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quarta-feira, 27 de julho de 2011

A História secreta da Rede globo

A história secreta da Rede Globo
Daniel Heiz
"SIM EU SOU O PODER"
Roberto Marinho

Para Walter, meu pai, que ensinou
a ser rigoroso com a verdade.
Para Fernando, meu filho, presença de vida que faz renascer.
AGRADECIMENTOS
A Jane, companheira de vida, presente em todos os momentos.
Aos colegas e companheiros Adelmo Genro Filho, Carlos Müller e Maria Helena
Hermosilla de Los Angeles, que ajudaram a encontrar caminhos.
Ao colega e companheiro, Cesar Valente, sempre pronto para fazer as coisas
acontecerem.
Ao professor Homero Simon, pela decisiva ajuda para desvendar os problemas da
radiodifusão e pelo exemplo de integridade e disposição de luta por um Brasil
melhor.
Página 1
A história secreta da Rede Globo
Ao companheiro e editor Tau Golin, cuja insistência amiga levou à publicação
deste trabalho.
Aos meus alunos e companheiros do Curso de Comunicação da Universidade Federal
de Santa Catarina, pela convivência que anima para o trabalho.
"As empresas jornalísticas sofreram, mais talvez do que quaisquer outras, certas
injunções, como depressões políticas, acontecimentos militares. Os prognósticos
que
estamos fazendo na TV Globo dependem muito da normalidade.., da tranqüilidade da
vida brasileira. Esses planos podem ser profundamente alterados, se houver um
imprevisto qualquer ou advir uma situação que não esteja dentro dos esquemas
traçados, como se vê nas operações de
guerra"".
(Palavras de Roberto Marinho, diretor-presidente das organizações Globo, em 20
de abril de 1966, depondo na Comissão Parlamentar de Inquérito que investigou
as ligações entre a Globo e o Grupo Time-Life).
"E esta é uma guerra - não é uma guerra quente, mas um episódio da guerra fria.
Entretanto, se perdemos neste episódio, o Brasil deixará de ser um país
independente
para virar uma colônia, um protetorado. 12 muito mais fácil, muito mais cômodo e
muito mais barato, não exige derramamento de sangue, controlar a opinião pública
através dos seus órgãos de divulgação, do que construir bases militares ou
financiar
tropas de ocupação"".
(Palavras de João Calmon, diretor dos Diários Associados,
deputado federal e presidente da Associação Brasileira das Emissoras de Rádio e
Televisão, em 13 de abril de 1966, depondo na Comissão Parlamentar de Inquérito
que
investigou as ligações entre a Globo e o Grupo Time-Life).
1
A GLOBO E A NOVA REPUBLICA
"O CHEFE AQUI SOU EU"
pag:13
"A voz cavernosa que eu só conhecia através das televisões agradecendo a prêmios
na maioria recebidos artificialmente estava lá.
- Quem era o responsável pelo jornalismo da Globo ontem à tarde?
- Pelo jornalismo nacional, Eduardo Simbalista; pelo jornalismo local, eu
mesmo, Luís Carlos Cabral.
- É com você mesmo que eu quero falar. Você me desobedeceu.
Confesso, não é vergonha: a mão tremia. Não era medo do desemprega Era o terror
de quem vê desabar sobre si, repentinamente, o próprio Spectro. Jung explica.
Mas,
sim: a voz era firme.
- Dr. Roberto, se desobedeci foi involuntariamente.
- Você me desobedeceu. Eu disse que não era para projetar e você passou o dia
inteiro projetando, dizendo que o Brizola vai ganhar. Você me desobedeceu.
- Mas, dr. Roberto, eu não podia desobedecer a ordens que não recebi. Projetei
segundo a orientação de meus chefes.
- E quem são os seus chefes?
- Os meus chefes são, pela ordem, Alice Maria, Armando Nogueira e Roberto
Irineu.
Página 2
A história secreta da Rede Globo
- Eles não são chefes coisa nenhuma. O chefe aqui sou eu e você me desobedeceu.
- Bem, dr. Roberto, não desobedeci.
- Vai trabalhando aí que na segunda-feira agente conversa. Até logo" 1.
Este diálogo, travado em novembro de 1982 durante o processo de apuração das
eleições, foi relatado pelo jornalista Luís Carlos Cabral, então
NOTA DE RODAPÉ:
1 CABRAL, Luis Carlos. O Nacional. Rede de intrigas. Rio de Janeiro. 20-26 nov.
1986. p. 12.
pag:14
diretor regional de jornalismo da Rede Globo no Rio. O seu interlocutor de "voz
cavernosa" era o dr. Roberto Marinho, diretor-presidente das organizações Globo.
O dr. Roberto, que é "doutor" unicamente pelo poder que desfruta, nesse momento,
descia das alturas do seu cargo e despia-se da postura de estadista que ostenta
em público
para
advertir um funcionário. E o que Roberto Marinho reclamava era o descumprimento
de um plano maquiavélico: a divulgação de informações internacionalmente
distorcidas
sobre o processo de apuração das eleições. 2
Há muitas evidências de que esse comportamento da Globo ocorreu em vários
estados, seguindo um plano nacional para fraudar as eleições. Hoje ainda se sabe
muito
pouco sobre o episódio, mas quando esse momento nebuloso da história do Brasil
for inteiramente descoberto, certamente serão revelados contornos ainda mais
nítidos de
uma face inusitada da Globo: a intervenção política que não se restringe ao
campo ideológico e avança para a colaboração ativa num processo de fraude
eleitoral.
O diálogo do presidente das organizações Globo com seu funcionário revela mais
do que a preocupação de um empresário com a condução de seus negócios. Revela
A determinação com que é manobrada essa fábrica de consciências, revela a
clareza com que seus proprietários procuram intervir politicamente, revela
inequivocamente
Uma intencionalidade.
A intervenção pessoal e direta do "dr." Roberto Marinho num episódio tão
comprometedor como um processo de fraude eleitoral, evidencia um lado
NOTA DE RODAPÉ:
2 No Rio de Janeiro ficaram a descoberto as duas pontas desse plano de fraude: a
tentativa de condicionamento da opinião pública desenvolvida pela Globo e
a da manipulação fraudulenta da totalização dos votos
pela empresa Proconsult, responsável pela apuração dos resultados. Os registros
jornalísticos do episódio não vinculam claramente o estreito relacionamento da
atuação da Globo com a manipulação da
totalização. Esse tipo de fraude também foi detectado, pelo menos, em outros
cinco Estados: Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Alagoas, Pernambuco e Mato
Grosso.
Assim, o ex-diretor regional de jornalismo da Globo no Rio relatou o processo
que testemunhou bem de perto:
"O papel da Rede Globo de Televisão no Caso Proconsult, nas eleições de 1982,
era apenas o de preparar a opinião pública para o que iria acontecer: o roubo,
por Moreira Franco, dos votos de Leonel Brizola.
Aliás, dos votos do povo.
"Na época, eu era o responsável por todo o jornalismo da emissora no Rio. O
comando da Central Globo de Jornalismo - Armando Nogueira, Alice Maria, Alberico
Souza
Cruz e Woile Guimarães - estava em
Página 3
A história secreta da Rede Globo
São Paulo, dirigindo o programa 'Show das Eleições'
"Quem estava no fogo era eu." E Antônio Henrique Lago, hoje (novembro de 1986)
curiosamente envolvido na campanha de Moreira Franco, envolvido em mais uma
tentativa
de se ganhar as eleições através
do amortecimento da opinião pública. Eu
pag:15
da Globo que é invisível para os que se relacionam com essa empresa simplesmente
como espectadores. Há algo que só se começa a perceber olhando-se por trás da
Globo. A maior parte do que se vê e do que se ouve na Globo só adquire coerência
se estivermos atentos para o sentido de tudo o que lá se produz.
Há um sentido oculto e sua compreensão só pode ser alcançada quando se tem na
mão - usando uma expressão policial - a
"folha corrida", o "atestado de
antecedentes" da Globo. Analisando estes antecedentes, o papel histórico que vem
sendo cumprido por essa que é a maior empresa de
comunicação do hemisfério sul, podemos começar a entender o verdadeiro
conteúdo de certa entonação de voz do locutor Cid Moreira no Jornal Nacional, o
valor real das inúmeras homenagens que o
"dr." Roberto está continuamente recebendo, a
intenção disfarçada na escolha de uma notícia, o sentido ideológico do
comportamento de determinado personagem de uma novela, a significação, enfim, do
modo que
a Globo quer que seu público perceba a realidade.
O esforço da Globo para garantir a expressão dos interesses de seus
proprietários, entretanto, não impede que lá se manifeste uma série de processos
difíceis
de controlar integralmente, o espírito crítico do jornalista, do radialista, do
artista, enfim, dos diversos profissionais que lá trabalham. Seja por uma
questão de
mercado, seja
pela combatividade dos profissionais, a Globo é obrigada a tolerar, ou mesmo a
engolir, certas ocorrências que contrariam a filiação ideológica de
seus proprietários. Isso
explica porque na Globo passam filmes política e ideologicamente importantes.
Isso explica porque em certas notícias, ou até mesmo em certas novelas, surjam
momentos
de contradição. A luta por esses espaços, por mais limitados que sejam, es-
NOTA DE RODAPÉ:
ficava na emissora, em contato direto com a alta direção e Lago praticamente
dormia na sala de computação de O Globo. Era lá que as distorções aconteciam. O
método correto de se computar as eleições no
Rio é o seguinte: injeta-se dois votos da capital, um voto do interior e um voto
da periferia. Essa mecânica permite a formação de um universo correto. Em 1982,
como hoje, o processo de alimentação
dos computadores era distorcidos. Injetava-se, digamos, dois votos do interior,
onde Moreira tinha sabida maioria, nenhum voto da Baixada e um da capital. Não
posso dizer, embora intuíssemos todos,
de quem partiam as ordens para que se trabalhasse assim. Ao Lago foi dito que
havia problemas estruturais. O Sistema havia sido mal montado. Tratava-se,
enfim, de
uma questão de incompetência. A
desculpa é, logo se verá, esfarrapada. Se há alguma coisa competente no Brasil,
esta é, reconheça-se, o Globo e a
TV Globo. Roberto Marinho sabe fazer o que quer.
"Na emissora, eu e os jornalistas que
convoquei para me auxiliarem - Monica Labarth, Cláudio Nogueira, Johnson dos
Santos, Renato Kloss - ,todos
pag:16
Página 4
A história secreta da Rede Globo
tá no horizonte de todos os profissionais dignos e verdadeiramente comprometidos
com as maiorias populares.3. Todas as oportunidades de lançar lenha na fogueira
das
contradições deve ser aproveitada. Mas é preciso reconhecer que, num sentido
global - aproveitando o trocadilho - o que predomina, o que transparece na
Globo, é a
ideologia das classes dominantes.
É hora de lutar para que a Globo seja apercebida sem ingenuidade, sem o respeito
do senso-comum.
"O povo não é bobo, abaixo a Rede Globo", diz um refrão que se
torna cada vez mais freqüente em manifestações de rua, em assembléias de
sindicatos, em comícios. Mas a análise crítica da Globo tem que sair do terreno
da suspeita,
da mera desconfiança de que há interesse em "fazer o povo de bobo". A população
tem que ser armada de referências sólidas, tem que ser municiada das certezas do
"porquê"
a Rede Globo deve vir "abaixo".
A origem deste livro é uma dissertação de mestrado 4 que abordou o problema da
introdução de tecnologias de comunicação no Brasil, apresentada em 1983 à
Universidade de Brasília (UnB)~ A história da implantação da Rede Globo ocupou a
metade dessa dissertação e aqui está sendo publicada com poucas alterações. Essa
dissertação recusou a mera formalidade acadêmica para afirmar-se também como uma
reportagem
jornalística.
Na análise do processo histórico que envolveu a implantação da Rede Globo,
procuramos fazer uma ampla caracterização das forças sociais que controlam os
meios
eletrônicos de comunicação de massa no Brasil A começar
NOTA DE RODAPÉ:
profissionais corretos, fomos ficando assustados. Primeiro, sim, com a
incompetência. E depois, com as evidências. De todo lado estouravam denúncias de
fraudes eleitorais.
Começamos a cobrir. Era a brecha do jornalismo. Mas nada pôde ir ao ar. Ordens
de cima proibiram que noticiássemos as fraudes. Lembro-me bem de que houve um
caso de roubo de urnas em Bangu
que não pôde ir ao ar. Tornou-se inútil, desgastante, cobrir. As proibições,
como é evidente, eram obedecidas". In: CABRAL, Luis Carlos. op. cit.
3 O jornalista Luís Carlos Cabral, que denunciou publicamente a manipulação de
informações pela Globo nas
eleições de 1982, relata uma interessante passagem que mostra a angústia do
jornalista diante do dono doveículo:
"Nunca contei essa história. Achava que seria trair uma confiança que o dr.
Roberto Marinho depositou, em determinada hora da minha vida, em mim. Bobagem.
Comecei a achar que
deveria contá-la no dia em que Borjalo, esta figura fantástica, disse que
passaria a colaborar em 'O Nacional' no dia que deixássemos de atacar o dr.
Roberto.
"_Não vou cuspir no prato em que comi, comentou.
"E eu, ali calado, como que acusado, descobri:
"_Eu jamais comi deste prato. Só o alimentei".
In: CABRAL. Luís Carlos, op. cit.
4 HERZ, Daniel. A introdução de novas tecnologias de comunicação no Brasil:
tentativas de implantação do serviço de cabodifusão, um estudo de caso.
Brasília, UnB. 1983.751p.
pag:17
pelas diretrizes da política oficial de radiodifusão 5- rádio e televisão - que
garante o predomínio das empresas privado-comerciais. Desde 1964, graças a essa
política,
Página 5
A história secreta da Rede Globo
a radiodifusão e a imprensa passaram a ser fortemente oligopolizadas,
especialmente devido à moderna dinâmica de produção que foi imposta pela Rede
Globo.
Não se pode abordar o desenvolvimento dos meios de comunicação de massa no
Brasil, a partir da década de 60, sem tocar na Rede Globo. Essa Rede, a partir
da
década de 70, passou a absorver mais de 40%da totalidade das verbas p3~.~árias
disponíveis no País e desse modo condicionou todo o desenvolvimento dos meios de
comunicação de massa4
Concluímos que a importância da Globo - desde 1961, quando começou a ser
implantada com a intervenção do capital estrangeiro - não só é subdimensionada
como
também é pouco conhecida. É impressionante a indulgência, a displicência e a
irresponsabilidade com que a imprensa - quase sem exceção - e também muitos
pesquisadores
tratam do processo de implantação da Rede Globo. Concluímos que uma exposição
detalhada desse processo é fundamental não só para um melhor entendimento do
importante papel que a Globo desempenha atualmente, mas também para entendermos
a pressão pela implantação de novas tecnologias de comunicação que está se
verificando hoje no Brasil.
A Globo abriu uma fase acelerada de modernização dos sistemas de comunicação de
massa, inaugurou práticas empresariais compatíveis com essa modernização e
inspirou políticas oficiais que amparam as pretensões privado-comerciais dessas
empresas Há muita análise sobre como as empresas
NOTA DE RODAPÉ:
5 O termo Radiodifusão, tal como o utilizamos nesse trabalho, é empregado no seu
sentido técnico mais geral, abrangendo tanto o rádio com o a televisão.
6 Cabe ressaltar que a natureza coletiva dos processos de comunicação
viabilizados pelas tecnologias, especialmente as eletrônicas, é entendida no
presente trabalho como um "processo de massa". Por isso usamos repetidas vezes
a expressão comunicação de massa' , que aqui tem sentido descritivo e se refere
à natureza coletiva do processo de comunicação que envolve as massas. Essa
expressão não esconde o caráter de classe de utilização dos meios de
comunicação. "Como propriedade e instrumentos de classes determinadas, os meios
de comunicação de massas têm caráter de classe. Esse caráter se manifesta
sobretudo
~ fato de que a classe que possui os meios de produção da comunicação determina
também seu conteúdo ideológico".
(In: ROMANO, Vicente. Estudio preliminar. In: BINSKY, Lothar Critica de la
Comunica cl6n de massas. Madrid. Ediciones de la Torre. 1982. p. 16).
"A comunicação de massa se define como uma forma de comunicação social em que
participam massas de pessoas. Se aplicamos à análise desta forma de comunicação
as posições
teóricas e metodológicas adquiridas com relação à comunicação social,
pag:18
de comunicação mediam os interesses do Estado e das classes dominantes. Neste
trabalho, estamos insistindo num outro aspecto: como o Estado, gerindo recursos
públicos
como o espectro de freqüências de rádio e canais de televisão, media os
interesses dos donos dos meios de produção, na área de comunicação. Nosso
trabalho procura
evidenciar como o Estado é instrumentalizado pelos interesses capitalistas
predominantes na radiodifusão.
Procuramos, por isso, examinar com detalhe o período de implantação da Rede
Globo, que situamos entre 1961 e 1968 e que abre uma nova fase de renovação
tecnológica dos meios de comunicação de massa no Brasil Essa análise procura
explicar como a Globo chegou ao que é atualmente.
No final da década de 70, iniciou um irresistível desenvolvimento dos meios
Página 6
A história secreta da Rede Globo
tecnológicos com as aplicações da microeletrônica. O contexto político da
implantação de
novas tecnologias de comunicação torna-se então muito conturbado até chegarmos a
1987, num momento crítico para o desenvolvimento dos sistemas de comunicação: o
Estado está violentamente pressionado para institucionalizar as novas
tecnologias sob o controle absoluto dos interesses privado-comerciais, mas - é o
que procuramos
demonstrar- ainda há condições para se reverter esta tendência, face à natureza
singular dos novos recursos tecnológicos e face às contradições que atravessam o
Governo e
os grupos econômicos dominantes.
Este trabalho pretende, por isso tudo, antes de ser uma análise exaustiva,
oferecer uma contribuição teórica e política, dentro dos seus limites, para
análises que
levarão
à ação, frente a um processo histórico irresolvido.
A documentação referente à implantação da Rede Globo, face à inexistência de
registros factuais expressivos na literatura corrente 7 foi
NOTA DE RODAPÉ:
teremos como resultado. entre outras coisas, pelo menos as seguintes demandas:
- Devemos analisar a comunicação de massa sob uma perspectiva
histórico-concreta. Não basta a definição abstrata de seus elementos mais
simples. Isto significa
também que devemos
analisar a comunicação de massa em sua determinação histórico-concreta dentro do
sistema monopolista de Estado.
- Devemos descobrir de que forma influi o modo de produção capitalista na
comunicação de massa.
- Devemos estudar as relações especiais dos atores da comunicação entre si,
como relações mediadas por sua posição na praxis social, assim como a
determinação dessas relações pelas condições sociais".
(In: BINSKY Lothar op cit.p.65)
7 Algumas exceções são:
ALMEIDA FILHO, Hamilton et ali. O Ópio do povo: o sonho e a realidade. São
Paulo, Símbolo-Extra. 1976.
CAPARELLI, Sérgio. Televisão e capitalismo. Porto Alegre, LPM. 1982.
pag:19
detalhada ao máximo os registros desses fatos são escassos e, nas fontes
básicas, são confusos e os fatos estão dispersos, fragmentados, pouco
compreensíveis. Apesar
disso,
é preciso ressaltar que os documentos que permitem revelar a história da Globo,
embora sejam "secretos" para a maioria da população, são acessíveis. É possível
reconstituir
a história da Globo sem revelações ou descobertas bombásticas A história da
Globo pode ser delineada com base em documentos oficiais e com as informações
jornalísticas
disponíveis. O que faz secreta a história da Globo é, por um lado a
desorganização das informações disponíveis e, por outro lado, a falta de
determinação para integrá-las
e dar-lhes o destino político necessário através da denúncia pública.
Optamos por um método de exposição que esperamos adequado para a reintegração
dos fatos e do processo histórico. Basta olhar as notas de rodapé deste livro
para
avaliar que, sobre um número relativamente limitado de fontes, fez-se um grande
esforço para ordenar, cruzar e relacionar informações que, esperamos, tenha
chegado
a um resultado satisfatório.
Página 7
A história secreta da Rede Globo
Na Parte II, fazemos uma breve síntese do desenvolvimento histórico da
radiodifusão no Brasil. Esse projeto, por si só, poderia justificar uma volumosa
obra. Mas
nosso objetivo foi modesto: optamos por reduzir ao máximo essa síntese,
valendo-nos das interpretações do período histórico que já estão praticamente
incorporadas
ao senso
comum das ciências sociais no Brasil. Trata-se de uma síntese curta e densa, que
propõe um quadro explicativo para os fatos mais recentes que serão examinados em
detalhe.
Como não nos movia a intenção de polemizar sobre a história do Brasil, corremos
o risco de tomar vários pressupostos e referir apenas as fontes mais evidentes,
para não estender em demasia um capítulo que tem objetivos limitados.
Destacamos também que esse livro não pretende abranger toda a história da Globo.
Concentramos nossa análise no período mais obscuro, que vai de
Entendemos que a investigação desse período esclarece aspectos essenciais de
"como" foi implantada a Globo e qual a "finalidade" de sua implantação. E essas
são respostas imprescindíveis para a correta compreensão, não só do papel
histórico da Globo como também do atual estado da radiodifusão brasileira.
Para vincularmos mais intensamente o período analisado com a atual conjuntura,
apresentamos neste primeiro capítulo um rápido painel ilustrativo da situação da
Globo e da radiodifusão com o advento da chamada
NOTA DE RODAPÉ:
COSTA, Alcir Henrique; SIMÕES, Inimá Ferreira; KEHL, Maria Rita. Ur2 país no
ar - História da TV Brasileira em 3 canais São Paulo, Brasiliense, 1987.
pag:20
Nova República. Iniciamos este painel com a caracterização do peso atual da
Globo e seu papel nas articulações que levaram à Nova República protagonizada
com
Destaque por Tancredo Neves. Mais adiante, examinamos o significado da
indicação, como primeiro ministro das Comunicações da Nova República, do
empresário Antônio
Carlos Magalhães. E, na última parte, procuramos demonstrar o total
comprometimento da radiodifusão brasileira com os grupos políticos e econômicos
predominantes
durante as duas décadas de ditadura militar.
Finalmente, cabe ressaltar que a técnica de exposição adotada, com a inclusão no
texto de citações extensas - ao invés de uma simples caracterização conceitual
dos fatos - corre o risco de resultar tediosa mas, como já dissemos, corresponde
à preocupação de documentar solidamente um processo que ainda é pouco divulgado.
Se esta
base documental tiver alguma. utilidade na luta pela democratização dos sistemas
de comunicação no Brasil ~ pelo avanço dos setores populares em busca do seu
controle,
então teremos alcançado nosso maior objetivo.
pag:21
"SIM, EU USO O PODER"
A Rede Globo é o centro de um império que abrange mais de quarenta empresas
atuando em diversos ramos da economia. $ó a Rede Globo - que inclui sete
emissoras
totalmente de sua propriedade, seis emissoras de propriedade parcial e 36
emissoras afiladas - tem uma receita anual estimada em US$ 500 milhões e um
valor patrimonial
em US$ 1 bilhão8. Com seus 12 mil funcionários - 1500 dos quais dedicados à
Página 8
A história secreta da Rede Globo
produção de quase três horas diárias de ficção - a Rede Globo produz cerca de
80% dos seus
próprios programas, sendo a quarta maior rede privada de televisão do mundo, só
atrás das três gigantes norte-americanas (CBS, NCB e ABC)9.
Na área da comunicação de massa, além dos ramos de televisão, as Organizações
Globo envolvem pelo menos 18 emissoras de rádio AM e FM, o segundo maior
diário do país, duas editoras de revistas e livros, produtora de vídeo,
distribuidora de fitas videocassete, três gravadoras, produtoras de serviços
para publicidade, entre outras empresas 10.
O grupo econômico encabeçado por Roberto Marinho inclui ainda empresas
envolvidas em diversos outros ramos: indústria de bicicletas, indústria
eletrônica, indústria
de telecomunicações, negócios imobiliários, agricultura e pecuária -
destacando-se fazendas na Amazônia -, mineração, distribuidoras de títulos e
valores, entre outras atividades econômicas 11.
A Rede Globo absorve dois terços das verbas publicitárias distribuídas à
NOTA DE RODAPÉ:
8 GLOBO. 'Times' destaca sucesso da TV Globo e direção de Roberto Marinho. Rio,
l3jan. 1987. p.5.
ISTO É O fazedor de reis. São Paulo, n. 416. 12 dez. 1984, p.22.
9 BIZINUVER, Ana Lúcia. Status. Globo forexport. São Paulo.jan. 1985. p.47.
10 DER SPIEGEL. Schucken, was man Schulucken kaan. Hamburg, n. 38. 15 set.
1986. p.25 3. (Tradução de Arthur Kanitz).
11 DER SPIEGEL, op. cit. E Globo. 'Times destaca...
pag:22
televisão e tem urna audiência potencial de 80 milhões de telespectadores,
abrangendo 98%do território nacional. Só o Jornal Nacional, noticiário das 20
horas, tem uma
audiência de mais de 50 milhões de telespectadores.
Admitindo que a expansão na área de televisão no mercado interno "quase não é
mais possível"12, como afirma Roberto Irineu, filho de Roberto Marinho e
vicepresidente
da empresa, a Rede Globo está se voltando para o mercado externo. Em
1986 a receita com exportação foi estimada em cerca de US $ 15 milhões' 3. Essa
receita,
ainda pode ser considerada pequena, e não revela o alcance da estratégia da
Globo para conquistar o mercado externo. Por enquanto, a Globo procura marcar
presença no
maior número possível de países: na sede do império, junto ao Jardim Botânico,
no Rio de Janeiro, há uma foto mostrando um globo terrestre com a inscrição "168
países", ao lado, sob um logotipo da Globo, há outra inscrição que indica "128
países" l4•
A penetração da Globo no mercado externo começou a ser expressiva com a novela
"Bem Amado", em 1977, exportada para Portugal e, dublada em espanhol, para
alguns países da América Latina. Nesse ano, a receita de exportação foi de
US $300 mil. "Hoje a Globo detém quase 20%dos programas de televisão nos países
latino-americanos e em Portugal"15 conforme explica Marina Feital, gerente de
Administração e Vendas da Divisão Internacional, responsável pelas negociações
com a América
Latina, Estados Unidos, Portugal e Angola:
"Para entrar e ganhar este mercado tivemos de enfrentar a Televisa (televisão
mexicana), que produz 26 horas diárias de programas em espanhol de nível menos
elaborado que os nossos. Ainda assim, conseguimos vender nossos programas, mesmo
novelas, sobretudo - adicionando os custos da dublagem - 50%abaixo dos preços da
Televisa. Como? Usando o que chamei de 'estratégia da droga': você praticamente
dá, espera o sucesso e depois vende pelo melhor preço. Igual ao que se lê nos
jornais que fazem com a cocaína" 16•
Página 9
A história secreta da Rede Globo
A Globo preferiu não insistir, nessa fase, no mercado norte-americano, que exige
enormes investimentos, lá marcando presença apenas através de emissoras de
língua
latina. Os maiores investimentos da Globo estão sendo canalizados para a Europa,
um mercado que Roberto Irineu reconhece ser "sem regras fixas"17 e onde
verifica-se uma
expansão dos sistemas privados em detrimento dos estatais. Na França, por
exemplo, o mercado ainda
NOTA DE RODAPÉ:
29 DER SPIEGEL, op. cit. p. 259.
13 BIZINOVER, op. cit p.5O.
14 DER SPIEGEL, op. cit. p. 253.
15 BIZINOVER, op. cit.p.48
16 Ibidem.
17 DER SPIEGEL, op. cit. p. 259.
pag:23
é considerado pequeno e gira em torno de US$ 250 milhões por ano. Na Itália,
outro exemplo, que já dispõe de televisão privada há dez anos, movimenta-se
cerca de US$ 1 bilhão anuais18
Foi justamente na Itália que a Globo iniciou a invasão da Europa, adquirindo em
1985 a TV Monte Carlo. Foi um negócio de oportunidade, apadrinhado pelos
democratas-cristãos, que bancaram a venda para atingir o gigante da comunicação
italiana Berlusconi, tido como ligado aos socialistas:
"A RAI estatal vendeu a TV Monte Carlo aos brasileiros e ainda participa dela
com 1 0%.A Globo deverá constituir contrapeso diante do amigo do socialismo
Berlusconi (...)
que cresceu graças à sua amizade com o 'premier' socialista BetinoCraxi.19
A estratégia da Globo na Itália é ambiciosa. "Em três anos, a Globo pretende ter
conquistado 10%do mercado italiano a partir de Monte Carlo. Por um convênio com
três emissoras locais e pela construção de 36 estações de retransmissão, os
brasileiros já teceram a sua rede em torno da área que vai do limite dos Alpes
até a ponta da
Sicília. Durante o campeonato mundial de futebol, 21 ,8%dos italianos
acompanharam a bola via Globo. A concorrência respondeu com sabotagem através de
interferências
e por meio de advogados. Já em novembro (de 1985), o gigante de comunicação
italiana Berlusconi chamou a Globo perante a justiça, como fim de conseguir seu
fechamento. 'E uma bomba atômica, com que se pretende destruir-nos', queixa-se
Dionísio Poli, o vice-presidente para a Europa"20.
