na hora em que ele chegasse, a tripulação já teria deixado o 757 em
ordem, e ele começaria a fazer a inspeção dos equipamentos de segurança antes
da decolagem. No itinerário constava um vôo à tarde para Bagdá e, em seguida,
outro sem escalas para Nova York. Um vôo em direção ao oeste naquela hora do
dia era imprudente e contrariava os itinerários convencionais, mas nessa viagem, e
talvez pelo resto da carreira de Rayford, Carpathia é quem dava as ordens.
Rayford passaria a noite em Nova York antes de voltar para casa e decidir se seria
viável trabalhar naquele emprego morando em Chicago. Talvez ele e Chloe se
mudassem para Nova York. O fato de trabalhar como piloto do Air Force One para o
presidente não passava de uma artimanha. Na verdade, estaria prestando serviços
a Nicolae Carpathia aonde quer que ele fosse e, por algum motivo, Rayford sentiase
compelido a sublimar seus sonhos, seus desejos, sua vontade e sua lógica. Deus
lhe dera essa incumbência por algum motivo, e desde que não precisasse viver
uma mentira, ele a aceitaria, pelo menos por ora.
Rayford aprendera com Bruce e com seus próprios estudos da profecia que chegaria
o dia em que o Anticristo deixaria de ser um enganador. Ele mostraria suas garras
e governaria o mundo com pulso de ferro. Esmagaria seus inimigos e mataria
qualquer um que fosse infiel a seu regime. Com isso, todos os seguidores de Cristo
correriam o risco de ser martirizados. Rayford previa o dia em que abandonaria o
emprego de Carpathia e se tornaria um fugitivo, simplesmente para sobreviver e
ajudar os outros crentes a fazerem o mesmo.
Buck viu um agente do Serviço Secreto norte-americano caminhando em sua
direção. Cameron Williams?
Quem é você?
Sou do Serviço Secreto, e você sabe disto. Posso ver seu documento de
identidade, por favor?
Já fui inspecionado mais de cem vezes disse Buck, pegando suas credenciais.
Eu sei. - O agente examinou o documento de identidade de Buck. - Fitz quer vê-lo,
e eu preciso ter a certeza de estar levando o homem certo até ele.
O presidente quer ver-me?
O agente fechou a carteira de documentos de Buck e devolveu-a, fazendo um
movimento afirmativo com a cabeça. - Acompanhe-me.
Num pequeno escritório nos fundos do Edifício Knesset, mais de duas dezenas de
profissionais da imprensa lutavam para conseguir posicionar-se perto da porta,
aguardando para assediar o presidente Gerald Fitzhugh assim que ele saísse para a
cerimônia. Dois outros agentes - com identificação na lapela, fones de ouvido e
mãos cruzadas na frente do corpo - postavam-se guardando a porta de entrada do
escritório.
- Quando ele vai sair? perguntou alguém.
Os agentes não responderam. A imprensa não era problema deles, exceto manter o
pessoal afastado quando necessário. Os agentes sabiam mais do que o secretário
de imprensa quando o presidente se locomovia de um lugar para outro, mas isso
certamente não era da conta de mais ninguém.
158
Buck aguardava com prazer o momento de ver o presidente outra vez. Vários anos
haviam transcorrido desde que ele escrevera a reportagem sobre Fitzhugh como o
"Fazedor de Notícia do Ano". Naquele ano, Fitz foi reeleito e também homenageado
pela segunda vez pelo Semanário Global. Buck parecia ter caído nas graças do
presidente, que era uma versão mais jovem de Lyndon Johnson. Fitzhugh tinha
apenas cinqüenta e dois anos quando foi eleito pela primeira vez e agora estava
chegando aos cinqüenta e nove. Ele era um homem robusto, de aparência jovem,
exuberante e rude. Usava linguagem indecorosa liberalmente e, apesar de Buck
nunca ter estado em sua presença quando Fitz estava zangado, suas explosões de
raiva eram legendárias entre seus assessores.
O temperamento explosivo do presidente deixou de ser novidade para Buck
naquela manhã de segunda-feira.
Enquanto o acompanhante de Buck o fazia passar por entre a multidão de
jornalistas e fotógrafos diante da porta, os agentes reconheceram seu colega e
afastaram-se para que Buck pudesse entrar. Os membros da associação de
imprensa norte-americana protestaram diante do livre acesso de Buck.
Como ele conseguiu.
Isso sempre acontece!
O que vale não é o que a gente sabe nem quanto a gente se mata de trabalhar! É
quem a gente conhece!
O rico fica mais rico!
Buck desejava que eles tivessem razão. Queria ter uma conversa exclusiva com o
presidente, um furo de reportagem, mas estava completamente sem saber o que
fazia ali.
O agente secreto acompanhante de Buck apresentou-o a um assessor presidencial,
que o segurou firme pela manga e o arrastou até um canto da sala, onde o
presidente estava sentado na beira de uma enorme cadeira. O paletó de seu terno
estava aberto, a gravata afrouxada e ele conversava em voz baixa com dois
conselheiros.
Sr. Presidente, Cameron Williams, do Semanário Global - anunciou o assessor
presidencial.
Peço a licença de vocês por alguns minutos - disse Fitzhugh. O assessor e os dois
conselheiros começaram a dirigir-se para a porta. O presidente segurou um dos
conselheiros pelo braço - Você não, Rob! Você trabalha para mim há tanto tempo e
ainda não conseguiu entender? Preciso de você aqui. Quando peço licença por
alguns minutos, não estou incluindo você.
Perdão, senhor.
E pare de se desculpar.
Perdão.
Assim que disse isso, Rob se deu conta de que não deveria ter pedido perdão por
ter pedido perdão. Perdão, bem, perdão. Está bem.
Fitzhugh revirou os olhos. Dá para alguém pegar uma cadeira para Williams? O
jeito aqui é gritar. Temos só alguns minutos.
Onze disse Rob em tom de desculpa.
Ótimo. Onze.
Buck estendeu a mão. Sr. Presidente - ele disse. Fitzhugh apertou a mão de Buck
com força, sem fitá-lo nos olhos.
Sente-se aqui, Williams. Fitzhugh tinha o rosto vermelho, e o suor começava a
brotar em sua testa. Antes de tudo, esta conversa é totalmente confidencial, está
certo?
Como o senhor quiser.
Não, não é como eu quiser! Já ouvi isso antes e me dei mal.
Não comigo, senhor.
159
Não, não com você, mas lembro que uma vez eu lhe contei algo e, em seguida,
disse que era confidencial, e você me veio com uma conversa mole sobre quando o
assunto é confidencial e quando não é, de acordo com a lei.
Se bem me lembro, senhor, cortei algumas coisas.
Assim você disse.
Tecnicamente, não se pode dizer que um assunto é confidencial depois de
revelado. Só antes de ser revelado.
Ah, sim, penso que já me disseram isso algumas vezes. Então, vamos deixar claro
que tudo isto é confidencial desde o início, certo?
Certíssimo, senhor.
Williams, quero saber o que está acontecendo com Carpathia. Você tem passado
algum tempo com ele. Já o entrevistou. Dizem que ele está tentando contratá-lo.
Você conhece o homem?
Não muito bem, senhor.
Para dizer a verdade, estou ficando furioso com esse homem, mas ele é o sujeito
mais popular do mundo depois de Jesus Cristo, portanto quem sou eu para
reclamar?
Buck ficou confuso com a verdade contida naquela frase.
Pensei que o senhor fosse o maior defensor dele - os Estados Unidos mostrando o
caminho para ele, essas coisas.
E sou! Quero dizer, era. Convidei-o para ir à Casa Branca! Ele falou na sessão
conjunta. Aprecio suas idéias. Eu não era um pacifista até ouvi-lo falar sobre a paz,
e pelo amor de Deus, acho que ele tem condições de conseguir. Mas as pesquisas
dizem que ele ganharia de mim pelo dobro de votos se concorresse à presidência
neste instante! Só que ele não quer. Ele quer que eu permaneça na presidência e
seja seu subordinado!
Ele lhe disse isso?
Não seja ingênuo, Williams. Eu não o teria trazido até aqui se soubesse que você
ia levar tudo ao pé da letra. Mas, veja, ele me enrolou com o caso do Air Force
One, e agora você viu o que aconteceu? Ele pintou as palavras Global Community
One por cima do nome da aeronave e vai emitir um pronunciamento hoje à tarde
agradecendo aos cidadãos dos Estados Unidos o presente recebido. Pensei em
chamá-lo de mentiroso frente a frente e tentar desfazer esse mal-entendido.
Isso jamais daria certo, senhor - interveio o subserviente Rob. - Quero dizer, sei
que o senhor não perguntou, mas o pronunciamento que será divulgado dá a
entender que ele tentou recusar, o senhor insistiu e ele aceitou com relutância.
O presidente virou-se para Buck. Você entendeu, Williams? Vê o que ele faz?
Agora estou me encrencando mais ainda ao contar esta história a você. Você já
consta da folha de pagamento dele e vai lhe contar tudo, não é mesmo?
Buck gostaria de dizer-lhe o que vira, o que realmente sabia sobre Carpathia, quem
a Bíblia provava que ele era. Não posso dizer que sou um admirador de Carpathia
- disse Buck.
E você é um admirador de Fitzhugh? Não vou perguntar-lhe em quem você votou
Não me importo de dizer. A primeira vez em que o senhor se candidatou, votei em
seu oponente. Na segunda vez, votei no senhor.
Conquistei sua simpatia?
Conquistou.
Então, qual é o seu problema com Carpathia? Ele é muito afável, muito
persuasivo, inspira muita confiança. Acho que ele consegue enganar quase todo
mundo na maior parte do tempo.
Acho que esse é um dos meus problemas - disse Buck. Não sei ao certo que
estratagema ele está usando, mas parece que funciona. Ele consegue o que quer e
quando quer, e aparenta ser um herói relutante.
160
É isso aí! - disse o presidente, batendo no joelho de Buck com tanta força que
chegou a doer. - Esse também é o meu problema! - O presidente proferiu um
palavrão. E, em seguida, mais um. Dali em diante, passou a incluir palavras
obscenas em cada frase que proferia. Buck temia que o presidente pudesse sofrer
um enfarte naquele momento.
Preciso pôr um fim nisto - vociferou o presidente. - Está me incomodando muito.
Hoje ele vai aparecer como um santo, fazendo-me passar por um grande tolo. Os
Estados Unidos sempre foram exemplo de liderança para o mundo, mas agora
parecemos um de seus fantoches. Sou um indivíduo forte, um líder forte e decidido.
E de uma hora para outra ele me faz parecer um simples bajulador seu. - O
presidente respirou fundo. - Williams, você sabe a encrenca que arrumamos com o
pessoal das forças armadas?
Posso imaginar.
Vou lhe contar. Fincaram o pé e não posso discutir com eles! Nosso serviço de
informações está dizendo que eles já começaram a recolher e esconder os
principais armamentos, porque são contra minha aprovação ao plano de destruir
noventa por cento e entregar, nesta semana, os dez por cento restantes à ONU ou
a essa tal de Comunidade Global. Eu gostaria de acreditar que os motivos de
Carpathia são puros e que este é o último passo rumo à verdadeira paz, mas são as
pequenas coisas que me fazem duvidar. Como o caso do avião. Adquirimos um
novo avião e precisávamos de um novo piloto. Não me importo quem vai pilotá-lo,
desde que seja qualificado. Temos uma lista de pilotos em quem confiamos, mas de
repente há só um nome na lista que é aceito pelo Grande Potentado do Mundo, e
esse piloto vai conseguir o posto. Agora eu não devia mais preocupar-me, porque
cedi o avião e a tripulação a Carpathia! O presidente proferiu mais um palavrão.
Bem, não sei o que dizer, mas é uma pena o senhor não dispor dos serviços do
novo piloto. Eu o conheço e ele é o melhor.
Ótimo. Você não acha que eu gostaria de ter o melhor piloto de meu país? Claro! E
eu não estava exagerando no título que dei a Carpathia. Existe uma resolução na
ONU, perdão, Comunidade Global, que deve ser votada brevemente pelo Conselho
de Segurança. Essa resolução concede um "título mais apropriado" para o
secretário-geral, uma vez que ele em breve será o comandante-em-chefe das
forças militares remanescentes do mundo e o chefe financeiro do banco global. O
pior é que essa resolução partiu de nosso próprio embaixador, e eu não sabia de
nada até o fato ser ventilado no comitê. O único recurso de que disponho é insistir
para que o embaixador vote contra sua própria proposta, que a retire ou que
abandone o cargo. Com que cara eu ficaria se despedisse um indivíduo só porque
ele quer dar um título mais sugestivo ao chefe da Comunidade Global, que o mundo
inteiro adora?
O presidente não estava dando oportunidade a Buck de responder, o que não era
nada mau, porque ele não sabia o que dizer.
Fitzhugh inclinou-se para frente e cochichou: E essa história dos meios de
comunicação! Concordamos com ele que nossas leis de conflito de interesse eram
um pouco restritivas, bem como as de quase todos os países do mundo. Não
queríamos impedir a ONU ou essa tal Comunidade Global de ter o direito de
divulgar os fatos de maneira mais ampla quando estamos tão perto de alcançar a
paz mundial. Fizemos uma pequena concessão a ele, e veja o que recebemos em
troca. Ele adquiriu todos os jornais, revistas e redes de rádio e TV antes que
tivéssemos tempo de mudar de idéia! Onde ele está conseguindo o dinheiro,
Williams? Você sabe me dizer?
Cameron teve uma crise de consciência. Havia dado a entender a Carpathia que
não revelaria o caso da herança de Stonagal. Mas desde quando as promessas a
um demônio deviam ser mantidas? Não seria o mesmo que mentir a um estranho
161
quando ele pergunta onde estão seus entes queridos?
Eu não posso dizer - disse Buck. Ele não sentia nenhuma lealdade a Carpathia,
porém não podia correr o risco de Carpathia vir a saber que ele divulgara um
segredo tão importante como esse. Buck teria de contar com sua própria habilidade
- pelo menos enquanto pudesse.
Você sabe o que nosso serviço de informações está nos dizendo? - prosseguiu
Fitzhugh. - Que o plano a ser posto em prática é fazer com que os dirigentes dos
países representados pelos dez membros do Conselho de Segurança sejam
subordinados a seus embaixadores. Com isso, haveria dez embaixadores, os reis do
mundo, sob o domínio de Carpathia.
Buck franziu a testa. Em outras palavras, o senhor, o presidente do México e o
primeiro-ministro do Canadá seriam subordinados ao embaixador da América do
Norte na ONU?
Isso mesmo, Williams. Mas você precisa esquecer a Organização das Nações
Unidas. Agora é Comunidade Global.
Eu me enganei.
Está certo, é um engano, mas não seu.
Senhor, existe alguma coisa que eu possa fazer para ajudar?
O presidente Fitzhugh olhou para o teto e passou a mão pelo rosto suado. Não sei.
Eu só queria desabafar, acho, e pensei que talvez você pudesse dar-me alguns
subsídios. Qualquer coisa que ajudasse a frear um pouco esse indivíduo. Deve
haver uma fresta em algum lugar de sua armadura.
Eu gostaria de poder ajudar mais - disse Buck, dando-se conta de repente de que
não estava dizendo a verdade. O que ele não daria para expor Nicolae Carpathia
como um assassino mentiroso, o Anticristo hipnotizador! E apesar de Buck ser
contra ele, nenhuma pessoa sem Cristo entenderia ou concordaria. Além disso,
aparentemente a Bíblia não mencionava que os seguidores de Cristo seriam
capazes de fazer alguma coisa a mais, a não ser opor-se a ele. A trajetória do
Anticristo foi predita séculos antes, e o drama seria encenado até o fim.
Nicolae Carpathia estava deglutindo o presidente dos Estados Unidos e quem
atravessasse seu caminho. Alcançaria o poder derradeiro, e depois a verdadeira
batalha começaria, a guerra entre o céu e o inferno. A derradeira guerra fria
transformar-se-ia em batalha para a morte. Buck sentia-se confortado por saber
que o fim estava previsto desde o início... mesmo que ele só tivesse tomado
conhecimento poucas semanas antes.
O assessor que anunciara Buck ao presidente Fitzhugh interrompeu educadamente.
Com licença, Sr. Presidente. O secretário-geral deseja conversar com o senhor
cinco minutos antes do início da cerimônia.
Fitzhugh proferiu outro palavrão. Vamos parar por aqui, Williams. Foi bom
desabafar-me com você e agradeço seu sigilo.
Certamente, senhor. Ah, seria muito melhor para todos nós se Carpathia não me
visse aqui. Ele vai perguntar sobre o que conversamos.
Está bem. Ouça, Rob, vá até lá e diga ao pessoal de Carpathia que esta sala não é
apropriada e que vou encontrar-me com ele em um minuto onde ele determinar. E
peça a Pudge para vir aqui.
Aparentemente Pudge era o apelido do primeiro agente que acompanhara Buck. O
apelido Pudge [pessoa atarracada ou gorducha] não combinava com aquele jovem
esguio. Pudge, dê um jeito de Williams sair daqui sem que o pessoal de Carpathia
o veja.
O presidente apertou o laço da gravata e abotoou o paletó. Em seguida, foi levado
a uma outra sala para a reunião com Carpathia. Buck foi protegido por Pudge, o
agente do Serviço Secreto, até o ponto em que não haveria mais o risco de ser
visto. Depois, caminhou até o local onde seria apresentado como parte da
162
delegação norte-americana.
As credenciais de Rayford davam-lhe permissão para sentar-se quase de frente
para autoridades norte-americanas. Ele era um dos únicos a saber que as
testemunhas diante do Muro das Lamentações estavam certas - que essa era a
comemoração de um pacto profano. Ele sabia, mas não podia fazer nada. Ninguém
podia desviar o rumo da história.
Bruce Barnes lhe ensinara muito bem esta lição.
Rayford já estava começando a sentir a falta de Bruce. Passara a gostar das
reuniões noturnas na igreja e das experiências que estava adquirindo. A intuição de
Bruce estava certa. A Terra Santa era o lugar ideal para estar naquele momento.
Se era esse o local de onde surgiriam os primeiros 144.000 judeus convertidos,
Bruce gostaria de estar ali.