Para conquistar o mercado europeu a Globo já tem uma estratégia delineada, como
revelou o filho de Roberto Marinho à revista alemã Der
Spiegel:
"Nos próximos cinco anos, haverá um 'boom' na Europa, profetiza Roberto Irineu
Marinho. O chefe-júnior da Globo já dispõe de uma estratégia para assegurar para
si uma boa parte do negócio. Em primeiro lugar, se negociará em tomo da compra
da emissora francesa de Monte Cano. Na República Federal da Alemanha são
travados os primeiros contatos - possivelmente também seremos 'presenteados'
algum dia com os programas da Globo. Antes de tudo, os brasileiros pretendem
produzir programas na
Europa, em inglês, pois só então terão acesso ao mercado dos Estados Unidos.
"'Só dois ou três nomes grandes dominarão, dentro de alguns anos, o mercado
privado de TV na Europa', diz o herdeiro de Marinho, Irineu. 'Um deles será
Berlusconi, outro talvez RTL-Luxemburgo...' A Globo quer
NOTA DE RODAPÉ:
18 Ibidem.
Página 10
A história secreta da Rede Globo
19 Ibidem.
20 Ibidem.
pag:24
participar de um desses grupos, até editoras alemãs entram em cogitação como
parceiros. Nem pretendemos que a Globo tenha maioria diante desses parceiros',
assegura
Roberto Inineu, 'a participação com 80% na TV Monte Carlo é puro acaso'. A
história da Globo parece seguir, porém, outra meta:
engolir, o que é possível engolir"21.
A base desse império que espalha sua influência por todo o planeta, continua
sendo a Rede Globo, com seus 70 a 80%de audiência. Boa parte da força política e
econômica da Globo vem do contato que tem, diariamente, com mais de 50 milhões
de brasileiros, através do Jornal Nacional, cuja produção é fiscalizada
diariamente
por Roberto Marinho, como conta o jornalista Alain Riding, do 'New York Times':
"Todos os dias da semana, às 19h55min, pelo menos 50 milhões de brasileiros
espalhados por este imenso território, incluindo um homem de 82 anos de idade -
elegantemente vestido, com um telefone ao seu lado - assistem às notícias
diárias escolhidas, interpretadas e transmitidas pela TV Globo, a maior rede de
televisão do País.
"Como único proprietário da Rede, o homem ao telefone, Roberto Marinho, assiste
ao noticiário com especial atenção. Após os 30 minutos de transmissão, o Sr.
Marinho, invariavelmente, telefona para a redação e faz comentários, sugestões e
críticas"22.
" 'Nós fornecemos todas as informações necessárias, mas nossas opiniões são, de
uma maneira ou de outra, dependentes do meu caráter, das minhas convicções e do
meu
patriotismo. Eu assumo a responsabilidade sobre todas as coisas que conduzo',
disse Roberto Marinho"23. E são mais de 50 milhões de brasileiros que,
diariamente,
dependem do crivo (do "caráter", das "convicções", do "patriotismo") do
"dr." Roberto Marinho.
Nessa reportagem, o "Times" destaca que, "com índices de audiência entre 70 e
80%, a TV Globo é hoje, claramente, um centro-chave de poder"':
NOTA DE RODAPÉ:
21 Ibidem.
22 "É evidente que, apesar de ser excelente repórter, o correspondente Alain
Riding deixou-se levar pelas palavras do empresário. Na verdade, 'nunca' o
empresário telefona para a redação
logo após o noticiário, mesmo porque assim que o 'Jornal Nacional' acaba, a
redação se esvazia rapidamente. Vão todos reunir-se em outro andar do prédio. O
que o
Sr. Marinho costuma
fazer é ligar para alguns de seus ajudantes de confiança mais imediata - Armando
Nogueira ou Alice Maria, por exemplo, que dirigem o departamento de jornalismo
- para comentários que
muito raramente são elogiosos".
In: NEPOMUCENO, Eric. O Nacional. Eo Dr. Roberto falou. Rio, n. 1. 15-21 jan.
1987. p.9.
23 GLOBO. 'Times 'destaca... op. cit.
pag:25
eu uso esse poder', confessou o empresário ao jornal norte-americano, 'mas
sempre de maneira patriótica,_tentai'4p corrigir as ~ coisas, procurando
caminhos para o país e seus estados. Nós gostaríamos de ter poder suficiente
para consertar tudo o que não funciona no Brasil. A isso dedicamos todas as
Página 11
A história secreta da Rede Globo
nossas
forças"'24. É significativo, e assustador, que o homem mais poderoso do país
admita que dedique "todas as suas forças" para manter e ampliar esse poder.
Como exemplo desse exercício de poder, o "Times" cita o antagonismo de Roberto
Marinho como governador do Rio, Leonel Bnizola:
"Num determinado momento, eu me convenci de que o sr. Leonel Bnizola era um mau
governador', afirmou o empresário. 'Ele transformou a Cidade
Maravilhosa num pátio de mendigos e marginais. Passei a considerar o Brizola
perigoso e lutei, realmente usei todas as minhas possibilidades para derrotá-lo
nas eleições.
"Alain Riding diz, no texto, que o empresário de fala mansa não vê nada de mal
nessa intervenção, que em diferentes ocasiões incluiu 'a promoção ou o ataque a
políticos ou assuntos'.
"'Usar o poder para perturbar um país, para destruir seus costumes, é algo
ruim', analisa o empresário. 'Mas usar o poder para impulsar coisas, como eu
faço, é
algo bom. Eu não acredito que isso vá ocupar muito as atenções da
Constituinte"'25.
O poder da Globo, administrado por Roberto Marinho, é usado
indiscriminadamente, de acordo com seus mais privados e imediatos interesses
políticos e econômicos, como analisa a revista Senhor:
"As Organizações Globo continuam fazendo, hoje, o que fazem, com breves
interrupções, há 61 anos, desde que o jovem Marinho herdou prematuramente o
jornal de seu pai - isto é, manter-se próximo do poder. Faz
NOTA DE RODAPÉ:
24 NEPOMUCENO, op. cit.
25 "O empresário Roberto Marinho certamente não contou ao jornalista Alain
Riding que, na Globo, houve um determinado dia - lá por setembro de 1983 - em
que mandou-se suprimir a palavra "somozista" dos noticiários, quando se fizesse
referências aos somozistas. E que não se pode dizer 'regime militar do general
Pinochet', deve-se dizer 'governo militar do presidente Pinochet'. E que em
política nacional, as regras são muito mais restritas. Durante muitos meses,
até mesmo nos telejornais locais, o governador Brizola não podia aparecer.
Depois, podia aparecer, mas não podia falar. Ou seja, ficava o governador do
Estado mastigando no ar enquanto um dos locutores contava o que ele tinha dito:
'Depois. o governador declarou.., sobre esse assunto, disse o governador...' E
o governador lá. mudo, abrindo aboca feito peixe".
In: Ibidem.
pag:26
isso mesmo correndo riscos (..)".
"(..)A esta altura, fica difícil saber quem deve mais favores a quem, s~ Sarney
à Rede Globo, ou se a Rede Globo ao Presidente da República. Deve
haver, de qualquer modo, um fundo de sinceridade na defesa do Cruzado, a defesa
que faria o pai de seu rebento desviado. A ponte avançada da Globo no Festival
Cruzado 1 instalou-se, com duas semanas de antecedência, no hotel Carlton, em
Brasília, de onde se descortina sintomaticamente a Esplanada dos Ministérios.
Ali Jorge
Serpa, amigo do peito do comandante, ex-jornalista, ex-diretor financeiro da
Mammesmann, preparou a propaganda pela TV. O homem da Globo ficou sabendo do
sigilosíssimo choque heterodoxo com dias de antecedência em relação, por
exemplo, ao principal articulador político do governo, o ministro Marco Macíel.
"A conexão política-negócios não nasceu no Brasil, não é de hoje e não vem a ser
uma estrada pela qual só trafeguem as Organizações Globo. Mas, no caso do dr.
Roberto Marinho, a conexão dá certo há décadas, e não é ocasional o fato de que
'o general civil das comunicações' - bajulação de um de seus subordinados, o
colunista
Página 12
A história secreta da Rede Globo
Ibrahim Sued - tenha deslanchado seu poderio sob a ditadura militar. (...) A
república fardada se foi, veio a nova, pelas mãos de Tancredo Neves, mas o dr.
Roberto
manteve-se na crista dos acontecimentos fundamentais da Nação.
"(...) Pode-se alegar que, ao informar que a Petrobrás está prestes a achar um
poço mirabolante na Amazônia, os noticiosos do jornalista Roberto Marinho ajudam
a
propiciar ganhos especulativos para a Distribuidora Roma, de títulos e valores,
da qual o empresário Roberto Marinho é dono. Vale ouro a informação, sobretudo
num
mercado financeiro onde "quem tem caixa faz a festa", como comenta um corretor
paulista. O dr. Roberto tem informação e tem caixa. Se existe algum melindre
entre o
papel público de quem noticia e o lucro privado de quem especula, esse melindre
não é, com certeza, um problema para o dr. Roberto.
"(...) Da parte do 'general civil das comunicações', a folha corrida insinua uma
vocação monopolística e põe em dúvida seu credo pretensamente. democrático. Os
22 anos da Rede Globo, sua mais formidável obra, são uma história de virtuosismo
técnico, sucesso comercial e má fé política. O homem que insiste em se dizer
jornalista
expurgou, de seus jornais impressos e televisivos, fatos que o incomodavam e
personagens por quem não nutria simpatias, reescrevendo as notícias como se
fosse possível reescrever a realidade (...).
"Os jornais que o dr. Roberto põe no ar ou bota à venda desconheceram a campanha
das diretas até o penúltimo comício, quando milhões de pessoas já tinham
saído às ruas (a primeira manifestação em São Paulo, dia 25 de janeiro
pag:27
de 1984, foi noticiada como 'festa de aniversário da cidade') e quando as
multidões já tinham até um estribilho para saudar a omissão da Globo.
"(...) Nos anos da ditadura, os jornais do dr. Roberto chamavam Médici de
democrata, negavam a tortura e expurgavam dom Paulo Arns e dom Hélder Câmara.
Nos tempos da Nova República, o chefão, pessoalmente, desce ao Departamento
Pessoal com a demissão dos funcionários graduados que haviam aderido à greve
geral do dia 12
de dezembro (de 1986) - ante a oposição meio constrangida de outros
diretores"26.
"Sim4..eu uso o poder"27, admitiu publicamente o presidente das Organizações
Globo nos primeiros dias de 1987, ano em que ele - associado com o banqueiro
Amador
Aguiar, dono do maior banco privado nacional -pretende passar a controlar
telecomunicações via satélite no Brasil28. No cenário da Nova República, parece
não haver, de
parte do dono da Globo, mais limites para a sede de poder e o apetite por
vantagens e favores. A existência da Globo parece seguir uma regra tão simples,
quanto aterradora,
como observou a revista alemã Der Spiegel: "engolir, tudo o que é possível
engolir"29. A origem deste desmesurado poder de Roberto Marinho, obtido através
da sua Rede
Globo, é o objeto deste livro. E o modo pelo qual este poder é exercido é o que
veremos nas próximas páginas deste capítulo.
NOTA DE RODAPÉ:
26 SENHOR.O atacado do Globo. São Paulo. n. 306. 27jan. 1987. p.44-S.
27 O ESTADO DE SÃO PAULO. "Globo" e o poder, nos EUA. São Paulo. op. cit.
1987. p. 9.
28 SENHOR. O atacado do sr. Globo. op. cit. p.45. e CHACEL, Cristina. Jornal do
Brasil. Engenheiro teme Embratel privatizada. Rio, l8jan. 1987. p. 31.
29 DERSPIEGEL, op. cit. p 259.
Página 13
A história secreta da Rede Globo
pag:28
NA REVISÃO DA ESTRATÉGIA, MARINHO CERCA TANCREDO.
Uma das decisivas manifestações do empresário Roberto Marinho diante do quadro
da sucessão do general Figueiredo ocorreu no início de 1984, como revela a
revista
Isto Ë "Logo depois do ano novo, num telefonema protocolar ao amigo de quarenta
anos, embaixador Luiz Gonzaga do Nascimentoe Silva, que serve, em Paris há cinco
anos, o dr. Roberto contou, com voz determinada como nos anos 60, quando apoiou
Jânio Quadros ou conspirou para derrubar o governo presidencialista de João
Goulart, que iria
'apoiar Aureliano Chaves, mesmo sabendo dos riscos sobre os meus interesses"'30.
Roberto Marinho não fazia essa confissão a um estranho. Luiz Gonzaga do
Nascimento e Silva era um confidente perfeitamente integrado à trajetória
política e
empresarial de Marinha Figura extremamente ativa no movimento que conduziu o
golpe de 1964, Nascimento e Silva foi um destacado militante do Instituto de
Pesquisas
Econômicas e Sociais (IPES) que, na preparação do golpe, funcionou como um
verdadeiro partido político dos empresários nacionais e multinacionais, reunindo
também
parlamentares, militares e intelectuais. Luiz Gonzaga do Nascimento e Silva -
ministro e colaborador assíduo dos governos pós-64 - foi também o advogado que
representou
os interesses de Roberto Marinho na assinatura dos contratos entre as
organizações Globo e p grupo norte-americano Time-Life, estabelecendo um vínculo
inconstitucional
que iniciou em 1961 e assegurou à Globo o impulso financeiro, técnico e
administrativo para alcançar o poderio que tem hoje.
O esgotamento do regime militar levou a que os outros conservadores que
participaram do Golpe de 64 se reaglutinassem em busca de uma "saída
civilizada",
procurando alternativas para a sucessão do general Figueiredo.
NOTA DE RODAPÉ:
30 ISTO Ë.O Fazedor de Reis op. cit. p.19.
pag:29
Perseguiam um processo de conciliação, temendo que o continuísmo puro e simples
levasse as contradições a um ponto de ruptura. A conversa entre Roberto Marinho
e Nascimento e Silva revelava o nome escolhido para deflagrar a conciliação:
Aureliano Chaves.
A evolução do quadro político com o crescimento da campanha das Diretas-Já3' e a
afirmação do radicalismo continuísta de setores das Forças Armadas, do PDS e do
empresariado, exigiu uma revisão de estratégia. A conclusão de que não era mais
possível enfrentar a máquina do continuísmo radical fez com que os setores
conservadores
que pregavam a conciliação passassem a apoiar as Diretas-Já. Foi neste momento
que a Rede Globo evoluiu, subitamente, do silêncio completo a uma grande
cobertura do
movimento das Diretas. Essa mudança no comportamento da Globo, portanto, não
pode ser creditada apenas ao crescimento avassalador do movimento das Diretas ou
mesmo ao apedrejamento de viaturas da emissora e vaias de populares a repórteres
em serviço, como passou a ocorrer.
capacidade da Globo para enfrentar os movimentos populares, aliás, já fora
amplamente comprovada na cobertura militante - evidentemente
a favor das grandes empresas - que sempre deu aos movimentos operários do ABC
Página 14
A história secreta da Rede Globo
paulista. E também quando a Globo teve um papel decisivo na montagem do quadro
nacional de fraude eleitoral em 1982.
Não se pode precisar exatamente a estratégia das forças conservadoras que
buscavam a conciliação. Mas, com certeza, as eleições diretas seriam uma
alternativa diante
do confronto com o continuísmo radical, sintetizado pelo ex-governador de São
Paulo, Paulo Salim Maluf, que tinha como maior instrumento de luta a manipulação
do
Colégio Eleitoral. Por outro lado, o apoio às Diretas também constituía um fator
de barganha para uma conciliação que deveria se processar através do canal
seguro do próprio Colégio Eleitoral.
A emenda Dante de Oliveira, que reinstituiria as eleições diretas, foi
derrotada. Mas tudo estava correndo dentro do previsto. A luta pelas Diretas e a
luta pela
conciliação eram controladas por relógios diferentes. A luta pelas Diretas, após
a derrota de Dante de Oliveira, foi imediatamente abandonada pelas forças
conservadoras.
As Diretas-Já tinham, para essas forças, um valor apenas simbólico, ainda que
importantíssimo para a legitimação da conciliação que entrava em seu momento
decisivo. Embora
houvesse tempo e condições institucionais para continuar a luta pelas Diretas, a
partir da derrota da emenda Dante de Oliveira, gerou-se a impressão pública de
que
a conci-
NOTA DE RODDAPÉ:
31 A campanha das Diretas-Já defendia a imediata realização de eleições diretas
para a
presidência da república, o que seria constitucionalmente permitido com a
aprovação da emenda apresentada pelo deputado Dante de Oliveira(PMDB-MT).
pag:30
liação teria inevitavelmente de processar-se através do canal estável do Colégio
Eleitoral.
Por isso tudo, o nome do situacionista dissidente, Aureliano Chaves, passou a
ser impróprio para sintetizar a conciliação, Era preciso um nome que atraísse as
oposições para a raia, repudiada nacionalmente, do Colégio Eleitoral. Nesse
contexto, não foi difícil fazer a conciliação pender para o lado 'de Tancredo
Neves, justamente o grande líder do Partido Popular -(o PP
criado no início do governo Figueiredo para ser uma alternativa de transição
civil e sem rupturas para a sucessão. O PP, que praticamente se apossou do PMDB
no processo
de fusão dos dois partidos e que foi o grande vitorioso - embora já extinto -
nas eleições de 82, finalmente cumpriu o seu maior destino. Consciente disso, na
própria
campanha das Diretas, Tancredo Neves emitia mensagens cifradas para os
articuladores da conciliação, lembrando sempre (muitas vezes enfrentando vaias)
que havia "tempo
certo" para essa luta.
A montagem da conciliação teve de enfrentar uma lógica óbvia: se era possível
aglutinar forças para vencer no Colégio Eleitoral, também, era possível reunir
forças
para desmanchar o Colégio. Para enfrentar essa lógica, politicamente
inconveniente, foi preciso deflagrar no país o temor da vitória do continuísmo
radical no Colégio.
Os meios de comunicação contribuíram decisivamente para injetar na população o
medo de que a conciliação não se processaria senão através do Colégio Eleitoral.
O Colégio
foi então definitivamente legitimado. E legitimar o Colégio
sigmficavaleg1tin~arQnome. de Tancredo Neves para conduzir a conciliação.
Página 15
A história secreta da Rede Globo
A aproximação entre Tancredo Neves e Roberto Marinho era imprescindível nesse
quadro, pois a conciliação deveria ser convenientemente veiculada nos meios de
comunicação. Os dois, segundo revela a revista Isto Ë, "se aproximaram
definitivamente em março passado (1984), quando Tancredo jantou no casarão de
Marinho, no Cosme
Velho, um dos pontos nobres do Rio. A iniciativa foi do dr. Roberto e o tema da
longa conversa foi a resolução do anfitrião de apoiar a alternância mesmo que o
candidato
fosse o convidado, no caso de um eventual esvaziamento da candidatura do vice
Aureliano Chaves"32. A candidatura de Aureliano, naquela oportunidade, já era
tida como inviável.
A aliança "democrática" entre Tancredo e Roberto Marinho não foi isenta de
tensões, tendo o empresário promovido evidentes demonstrações de força. Essa
tensão,
como revela a mesma reportagem de Isto Ë, "foi detectada na noite de 18 de
outubro (de 1984) por alguns viajantes tancredistas numa caravana de 105
poderosos
empresários, o dr. Roberto entre eles, que foram
NOTA DE RODAPÉ:
32 ISTO É. O Fazedor de Reis. op. cit. -p.2O.
pag:31
passar três dias na região de Carajás, num programa de reconhecimento organizado
pela companhia Vaie do Rio Doce e pelo presidente do Grupo Bradesco, Antônio
Carlos
de Almeida Braga. Desde a partida do Rio, viu-se que Marinho estava chateado.
Com muito tato, Márcio Fortes, herdeiro e principal executivo da construtora
João Fortes,
conversou e desconversou, ajudado pelo também tancredista Sérgio Quintella, do
Grupo Montreal, até que na noite seguinte, uma sexta-feira, descobriram que o
dr. Roberto
estava determinado a romper com o candidato das oposições - e já tinha mesmo
escrito o editorial definitivo para ser publicado na segunda-feira seguinte. O
motivo era a
confraternização de Tancredo com um desafeto do dr. Roberto -que adicionalmente
é inidôneo (o nome qualificado por Isto 12 como 'inidôneo' é o do jornalista
Hélio
Fernandes)33. O telefone não parou de tocar entre o Pará, Brasília e Rio, até
que o candidato concordou em se apresentar e dar explicações, em pleno domingo,
tão logo o grupo pousou de volta no Rio. O editorial foi cancelado e a Aliança
Democrática sobreviveu ao abalo, mas o dr. Roberto também cristalizou sua
disposição para ficar ao largo
do situacionismo"34.
Desfrutando de um poder capaz de fazer o presidente Tancredo Neves justificar
seus passos políticos e mesmo suas relações pessoais - sob a ameaça de lançar
contra
ele toda a força das organizações Globo - não é difícil entender como Roberto
Marinho fechou o cerco sobre Tancredo assegurando, inclusive, que o Ministro das
Comunicações fosse pessoa de sua confiança. E nem causa estranheza que, no dia
de sua eleição pelo Colégio Eleitoral, tenha sido com o empresário Roberto
Marinho que
Tancredo almoçou festivamente.
NOTA DE RODAPÉ:
33 CASTRO, Tarso de. Folha de São Paulo. Isto é imprensa? São Paulo. 10 dez.
1984.p.24.
34 ISTO É .O Fazedor de Reis. op. cit.p.19-2O.
Página 16
A história secreta da Rede Globo
pag:32
ANTÔNIO CARLOS MAGALHÃES:
UM ALIADO IMPRESCINDÍVEL
Aliaras oposições históricas e os setores conservadores em torno da candidatura
Tancredo Neves através do Colégio Eleitoral exigiu muito esforço. Não há dúvida,
porém de que o maior esforço desse trabalho de conciliação foi orientado para'
'ganhar" os conservadores: atrair os dissidentes e neutralizar o continuísmo
radical35. Muito
cedo, no PDS, surgiu a certeza de que a indicação de Paulo Maluf para a disputa
no Colégio era inevitável. Logo ficou claro que o outro nome do PDS, o do
Ministro
do Interior Mário Andreazza, tido como candidato do General Figueiredo, não
teria chance na disputa com Maluf. Desde o começo de 1983, um dos
"andreazzistas" mais
expressivos. Antônio Carlos Magalhães, já mantinha entendimentos com Tancredo
Neves. No dia 14 de junho de 1984, Tancredo encontrou-se com Andreazza, sob o
patrocínio de Magalhães, como revela a revista Veja:
"Logo que chegaram ao apartamento 801 do Edifício Golden State, entre os postos
dois e três (avenida Atlântica, Rio de Janeiro), Andreazza e Antônio Carlos
foram
conduzidos por Tancredo até a varanda de sempre e, reanimados apenas por xícaras
de café, mergulharam numa conversa que durcu até as duas da madrugada. Andreazza
foi claro. Figueiredo, disse, não o
NOTA DE RODAPÉ:
35 No final do governo Figueiredo explicitou-se claramente uma articulação
política de membros das Forças Armadas, empresários e burocratas estatais, que
aqui definimos como "continuísmo
radical". Essa articulação defendia a continuidade dos militares na Presidência
da República. Uma de suas vertentes, advogava a manutenção do general
Figueiredo. Outra vertente exigia a
posse de um militar "mais duro". O continuísmo radical era o continuísmo num
sentido estrito, e seria a manutenção do regime sem concessões significativas no
plano político. Na
verdade, sem esse sentido estrito de continuísmo, também a candidatura Maluf
poderia ser considerada como uma alternativa de continuidade do regime, de
manutenção da
pag:33
estava apoiando em sua campanha. Se ele pudesse anunciar ao presidente que
teria, no Colégio Eleitoral, os votos controlados por Tancredo no PMDB, talvez
conseguisse
tirá-lo de sua apatia. Tancredo podia ajudar? O então governador (de Minas
Gerais) disse que sim - certo de que Andreazza não tinha mais chances e que, ao
apoiá-lo, estava
adquirindo o direito de cobrar, mais tarde, a mesma simpatia (a reunião ocorreu
na madrugada do dia 15 de junho de 1984)".
"A um certo momento Andreazza levantou-se para ir ao banheiro. Rapidamente,
Tancredo sussurrou para Antônio Carlos: 'Precisamos conversar sozinhos?' Pode
ser?". Podia. A conversa com Andreazza encerrou-se cordialmente e, dias depois,
Tancredo e Antônio Carlos voltaram a encontrar-se - pela manhã e sempre no
Edifício Golden State.
"- Se o Maluf ganhar a convenção do PDS, a Bahia me apóia? - indagou Tancredo
Neves.
"- Sim - devolveu Antônio Carlos na hora - Mas só se o Maluf ganhar. Se der
Andreazza na convenção, vou com ele até o fim.
"- Então eu vou começar a pensar sério em renunciar ao governo do Estado -
Página 17
A história secreta da Rede Globo
encerrou Tancredo"36.
A costura desse acordo com Andreazza e Magalhães rendeu a Tancredo, após a
vitória de Maluf na convenção do PDS, o discreto apoio do primeiro e a
militância
engajada do segundo. O jornalista Villas-Bôas Corrêa conta a evolução deste
acordo, logo após a derrota de Andreazza na convenção do
PDS:
"No dia seguinte (à convenção do PDS), 12 de agosto, a festiva Convenção do
PMDB, no embalo da vitória já desenhada, consagrou a chapa Tancredo Neves-José
Sarney. E nesta mesma noite, às 22 horas, o candidato Tancredo Neves esteve
discretamente na casa do Embaixador Paulo Tarso Flecha de Lima, onde Antônio
Carlos se
hospeda em Brasília A conversa foi aberta e conclusiva. Antônio Carlos jogou na
mesa o seu cacife político que liquidava a fatura. Entendido com o Governador
João
Durval, da
Bahia, controlava 15 dos 25 deputados do PDS baiano. Mais quatro estavam
comprometidos com a Frente Liberal.
"A conversa não acabou aí. Antônio Carlos recordou o sabido, desfilando os seus
problemas estaduais. A Bahia ou é perdidamente a favor ou encarniçadamente
hostil
à sua liderança. Ele necessitava de uma posição federal até para sair do Estado
e não entrar em atrito com o seu aliado
NOTA DE RODAPÉ
hegemonia política dos principais grupos que sustentavam o regime militar. E
também a candidatura Tancredo-Sarncy representava, do ponto de vista dos
interesses de classes predominantes no Brasil, uma
continuidade, embora envolvendo uma ruptura "democratizante" no plano político.
36 VEJA. O Torpedo baiano. São Paulo, n. 854. 1 jan. l985.pk38.
pag:34
Governador. A hora era de efusão propícia. Colou na amabilidade bem administrada
de Tancredo:
"- Você será, no meu Governo, ministro do que quiser"37.
Lutando por fora do processo de conciliação, os setores engajados no continuísmo
radical chegaram a patrocinar um clima de golpe militar
- de sustentação duvidosa -
mas que também mostrava-se muito útil para legitimar e robustecer as manobras
conciliatórias. Esse contexto levou a que mesmo os setores que se apresentavam
como
progressistas afirmassem a necessidade e a inevitabilidade da conciliação.
A "questão militar" gerada pelo continuísmo radical levou Tancredo Neves a
buscar uma base de apoio nas Forças Armadas, alargando cada vez mais as
concessões.
Essa tensão foi finalmente dissipada no dia 20 de novembro de 1984, com a
reunião do Alto Comando do Exército que decidiu o afastamento do general Newton
Cruz do
Comando Militar do Planalto, uma das figuras centrais das articulações
golpistas38.
A resolução da "questão militar", entretanto, começou a ser definida um pouco
antes, no confronto de Antônio Carlos Magalhães com o ministro da Aeronáutica,
Délio
Jardim de Mattos. O general Figueiredo estava desesperado com a migração dos
"andreazzistas" derrotados na convenção do PDS. No dia 4 de setembro, como
revela a
revista Veja, ocorreu a "inauguração das no-instalações do Aeroporto Dois de
Julho, em Salvador, quando o ministro Délio Jardim de Mattos teve a idéia
Página 18
A história secreta da Rede Globo
fatídica de
agredir
Antônio Carlos em sua casa, e no dia de seu aniversário. O torpedo que levou de
volta acabou de vez com a candidatura Maluf e com qualquer autoridade que o
governo
ainda pretendesse ter sobre a sucessão.
"Desde a véspera, Antônio Carlos sabia que Délio vinha a Salvador para fazer um
discurso duro contra os dissidentes do PDS, e ficou prevenido. Ele soube,
também,
que, no jato que conduzia a comitiva de Brasília a Salvador, Délio mostrara dois
textos de seu discurso a Figueiredo - e o presidente escolheu o mais duro. Seja
como for, ele
estava decidido: iria responder aos ataques na hora, e no mesmo tom.
"Délio iniciou sua catilinária às 10h l5min da manhã, reprovando os traidores.
Às 1lh l0min uma cópia do discurso, levada de carro do aeroporto até o
apartamento de
Antônio Carlos no bairro da Graça por um emissário previamente destacado para a
missão, aportava às mãos do ex-governador. Às 12h30mín ele pediu licença aos
amigos
que lotavam o seu apartamento para cumprimentá-lo pelo aniversário, trancou-se
em seu escritório e, em quinze
NOTA DE RODAPÉ:
37 CORREA, Villas-Bôas. Jornal do Brasil. Antônio Carlos Magalhães ou a arte da
perfeita baldeação. Rio de Janeiro. lOmar. 1985. Caderno Especial p. 1.
38 VEJA. Cem dias de medo. São Paulo, n.854. l6jan. 1985. p.40-45.
pag:35
minutos, escreveu à mão e num jato só sua resposta a Délio. A frase central,
repetida depois brutalmente na 1V (e com especial destaque na Rede Globo),
ficaria como uma marca feita a ferro na sucessão:
"-Traidor é ele, que apóia um corrupto.
'Pela primeira vez em vinte anos, alguém falava neste tom a um ministro militar.
Todo o medo de 'vetos militares' à candidatura Tancredo evaporou-se, e outros
dissidentes encheram-se de coragem para agir. A cortina final acabava de baixar
sobre a candidatura Paulo Maluf"39.
Magalhães, assim, teve atuação destacada para atrair os dissidentes do PDS para
a candidatura de Tancredo no Colégio Eleitoral. O ex-governador da Bahia,
elevado à
condição de herói nacional pelo fulminante ataque a Maluf, passou a ser figura
de sustentação da própria Aliança Democrática. Na eleição do presidente da
Câmara Federal,
por exemplo, a situação complicou-se para Tancredo quando o deputado Alencar
Furtado resolveu levar à frente sua candidatura, enfrentando Ullisses Guimarães.
Nesse episódio, em que Ulisses venceu por uma estreita margem de votos,
Magalhães novamente deu importante contribuição. Para enfrentar os votos do PDS
malufista e de muitos
pedetistas, petistas e peemedebistas, Magalhães mobilizou os votos dos
dissidentes do PDS com seu velho estilo: solicitações, pressões e até mesmo
ameaças.
Tancredo saberia demonstrar seu reconhecimento. Na época da disputa da
presidência da Câmara, em março de 1985, diante de um documento assinado por 180
parlamentares do PMDB que defendiam a indicação do deputado Freitas Nobre para o
Ministério das Comunicações e que posicionavam-se contra Antônio Carlos
Magalhães, Tancredo arrematou uma pergunta embaraçosa:
"- Quantos desses votam em Ulisses?"40.
Página 19
A história secreta da Rede Globo
Para driblar constrangimentos desse tipo, Tancredo omitiu a composição do seu
Ministério até ás vésperas da sua posse. Mesmo assim, as pressões por um ou
outro
nome persistiam. No dia 6 de março de 1985, Tancredo recebeu o senador Severo
Gomes (PMDB-SP), os Deputados Odion Salmória (PMDBSC) e Cristina Tavares
(PMDBPE)
e representantes dos setores de comunicação e informática. Estes entregaram
a Tancredo documentos com reivindicações de medidas para a área da comunicação.
Nessa reunião, especialmente os dois deputados, Salmôria e Cristina, expressaram
a Tancredo a inconformidade com a possibilidade de Antônio Carlos Magalhães
ocupar o Ministério das Comunicações e também com a ameaça de permanência no
cargo do secretário geral deste ministério, Rômulo
NOTA DE RODAPÉ:
39 VEJA. O torpedo baiano, op. cit. p.39
40 Relatado por participantes da reunião.
pag:36
Villar Furtado. Salmória chegou a dizer que "aquelas indicações comprometiam não
só o Ministério das Comunicações, mas o governo como um todo". Em resposta a
essa
argumentação, Tancredo só dissimulou. "O ministro não está escolhido" - repetiu
várias vezes - "Antônio Carlos Magalhães será ministro mas não necessariamente
das comunicações". Mas Tancredo se traiu e deixou transparecer que o seu
ministro das Comunicações seria alguém inacessível aos participantes da reunião.
Em dado momento,
Tancredo comprometeu-se a ser "interlocutor" das reivindicações que ali estavam
sendo apresentadas "fosse qual fosse o ministro". Para os presentes, soou
estranha esta
afirmativa. Por isso, foi perguntado a Tancredo: "o senhor, interlocutor?". E
Tancredo confirmou o sentido da sua frase, gracejando: "Por quê? Vocês acham que
há alguém
mais indicado que eu?". No final do encontro, para vários dos participantes,
apesar das negativas de Tancredo, a escolha de Magalhães já estava assegurada41.
Além desta reunião, registraram-se inúmeras manifestações contra Antônio Carlos
Magalhães. A assessoria de Tancredo chegou a comentar que na maioria das
audiências concedidas por Tancredo, nos dias que antecederam o anúncio do
Ministério, foi levantado o "caso Magalhães".
Três dias antes da apresentação oficial dos integrantes do novo ministério,
apesar da solicitação expressa de Tancredo para que os convidados não se
manifestassem
publicamente, Antônio Carlos Magalhães - como se estivesse tentando tranqüilizar
os reduzidos mas poderosos setores que o apoiavam - concedeu entrevistas à
imprensa
praticamente assumindo o Ministério das Comunicações Essas entrevistas,
evidentemente, ganharam grande destaque, especialmente nos veículos das
organizações Globo.
O anúncio do ministério Tancredo, no dia 12/3/85, por isso, não surpreendeu.
O que surpreendeu, nessa fase de transição de governo, foi a manutenção do
secretário geral do Ministério das Comunicações, Rômulo Vilar Furtado. Para
diversos
interlocutores, Tancredo Neves garantiu que Furtado não permaneceria no cargo
pela terceira gestão consecutiva. Furtado iniciou como secretário geral do
ministro
comandante Euclides Quandt de Oliveira, no governo Geisel. Posteriormente, as
grandes empresas de radiodifusão e da área de telecomunicações tentaram fazê-lo
ministro
das Comunicações, no governo Figueiredo. Tentaram, mas não conseguiram derrubar
o veto de certos setores das Forças Armadas que pesava sobre Furtado42. Ele foi
mantido na Secretaria Geral, atuando como "ministro de fato" das Comunicações.
Rômulo Vilar Furtado está por trás de algumas das piores coisas
Página 20
A história secreta da Rede Globo
NOTA DE RODAPÉ:
41 Relatado por participantes da reunião.
42 Informação prestada pelo general Octávio Costaem entrevista concedida ao
autor.
pag:37
ocorridas no Ministério das Comunicações nesse largo período em que vem atuando
como secretário geral. Nos últimos meses do governo Figueiredo, por exemplo,
Furtado
comandou a partir do Ministério das Comunicações
- articulado com o senador Roberto Campos (PDS-MT) - uma luta contra a política
desenvolvida pelo próprio governo, através da Secretaria Especial de Informática
(SEI).
Essa luta prosseguiu no governo Sarney, sendo as posições de Furtado hoje
apoiadas publicamente por Antônio Carlos Magalhães.
No governo Figueiredo, enquanto Furtado organizava a reação antinacionalista no
Ministério das Comunicações, sua esposa, a deputada 'malufista' Rita Furtado
(PDSRO)
cumpria na Câmara dos Deputados o mesmo papel que o senador Roberto Campos
desempenhava no Senado. Derrotados, pelo menos parcialmente, na luta pela
ampliação da presença dos interesses internacionais no setor de informática e
vendo seu candidato (Paulo Salim Maluf) perder as chances no Colégio Eleitoral,
os Furtado
mudaram rapidamente de tática: Rita Furtado surpreendeu seus colegas
"malufistas" ao votar em Tancredo Neves.
Quando se avolumaram as reações à indicação de Antônio Carlos Magalhães para o
Ministério das Comunicações, surgiu o nome do deputado Freitas Nobre,
apresentado por setores do PMDB. Diante da crescente polarização entre Magalhães
e Freitas Nobre, o presidente das organizações Globo, Roberto Marinho, fez uma
exigência a Tancredo: podia até rediscutir o nome do ministro, mas Rômulo Villar
Furtado deveria permanecer na Secretaria Geral43. A pressão de Roberto Marinho
teve
sucesso. No dia 19/3/85, com Tancredo agonizando, Antônio Carlos Magalhães
confirmou publicamente a manutenção provisória de Furtado na Secretaria Geral.
As reações à permanência de Furtado provocaram um inicio de crise no PMDB. Essa
situação fez com que o vice-presidente em exercício, José Sarney, não quisesse
comprometer-se com a confirmação de Furtado na Secretaria Geral, preferindo
deixar essa responsabilidade para Tancredo Neves, quando ele se restabelecesse
da doença e
assumisse a Presidência. Sarney, numa atitude que surpreendeu a setores do
próprio governo, negou-se, no dia 19/3/85, a assinar uma série de despachos do
ministro Antônio
Carlos Magalhães, das Comunicações. Sarney argumentou "que só poderia fazê-lo
depois de consultar o presidente eleito, Tancredo Neves" 44. Fontes do próprio
Ministério
das Comunicações, na época, garantiram que entre esses atos estava a nomeação de
Rômulo Vilar Furtado para a Secretaria Geral, na sua terceira
NOTA DE RODAPÉ:
43 Informação confirmada por fonte intimamente ligada a Tancredo Neves.
44 Conforme telegramas das agências Estado, Globo e JB.
pag:38
gestão consecutiva. A demora na recuperação do presidente, entretanto, fez com
que Magalhães atropelasse compromissos firmados por Tancredo junto ao PMDB e
acelerasse a confirmação definitiva de Vilar Furtado na Secretaria Geral do
Ministério das Comunicações.
Assim mesmo, com a importância adquirida por Magalhães na composição da Aliança
Página 21
A história secreta da Rede Globo
Democrática, não foi fácil para Tancredo acomodá-lo no seu Ministério,
Enfrentando intensa resistência do PMDB. O preço pago por Tancredo para
recompensar Magalhães foi muito alto. Custou não só a hostilidade aberta de
setores do PMDB
mas também outros dois Ministérios, essa preciosa e escassa moeda para remunerar
as transações políticas pré e pôs-eleitorais. Graças a Magalhães, a Bahia acabou
ficando
com três Ministérios, como explica o jornalista Villas-Bôas Corrêa:
"O PMDB do ex-Governador Roberto Santos reclamou, não podia ficar de fora em
discriminação desmoralizante, e ganhou o Ministério da Saúde para o Deputado
Carlos Sant'Anna. Foi a vez de o PMDB tradicional protestar, botando a boca no
mundo. Miados sim, mas negócios à parte. A oposição baiana para valer, com
carteira
assinada, tradição de luta, é o velho PMDB de muitas campanhas e muitas
derrotas. E ganhou o Ministério da Previdência Social para Waldir Pires. (...)
Antônio Carlos mirou
um ministério, acertou em três. (...) Três ministros, o mesmo que o Partido da
Frente Liberal. Antônio Carlos e o PFL empataram" 45.
Mas por que o Ministério das Comunicações? Tancredo prometera "qualquer"
Ministério. Teria o das Comunicações simplesmente sobrado para Magalhães? Há
quem
garanta que não. Para estes, o Ministério das Comunicações foi criteriosamente
selecionado por Magalhães, depois de descartadas as duas prioridades de qualquer
político
profissional "ministeriável": a prioridade um, sem dúvida, era o Ministério do
Interior, que seria enfraquecido com as fragmentações que sofreria; e a
prioridade dois seria o
Ministério das Minas e Energias, com suas ricas estatais (Petrobrás, Eletrobrás,
Vale do Rio Doce, etc.) mas este já estava destinado como prêmio de consolação
para o "ex-presidenciável" Aureliano Chaves. Villas-Bôas Corrêa defende essa
tese e explica porque Magalhães teria então escolhido o Ministério das
Comunicações.
"Pousa agora, calculadamente, no campo que escolheu entre as alternativas
possíveis. Um ministério que tem os seus inegáveis encantos, especialmente
sensíveis a um político. Não há por todo o país um lugarejo por mais pobre e
escondido que seja que não tenha a sua agência de correio e telégrafo, o posto
telefônico, onde não se ouça
rádio e que não se faça a cabeça
NOTA DE RODAPÉ:
45 CORREA, Villas-Boas. op. cit.
pag:39
com as novelas coloridas da televisão. E tudo isso arrumado: as comunicações
assinalam um dos raros êxitos indiscutíveis dos vinte anos de governos
militares. Regado com
verbas razoáveis, manipulando recursos próprios. Instigando a utilização esperta
em áreas de instantâneo apelo popular, como na projetada utilização do sistema
de comunicação nacional para que funcione como um regulador de preços de gêneros
de primeira necessidade. Podendo ser útil ou indispensável às emissoras de rádio
e televisão, fazendo o mínimo que e não embaraçar o caminho por onde transitem
os legítimos interesses de cada um" 46
A escolha de Magalhães para o Ministério das Comunicações deriva deste quadro
politicamente complexo. Por um lado, um conservador com o passado de Magalhães,
empresário da área de comunicação, surgiu como um nome confiável - talvez o
único que despontasse tão "naturalmente" - e credenciado para receber o apoio
militante
de Roberto Marinho. Por outro lado, as razões para a escolha de Magalhães também
devem ser buscadas na natureza do processo da conciliação, nas condições
Página 22
A história secreta da Rede Globo
inerentes às
coligações que levaram Tancredo Neves ao poder. O futuro iria mostrar que
Magalhães, o imprescindível aliado de Tancredo, era mesmo o melhor nome para
representar os interesses de Roberto Marinho no Ministério das Comunicações. Ëo
que veremos a seguir.
NOTA DE RODAPÉ:
46 Ibidem.
pag:40
MARINHO E MAGLHÃES: BONS NEGÓCIOS.
A presença de Antônio Carlos Magalhães no Ministério da Comunicações ampliou a
influência de Roberto Marinho. Um dos episódios exemplares dessa nova fase de
relacionamento entre a Globo e o Ministério das Comunicações foi a transferencia
do controle acionário da NEC do Brasil (NDB) do empresário Mário Garnero para
Roberto Marinho, consumada em outubro de 1986.
Instalada no país a 20 anos, a NEC do Brasil - subsidiara da Nippon Electric
Compary - passou por uma significativa reformulação em 1981, coma implementação
da política industrial definida pelo Ministério das Comunicações para o setor.
Essa política refletia a instalação, em 1979, da Secretaria Especial da
informática (SEI), responsável por medidas de proteção das empresas de capital
nacional e estímulo ao desenvolvimento da tecnologia brasileira. Desde o
surgimento da SEI, tornara-se incômoda a tolerância do Ministério das
Comunicações com o monopólio do capital e da tecnologia estrangeira na indústria
de telecomunicações. Apesar de ser quase totalmente dependente das encomendas
das empresas estatais ligadas ao Ministério das Comunicações a indústria de
telecomunicações nunca sofreu exigências como as que passaram a ser feitas pela
SEI à indústria de informática. Ao contrário, enquanto a SEI reservava
seguimentos de mercado exclusivamente para empresas nacionais, o Ministério das
Comunicações executava política inversa, reservando cartorialmente mercado para
empresas estrangeiras. Esse é o caso das centrais telefônicas, cuja demanda das
estatais era suprido por um restrito clube formado pelas multinacionais Standard
Electric, Simens, Ericsson e NEC.
Para fortalecer esta política, o Ministério das Comunicações promoveu, com a
diligente atuação do secretario geral Rômulo Villar Furtado, um processo de
"nacionalização" das empresas estrangeiras através da presença de
pag:41
um sócio nativo que detivesse 51% do capital com direito a voto. Dissimulando a
presença do capital estrangeiro no setor de telecomunicações e - o que é
decisivo - o controle da tecnologia, as "nacionalizações" pretendiam defender
estas empresas da política, de traços nacionalistas, implementada pela SEI.
A entrega 51% do capital votante para sócios nacionais evidenciava a preocupação
das indústrias estrangeiras, não só com a manutenção das posições no mercado de
telecomunicações, mas com a necessidade crescente de avançar sobre o mercado da
informática. Impulsionada pelo acelerado desenvolvimento tecnológico da última
década, a indústria de telecomunicações aproxima-se cada vez mais da indústria
de informática. Seja pela incorporação de componentes e microprocessadores
originalmente usados em computadores, que fazem os equipamentos de
telecomunicações cada vez mais "inteligentes", seja pela simples fusão de
serviços de telecomunicações e informática que torna cada vez mais difícil
distinguir os sistemas de comunicação dos sistemas de processamento eletrônico
de dados. Os computadores afirmam-se como centrais de controle de comunicação,
versões muito melhoradas das antigas centrais de telefonia, e os aparelhos de
telefonia se sofisticam transformando-se em terminais de computador. Redes de
telecomunicações e equipamentos de processamento de dados fundem-se num mesmo
sistema: é a telemática viabilizando serviços que há poucos anos pertenciam ao
terreno da ficção cientifica.
As "nacionalizações" promovidas pelo Ministério das Comunicações, no inicio da
Página 23
A história secreta da Rede Globo
década de 80 serviram para "maquiar" a presença do capital estrangeiro na área e
armar as indústrias de telecomunicações com argumentos para furar o blqueio da
reserva de mercado controlada pela SEI. O governo do general Figueiredo ficou
dividido entre as posições do Ministério das Comunicações e as da SEI. As
contradições explicitaram-se publicamente e persistiram sem solução na Nova
República, com os grupos de interesse firmemente entrincheirados nas duas áreas.
47.
NOTA DE RODAPÉ:
47 Alguns meses após o surto de "nacionalização", quando a Secretaria Especial
de informática (SEI) dava primeiros passos, começou a acirrar-se a luta pela
Política de Informática e essas empresas "nacionalizadas" passaram a reivindicar
seu ingresso no mercado reservado às indústrias nacionais. Por sua condição,
essas indústrias de telecomunicações estavam impedidas de entrar no mercado de
informática por não estar sob controle nacional a tecnologia utilizada. Iniciou
então um intenso debate sobre o conceito de empresa nacional que colocou em
confronto direto o Ministério das Comunicações, aliado às grandes empresas
estrangeiras e a Secretaria Especial de Informática.
pag:42
Foi nesse jogo pesado de disputa de mercado que, em 1981, aproximaram-se o
empresário Mário Garnero, líder do grupo Brasilinvest e os japoneses da NEC.
'Garnero, que trafegava com facilidade nos gabinetes oficiais, tinha influência;
os japoneses, dinheiro"48 . Conduzida pelo secretário geral do Ministério das
Comunicações
Rômulo Villar Furtado, a associação de Garnero com os japoneses, que
"nacionalizou" a NEC, foi acertada sem maiores problemas.
Os problemas começaram a surgir mais tarde quando evidenciou-se para os
japoneses o estilo de Garnero que, aproveitando-se da situação, insistia em
controlar
efetivamente a NEC. "Ao se tornar sócio da NEC do Brasil, com maioria de votos e
minoria de ações ordinárias, 53 japoneses ocupavam cargos-chaves de
gerenciamento.
Três anos depois, não chegaram a 20. Moviam a Garnero não propriamente razões de
natureza patriótica mas conveniências, já que, por medida de economia, era bom
ir reduzindo a importação de tecnologia do Japão" 49.
A precária harmonia entre Garnero e os sócios japoneses, estimulada pelas
perspectivas do negócio, durou até março de 1985 quando numa medida ~e impacto,
o governo federal decretou a liquidação extrajudicial do Banco Brasiinvest e das
demais empresas financeiras pertencentes ao grupo. As irregularidades
constatadas levaram o
então ministro da Fazenda, Francisco Dornelles, a solicitar a prisão preventiva
de Mário Garnero.
Gamero controlava a sua parte de ações da NEC do Brasil através da Brasilinvest
Informática e Telecomunicações (BIT). Essa empresa não foi atingida, de
imediato, pela liquidação dos ramos financeiros do grupo Brasilinvest. Mesmo
assim, a repressão as atividades ilícitas de Garnero era o que faltava para os
japoneses decidirem
se afastar do sócio brasileiro.
NOTA DE RODAPÉ:
Nesse quadro, em abril de 1983, o empresário Mário Garnero envolveu-se num
rumoroso acontecimento ao precipitar, como presidente em exercício da
Confederação Nacional da Indústria,
a divulgação pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP), de um
documento que atacava frontalmente a política de informática que vinha sendo
conduzida pela SEI.
Esse documento formalizou o conflito de interesses nacionalistas e
multinacionais em relação à política de informática no Brasil.
Página 24
A história secreta da Rede Globo
Além do destacado papel em defesa dos interesses multinacionais, a atuação de
Mário Garnero em conjunto com a equipe entreguista do Ministério das
Comunicações pode ser
acompanhada no processo de instalação do projeto Videotexto, em São Paulo, que
iniciou a partir de uma proposta do grupo Brasiinvest. Por muitos meses, o
projeto Videotexto fui
dirigido por um serviço especial de consultoria do grupo Brasilinvest, até que
esses vínculos foram
48 SENHOR. O atacado do sr. Globo. op. cit p.41.
49 lbidem
pag:43
"O cerco nipônico buscou espaço, primeiro, na Justiça. Uma ação cautelar da NEC
Corporation - o sócio japonês - tentava assegurar-lhe preventivamente o controle
da
NEC do Brasil, já que o sócio brasileiro se encontraria impedido de exercer, de
fato, o controle da companhia. O sócio, porém, não era o dr. Garnero, pessoa
física, e sim a
BIT, pessoa jurídica, da qual Garnero era um dos acionistas, mas não o único. A
Justiça não acatou a ação, mesmo tendo os japoneses juramentado que o controle
estrangeiro,
contrário à lei, seria temporário o suficiente para se encontrar um substituto
para Gamero.
"Não houve acordo, só eventuais tréguas, na reuniões que se sucederam
asperamente, de outubro de 1985 aos primeiros meses de 1986, com direito
eventual até a
doses duplas de uísques às 10 da manhã e queixas contra autoridades federais que
haviam recebido propinas milionárias para resolver o impasse, e não tinham
resolvido.
"O sócio japonês continuou plantando espinhos no caminho do sócio brasileiro,
escorado, já então, na defecção voluntária de dois dos quatro diretores nomeados
por
Garnero, numa diretoria de sete, e na ajuda involuntária da repercussão pública
do 'affair' Brasillnvest" 50
Com o passar do tempo, os japoneses aumentaram a pressão sobre Garnero. Através
do advogado Ethevaldo Alves da Silva, dono das Faculdades Metropolitanas
Unidas (FMU) e da Rádio Capital de São Paulo, foi tentada a extensão da
"liquidação extrajudicial do grupo Brasilinvest ao até então tronco das
telecomunicações, a BIT"51
Ethevaldo Alves da Silva -'foi, na verdade, quem comprou as CDBs do credor Jamil
Zeitune, bem depois da liquidação extrajudicial, para poder entrar na briga.
Depois do pedido de
NOTA DE RODAPÉ:
oficialmente extintos com o desligamento do "consultor" Luis Carlos Moraes Rego,
do Brasilinvest. que passou a apresentar-se como consultor independente
permanecendo
até hoje
na direção do Vídeo texto paulista.
O interesse do Brasilinvest no Videotexto começou justamente depois que o
governo Figueiredo recuou da intenção de implantar por decreto o Serviço de TV
por Cabos
Ou Cabodifusão em
1979. A tentativa de implantação da TV por Cabos é outra manobra conduzida por
Rômulo Villar Furtado, Secretário das Comunicações. Furtado desde 1974 coordenou
a elaboração
de uma legislação que visava garantir o monopólio da IV por Cabos por algumas
grandes empresas da área da comunicação (com destaque para a Globo), contando
com a tecnologia das
indústrias multinacionais de telecomunicações. Através das redes de IV por Cabos
esses grupos da área da comunicação, associados às multinacionais de
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A história secreta da Rede Globo
telecomunicações, pretendiam
controlar o desenvolvimento da telemática (fundindo os
50 Idem, p. 42.
51 Ibidem
pag:44
falência, veio o pedido de arresto dos bens. Garnero estava acuado "52
"Garnero estava vendido, mas tinha um preço, e não era esse preço exatamente o
mesmo que os japoneses da NEC insinuavam lhe pagar: isto é, nada. A pretexto de
empréstimos contraídos pelo Brasilinvest junto à companhia e a cobranças
pendentes, achavam os japoneses bastante razoável que Garnero saísse pela porta
da NEC com os
bolsos vazios. Os planos de Garnero eram outros. Havia interessados no negócio,
e ele queria presidir o acerto. O Banco Nacional, a princípio, fez um aceno,
para logo
desaparecer. Com Matias Machline, comandante do Grupo Sharp, chegou-se a fechar
o negócio em abril do ano passado (1986), numa reunião definitiva, onde até o
cheque foi assinado. A reunião terminou tarde da noite, no escritório de
Machline, mas na manhã seguinte ele surpreendentemente recuou O que se diz é que
Machline, um dos amigos mais íntimos de Sarney, não quis pôr em risco esta
amizade, após receber um telefonema dissuasório do Palácio do Planalto. A
Moddata, grupo carioca da área de
informática, se apresentaria em seguida, mas, assim como veio, foi-se:
subitamente.