De acordo com o que Bruce ensinara diretamente da Bíblia a Rayford, Chloe e Buck,
os convertidos viriam de todas as partes do globo terrestre, o que redundaria na
mais incrível colheita de almas - talvez um bilhão. O número de 144.000 seria
composto de judeus, 12.000 de cada uma das 12 tribos de Israel, procedentes de
todas as partes do mundo, agregando novamente os judeus que se dispersaram ao
longo da história. Imaginem só, pensava Rayford, os judeus evangelizando em sua
própria terra e em seu próprio idioma, levando milhões de pessoas a Jesus, o
Messias.
A despeito de todas as catástrofes e aborrecimentos que estavam por vir, haveria
muitas vitórias pujantes, e Rayford as aguardava com ansiedade. Contudo, ele não
se sentia nada satisfeito diante de uma provável dispersão do Comando Tribulação.
Quem poderia saber para onde Buck iria, se fosse verdade que Carpathia adquirira
todos os meios de comunicação? E se o relacionamento entre Buck e Chloe fosse
adiante, eles provavelmente teriam de viver juntos em algum lugar bem distante.
Rayford virou-se na cadeira e examinou o grande número de pessoas presentes.
Centenas de assentos já estavam tomados. A segurança era intensa e cerrada. Na
hora marcada para o início da cerimônia, Rayford viu as luzes vermelhas das
câmeras de TV acenderem-se. O som da música intensificou-se. Os jornalistas
começaram a falar baixo, bem perto de seus microfones, e os convidados
silenciaram-se. Empertigado em sua cadeira e com o quepe no colo, Rayford
perguntou a si mesmo se Chloe o veria pela TV em sua casa em Chicago. Lá já
passava da meia-noite e ela estaria mais ansiosa para ver Buck do que ver o pai.
Buck poderia ser facilmente localizado. Estaria posicionado na plataforma bem atrás
da cadeira de um dos signatários do pacto, o Dr. Chaim Rosenzweig.
Os dignitáriosmembros veteranos do Knesset, embaixadores do mundo inteiro,
estadistas e ex-presidentes dos Estados Unidos, líderes israelenses foram
anunciados sob aplausos moderados.
A seguir, foi a vez do segundo grupo, aqueles que ficariam de pé atrás das
cadeiras. Buck foi apresentado como "Sr. Cameron 'Buck' Williams, ex-articulista
sênior e atual articulista para assuntos do Oriente Médio do Semanário Global, dos
Estados Unidos da América do Norte". Rayford sorriu quando Buck esboçou uma
reação de indiferença. Evidentemente todos gostariam de saber quem ele era e por
que era considerado um dignitário.
Os aplausos mais calorosos foram reservados para as cinco últimas personalidades:
o rabino-chefe de Israel; o botânico israelense Chaim Rosenzweig, vencedor do
Prêmio Nobel; o primeiro-ministro de Israel; o presidente dos Estados Unidos e o
secretário-geral da Comunidade Global.
Quando Carpathia foi anunciado e entrou com seu característico ar de modesta
confiança em si próprio, o público o aplaudiu de pé. Rayford levantou-se com
relutância, pôs o quepe debaixo do braço e fingiu aplaudir, sem produzir nenhum
163
som. Para ele, era difícil aparecer diante de tanta gente aplaudindo o inimigo de
Cristo.
Chaim Rosenzweig virou-se e olhou para Buck, que lhe deu um sorriso. Buck
gostaria de livrar seu amigo de meter-se naquela desgraça, mas o momento não
era apropriado. Tudo o que ele podia fazer era deixar o amigo deleitar-se com o
momento, porque dali em diante não haveria muitos momentos para deleites.
Este é um grande dia, Cameron - cochichou Chaim, esticando o braço e segurando
firme a mão de Buck com as suas. Deu um tapinha na mão de Buck como se ele
fosse seu filho.
Por um breve instante, Buck quase chegou a desejar que Deus não o pudesse ver.
Os flashes das máquinas fotográficas espocavam de todos os lados, registrando
para a posteridade os dignitários dando apoio a esse tratado histórico. Naquele
ambiente, Buck era o único que conhecia a verdadeira identidade de Carpathia, que
sabia que a assinatura do tratado daria o início oficial ao período da Tribulação.
De repente, Buck lembrou-se de que no bolso inferior de seu paletó havia um
crachá do Semanário Global, cujo verso era revestido com velcro. No momento em
que Buck o pegou para colocá-lo sobre o bolso superior do paletó, o velcro grudou
na aba do bolso inferior. Quando Buck tentou puxar com força o crachá, o paletó
enroscou-se no cinto. Assim que ele o soltou, a aba do bolso ficou presa em sua
camisa. Quando finalmente ele conseguiu alisar o paletó e desgrudar o crachá com
as duas mãos, já tinha sido fotografado mais de uma dezena de vezes, parecendo
um contorcionista.
Depois que os aplausos cessaram e o público voltou a acomodar-se nas cadeiras,
Carpathia levantou-se com o microfone na mão. Este é um dia histórico
começou a dizer com um sorriso. - Apesar de todas as providências terem sido
tomadas em tempo recorde, foi sem dúvida um esforço hercúleo conseguir reunir
todos os recursos necessários para que tudo isto acontecesse. Hoje estamos
homenageando várias pessoas. Em primeiro lugar, meu caro amigo e mentor, a
quem considero um pai, o brilhante Dr. Chaim Rosenzweig, de Israel!
O público reagiu com entusiasmo, e Chaim levantou-se com dificuldade, fazendo
um pequeno aceno e sorrindo como um garoto. Buck gostaria de dar-lhe um
tapinha no ombro, cumprimentá-lo por sua façanha, mas lamentava a sorte de seu
amigo. Rosenzweig estava sendo manipulado. Ele era uma pequena parte de uma
trama desonesta que transformaria o mundo num lugar inseguro para ele e seus
entes queridos.
Carpathia exaltou as qualidades do rabino-chefe, do primeiro-ministro de Israel e,
finalmente, do "Ilustríssimo Senhor Gerald Fitzhugh, presidente dos Estados Unidos
da América do Norte, o melhor amigo de Israel até hoje".
Mais aplausos ensurdecedores. Fitzhugh levantou-se um pouco da cadeira em sinal
de agradecimento. Quando as palmas começaram a cessar, Carpathia incentivou o
público a aplaudir mais ainda. Colocou o microfone debaixo do braço e recuou para
aplaudir o presidente com veemência.
Fitzhugh parecia embaraçado, quase aturdido. Olhou para Carpathia, sem saber o
que fazer. Carpathia estampava um sorriso radiante, demonstrando emoção diante
de seu amigo presidente. Encolheu os ombros e entregou o microfone a Fitzhugh. A
princípio, o presidente não esboçou nenhuma reação, dando a entender que não
pegaria o microfone. Finalmente, aceitou-o para delírio da platéia.
Buck estava atônito diante da habilidade de Carpathia para controlar aquele grande
número de pessoas. Evidentemente tratava-se de uma atitude ensaiada. E o que
faria Fitzhugh? A única reação apropriada seria agradecer os aplausos e distribuir
elogios a seus bons amigos israelenses. Apesar de Fitzhugh estar começando a
conscientizar-se do plano maligno de Nicolae Carpathia, tinha de reconhecer o
importante papel daquele homem no processo de paz.
164
Fitzhugh levantou-se, arrastando a cadeira com grande ruído. Em seguida,
empurrou-a desajeitadamente na direção de seu secretário de estado. O presidente
teve de esperar que o público parasse de aplaudir, o que parecia não ter fim.
Carpathia aproximou-se rapidamente de Fitzhugh e ergueu a mão do presidente,
como fazem os árbitros com os vencedores de uma luta de boxe. Os aplausos por
parte dos israelenses foram mais ensurdecedores ainda.
Finalmente, Carpathia afastou-se e deixou o presidente Fitzhugh sozinho no centro
da plataforma, forçando-o a pronunciar algumas palavras. Assim que Fitzhugh
começou a falar, Buck percebeu que Carpathia estava entrando em ação. Apesar de
não esperar ser testemunha de um assassinato, como acontecera em Nova York,
Buck convenceu-se imediatamente de que Carpathia tinha, de alguma forma,
provocado uma situação sinistra. Ao dirigir-se àquela entusiasmada platéia, o
presidente Fitzhugh não passava daquela pessoa frustrada com quem Buck se
encontrara poucos minutos antes.
Enquanto o presidente falava, Buck começou a sentir um calor no pescoço e os
joelhos bambos. Inclinou-se para frente e segurou firme o espaldar da cadeira de
Rosenzweig, tentando em vão parar de tremer. Sentiu claramente a presença do
demônio, e a náusea quase tomou conta dele.
A última coisa que desejo fazer num momento como este estava dizendo o
presidente Fitzhugh é apagar o brilho do acontecimento que estamos
presenciando.
Contudo, com a permissão dos senhores e de nosso grande líder da Comunidade
Global, nome este habilmente escolhido, eu gostaria de abordar rapidamente dois
pontos importantes. Primeiro, é um privilégio ver o que Nicolae Carpathia realizou
em apenas algumas semanas. Estou certo de que todos concordam comigo que,
graças a ele, o mundo se tornou um lugar onde existe mais amor e paz.
Carpathia fez um gesto de pegar o microfone de volta, mas o presidente Fitzhugh
ofereceu resistência. Com licença, senhor, mas agora quem está com a palavra
sou eu! - A platéia caiu na gargalhada. - Já disse antes e vou repetir, a idéia do
secretário-geral para o desarmamento global foi uma tacada de gênio. Eu apoio
essa idéia sem reservas e sinto-me orgulhoso por estar abrindo o caminho para a
rápida destruição de 90 por cento de nosso armamento e doar os 10 por cento
restantes à Comunidade Global, sob a direção do Sr. Carpathia.
Buck sentiu uma leve tontura e esforçou-se para manter o equilíbrio.
Como expressão tangível de meu apoio pessoal e de nosso país, também
presenteamos a Comunidade Global com o recém-lançado Air Force One.
Financiamos sua nova pintura e novo nome, e ele pode ser visto no Aeroporto
Internacional Ben Gurion. Agora, entrego o microfone ao homem do destino, ao
líder cujo atual título não faz justiça à extensão de sua influência, ao meu amigo
pessoal e compatriota, Nicolae Carpathia!
Nicolae fingiu aceitar o microfone com relutância e demonstrou embaraço pelo fato
de receber tantas atenções. Parecia confuso, como se não soubesse o que fazer
diante do recalcitrante presidente dos Estados Unidos que exagerara em suas
palavras.
Quando finalmente os aplausos cessaram, Carpathia voltou a falar com seu tom de
voz humilde. Peço desculpas pelos rasgados elogios de meu amigo, que tem sido
muito bondoso e generoso, e a quem a Comunidade Global deve imensos favores.
Rayford mantinha os olhos fixos em Buck, que aparentemente não estava bem.
Buck parecia prestes a perder os sentidos, e Rayford perguntou a si mesmo se seria
o calor ou os repugnantes discursos de admiração mútua que estavam deixando
Buck pálido e com o estômago embrulhado.
Os dignitários israelensescom exceção de Rosenzweig, é clarodemonstravam
165
um certo desconforto diante de toda aquela conversa sobre desarmamento e
destruição de armas. Durante décadas seu país sempre fora muito bem defendido
por um exército poderoso, e se não fosse o pacto com a Comunidade Global, o
povo israelense não concordaria com o plano de desarmamento de Carpathia.
O restante da cerimônia tornou-se enfadonho após o assombrosoe, na opinião de
Rayford, preocupante – o discurso do presidente. Fitzhugh parecia mais fascinado
por Carpathia a cada vez que se encontravam. Porém, seu ponto de vista espelhava
a opinião de quase toda a população mundial. No momento mais importante da
história mundial, estava cada vez mais fácil acreditar que Nicolae Carpathia era
uma dádiva de Deus, com exceção daqueles que estudavam as profecias bíblicas e
conseguiam ler nas entre linhas.
Buck recuperou o controle enquanto os outros líderes faziam discursos inócuos e
matraqueavam sobre a importância história do documento que estava prestes a ser
assinado.
Surgiram várias canetas luxuosas de todos os lados, enquanto a máquinas
fotográficas e as câmeras de TV, filme e vídeo focalizavam os signatários. As
canetas eram passadas de mão em mão para as posudas autoridades que
assinavam o tratado. Com apertos de mão, abraços e beijos no rosto, o tratado foi
celebrado.
E os signatários do tratado - todos, exceto um - ignoravam suas conseqüências e
não sabiam que fizeram parte de uma aliança profana.
O pacto acabara de ser celebrado. O povo escolhido de Deus, que planejava
reconstruir o templo e restabelecer o sistema de sacrifícios até a volta de seu
Messias, tinha assinado um acordo com o demônio.
Apenas dois homens na plataforma sabiam que esse pacto assinalava o início do
final dos tempos. Um era diabolicamente confiante, o outro tremia só em pensar no
que estava por acontecer.
Diante do famoso Muro, as duas testemunhas proferiam a verdade em tom de
lamento. O som de seus gritos alcançava a Colina do Templo e mais além,
enquanto elas proclamavam: - E assim começa a última terrível semana do Senhor!
A "semana" dos sete anos começara.
A Tribulação.
166
DEZESSETE
Rayford sentou-se numa cabina telefônica no interior do Aeroporto Ben Gurion.
Tinha chegado muito cedo e teria de aguardar a delegação de Carpathia por mais
de uma hora. Sua tripulação estava ocupada, cuidando do Global Community One,
e ele dispunha de tempo para fazer uma ligação internacional e falar com Chloe.
Eu vi você, papai! - ela disse, rindo. - O pessoal da TV tentou mostrar na tela o
nome dos participantes à medida que eram focalizados. O seu nome apareceu
quase correto. Escreveram Raymond Steel, sem a letra e no final, e que você era o
piloto do Air Force One.
Rayford sorriu, animado ao ouvir a voz da filha. Quase. E a imprensa ainda não
sabe por que ninguém confia nela.
Eles não sabiam o que fazer com Buck - disse Chloe. - Nos primeiros minutos em
que ele foi focalizado, não apareceu nenhum nome na tela. Depois, alguém deve
ter ouvido o nome dele no momento das apresentações, que apareceu como "Duke
Wilson, ex-articulista, Newsweek.
Perfeito disse Rayford.
Buck está muito entusiasmado com esse rabino que vai falar na CNN Internacional
dentro de algumas horas. Você vai ter a oportunidade de assistir ao programa?
Vamos assistir no avião.
Numa distância tão grande e naquela altura?
Você precisa conhecer a tecnologia, Chio. A recepção será melhor do que se fosse
via cabo, em casa. De qualquer forma, se não for melhor, vai ser igual.
Buck sentia uma imensa tristeza. Chaim Rosenzweig o abraçara pelo menos três
vezes após a cerimônia, dizendo exultante que aquele dia havia sido um dos mais
felizes de sua vida. Insistiu para que Buck os acompanhasse no vôo até Bagdá. -
De uma forma ou de outra você estará trabalhando para Nicolae dentro de um mês
- disse Chaim. - Ninguém vai notar esse conflito de interesses.
- Eu vou, principalmente daqui a um mês, quando ele for proprietário da revista
para a qual eu trabalho.
- Não seja negativo, especialmente hoje - disse Chaim. - Venha conosco. Aprecie o
momento e encante-se com ele. Eu conheço os planos. A Nova Babilônia será
magnífica.
Buck sentia vontade de chorar por seu amigo. Quando tudo isso se abateria sobre
Chaim? Será que ele morreria antes de ter percebido que foi enganado e usado?
Talvez esse fim fosse o melhor. Porém, Buck também temia pela alma de Chaim. -
O senhor vai ver o Dr. Ben-Judá ao vivo pela TV hoje?
- Claro! Não poderia perder! Ele é meu amigo desde os tempos da Universidade
Hebraica. Entendo que o programa poderá ser visto no avião para Bagdá. Outro
motivo para você ir conosco.
Buck balançou a cabeça. - Vou ver daqui mesmo. Logo que seu amigo expuser o
que descobriu, o senhor e eu poderemos conversar sobre as ramificações.
Ah, não sou um homem religioso, Cameron. Você sabe disto. Provavelmente não
me surpreenderei com o que Tsion disser hoje. Ele é um estudioso competente e
um pesquisador meticuloso, realmente brilhante, e um orador talentoso. Às vezes,
ele me faz lembrar Nicolae.
Por favor, pensou Buck. Tudo menos isso! - O que o senhor acha que ele vai dizer?
- perguntou.
167
Assim como a maioria dos judeus ortodoxos, ele chegará à conclusão de que o
Messias ainda vai chegar. Como você sabe, existem alguns poucos grupos
marginalizados que acreditam que o Messias já veio, mas os tais que disseram ser
o Messias não estão mais em Israel. Alguns já morreram. Alguns mudaram para
outros países. Nenhum deles trouxe a justiça e a paz que o Torá prediz. Portanto,
como todos nós, Tsion vai falar das profecias e incentivar-nos a continuar
aguardando e observando. Será estimulante e animador, como acredito que tenha
sido o ponto principal da pesquisa desde o início. Talvez ele fale sobre como
apressar a chegada do Messias. Alguns grupos mudaram para as antigas habitações
judaicas, acreditando que tinham o sagrado direito de proceder assim, e que isso
seria importante para o cumprimento de algumas profecias, abrindo o caminho
para a vinda do Messias. Outros ficaram tão aborrecidos com a profanação da
Colina do Templo pelos muçulmanos que reabriram sinagogas nos arredores, o
mais perto possível do local primitivo do templo.
O senhor deve saber que existem gentios que também acreditam que o Messias já
veio - disse Buck, escolhendo as palavras com cuidado.
Chaim estava olhando por cima do ombro de Buck para ter certeza de que não
ficaria para trás quando os membros da delegação se dirigissem de volta para seus
hotéis e depois para o aeroporto Ben Gurion rumo a Bagdá. Sim, sim, eu sei,
Cameron. Mas já estou quase acreditando que o Messias não é uma pessoa, e sim
uma ideologia.
Depois de dizer isso, ele começou a afastar-se, e Buck sentiu uma aflição dentro do
peito. Segurou o amigo pelo braço. - Doutor, o Messias é muito mais do que uma
ideologia!
Rosenzweig parou e olhou firme para o rosto de Buck. Cameron, podemos discutir
este assunto, mas se você quiser levar tudo ao pé da letra, deixe-me dizer-lhe uma
coisa. Se o Messias for uma pessoa, se ele vier trazer a paz, a justiça e a esperança
ao mundo, concordo com aqueles que acreditam que ele já está aqui.