"O telefonema persuasivo do Palácio do Planalto pode pertencer à lenda, não à
realidade, mas o fato é que, em abril de 1986, o destino da sociedade comercial
chamada
NEC do Brasil emaranhava-se num enredo mais complexo. Deixava o reduto da rua do
Paraíso, em São Paulo, para se esparramar em outros territórios, cujos vértices
passariam a ser a rua Irineu Marinho, no Rio, e a Esplanada dos Ministérios, em
Brasília. Desponta no horizonte o nome Roberto Marinho. (..j Marinho é homem do
jornalismo e das comunicações, mas parece que andava meio distraído do assunto.
Quem lhe chamou a atenção para a NEC foi Rômulo Vilar Furtado, secretário geral
NOTA DE RODAPÉ:
serviços de telecomunicações e informática) no Brasil. Com os serviços de IV por
Cabos implantados, seria um ambiente propício à internacionalização da indústria
de informática. Esse
projeto foi sustado graças à mobilização de Universidades, entidades de
profissionais e de pesquisadores da área. Diante das denúncias dessas manobras,
o governo
preferiu recuar em 1975 no
governo Geisel e em 1979 no governo Figueiredo. (o relato completo das
tentativas de implantação da IV por Cabos do Brasil pode ser encontrado in:
HERZ, Daniel, op. cit.)
Recentemente, em outubro de 1986 o Secretário Geral do Ministério das
Comunicações começou a pressionar em favor da implantação da IV por Cabos.
voltando a atuar como porta-voz
dos interesses dos grupos econômicos interessados na implantação do serviço.
(In: ZERO HORA. TV a cabo: sistema pode ser implantado em breve no País. Porto
Alegre. 5 out. 1986.)
Mas não apenas no Ministério das Comunicações localizam-se os entreguistas.
Outra figura de destaque, no início do governo Sarney foi a do empresário e
publicitário
52 AFINAL. Uma novela baiana. São Paulo,4.125. 20jan. l987.p. 73.
pag:45
do Ministério das Comunicações há 13 anos.
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A história secreta da Rede Globo
"Os olhos e ouvidos do dr. Roberto são potentes como sua emissora de TV e, assim
como ela, dispõem de estratégica localização. De resto, isso faz parte do
negócio."
O interesse do dr. Marinho pela NEC passa a coincidir, porém, com a
circunstância de a Rede Globo ter voltado à carga, com entusiasmo, na questão do
"colarinho branco", e o
ministro Antônio Carlos Magalhães, das Comunicações, ter ganho muito espaço nos
jornais de vídeo e de papel do dr. Roberto, sempre fazendo comentários a
respeito
da reputação do dr. Mário Garnero
"(...) De repente, Garnero, que sonhava em ver a luz no fundo do túnel. estava
enredado num cipoal de coisas erradas. Os japoneses pareciam surpreendemente
confiantes, nas conversas. Os bancos, mais renitentes do que nunca em conceder
créditos ou descontos de duplicatas (negócios acertados eram desfeitos, horas
depois, por efeito de misteriosas conversações telefônicas). Os japoneses, com
vocação para o 'harakiri'. botavam lenha na fogueira do quanto pior, melhor.
Suspenderam todos
os investimentos. De Tóquio, veio a estiletada: as importações feitas pelo
Brasil teriam de ser feitas, doravante à vista, ainda que houvesse cartas de
crédito, licenças da Cacex,
etc. Na prática, significava: a NEC do Brasil passaria a funcionar a meio vapor
(ainda assim, o
faturamento de 86 chegou aos US$60 milhões, e a previsão para 87 é de
dobrar)" 53
Sentindo a pressão aumentar Garnero - que tinha na NEC a parte mais sólida de
seu patrimônio, quase integralmente comprometido pela liquidação extrajudicial -
resolver jogar tudo para recuperar o controle da NEC. E começou voltando à
presidência do Conselho de Administração da empresa,
NOTA DE RODAPÉ:
Mauro Salles, então Ministro para Assuntos Extraordinários. Mauro Salles, que
também participou da implantação da Rede Globo, adquiriu destaque internacional
ao ser um dos responsáveis pelo
"pool" de agências publicitárias que divulgou internacionalmente o 'milagre
brasileiro" (expressão esta que foi cunhada nessa campanha publicitária) durante
o governo
Médici. Em 1984, quando trabalhava
na assessoria do candidato Tancredo Neves, Mauro Salles voltou a ser notícia ao
surgir como sócio minoritário da multinacional japonesa Sony, defendendo seu
ingresso
na área da SUFRAMA, obtendo
os benefícios da Zona Franca de Manaus. Mauro Salles dirigiu bem-sucedido
"lobby" que conseguiu furar o bloqueio, graças a manobras escandalosas, e
instalar-se em Manaus passando a
competir, com uma série de vantagens, com as empresas nacionais que lá se
encontram. Nessa luta para introduzir a Sony em Manaus, Salles contou com a
solícita colaboração
do Secretário Geral do Ministério
das Comunicações, Rômulo Vilar Furtado. Com o estouro do grupo Brasiinvest, a
estrela de Salles ofuscou-se. Mauro Salles era
53 SENHOR. O atacado do Globo. op. cit. p.42-43.
pag:46
de onde se afastara desde a liquidação do Brasilinvest. Esse esforço provocou
uma irada e violenta reação do ministro Antônio Carlos Magalhães, como registra
a imprensa:
"No último dia 11 (de abril de 1986), numa reunião do conselho de administração
da NEC, Garnero afastou Renato Ishikawa, representante do sócio japonês, da
diretoria financeira da empresa, substituindo-o por Arnaldo de Alencar Lima,
homem de sua confiança. No dia 24, ele completou o lance ao destituir da
presidência do
Página 27
A história secreta da Rede Globo
conselho de administração o coronel Hervê Pedrosa e indicar a si mesmo para o
cargo. A mudança foi formalizada numa assembléia geral dos acionistas que contou
com a presença de Garnero e de mais três diretores a ele ligados. A fulminante
operação do empresário provocou a imediata reação do ministro das comunicações,
Antônio Carlos Magalhães, a cujo ministério estão subordinadas as estatais que
alimentam as encomendas das indústrias de telecomunicações no país. Magalhães
levou o caso ao presidente
José Sarney e foi autorizado a estudar com sua assessoria jurídica o
cancelamento das encomendas que o governo mantêm junto à NEC, no valor de 100
milhões de dólares.
'Eu mudo de nome, mas não dou um tostão de dinheiro público a esse malfeitor',
argumenta Magalhães.
"O novo passo tumultuado de Garnero está entregue, assim como vários de seus
outros negócios, à Justiça. A NEC do Japão recorreu à l3~~ Vara Cível de São
Paulo e
conseguiu uma liminar que suspendeu provisoriamente as decisões promovidas por
Garnero. A Brasilinvest Informática e Telecomunicações - através da qual Garnero
detém
17% do capital da NEC, mas 5l% das ações com direito a voto - contestou a
liminar e teve sucesso. Ele se diz 'vitima de uma manobra' com o objetivo de
forçá-lo a entregar o controle da NEC aos japoneses.
O ministro Antônio Carlos Magalhães, porém, não se abala na sua decisão de
cancelar as encomendas. Não está claro se, do ponto de vista
legal, o governo teria direito a fazer um cancelamento. A tese do ministro é
que, com a volta de Garnero, a empresa havia se tornado inidônea, modificando
assim uma
condição essencial do contrato. 'Não discuto a decisão judicial, mas não serei o
primeiro a alforriar uma pessoa nacionalmente conhecida como inidônea', diz
Magalhães" 54.
"O ministro das Comunicações cumpriu suas ameaças. A partir daí não só as
empresas do sistema Telebrás não fizeram novas contratações à NEC - um dos três
fornecedores de centrais CPAs e responsável por 80% dos
NOTA DE RODAPÉ:
membro do Conselho de Administração do Brasilinvcst e, com a liquidação pelo
Banco Central, teve seus bens postos em indisponibilidade. (A revista SENHOR
publicou diversas reportagens sobre o assunto em 1984 e 1985).
54 VEJA. Golpe branco. São Paulo. 7 maio 1986. p. 131.
pag:47
equipamentos da rede de microondas da Embratel - como deixaram de pagar as
parcelas vencidas de contratos já assinados, inclusive na entrega de
equipamentos.
Para evitar que a empresa deixasse de pagar seus funcionários, e o caso da NEC
envolvesse outras áreas do governo, Antônio Carlos mandou liberar parte do
pagamento. E
esse procedimento continuou sendo adotado nos meses seguintes".55
Sofrendo as retaliações impostas pelo ministro das Comunicações pelos japoneses
e por Roberto Marinho, Garnero resistiu pouco tempo. No final de junho teve de
começar a negociar com os japoneses e com o dono da Rede Globo. "A Globo, em
pessoa, só se materializa no final de junho de 1986, na esbelta figura de seu
principal
executivo da área financeira, Miguel Pires Gonçalves. Miguel avisou a Garnero
que ia procurá-lo. No dia seguinte na casa do empresário, no Morumbi, exibiu uma
procuração dos japoneses e a certeza de um negócio rápido"56
"A solução foi sacramentada na última terça-feira (dia 28 de outubro de
1986)numa suíte do hotel Maksound, em São Paulo, durante uma reunião das três
partes
envolvidas - Gamero, Marinho e os sóaos japoneses da NEC. O acerto envolve a
Página 28
A história secreta da Rede Globo
venda de 5l% do capital votante da NEC, que estava nas mãos de Garnero, para
Marinho. Os
japoneses conservaram os 49% restantes das ações com direito a voto. Garnero
ficou na sociedade apenas com as ações preferenciais - que dão direito a
dividendos, mas não a voto, e portanto excluem seu detentor da direção da
empresa. O negócio se fez a preço de dar água na boca. Por esse pacote,
costurado pelo lado da Globo pelo vice-presidente do grupo Miguel Pires
Gonçalves - filho do ministro do Exército, general Leônidas Pires Gonçalves -,
Marinho pagou a Garnero o equivalente a menos de
1 milhão
de dólares. Ë o que valem, hoje, dois bons apartamentos de quatro quartos no Rio
de Janeiro ou São Paulo"57
"O capital total da empresa ficou assim dividido: Roberto Marinho (38%). Mano
Garnero (25%) e NEC japonesa (37%). Ou seja, Garnero fica na
sociedadeapenascomaçõespreferenciais-~~uedãodireitoadividendos,mas não a votos -
, mas amplia sua participação no capital total da empresa de 17,5 para 257~"
"No dia 28 do mesmo mês (outubro de 1986), a Telebrás e suas 30 subsidiárias
iniciaram a normalização dos pagamentos e das encomendas junto à NEC do Brasil"
58.0 negócio, que custou a Marinho menos de um milhão de
NOTA DE RODAPÉ:
55 INFORMATICA HOJE. NEC: Garnero e Roberto Marinho sócios. Graças ao
Minicom. São Paulo. n.78. 11 nov. 1986. p.4.
56 Idem,p.43.
57 VEJA. Linha direta. São Paulo 4.948.5 nov. 1985. p. 123.
58 AFINAL. Uma novela baiana. op. cit . p. 73.
pag:48
dólares. era 'avaliado pelos japoneses em 360 milhões de dólares, quando a
carteira de pedidos da NEC não apresentava ociosidade. Vazia, como se
encontrava, a empresa
não tinha valor algum - até pelo fato de que a sua tecnologia pertence ao sócio
estrangeiro' 59. "Ainda hoje (novembro de 1986), apesar dos percalços que a
atingiram, ela (a NEC) é, por exemplo, a maior fornecedora da Embratel - cujo
maior cliente, por sua vez, é a própria TVGlobo"60
Em janeiro de 1987 Roberto Marinho deu a Antônio Carlos Magalhães uma
demonstração pública de apreço que tinha as feições típicas de um pagamento de
dívida:
tirou da TV Aratu, da Bahia, os direitos de retransmissão da Globo no Estado e
os concedeu à TV Bahia, controlada por parentes e amigos de Magalhães, como
veremos - em detalhe - mais adiante.
O sucesso da operação levou a imprensa especializada a especular sobre um
convite de Roberto Marinho ao secretário geral do Ministério, Rômulo Vilar
Furtado, para
que este assumisse a presidência da NEC 61• Mas não há indícios de confirmação
dessa especulação, pois certamente é mais útil para os interesses predominantes
na área, inclusive os da Globo, a permanência de Furtado no seu posto, enquanto
lá conseguir se manter. Pelo menos enquanto não houver bons motivos para
"abandonar o barco",
depois de mais de treze anos de usufruto do cargo de secretário geral.
Como se pode observar nesse episódio, que é apenas um exemplo de como se
processa o exercício do poder na área do Ministério das Comunicações, Roberto
Marinho já
auferiu excelentes resultados com a atuação de Antônio Carlos Magalhães: graças
ao ministro, hoje Marinho é sócio de Mário Garnero que já teve sua prisão
preventiva
solicitada pelo Ministério da Fazenda e foi taxado publicamente por autoridades
federais de "escroque internacional".
As ligações explícitas entre Roberto Marinho e Antônio Carlos Magalhães são tão
Página 29
A história secreta da Rede Globo
escandalosas que motivaram, desde o final de 1986, uma proposta, defendida por
vários parlamentares e pelo governador eleito da Bahia, Waldir Pires, da
realização de "uma investigação do Congresso em cima dos negócios especiais que
o dr. Roberto
Marinho teria obtido, graças às suas íntimas relações com o poder" 62.
Este é um veio que não terá fim - a menos que os senhores congressistas queiram
desafiar o poder da Globo Ainda na semana passada (meados de
NOTA DE RODAPÉ
59 VEJA.Linhadireta.op.cit.p.123.
60 Ibidem.
61 INFORMÁTICAHOJE. Rômulo na NEC? São Paulo. n.78. 11 nov. 1986 p.2.
62 SENHOR. Dinamite contra a Globo... op. cit. p. 37.
pag:49
dezembro de 1986), o ministro Antônio Carlos Magalhães ganhou generosos minutos
no 'Jornal Nacional' para anunciar que o Brasil passa a ser o fornecedor
exclusivo
de todos os equipamentos de telefonia para o vizinho Suriname. Celebrou-se
efusivamente essa conquista nacional. Quem fatura com as vendas, alardeadas pelo
ministro,
é uma empresa chamada Victory": a Victory que mereceu o apoio do ministro
Antônio Carlos Magalhães
nas negociações com o Suriname, é resultante de uma associação entre a empresa
italiana Victory, Roberto Marinho (Rede Glogo) e Amador Aguiar (dono do
Bradesco,
maior banco privado do Brasil)63. A privatízação de serviços da estatal Embratel
e o controle do fluxo de tráfego nos satélites de telecomunicações são duas
metas já anunciadas pela Victory.
Os últimos registros da imprensa, no fechamento desta edição ampliavam ainda
mais a lista dos favores trocados entre Magalhães e Marinho:
"Não faltarão outros bons negócios, na área, inclusive os que evvolverão as
futuras listas telefônicas do Rio e da Bahia, supostamente já apalavradas com um
grupo
que dispõe, em
sua direção de dois sobrenomes Marinho - João Roberto e Roberto Irineu, ambos
filhos do chefe supremo"64.
NOTA DE RODAPÉ:
63 A Victory, apoiada pelo secretário geral do Ministério das Comunicações,
Rômulo Villar Furtado, está encabeçando uma campanha pela privatização dos
serviços de telecomunicações, em particular os prestados pela Embratel. 'A
tendência presente em alguns segmentos do Ministério das Comunicações. em defesa
da privatização da Embratel, não é uma novidade, de acordo com os engenheiros
Jorge Bittare Paulo Eduardo Gonics (respectivamente diretor da Federação
Nacional dos
Engenheiros e presidente da Associação dos Empregados da Embratel). Segundo
eles, o secretário geral Rômulo Villar Furtado, que ocupa este cargo há 13 anos,
já propunha publicamente a privatização em 1984. durante seminário patrocinado
pela revista Telebrasil, do sistema Telebrás.
"Mas a corrente privatizante acaba de ser fortalecida nesta virada do ano (de
1986 para 1987), quando a Embratel de última hora, incluiu o seguinte item em
sua publicação interna, sob o título Missão e Políticas" 87: "Admitir, em casos
específicos, a participação de organizações (públicas e privadas) com atividades
64 Senhor. Dinamite contra a Globo... op. cit. p. 38.
pag:50
Página 30
A história secreta da Rede Globo
NOTA DE RODAPÉ:
complementares da exploração dos serviços prestados diretamente pela
Empresa...".
"Os dois alertam que a negociação da estatal com as empresas Promon Engenharia e
Victory (esta última de origem italiana, representada no Brasil pelo empresário
Roberto Marinho e o banqueiro Amador Aguiar),
para a exploração de serviços de comunicação de dados via satélite é reflexo
desta política de privatização.(...)"
"A proposta da Victory à Embratel ainda não está clara mas é a segunda vez que a
empresa investe na empreitada de explorar serviços de comunicação de dados via
satélite."
A primeira, no inicio do ano passado,
acabou tendo de ser recusada pela Embratel, tal o volume de críticas e pressões
recebidas de seu corpo técnico e de lideranças do setor de telecomunicações.
"E para recusar, a diretoria da estatal alegou justamente a quebra do monopólio,
pois o pleito era a
'permissão para execução de serviços múltiplos destinados para
difusão de informação de interesse público de
abrangências nacional', incluindo a implantação do serviço, tanto para as
transmissões via satélite quando para através de canais secundários em emissoras
de FM".
Além da solicitação para 'aluguel da capacidade
necessária no satélite Brasilsat...'. Esses são trechos de carta enviada ao
secretário geral do Ministério das Comunicações. em 2 de janeiro de 1986, com
papel timbrado da Victory, assinada por Amador Aguiare
Roberto Marinho.
"Na mesma carta a Victory informa que utilizaria tecnologia da Equatorial
Comunications Company e da Mutual Broadcasting System.
"Jorge Bittar e Paulo Eduardo Gomes estão convictos que, renovado o pleito, o
projeto não mudou nada, embora o presidente da Embratel tenha declarado que,
desta
vez, 'não fere o monopólio estatal'. Para os dois
líderes da Embratel, o projeto, cujo conteúdo vem sendo mantido sob rigoroso
sigilo pela diretoria da estatal, está recebendo uma boa maquiagem.
A Victory fez uma proposta completa, pela qual a empresa, que representa com
exclusividade a Equatorial, norte-americana, importaria e comercializaria os
equipamentos
(estações terrenas e computadores para o
controle de transmissão de dados via satélite), e seria a operadora do serviço -
adverte Bittar.
Não temos nenhum elemento que caracterize o acordo de agora como diferente da
pretensão anterior - completa Paulo Eduardo Gomes.
"A chave da questão, segundo eles é o direito a um determinado fluxo de tráfego
no satélite, que poderá constar no acordo de operação conjunta, como admitiu o
presidente
da Embratel. Jorbe Bittar chama atenção para
o fato de que não há diferença entre ter um fluxo garantido no Brasilsat e o
aluguel do satélite". In: CIIACEL, Cristina, op. cit.
pag:51
RADIODIFUSÃO BRASILEIRA; HERANÇA DA DITADURA.
A legislação que regulamenta as concessões de rádio e televisão, vigentes há
vinte e dois anos, atribuem ao presidente da República um poder absoluto. A
outorga de
concessões independe de pareceres técnicos ou qualquer outro
de avaliação relevante: é uma decisão pessoal da Presidência. No governo do
general Figueiredo esse arbítrio foi levado ao extremo: foram feitas mais de 700
Página 31
A história secreta da Rede Globo
concessões de rádio e televisão, o que representa mais de 1/3 do total das
emissoras existentes desde o surgimento da radiodifusão no Brasil.
Somente no período que vai do início do governo Figueiredo até maio de 1984
(cerca de dez meses antes do final do mandato) "foram outorgadas 295 rádios
AM, 299 FMs e 40 emissoras de televisão. O que corresponde, a 23,5, a 56,3 e a
27,3% do total das emissoras existentes no
país" 65• Boa parte dessas concessões foi outorgada por motivos políticos e a
empresários parlamentares ligados ao governo.
Estreando no Ministério das Comunicações um estilo que marcou suas passagens por
governos e órgãos públicos, Antônio Carlos Magalhães iniciou muito cedo uma
luta implacável contra seus adversários políticos. Num lance tão ousado quanto
demagógico, Magalhães começou sua gestão acusando o ex-presidente Figueiredo de
ter desrespeitado procedimentos técnicos do Ministério das Comunicações na
outorga de concessões de rádio e televisão. Essas concessões foram outorgadas
principalmente
a políticos malufistas e amigos pessoais do general Figueiredo. Para enfrentar o
problema, Magalhães suspendeu todas as concessões realizadas desde outubro de
1984 e criou, para revisá-las, uma comissão coordenada pelo comprometido
secretário geral, Rômulo Vilar Furtado.
NOTA DE RODAPÉ:
65 FOLHA DE SÃO PAULO. Figueiredo fez 634 concessões de rádio e TV. São Paulo.
l4mar. 1985 p.4.
pag:52
O anúncio da revisão dessas concessões fez com que a imprensa divulgasse, em
alguns poucos dias, uma avalanche de informações sobre favorecimentos,
perseguições, apadrinhamentos, chantagens, pressões e todo tipo de venalidade e
corrupção. Vejamos uma amostra desses relatos.
Bahia
"O apadrinhamento político esteve presente sempre e, praticamente foi decisivo,
nas concessões de canais de TV e de emissoras de rádio, durante os últimos meses
do Governo Figueiredo. Na Bahia, por exemplo, um dos principais casos é o da TV
Cabrália, que tem em Luiz Viana Neto (filho do senador Luiz Viana, do PDS) um
dos
sócios, por sua vez, também sócio da TV Aratu, controladora da TV Cabrália.
"Das concessões para a televisão e rádio suspensas na Bahia, a que se encontra
sobre exame mais rigoroso do Ministério das Comunicações é a TV Cabrálía, em
Itabuna - principal centro econômico da região cacaueira - e Cujo processo está
formalmente completo, inclusive com o contrato assinado entre a concessionária e
o Ministério das Comunicações.
"Na concorrência pelo canal em Itabuna, houve uma longa disputa entre o grupo
liderado por Luiz Viana Neto e dois outros grupos ligados ao negócio do cacau,
liderados pelos empresários Manoel Joaquim de Carvalho e Manoel Chaves, este
muito amigo do atual Ministro das Comunicações.
"Luiz Viana Neto não se encontrava ontem (22/3/85) na capital baiana mas pessoas
ligadas a seu grupo na área de comunicação deram a entender que uma eventual
revogação da concessão da TV Cabrália provocará fatalmente uma batalha judicial,
'porque o ato jurídico está perfeito e acabado'. Também comentaram que as
concessões para rádio e televisão vinham obedecendo a critérios políticos há
bastante tempo e estranharam que a revisão determinada pelo Ministério abranja
apenas as concessões dadas a partir de outubro último.
"A concessão para Feira de Santana foi cancelada ainda no Governo Figueiredo,
para satisfação do Governador João Durval, que a deseja para um grupo
empresarial
Página 32
A história secreta da Rede Globo
comandado por Modezil Siqueira (politicamente ligado a ele), com atuação na área
de comunicações, com duas emissoras de rádio e um jornal.
"O critério político parece, de fato, ter sido a norma para as concessões em
revisão na Bahia. A FM Cidade Sol Ltda., de Jequié, pertence a um grupo
vinculado ao
senador Lomanto Júnior (PDS) e a concessão foi obtida no apagar das luzes do
Governo passado, por interferência do ministro Leitão de Abreu, a pedido do
senador. Em
Xique-Xique, uma rádio OM foi concedida à empresa de propriedade da mulher do
deputado estadual Reinaldo Braga. Mas
pag:53
ele alega que foi O único concorrente e cumpriu todas as exigências, acreditando
que não corre riscos: 'Acho que a emissora foi incluída apenas porque se tratava
de uma medida geral' "66•
Rio Grande do Sul
"Com uma única exceção, as 13 emissoras gaúchas de rádio que tiveram as
concessões suspensas pertencem a pessoas vinculadas ao PDS ou têm deputados
deste partido entre seus acionistas. São os casos dos deputados Rubens Ardenghi
e Pedro Germano, principais cotistas respectivamente da Rádio Difusora (Palmeira
das Missões) e da Rádio Botucaraí (Cachoeira do Sul).
"Apenas o empresário Antônio Luís Consetino, diretor da Rádio Iguaçu (FM), do
município de Santiago, é vinculado ao PMDB, tendo sido vereador pelo ex-MDB.
Mesmo assim, ele revela que muitos deputados do PDS -inclusive o ex-líder do
Governo, Nelson Marchezan - ofereceram seus préstimos para agilizar seu processo
no Ministério das
Comunicações na gestão de Haroldo Corrêa de Mattos (governo Figueiredo).
"- Eles me ofereceram, mas nunca aceitei - frisou. Sua rádio é a única no Estado
que já estava funcionando em caráter experimental, com todo o equipamento e
instalações montadas e funcionários contratados. Segundo ele, foram investidos
cerca de Cr$ 100 milhões no projeto: 'Esperamos que prevaleça o bom senso; o
novo
Governo tem que entender que toda uma comunidade está na expectativa desta
rádio', observou.
"O mesmo diz o Prefeito de Lavras do Sul, Cláudio Bulcão (PDS), sobre a rádio
Pepita, constituída como fundação, na qual a Prefeitura também é cotista. Ele
informou
que a concessão foi intermediada pelos deputados Nelson Marchezan e Pedro
Germano e o Senador Carlos Alberto Chiarelli (antes de ir para o Partido da
Frente Liberal). Ele
pretende recorrer aos mesmos políticos para que a concessão da emissora seja
assegurada, embora, até agora, nenhuma providência para instalação tenha sido
tomada.
"O deputado Pedro Germano postulava a criação da Rádio Botucaraí FM, no
município de Cachoeira do Sul, que engrossaria o monopólio radiofónico da
família na
região (além do deputado, o clã dos Germano é integrada por seus irmãos Geraldo,
deputado estadual do PDS, e Octávio, presidente da Caixa Econômica Estadual e
ex-vice-governador, e Rafik, administrador dos negócios). Com a concessão de
mais essa freqüência, a rede
NOTA DE RODAPÉ:
66 JORNAL DO BRASIL. Favoritismo foi decisivo na concessão de rádio e TV. Rio de
Janeiro. 23 mar. 1985. 19 Caderno p.S.
pag:54
Página 33
A história secreta da Rede Globo
somaria cinco emissoras apenas em Cachoeira do Sul (93 mil e 338 habitantes),
além de mais seis espalhadas pelo Estado. O grupo obteve concessão também para
um canal
independente de televisão, há cerca de seis anos, cujo prazo de validade esgota
em abril (de 1985).
"A rádio Vale do Gravataí, na região metropolitana, tem entre seus principais
acionistas o ex-prefeito nomeado de Tramandai, Elói Brás Sessin, exonerado pelo
Governador Jair Soares por irregularidades administrativas. Uma fonte ligada à
cúpula do PDS gaúcho informou que a concessão foi obtida através do
ex-ministro-chefe do SNI, general Otávio Medeiros, amigo do ex-prefeito.
"Já a Rádio Gramado FM, no município serrano de Gramado, tem entre seus
fundadores o deputado estadual Horst Volk, também do PDS. E a Rádio Santa Rosa,
do empresário
Roberto Doladel, e a Rádio Noroeste, do empresário Sérgio Mallmann, segundo já
informou inclusive o jornal local (Município de Santa Rosa) foram obtidas graças
à intervenção
dos deputados Nelson Marchezan e Irineu Collato (ambos do PDS)".67
Rio Grande do Norte
"Malufista ferrenho, antigo companheiro eleitoral do governador Agripino Maia e
hoje um de seus principais adversários políticos, o senador Carlos Alberto de
Souza (PDS) conseguiu, ao apagar das luzes do Governo Figueiredo, uma de suas
maiores vitórias sobre o grupo Maia, ao obter a concessão para um canal de
televisão, a TV Ponta Negra,
um sonho acalentado há bastante tempo pelo grupo Maia.
"Hoje, a TV Ponta Negra está no rol das concessões sob revisão pelo ministro
Antônio Carlos Magalhães e mais uma vez o senador viu-se obrigado a adiar a
inauguração da emissora, que havia prometido colocar no ar antes do último dia
15 de março(de 1985), até mesmo com a presença do ex-presidente João Figueiredo.
"Ex-radialista e disc-jóquei, o senador Carlos Alberto de Souza tem tentado
inúmeras formas de ter seu próprio meio de comunicação, uma das principais armas
políticas
no Estado. Sua primeira experiência patronal no setor revelou-se desastrosa,
quando foi obrigado a fechar a empresa Gráfico-Jornalística Aliança Gráfica e
Editora Ltda., responsável pela curta vida de dois jornais: Folha da Tarde e
Repórter Primeira-Mão. Dessa sua experiência, restaram ações de falência
fraudulenta e ações trabalhistas
movidas por jornalistas e gráficos que ficaram meses sem receber salários.
NOTA DE RODAPÉ:
66 Ibidem.
pag:55
"Ano passado (1984), entrando numa disputa com membros do grupo Maia, já em
pleno processo da sucessão presidencial, conseguiu a concessão da TV Ponta
Negra,
tendo como sócios o diretor-gerente dos Diários Associados em Natal, Luís Maria
Alves, com 30% das ações e o médico desportista Maeterlinock Rego e o empresário
comerciante Francisco Brilhante, que com ele dividem os 70%restantes das ações"
68,
Paraná
"A TV Carimá Ltda. empresa paranaense que ganhou em dezembro do ano passado
(1984) as concessões para operar o Canal 10 de Cascavel, oeste do Estado, e o
canal 7 de Curitiba está vinculada ao Deputado José Carlos Martinez (PDS),
principal representante do malufismo no Paraná e amigo pessoal de George Gazale,
empresário e
anfitrião do ex-presidente Figueiredo no Rio.
Página 34
A história secreta da Rede Globo
"Os donos da TV Carimá são: Miguel Joaquim Castro Kohl e Adalberto Manoel do
Nascimento, respectivaniente gerente-geral e diretor financeiro da Rede OM de
Comunicações - Canal 6 de Curitiba - que pertence ao deputado Oscar Martinez. O
terceiro sócio da TV Carimá é Cláudio Correia da Mota, primo do deputado. A
concessão
do canal 10 de Cascavel foi dada à Carimà no dia 5 de dezembro de 1984, conforme
decreto publicado no Diário Oficial. E somente no dia 4 de fevereiro de 1985 o
Governo
Federal publicou no Diário Oficial a inclusão de Cascavel no plano básico de
distribuição de canais de TV em VHF.
"O Deputado José Carlos Martinez nega qualquer envolvimento com a Carimá. 'São
apenas meus amigos', afirma. A concessão do Canal 7 de Curitiba para a TV
Carimá já estava sendo motivo de estudos por parte do empresário Mário Petreli,
ligado ao setor de comunicação do Estado. Ele e mais um grupo de empresários
participaram da concorrência e foram preteridos pela Carimá que, um dia antes da
data da concorrência, apresentou um simples requerimento e foi a vencedora.
"Além da concessão dos dois canais de TV à Carimá, um outro caso já estava sendo
motivo de análises na Assembléia Legislativa do Paraná antes ainda da decisão do
Ministério das Comunicações anunciar a suspensão. Trata-se da concessão da Rádio
FM de Paranaguá para a empresa Radiodifusão Litoral Ltda., cujo dono é Sérgio
Bianco,
filho do atual delegado regional do Dentel/PR, Oswaldo Bianco. Essa concessão
foi dada à radiodifusão através da Portaria 233 do Ministério das Comunicações
no dia 3 de dezembro do ano
NOTA DE RODAPÉ:
68 Ibidem.
pag:56
passado, sem qualquer concorrência". 69.
Minas Gerais
"O apadrinhamento político foi decisivo em Minas Gerais nas últimas concessões
para TV e rádio assinadas pelo ex-ministro Haroldo Correa de Mattos (Governo
Figueiredo). O critério trouxe à baila a antiga rivalidade política fica entre
Biase Andradas, em Barbacena, da qual se beneficiou o chefe de jornalismo da TV
Globo em Nova Iorque, Hélio Costa, apoiado pela segunda corrente, e que ganhou a
FM de Barbacena, a ABC Rádio e Televisão.
"Não acredito que o Governo, em época de Nova República, vã preocupar-se com
coisa pequena. Mas, se for retroagir, terá de voltar um pouco mais no tempo e,
então,
o ministro das Comunicações, Antônio Carlos Magalhães, terá de punir a si
próprio - declarou ontem (22/3/85) o deputado estadual Samir Tannus (PDS),
malufista, que
confessou ter 'prestado ajuda política para resolver problemas' em favor de
empresários amigos seus em Ituiutaba(Triângulo Mineiro), onde é majoritário.
"Os empresários amigos de Samir Tannus, proprietários da Sociedade Rádio Cancela
de Ituiutaba, venceram a concorrência da 17V Ituiutaba que terá penetração em
todo o Triângulo Mineiro, norte de São Paulo, partes de Goiás e Mato Grosso do
Sul, fazendo repetição da TV Manchete. O deputado informou que os vencedores já
assinaram o contrato no Dentel e estão procedendo a compra dos equipamentos.
"- Não acredito que a revisão se faça com base em critérios políticos, que seria
o critério da perseguição - disse Samir Tannus, que garantiu não participar da
sociedade
que ganhou a concessão da 17V Ituiutaba. 'Venceram os que convenceram
tecnicamente o Governo e que apresentavam as melhores condições', concluiu.
"O atual presidente do PDS em Minas, deputado Cyro Maciel, com muita
Página 35
A história secreta da Rede Globo
naturalidade, admitiu que sua atuação foi decisiva na concessão da OM Piranga,
para a Rádio Difusora de Piranga. 'Eu encaminhei o processo:
emprestei o meu prestígio', disse o deputado, ao revelar que os vencedores da
concessão de Piranga, sua cidade natal, são pessoas amigas suas. 'A meu ver,
porém, venceu o edital, entre os dois concorrentes, a melhor proposta',
completou, assinalando que 'não deve prevalecer critério político na revisão das
concessões'
"Em Barbacena, o jornalista Hélio Costa há uns sete anos pede concessão para uma
rádio FM. Desta vez, apenas a Rádio Barbacena OM, dos Bias,
NOTA DE RODAPÉ:
69 Ibidem.
pag:57
concorreu com o jornalista. Com Crispim Jacques Bias Fortes sendo beneficiado
pelo Acordo de Minas, ganhando a pasta da Secretaria de Estado de Segurança
Pública e tendo entrado para o PFL, os Andrada, através do deputado federal
Bonifácio Andrada (ex-vice-líder do PDS), donos da Rádio Correio da Serra,
resolveram 'apadrinhar' Hélio Costa.
"- Eu não sei se o critério político funcionou. Mas acho que o critério político
deve pesar, mesmo que seja contra mim - disse Bias Fortes.
"O maior peso político, porém, para beneficiar um concorrente, verificou-se em
Juiz de Fora, na disputa pela 17V Juiz de Fora- TV Tiradentes. Entre os
sóciosvencedores
estão: 1) o deputado federal José Carlos Raposo Fagundes Neto (PDS),
representado pelo ex-deputado e ex-secretário Fernando Fagundes Neto; 2)o
deputado
estadual Fernando Junqueira (PDS); 3) o ex-prefeito Fernando Antônio Meio Reis
(PDS), nomeado pelo ministro Murilo Badaró para diretor da Açominas. Todos
políticos
de Juiz de Fora, que tiveram, ainda, o apoio, junto ao Dentei de Minas, do
deputado Fernando Rainho (PDS), votado n amesma cidade.
"A minha participação foi de apoio político. Não figuro na sociedade como
proprietário. Eu e Meio Reis, como ex-prefeito, emprestamos o nosso prestígio
político,
solicitando a concessão para esse grupo, que entendemos ser o mais gabaritado
para operar a televisão - declarou Fernando Rainho, acrescentando que a
concessão foi publicada
no Diário Oficial da União no dia 15 de janeiro, coincidindo com a reunião do
colégio eleitoral que elegeu Tancredo Neves presidente.
"Um assessor do atual prefeito de Juiz de Fora, Tarcísio Delgado (PMDB),
informou que Meio Reis, Fernando Rainho e José Carlos Fagundes Neto, há mais
tempo,
foram os fundadores da 17V Rádio Nova Cidade, repetidora da TVE". 70.
Espírito Santo
"A 17V Sombrasil de Cachoeiro do Itapemirim pertence ao filho do Deputado
Federal Teodorico de Assis Ferraço (PDS-ES), Marcus Vinícius Resende Ferraço, de
22 anos. E a concessão foi, segundo o parlamentar, ganha em concorrência
pública, embora a firma do filho tenha concorrido sozinha.
"E ele ainda conseguiu outras concessões: há três anos, uma rádio FM e outra AM
em Cachoeiro do Itapernirim. E mais recentemente, também com efeito suspensivo,
a Rádio Sornbrasil de Vila Velha, que fica a apenas treze quilômetros de
Vitória. Mas nessa, segundo Ferraço, concorreram oito firmas.
NOTA DE RODAPÉ:
70 Ibidem.
Página 36
A história secreta da Rede Globo
pag:58
"Mas o deputado assegurou que não recorreu, para ganhar essas concessões, ao
presidente João Figueiredo, 'todas ganhas em processos
regulares de concorrência pública. E eu não acredito que tenha nas demais
havido tráfico de influências porque o atual ministro das Comunicações, Antônio
Carlos
Magalhães, apesar de ter apoiado a candidatura de Trancredo Neves, também
recebeu a concessão de urna TV na Bahia.
"Na área de rádios, as concessões suspensas, OM São Mateus, Rádio Difusora de
São Mateus Ltda. e FM Barra de São Francisco pertencem, respectivamente, ao
exdeputado
federal Walter de Prá (PDS), ao deputado federal Pedro Ceolim (PDS-ES)
e ao deputado federal José Carlos da Fonseca (PDS-ES)"71.
Paraíba
"A TV Cabo Branco já encomendou parte dos seus equipamentos no exterior, e um
escritório de consultoria técnica em São Paulo enviou pessoal a esta capital
para
observar a topografia do terreno comprado para ela. Seus cotistas mais
conhecidos são o vice-governador do Estado, José Carlos da Silva Júnior,
próspero industrial, e o
senador Milton Cabral, que até há pouco ocupava um cargo na Mesa do Senado.
"Completam o seu quadro de cotistas o irmão do senador, empresário Antônio
Cabral Sobrinho, o presidente da Companhia de Habitação Popular da Paraíba
(CEHAP),
José Teotônio, muito ligado ao governador Wilson Braga. O ex-dirigente da
Caderneta de Poupança Própria, Gilberto Sala Portela, o engenheiro e empresário
da construção
civil Giovani Petrucci e o médico Gilson Espínola Guedes, casado com a sobrinha
do Ministro José Américo.
"Um assessor do vice-governador José Carlos da Silva Júnior disse que ele
recebeu a notícia da suspensão das concessões 'com muita tranqüilidade' e
observou que
não há motivos para preocupação, sobretudo porque as concessões não foram
canceladas. Argumentou que os canais foram disputados em concorrências das quais
participaram grupos empresariais da terra, observando-se a legislação em vigor.
"O empresário Antônio Cabral Sobrinho, que já controla duas emissoras de rádio
AM e FM em João Pessoa - a Arapuã -, mostrava-se tranqüilo e num telefonema ao
vice-governador José Carlos da Silva Júnior, ontem (22/3/85) informou que não
havia interrupção nos planos para a montagem da emissora de televisão, cujos
projetos
técnicos estão em fase de conclusão.
NOTA DE RODAPÉ:
71 Ibidem.
pag:59
"Segundo o empresário, para a compra do equipamento estão sendo mantidos
contatos já com organismos financeiros, pois já é desejo do grupo obter um
financiamento
de 90% para pagar em cinco anos. Na área da comunicação, o vice-governador Silva
Júnior já atua há algum tempo, mesmo antes de entrar para a política: é dono do
Jornal da
Paraíba, um diário editado em Campina Grande"72.
Pernambuco
"O deputado estadual Argemiro Pereira (PDS-PE) lidera o grupo que
recebeu a última permissão para exploração de um canal de radiodifusão do
Página 37
A história secreta da Rede Globo
Governo passado. A informação foi comprovada pelo deputado Inocêncio
Oliveira (PFL-PE), com base política na mesma região de Argermiro, Serra
Talhada, no sertão pernambucano.
"Argemiro é conhecido em Pernambuco pela sua intransigente posição malufista.
Sua concessão foi outorgada pela Portaria número 126, assinada pelo ministro
Haroldo Correa de Mattos no dia 15 de março último (1985), que se apressou em
mandá-lo publicar na edição do mesmo dia 15 de março no Diário Oficial da União.
"Nessa disputa, Argemiro ganhou do deputado Inocêncio Oliveira, que já opera uma
emissora OM em Serra Talhada, a Rádio Voz do Sertão, e, segundo acredita, teria
prioridade para um canal de FM - corno o concedido a Argemiro - por 'já ter
tradição no setor'.
"Com a determinação do atual ministro das Comunicações, Antônio Carlos
Magalhães, em rever todas as concessões e permissões efetuadas no período de
outubro de
84 a 15 de março de 1985, ele pode ter sua concessão anulada.
"A luta pelo poder de informar e influir na opinião pública não privilegia,
entretanto, políticos simpáticos ao candidato do PDS.
É o caso, por exemplo, da Rádio Guararapes Metropolitana FM, entregue ao grupo
do deputado Geraldo Meio (PFL-PE). Localizada em Jaboatão, a emissora tem
tudo para influir na área metropolitana do Recife. Geraldo, que já foi prefeito
de Jaboatão pelo PMDB e de lá migrou para o PDS, de onde seguiu viagem para o
PFL, tem evidentes interesses no assunto.
"A portaria que dá permissão para o funcionamento da Guararapes Metropolitana
foi assinada no dia 22 de janeiro, quando Geraldo já havia votado em Tancredo
Neves, no Colégio Eleitoral" 73.
NOTA DE RODAPÉ:
72 Ibidem.
73 Ibidem.
pag:60
São Paulo
"Analisando a relação de emissoras do Estado de São Paulo encontra-se o nome de
vários deputados federais entre os cotistas e gerentes. O que é uma
irregularidade,
para dizer o mínimo, já que o artigo 34 da Constituição Federal diz que
deputados e senadores não podem firmar ou manter contrato com pessoa de direito
público, desde a expedição do diploma.
"Essa proibição não é do conhecimento do deputado Federal Jorge
Maluly Neto, 54, pedessista que votou em Tancredo Neves e aparece nos
documentos oficiais do Dentel como sócio de três emissoras: Rádio Cidade de
Araçatuba, Rádio Jóia de Adamantina e Rádio Líder do Vale. A esposa dele,
Terezinha de Faria Maluly, está relacionada como sócia da Rádio Centro
América e o filho, Jorge de Faria Maluly, na Rádio Clube de Mirandópolis.
"O deputado Maluly Neto diz que não sabia da proibição constitucional, e que
entrou no negócio por causa de um amigo, Jair Sanzone, mas admite que a esposa e
o filho são sócios minoritários em emissoras de rádio.
"'Fui portador de muitos pedidos. Naquele tempo, era modismo se conseguir rádios
e eu tive de participar também de alguma coisa. Mas não acho normal esse tipo de
negócio. Deveria ter concorrência. E eu vou mais longe:
estão dando muitas concessões, isso aniquila com as rádios já instaladas, com os
que não têm tanto poder econômico. A maioria das concessões feitas foi por
influência política, admite o parlamentar.
"O deputado Natal Gale, do PDS, é outro que tem participação em várias
emissoras. Ë sócio majoritário da Rádio Difusora Princesa D'Oeste de Casa Branca
Página 38
A história secreta da Rede Globo
e da Rádio
Independente Stéreo.
"O deputado Alcides Franciscato, do PDS, amigo do presidente João Figueiredo, é
sócio da Rádio Jornal Cidade de Bauru e da Rádio Urubupungã, onde divide as
cotas, democraticamente, com Roberto Purii, deputado estadual do PMDB.
Franciscato não vê nenhuma irregularidade nisso:
"'Participamos de uma concorrência e ganhamos a concessão. Mesmo sendo deputado
eu também tenho outros negócios. Ninguém pode negar o peso de ser deputado,
mas nós preenchemos todos os requisitos. Não ganhei por ser amigo do presidente.
E não é proibido um deputado conseguir tma rádio. Se fosse, poria em nome de um
parente ou de qualquer outra pessoa que pudesse me representar(grifo do autor).
"A Rádio Urubupungá, o deputado Franciscato disse que vendeu para Maluly Neto,
porque não dava lucro.
"O ex-deputado federal e ex-prefeito de Osasco, Francisco Rossi, é sócio da
Rádio Difusora Oeste.
"O presidente regional do PDS, Antônio Cunha Bueno, é sócio da Rádio
pag:61
Paranapanema e da Rádio Palmital. O irmão do deputado Nabi Abi Chedid,
Jesus Adib Abi Chedid, é sócio da Rádio Técnica de Atibaia. E o deputado
Gióia Jr., do PDT, aparece como cotista da Rede Central de Comunicação
Ltda. ,ao lado do filho, e de Dinorah Fernandes Gióia Martins.
"Gióia Jr., 53, diz que a rádio foi concedida no governo Geisel e que já vendeu
sua parte, o mesmo ocorrendo com o filho. Ele é membro da Comissão de
Comunicação
da Câmara dos Deputados e admite que entrou no negócio como um dos deputados
mais votados da cidade.
"Na relação oficial do Ministério das Comunicações - que registra as concessões
até maio do ano passado (1984) - não aparece o nome do deputado José Camargo,
do PDS Mas contra ele, o prefeito de Itü, Lázaro José Piunti, 38, do PMDB,
elaborou um verdadeiro dossiê. O prefeito pediu ao ministro das Comunicações,
Haroldo Correa de
Mattos, um canal para a Prefeitura, destinado à programação cultural. Não foi
atendido, recebendo a resposta que a rádio estava destinada à iniciativa
privada. Mais tarde, teria recebido a visita de José Camargo, que se dizia capaz
de obter a concessão.
"Em dezembro do ano passado (1984), foi concedida urna FM para o grupo do
ex-prefeito e deputado Galileu Bicudo, do PDS. E em janeiro, Itú ganhou outra
FM,
para o grupo do ex-deputado-federal Rui de Almeida Barbosa, do PDS de Campinas.
Por trás das duas rádios estaria José Camargo, que teria o controle acionário de
vinte FMsem todo o Estado.
O deputado José Camargo não foi localizado pela Folha. Seu filho, José Ernesto
Camargo, e um irmão, João Carlos Camargo, dirigem a FM Pool em São Paulo e a
Iguatemi (AM) de Osasco, cujas cotas são do deputado, em sua maioria.
"O deputado estadual Hélio Cesar Rosas é um dos donos da rádio Difusora de Assis
há vinte anos. Mas condena o atual sistema de concessões:
"'Não faço parte desse esquema pernicioso - explica. Sou vítima dele.
Assis tem setenta mil habitantes e quatro rádios - duas AMs, duas FMs. A
maioria foi entregue a políticos do PDS nos últimos anos. E agora, o deputado
Cunha Bueno está instalando uma na vizinha Palmital. Não há quem resista a
essa concorrência. Todas as rádios vão operar no vermelho, inclusive as antigas'
"74
No coração da Nova República
Com essas referências que abrangem alguns aspectos da situação de nove Estados,
Página 39
A história secreta da Rede Globo
pode-se ter uma idéia do grau de comprometimento da radiodifusão
NOTA DE RODAPÉ:
74 FOLHA DE SAOP AULO: Figueiredo fez 634 concessões... op. cit.
pag:62
brasileira com os interesses que predominaram nos vinte anos de ditadura
militar. Se aqui incluíssemos dados de mais Estados, ou informações mais
detalhadas sobre cada
Estado, mais evidente ficaria esta característica da atual situação da
radiodifusão brasileira: a de ser marcada pela corrupção, pelo tráfico de
influências e pela ilegitimidade.
Certamente haveria, forma mais sistemática, de apresentar esse quadro. Como isso
foge ao objetivo específico deste trabalho; preferimos apresentar esses
ilustrativos
flagrantes colhidos pela imprensa no calor dos acontecimentos. Quem se dispuser
a fazer uma análise completa dessa situação estará prestando um inestimável
serviço à história e à luta pela democratização da radiodifusão, mas certamente
não enfrentará uma tarefa fácil.
Em primeiro lugar, porque esta realidade envolve uma situação muito dinâmica.
Como vimos, vários cotistas de emissoras, relacionados em documentos oficiais do
Ministério das Comunicações, já haviam vendido suas cotas sem que a
transferência estivesse devidamente apurada. E é assim que a manipulação privada
funciona: uns
solicitam concessões para não colocar emissoras no ar, só querem eliminar a
concorrência; outros, são os testas-de-ferro; outros, querem concessões apenas
para vender; e o
Ministério a tudo tolera com exceção de uns raros casos em que se aplica o
provérbio popular: "para os amigos, tudo, para os inimigos, a lei ".
Em segundo lugar, porque o Ministério das Comunicações manipula tanto as
concessões como os registros e informações sobre os seus atos. Há muita
dificuldade em reunir
informações sobre as centenas de renovações, autorizações, permissões e
transferências que ocorrem a cada ano. Até mesmo fontes do Ministério têm
dificuldade em fazer
essa análise: poucos têm acesso livre a esse tipo de informação.
Para encerrarmos esse panorama, vamos apresentar três últimos registros que
ajudam a explicar porque essa seara de privilégios permanece intocada no
terceiro ano da Nova
República. São alguns registros que mostram que a impunidade que marca esse
estado de coisas está profundamente arraigado no coração da Nova República.
O Ministro, seus amigos e parentes
O deputado Elquisson Soares (PMDB-BA) denunciou no plenário da
Câmara Federal, em março de 1985, que o ministro das Comunicações,
Antônio Carlos Magalhães, controla - através do seu filho, do seu genro e de
outros parentes - 85%do capital da TV Bahia recém-inaugurada em Salvador.
A concessão foi outorgada em 7/5/84 e a instalação aprovada em 2/8/84.
Apesar de terem sido registradas modificações técnicas em 3 1/12/84, o mais
pag:63
novo canal de televisão da Bahia foi inaugurado apressadamente em 10/3/85,
três dias antes da indicação oficial de Antônio Carlos Magalhães para o
Ministério das Comunicações 75.
No final de 1986, estourou o escândalo das trocas de favores entre Antônio.
Carlos Magalhães e Roberto Marinho. Na repercussão pública das denúncias,
destacaram-se dois episódios. No primeiro, Magalhães usou ostensivamente seu
Página 40
A história secreta da Rede Globo
poder de Ministro ajudando Marinho a arrancar do empresário Mário Garnero o
controle da indústria de
telecomunicações NEC. No segundo, Marinho tirou da TV Aratu da Bahia, os
direitos de retransmissão da Rede Globo e os concedeu à TV Bahia. E então a
denúncia do deputado Elquisson Soares, feita quase dois anos antes, passou a ser
de domínio público: o próprio Ministro das Comunicações controla indiretamente
uma concessão de televisão.
"Há dezoito anos, a TV Aratu, de Salvador, funciona em associação com a Rede
Globo, retransmitindo sua programação para todo o Estado da Bahia. Os contratos
são renovados automaticamente, de três em três anos, sem a menor burocracia. No
início de dezembro, a diretoria da emissora recebeu a informação de que não
interessa mais à Globo renovar o contrato com a TV Aratu, que vence a 20 de
janeiro (de 1987). Confirma-se, assim, na prática, o que o ministro das
Comunicações vinha alardeando,
sem constrangimentos, a seus amigos: que, de janeiro em diante, seria dele a
programação da Globo, na Bahia. Isto é, a retransrnissora passaria a ser a TV
Bahia cujos
acionistas principais são César Mota Pires, seu genro, Luis Eduardo Magalhães,
seu filho, e Oscar Maron, seu cunhado.
"A direção da TV Aratu tentou, naturalmente, negociar, e ainda não entregou os
pontos, mas tem esbarrado em informações peremptórias. A primeira diz que a
decisão
não tem nenhuma motivação de deficiência técnica ou jornalística; ao contrário,
a Aratu, entre todas as coligadas, é das que
NOTA DE RODAPÉ:
75 A denúncia do deputado baiano levantou, mais uma vez, o grave problema do
controle indireto das concessões. Esse tipo de suspeita é autorizada pelo
próprio Ministério das Comunicações que tem se
confessado desaparelhado para coibir o controle das concessões por
"testas-de-ferro" que se valem desse recurso principalmente para burlar os
limites legais de propriedade e diversas finalidades escusas. Em
1979, num debate público, o Secretário de Radiodifusão do Ministério das
Comunicações, Lourenço Chehab, colocou todos os empresários de radiodifusão sob
suspeita ao admitir publicamente que este
ministério não tem condições para impedir o controle indireto das concessões.
Mais que um desaparelhamento circunstancial, a inexistência de qualquer
iniciativa para evitar essa ação criminosa dos
concessionários demonstrou que o Ministério das comunicações efetivamente não
tem interesse em resolver o grave problema e é conivente este tipo de situação.
pag:64
melhor se comportam.76 A segunda constata que a decisão foi 'pessoal, do dr.
Roberto'. Aparentemente, ela contraria a opinião de influentes funcionários da
própria Globo.
Mas o dr. Roberto mantém-se irredutível.
"Uma nota plantada, na semana passada, numa coluna social de alta leitura, a
respeito das tratativas que o dr. Ulysses Guimarães (presidente nacional do
PMDB) fez
com o dr. Roberto Marinho, na sexta-feira, 12 (de dezembro de 1986), antes de
despejar a dinamite na mesa de Sarney, tentava veicular a versão dos acusados
Primeiro, de
que se trata de um negócio privado, a quem ninguém mais interessa. Segundo, de
que não passa de uma rusguinha paroquial entre adversários políticos, já que a
TV Aratu é ligada ao senador Luís Viana Filho, hoje no PMDB. O poder que
beneficia e influencia, porém, é o de um ministro de Estado" 77.