O senhor acredita nisso?
Sim, você não?
O senhor acredita no Messias?
Eu disse se, Cameron. Um grande se.
Se o Messias é verdadeiro e se ele está para chegar, é isso? perguntou Buck
com insistência, enquanto seu amigo se afastava.
Você não entende, Cameron? Nicolae é o cumprimento da maior parte das
profecias. Talvez de todas, mas não domino este assunto. Agora preciso ir. Vamos
nos encontrar na Babilônia?
Não, eu já lhe disse...
Rosenzweig parou e virou-se. Pensei que você estivesse querendo encontrar seu
próprio caminho a fim de não precisar aceitar favores em troca de uma entrevista.
É verdade, mas mudei de idéia. Não vou. Se eu resolver trabalhar para uma
publicação de propriedade de Carpathia, imagino que em breve vou fazer uma
viagem à Nova Babilônia.
E o que vai fazer agora? Voltar para os Estados Unidos? Vamos nos encontrar lá?
Não sei. Talvez.
Cameron! Dê-me um sorriso neste dia histórico!
Buck não conseguiu sorrir. Caminhou de volta para o Hotel Rei Davi, onde o
recepcionista perguntou se ele ainda queria saber informações sobre os vôos
comerciais para Bagdá. – Não, obrigado. - ele disse.
Está bem. Um recado para o senhor.
O envelope continha o endereço do Dr. Tsion Ben-Judá. Buck caminhou
apressadamente até seu quarto e abriu o envelope. O recado dizia o seguinte:
"Peço desculpas por tê-lo deixado sozinho ontem à noite. Não estava em condições
168
de conversar. Você me concederia a honra de almoçar comigo e acompanhar-me
até o estúdio da CNN? Aguardo seu telefonema."
Buck olhou para o relógio. Com certeza já era tarde demais. Fez a ligação e foi
informado pela governanta que o rabino havia saído vinte minutos antes. Buck
bateu com força no guarda-roupa. Que privilégio ele perdera só por ter resolvido
voltar a pé ao hotel em vez de pegar um táxi! Talvez ainda houvesse tempo de
pegar um táxi até o estúdio e encontrar-se lá com Tsion após o almoço. Mas será
que o rabino queria falar com ele antes de o programa ir ao ar? Seria isso?
Buck tirou o fone do gancho e o recepcionista atendeu. Você pode conseguir-me
um táxi, por favor?
Certamente, mas há uma ligação para o senhor. Posso transferir?
Sim, e não chame o táxi até eu voltar a falar com você.
Sim, senhor. Coloque o fone no gancho, por favor. Vou transferir a ligação.
Era Tsion. Dr. Ben-Judá! Que bom que o senhor ligou! Acabei de chegar!
Eu estive na cerimônia da assinatura, Buck - disse Tsion com seu forte sotaque
hebraico - mas não quis ficar em evidência nem dar entrevistas.
O seu convite para o almoço ainda está de pé?
Está.'
Quando e onde devo encontrá-lo?
Que tal agora, na frente de seu hotel?
Já estou indo.
Obrigado, Senhor, agradeceu Buck enquanto descia correndo as escadas. Concedeme
a oportunidade de dizer a esse homem que Tu és o Messias.
No carro, o rabino segurou firme a mão de Buck com as duas mãos e puxou-o para
perto de si. Buck, compartilhamos uma experiência incrível. Sinto que somos
amigos. Mas agora estou nervoso por ter de revelar minhas descobertas ao mundo,
e preciso conversar com você durante o almoço. Podemos?
O rabino pediu a seu motorista que os levasse a um pequeno café numa região
movimentada de Jerusalém. Tsion, carregando debaixo do braço um enorme
fichário preto de três furos, falou baixo em hebraico com o garçom, que os levou
até uma mesa perto de uma janela cheia de plantas. Quando o garçom trouxe os
cardápios, Ben-Judá olhou para seu relógio, dispensou os cardápios e falou
novamente em seu idioma nativo. Buck supôs que ele estivesse pedindo pratos
para duas pessoas.
Você ainda precisa do crachá para identificar-se como repórter da revista?
Buck tirou rapidamente o crachá do bolso.
Desta vez saiu muito mais fácil, não?
Enquanto ambos caíam na gargalhada, o garçom trouxe um pão de fôrma quente
não-fatiado, manteiga, um queijo redondo, molho parecido com maionese, uma
tigela de maçãs verdes e pepinos frescos.
Você permite? disse Ben-Judá, apontando para o prato.
Por favor.
O rabino cortou o pão em fatias bem grossas, lambuzou-as com manteiga e molho,
adicionou fatias de pepino e queijo. Depois colocou fatias de maçã ao lado e
empurrou o prato na direção de Buck.
Buck aguardou enquanto o rabino preparava seu próprio prato.
Por favor, não espere por mim. Coma enquanto o pão ainda está quente.
Buck curvou levemente a cabeça, orando pela alma de Tsion Ben-Judá. Ele ergueu
os olhos e elogiou o prato escolhido.
Você é um homem de oração - observou Tsion enquanto continuava a preparar
seu prato.
Sou. - Buck continuou a orar silenciosamente, perguntando a si mesmo se aquele
seria o momento ideal para uma palavra oportuna. Será que este homem poderia
169
ser influenciado, faltando apenas uma hora para ele revelar o resultado de sua
pesquisa ao mundo? Buck sentiu-se um tolo. O rabino estava sorrindo.
O que foi, Tsion?
Eu estava me lembrando do último americano com quem fiz uma refeição aqui. Ele
estava fazendo uma excursão e pediram-me que eu lhe fizesse companhia. Ele era
uma espécie de líder religioso, e aqui temos o costume de receber bem os turistas,
você sabe. - Buck assentiu.
Cometi o erro de perguntar-lhe se gostaria de experimentar um de meus pratos
favoritos, sanduíche de legumes com queijo. Não sei se ele não me entendeu bem
por causa de meu sotaque ou se o prato não lhe agradava. Ele recusou
educadamente e pediu uma comida mais familiar, pão sírio e camarão, se bem me
lembro. Porém, pedi ao garçom, em meu idioma, que trouxesse uma porção extra
do que eu estava comendo, só por uma questão de zelo, como costumo dizer. Não
demorou muito, o homem empurrou seu prato e começou a experimentar a comida
que eu havia pedido.
Buck riu. E agora o senhor simplesmente faz o pedido para os seus convidados.
Exatamente.
Antes de começar a comer, o rabino também orou silenciosamente.
Não tomei o café da manhã - disse Buck, levantando o pão, como se estivesse
brindando.
Tsion Ben-Judá deu um sorriso radiante. Perfeito! - ele disse. - Há um provérbio
internacional que diz que a fome é o melhor tempero.
Buck concordou. Precisou tomar cuidado para não exagerar na comida, algo que
raramente lhe acontecia. Tsion - ele finalmente perguntou - você precisa de
companhia antes de aparecer na TV ou existe um assunto específico que queira
conversar?
Um assunto específico - disse o rabino, olhando para o relógio. - A propósito, meu
cabelo está penteado?
Sim. Provavelmente vão eliminar a marca do chapéu na hora da maquiagem.
Maquiagem? Eu tinha me esquecido dessa parte. Foi por isso que me pediram
para chegar bem antes da hora.
Ben-Judá consultou seu relógio, empurrou o prato para o lado e colocou o fichário
sobre a mesa. Ele continha uma pilha de cerca de dez centímetros de páginas
manuscritas. Tenho muito mais material em meu escritório - ele disse - mas aqui
estão a essência, a conclusão e o resultado de meus três anos de exaustivo... e
desgastante... trabalho com um grupo de jovens estudantes, cuja ajuda foi
inestimável para mim.
O senhor não está imaginando ler isso em voz alta em uma hora, está?
Não, não! - disse Ben-Judá, rindo. - Isto é o que poderíamos chamar de recurso
extra. Se eu me esquecer, terei material para recorrer. Em qualquer situação, há
sempre alguma coisa a dizer. Talvez lhe interesse saber que decorei o que vou
dizer na TV.
Durante uma hora?
Há três anos, isso poderia ter-me amedrontado. Agora sei que posso falar por
muito mais tempo, sem precisar das anotações. Porém, devo ater-me ao meu plano
de compensar o tempo. Se eu me desviar do assunto, nunca conseguirei terminar.
E mesmo assim o senhor carrega suas anotações.
Tenho confiança em mim, Buck, mas não sou nenhum tolo. Passei grande parte de
minha vida falando em público, mas cerca da metade do tempo em hebraico. Em
razão da audiência internacional, evidentemente a CNN prefere que eu fale em
inglês. Isso torna as coisas um pouco mais difíceis para mim, e não quero me
perder.
Tenho certeza de que o senhor se sairá bem.
170
Você acabou de justificar o objetivo desta conversa! - disse o rabino, sorridente. -
O convite que lhe fiz para o almoço já rendeu frutos.
Então o senhor só estava precisando de uma pequena torcida.
O rabino fez uma pausa, como se estivesse pensando no significado da palavra
torcida. Apesar de ser um termo não muito conhecido fora dos Estados Unidos,
Buck supôs que seria fácil entendê-lo. Sim - disse Ben-Judá. - Torcida. E quero
fazer-lhe uma pergunta. Se for muito pessoal, você não precisa responder.
Buck abriu as mãos com as palmas para cima, indicando que não haveria problema.
Ontem à noite você quis saber quais eram as minhas conclusões a respeito do
Messias, e eu lhe pedi que aguardasse até o mundo inteiro tomar conhecimento.
Agora, permita-me fazer a mesma pergunta a você.
Louvado seja o Senhor, pensou Buck. Quanto tempo ainda nos resta?
Cerca de vinte minutos. Se a resposta for muito longa, poderemos continuar a
conversa no carro, a caminho do estúdio. Talvez até na sala de maquiagem.
O rabino achou graça no que disse, mas Buck já estava formulando sua história. O
senhor já sabe que estive num kibutz quando os russos atacaram Israel.
Ben-Judá assentiu. Foi nesse dia que você deixou de ser agnóstico.
Correto. Bem, eu estava dentro de um avião, a caminho de Londres, no dia dos
desaparecimentos.
Não diga!
Buck prosseguiu contando a história de sua jornada espiritual. Só terminou quando
o rabino saiu da sala de maquiagem e sentou-se nervosamente nos bastidores.
Falei muito? - perguntou Buck. - Entendo que seria exigir demais que o senhor
prestasse atenção, ou fingisse prestar atenção, quando deveria estar concentrado
em sua apresentação.
Não, Buck - disse o rabino, com a voz embargada pela emoção. - Eu costumo
fazer isso à noite, enquanto descanso. Se eu tentasse forçar a concentração na
última hora, poria tudo a perder.
Só isso? Pensou Buck. Nenhuma resposta? Nenhum agradecimento? Nenhum
adjetivo depreciativo?
Finalmente, após um longo silêncio, Tsion voltou a falar. Buck, agradeço
imensamente o que você me contou.
Uma jovem com um estojo de pilhas preso à cintura, fones de ouvido e microfone,
aproximou-se. Dr. Ben-Judá - ela disse. - O estúdio já está preparado para a
checagem de som. Estaremos no ar em noventa segundos.
Estou pronto. Ben-Judá não saiu do lugar.
A jovem hesitou, sem saber o que fazer, e saiu do recinto. Aparentemente não
estava acostumada a esse tipo de atitude. Geralmente os convidados a
acompanhavam nervosamente até o estúdio.
Tsion Ben-Judá levantou-se com o fichário debaixo do braço, abriu a porta e ficou
segurando a maçaneta com a mão que estava livre. Agora, Buck Williams, gostaria
que você me fizesse um favor enquanto aguarda aqui.
Claro.
Sendo um homem de oração, você poderia orar para que Deus coloque as palavras
em minha boca?
Buck fez um gesto de incentivo com a mão fechada para seu novo amigo e
balançou a cabeça afirmativamente.
Quer assumir o comando? - perguntou Rayford a seu co-piloto. - Eu gostaria de
assistir a esse programa especial da CNN.
Positivo. Você está falando da história do rabino?
Correto.
O co-piloto balançou a cabeça negativamente. Isso me faria pegar no sono.
171
Rayford saiu da cabina de comando, mas ficou desapontado ao ver que o aparelho
de TV da cabina principal não estava ligado. Dirigiu-se para a parte traseira do
avião onde alguns dignitários e a imprensa estavam reunidos ao redor de outro
aparelho de TV. Porém, antes de Rayford atravessar a sala de reuniões do
secretário-geral, Carpathia notou sua presença. - Capitão Steele! Por favor! Fique
conosco por alguns minutos!
Obrigado, senhor, mas eu gostaria de ver o...
O programa do Messias, sim, claro! Liguem a TV! Alguém ligou o aparelho e o
sintonizou na CNN. - Vocês sabem - anunciou Carpathia em voz alta para que todos
pudessem ouvir - que o nosso capitão acredita que Jesus foi o Messias?
Francamente - disse Chaim Rosenzweig - como um judeu não-religioso, penso
que Nicolae está cumprindo muito mais as profecias do que Jesus.
Rayford fez uma expressão de desagrado. Que blasfêmia! Ele sabia que Buck
gostava de Rosenzweig e o admirava, mas que maneira de falar! Sem querer
ofendê-lo, senhor, duvido que os judeus, em sua maioria, acreditem num Messias...
mesmo achando que ele ainda virá... nascido em outro lugar, fora da Terra Santa.
Ah, bem, vocês estão vendo? - disse Rosenzweig. - Não sou um estudioso do
assunto. - No entanto, este homem - ele prosseguiu, apontando para a tela da TV
no momento em que Tsion Ben-Judá estava sendo apresentado - é um erudito em
assuntos religiosos. Após três anos de intensas pesquisas, ele deve ser capaz de
descrever as qualificações do Messias.
Aposto que sim, pensou Rayford, de pé num canto da sala e encostado na parede
para não impedir a passagem de outras pessoas. Carpathia tirou o paletó, e uma
comissária de bordo imediatamente o pendurou. Ele afrouxou o nó da gravata,
enrolou as mangas da camisa e sentou-se diante da TV, segurando um copo de
água mineral gasosa com uma rodela de limão. Evidentemente Carpathia estava
considerando tudo isso uma boa diversão, pensou Rayford.
Um locutor em off deixou claro que "as idéias e os pontos de vista expressos nesta
transmissão não refletem necessariamente as opiniões da CNN nem de suas
retransmissoras afiliadas".
Rayford achou que o Dr. Ben-Judá era um excelente comunicador. Ele olhava
diretamente para a câmera e, apesar de seu sotaque acentuado, falava de modo
pausado e claro, o suficiente para ser facilmente compreendido. Acima de tudo,
Rayford notou que ele era um homem entusiasmado e apaixonado pelo assunto ao
qual se dedicava. Não era bem o que Rayford esperava. Ele tinha imaginado um
rabino idoso com longa barba branca, debruçado sobre alguns manuscritos
embolorados, analisando-os minuciosamente com uma lupa.
No entanto, após uma breve apresentação de si mesmo e do processo pelo qual ele
e sua equipe fizeram a pesquisa, Ben-Judá começou sua explanação com uma
promessa. Cheguei à conclusão de que podemos conhecer, sem sombra de dúvida,
a identidade de nosso Messias. Nossa Bíblia apresenta claras profecias, prérequisitos
e prognósticos que apenas uma pessoa da raça humana poderia cumprir.
Acompanhem meu raciocínio e vejam se os senhores chegam à mesma conclusão
que eu, e assim veremos se o Messias é um ser real, se ele já veio ou se ainda
virá.
O rabino Ben-Judá contou que ele e sua equipe passaram quase todo o primeiro
ano da pesquisa confirmando a veracidade dos estudos do falecido Alfred
Edersheim, um professor de línguas e conferencista de Grinfield sobre a
Septuaginta [Versão bíblica dos Setenta sábios: tradução do Velho Testamento do
hebraico para o grego]. Edersheim postulou que havia 456 passagens messiânicas
nas Escrituras, amparadas por mais de 558 referências procedentes dos mais
antigos escritos rabínicos.
Bem prosseguia o rabino prometo não aborrecer os senhores com
172
estatísticas, mas permitam-me dizer que muitas daquelas passagens proféticas são
repetitivas e algumas, obscuras. No entanto, com base em nosso estudo
meticuloso, acreditamos que haja pelo menos 109 profecias separadas e distintas,
as quais o Messias deve cumprir. Para tanto, faz-se necessário que o Messias seja
um homem fora do comum e leve uma vida inusitada, o que elimina todos os
impostores. Não tenho tempo nesta hora de que disponho para explicar todas as
109 profecias, é claro, mas vou abordar algumas mais óbvias e específicas.
Consultamos um matemático e lhe perguntamos qual seria a probabilidade de 20
das 109 profecias serem cumpridas por um único homem. A resposta foi a
seguinte: uma em um quatrilhão e cento e vinte e cinco trilhões!
A seguir, o Dr. Ben-Judá forneceu o que Rayford considerou um exemplo brilhante
de como identificar facilmente alguém por meio de apenas algumas características.
A despeito dos bilhões de pessoas que ainda povoam este planeta, os senhores
podem enviar-me um cartão postal pelo correio, contendo apenas algumas
indicações, e eu serei a única pessoa a recebê-lo. Se enviarem o cartão para Israel,
os senhores estarão eliminando todos os outros países do mundo. Se o cartão
indicar Jerusalém, as possibilidades serão mais restritas ainda. Os senhores estarão
reduzindo as possibilidades a uma pequena fração se o cartão for enviado a uma
determinada rua, a um determinado número, a um determinado apartamento. E, se
o cartão contiver meu nome completo, serei distinguido no meio de bilhões de
pessoas. Creio que as profecias a respeito do Messias fazem o mesmo. Elas
eliminam, eliminam, eliminam até que uma única pessoa seja capaz de cumpri-las.
O Dr. Ben-Judá falava de maneira tão cativante que todos os passageiros do avião
pararam de falar, de movimentar-se e até de mexer-se nas poltronas. Até Nicolae
Carpathia, que bebericava sua água mineral fazendo o gelo tilintar no copo, quase
não se mexia. Para Rayford, parecia que Carpathia estava constrangido diante da
atenção que Ben-Judá conseguira atrair.
Tentando não incomodar ninguém, Rayford pediu licença e voltou rapidamente para
a cabina de comando. Pousou a mão no ombro do co-piloto e curvou-se para falar
com ele. O co-piloto retirou o fone do ouvido esquerdo.