O governador da Bahia, Waldir Pires, tão logo foi eleito, em 1986, aumentou
junto com a bancada peemedebista a pressão - contra o ministro Antônio Carlos
Magalhães - sobre o presidente Sarney. A falta de resposta precipitou uma
interpelação direta a Sarney: "Há poucos dias (janeiro de 1987), o próprio
presidente do PMDB
Página 41
A história secreta da Rede Globo
baiano, Genebaldo Correia, levou ao Palácio do Planalto uma carta-denúncia onde
a transação Globo-TV Bahia era apresentada como '...um fato essencialmente
político, como o
são todos os vinculados à radiodifusão'. A resposta não veio. Os deputados
tentaram então marcar uma audiência com José Sarney. Não conseguiram. A decisão
da bancada,
então, foi ir até o Palácio do Planalto diretamente para cobrar uma atitude do
presidente. (...) No final da manhã da última terça-feira, dia 13 (de janeiro de
1987), o presidente José Sarney foi
obrigado a disfarçar seu humor, sorrir para fotografias e receber - mesmo fora
da agenda - 20 dos 25 deputados eleitos que compõem a nova bancada federal do
PMDB baiano, além
do senador Juthay Magalhães. (..)Samey, constrangido, confessou ao
NOTA DE RODAPÉ:
76 "Na realidade, a TV Aratu. de propriedade de Neston Tavares, Luís Viana Neto,
Humberto Castro e Carlos Jesuíno é. das coligadas da Rede Globo, a que tem
a rentabilidade mais alta, com um faturamento
mensal de cerca de 12 bilhões de cruzados e considerada pela própria rede como a
que possui uma equipe jornalística comparável às de São Paulo e Rio de Janeiro.
Além disso, a TV Aratu, coligada da Globo há
18 anos, chega a 319 municípios dos 336 que compõem o Estado da Bahia. Os
índices de audiência nunca foram menores que 85%, os mais altos de toda a rede.
A TV Bahia, por outro lado, não entra em 110
municípios, fatura mensalmente cerca de 2 bilhões de cruzados e tem um dos
menores índices de audiência de toda a Rede Manchete, à qual está coligada:
cerca de 2%, segundo informações do PMDB baiano".
In. AFINAL. Uma novela baiana. op. cit.
77 SENHOR. Dinamite contra a Globo... op. cit., p.37-8.
pag:65
deputado Domingos Leonelli que já havia feito tudo para contornar a situação.
'Mas não tive sucesso. Há uma intransigência do Roberto Marinho nesse assunto.
Ele alega que essa é uma transação meramente comercial"78
Ao comentar os fatos denunciados com evidência de favorecimento à Globo, o
ministro Antônio Carlos Magalhães, assumindo uma postura que é muito
própria, reagiu com um tom ameaçador: "Antônio Carlos Magalhães, em entrevista à
'Folha de São Paulo', mostrou que se for arrastado, arrasta gente com ele:
"Tudo o que fiz foi discutido em despachos com o Presidente da República"'79
A TV Aratu não se conformou com a decisão da Globo e obteve, no dia 15 de
janeiro de 1987 a concessão de uma liminar, pedida em ação cautelar, que
determinou a continuidade da exibição da programação da Globo. Esta liminar,
concedida pelo juiz Luiz Fux, da9~varacível, do Rio, visava assegurar os
direitos da TV Aratu
"pelo menos até o julgamento de uma ação ordinária" que seria impetrada dentro
de um mês80 - Os advogados da Globo solicitaram, ao juiz da 9~J vara cível,
reconsideração e suspensão da liminar, o que foi negado no dia 21 de janeiro8l .
No dia seguinte, os advogados da Globo voltaram à carga e impetraram mandado de
segurança no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, "pedindo revogação da
liminar que beneficiou a TV Aratu82
No dia 23 de janeiro, sexta-feira, a TV Bahia começou a transmitir a
programação da Globo. Deste dia até a tarde de segunda-feira, a Globo foi
retransmitida, simultaneamente, pela TV Aratu e pela TV Bahia, deixando
perplexos os telespectadores baianos. No dia 25, domingo, a Globo finalmente
obteve a cassação da liminar conseguida pela TV Aratu, impedindo que esta
NOTA DE RODAPÉ:
78 AFINAL. Umanovelabaiana.op.cit.p.72.
79 SENHOR. O atacado do sr. Globo. op. cit. p.44.
Página 42
A história secreta da Rede Globo
80 Jornal do '3rasil. TV Aratu vai continuara exibir programas da Globo. Rio, l6
jan. 1987. p.8.
A medida cautelar solicitada pela TV Aratu contra a TV Globo, no episódio do
rompimento unilateral do contrato da transmissão de sua produção na Bahia, fez
surgir informações sobre um assunto tratado com muita reserva: a relação da
Globo com as empresas "afiliadas". As informações surgidas demonstraram que a
Globo, "de fato", controla suas afiliadas:
"Ao se referir à natureza das relações entre as duas emissoras, Bermudes (Sérgio
Bermudes, advogado da TV Aratu) argumenta que existe uma evidente superioridade
contratual' da estação do Rio em relação à dc Salvador. Mostra que a
81 FOLHA DE SÃO PAULO. Globo pede reconsideração de liminar e juiz rejeita. São
Paulo. 22jan. 1987. p.a-5.
82 lbidem.
pag:66
prosseguisse retransmitindo sua programação:
"'Foi um negócio pelo menos estranho', reagia o jurista e diretor da TV Aratu,
professor Milton Tavares, ao receber ontem pela manhã (26/1/87) em seu gabinete
um documento do desembargador Hermano Duncan Ferreira Pinto, da Justiça do Rio
de Janeiro, com despacho do diretor-geral do Dentel, Rubens Busacos, com data de
25,
domingo, com a determinação para deixar de retransmitir a programação da TV
Globo.
"'O desembargador deu seu parecer num domingo, no Rio de Janeiro, que nesse
mesmo domingo deve, supostamente, ter sido levado para Brasília, onde deveria
estar o
diretor-geral do Dentel e, já na segunda-feira pela manhã, logo cedo, estava
aqui na TV Aratu o diretor regional do Dentel para fazer cumprir a decisão
judicial' - comentou Tavares.(...)
"A liminar do desembargador cassou liminar anterior do juiz Luiz Fux, da 9~ Vara
Cível, que impedia a Globo de romper unilateralmente o contrato com a Aratu.
Sérgio Bermudes (advogado da TV Aratu) comentou que o juiz Fux, ao conceder a
primeira liminar, oficiou ao Dentel para que o órgão oficial garantisse sua
determinação, mas o Dentel respondeu que não tinha competência para isso.
"- No entanto, quando o desembargador Ferreira Pinto concedeu liminar
beneficiando a Globo, o Dentel imediatamente mandou ofício à TV Aratu, mandando
que a
decisão fosse cumprida, sob pena de a emissora ser lacrada com a presença de
força policial - disse o advogado. Bermudes lamentou que o Dentel tenha tratado
do mesmo
assunto de maneiras tão diferentes"83 A TV Aratu, por isso, denunciou o Dentel
por "crime de prevaricação" num documento intitulado patifaria da grossa e pediu
NOTA DE RODAPÉ:
Aratu detém 85%de audiência em seu Estado e que desde abril de 1969 está
integrada ao Sistema Globo, 'da qual jamais se desgarrou'.
"Desde 1970 e sem interrupção de um só dia, elas se mantém xipofogamente
vinculadas por um negócio jurídico, traduzido em sucessivos contratos cujos
objetivo assim
se define: a Aratu exibe a programação
da Globo nas condições mais cômodas para a requerida e ditadas por ela, que
explora a publicidade correspondente, deixando à requerente um pequeno espaço
para programação
própria, utilizando, mesmo este,
em consonância com os princípios do Sistema Globo de Televisão, respeitando o
'padrão global'.
Página 43
A história secreta da Rede Globo
"Dando como exemplos cláusulas do contrato, Bermudes expõe que não se trata de
uma relação comum, caracterizada pelo equilíbrio e igualdade entre as partes.
Existe,
ao contrário, uma dominação em que uma
empresa dita a outra todas as regras para a execução do contrato. E a TV Aratu
não se queixa disso - afirma Q
83 JORNAL DO BRASIL. TV Aratu perde imagem da Globo após 18 anos. Rio, 27 jan.
1987. p.7.
pag:67
reconsideração ao Tribunal de Justiça do Rio 84 - Mas no dia 28/1/87, "por
unanimidade - oito votos a zero - o Conselho da Magistratura do Estado negou o
recurso interposto
por Sergio Bermudes, advogado da TV Aratu, e manteve liminar do desembargador
Hermano Duncan Ferreira Pinto, que permite à TV Globo romper o contrato de
transmissão que
mantinha com aquela emissora de televisão' '85
No fechamento desta edição, os últimos registros sobre o caso demonstravam a
determinação da Globo para fazer valer a vontade de seu diretor-presidente,
Roberto
Marinho. Independentemente do desfecho, esses fatos servem como exemplar
ilustração do jogo de poder que condiciona a radiodifusão brasileira.
As denúncias contra o ministro Antônio Carlos Magalhães, surgidas no início de
1987, não se limitaram ao episódio Globo-TV Aratu. "Logo ao assumir o
Ministério,
Magalhães denunciava o favorecimento do governo Figueiredo na concessão de
emissoras de rádio e TV. 'Houve uma orgia de concessões tanto de emissoras de
rádio como
de TV, a partir do mês de outubro (de 1984), o que caracteriza clientismo e
favoritismo', dizia Antônio Carlos Magalhães. E completava: 'A intenção é
moralizar a
concessão de
emissoras'. Hoje, quase dois anos depois, Antônio Carlos Magalhães declara não
duvidar 'que haja um ou outro caso de benefício"'86
'Entretanto - disse Magalhães - as concessões são rigorosamente estudadas e só
são liberadas face aos estudos feitos pelos organismos do ministério.' O
ministro
declarou também que, quando há 'problemas de segurança' envolvidos em alguma
concessão, 'o Ministério das Comunicações se aconselha com os órgãos
competentes,
essencialmente o Conselho de
NOTA DE RODAPÉ:
advogado na petição - mas quer apenas demonstrar o que esta situação acarretou:
"Para tornar possível a existência de uma relação contratual tão rígida e de tão
longa duração, a TV Aratu se estruturou, se expandiu, se organizou, se adaptou,
se equipou e endividou e contraiu toda sorte de
obrigações, tudo para preservar o negócio proveitoso para ambos, como é testado
pela ausência de queixas.
"A Aratu, hoje (janeiro de 1987), depende visceralmente da Globo, sustenta o
jurista, e tem na continuidade do contrato o fator essencial e insubstituível da
sua
sobrevivência como empresa, já que não poderia,
de uma hora para outra, abruptamente, recompor-se, a toque de caixa, para viver
realidade diferente.
84 JORNAL DO BRASIL. TV Aratu quer liminar para voltar à Globo. Rio, 28 jan.
1978. p.12.
85 JORNAL DO BRASIL. Conselho da magistratura nega imagens da Globo à TV
Página 44
A história secreta da Rede Globo
Aratu.Rio,29jan l9W7.p17.
86 FOLHA DE SÃO PAULO .Magalhães admite casos de "benefícios" nas concessões.
São Paulo, l5jan. l978.p.S.
pag:68
Segurança Nacional e o SNI. O ministro disse que pretende "defender" no
Congresso constituinte o atual
"sistema de concessões" (que depende de decisão pessoal do
presidente da República) para a exploração comercial de emissoras de rádio e
televisão. Ele declarou possuir
"vários estudos" sobre a conveniência da manutenção
deste sistema, e ter conversado sobre o assunto em despachos com Sarney"87
"Em agosto de 1985, em debate na Câmara dos Deputados, Antônio Carlos Magalhães
defendia a extinção do Imposto Sobre os Serviços de - Comunicação (ISSC) e a
reformulação do Conselho Nacional de Telecomunicações. Mas, de maneira nenhuma,
queria retirar do presidente da República o direito de decisão sobre uma
concessão
ou a cassação de uma emissora. Hoje, embora afirme que as concessões são
'rigorosamente estudadas', está sendo desmentido pelo deputado Domingos
Leonelli.
"Segundo o deputado, Antônio Carlos Maga11~ães 'deu duas rádios FM na área do
Pólo Petroquímico de Camaçari' uma para o jornalista Carlos Libório, coordenador
da campanha de Josaphat Marinho, o candidato de Antônio Carlos Magalhães ao
governo da Bahia derrotado por mais de 1,5 milhão de votos em novembro, e outra
para o
deputado federal eleito Benito Gama, ex-secretário da Fazenda no governo João
Durval. Em Salvador, o ministro deu a concessão de mais duas rádios FM: uma para
Kleber Prachedes, um de seus assessores, e outra para Luís Lula Laranjeiras, seu
sócio na Construtora Santa Helena.
"Mas foi na extinção do Imposto Sobre Serviços de Comunicação que o ministro
voltou a favorecer a Rede Globo, possibilitando a implantação de retransmissoras
a cada 1.000 quilômetros, a um preço baixo, aumentando, assim, a capacidade da
rede"88 No coração da Nova República, palpitam as forças que mantêm a Velha
República no ar.
Os negócios da família Trancredo.
" Além do gosto pela política, Aecinho Cunha, que é candidato a
NOTA DE RODAPÉ:
"Em 1985m a Globo chegou a induzir a Aratu a expandir suas instalações,
encaminhando-lhe um lay-out para essa ampliação. Cumprindo a determinação -
relata Bernardes na petição - a Aratu encomendou no exterior sofisticado e
dispendioso equipamento, que nem sequer foi ainda integralmente recebido, bem
como iniciou, de acordo com as especificações daquele lay-out, a construção de
três pavimentos, hoje em fase de acavamento." ( In: Jornal do Brasil, TV Aratu
vai continuar... op. Cit).
87 Ibidem.
88 AFINAL, Uma novela baiana. Op. Cit. P. 74.
pag:69
Tancredo Neves, também nos negócios. Seu pai. Aécio Cunha, tem uma rádio em
Teófilo Otoni e o avô tinha a sua em São João del-Rey. Agora (maio de 1986),
Aecinho
entrou em concorrência junto ao Dentel para ser contemplado com a concessão de
três emissoras de rádio: uma em São João, a Rádio FM Colonial, em sociedade com
o tio Tancredo Augusto, que toca a rádio AM herdada de Tancredo Neves, as outras
Página 45
A história secreta da Rede Globo
em Cláudio, onde a família Neves tem uma fazenda, e Divinópolis, por onde
estende sua
influência política"89.
O parceiro comercial de Silvio Santos no Maranhão
"Dono de um jornal e de uma rádio FM, o presidente Sarney vai inaugurar no
Maranhão em junho (1986), com a Copa do Mundo, a TV Mirante, uma concessão que
lhe foi presenteada pelo presidente João Figueiredo. Apesar de sua amizade com
Roberto Marinho. Sarney irá transmitir a programação de Sílvio Santos para não
se meter em
novos problemas políticos em sua terra. A Globo já é retransmitida em São Luís
pela TV Difusora, do deputado Magno Bacelar, seu aliado no PFL, que não admite
perder a concessão"90.
NOTA DE RODAPÉ:
89 VEJA. Aecinho quer concessões de rádio em Minas. São Paulo, 7 mai. 1986,
p.35.
90 VEJA. Sarney se associa a Sílvio Santos na TV. São Paulo, 30abr., 1986, p.
35.
pag:70
CENAS DE GANGSTERISMO
Os problemas da radiodifusão brasileira, obviamente, não se restringem à
existência da Rede Globo. As distorções são conseqüência da política de
radiodifusão adotada
pelos governos militares e mantida sem reparos pela Nova República. Esta
política de radiodifusão reduz o serviço público a urna atividade meramente
privada-comercial.
Mas é uma política tão incoerente que nem esse caráter privado-comercial é
adequadamente administrado: não há avaliação de mercado para viabilizar as
emissoras,
as concessões são superpostas indiscriminadamente e a abrangência geográfica das
emissoras é aumentada arbitrariamente, só para citarmos alguns aspectos. Enfim,
impõe-se à radiodifusão um caráter privado-comercial mas não há sequer uma
lógica comercial orientando este modelo.
Nesse quadro, tendem a predominar dois tipos de emissoras: as controladas pelas
grandes redes de rádio e televisão e as obtidas pelos apadrinhados do poder. As
concessões acabam servindo apenas para contemplar diretamente o poder econômico
e o poder político. A radiodifusão brasileira chegou a um ponto em que simples
reformas são inúteis, isto é, não é possível afirmar o interesse público com a
simples definição de critérios democráticos, a serem aplicados às próximas
outorgas
de concessões. A grande maioria das concessões tecnicamente possíveis no Brasil
foi distribuída até o governo do general Figueiredo.
Além de restarem poucos canais e freqüências disponíveis, é preciso destacar que
a absoluta maioria das emissoras atualmente concedidas o foram por um processo
viciado, corrupto e antidemocrático. Não há como democratizar a radiodifusão
brasileira sem uma completa redistribuição das concessões, visando a
desconcentração
da propriedade e dando prioridade a entidades socialmente representativas. Só
uma completa reorganização da radiodifusão brasileira pode superar o atual
quadro de ilegalidade e
pag:71
ilegitimidade. ~ necessário ressaltar também que esta reivindicação é amparada
na legislação vigente que, apesar de limitada e autoritária em muitos aspectos,
define o caráter
precário das concessões e atribui ao Governo autoridade para dispor legalmente
Página 46
A história secreta da Rede Globo
dessas concessões, visando o interesse público. Não há argumento jurídico, ético
ou político
aceitável - mesmo do ponto de vista da tradição liberal que legitima a
propriedade - capaz de justificar a manutenção da submissão privada e
político-partidária que caracteriza esse serviço público no Brasil Essa situação
é muito mais inaceitável se nos posicionarmos ao lado dos setores operários e
populares, que ~e coloca numa perspectiva antagônica à opressão capitalista.
A origem dessas aberrações da radiodifusão brasileira pode ser buscada em muitas
causas. Mas uma delas, sem dúvida, é a sustentação econômica e política desse
modelo de radiodifusão pela Rede Globo. Foi a política de operação em rede,
imposta pela Globo, que estruturou o mercado, tal como o encontramos hoje. Pelo
seu poderio
econômico, absorvendo mais de 40% da totalidade das verbas publicitárias
investidas no País, a Rede Globo impõe uma organização ao mercado. Por outro
lado, o controle
que a Globo mantém sobre a Associação Brasileira das Emissoras de Rádio e
Televisão (ABERT), controle este que as afiliadas da Globo reproduzem sobre as
entidades
regionais, garante um poderoso braço de sustentação política desse modelo.
Controlando as entidades representativas das emissoras de radiodifusão, o
sistema Globo
faz
predominar seus interesses e neutraliza as manifestações das pequenas e médias
empresas que são sufocadas pela concorrência dos oligopólios.
Pelo poderio político e econômico, que permite à Globo comportar-se
como um poder autônomo e incontrolável, podemos dizer com convicção que
o maior problema da radiodifusão brasileira é o monopólio dessa empresa. Não
é o único problema, mas sem dúvida é o maior por ser a expressão mais
gigantesca e acabada de um modelo comprometido com interesses antipopularess e
antinacionais.
Com a Nova República, a Globo teve seu poder fortalecido. Por isso, mais do que
nunca é necessário conhecer a Globo e seus porões. O desvendamento do passado e
do presente da Globo constitui um subsídio valioso para entendermos não só a
empresa de Roberto Marinho, mas também a natureza da própria Nova República. Uma
Nova
República que sustenta a Globo e nela se sustenta.
Há muito o que aprender nas cenas de gangsterismo que marcaram a implantação da
Globo. Essa história, que se tenta dissimular, que se procura manter secreta,
precisa ser descrita em todos os seus detalhes. Não há como tratar um assunto
desses com assepsia acadêmica. A história da Globo exige um relato que
popularize a sua compreensão. Na descrição do gangsterismo, por
pag:72
exemplo, estamos fixando um aspecto da trama que levou a Globo ao poder - e das
ações ilegais planejadas - e com isso procuramos aproximar do senso comum o
absurdo da
existência e da ilegitimidade de um monopólio dessa
natureza numa área de enorme interesse público. Entender que a implantação
ilegal é o primeiro passo para uma crítica mais profunda do seu papel político
na dominação e opressão das maiorias.
O processo de conciliação deflagrado pela Nova República imobilizou os setores
que poderiam se antepor ao poder desmedido que os meios de comunicação de
massa, especialmente os eletrônicos, desfrutam no Brasil. É preciso sacudir as
consciências eticamente comprometidas com os interesses operários e populares. É
preciso
que as maiorias passem a impor, cada vez mais, seus interesses nos sistemas de
comunicação de massa.
pag:73
II
SÍNTESE DA HISTÓRIA DA RADIODIFUSÃO NO BRASIL
Página 47
A história secreta da Rede Globo
pag:74
pag:75
INTRODUÇÃO DA TECNOLOGIA E PRIMEIRO SISTEMA NACIONAL:
1919 a 1945
Uma síntese da história da radiodifusão brasileira deve relacionar o
desenvolvimento dos meios eletrônicos de comunicação e a evolução econômica,
política e cultural
da sociedade. Esse relacionamento dos meios com o contexto social exige uma
rápida revisão da história do Brasil desde a virada do século. Como traço mais
geral da
evolução da sociedade brasileira no século XX apontamos a dependência externa
que é síntese de uma inter-relação histórica de causas e efeitos. É a
dependência externa,
simultaneamente, resultado e razão de uma correlação interna de forças sociais.
Podemos apontar a dependência como a feição exterior, fenomênica, da luta de
classes
no Brasil. Destaca-se a dependência externa como traço marcante da sociedade
brasileira neste século, como expressão das contradições internas e externas de
nossa formação econômico-social
O principal motivo que leva a balizar a história da radiodifusão com a evolução
da dependência externa é a decisiva determinação que as relações internacionais
exercem na configuração da comunicação de massa no Brasil. A pressão das
potências internacionais gerou no Brasil uma tendência "modernizadora" das
relações
capitalistas, com a imposição de um perfil empresarial, tecnológico e político
para as empresas de comunicação. Por isso, a dependência externa reflete-se de
modo
particularmente agudo na organização dos meios de comunicação de massa. E
manifesta-se com cristalina evidência na utilização econômica e política das
modernas tecnologias de comunicação.
Nessa linha de observação, constatamos três grandes fases da radiodifusão
brasileira. Na primeira, introduz-se no país a tecnologia; na segunda, cria-se o
primeiro
grande sistema nacional de comunicação, promovido e controlado pelo Estado; na
terceira, internacionalizando-se a economia, internacionalizam-se também os
meios de
comunicação de massa que se expandem violentamente, afirmando progressivamente a
hegemonia da atuação privada-comercial.
pag:76
Interiorização da tecnologia: 1919 a 1930
O desenvolvimento dos meios de comunicação no Brasil, no inicio do século,
seguiu a tendência predominante nas relações internacionais. Na medida em que a
produção dos países industrializados excedia a demanda interna, os equipamentos
iam sendo colocados à disposição do mercado mundial, especialmente dos países
compelidos pela divisão internacional do trabalho a exportar produtos primários
e importar produtos industrializados. A introdução da tecnologia de radiodifusão
no Brasil, pela simples importação, corresponde a um momento de expansão do
capitalismo monopolista no plano internacional. E corresponde, no plano interno,
a um período de
ascensão de uma burguesia industrial e comercial que disputava a hegemonia
política com as oligarquias rurais ligadas à produção agrária-exportadora.
No ano de 1919, aqui tomado como o ano do surgimento da radiodifusão brasileira,
assinala-se a criação da Rádio Clube de Pernambuco, uma entidade de caráter
associativo e cultural, como outras tantas sociedades rádio-emissoras que desde
então foram implantadas em diversas unidades da federação. Até 1930, existiam
Página 48
A história secreta da Rede Globo
funcionando
pelo menos dezenove emissoras 1. Nos primórdios de seu desenvolvimento,
predominou na radiodifusão brasileira seu caráter cultural, mantendo-se
relativamente
desvinculada do sistema produtivo, ao contrário do verificado nos Estados
Unidos, onde as indústrias eletrônicas iniciaram operando as emissoras para
estimular a venda de
receptores. Nos Estados Unidos, a radiodifusão desde logo foi manipulada pela
indústria e pelo comércio em geral, como instrumento de intervenção no mercado 2
Nas primeiras décadas do século, para vencer as dificuldades causadas pelo
fechamento do mercado internacional provocado pela 1 Guerra, ocorreu no Brasil
um
brando processo de industrialização que, embora restrito à indústria alimentícia
e outros setores industriais pouco dinâmicos, foi decisivo para a superação do
modo colonial
de produção e também para a ascensão política das burguesias industrial e
comercial e dos produtores rurais que incorporavam as relações capitalistas 3. O
desenvolvimento
do caráter capitalista da economia bras~1eira intensificou a integração da
radiodifusão ao sistema produtivo. A partir de 1925, a publicidade comercial
generalizou-se como
meio de financiamento e as emissoras passaram a desenvolver suas potencialidades
econômicas atuando como estimuladoras de mercado. As rádio-sociedades e
rádio-clubes
transformaram-se em empresas. E essa redefinição das bases econômicas de
sustentação das emissoras provocou uma imediata reorientação
NOTA DE RODAPÉ:
1. Anuário Estatístico do Brasil. Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística -IBGE, 1930e 1935.
2. DE FLEUR, Melvim L. Teorias de comunicação de massa. Rio de Janeiro, Zahar,
p.86-98.
3. PRADO JÚNIOR, Caio. História econômica do Brasil. 4.ed. São Paulo,
Brasiliense, 1956.
pag:77
da programação que popularizou-se na busca quantitativa de audiência4.
O mercado publicitário em expansão atraiu, já em 1928, a penetração das
subsidiárias das grandes agências estrangeiras de publicidade com a instalação
da N. V/. Ayer
and Son, representando os interesses da Ford. No início da década de 30
chegariam a J~ W. Thompson e a McCan Erickson, sempre atendendo as contas de
grandes empresas
estrangeiras. Muito mais do que simples produtoras de anúncios publicitários, as
agências estrangeiras atuaram com programadoras de uma "economia política" da
radiodifusão e da imprensa. Captando e distribuindo criteriosamente as verbas
publicitárias, as agências estimulavam um modelo político para a imprensa e a
radiodifusão,
e viabilizavam-no economicamente.
O primeiro sistema nacional de comunicações: 1930 a 1945
A nova retração do mercado internacional causada pela crise mundial do
capitalismo de
1929 aguçou violentamente as contradições da sociedade brasileira. O novo golpe
no modo de produção de base agrário-exportadora atingiu duramente as oligarquias
rurais
que sustentavam uma dependência estrutural da economia brasileira ante o
capitalismo
mundial. A reação das burguesias industrial e mercantil, aliadas a setores
trabalhistas e de classe média, contra o domínio das oligarquias, pressionou a
adaptação do sistema produtivo a uma base urbano-industrial, capaz de permitir o
enfrentamento das crises continuamente importadas do exterior. A revolução de
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A história secreta da Rede Globo
1930 impôs a ruptura do poder oligárquico e a emergência das classes
comprometidas com um desenvolvimento capitalista menos atrelado aos centros
hegemônicos do capitalismo
mundial. Era um nacionalismo ambíguo e limitado, sendo acompanhado de uma
aliança com os setores populares que é excludente no plano político. Houve uma
ruptura do poder
político das oligarquias, mas não se criaram antagonismos entre as classes
dominantes. O novo pacto social, acima de tudo, preservava a estrutura de
classes.
Desde 1930, e especialmente depois do golpe que levou à implantação do Estado
Novo em 1937, o Governo Federal passou a servir como intermediário nas
negociações sobre a política econômica. Foram criados órgãos e instituições que
fortaleceram e dinamizaram as ações do Executivo e o Estado, ao exercer sua
função
planificadora, operava regulando as perdas e ganhos entre os diversos estratos e
grupos de classe capitalista. O setor industrial passou a ser o centro da
atividade planificadora
e a regulamentação do trabalho, a política cambial e os
NOTA DE RODAPÉ:
4. SODRË, Nelson Werneck. Formação histórica do Brasil. 5.ed. São Paulo,
Brasiliense, 1950.
MURCE, Renato. Bastidores do rádio: fragmentos do rádio de ontem e de hoje. Rio
de Janeiro, Imago, 1976.
LOPES, Saint-Clair. Radio difusão hoje. Rio de Janeiro, Ternário, 1970.
pag:78
investimentos em infraestrutura destinaram-se prioritariamente à sua expansão.
Apesar disso, o novo modo de acumulação mantinha e adaptava a base primitiva à
base
capitalista urbano-industrial. A acumulação não-capitalista verificada nos
setores primário e terciário foi, inclusive, necessária à expansão da forma
capitalista industrial de produção51
Coincide com essas profundas transformações econômicas e sociais a constituição
de um sistema nacional de comunicação que expressa a conjunção de duas forças
que atuavam sobre a radiodifusão - e também sobre a imprensa -nesse período. Por
um lado, há um aprofundamento do caráter comercial das emissoras, que
corresponde a
uma maior assimilação da radiodifusão pelo sistema produtivo. Por outro lado, há
a pressão do Estado, especialmente através do Departamento de Imprensa e
Propaganda (DIP), que estabelecia as normas de censura e distribuía as verbas da
publicidade oficial, conformando um papel político para a radiodifusão,
orientado para o fortalecimento
do "poder central"6. Além da intervenção cotidiana do DIP, foi criada a "Hora do
Brasil", um programa diário de divulgação dos atos oficiais, que é mantido até
hoje, com retransmissão obrigatória e simultânea por todas as emissoras de rádio
no território nacional.
Já em 1931, poucos meses após a eclosão do movimento revolucionário, foi
formulado um modelo institucional para a radiodifusão brasileira cujas bases, no
fundamental, permanecem até nossos dias7. Neste modelo, os serviços de
radiodifusão são executados por entidades públicas e privadas, mediante a
concessão do Executivo
outorgada em caráter precário. Esse regime jurídico especial dava ao Estado o
pleno poder de arbitrar sobre as concessões, com critérios aparentemente
técnicos, mas que no fundamental são políticos.
O rádio, nesse período, ainda que restrito aos grandes centros urbanos, pelo
custo relativamente alto dos receptores e pela dependência da eletricidade, foi
o grande
Página 50
A história secreta da Rede Globo
instrumento de promoção dos novos valores culturais correspondentes às
transformações econômicas e sociais que estavam em marcha. O controle da
radiodifusão pelo
Estado assegurou a sua relativa imunidade ante a influência estrangeira e
pressionou a difusão dos "valores culturais" e da "ideologia nacionalista"
ligados à sociedade
capitalista urbano-industrial em expansão. A radiodifusão consolidou-se, assim,
como um instrumento político particularmente eficaz de mediação entre as classes
capitalistas
dominantes, as classes médias e as massas trabalhadoras. A organização econômica
da radiodifusão (sob o controle do capital privado ou diretamente pelo Estado) e
sua
institucionalização política (através de um sistema jurídico especial que a
NOTA D ERODAPÉ:
5. IANNI, Octávio. Estado e planejamento econômico no Brasil: (1930-1970). 2.ed.
Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1977.
6. SODRI2, Nelson Werneck. História da imprensa no Brasil. Rio de Janeiro,
Graal, 1977.
7. Decreto n0 20.047 de 27 de maio de 1931 e o seu Regulamento, o Decreto nº
21.111,de lº de março de 1932.
pag:79
mantém atrelada ao Estado, além de meios informais de pressão) asseguraram às
classes dominantes a orientação da sua atuação. Marginalizados desse controle
político e
econômico da radiodifusão, por sua vez, as classes populares nunca chegaram ater
o controle de seu conteúdo.
O projeto de "capitalismo nacional", entretanto, não resistiu à pressão
imperialista e da burguesia associada ao capitalismo internacional. O
fortalecimento das
Bases populares e a ameaça de permanência de Getúlio com o poder legitimado pelo
voto, depois de quinze anos de governo autoritário, tiveram como resposta o
Golpe Militar
de 1945, alguns meses antes das eleições para a Presidência. A deposição de
Vargas, com a justificativa de derrocar o Estado Novo e seus vícios, atendia à
necessidade
de instalação de um governo mais afinado com as potências imperialistas,
especialmente com os Estados Unidos. Iniciou-se então um processo de agudização
da dependência
externa da qual o Brasil não se livrou até os dias atuais
NOTA DE RODAPÉ:
8. BANDEIRA, Moniz. Presença dos Estados Unidos no Brasil: (dois séculos de
história). Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1973.
pag:80
A INTERNACIONALIZAÇÃO DO SISTEMA DE COMUNICAÇÕES:
1945 a 1987
Acontra-ofensiva imperialista: 1945 a 1950
Imediatamente após a deposição de Vargas, liberalizou-se a economia e
estabeleceu-se estreitos limites no plano político. A Constituinte de 1946 foi
pressionada
por grupos econômicos e o entreguismo ficou patente com a ascensão política da
União Democrática Nacional (UDN). Entre 1945 e 1946 foram gastas superfluamente
as divisas acumuladas durante a II Guerra. A política salarial foi conduzida
Página 51
A história secreta da Rede Globo
exclusivamente de acordo com os critérios do desenvolvimento das empresas
privadas e, entre 1946 e 1950,
o salário-mínimo não foi reajustado uma só vez. A importação da Guerra Fria, por
outro lado, foi acompanhada da perseguição aos partidos de oposição e da
repressão política generalizada9.
Desde o início da II Guerra, os EUA passaram a realizar "operações culturais"
que, como "frentes ideológicas", garantiram as justificativas de sua hegemonia
sobre
o mundo capitalista. Ao assistencialismo dirigido aos países subdesenvolvidos
foi acoplada a difusão de todo o aparato tecnológico de imprensa, cinema,
indústria fonográfica
e das agências de publicidade. As empresas estrangeiras, notadamente as
norte-americanas, passaram a dominar a economia e o mercado publicitário,
consistindo
praticamente no único sistema de financiamento das empresas jornalísticas,
editoras e emissoras de rádio e assim, "porque as mantinham e lhes permitiam
realizar lucros,
logo, as condicionavam" 10. O aparato que fora montado para apoiar a propaganda
ideológica da frente anti-Eixo da II Guerra Mundial foi reorientado no sentido
leste-oeste, alimentando a "guerra-fria" e voltado contra os setores populares
em cada país.
NOTA DE RODAPÉ:
9. IANNI, op. cit.
SODRË, Nelson Werneck, op. cit.
SODRË, Nelson Werfteck. Op. cit.
pag:81
Nesse contexto, principalmente a partir da II Guerra, a imprensa e a
radiodifusão passaram a permear diretamente os valores culturais do
imperialismo. Inverteu-se
assim a condição "nacionalista" do sistema de comunicação de massa no Brasil. Na
medida em que essas tecnologias aprofundavam sua integração ao sistema produtivo
e na medida em que a política econômica escapava do controle das classes
empenhadas na construção de um capitalismo nacional, passavam ao controle da
burguesia associada
ao capital estrangeiro. Fortalecendo-se como estrutura de poder, os meios de
comunicação de massa prosseguiam favorecendo a adequação da ideologia dominante
às relações de produção capitalista em evolução, agora, porém, subordinados mais
diretamente às imposições das forças imperialistas e da burguesia associada.
Retomada populista: 1951 a 1954
A volta de Getúlio pela via eleitoral, em 1950, encontrou um processo,
irreversivelmente desencadeado no plano internacional, de avanço das torças
imperialistas
que intensificaram sua interferência política, econômica e cultural nos países
periféricos. A reorientação do intervencionismo estatal, novamente voltado para
um projeto
de expansão da economia com a participação de capital e tecnologia estrangeira,
mas sob controle nacional, renovou as tensões com o imperialismo. Desenvolveu-se
no Governo e especialmente no Exército - uma campanha de repressão contra os que
pugnavam por posições nacionalistas. O Estado era corroído por dentro pelos
aliados da internacionalização da economia1. 11
Enfraquecido em sua oposição à aliança conservadora, o projeto de
desenvolvimento capitalista autônomo, representado por Getúlio Vargas, era
obrigado a "pagar um preço" mais alto em troca do apoio das classes populares. A
presença ascendente dos setores populares, em especial do operariado urbano
organizado nos sindicatos,
determinava o surgimento de novas contradições que, progressivamente,
Página 52
A história secreta da Rede Globo
deterioravam a posição "nacionalista".
É nesse período que a Central Intelligence Agency (dA), norte-americana, começa
a operar no país. E os grandes jornais, financiados pelas agências de
publicidade
estrangeira e pelas grandes empresas multinacionais, moveram violentas campanhas
contra o governo, conseguindo, entre outra concessões, a demissão do ministro do
Trabalho, João Goulart. Os Estados Unidos desestabiizaram a economia com uma
série de medidas, entre as quais o bloqueio às exportações de café. O jornal
"última Hora",
apoiado por Vargas, foi massacrado por receber financiamento de ôrgãos públicos,
o que era comum mesmo entre os jornais que promoviam a arrasadora campanha de
perseguição.
NOTA DE RODAPÉ:
11. Id.,ib.
pag:82
Ficou comprovado que "O Estado de São Paulo", o "O Globo" e o "Correio da Manhã'
foram remunerados pela publicidade estrangeira para moverem campanhas contra a
nacionalização do petróleo, conforme investigou em 1957 uma Comissão Parlamentar
de Inquérito da Câmara Federal 12
O apoio da maioria das empresas jornalísticas e de radiodifusão (inclusive a
televisão, que surge em 1950) à aliança conservadora foi fundamental na
definição desse
período histórico. As campanhas políticas movidas pelos meios de comunicação de
massa, com denúncias verdadeiras de casos de corrupção ou mesmo calúnias,
comprometiam a percepção que o proletariado, as classes médias e a burguesia
nacionalista tinham do processo histórico em marcha. Impotentes para conceber
uma estratégia de ação, os setores nacionalistas foram surpreendidos pela
armadilha montada pelas forças imperialistas e seus aliados brasileiros. A
utilização estratégica
dos meios de comunicação, posta em prática neste período, vinculou
indissoluvelmente os grandes grupos que operam nos diversos ramos da indústria
cultural no Brasil aos
grupos estrangeiros. Mas a utilização política dos meios de comunicação de
massa, experimentada na queda de Getúlio, foi só o preâmbulo do papel ideológico
que lhes seria atribuído nas décadas seguintes.
Abertura da economia: 1954 a 1960
Com Juscelino Kubitschek na Presidência, instaurou-se uma nova ideologia de
desenvolvimento no país. Em Juscelino e em Vargas o desenvolvimento está ligado
à idéia de industrialização. O que difere um do outro é a presença do conceito
de "autonomia econômica" que é primordial em Getúlio e que parece ser secundário
ou distinto
em Juscelino. A associação com o capital estrangeiro foi importante,
principalmente, pela modernização do sistema produtivo, com a diversificação da
produção e a sua
"atualização" tecnológica. Liberalizou-se a entrada de capital estrangeiro e
seus vultosos investimentos pressionaram a implantação de infraestrutura em
larga escala 13.
A acentuada internacionalização da economia também refletiu-se na organização
econômica dos meios de comunicação de massa. As agências de publicidade
estrangeiras passaram a controlar o mercado publicitário gerado pela volumosa
inversão de capital praticada pelas empresas - igualmente estrangeiras -
instaladas no Brasil.
Os meios de comunicação de massa, especialmente algumas empresas,
desenvolveram-se e sofisticaram-se tecnologicamente com a concentração do
capital. Financiadas
direta e indiretamente pelo capital estrangeiro, essas empresas passaram a atuar
como estrutura de poder que mediava os interesses do imperialismo e da burguesia
Página 53
A história secreta da Rede Globo
associada.
Nesse período, a televisão começou a adquirir crescente importância na
NOTA DE RODAPÉ:
12. Id.,ib.
13. IANNI, Octávio op. cit.
pag:83
captação de verbas publicitárias. Na segunda metade da década de 50,
evidenciava-se uma tendência de queda nos investimentos publicitários no rádio e
aumento das
inversões aplicadas na televisão. O rádio, em 1950, captava em torno de 24% dos
investimentos publicitários, caindo para 14% em 1960. A televisão, surgida em
1950, já participava, em 1960, com 9% de verba publicitária . Isto, apesar do
pequeno número de receptores de televisão registrado em 1960(cerca de um milhão)
em relação ao número
de receptores de rádio (cerca de seis milhões). Em 1956 realizaram-se as
primeiras experiências de operação em rede, entre o canal 13 do Rio de Janeiro e
o canal 7 de São
Paulo através de um link de microondas' 5. Em 1957 chegaria ao Brasil o
vídeo-tape que revolucionaria o modo de produzir televisão, embora s~5 tenha
sido amplamente difundido a partir do início da década de 60.
Crise da democracia representativa: 1961 a 1964
A estratégia de desenvolvimento baseada no capital e na tecnologia estrangeira,
empreendida no governo Kubitschek, aguçou as contradições internas, acirrando a
luta
de classes e a resistência anti-imperialista. A renúncia de Jânio Quadros e as
dificuldades para a posse do vice-presidente João Goulart, só assegurada por
intensa
mobilização popular, mostraram a gravidade das tensões existentes. Em todo este
período há a ameaça de enfrentamento dos setores nacional-populistas e a
burguesia
associada ao capital estrangeiro, que comandava o séquito das classes médias
angustiadas com a crise social e amedrontadas com os fantasmas ressuscitados da
Guerra-Fria.
A crise social, elaborando a crise econômica, provocou uma queda violenta nas
inversões de capital nos principais setores da economia, pois ampliavam-se as
barreiras
políticas e institucionais16. As classes trabalhadoras avançavam, reivindicando
so1uç~es que foram enfeixadas nas Reformas de Base e que nunca chegariam a ser
implementadas.
Mais uma vez ficou demonstrado que o projeto nacionalista dependia
crescentemente dos setores populares e menos do capital nacional, o que
praticamente
inviabilizava qualquer projeto de conciliação: entre o avanço das classes
popularese o projeto pró-imperialista da burguesia associada, a burguesia
"nacionalista" só podia
ficar ao lado das forças que sustentariam o capitalismo
NOTA DE RODAPÉ:
14. JORDÃO, Maria de Fátima Pacheco. Concentração econômica da mídia. Diário
Popular. São Paulo, 30 de abril de 1978. Caderno de Marketing, p.l1.
15. VAMPR~, Octávio Augusto. Raízes e evolução do rádio e da televisão. Porto
Alegre, Feplam/RS, 1979,p.222.
16. OLIVEIRA, Francisco de. A economia brasileira: crítica à razão dualista. São
Paulo, Estudos Cebrap. Nº 3, 1975.
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A história secreta da Rede Globo
pag:84
no Brasil 17.
A estrutura de poder, configurada pela atuação de diversas empresas de
comunicação manobradas pelo imperialismo ou por seus agentes nacionais, foi
movimentado contara o Estado. O Executivo foi bombardeado por denúncias de
corrupção, incompetência, irresponsabilidade e ilegalidade. Os meios de
Comunicação controlados pela publicidade estrangeira, assumiram estas ~ e
esforçaram-se, por um lado, para desmobilizar os setores que
reivindicavam as mudanças sociais e, por outro lado, para instigar toda a
sociedade contra o poder legalmente constituído. A economia brasileira foi
novamente
desestabilizada pelos EUA. Atuaram abertamente no pais entidades financiadas por
empresas nacionais e estrangeiras, pela CIA e outros órgãos norte-americanos, em
apoio à
conspiração. O Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (IPE 5) - que ocupou um
lugar central como instrumento de organização e intervenção da burguesia
industrial
e financeira associada ao capital estrangeiro - e o Instituto Brasileiro de Ação
Democrática (IBAD) foram duas das principais entidades que compraram o apoio de
órgãos
de comunicação, financiaram campanhas, corromperam parlamentares e criaram o
apoio logístico (inclusive com armamentos) para o golpe que se gestava.
Foi nesse contexto que uma nova estratégia das forças imperialistas, em relação
aos meios de comunicação, começou a delinear-se. Em 1961 surgiram os contratos
elaborados inconstitucionalmente entre as organizações Globo e o grupo
norte-americano Time-Life, que iriam transformar aquele grupo empresarial
brasileiro na maior
potência econômica na área da comunicação na América Latina. As dificuldades
institucionais, entretanto, só permitiram que os contratos fossem plenamente
executados
após 1964. O modelo de desenvolvimento econômico adotado no período pós-64 levou
a grandes investimentos públicos em infraestrutura de telecomunicações. Criou-se
assim um setor de serviços públicos que modernizaria as telecomunicações no
Brasil e constituiria demanda para a produção da indústria eletrônica
transnacional que
se instalou no país. Só após o golpe de março de 1964, porém, é que foram
criadas as condições econômicas e institucionais para o desenvolvimento de um
sistema nacional de telecomunicações e de radiodifusão compatível com as novas
exigências do capitalismo internacional.
O sistema global: 1964 a 1987
Com a derrubada, em 1964, do governo constitucional, o desenvolvimento baseado
no capital e na tecnologia estrangeira desenfreou-se. O Executivo usurpou as
funções do Legislativo e até mesmo do Judiciário. A concentração de poderes
facilitou as relações com os centros do capitalismo mundial criando-se
17. IANNI, Octávio. O colapso do populismo no Brasil. Rio de Janeiro,
Civilização Brasileira, 1975.
pag:85
as condições institucionais favoráveis à reprodução do capital em altas taxas.
pressionada pelo aporte de capital estrangeiro desenvolveu-se infraestrutura de
serviços públicos
em larga escala. O Estado passou a atuar como um importante fator de estímulo à
acumulação do capital privado.
O caráter do desenvolvimento dos meios de comunicação de massa no Brasil revela
a importância das tecnologias de comunicação no processo de evolução das
relações capitalistas mundiais. A comunicação de massa apresenta-se como um
elemento vital na inversão da conquista pela agressão armada por uma estratégia
de domínio pela "base filosófica" e pelo "colonialismo cultural". Verificam-se,
neste processo, três diferentes estágios nas relações internacionais'8. O
Página 55
A história secreta da Rede Globo
primeiro era um "simples
subproduto do contato entre diferentes grupos", e foi o que persistiu durante
mais tempo na história da humanidade. O segundo é a imposição intencional de uma
cultura
dominante sobre uma cultura dominada. Era causa e também efeito de "guerras,
comércio, organização de hegemonias e rivalidades entre impérios". Deste
período, "das grandes explorações e da colonização", passou-se para o terceiro
estágio, no qual existe um intenso intercâmbio e um fluxo bidirecional entre
nações e povos, entre
dominantes e dominados. Neste estágio, as complexas instituições resultantes de
igualmente complexas relações sociais, são mobilizadas de maneira sistemática
para interferir nas sociedades dominadas. Assim, hoje assistimos à atuação de um
"complexo industrial eletrônico agressivo e poderoso trabalhando para expandir o
sistema sócio-econômico, espacial e ideologicamente" l9.
Essa tendência acentuou-se na década de 70 com a expansão da atuação dos setores
da indústria eletrônica norte-americana que foram beneficiadas com a acumulação
intensiva gerada pelas inversões maciças do Estado na indústria bélica
(especialmente durante a guerra do Vietnã) e aeroespacial. A produção da
indústria eletrônica foi então
voltada para a introdução de sofisticadas tecnologias de comunicação e
informática nos países do terceiro mundo. Esse fluxo econômico e tecnológico,
além dos interesses
imediatos da indústria eletrônica, atua como apoio logístico para a instalação
das transnacionais que operam em diversos setores da economia e que necessitam
de instrumentos de estimulação de mercado20.
Dentro do processo de expansão e modernização do sistema produtivo no Brasil,
foi instalado um gigantesco sistema nacional de comunicações, composto por uma
avançada infraestrutura de serviços de telecomunicações e por dezenas de
emissoras de televisão, centenas de emissoras de rádio e dezenas de milhões de
NOTA DE RODAPÉ:
18. SCHILLER, Herbert 1. O império norte-americano das comunicações. Petrópolis,
Vozes, 1976, p.24-5.
19. Id.ib.,p.25.
20. MATTELART, Armand. As multinacionais da cultura. Rio de Janeiro, Civilização
Brasileira, 1976.
-------Multinacionais e sistemas de comunicação. São Paulo, Ciências Humanas,
1979. 85
pag:86
receptores de rádio e televisão. A economia sofre um processo de concentração de
capital e tecnologia que alijou pequenas e médias empresas, em todos os setores,
e fez surgir imensos oligopólios. Paralelamente a política econômica promoveu a
concentração da renda à custa da expropriação das massas trabalhadoras. A
radiodifusão é, ao mesmo tempo, causa e efeito desse modelo de desenvolvimento.
O advento da Nova República, em 1985, embora tenha promovido uma ruptura
"democratizante" no plano político, manteve inalterado o predomínio da burguesia
no plano econômico. E também manteve intacto o sistema de comunicação de massa
resultante de vinte anos de ditadura militar.
pag:87
III
1960 e 1961:
O CERCO À RADIODIFUSÃO
pag:88
pag:89
A PREPARAÇÃO DA INVASÃO
Página 56
A história secreta da Rede Globo
A forte presença do capital estrangeiro no Brasil desde o final da década de 50
foi conseqüência tanto do modelo de desenvolvimento econômico adotado por
Juscelino
Kubitschek( 1955 - 1960) quanto do quadro de reordenamento do capitalismo
internacional. As empresas transnacionais passaram a localizar nos países
periféricos a produção
industrial. Esse aporte de capital no Brasil - como em outros países da América
Latina - gerou uma dinâmica de mercado de consumo com a publicidade exercendo um
papel cada vez mais importante. Além do papel econômico o capital estrangeiro
também cumpria uma função política: não só fazia a defesa da manutenção do modo
de produção
capitalista no Brasil, como também reivindicava uma via de desenvolvimento
econômico que atendesse aos seus interesses mais imediatos.
Inicialmente, esse capital começou a intervir nas empresas de comunicação
através da publicidade, maciçamente distribuída pelas empresas estrangeiras e
quase
sempre gerida por agências de publicidade também estrangeiras. Mas existiam
também formas mais diretas de intervenção. Nesse período - e os registros são
multo discretos
- diversos empresários da área da comunicação foram procurados por
representantes de grupos estrangeiros para trabalhar conjuntamente na "defesa da
liberdade de iniciativa
no Brasil"'. A discrição com que se processavam esses contatos - e também os
seus registros - devem-se às limitações de ordem legal, inclusive
constitucionais, que proíbem
expressamente que entrangeiros detenham a propriedade ou interfiram
NOTA DE RODAPÉ:
1. CÂMARA DOS DEPUTADOS. Projeto de Resolução nº 190, de 1966: Aprova as
conclusões da Comissão Parlamentar de Inquérito para apurar os fatos
relacionados com a organização Rádio e
TV e jornal "O Globo" e as empresas estrangeiras dirigentes das revistas "Time"
e "Life". (da CPI criada pela Resolução n_7 185, de 1966). Diário do Congresso
Nacional. Brasília, 7 de junho de 1967. p. 69. (Depoimento de Carlos Lacerda).
pag:90
intelectual ou administrativamente em empresas de comunicação. O artigo 160 da
Constituição determina que só, e exclusivamente, a brasileiros natos é permitida
a propriedade, participação acionária ou mesmo a responsabilidade ou orientação
intelectual e administrativa dessas empresas (cf. Anexo 1). Júlio de Mesquita
Filho foi um dos
que confirmou ter sido procurado por um grupo estrangeiro para associar o seu
jornal, "O Estado de São Paulo", a uma cadeia de emissoras. A Edmundo Monteiro,
diretor
dos Diários Associados de São Paulo, também foi feita a mesma proposta 2.
O mercado editorial brasileiro já estava então tomado por iniciativas evidentes
do capital estrangeiro que desafiavam impunemente os preceitos constitucionais.
Na década de 40, ainda durante a Segunda Guerra Mundial, chegara ao Brasil a
revista "Seleções do Reader's Digest" com uma política editorial apropriada à
expansão norte-americana do pós-guerra. João Calmon, diretor dos Diários
Associados, revelou, em 1966, que o mais evidente desses grupos estrangeiros era
o "Grupo Visão", notoriamente
norte-americano, com matriz em Nova Iorque, responsável pela revista "Visão" e
"pelo lançamento de várias publicações da chamada 'distribuição controlada', na
realidade
distribuição gratuita, mas altamente selecionada"3.
"São o 'Dirigente Industrial' - prossegue Calmon, em discurso de 1966-
'Dirigente Construtor' e 'Dirigente Rural', este ultimo, conforme revela no seu
expediente, resultante da absorção da tradicional revista brasileira, 'A
Fazenda'. Há mais duas ou três para serem lançadas brevemente, porque são
autênticas minas de ouro, com cujos
Página 57
A história secreta da Rede Globo
lucros o grupo norte-americano de 'Vision Incorporation' cobre os prejuízos da
edição latino-americana de 'vision' em castelhano. Vejam só: um país
subdesenvolvido ou em
desenvolvimento já permite que uma empresa estrangeira financie com lucros
brasileiros sua expansão no resto da América Latina. O negócio do grupo 'Visão
'é dos mais
prejudiciais, porque nem sequer envolve qualquer investimento em dólares e
também quase nenhum investimento em cruzeiros. As revistas não têm oficinas
NOTA DE RODAPÉ:
2. Ibidem,p.69.
3. CALMON, João. O livro negro da invasão branca, Rio de Janeiro, O Cruzeiro,
1966.
Duas das principais fontes de informações contidas nesse capítulo são: João
Calmon, então diretor dos Diários e Emissoras Associados, deputado federal e
presidente fundador da Associação Brasileira das
Emissoras de Rádio e Televisão; e Carlos Lacerda, jornalista, parlamentar de
diversos mandatos e ex-governador da Guanabara. Essas duas figuras assumiram
posições muito combativas contra a associação
Estabelecidas a entre as organizações Globo e o grupo norte-americano
Tirne-Life, que está no centro da análise deste capítulo. João Calmon
representava, além dos
Diários e Emissoras Associadas, os interesses das
empresas que sofriam a concorrência "desleal" da Globo. Carlos Lacerda ligava-se
aos interesses de frações da burguesia que foram excluídas do bloco de poder que
assumiu o Estado com o golpe de 1964.
Calmon e Lacerda explicitavam contradições e um debate que se dava no interior
das classes dominantes. A radicalização dessas contradições fez com que as
denúncias
e informações publicadas por Calmon e
Lacerda
pag:91
pr6prias~ não adquiriram linotipos e rotativas, limitando-se a usar as
instalações da Companhia Litográfica Ipiranga, em São Paulo. Com o apoio maciço
de anunciantes
estrangeiros e com distribuição gratuita, esse grupo dominará rapidamente a área
das revistas e, em seguida - ninguém se iluda - invadirá também o setor da
imprensa diária, através de uma nova modalidade do 'Shoping
News' "4.
Continua Calmon "O exemplo de 'Visão' foi seguido pelo grupo McGraW-Hill, que
lançou no Brasil uma série de revistas de distribuição gratuita, mas altamente
selecionadas"(,..) A "editora McGraw-Hill, (...) depois se associou ao grupo
'Visão' (...).
"Como se vê, era a invasão pelo faciitário. Essas revistas são americanas com
máscara brasileira. Violaram elas um princípio que era rigorosamente seguido por
todas as agências de publicidade estrangeiras em nosso país, que não davam
matéria remunerada a nenhuma revista antes de completar um ano de circulação.
Essas já nasceram ricas, com suas páginas fartamente anunciadas por firmas
brasileiras e estrangeiras"5.