Quero que esta aeronave aterrisse cinco minutos após o horário marcado.
Programamos cerca de dois minutos, Capitão, e até agora estamos dentro dos
limites.
Faça os ajustes necessários para que minhas ordens sejam cumpridas.
Positivo. - Em seguida, o co-piloto começou a falar pelo rádio. - Global Community
One chamando torre de Bagdá.
Torre de Bagdá, prossiga, One.
Estamos reduzindo a velocidade em alguns nós e programando aterrissar cinco
minutos após a hora marcada.
Positivo, Global. Algum problema?
Negativo. Apenas fazendo uma experiência com a nova aeronave.
O co-piloto olhou de relance para Rayford, querendo saber se estava tudo bem.
Rayford fez um sinal de positivo com o polegar e voltou rapidamente para assistir
ao programa na televisão.
Buck orava sem tirar os olhos da TV. Os funcionários estavam reunidos em volta
dos monitores. Não havia a costumeira algazarra nos bastidores. Todos estavam
com os olhos fixos na tela. Para acalmar o nervosismo, Buck pegou seu bloco e sua
caneta e tentou tomar nota de tudo. Era quase impossível acompanhar o rabino,
que discorria sobre as profecias, uma atrás da outra.
O Messias não se restringe a apenas algumas características de identificação -
dizia Ben-Judá. - Nós, os judeus, estamos aguardando por ele, orando por ele,
ansiando por sua chegada há séculos e, mesmo assim, paramos de estudar as
173
várias indicações legítimas contidas em nossas Escrituras. Ignoramos muitas delas
e escolhemos outras, a ponto de estarmos agora à procura de um líder político que
corrija os erros, traga justiça e prometa a paz.
Chaim Rosenzweig aproximou-se de Carpathia, bateu de leve em suas costas e
lançou um sorriso para os presentes. Ninguém lhe deu atenção, principalmente
Carpathia.
Alguns acreditam que o Messias restaurará as construções, deixando-as como
eram nos gloriosos dias de Salomão - prosseguia o rabino Ben-Judá. - Outros
acreditam que o Messias fará novas todas as coisas, anunciando um novo reino
diferente de todos os que já vimos. Até mesmo as próprias profecias nos dizem o
que o Messias fará. Vamos examinar algumas delas durante o tempo restante.
Buck estava tendo um vislumbre do que aconteceria no futuro. Jesus era o Messias,
o escolhido, o cumprimento da Palavra de Deus; se não fosse, ele não poderia
suportar o que diziam as profecias. Se é que havia um único homem capaz de
cumprir as profecias, tinha de ser Jesus. Aparentemente, o rabino ia usar o Novo
Testamento para tentar convencer sua primeira e principal audiência, os judeus.
Portanto, as profecias de centenas de anos antes do nascimento de Cristo teriam de
ser suficientemente claras para atingir o alvo... se era esse o verdadeiro objetivo de
Tsion.
O Dr. Ben-Judá estava sentado na extremidade da mesa onde ele espalhara as
centenas de páginas de sua pesquisa. A câmera focalizava, ora de longe, ora de
perto, seus traços expressivos. A primeira e genuína qualificação do Messias,
aceita por nossos estudiosos desde o início, é que ele devia nascer da semente de
uma mulher, e não da semente de um homem como todos os outros seres
humanos. Sabemos agora que as mulheres não possuem "semente". O homem
fornece a semente para fertilizar o óvulo da mulher. Portanto, trata-se de um
nascimento sobrenatural, conforme predito em Isaías 7.14: "Portanto o Senhor
mesmo vos dará um sinal: eis que a virgem conceberá e dará à luz um filho e lhe
chamará Emanuel." O nosso Messias deve nascer de uma mulher e não de um
homem porque ele deve ser íntegro. Todos os outros seres humanos nascem da
semente de seu pai, e a semente pecaminosa de Adão é passada a eles. Não
acontece o mesmo com o Messias, nascido de uma virgem. O nosso Messias deve
pertencer a uma linhagem extremamente rara. A mulher que o gerar deve
pertencer a uma linhagem que inclua muitos pais de Israel. O próprio Deus
eliminou bilhões de pessoas dessa linhagem seleta para que a identidade do
Messias fosse inequívoca. Primeiro, Deus eliminou dois terços da população mundial
quando escolheu Abraão, que era descendente de Sem, um dos três filhos de Noé.
Dos dois filhos de Abraão, Deus escolheu apenas Isaque, eliminando metade da
descendência de Abraão. Um dos dois filhos de Isaque, Jacó, recebeu a bênção mas
passou-a a apenas um de seus doze filhos, Judá. Com isso, foram eliminados
milhões de outros filhos em Israel. Anos depois, o profeta Isaías destacou o rei Davi
como outro ascendente do Messias que havia de vir, predizendo que ele seria uma
"raiz de Jessé". O pai de Davi, Jessé, era filho de Judá. O Messias, de acordo com o
profeta Miquéias, deve nascer em Belém. – O rabino consultou suas anotações e
leu: - "E tu, Belém Efrata, pequena demais para figurar como grupo de milhares de
Judá, de ti me sairá o que há de reinar em Israel, e cujas origens são desde os
tempos antigos, desde os dias da eternidade."
Chaim Rosenzweig, o único no avião que estava nervoso, movimentava-se sem
parar. Rayford percebeu que aquele homem idoso estava sendo ridículo e esperava
que ele não demonstrasse. Mas ele demonstrou. - Nicolae - disse Chaim - você
nasceu em Belém e mudou-se para Cluj, não foi? Ha, ha!
Os outros pediram que ele se calasse, mas Carpathia endireitou-se na cadeira,
como se acabasse de perceber algo. - Sei aonde esse homem vai chegar! - ele
174
disse. - Vocês não estão entendendo? Está tão na cara como o nariz dele.
Eu entendo, pensou Rayford. Já devia estar evidente para outras pessoas, além de
Carpathia.
Ele vai dizer que o Messias é ele próprio! - gritou Carpathia.- Provavelmente
nasceu em Belém, e sabe-se lá a que linhagem ele pertence. É raro uma pessoa
aceitar ser filho ilegítimo, mas talvez sua história seja esta. Esse indivíduo pode
dizer que sua mãe nunca esteve com um homem antes de ele nascer, e vejam só,
os judeus têm um Messias!
Ora! - disse Rosenzweig. - Você está falando de um amigo meu a quem prezo
muito. Ele nunca diria tal coisa.
Preste atenção e veja - disse Carpathia.
Uma comissária de bordo curvou-se e sussurrou no ouvido de Carpathia. - Ligação
para o senhor, Sr. Secretário-Geral.
Quem é?
Uma funcionária chamando de Nova York.
Quem?
Sra. Durham.
Anote o recado.
Carpathia virou-se para a tela da TV enquanto o rabino Ben-Judá prosseguia.
Quando criança, o Messias irá para o Egito, porque o profeta Oséias 11.1 diz que
Deus o chamará do Egito. Isaías 9.1,2 menciona que o Messias evangelizará a
maior parte do tempo na Galiléia. Uma das profecias de que nós, os judeus, não
gostamos e tendemos a ignorar é que o Messias será rejeitado por seu próprio
povo. Isaías profetizou que ele seria "desprezado e o mais rejeitado entre os
homens; homem de dores e que sabe o que é padecer; e, como um de quem os
homens escondem o rosto, era desprezado, e dele não fizemos caso" (Is 53.3).
O rabino olhou para seu relógio. Meu tempo está se esgotando - ele disse -
portanto, desejo abordar rapidamente mais algumas profecias e contar-lhes a que
conclusão cheguei. Isaías e Malaquias predizem que o Messias será precedido de
um mensageiro. O salmista disse que o Messias seria traído por um amigo. Zacarias
disse que o Messias seria traído por trinta moedas de prata. E complementa
dizendo que o povo verá aquele a quem eles perfuraram. O salmista profetizou que
eles "estão me olhando e me encarando. Repartem entre si as minhas vestes e
sobre a minha túnica lançam sortes" (Salmo 22.17,18). E posteriormente o
salmista profetizou que "ele preserva todos os meus ossos; nem um deles será
quebrado" (Salmo 34.20). Isaías diz que "designaram-lhe a sepultura com os
perversos, mas com o rico esteve na sua morte, posto que nunca fez injustiça, nem
dolo algum se achou em sua boca" (Is 53.9). Os Salmos dizem que ele
ressuscitaria. Se eu tivesse mais tempo, poderia falar de outras dezenas de
profecias das Escrituras hebraicas que indicam as qualificações do Messias. No final
deste programa, deixarei um número de telefone para que os senhores possam
solicitar o material impresso deste nosso estudo. Mediante este estudo os senhores
ficarão plenamente convencidos de que apenas uma única pessoa poderia
qualificar-se para ser o Ungido de Jeová. Permitam-me encerrar dizendo que estes
três anos de pesquisas sobre os escritos sagrados de Moisés e dos profetas foram
os mais gratificantes de minha vida. Recorri a livros históricos e outros escritos
sagrados, inclusive o Novo Testamento dos gentios, vasculhando cada registro que
pude encontrar para saber se alguém chegou a preencher todas os requisitos
messiânicos. Será que houve alguém nascido de uma virgem em Belém,
descendente do rei Davi e vindo da linhagem de Abraão, levado para o Egito,
chamado de volta para evangelizar na Galiléia, precedido de um mensageiro,
rejeitado pelo próprio povo de Deus, traído por trinta moedas de prata, perfurado
sem que nenhum osso fosse quebrado, enterrado com o rico e ressuscitado? De
175
acordo com Daniel, o maior de todos os profetas hebreus, decorreriam exatamente
483 anos entre o decreto para a reconstrução do muro e da cidade de Jerusalém
em "tempos difíceis" antes que o Messias removesse os pecados do povo.
Ben-Judá olhava diretamente para a câmera. Exatamente 483 anos após a
reconstrução de Jerusalém e de seus muros, Jesus Cristo de Nazaré ofereceu-se
para a nação de Israel. Para regozijo do povo, ele entrou na cidade montado num
jumentinho, como o profeta Zacarias havia predito: "Alegra-te muito, ó filha de
Sião; exulta, ó filha de Jerusalém: eis aí te vem o teu Rei, justo e salvador,
humilde, montado em jumento, num jumentinho, cria de jumenta."
Buck levantou-se rapidamente do sofá nos bastidores e ficou de pé olhando para o
monitor. Havia outras pessoas reunidas ali, mas ele não se conteve e gritou: Sim!
Prossiga, Tsion! Amém! Buck ouviu os telefones tocando lá embaixo no saguão,
antes mesmo que o rabino tivesse informado o número.
Jesus Cristo é o Messias! - concluiu o rabino. - Não pode haver outra opção.
Cheguei a esta conclusão mas tive receio de manifestar-me, e quase perdi a
oportunidade. Jesus veio para arrebatar sua igreja, para levar seus escolhidos para
o céu, conforme ele disse que faria. Eu não fui um dos escolhidos porque vacilei.
Porém, desde então, eu o aceitei como meu Salvador. Ele vai voltar dentro de sete
anos! Estejam preparados!
Repentinamente o estúdio da TV começou a fervilhar. Rabinos ortodoxos
telefonavam, israelenses irados esmurravam as portas e os técnicos do estúdio
aguardavam um sinal para tirar o programa do ar.
Este o número do telefone para os senhores obterem mais informações! - dizia o
rabino. - Se eles não mostrarem o número na tela, vou repeti-lo para os senhores!
- Enquanto o rabino repetia o número, os diretores gesticulavam para que os
operadores de câmera interrompessem a transmissão. - Yeshua ben Yosef, Jesus
filho de José, é Yeshua Hamashiac! - gritou o rabino rapidamente. – Jesus é o
Messias! - E a imagem sumiu da tela.
O rabino Ben-Judá pegou suas anotações e, assustado, procurou por Buck.
Estou aqui, irmão! - disse Buck, entrando correndo no estúdio. - Onde está o
carro?
Escondido lá nos fundos, e até agora meu motorista não sabe por quê!
Os executivos irromperam no estúdio. Espere! As pessoas precisam falar com o
senhor!
O rabino hesitou, olhando para Buck. E se estiverem querendo encontrar Cristo?
Poderão telefonar! - disse Buck. - Vou tirar o senhor daqui.
Ambos atravessaram correndo a porta dos fundos e deram de encontro com o
funcionário do estacionamento. Nenhum sinal do Mercedes. De repente, do outro
lado da rua, o motorista pulou para fora do carro, acenando e gritando. Buck e
Tsion correram em sua direção.
O final foi decepcionante concluiu Carpathia. Eu preferia que o rabino
tivesse dito que ele era o Messias. Não ouvi nenhuma novidade. Muita gente
acredita nesse mito. Um importante rabino se converteu. Grande coisa!
Grande coisa, sim, pensou Rayford, caminhando em direção à cabina de comando
para a aterrissagem.
Buck sentia-se pouco à vontade na pequena casa de Tsion Ben-Judá, cuja esposa o
abraçou chorando e depois sentou-se em outra sala com as crianças, soluçando
alto. Eu apoio você, Tsion ela gritou mas nossa vida está arruinada!
Tsion atendeu o telefone e fez um sinal a Buck para que ele pegasse a extensão no
outro cômodo. A Sra. Ben-Judá tentava acalmar-se enquanto Buck ouvia a
176
conversa.
Sim, sou eu, o rabino Ben-Judá.
Aqui fala Eli. Conversei com você ontem à noite.
Claro! Como obteve meu número?
Liguei para aquele número que você mencionou no programa, e a aluna que
atendeu informou o número de sua residência. Eu me identifiquei e consegui
convencê-la.
Agradeço sua ligação.
Compartilho sua alegria, Tsion, meu irmão em Jesus Cristo. Muitas pessoas o
aceitaram depois de ouvir nossa pregação aqui em Jerusalém. Organizamos uma
reunião de novos crentes no Estádio Teddy Kollek. Você gostaria de comparecer e
fazer uso da palavra?
Sinceramente, irmão Eli, temo por minha segurança e pela de minha família.
Não tenha medo. Moisés e eu deixaremos claro que qualquer pessoa que o ameace
terá de haver-se conosco. Penso que não deixamos nenhuma dúvida quanto a
isso.
177
DEZOITO
Dezoito meses depois
Fazia muito frio em Chicago. Rayford Steele pegou seu casaco grosso de lã do
guarda-roupa. Detestava ter de carregá-lo pelo aeroporto, mas precisava dele para
ir de casa até o carro e do carro até o terminal. Fazia meses que ele não se olhava
no espelho enquanto se vestia para trabalhar. Rayford costumava colocar na mala
seu uniforme de capitão do Global Community One, com seus vistosos galões e
botões dourados sobre o tecido azul-marinho. Na verdade, o uniforme seria
elegante, ligeiramente formal e pomposo, se não fizesse Rayford lembrar-se de que
estava trabalhando para o demônio.
O cansaço pelo fato de morar em Chicago e ter de iniciar o vôo em Nova York
estampava-se no rosto de Rayford. Estou preocupada com você, papai dissera
Chloe mais de uma vez. Ela chegara a oferecer-se para morar com o pai em Nova
York, principalmente após Buck ter sido transferido para lá alguns meses antes.
Rayford sabia que Chloe e Buck sentiam muita falta um do outro, mas tinha seus
próprios motivos para prolongar ao máximo sua permanência em Chicago. Um dos
motivos era Amanda White.
Se Buck não se apressar, eu me casarei antes de você. Ele já pegou na sua mão?
Chloe corou. Por que você quer saber? Isso tudo é novidade para ele, papai. Ele
nunca se apaixonou antes.
E você?
Eu achava que sim, até conhecer Buck. Temos conversado sobre o futuro e muitas
outras coisas. Só que ele ainda não me pediu em casamento.
Rayford colocou o quepe e ficou de pé diante do espelho, com o casaco jogado
sobre o ombro. Fez uma careta, suspirou e balançou a cabeça. Vamos fechar esta
casa dentro de duas semanas a partir de amanhã – ele disse. - Daí, ou você vai
comigo para a Nova Babilônia ou vai viver por conta própria. Buck bem que poderia
facilitar nossa vida sendo um pouco mais decidido.
Não vou pressioná-lo, papai. O fato de estarmos vivendo longe um do outro tem
sido um bom teste. E detesto a idéia de deixar Bruce sozinho na Igreja Nova
Esperança.
Bruce não tem tido tempo de sentir-se sozinho. A igreja está cada vez mais repleta
e o abrigo subterrâneo logo deixará de ser segredo. Vai precisar ser maior do que o
templo.
Bruce Barnes também estava viajando muito. Tinha organizado um programa de
igrejas domésticas, pequenos grupos que se reuniam em todos os bairros e por
todo o país, antes que tais reuniões fossem declaradas ilegais, o que não demoraria
muito. Bruce viajara pelo mundo todo, multiplicando seu ministério de pequenos
grupos. Começou em Israel e viu o trabalho das duas testemunhas e do rabino
Tsion Ben-Judá expandir-se a ponto de lotar os maiores estádios do mundo.
Os 144.000 evangelistas judeus tinham representantes em todos os países,
geralmente infiltrados em faculdades e universidades. Milhões e milhões haviam-se
convertido, mas assim como a fé crescera, também crescera o índice de
criminalidade e violência.
Já havia uma pressão dos dirigentes da Comunidade Global americana em
Washington para transformar todas as igrejas em ramificações oficiais daquilo que
agora se chamava Fé Mundial Enigma Babilônia. A religião mundial era dirigida pelo
178
novo Papa Pedro, o antigo Peter Mathews, dos Estados Unidos, que introduziu um
sistema que ele chamava de "uma nova era de tolerância e unidade" entre as
principais religiões. Os maiores inimigos da Enigma Babilônia, que se apossara do
Vaticano e de suas instalações, eram os milhões de pessoas que acreditavam que
Jesus era o único caminho até Deus.
Dizer arbitrariamente, escreveu o Sumo Pontífice Pedro em uma declaração oficial
da Enigma Babilônia, que a Bíblia judaica e protestante, que contém apenas o
Velho e o Novo Testamentos, é a única regra de fé e prática, representa o ponto
mais alto da intolerância e da desunião. Isso é um insulto a tudo o que temos
realizado, e os seguidores dessa falsa doutrina são considerados hereges.
O Sumo Pontífice Pedro havia incluído na mesma categoria os judeus ortodoxos e
os cristãos recém-convertidos. Ele enfrentou problemas tanto com o templo recémconstruído
e seu retorno ao sistema de sacrifícios quanto com os milhões e milhões
de convertidos a Cristo. E ironicamente, o supremo pontífice precisou enfrentar
oposições ao novo templo. Eli e Moisés, as testemunhas agora conhecidas
mundialmente e que ninguém ousava contrariar, geralmente falavam contra o
templo. Porém sua lógica era um anátema à Enigma Babilônia.
Israel reconstruiu o templo para apressar a volta do Messias do povo judeu -
diziam Eli e Moisés - sem dar-se conta de que o templo foi destruído pelo
verdadeiro Messias, que já veio! Israel construiu o templo da rejeição! Não é de
admirar que um número tão pequeno dos 144.000 evangelistas judeus procede de
Israel! A grande maioria do povo de Israel é incrédula e sofrerá por causa disso!
As testemunhas ficaram indignadas no dia em que o templo foi consagrado e
apresentado ao mundo. Centenas de milhares de pessoas começaram a afluir para
Jerusalém a fim de conhecer o templo; quase o mesmo número de pessoas iniciou
peregrinações rumo à Nova Babilônia para conhecer a nova e exuberante sede da
Comunidade Global que Nicolae Carpathia projetara.
Eli e Moisés provocaram indignação em muita gente, inclusive no visitante
Carpathia, no dia da comemoração da reabertura do templo. Pela primeira vez eles
não pregaram no Muro das Lamentações nem em um estádio gigantesco. Naquele
dia eles aguardaram até que o templo estivesse repleto. Milhares de pessoas, que
não conseguiram entrar, permaneceram de pé, lado a lado, na Colina do Templo.
Moisés e Eli abriram o caminho à força para chegar ao Portão Dourado do templo,
provocando temor na multidão. Foram ridicularizados, vaiados e achincalhados,
mas ninguém se atreveu a aproximar-se deles, e muito menos tentar agredi-los.
Nicolae Carpathia esteve ao lado dos dignitários naquele dia. Ele insultou os
intrusos, mas Eli e Moisés obrigaram-no a silenciar. Sem a ajuda de microfones, as
duas testemunhas gritaram bem alto no pátio do templo para que todos pudessem
ouvir: Nicolae! Um dia, você mesmo vai corromper e profanar este templo!
- Que absurdo! - respondera Carpathia. - Será que não existe uma autoridade
militar em Israel com poderes para fazer calar esses dois?
O primeiro-ministro israelense, que agora era subordinado ao embaixador dos
Estados Unidos e da Ásia para a Comunidade Global, foi pego de surpresa diante de
um microfone e de uma filmadora. – Fomos transformados em uma sociedade
desarmada, graças ao senhor.
- Esses dois também estão desarmados! - vociferara Carpathia. - Reprima-os!
Porém, Eli e Moisés continuaram a gritar. - Deus não habita em templos
construídos por mãos humanas! O corpo dos crentes é o templo do Espírito Santo!
Carpathia, que tinha visitado Israel apenas para dar apoio a seus amigos e
homenageá-los pelo novo templo, perguntou à multidão: Vocês querem ouvirme
ou ouvir esses dois?
A multidão respondeu aos gritos: Queremos ouvir o senhor Potentado! O senhor!
Não existe outro potentado, a não ser o próprio Deus! exclamou Eli.
179
E Moisés complementou: Seus sacrifícios de sangue se transformarão em água, e
a água que vocês recolherem se transformarão em sangue.
Buck havia estado lá naquele dia como editor do Semanário Comunidade Global, o
novo nome do Semanário Global. Ele recusou o pedido de Carpathia para publicar
um editorial sobre as duas testemunhas, às quais Nicolae dava o nome de intrusos,
e convenceu o potentado da Comunidade Global que a imprensa toda daria
cobertura aos fatos da atualidade. O sangue derramado de uma novilha sacrificada
transformara-se em água. E a água recolhida em outra cerimônia transformara-se
em sangue dentro do balde. Os israelenses culpavam as duas testemunhas de
denegrirem sua comemoração.
Buck detestava o dinheiro que estava ganhando. Nem mesmo um salário tão alto
como aquele teve o poder de facilitar sua vida. Ele tinha sido forçado a mudar
novamente para Nova York. Muitos dos antigos funcionários do Semanário Global
tinham sido demitidos, inclusive Stanton Bailey, Marge Potter e até Jim Borland.
Steve Plank era agora o editor do Global Community East Coast Daily Times, um
jornal formado da fusão do New York Times, Washington Post e Boston Globe.
Apesar de Steve não admitir, Buck acreditava que o brilho do relacionamento entre
Steve e o potentado já se havia apagado.
O único fator positivo na nova posição ocupada por Buck era que agora ele tinha
condições de isolar-se da terrível onda de criminalidade que quebrara todos os
recordes na América do Norte. Carpathia usara isso para desviar a atenção pública
e influenciar o povo a aceitar a idéia de que o embaixador norte-americano para a
Comunidade Global devia derrubar o atual presidente. Gerald Fitzhugh e seu vicepresidente
ocupavam agora o antigo Edifício do Poder Executivo em Washington,
incumbidos de fazer cumprir nos Estados Unidos o plano do potentado Carpathia
para o desarmamento mundial.
O único ato de resistência da parte de Buck a Carpathia era não tomar
conhecimento dos boatos sobre a trama de Fitzhugh com o exército de opor-se ao
regime da Comunidade Global por meio da força. Buck era inteiramente a favor
disso e havia estudado secretamente a possibilidade de criar um site anti-
Comunidade Global na Internet. Ele levaria a idéia adiante tão logo encontrasse
uma forma de criar o site sem que rastreassem seu apartamento de cobertura na
Quinta Avenida.
Pelo menos Buck conseguira convencer o potentado Carpathia de que sua mudança
para a Nova Babilônia seria um erro. Afinal de contas, Nova York ainda era a capital
do mundo editorial. Ele já estava sofrendo porque o pai de Chloe havia sido forçado
a mudar-se para a Nova Babilônia.
A nova cidade era suntuosa, mas o clima do Iraque era insuportável, a menos que
quem morasse ali não saísse de casa durante as vinte e quatro horas do dia. A
despeito da popularidade incomparável de Carpathia e de sua ênfase ao novo
governo mundial e à nova religião mundial, o Oriente Médio ainda não se livrara de
grande parte de sua antiga cultura, e uma mulher ocidental sentir-se-ia
completamente deslocada naquela região do mundo.
Buck emocionara-se ao ver a afinidade que existia entre Rayford e Amanda. Isso
havia eliminado a pressão sobre Buck e Chloe, sobre o futuro de ambos, que se
preocupavam por ter de deixar Rayford sozinho, se resolvessem casar. Mas será
que Rayford achava que uma mulher norte-americana poderia viver na Nova
Babilônia? E por quanto tempo eles morariam lá antes que o potentado começasse
a desferir seus ataques contra os cristãos? De acordo com Bruce Barnes, os dias de
perseguição estavam próximos.
Buck sentia falta de Bruce, muito mais do que podia imaginar. Tentou vê-lo todas
as vezes que esteve em Chicago para encontrar-se com Chloe. Todas as vezes que
180
Bruce viajava a Nova York ou que ambos se encontravam por acaso em alguma
cidade do exterior, Bruce arrumava tempo para uma sessão particular de estudos.
Bruce estava rapidamente tornando-se um dos principais estudiosos das profecias
entre os recém-convertidos. Ele dizia que o ano ou o ano e meio de paz estava
prestes a terminar. Assim que os próximos três cavaleiros do Apocalipse
aparecessem, os outros dezessete julgamentos aconteceriam em rápida sucessão,
conduzindo ao glorioso aparecimento de Cristo sete anos após a assinatura do
pacto entre Israel e o Anticristo.
Bruce tornara-se famoso, até mesmo popular. Porém, um grande número de
crentes estava se cansando de suas advertências sinistras.
Rayford ia ausentar-se da cidade até a véspera do dia em que ele, Chloe e os
compradores fechassem o negócio da venda da casa. Ele sorriu da idéia que os
compradores tiveram de hipotecar a casa por trinta anos. Alguém sairia perdedor
em tal transação.
Após a partida de Rayford, Chloe ficou encarregada de vender objetos supérfluos,
armazenar os móveis e providenciar uma empresa de mudanças para levar seus
pertences a um apartamento na mesma cidade e os pertences do pai ao Iraque.
Nos dois últimos meses, Amanda sempre levava Rayford de carro até o Aeroporto
O'Hare para essas longas viagens, mas, por ter assumido um novo cargo
recentemente, ela não podia mais fazer isso. Naquele dia, Chloe levaria Rayford até
o novo escritório de Amanda, onde ela era a chefe de compras de uma loja de
confecções. Depois que ambos se despedissem, Chloe levaria Rayford até o
aeroporto e ficaria com o carro.
Como vão as coisas entre vocês? perguntou Chloe no carro.
Estamos perto.
Sei que vocês estão perto. Está na cara. Perto do quê? é a pergunta.
Perto - ele respondeu.
No percurso até o aeroporto, os pensamentos de Rayford voltaram-se para
Amanda. A princípio, nem ele nem Chloe sabiam como agir com ela. Amanda, uma
mulher alta e bonita, dois anos mais velha que Rayford, usava cabelos com mechas
mais claras e trajava-se impecavelmente. Uma semana após Rayford ter retornado
de sua primeira viagem ao Oriente Médio como piloto do Global Community One,
Bruce apresentou Amanda aos Steeles após um culto matinal de domingo. Rayford
estava cansado e nada feliz com sua decisão de sair da Pan-Con por ter de
trabalhar para Nicolae Carpathia, e não sentia nenhuma disposição de conversar.
A Sra. White, contudo, pareceu ser uma pessoa um pouco distraída na opinião de
Rayford e Chloe. Para ela, eles não passavam de nomes relacionados a uma antiga
conhecida, Irene Steele, que lhe causara uma indelével impressão. Naquele
domingo, Amanda insistiu em levá-los para almoçar e fez questão de pagar a conta.
Rayford não estava muito disposto para conversar, mas Amanda não fez caso disso.
Tinha muita coisa para contar.
Eu quis conhecer o senhor, capitão Steele, porque...
Rayford, por favor.
Bem, se capitão for muito formal, por enquanto vou chamá-lo de Sr. Steele.
Rayford soa muito familiar para mim, embora Irene se referisse assim ao senhor.
Ela era uma mulher encantadora, afável, dedicada e muito apaixonada pelo senhor.
Foi ela a responsável por eu ter-me tornado cristã antes do Arrebatamento, e foi
também por causa dela - e dos desaparecimentos, é claro - que aceitei a Cristo.
Depois, esqueci completamente o nome dela, e não vi mais nenhuma das outras
senhoras que freqüentavam o estudo bíblico. Isso me deu uma sensação de
solidão. Sei que Bruce lhes contou que perdi minha família. A situação está sendo
muito difícil para mim. Bruce tem sido uma dádiva de Deus em minha vida. Será
181
que vocês aprenderam com ele tanto quanto eu? Claro que sim. Vocês têm estado
com ele há algumas semanas.
Finalmente Amanda passou a falar mais devagar e contou a história da perda de
sua família. -Durante toda a nossa vida freqüentamos uma igreja apática. Um dia,
meu marido foi convidado para visitar a igreja de um amigo. Voltou para casa e
insistiu que fôssemos conhecer pelo menos os cultos de domingo realizados
naquela igreja. Não me importo de contar que senti um certo desconforto ali. Eles
falavam o tempo todo a respeito da salvação. Bem, eu não dei importância ao
assunto e fui a única de minha família que não foi salva. Para ser franca, para mim
aquilo tudo parecia coisa de gente pobre. Eu não sabia que era tão orgulhosa. As
pessoas que não conhecem a Deus nunca se dão conta disso, não é mesmo? Eu
fingia gostar de freqüentar a igreja com minha família, mas não convencia
ninguém. Eles continuaram a incentivar-me a participar do estudo bíblico feminino,
e finalmente concordei. Eu tinha certeza de que ia encontrar um grupo de senhoras
de meia-idade, mal vestidas, dizendo-se pecadoras que foram salvas mediante a
graça.
De uma ou outra maneira, Amanda White conseguiu terminar sua refeição
enquanto falava. Mas, ao chegar a esta parte de sua história, seu rosto anuviou-se
e ela pediu licença para ausentar-se por alguns minutos. Chloe revirou os olhos. -
Papai! De que planeta você acha que ela veio?
Rayford deu uma risadinha. - Quero muito ouvir as impressões dela sobre sua mãe
- ele disse. - Ela parece estar "salva" agora, não é mesmo?
Sim, mas ela não se parece em nada com gente pobre. Amanda retornou e
desculpou-se, dizendo que "estava determinada a desabafar". Rayford deu um
sorriso de incentivo para ela enquanto Chloe fazia caretas atrás de Amanda,
tentando fazer graça para o pai.
- Não vou aborrecê-los mais com minha história ela disse. Sou uma executiva
e não gosto de imiscuir-me na vida dos outros. Eu só queria passar alguns
momentos com vocês para falar sobre o que a Sra. Steele representou em minha
vida. Conversei apenas uma vez com ela, e muito rapidamente, após uma reunião.
Fiquei satisfeita por ter tido a oportunidade de dizer-lhe a boa impressão que ela
me causou. Se vocês estiverem interessados, poderei falar sobre isso. Porém, se já
falei demais, é só vocês me dizerem, e eu os deixarei partir sabendo que a Sra.
Steele foi uma mulher maravilhosa.
Rayford chegou pensar em dizer que eles tinham tido uma semana exaustiva e
precisavam voltar para casa, mas não quis ser grosseiro. Chloe também não
concordaria com isso, portanto ele disse: - Oh, sem dúvida gostaríamos muito de
ouvir. - E complementou: - A verdade é que adoro falar sobre Irene.
Não sei como pude me esquecer do nome dela, porque ele me causou uma forte
impressão. Ela tinha cerca de quarenta anos, certo?
Rayford assentiu.
- Bem, prosseguindo minha história, tirei uma manhã de folga e fui até a casa
onde as senhoras da igreja estavam se reunindo naquela semana. Todas me
pareceram normais e maravilhosas. Sua esposa atraiu minha atenção
imediatamente. Ela era uma pessoa radiante. Sorria e conversava com todas as
senhoras presentes. Cumprimentou-me e perguntou quem eu era. Durante o
estudo bíblico, a oração e as discussões em grupo, ela me causou muito boa
impressão. Que mais posso dizer?
Muita coisa, pensou Rayford. Mas ele não queria fazer muitas perguntas àquela
mulher. Qual seria o motivo de tão boa impressão? Ele gostou quando Chloe
começou a falar.
- Fico contente por ouvir isso, Sra. White, porque só passei a pensar nesses
termos a respeito de minha mãe depois que saí de casa. Eu achava que ela era
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muito religiosa, muito austera, muito rigorosa. Só depois que nos distanciamos
uma da outra é que me dei conta do quanto eu a amava. Ela se preocupava muito
comigo.
- Bem - disse Amanda - a história dela me comoveu, porém o que mais me
impressionou foi seu modo de ser, sua tranqüilidade. Não sei se vocês tinham
conhecimento disto, mas ela nem sempre foi cristã. Sua história era igual à minha.
Ela disse que sua família freqüentou a igreja durante anos, mas de maneira
superficial. Quando ela encontrou a Igreja Nova Esperança, encontrou Cristo. Seu
rosto tinha uma expressão de paz, bondade e serenidade como nunca vi em outra
pessoa. Ela demonstrava confiança, porém era humilde. Era bem falante, sem ser
agressiva ou presunçosa. Gostei dela imediatamente. Emocionou-se ao falar de sua
família, e disse que o marido e a filha estavam em primeiro lugar em sua lista de
orações. Ela amava muito vocês. Disse que seu maior medo era que vocês não
fossem para o céu junto com ela e seu filho. Não me recordo de seu nome.
Rayford Júnior - disse Chloe. - Ela o chamava de Raymie.
-Após a reunião eu a procurei e lhe disse que minha família era o oposto. Todos
eles estavam preocupados por irem para o céu sem mim. Ela me ensinou como
aceitar a Cristo. Eu lhe disse que não estava preparada. Ela me advertiu para não
adiar minha decisão e disse que oraria por mim. Naquela noite minha família
desapareceu enquanto estávamos dormindo. Quase todas as pessoas de nossa
nova igreja desapareceram, inclusive todas as senhoras do estudo bíblico.
Finalmente localizei Bruce e perguntei se ele conhecia Irene Steele.
Rayford e Chloe voltaram para casa um pouco envergonhados de si mesmos. - Foi
bom - disse Rayford. - Estou satisfeito por termos passado aqueles momentos
juntos.
- Eu só não deveria ter agido de modo tão deselegante - disse Chloe. - Apesar de
ter conversado muito pouco com a mamãe, aquela mulher parecia conhecê-la muito
bem.
Durante quase um ano após aquele dia, Rayford viu Amanda White apenas nos
domingos e, de vez em quando, numa reunião no meio da semana, na qual havia a
participação de várias pessoas, além das quatro que compunham o círculo fechado
de estudos bíblicos. Ela era sempre cordial e meiga, porém o que mais
impressionava Rayford era sua humildade. Orava incessantemente pelas pessoas e
trabalhava na igreja o tempo todo. Estudava, aprendia e conversava a respeito de
sua posição em relação a Deus.
Enquanto Rayford a observava à distância, ela passou a chamar cada vez mais sua
atenção. Num domingo, ele disse a Chloe: - Nunca retribuímos o convite de
Amanda White para almoçar conosco.
Você está querendo convidá-la para vir à nossa casa? - perguntou Chloe.
Gostaria de convidá-la para sairmos juntos.
Como assim?
Você ouviu o que eu disse.
Papai! Você está falando em marcar um encontro?
Um encontro de dois casais. Com você e Buck. Chloe riu, e depois desculpou-se
Não há graça nenhuma. Apenas fiquei surpresa.
Não faça um cavalo de batalha por causa disso. Eu só gostaria de convidá-la.
Não faça você um cavalo de batalha por causa disso.
Buck não se surpreendeu quando Chloe lhe contou que seu pai queria marcar um
encontro com Amanda White e eles dois. Eu gostaria de saber quando ele teve
essa idéia. De marcar um encontro? perguntou Chloe.
De marcar um encontro com Amanda White.
Você percebeu alguma coisa? Nunca me disse nada.
Eu não quis correr o risco de você plantar uma idéia na cabeça de seu pai, que não
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tivesse partido dele.
Isso raramente acontece.
De qualquer forma, acho que será bom para ambos disse Buck. Ele precisa de
uma companhia de sua idade e, se algo acontecer depois, melhor ainda.
Por quê?
Porque ele não vai querer ficar sozinho se decidirmos levar a sério o nosso
relacionamento.
Parece que já decidimos disse Chloe, segurando a mão de Buck.
Eu só não sei quando vai ser e em que lugar, depois de tudo o que está
acontecendo.
Buck esperava que Chloe lhe desse uma pista, que estava disposta a acompanhá-lo
a qualquer lugar, que estava preparada para o casamento ou que precisava de um
pouco mais de tempo. O tempo estava se esgotando para eles, mas mesmo assim
Buck hesitou.
Já estou preparada, aguardando por ele - disse Chloe a Rayford. Mas não vou
dizer nem uma palavra.
Por que não? - perguntou Rayford. - Os homens precisam que as mulheres dêem
algum sinal.
Ele já recebeu todos os sinais possíveis.
Então você já pegou na mão dele?
Papai!
Aposto que já o beijou.
Sem comentários.
Para mim isso significa sim.
Conforme eu disse, ele já recebeu todos os sinais possíveis.'
Na verdade, Buck jamais esqueceria a primeira vez que beijou Chloe. Aconteceu na
noite em que ele viajou para Nova York de carro, cerca de um ano antes. Carpathia
adquirira o Semanário e todos os demais meios de comunicação importantes, e
Buck tinha um número cada vez mais reduzido de opções em sua carreira. Ele
poderia tentar escrever clandestinamente via Internet, mas precisava ganhar
dinheiro para sobreviver. E Bruce, que passava cada vez menos tempo na igreja em
razão de seu trabalho de evangelização pelo mundo inteiro, havia incentivado Buck
a permanecer no Semanário Global, mesmo depois que o nome foi mudado para
Semanário Comunidade Global. - Eu gostaria que pudéssemos trocar a palavra
Semanário por Combalido - disse Buck. - [Jogo de palavras Weekly (Semanário)
e Weakly (Combalido), n.t.].
Buck resignara-se a fazer o melhor que podia para o reino de Deus, da mesma
forma que o pai de Chloe. Contudo, ele ainda escondia o fato de ser crente. Sua
liberdade de ação e de expressar opiniões cairia por terra se a verdade fosse
conhecida por Carpathia.
Naquela última noite em Chicago, Buck e Chloe estavam no apartamento dele
empacotando seus objetos pessoais. O plano era partir de carro às nove horas
daquela mesma noite e seguir direto para Nova York de uma só estirada. Enquanto
trabalhavam, eles falaram do quanto detestavam viver afastados, da saudade que
sentiam e combinaram com que freqüência telefonariam e enviariam e-mails um ao
outro.
Eu gostaria que você me acompanhasse disse Buck num determinado
momento.
Ah, sim, seria bom - ela disse.
Algum dia.
Algum dia quando?
Buck não mordeu a isca. Carregou uma caixa até o carro e voltou, passando por
184
Chloe enquanto ela fechava outra caixa com fita adesiva. Lágrimas corriam pelo
rosto dela.
O que foi? - ele perguntou, parando para limpar suas lágrimas com os dedos. -
Não comece a me provocar.
Você nunca sentirá a minha falta como eu sinto a sua - ela disse, tentando
continuar a trabalhar enquanto ele parecia estar indeciso, com a mão no rosto
dela.
- Pare com isso - ele disse em voz baixa. - Olhe para mim.
Chloe passou a fita na caixa, levantou-se e fitou-o. Ele abraçou-a e puxou-a para
perto de si. Ela encostou a cabeça em seu peito, sem abraçá-lo. Eles já haviam se
abraçado antes, caminhado de mãos dadas, e às vezes, de braço dado. Já haviam
manifestado seus sentimentos um para o outro sem mencionar amor. E haviam
concordado que não chorariam nem diriam palavras tristes no momento da partida.
Vamos nos ver com freqüência - ele disse. - Você vai encontrar-se com seu pai
quando ele estiver em Nova York. E eu terei motivos para vir aqui.
Que motivos? O escritório de Chicago está encerrando suas atividades.
Este motivo - ele disse, abraçando-a com força. E ela começou a chorar.
Sinto muito - ela disse. - Vai ser muito difícil para mim.
Eu sei.
Não, não sabe, Buck. Você não pode dizer que gosta de mim tanto quanto eu
gosto de você.
Buck já planejara o primeiro beijo. Numa de suas despedidas à noite, ele
simplesmente encostaria seus lábios nos dela, diria adeus e iria embora sem dizer
mais nada. Ele não queria ver a reação dela ou beijá-la novamente em seguida.
Teria de ser um gesto significativo e especial, porém rápido e simples, algo que eles
pudessem consolidar posteriormente.
Porém agora Buck queria que ela soubesse o que ele sentia. Estava zangado
consigo mesmo por ser um escritor tão talentoso e tão incompetente para dizer
frente a frente o que ela significava para ele.
Buck afastou-se um pouco e segurou o rosto de Chloe. A princípio ela resistiu e
tentou novamente esconder o rosto em seu peito, porém ele a forçou erguer a
cabeça. Nunca mais repita isso - ele disse. - Mas, Buck, é verdade.
Ele abaixou a cabeça até seus olhos ficarem bem perto dos dela. - Você me ouviu?
Nunca mais repita isso. Não chegue a essa conclusão nem pense nisso. Não é
possível que você goste mais de mim do que eu de você. Você é a minha vida. Eu a
amo, Chloe. Você não sabe?
Ele percebeu que ela recuou um pouco ao ouvir sua primeira declaração de amor.
As lágrimas que rolavam em seu rosto pingaram nas mãos dele, e ela começou a
dizer: Como eu poderia...? Mas ele curvou-se e encostou os lábios nos dela,
abafando suas palavras. Desta vez não foi um simples toque de lábios. Ela levantou
os braços, passou-os por volta do pescoço dele e segurou-o firme enquanto se
beijavam.
De repente, ela afastou-se um pouco e murmurou: Será que você só disse isso
porque está partindo e... Mas ele a fez calar novamente com outro beijo.
Alguns momentos depois ele encostou a ponta de seu nariz na ponta do dela e
disse:
Nunca mais duvide de meu amor por você. Prometa.
Mas, Buck...
Prometa.
Prometo. E eu também o amo, Buck
Rayford não sabia ao certo quando o respeito e a admiração que sentia por Amanda
White transformara-se em amor. Gostava cada vez mais dela e adorava sua
185
companhia. Sentiam-se tão descontraídos quando estavam juntos que tocavam um
no outro enquanto conversavam, andavam de mãos dadas, abraçavam-se. Rayford
constatou que a amizade estava se transformando em algo mais sério quando
começou a achar falta de Amanda após ficar fora um único dia, e sentir vontade de
telefonar-lhe sempre que se ausentava por mais tempo.
Na verdade, foi ela quem tomou a iniciativa de beijá-lo. Duas vezes após ele ter
estado fora de Chicago durante vários dias, Amanda cumprimentou-o com um
abraço e um beijo de leve no rosto. Ele gostou, mas ficou embaraçado. Na terceira
vez que ele retornou de outra viagem semelhante, ela simplesmente o abraçou sem
beijá-lo.
O momento que ele escolhera tinha sido perfeito. Rayford decidiu que se desta vez
ela tentasse beijá-lo no rosto, ele a beijaria na boca. Ele havia trazido um presente
para ela de Paris, um colar muito caro. Ao ver que ela não tentou beijá-lo, ele a
abraçou longamente e disse: - Olhe para mim.
Rayford e Amanda sentaram-se lado a lado na sala de espera, enquanto os
passageiros e a tripulação passavam por eles no corredor. Havia um incômodo
braço de poltrona entre os dois. Ambos trajavam roupas grossas, ela com um
casaco de peles e Rayford com o casaco de uniforme sobre o braço. Tirando um
estojo de jóia de um pacote que estava dentro de sua maleta de viagem, ele disse:
- Isto é para você.
Amanda, sabendo onde ele estivera, fez um estardalhaço quando viu o pacote, o
nome da loja o estojo. Finalmente resolveu abri-lo e prendeu a respiração. Era um
colar maravilhoso de ouro com brilhantes. - Rayford! - ela exclamou. Não sei o
que dizer.
Não diga nada. - Ele a tomou nos braços e a beijou. O pacote que estava na mão
dela quase foi esmagado.
Continuo sem saber o que dizer ela prosseguiu, com um brilho nos olhos. Ele a
beijou novamente.
Agora, duas semanas antes de mudar-se para a Nova Babilônia, Rayford falou com
Buck pelo telefone mais vezes do que Chloe. Enquanto ela estava esquentando o
carro, ele esgueirou-se para dar o último telefonema.
Está tudo certo? ele perguntou a Buck.
Tudo. Estarei lá.
Ótimo.
No carro, Rayford perguntou a Chloe: Em que pé está o seu apartamento?
Prometeram que será liberado - ela disse - mas estou um pouco preocupada
porque eles estão me enrolando com a papelada.
Você vai ficar bem aqui, sabendo que estarei morando na Nova Babilônia e Buck
em Nova York?
Não foi minha primeira opção, mas não estou interessada em morar perto de
Carpathia, muito menos no Iraque.
Qual é a opinião de Buck?
Não consegui falar com ele por telefone hoje. Ele deve estar ocupado, trabalhando
em outro lugar. Sei que ele quer encontrar-se com Fitzhugh em Washington o mais
breve possível.
Ah, sim, talvez ele esteja lá.
Chloe parou o carro na loja de roupas em Des Plaines, onde Amanda trabalhava, e
aguardou enquanto Rayford entrou para despedir-se.
Ele está aqui? perguntou Rayford à secretária de Amanda.
Ele está, e ela também está - respondeu a secretária. - Ela está no escritório, e ele
naquela sala ali. - A secretária apontou para uma pequena sala perto da de
Amanda.
- Assim que eu entrar lá, você poderia fazer o favor de correr até o carro e dizer a
186
minha filha que há uma ligação para ela?
Claro.
Rayford bateu na porta e entrou no escritório de Amanda.
Não estou nem um pouco animada hoje, Ray ela disse.
Tentei forçar um sorriso o dia todo, mas não consegui.
Talvez eu saiba como fazer você sorrir ele disse, levantando-a da cadeira e
beijando-a.
Você sabe que Buck está aqui? ela perguntou.
Sei. Será uma bela surpresa para Chloe.
Você vai fazer-me uma surpresa como esta algum dia?
Talvez eu lhe faça uma surpresa neste momento ele disse. Você está
gostando de seu trabalho?
Detesto-o. Eu o abandonaria imediatamente se o homem que eu amo me pedisse
para acompanhá-lo.
Ele acabou de chegar disse Rayford, retirando uma pequena caixa do bolso do
paletó e encostando-a nas costas de Amanda.
Ela levou um susto. - O que é isto?
O quê? Isto? Não sei. Por que você não me diz o que é?
Buck ouviu a voz de Rayford e sabia que Chloe não demoraria a chegar. Apagou a
luz e voltou a sentar-se na cadeira atrás da mesa. Dentro de alguns minutos ele
ouviu a voz de Chloe. Aqui? ela perguntou.
Sim, senhora disse a secretária. Linha um.
A porta abriu-se lentamente, e Chloe acendeu a luz, dando um pulo ao deparar-se
com Buck. Gritou e correu até ele. Assim que ele se levantou, ela atirou-se em seus
braços e ele a abraçou, rodando-a no ar.
Silêncio! ele disse. Aqui é um estabelecimento comercial!
O papai sabia disto? Claro que sim! Ele tinha de saber.
Ele sabia respondeu Buck. Surpresa?
Claro! O que você está fazendo nesta cidade? Quanto tempo vai ficar? O que
vamos fazer?
Vim só para vê-la. Parto hoje à noite para Washington. Vamos jantar depois de
deixarmos seu pai no aeroporto.
Então você veio só para me ver.
Eu lhe disse há muito tempo para nunca duvidar de meu amor por você.
Eu sei.
Ele virou-se, sentou-a na cadeira, ajoelhou-se diante dela e tirou uma caixa de
alianças do bolso.
Oh, Ray! - disse Amanda, olhando para a aliança em seu dedo. - Eu o amo. E
adorarei ser sua durante os poucos anos que ainda nos restam.
Há uma outra coisa ele disse.
O quê?
Buck e eu já conversamos. Neste momento ele está na sala ao lado, pedindo Chloe
em casamento, e gostaríamos de saber se vocês duas aceitariam uma cerimônia
dupla oficiada por Bruce.
Rayford aguardou a reação de Amanda. Ela e Chloe eram amigas, mas não íntimas.
Seria maravilhoso! Mas Chloe poderá não gostar, portanto é melhor deixar a
critério dela para não haver ressentimentos. Se ela preferir uma cerimônia
individual, tudo bem. Mas eu adorei a idéia. Quando?
Na véspera do dia em que fecharmos a casa. Você dá duas semanas de aviso
prévio e muda-se comigo para a Nova Babilônia.
Rayford Steele! ela disse. Você demora um pouco para esquentar, mas ferve
rapidamente. Vou escrever minha carta de demissão antes que seu avião levante
187
vôo.
Você entendeu por que a papelada do apartamento nunca ficou pronta?
perguntou Buck.
Chloe assentiu.
Porque o negócio não seria fechado. Se você me aceitar como marido, quero que
se mude comigo para Nova York.
Rayford - disse Amanda. - Nunca pensei que seria feliz novamente. Mas sou.
Uma cerimônia dupla? perguntou Chloe limpando as lágrimas. Eu adoraria.
Mas você acha que Amanda concordaria?
188
DEZENOVE
Algo muito importante estava sendo tramado. Buck foi encontrar-se com o
presidente norte-americano Gerald Fitzhugh em uma reunião secreta. O presidente
transformara-se em uma figura trágica, reduzido a uma simples peça decorativa.
Depois de ter sido útil a seu país por quase dois mandatos na presidência, agora
estava relegado a uma suíte no Edifício do Poder Executivo e perdera a maior parte
da pompa a que tinha direito como presidente. Seu Serviço Secreto atual consistia
de três homens, financiados pela Comunidade Global, que se revezavam a cada
vinte e quatro horas.
Buck encontrou-se com Fitzhugh logo após ter pedido Chloe em casamento, duas
semanas antes da cerimônia. O presidente queixou-se de que seus guarda-costas
estavam ali só para que Carpathia tomasse conhecimento de todos os seus
movimentos. Porém, na mente de Fitzhugh, o fato mais desolador era o povo
norte-americano ter aceitado o rebaixamento do presidente com tanta facilidade.
Todos estavam fascinados por Carpathia e não davam importância a mais ninguém.
Fitzhugh levou Buck até uma sala onde seu Serviço Secreto não poderia ouvir a
conversa. Fitzhugh contou a Buck que havia uma rebelião prestes a eclodir. Pelo
menos dois outros chefes de estado acreditavam que chegara a hora de quebrar os
grilhões que os prendiam à Comunidade Global. -Estou arriscando minha vida ao
contar isto a um empregado de Carpathia - disse Fitzhugh.
Ora, todos nós somos empregados de Carpathia disse Buck.
Fitzhugh confidenciou a Buck que o Egito, a Inglaterra e as forças militares
patrióticas dos Estados Unidos estavam determinados a tomar uma atitude "antes
que fosse tarde demais".
O que isso significa? perguntou Buck.
Significa logo - respondeu Fitzhugh. - Significa permanecer longe das principais
cidades da costa leste.
Nova York? Washington? perguntou Buck, e Fitzhugh assentiu.
Principalmente Washington.
Não vai ser fácil disse Buck. Minha noiva e eu vamos morar em Nova York
depois que nos casarmos.
Não por muito tempo.
O senhor tem idéia de quando será?
Isso eu não posso contar. Digamos que eu devo estar de volta ao Salão Oval
dentro de uns dois meses.
Buck queria desesperadamente dizer que Fitzhugh estava sendo um joguete nas
mãos de Carpathia. Tudo isso já estava escrito. A rebelião contra o Anticristo seria
subjugada e daria início à Terceira Guerra Mundial, que acarretaria fome e pragas
em todo o planeta e a exterminação de um quarto da população mundial.
A cerimônia dupla de casamento no escritório de Bruce, realizada duas semanas
depois, foi a mais particular possível, contando com a presença de apenas cinco
pessoas - os dois casais e o pastor. Bruce Barnes encerrou a cerimônia
agradecendo a Deus todos os sorrisos, abraços, beijos e a oração.
Buck perguntou se podia conhecer o abrigo subterrâneo que Bruce construíra. - Ele
estava começando a ser construído quando me mudei para Nova York - disse Buck.
- É o local mais secreto da igreja - disse Bruce enquanto eles passavam pela sala
da caldeira e depois pela porta secreta.
189
Você não quer que os membros da igreja façam uso dele? perguntou Buck.
Você vai ver como ele é pequeno disse Bruce. Estou incentivando as famílias
a construírem seus próprios abrigos subterrâneos. Seria o caos se todo o pessoal da
igreja viesse para cá num momento de perigo.
Buck surpreendeu-se com o tamanho reduzido do abrigo, mas aparentemente ele
continha material de sobrevivência suficiente para algumas semanas. O Comando
Tribulação não era composto de pessoas que permaneceriam escondidas por muito
tempo.
Os cinco ajuntaram-se para comparar as programações e discutir quando seria o
nay_loka2008@hotmail.compróximo encontro. Carpathia tinha engendrado um programa minucioso para as
próximas seis semanas. Nesse programa, Rayford seria seu piloto numa viagem
pelo mundo inteiro, terminando em Washington. Em seguida, Rayford teria alguns
dias de folga antes de voltar para a Nova Babilônia. - Nesse período, Amanda e eu
poderemos sair de Washington e vir para cá - ele disse.
Buck disse que ele e Chloe também voltariam para Chicago nessa mesma época.
Bruce estaria de volta de uma viagem pela Austrália e Indonésia. Eles marcaram o
encontro para as quatro horas da tarde, seis semanas depois. Teriam um estudo
bíblico intensivo de duas horas no escritório de Bruce e depois sairiam para jantar
em um restaurante qualquer.
Antes de partirem, fizeram um círculo de mãos dadas e oraram mais uma vez.
Pai sussurrou Bruce nós te agradecemos este breve momento de alegria
quando o mundo está à beira de um desastre, e suplicamos tua bênção e proteção
sobre todos nós até o momento de nos encontrarmos aqui novamente. Que os
nossos corações estejam unidos como irmãos e irmãs em Cristo durante nossa
separação.
Nicolae Carpathia pareceu emocionar-se ao saber do casamento de Rayford e
insistiu em conhecer sua nova esposa. No momento da apresentação, Carpathia
cumprimentou-a segurando as duas mãos dela, e conduziu o casal até seus
magníficos escritórios, que ocupavam o último andar inteiro da sede da
Comunidade Global na Nova Babilônia. A suíte também incluía salas de conferência,
aposentos particulares e um elevador até o heliporto. Dali, um dos integrantes da
tripulação de Rayford poderia transportar o potentado até a nova pista de pouso.
Rayford percebeu que o coração de Amanda batia na garganta. Ela falou pouco e
deu um sorriso forçado. Seu encontro com o homem mais maligno da face da terra
era uma experiência totalmente nova, embora ela tivesse dito a Rayford que
conhecia alguns atacadistas de confecções que se enquadravam nessa categoria.
Após algumas brincadeiras bem-humoradas, Nicolae aprovou imediatamente o
pedido de Rayford para que Amanda os acompanhasse na próxima viagem aos
Estados Unidos para visitar a filha dele e seu novo genro. Rayford não disse quem
era o seu genro nem mencionou que os recém-casados estavam morando em Nova
York. Disse apenas que ele e Amanda visitariam o casal em Chicago, o que era
verdade.
- Ficarei em Washington por quatro dias, no mínimo - disse Carpathia. - Aproveitem
esse tempo da melhor maneira que puderem. E agora eu tenho uma novidade para
você e sua esposa. - Carpathia retirou um pequenino controle remoto do bolso e
apontou-o para o interfone sobre sua mesa, do outro lado da sala. - Querida, você
poderia vir até aqui, por favor?
Querida? pensou Rayford. Já nem fingem mais. Hattie Durham bateu na porta e
entrou. - Sim, meu bem? - ela disse. Rayford sentiu-se enojado.
Carpathia foi ao encontro de Hattie e abraçou-a delicadamente como se ela fosse
uma boneca de porcelana. Hattie virou-se para Rayford. - muito feliz por você e
Amélia - ela disse.
190
- Amanda - corrigiu Rayford, observando o corpo de sua mulher enrijecer. Ele
contara a Amanda tudo sobre Hattie Durham, e aparentemente as duas nunca
seriam almas gêmeas.
- Também temos um comunicado a fazer disse Carpathia. Hattie vai demitirse
da Comunidade Global para aguardar a chegada de nosso bebê.
Carpathia estava radiante, esperando uma reação de alegria por parte de Rayford e
Amanda. Rayford fez o que pôde para não deixar transparecer sua repulsa. - Um
bebê? - ele disse- Quando será o grande dia?
- Acabamos de saber da novidade - disse Nicolae, piscando para Rayford.
- Bem, é uma novidade importante - disse Rayford.
- Eu não sabia que vocês eram casados - disse Amanda docemente. Rayford
esforçou-se para manter a compostura. Amanda sabia muito bem que eles não
eram casados.
- Oh, em breve seremos disse Hattie, radiante. Ele ainda vai fazer de mim
uma mulher honesta.
Chloe ficou desolada quando leu o e-mail de seu pai sobre Hattie. Buck,
fracassamos com aquela mulher. Todos nós fracassamos com ela.
E eu não sei? - disse Buck. Eu a apresentei a ele.
Mas eu a conheço e sei que ela conhece a verdade. Eu estava junto quando papai
contou sua história a você, e ela também estava ao redor daquela mesa. Ele
tentou, mas precisamos fazer mais do que tentar. Precisamos conversar com ela de
alguma maneira.
E deixá-la saber que sou crente, como seu pai? Para Nicolae, parece que o fato de
seu piloto ser cristão não faz nenhuma diferença, mas você pode imaginar por
quanto tempo eu ainda trabalharia como editor de sua revista se ele soubesse
quem sou?
Num destes dias temos de falar com Hattie, mesmo que isso signifique uma
viagem nossa a Nova Babilônia.
O que você pretende fazer, Chloe? Dizer-lhe que ela está carregando no ventre o
filho do Anticristo e que deve abandoná-lo?
Talvez a solução seja essa.
De pé atrás de Chloe e olhando por cima de seus ombros, Buck lia o que ela
digitava em resposta ao e-mail de Rayford e Amanda. Os dois casais haviam
combinado escrever as mensagens sem mencionar nomes. "Existe alguma
possibilidade", escreveu Chloe, "de que ela o acompanhe em sua próxima viagem à
capital?"
"Nenhuma", foi a resposta recebida no dia seguinte em razão da diferença de fuso
horário. A Nova Babilônia estava sete horas na frente.
Algum dia, de uma forma ou outra - disse Chloe a Buck. - E antes do nascimento
do bebê.
Para Rayford, foi difícil entender a incrível mudança ocorrida na Nova Babilônia
desde a primeira vez que a visitara logo após a assinatura do tratado em Israel.
Atribuiu essa mudança a Carpathia e a sua montanha de dinheiro. Das ruínas,
surgira uma magnífica cidade, a capital do mundo, que agora fervilhava em matéria
de comércio, indústria e transporte. O centro da atividade mundial estava se
mudando para o leste, e a terra natal de Rayford parecia destinada a tornar-se
obsoleta.
Uma semana antes de Rayford e Amanda voarem para Washington junto com
Nicolae e sua delegação, Rayford enviou um e-mail para Bruce na Igreja Nova
Esperança, dando-lhe as boas-vindas por seu regresso e fazendo algumas
perguntas.
191
Há algumas coisas, ou melhor, muitas, que ainda me intrigam quanto ao futuro.
Você poderia nos explicar o quinto e o sétimo?
Rayford não mencionou a palavra selos para não ser detectada por algum intruso.
Bruce entenderia o que ele queria dizer.
O segundo, o terceiro, o quarto e o sexto dispensam explicações, mas ainda tenho
dúvidas quanto ao quinto e ao sétimo. Estamos com saudade de você. "A" está lhe
mandando um abraço.
Buck e Chloe já estavam instalados na linda cobertura de Buck na Quinta Avenida,
porém a alegria que um casal em lua-de-mel normalmente deveria sentir por estar
morando em um lugar como aquele não existia para eles. Chloe continuava com
suas pesquisas e estudos pela Internet, e ela e Buck mantinham contato diário com
Bruce via e-mail. Bruce escreveu queixando-se de solidão e da falta que sentia cada
vez mais de sua família, mas estava feliz por saber que seus quatro amigos haviam
encontrado amor e companhia. Todos eles mencionaram que aguardavam
ansiosamente o grande momento de estarem juntos novamente na próxima
reunião.
Buck estava orando e pedindo a orientação de Deus para saber se devia contar a
Chloe o alerta que ouvira do presidente Fitzhugh sobre Nova York e Washington.
Fitzhugh estava bem assessorado e recebia informações de fontes fidedignas, mas
Buck não podia passar a vida inteira fugindo do perigo. A vida era arriscada
naqueles dias, e a guerra e a destruição poderiam irromper em qualquer lugar. Seu
trabalho o havia levado a visitar os locais mais perigosos e arriscados do mundo.
Ele não queria pôr a vida de sua esposa em jogo por negligência ou tolice, mas
todos os membros do Comando Tribulação conheciam os riscos que corriam.
Rayford sentiu-se agradecido por Chloe ter passado a conhecer melhor Amanda por
e-mail. Quando Rayford e Amanda começaram a sair juntos, ele havia
monopolizado a maior parte do tempo dela e, embora as duas demonstrassem
gostar uma da outra, não tinham outros vínculos, exceto o fato de serem crentes.
Agora, com a comunicação diária, Amanda estava ampliando seus conhecimentos
sobre a Bíblia com a ajuda de Chloe, que lhe repassava tudo o que estava
estudando.
Por intermédio de Bruce e Chloe, Rayford encontrou as respostas que queria sobre
o quinto e o sétimo selos. Não eram notícias agradáveis, mas ele não esperava
nada diferente. O quinto selo referia-se ao martírio que os santos da Tribulação
sofreriam. Dentro de um pacote seguro, remetido pelo correio, Bruce enviou a
Chloe - que o repassou a Rayford - seu estudo criterioso e explicações do trecho
extraído do Apocalipse que se referia ao quinto selo.
João vê debaixo do altar as almas daqueles que tinham sido mortos por causa da
Palavra de Deus e por causa do testemunho que sustentavam. Eles perguntam a
Deus até quando demoraria seu julgamento e sua vingança pela morte deles. O
Senhor lhes dá uma vestidura branca e diz que antes disso alguns de seus servos e
irmãos também serão martirizados. Portanto, o quinto Selo do Julgamento custa a
vida do povo que se converteu após o Arrebatamento. Isso pode incluir qualquer
um de nós ou todos nós. Digo perante Deus que eu consideraria um privilégio dar
minha vida por meu Deus e Salvador.
A explicação de Bruce sobre o sétimo selo deixou claro que ele ainda era um
mistério, mesmo para ele.
O sétimo selo é tão terrível que, quando for revelado no céu, haverá silêncio por
meia hora. Parece ser uma continuação do sexto selo, o maior terremoto da
história, e tem a finalidade de iniciar os sete Julgamentos das Trombetas, que
evidentemente tornam-se cada vez piores do que os Julgamentos dos Selos.
Amanda tentou resumir as explicações para Rayford: "Vamos enfrentar uma guerra
192
mundial, fome, pragas, morte, o martírio dos santos, um terremoto e, depois, um
silêncio no céu, preparando o mundo para os próximos sete julgamentos."
Rayford balançou a cabeça e olhou para baixo. - Bruce vem nos alertando sobre
isso o tempo todo. Há momentos em que penso que estou preparado para qualquer
coisa, mas há outros em que desejo que o fim chegue logo.
Este é o preço que devemos pagar - ela disse - por não termos levado em
consideração as advertências quando ainda era tempo. Você e eu fomos alertados
pela mesma mulher.
Rayford assentiu.
Olhe aqui - disse Amanda. - A última linha da mensagem de Bruce diz o seguinte:
"Consultem seu e-mail na segunda-feira à meia-noite. Para que vocês não fiquem
tão deprimidos como eu, estou enviando um versículo para confortar seus
corações.
Bruce enviara o versículo de modo que os dois casais pudessem lê-lo antes de
viajarem para Chicago a fim de encontrar-se com ele. O versículo era o seguinte:
"Aquele que habita no esconderijo do Altíssimo, descansará à sombra do
Onipotente."
Rayford remexeu-se na poltrona do piloto, ansioso para conversar com Amanda e
saber como ela estava se sentindo no cansativo vôo sem escalas da Nova Babilônia
até o Aeroporto Internacional Dulles. Durante a viagem, ela estava passando a
maior parte do tempo nos aposentos particulares de Rayford, localizados atrás da
cabina, porém havia conversado bastante com o resto da delegação para não
parecer rude. Rayford sabia que aquelas conversas não tinham nenhum conteúdo.
Alguém já havia feito perguntas a Amanda sobre o negócio de
importação/exportação que ela estava iniciando, mas de repente o clima que
reinava dentro do Global Community One pareceu mudar. Num dos poucos
intervalos para descanso que Rayford tinha passado ao lado de Amanda, ela disse:
- Alguma coisa está acontecendo. Alguém está passando informações a Carpathia
pelo computador. Ele as analisa, franze a testa e convoca reuniões acaloradas.
Hum! - disse Rayford. - Pode ser alguma coisa ou pode não ser nada.
Amanda deu um sorriso desconfiado. Não duvide de minha intuição.
Já sei disso.
Buck e Chloe chegaram a Chicago na noite anterior ao dia do encontro programado
pelos membros do Comando Tribulação. Hospedaram-se no Drake Hotel e
telefonaram para a Igreja Nova Esperança. Deixaram um recado para Bruce,
dizendo que haviam chegado e que se encontrariam com ele às quatro horas da
tarde do dia seguinte. Por intermédio dos e-mails enviados por Bruce, Buck e Chloe
sabiam que ele regressara de sua viagem à Austrália e Indonésia, mas dali em
diante não haviam recebido nenhuma outra notícia.
Buck e Chloe também haviam enviado um e-mail para Bruce contando que Rayford
e Amanda almoçariam no Drake Hotel no dia seguinte, e à tarde os quatro
viajariam juntos para Monte Prospect. Ficaríamos muito contentes se você pudesse
almoçar conosco no Cape Cod Room, escrevera Buck.
Cerca de duas horas depois, enquanto eles ainda aguardavam resposta por e-mail
ou por telefone, Chloe disse: O que você está achando disto?
Acho que ele vai fazer uma surpresa e almoçar conosco amanhã.
Espero que você esteja certo.
Você pode ter certeza.
Então não será uma surpresa, não é mesmo?
O telefone tocou. - Acabou a surpresa - disse Buck. Deve ser ele. Mas não era.
Rayford havia acendido o luminoso com os dizeres Apertem os cintos. Faltavam
193
cinco minutos para a aeronave pousar em Dulles, quando ele recebeu uma
mensagem através dos fones de ouvido de um dos engenheiros de comunicação de
Carpathia. - O potentado quer conversar com você.
- Agora? Já estamos chegando.
- Vou perguntar a ele - Alguns segundos depois, o engenheiro voltou a falar. A
conversa vai ser na cabina, só com você, depois que os motores forem desligados.
- Há uma lista de equipamentos que devo verificar após o vôo junto com o co-piloto
e o navegador.
- Aguarde um momento! disse o engenheiro, demonstrando irritação na voz. Em
seguida, voltou a falar: - Depois de desligar os motores, dispense os dois e faça as
verificações após a reunião com o potentado.
- De acordo - murmurou Rayford.
- Se você reconhecer minha voz e quiser conversar comigo, ligue para este telefone
público e faça a chamada também de um telefone público.
- Entendido - disse Buck, desligando o telefone e virando-se para Chloe. - Preciso
sair por alguns minutos.
- Por quê? Quem era?
- Gerald Fitzhugh.
- Obrigado, cavalheiros, e perdoem minha intromissão - disse Carpathia enquanto
passava pelo co-piloto e o navegador, entrando na cabina. Rayford sabia que os
dois estavam tão aborrecidos quanto ele pela quebra dos procedimentos após o
vôo, mas era Carpathia quem mandava. Ele era o chefe.
Carpathia acomodou-se na poltrona do co-piloto. Rayford imaginou que além de
todos outros dons de Carpathia, provavelmente ele também saberia pilotar um
avião a jato numa tarde.
- Capitão, achei necessário levar um assunto confidencial ao seu conhecimento.
Nosso serviço secreto descobriu uma conspiração e estamos sendo forçados a
divulgar um falso itinerário para mim nos Estados Unidos. - Rayford assentiu e
Carpathia continuou. - Suspeitamos de um envolvimento por parte do exército e
até mesmo de um conluio entre as facções norte-americanas descontentes e pelo
menos dois outros países. Para maior segurança, estamos confundindo nossas
comunicações via rádio e transmitindo notícias conflitantes à imprensa sobre meu
itinerário.
- Isso me parece um plano disse Rayford.
- A maioria das pessoas pensa que estarei em Washington por no mínimo quatro
dias, mas agora estamos comunicando que nos próximos três dias também estarei
em Chicago, Nova York, Boston e talvez até em Los Angeles.
- Quer dizer que minhas curtas férias irão por água abaixo? - perguntou Rayford.
- Ao contrário. Mas vou precisar de você a qualquer momento.
- Vou mantê-lo informado sobre os locais onde poderei ser encontrado.
- Eu gostaria que você conduzisse o avião até Chicago e conseguisse um piloto em
quem confia para conduzi-lo a Nova York no mesmo dia.
- Conheço a pessoa certa disse Rayford.
- Vou chegar a Nova York de um jeito ou de outro, e poderemos sair do país de lá.
Estamos apenas tentando confundir os conspiradores.
- Ei disse Buck quando o presidente Fitzhugh atendeu após o primeiro toque.
Sou eu.
- Estou contente por você não estar em casa disse Fitzhugh.
- O senhor pode dizer-me alguma coisa mais?
- Só posso dizer que é bom você não estar em casa.
194
- Entendido. Quando posso voltar para casa?
- Isso pode ser problemático, mas você saberá antes de voltar para lá. Há quanto
tempo você está longe de casa?
- Quatro dias.
- Perfeito. Clique.
- Alô! Sra. Halliday?
- Sim. Quem é...?
- É Rayford Steele ligando para Earl, mas por favor não lhe diga que sou eu. Tenho
uma surpresa para ele.
Na manhã seguinte Buck recebeu uma ligação de uma das senhoras que
trabalhavam no escritório da Igreja Nova Esperança. Estamos um pouco
preocupadas com o pastor Barnes ela disse.
- Senhora?
- Ele queria fazer uma surpresa. Ia até lá para almoçar com vocês.
- Era o que estávamos pensando.
- Mas ele pegou uma espécie de virose na Indonésia e tivemos de levá-lo para o
pronto-socorro. Ele não queria que contássemos a ninguém, porque tinha certeza
de que era uma coisa simples e que ainda daria tempo de almoçar com vocês. Mas
ele entrou em coma.
- Em coma!?
- Como eu disse, estamos um pouco preocupadas com ele.
- Assim que os Steeles chegarem, vamos vê-lo. Onde ele está?
- No Hospital da Comunidade Noroeste em Arlington Heights.
- Descobriremos onde fica disse Buck.
Rayford e Amanda encontraram-se com Earl Halliday em O'Hare às dez horas
daquela manhã. - Nunca me esquecerei disto, Ray - disse Earl. - Quero dizer, não
estarei transportando o potentado nem o presidente, mas posso fingir que estou
transportando um dos dois.
- Eles estão aguardando por você em Kennedy - disse Rayford. - Vou telefonar-lhe
mais tarde para saber se você gostou de pilotar a aeronave.
Rayford alugou um carro e Amanda respondeu a uma mensagem de Chloe. - Temos
de buscá-los e ir direto para Arlington Heights.
- Por quê? O que houve?
Quando Rayford e Amanda chegaram, Buck e Chloe estavam aguardando na
calçada em frente ao Drake. Depois de se abraçarem rapidamente, entraram no
carro. - O Hospital da Comunidade Noroeste fica no centro da cidade, correto, Chio?
perguntou Rayford.
- Correto. Vamos rápido.
Apesar de sua preocupação com Bruce, Rayford sentiu um certo conforto. Voltara a
ter uma família de quatro pessoas, mesmo com uma nova esposa e um novo genro.
Eles conversaram sobre a situação de Bruce e contaram as novidades. Apesar de
saberem que atravessavam um tempo de grande perigo, resolveram simplesmente
apreciar o momento de estarem juntos novamente.
Sentado no banco traseiro perto de Chloe, Buck limitava-se a ouvir a conversa.
Como era bom estar ao lado de pessoas com quem ele tinha afinidades, pessoas
que se amavam, preocupavam-se e respeitavam-se mutuamente. Ele não queria
sequer pensar em sua família de mente bitolada. Algum dia, talvez, ele convenceria
seus familiares de que eles não eram os cristãos que pensavam ser. Se fossem, não
teriam sido deixados para trás, como ele.
Chloe encostou-se em Buck e segurou a mão dele. Buck estava agradecido por ela
195
ser tão despreocupada, tão sincera em sua devoção a ele. Chloe era a maior dádiva
que Deus podia ter-lhe concedido depois de ser salvo.
- O que aconteceu? - ele ouviu Rayford dizer. - Tudo estava indo tão bem.
Rayford começou a procurar uma saída para a estrada de Arlington Heights a
noroeste de Tollway. Chloe lhe dissera que o Hospital da Comunidade Noroeste
ficava perto dali. Mas agora a polícia municipal e estadual e um grupo de
pacificadores da Comunidade Global estavam dirigindo o trânsito caótico e
bloqueando as saídas da estrada. Os carros não andavam.
Depois de alguns minutos, eles conseguiram avançar um pouco. Rayford abriu o
vidro e perguntou a um policial o que estava acontecendo.
- Por onde você tem andado, camarada? Não pare, siga em frente.
- O que ele estava dizendo? - perguntou Amanda, ligando o rádio. - Quais são as
emissoras que dão notícias, Chloe?
Chloe afastou-se de Buck e inclinou-se para frente. Ligue na AM e tente 1, 2 e 3
ela disse. - Uma dessas deve ser a WGN ou a MAQ.
Eles pararam novamente. Desta vez havia um pacificador da Comunidade Global
bem perto da janela de Buck. Buck abaixou o vidro e exibiu sua credencial do
Semanário Comunidade Global. - Que confusão é esta?
- A milícia apossou-se de uma antiga base Nike para armazenar armas
contrabandeadas. Depois do ataque em Washington, nosso pessoal expulsou a
milícia de lá.
- Ataque em Washington? - disse Rayford, esticando o pescoço para falar com um
policial. - Washington, D.C.?
- Não pare, siga em frente - disse o policial. - Se você precisar voltar por esta pista
saia na Rota 53 e tente as rodovias marginais, mas não queira chegar perto
daquela velha base Nike.
Rayford continuou a dirigir o carro. No caminho, ele e Buck fizeram perguntas a
cada policial enquanto Amanda procurava sintonizar uma emissora local. Todas as
que ela encontrava levavam ao ar o som do Sistema Transmissor de Emergência.
Ligue no rastreador sintonizador automático - sugeriu Chloe. Finalmente o rádio
sintonizou uma emissora da EBS, e Amanda travou o botão.
Um correspondente de rádio da CNN/Rede Comunidade Global estava transmitindo
ao vivo dos arredores de Washington, D.C. "O destino do potentado da Comunidade
Global, Nicolae Carpathia, permanece desconhecido até esta hora, enquanto
Washington encontra-se em ruínas ele disse. "O ataque em massa partiu da
milícia da costa leste, com a ajuda da União das Nações Britânicas e do antigo
estado soberano do Egito, agora parte do Estado Democrático do Oriente Médio. O
potentado Carpathia chegou aqui ontem à noite e deveria ter permanecido na suíte
presidencial do Capital Noir, porém há testemunhas dizendo que aquele luxuoso
hotel desabou nesta manhã. As forças pacificadoras da Comunidade Global
imediatamente revidaram, destruindo um antigo centro Nike na região suburbana
de Chicago. Notícias vindas de lá dão conta de que há milhares de mortos e feridos
civis na periferia, e que um gigantesco congestionamento de trânsito está
dificultando a chegada do socorro."
- Oh, bendito Deus! orou Amanda.
"Outros ataques de que temos conhecimento neste momento", prosseguia o
repórter, "incluem uma incursão das forças de infantaria egípcias em direção ao
Iraque com a finalidade evidente de sitiar a Nova Babilônia. Esse plano foi
rapidamente debelado pelas forças aéreas da Comunidade Global, que agora estão
avançando sobre a Inglaterra. Isso talvez seja uma retaliação contra a Inglaterra
por ela estar tomando parte na ação da milícia norte-americana contra Washington.
Por favor, continuem conosco. Ah, aguardem... o potentado Carpathia está salvo!
Ele vai falar à nação por intermédio do rádio. Ficaremos à espera aqui e
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transmitiremos seu pronunciamento assim que recebermos o sinal."
- Precisamos chegar até Bruce - disse Chloe, enquanto Rayford avançava
lentamente. - Todos estão pegando a 53 norte, papai. É melhor irmos para o sul e
fazer o retorno.
"Dentro de alguns momentos o potentado Carpathia estará falando à nação", disse
o repórter. "Aparentemente a Rede Comunidade Global está tomando providências
para que sua transmissão não possa ser rastreada. Enquanto isso, ouçam esta
notícia de Chicago sobre o ataque à antiga base Nike: Parece ter sido uma
retaliação. O serviço secreto da Comunidade Global descobriu hoje um golpe para
destruir o avião do potentado Carpathia, que poderia ou não estar viajando nele
quando partiu para O'Hare Internacional esta manhã. O avião está no ar, com
destino ignorado, embora as forças da Comunidade Global estejam reunidas em
Nova York."
Amanda segurou com força o braço de Rayford. - Poderíamos ter morrido!
Quando Rayford falou, Buck pensou que ele ia sucumbir. - Só espero não ter
conseguido realizar o sonho de Earl enviando-o para a morte - ele disse.
- Você quer que eu dirija o carro? - perguntou Buck.
- Não, estou bem.
O locutor prosseguia: "Estamos à espera de um pronunciamento mentiroso, perdão,
um pronunciamento ao vivo [Os autores jogam com as palavras lie (mentira) e live
(ao vivo), n.t.] do potentado da Comunidade Global, Nicolae Carpathia..."
- Pela primeira vez ele falou uma coisa certa disse Chloe.
"...Enquanto aguardamos, ouçam esta notícia procedente de Chicago. Os portavozes
das forças pacificadoras da Comunidade Global dizem que a destruição da
antiga base Nike foi levada a efeito sem o uso de armas nucleares. Apesar de
lamentarem o grande número de mortes de civis na periferia, eles emitiram o
seguinte pronunciamento: 'As morte devem ser creditadas ao movimento de
resistência da milícia. Forças militares subversivas são ilegais, e a insensatez de
armazenar armas numa área civil explodiu literalmente na cara deles.' Não há,
repetimos, não há perigo de precipitação radioativa na região de Chicago, mas as
forças pacificadoras não estão permitindo o tráfego de automóveis perto da área
destruída. Por favor, ouçam agora o pronunciamento ao vivo do potentado Nicolae
Carpathia."
Finalmente Rayford conseguiu encontrar uma saída em direção ao sul na Rota 53.
Fez um retorno passando por uma área restrita apenas a veículos autorizados e
seguiu para o norte rumo a Rolling Meadows.
"Leais cidadãos da Comunidade Global", soou a voz de Carpathia, "dirijo-me a
vocês neste dia com o coração quebrantado, sem ao menos poder dizer-lhes de
onde estou falando. Temos trabalhado há mais de um ano para congregar esta
Comunidade Global sob a bandeira da paz e da harmonia. Hoje, lamentavelmente,
soubemos outra vez que ainda existem pessoas entre nós que desejam a nossa
desunião. Não é segredo que sou, tenho sido e sempre serei um pacifista. Não
acredito em guerra. Não acredito em armamentos. Não acredito em derramamento
de sangue. Por outro lado, sinto-me responsável por você, meu irmão ou minha
irmã desta aldeia global. As forças pacificadoras da Comunidade Global já
subjugaram a resistência. Lamento muito a morte de civis inocentes, mas prometo
solenemente que todos os inimigos da paz terão julgamento imediato. A bela
capital dos Estados Unidos da América do Norte foi devastada e vocês ouvirão mais
notícias de destruição e morte. Nosso objetivo continua sendo a paz e a
reconstrução. Estarei de volta aos escritórios da Nova Babilônia no devido tempo e
me comunicarei com vocês com freqüência. Acima de tudo, não tenham medo.
Confiem que nenhuma ameaça à tranqüilidade mundial será tolerada. Nenhum
inimigo da paz sobreviverá."
197
Enquanto Rayford procurava um caminho que o levasse próximo ao Hospital da
Comunidade Noroeste, o correspondente da CNN/Rede Comunidade Global voltou a
falar. "Uma notícia de última hora: As forças militares da Comunidade Anti-Global
ameaçaram dar início a uma guerra nuclear sobre Nova York, principalmente sobre
o Aeroporto Internacional Kennedy. Os civis estão fugindo daquela área e causando
um dos piores congestionamentos de tráfego e de pedestres da história de Nova
York. As forças pacificadoras dizem que têm condições e tecnologia para interceptar
mísseis, mas estão preocupadas com os danos que serão causados às áreas mais
afastadas. E agora uma notícia de Londres: Uma bomba de cem megatons destruiu
o aeroporto de Heathrow, e a precipitação radioativa ameaça a população que vive
a um raio de alguns quilômetros de distância. Aparentemente a bomba foi atirada
pelas forças pacificadoras após a descoberta de um contrabando de bombardeiros
egípcios e ingleses que estavam agrupados numa pista aérea militar perto de
Heathrow. As notícias dão conta de que os navios de guerra, que foram abatidos
pelo ar, estavam equipados com armamentos nucleares e a caminho de Bagdá e da
Nova Babilônia.
- É o fim do mundo murmurou Chloe. - Que Deus nos ajude.
- Talvez fosse melhor tentarmos chegar à Igreja Nova Esperança - sugeriu Amanda.
- Não antes de sabermos como Bruce está - disse Rayford. Ele perguntou aos
assustados transeuntes se seria possível chegar a pé ao Hospital da Comunidade
Noroeste.
- É possível - disse uma mulher. - Ele fica logo depois daquele campo, naquela
elevação. Mas não sei se vocês vão conseguir chegar perto do que restou dele.
- O hospital foi atingido?
- Se foi atingido? Senhor, ele fica perto da estrada e do outro lado da rua da antiga
base Nike. Quase todos acham que ele foi atingido em primeiro lugar.
- Eu vou até lá - disse Rayford.
- Eu também - disse Buck.
- Todos nós vamos - insistiu Chloe, mas Rayford levantou a mão.
- Todos nós, não. Vai ser difícil demais para um de nós passar pela segurança. Buck
ou eu poderemos passar com mais facilidade por termos credenciais da
Comunidade Global. Penso que um de nós dois deve ir, e o outro ficará aqui com
vocês duas. Temos de estar com alguém que nos livre das formalidades, se for
necessário.
- Eu quero ir - disse Buck - mas você é quem dá as ordens.
- Fique aqui e posicione o carro de modo que possamos sair facilmente e ir para
Monte Prospect. Se eu não voltar dentro de meia hora, arrisque-se e vá atrás de
mim.
- Papai, se Bruce estiver melhor, tente trazê-lo para cá.
- Não se preocupe, Chloe - disse Rayford. - Cuidarei disso.
Assim que viu Rayford atravessar com dificuldade o capim enlameado e sumir de
vista, Buck arrependeu-se de não ter ido. Ele sempre fora uma pessoa de ação e,
ao ver os cidadãos traumatizados caminhando a esmo e lamentando a perda de
entes queridos, ele mal conseguia ficar parado no lugar.
O coração de Rayford angustiou-se quando ele chegou à elevação e viu o hospital.
Parte da estrutura mais alta ainda estava intacta, mas muito danificada. Veículos de
emergência cercavam o local, e o pessoal do socorro trajando uniformes brancos
corria de um lado para o outro. A polícia colocara uma longa faixa de bloqueio de
trânsito ao redor do terreno do hospital. Assim que Rayford levantou a faixa para
passar por baixo, um guarda de segurança, com uma arma na mão, correu em sua
direção.
- Alto lá! - ele gritou. - Esta é uma área restrita!
- Tenho autorização para passar! - gritou Rayford, exibindo sua carteira com a
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credencial.
- Fique onde está! - gritou o segurança. Ao chegar perto de Rayford, ele pegou a
carteira e analisou a credencial, comparando a foto com o rosto de Rayford. - Puxa!
Autorização nível 2-A. Você trabalha diretamente para Carpathia?
Rayford assentiu.
- Qual é a sua função?
- Confidencial.
- Ele está aqui?
- Não, e se ele estivesse eu não lhe diria.
- Todos vocês são amáveis disse o guarda. Rayford caminhou em direção ao que
havia sido a frente do hospital. Quase todos ignoraram sua presença porque as
pessoas estavam muito atarefadas, sem tempo de prestar atenção em quem tinha
ou não tinha autorização para estar ali. Os corpos eram colocados um ao lado do
outro e
cobertos. - Há sobreviventes? perguntou Rayford a um atendente do pronto
socorro.
- Até agora, só três - respondeu o homem. - Todas mulheres. Duas enfermeiras e
uma médica. Elas haviam saído para fumar.
- Há alguém lá dentro?
- Ouvimos vozes - respondeu o homem. - Mas ainda não conseguimos resgatar
ninguém.
Murmurando uma oração, Rayford dobrou sua carteira de modo que a credencial
ficasse do lado de fora e colocou-a no bolso da camisa. Caminhou até o necrotério
improvisado ao ar livre onde vários atendentes do pronto-socorro andavam por
entre os corpos, levantando os lençóis e fazendo anotações na tentativa de
identificar pacientes e funcionários por meio dos braceletes de identificação.
Ajude ou saia do caminho - disse asperamente uma mulher corpulenta ao passar
esbarrando em Rayford.
Estou à procura de Bruce Barnes - disse Rayford. A mulher, com um crachá onde
se lia Patrícia Devlin parou, olhou-o de esguelha, levantou a cabeça e consultou
uma prancha com várias folhas contendo uma lista de nomes. Folheou as três
primeiras e balançou a cabeça. - Funcionário ou paciente? - ela perguntou.
Paciente. Foi trazido para o pronto socorro. A última notícia foi que ele estava em
coma.
Deve ter ido para a UTI - ela disse. - Dê uma olhada ali. - Patrícia apontou para
seis corpos mais adiante. - Espere um momento - ela complementou, virando mais
uma folha.
Barnes, UTI. Sim, era lá que ele estava. Há mais pacientes lá dentro, mas a UTI
quase desapareceu.
Então quer dizer que ele tanto pode estar aqui como lá dentro?
Se ele estiver aqui, meu caro, está morto. Se estiver lá dentro, nunca será
encontrado.
Há chances de haver algum sobrevivente na UTI?
Até agora nenhum. Parente seu?
Mais que um irmão.
O senhor quer que eu verifique?
O rosto de Rayford contorceu-se, e ele mal conseguiu falar.
Ficaria muito agradecido.
Patrícia Devlin, uma mulher bastante ágil para seu tamanho, movimentava-se com
rapidez. Seus sapatos grossos de sola branca estavam enlameados. Ela ajoelhou-se
ao lado de cada corpo para verificar, enquanto Rayford permanecia a cerca de três
metros de distância, com a mão cobrindo a boca e um soluço brotando na
garganta.
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A Srta. Devlin aproximou-se do quarto corpo. Quando começou a levantar o lençol,
hesitou e verificou o nome escrito no bracelete. Olhou para Rayford, e ele
entendeu. As lágrimas começaram a rolar por seu rosto. Ela levantou-se e
aproximou-se dele. Seu amigo está apresentável disse.
Eu não me atreveria a mostrar-lhe alguns destes corpos, mas o senhor pode ver
seu amigo.
Rayford esforçou-se para dar alguns passos. A mulher abaixou-se e afastou
lentamente o lençol, mostrando Bruce, de olhos abertos, sem vida e parados.
Rayford tentou manter a calma, sentindo um aperto no peito. Estendeu a mão para
fechar os olhos de Bruce, mas a enfermeira o impediu. Não posso permitir que o
senhor faça isto. - Estendendo a mão com luva, ela disse: - Deixe que eu faça.
- Você poderia verificar a pulsação? - perguntou Rayford.
- Oh, senhor - ela disse, com voz comovida - eles só trazem aqui para fora os que
estão mortos.
- Por favor - murmurou Rayford, agora em prantos. - Faça isso por mim.
Enquanto Rayford permanecia de pé e com as mãos no rosto, no burburinho do
início de tarde daquela região suburbana de Chicago, uma mulher que ele nunca
vira antes nem veria novamente colocou o polegar e o indicador sob a mandíbula
de seu pastor.
Sem olhar para Rayford, ela tirou a mão, cobriu novamente a cabeça de Bruce
Barnes com o lençol e voltou ao seu trabalho. Rayford abaixou-se e ajoelhou-se no
chão enlameado. O som das sirenes ecoavam ao longe, luzes de emergência
piscavam à volta dele e sua família o aguardava a menos de um quilômetro de
distância. Agora só haviam sobrado ele o os outros três. Não havia mais o mestre.
Não havia mais o mentor. Só eles quatro.
Enquanto se levantava e descia penosamente a elevação para dar a terrível notícia,
Rayford ouviu o Sistema Transmissor de Emergência ligado a todo volume em
todos os carros pelos quais passava. Washington fora arrasada. Heathrow não mais
existia. Houve mortes no deserto egípcio e nos céus de Londres. Nova York estava
em estado de alerta.
Buck estava quase pronto para ir atrás de Rayford quando avistou um vulto alto no
horizonte. Reconheceu-o por seu modo de andar e pelos ombros caídos.
- Oh, não - ele murmurou, e Chloe e Amanda começaram a chorar. Os três
correram ao encontro de Rayford e voltaram com ele até o carro.
O Cavalo Vermelho do Apocalipse estava entrando em ação.
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