"Há outro grupo menos importante - acrescenta Calmon - mas que está avançando
perigosamente. Trata-se de Robert Land / Fernando Chinaglia, editores de 'O
Médico
Moderno' e o 'Engenheiro Moderno', ambas de distribuição gratuita. Segundo
informações ainda não confirmadas, as autorizações de publicidade provenientes
da Europa ou
dos Estados Unidos sofrem uma retenção de 50% do seu valor no exterior. A
imprensa médica do Brasil está sendo dizimada por esse grupo. Até agora só
sobreviveu
à concorrência de 'O Médico Moderno', o 'Jornal do Médico do Brasil', assim
Página 58
A história secreta da Rede Globo
mesmo, a duras penas. (...) Estou investigando também denúncias sobre um acordo
entre 'Mecânica Popular', que circula no Brasil, e a sua congênere
norte-americana, do mesmo nome. Oportunamente voltarei ao assunto, que envolve
violação da lei de remessas de lucros e 'Royalties"'6.
João Calmon falava também da chegada de Victor Civita que estava instalando no
Brasil aquela que hoje é a maior empresa editorial da América Latina, a Editora
Abril: "O Grupo da Editora Abril edita esta revista "Realidade", que é a
décima-nona que lança no Brasil. O dono deste grupo chama-se Victor Civita. Este
homem nasceu na Itália, naturalizou-se norte-americano. No seu processo de
naturalização de cidadão brasileiro, que eu vi no Ministério da Justiça e do
qual tenho a cópia fotostática,
ele aparece como natural de Nova Iorque, e não da Itália. Quando procurei apurar
o que ele fazia nos Estados Unidos, antes de vir para o Brasil, soube que ele
era empregado do grupo Time-Life. Chegou ao Brasil sem dispor de recursos
financeiros e o seu irmão partiu para a Argentina. Dentro de pouco tempo o grupo
da Editora Abril
NOTA DE RODAPÉ:
extrapolassem os interesses das classes que representavam e produzissem uma
importante documentação histórica que aqui procuramos recuperar.
4. Id.,ib., p. 66.
5. Id.,ib., p.21.
6. Id.,ib. .p. 67.
pag:92
lançou dezenove revistas no Brasil, dezenove revistas na Argentina e dezenove
revistas no México. Outro detalhe interessante: a Editora Abril chama-se Editora
Abril na
Argentina e edita uma revista chamada 'Panorama'. Em baixo do título da revista
'Panorama' lê-se: 'Uma revista do Editorial Abril e de Time-Life'. Na Itália,
existe outra
revista, com o mesmo título, 'Panorama', embaixo do título lê-se: 'Uma edição de
Time-Life e Mondatori'. Ora, é muita coincidência. E é o grupo Civita da
Argentina e o grupo da Editora Abril que opera em três países. Creio que nenhum
grupo brasileiro terá capacidade financeira para manter dezenove revistas, no
México, na Argentina
e no Brasil Portanto, 'Realidade', esta última revista, deve estar também sob
suspeita. Agora, se me pedirem que faça uma afirmação sobre o caráter
estrangeiro desta editora,
infelizmente não posso confirmar, porque até agora não obtive nenhuma prova e
para mim todo mundo é honesto, todo mundo merece fé até prova em contrário"7
NOTA DE RODAPÉ:
7. CÂMARA DOS DEPUTADOS. Op, cit, p.13 ( Depoimento de João Calmon)
pag:93
A GLOBO CAPITULA
Essa avalanche de capital estrangeiro que se derramava sobre o mercado editorial
brasileiro dirigia-se também às emissoras de radiodifusão. Só que a penetração
nessa
área exigia cuidados especiais. Cada emissora é objeto de uma concessão de
freqüência pelo Governo Federal e existem controles formais quanto à
constituição da empresa que
vai executar o serviço Por isso, é imprescindível, no caso das emissoras de
rádio e televisão, a existência do "testa-de-ferro", que acoberte a presença do
sócio ou proprietário
legalmente impedido, Júlio de Mesquita Filho, de "O Estado de São Paulo", foi
procurado para se associar à criação de uma rede de emissoras de rádio e
televisão, justamente
pelo grupo Time-Life, com o qual o dono da Editora Abril, Victor Cívita,
Página 59
A história secreta da Rede Globo
mantinha curiosas relações. Mesquita declaradamente não aceitou a proposta do
grupo Time-Life,
"grupo - como dizia João Calmon - da linha mais reacionária e mais retrógrada do
Partido Republicano, exclusivamente interessado em manter, em países como o
nosso, bases
anticomunistas" 8•
O grupo Time-Life, entretanto, não demoraria para encontrar empresários mais
receptivos. Havia no Rio de Janeiro as organizações Globo, proprietária do
tradicional
jornal 'O Globo', da editora Rio Gráfica e da Rádio Globo, entre outros
empreendimentos no setor. As organizações Globo, de tendência marcadamente
conservadora,
estavam presentes na lista de jornais subornados pela publicidade estrangeira
para mover campanhas, por exemplo, contra a nacionalização do petróleo 9. Essa
empresa
apresentava então grandes perspectivas de expansão. 12o que se pode deduzir dos
pedidos de 25 emissoras de rádio e televisão, localizadas nos principais
estados, feitos pela
empresa
NOTA DE RODAPÉ:
8. CALMON, op. cit. p. 215.
9. SODRË, Nelson Wernek. História da imprensa no Brasil. Rio de Janeiro, Graah
1977. p. 460-7.
pag:94
ao Governo em 1960 e 1961. Com esses projetos de expansão as organizações Globo
mostraram não só receptividade à associação com o capital estrangeiro, como
também
muito critério na escolha do sócio, como explicou o seu Diretor-Presidente,
Roberto Marinho:
"Em meados de 1961 a TV Globo estava em seus primórdios. Nessa época ainda
pertencia à Rádio Globo, que obtivera a concessão. Já tínhamos um terreno na rua
Von Martius, na Gávea, local considerado ideal pelos técnicos para instalação de
um estúdio de televisão; já tínhamos um projeto do eminente arquiteto patrício
Henrique
Midling e já dávamos início às escavações para as fundações; já tínhamos pago
quase totalmente o equipamento eletrônico, bastante para uma emissora de
televisão; já
tínhamos começado a organizar os nossos planos de trabalho, já que tínhamos um
pouco de experiência jornalística e de radiodifusão, mas nenhuma de televisão
Nesse
momento, duas grandes organizações norte-americanas, a NBC - National
Broadcastíng Corporation e 'Time-Life', procuraram-nos para participarem conosco
do
empreendimento que íamos levar a efeito. Embora os dois grupos tivessem chegado
quase simultaneamente, as nossas preferências se voltaram para a organização
'Time-Life', não só porque se tratava de um grande organismo jornalístico, como
porque se lançara há alguns anos com grande êxito, na televisão, passando seu
departamento de
televisão a ser talvez o mais importante daquela grande organização
internacional" 10•
No ano seguinte, em 1962, a Globo assinou com Time-Life dois contratos e passou
a ser subvencionada por milhões de dólares. Mas porque o grupo "Time-Life"
conseguiu chegar a bom termo com a Globo, num negócio que havia sido rejeitado
por outros empresários brasileiros? O ex-Governador da Guanabara, Carlos
Lacerda,
propõe uma explicação: "A história da fortuna do Sr. Roberto Marinho, afora uma
qualidade que não lhe nego, a de trabalhar todos os dias no seu jornal -e esta é
a sua grande qualidade - foi feita à custa de privilégios marginais, de favores
obtidos pelo medo que 'O Globo' inspirava ou pela ambição que 'O Globo' alimenta
Página 60
A história secreta da Rede Globo
e cativa (...)E foi assim que, recusada em outros termos, muito mais bem
apresentada por homens de bem da imprensa brasileira, encontrou no Sr. Roberto
Marinho, esta proposta, um terreno
rico, fértil e compreensível"' 11.
Sobre Roberto Marinho, Lacerda conta que recebeu proposta de "apoio que me foi
reiteradamente oferecida para uma candidatura à Presidência da República, em
troca
de certos favores que entendi não poder fazer, pois não dependiam do meu
arbítrio e sim do interesse público que me incumbia de
NOTA DE RODAPÉ:
10. CAMARAD OS DEPUTADOS. Op. cit., p. 28, (Depoimento de Roberto Marinho).
11. Ibidem, p.69. (Depoimento de Carlos Lacerda).
pag:95
defender, como Governador do Estado que era" 12.
E continua Lacerda: "O Sr. Roberto Marinho executou sempre, no Rio de Janeiro,
uma espécie de blandiciosa ditadura pela lisonja. Quem lhe desse, como lhe
deram, o
privilégio de pôr um imenso anúncio luminoso na barra do Pão-de-Açúcar - jornal
luminoso de um empreiteiro de negócios, que procurou a influência de 'O Globo'
para conseguir o privilégio - a estadista seria promovido no dia imediato. Quem
lhe desse, como lhe foi dado, o Parque Laje - 500 mil metros quadrados de área
florestada na base
do Corcovado - seria convertido no maior administrador da América do Sul e do
Caribe. Mas quem, por ventura, não lhe atendesse os interesses, sofria
restrições, que iam desde o banimento da coluna social, que se converteu numa
espécie de termômetro da vida cultural brasileira, até os apodos e aquele
estilo, que eu diria misto do
Teodorico e
da Titi Patrocínio, porque irreverente e hipócrita corno Teodorico e prudente e
falsamente virtuosa como a Titi. Para que se tenha idéia de que não estou apenas
formando
frases, permito-me ler documento pelo qual, a exemplo do que ocorreu com o
Parque Laje, o Sr. Roberto Marinho, à custa de 'O Globo', do prestígio de 'O
Globo', dos
leitores de 'O Globo', do medo a 'O Globo' e dos agrados e afagos de 'O Globo',
fazia e faz operações como esta: 'Escritura de promessa de compra e venda de
imóvel que
entre si fazem o Banco do Brasil S.A. e o Dr. Roberto Marinho, na Gávea Pequena,
em 1P de agosto de 1960'. Este imóvel mede 283.770 metros quadrados. 12o sítio
da
Pedra Bonita, no Alto da Boa Vista, na Gávea Pequena, junto ~ resid8ncia de
verão do Governo do Estado, hoje não sei se cumprido, mas por mim convertida em
colônia de
férias, numa das zonas valorizadas do Brasil, junto à famosa Casa das Pedras,
tradicional hospitalidade do eminente colega de V. Exas., o deputado Drault
Ernani. O Sr.
Roberto Marinho comprou a 'Bacia das Almas' ao Banco do Brasil, por 30 milhões
de cruzeiros, pagáveis 6 milhões à vista e 24 milhões em 120 prestações. 12
claro que o
Banco do Brasil estava fazendo uma excelente gestão financeira do Brasil para 'O
Globo', perante os leitores de 'O Globo', quando tal operação se consumou" 13. E
João Calmon completa: "120 prestações mensais, portanto em dez anos de
prestações iguais e sucessivas de Cr$ 334.330,20. Taxa de juros: 12%ao ano, isto
é, 1% ao mês. Não
Foi um negócio, foi uma doação" 14.
"Marinho montou uma máquina - prossegue Lacerda em outro depoimento - que
controla do modo a seguir exemplificado. Exemplo 1: seu pai foi o fundador de 'O
Página 61
A história secreta da Rede Globo
Globo'. Ao transformar O Globo em órgão de uma
NOTA DE RODAPÉ:
12. Ibidem, p. 67.
13. Ibidem,P.69.
14. CALMON. Op. cit.p.161.
pag:96
instrumentos: a influência do Governo e o controle da opinião pública" 15•
empresa jornalística, Roberto ficou com 62%das ações, deixando em minoria sua
mãe, a veneranda viúva de Irineu Marinhoe seus irmãos Rogério e Ricardo. Exemplo
2: a São Marcos Comércio e Indústria de Construção S/A, com sede à Rua México,
168, sala 1002, depois transferida para a mesma Rua, 98, 5P andar, tem vários
sócios e um capital
de Cr$ 675 milhões. Roberto Marinho tem Cr$327,5 milhões em ações e mais algumas
de pessoas a ele ligadas.
"Essa companhia é sucessora da Comércio e Indústria Mauá S/A, que comprou o
Parque Laje. O sócio de Roberto Marinho, nessa Companhia São Marcos, é a
Companhia de Administração e Serviços Caser (Rua do Carmo, 8, 12.0 andar)
edifício-sede do Banco Moreira Saies, notadamente o notório Homero de Souza e
Silva, que é
um dos numerosos nomes de que se servem os patrões de Walter Moreira Sales para
controlar economia nacional.
"O Procurador desta companhia chama-se Carlos Medeiros da Silva, atualmente
Ministro da Justiça (dezembro de 1966), que subestabeleceu a procuração da
Companhia que disputa o Parque Laje ao advogado Luiz Gonzaga do Nascimento
Silva, atualmente ministro do Trabalho.
"Para que não haja dúvidas, saibam todos que isto se encontra no Cartório da 5~
Vara da Fazenda, Escrivão Paulo Roquete Pinto. Assim, o advogado contra o Estado
da Guanabara, em nome da Comércio e Indústria Mauá, na qual são sócios Roberto
Marinho e Walter Moreira Sales, era Carlos Medeiros da Silva, conforme a
procuração de
23 de novembro de 1 %4, no referido Cartório. Passando este a ministro da
Justiça, subestabeleceu às folhas 256 do livro deste mesmo Cartório a procuração
de Roberto
Marinho e Walter Moreira Saies a Nascimento Silva, atual ministro do Trabalho
que, por sua vez, ao ser nomeado ministro subestabeleceu a seu parente Heitor do
Nascimento e Silva, a 12 de novembro de 1965.
"Esses dados são apenas alguns exemplos de uma longa e escabrosa história de
tráfico de influências, de sonegações e assaltos, mostra como está constituí do
e quais
as verdadeiras origens do Governo Castelo Branco. Nada menos revolucionário do
que o Sr. Nascimento Silva. O marechal Castelo Branco os conhecia vagamente
antes de os fazer ministros. Mas eles serviram ao sistema a que também serve o
Marechal. Se em vez de Parque Laje escrevêssemos a palavra Brasil, teríamos uma
idéia do patrimônio que esse grupo disputa. Pois se Roberto Marinho é
testa-de-ferro de Walter Moreira Saies, Walter por sua vez o é de um grupo
americano que se apossou do Brasil
de modo ainda mais evidente e depois de março de 1964.
"Não se trata, pois, de uma nação - os Estados Unidos - tomar conta de outra, o
Brasil. Mas sim de um grupo americano, através de outro grupo brasileiro,
controlar
a economia nacional. Para isso precisam de dois
pag:97
instrumentos: a influência do governo e o controle da opinião pública" '15.
Página 62
A história secreta da Rede Globo
O namoro indireto
A opção das organizações Globo pelo grupo "Time-Life" talvez tenha uma história
mais longa e mais complexa do que aqui se registra. João Calmon apresenta
documentos sobre o comportamento de "O Globo" que evidenciam uma ligação como
grupo "Time-Life" anterior aos contatos de 1961.
"Quem possuir a coleção de 'O Globo' de 1959, entre 28 de fevereiro e 4 de maio,
verá o destaque que o Sr. Roberto Marinho mandava dar às atividades da diplomata
americana (sra. Claire Luce) na Itália. Na sua edição de 28/2/59, por exemplo,
estampava o conhecido vespertino uma reportagem com o seguinte título: 'A
diplomata que
tem o condão de atrair todas as simpatias'. Em literatura exaltada, de grande
admiração pela Sra. Claire Booth Luce, 'O Globo' dizia da inteligência e da
sensibilidade da
Embaixadora americana em tratar os problemas americanos na Itália. Diga-se, de
passagem, que essa sensibilidade não impediu que a ilustre dama se visse
envolvida num
rumoroso 'affaire'. A Sra. Claire Luce teria interferido na política doméstica
da Península, em negócios ligados a petróleo na Itália. De qualquer modo, com
petróleo ou sem
petróleo, a figura elegante da diplomata americana ficou marcada pelo menos
quanto a melindres da política interna do grande país latino. Depois de deixar a
Itália, foi-lhe
oferecido, em troca da doce paisagem mediterrânea, o forte sol de uma
representação nas Américas. Por mera coincidência, a embaixada escolhida foi ado
Brasil.
"Certamente todos estarão desejosos de saber que tem aver a Sra. Claire Luce com
a minha campanha. Vamos por partes. Em primeiro lugar, a Sra. Claire Luce não é
uma simples dama que uma aventura diplomática colocou na Embaixada da Itália. A
Sra. Claire Luce, convém recordar, é esposa do Sr. Henry R Luce, um dos magnatas
do jornalismo americano, proprietário e diretor de um grupo de revistas: 'Life',
'Time', 'Fortune'. Desde algum tempo, precisamente desde 1959, começou a mostrar
esse senhor
uma ternura toda especial pelo mapa do Brasil, interessado em anexar essas áreas
do Continente ao seu império jornalístico. Vejam bem: nesse mesmo ano de 1959 o
nosso bravo Chanceler da Ordem do Mérito (Roberto Marinho) começou a dar o maior
destaque às atividades diplomáticas e até esportivas da Sra. Claire Luce, que
acabava de
deixar a representação dos Estados Unidos na Itália Como num 'puzzle'
(quebra-cabeça), em que as peças vão dando contorno ao quadro,
NOTA DE RODAPÉ:
15.ALMEIDA FILHO, Hamilton et alii. O ópio do povos o sonho e a realidade. São
Paulo, Símbolo/Extra, 1976. p.S4~
pag:98
de repente ficou nítido o jogo do Sr. Roberto Marinho. Não eram as qualidades
literárias da Sri Luce, autora de livros e peças teatrais como 'Stuffed Shirt' e
'The Women',
que fascinavam o nosso grave Chanceler da Ordem do Mérito: eram os dólares do
esposo da Sri Claire Luce. Ou melhor, da organização 'Time-Life'. Quando as
primeiras notícias da indicação de Claire Luce, para Embaixadora dos Estados
Unidos no Brasil, chegaram ao Rio de Janeiro,
"O Globo" ficou em festa. Um vasto noticiário começou
a aparecer em suas páginas, com retratos da nova embaixadora, a partir dos
últimos dias de fevereiro de 1959. Tive o cuidado de ler toda essa literatura de
exaltação, que ia desde os gostos da Sri Claire Luce pela pesca submarina, de
que o Sr. Roberto Marinho também é inveterado admirador, até o seu entusiasmo
pelo Partido Republicano.
Poucas personalidades estrangeiras ganharam do Sr. Roberto Marinho e do seu
jornal tantas palavras e tão largos espaços" 1 6•
Página 63
A história secreta da Rede Globo
De fato, as edições de "O Globo" dos dia 9, 10, 16, 17 e 18 de março; dos dias
2, 3, 7, 14, 16, 29 e 30 de abril; e dos dias 2, 3 e 4 de maio de 1959,
demonstram que o
interesse do órgão ia muito além do mero registro jornalístico:
"Não era um namoro discreto - prossegue Calmon - recatado, à moda antiga, como
convém à idade de 'O Globo'. Era uma paixão arrasadora que, de fevereiro a maio
de 1959, tomou conta do prestigioso diário. Durante pelo menos três meses, a
Sra. Claire Luce foi a estrela do noticiário de 'O Globo', com títulos assim:
'A EMBAIXADORA BEM-VINDA',
'QUE VENHA CLAIRE LUCE',
'CONFIANTE EISENHOWERNA MISSÃO DE CLAIRELUCE'.
'FELIZ E ORGULHOSA CLAIRE LUCE POR SUA INDICAÇÃO'
, 'A NOVA EMBAIXADORA DOS ESTADOS UNIDOS NO BRASIL'.
"E foi para 'O Globo' um dia triste aquele em que, em face de reações do Senado
norte-americano, a elegante senhora teve de renunciar à Embaixada no Rio de
Janeiro. Em tom de luto, em tom de perda irreparável, dizia o jomal do Sr.
Roberto Marinho, em longo editorial (onde fazia reparos à política interna
norte-americana),
que a renúncia da Sri Clarie bice 'não podia ter sido mais negativa porque
privava o nosso país de uma grande personalidade'. Título de comentário: 'A
Embaixadora que
os
brasileiros desejavam'. Os brasileiros, creio eu, não passaram procuração a 'O
Globo' para representá-los. Quem
NOTA DE RODAPÉ:
16. CALMON.Op.cit~,p.127~8.
pag:99
desejava, por motivos óbvios, a presença da Sri Claire Luce no Rio de Janeiro
era apenas o Sr. Roberto Marinho. Tanto que a renúncia da ilustre dama ao cargo
diplomático
no Brasil não teve a menor repercussão entre nós. Passou como um assunto da
economia interna do seu país e nada mais. Ninguém ficou de luto, a não ser o
nobre Chanceler
da Ordem do Mérito, por motivos que pouco tempo depois seriam do domínio
público" 17,
Concluí João Calmon: "Mas, enfim, quais as razões que fizeram Claire Luce
renunciar ao alto posto diplomático no Rio de Janeiro? Quando seu nome foi
submetido à
apreciação do Senado dos Estados Unidos, duas fortes figuras da política
americana - Wayne Morse e J, William Fullbright - levantaram objeções. Não é
segredo para
ninguém pertencer a Sri Claire Luce ao grupo mais reacionário dos Estados
Unidos. Sua antipatia pela política do segundo Roosevelt, Franklin Delano
Roosevelt, era
conhecida, a ponto de responsabilizar o grande presidente pela entrada dos
Estados Unidos na guerra contra Hitler, ao lado do mundo livre, do mundo que o
nazismo queria
cancelar da face da terra. Pertencente a um poderoso grupo isolacionista, sem
visão dos problemas universais, a Sri Claire Luce não podia, realmente
compreender a
generosidade política de um Roosevelt ou mesmo de um Truman. Não fosse assim,
não diria, durante a campanha eleitoral de 1944, 'que Roosevelt foi o único
presidente
americano, que, com mentiras, nos envolveu numa guerra'. E de Truman não fazia
melhor retrato: para a dama republicana, ele não passava de um traidor. Traidor
de que ou
do que, não disse, embora lhe tenha sido perguntado pelos senadores Morse e
Fullbright. Era essa a Embaixadora que o Sr. Roberto Marinho, com apoio do
Página 64
A história secreta da Rede Globo
Time-Life, queria
ver no Brasil nos idos de 1959. Mas se a Embaixadora não veio, veio o marido da
Embaixadora, representado pelos acordos que fez com a TV Globo. É
essa, em síntese, a história da Sri Claire Luce, que durante três meses
brilhou na constelação de 'O Globo'. Os motivos desse estrelato estão mais do
que explicados. Ligam-se aos lesivos acordos que foram assinados em 1962,
com graves ameaças à segurança e à independência do Brasil" 18.
Ë claro que Roberto Marinho e as organizações Globo não detinham o monopólio do
tráfico de influência e da venda de favores com suas empresas de comunicação.
Muito se teria a questionar sobre os Diários Associados, João Calmon e Carlos
Lacerta. Movida por elementos sem compromisso com as lutas populares e
defensores de um
"nacionalismo" voltado exclusivamente para os interesses das classes dominantes,
a campanha de Calmon e Lacerda contra Marinho constituiu, por isso, um fato
político
importante. Amparada
NOTA DE RODAPÉ:
17. Ibidem, p. 128-9.
18. Ibidem, p. 129-30.
pag:100
em boa base documental, a campanha refletia graves contradições entre frações da
classe dominante, na partilha dos benefícios da conquistado Estado com o golpe
de 1964.
Isso explica como podiam surgir expressões que aparentemente não se coadunavam
com os personagens que as proferiam: por exemplo, Calmon acusando o grupo Time-
Life de ser "o mais reacionário dos Estados Unidos". A devassa que se fez nesse
momento culminante de
contradições, produziu elementos de denúncia que foram muito além dos interesses
imediatos daqueles que estavam acusando. Não foi por acaso, aliás,
que esse "debate" hoje está esquecido. Afinal, a caracterização de Roberto
Marinho e suas empresas - que se transformaram em personagens centrais do
desenvolvimento da indústria cultural no Brasil - é imprescindível para uma
clara compreensão do processo que iniciou nos primeiros anos da década de 60
e que se prolonga até os dias de hoje.
pag:101
IV
1962:
OS SOCIOS ENTRAM
EM ACORDO
pag:102
pag:103
COM O ACORDO, CHEGAM OS DÓLARES
Constituição da TV Globo
No dia 28 de Junho de 1962 constituiu-se a sociedade por cotas de
responsabilidade limitada, por instrumento particular firmado entre os cotistas
que foi registrado
No Departamento Nacional de Indústria e Comércio sob nº 134.028, em 13/7/62.
Posteriormente, em 14/12/62, o capital seria aumentado de quinhentos para Cr$
650 milhões
(cf. Anexo 2). Jo~oCa1mon explica detalhadamente o negócio:
"O capital social era de quinhentos milhões, sendo depois aumentado para Cr$ 650
milhões. Quando o capital era de quinhentos milhões, o casal Roberto Marinho
havia subscrito e integralízado Cr$ 449 milhões (89%)~ De um total de quinhentos
Página 65
A história secreta da Rede Globo
milhões, Cr$449 milhões pertenciam ao casal Roberto Marinho. Quando o capital
foi
elevado para Cr$ 650 milhões, o Sr. Roberto Marinho ficou com Cr$ 390 milhões e
a sua excelentíssima esposa com CrS 187,3 milhões. Como teria sido integralizada
a parte
do capital do casal na TV Globo? Esta é a revelação importante (...). Por sinal,
na hora da íntegralização do capital, o Sr. Roberto Marinho teve a preocupação
de relacionar até
10 martelos, cujo valor é da ordem de Cr$ 700 cada um ... Mas se tudo ficasse
apenas no setor de martelos, não haveria violação da legislação brasileira. O
problema
grave é
que o sr. Roberto Marinho integralizou o seu capital com uma das parcelas do
total de Cr$ 170 milhões com a seguinte descrição:
'equipamento completo de uma estação transmissora de televisão, devidamente
especificada na Licença de Importação da FIBAN ~o DG-60/7484/1 8056 e no
contrato
firmado com a RCA Corporation, parte já liquidada, Cr$ 160 milhões'. Isso em
1962. Acontece que esse equipamento completo de estação transmissora de
televisão não
pertencia ao Sr. Roberto Marinho e, portanto,
pag:104
com esse equipamento, ele não poderia integralizar sua parte de capital na TV
Globo. Esse equipamento de uma estação completa de televisão foi importado pela
Rádio Globo S.A., com a isenção de direitos e com um câmbio favorecido
- eu já nem chamaria esse tipo de câmbio de 'favorecido', porque o Sr. Roberto
Marinho conseguiu, de fato, realizar uma proeza fabulosa neste País. Ele
conseguiu
que a Rádio Globo S.A. pagasse os dólares correspondentes ao referido pagamento
com uma taxa de dólar favorecido que representava um terço da taxa em vigor na
época do
pagamento" 19.
"Eu tenho, em meu poder, o 'Diário Oficial' do dia 5 de maio de 1959, em que é
publicada a relação das taxas pagas pela Rádio Globo S.A. (naquela época) para a
importação de um equipamento completo de televisão. O certificado é datado de 27
de abril de 1959 e assinado pelo Sr. Herculano Borges da Fonseca, chefe do
departamento
competente, e pelo Sr. Sidney Latini, chefe da Divisão. No momento em que o
câmbio de custo para a importação de equipamento de televisão, como de resto o
equipamento
de imprensa era de Cr $ 100, o felizardo Sr. Roberto Marinho conseguiu que a
SUMOC lhe desse uma taxa que estivera em vigor três ou quatro anos antes. Isto
é, 170
mil dólares a Cr$51,32 no momento em que o dólar do câmbio de custo estava
cotado a Cr$ 100. Recebeu ainda 40 mil dólares na base de Cr$ 58,82e mais30mil
dólares na base
deCr$90,00. Repito a data: 27 de abril de
1959. No dia 10 de dezembro de 1958, o então Procurador da Fazenda Nacional, Sr.
Edmilson Moreira Arraes, havia fulminado, com um parecer contrário, a pretensão
da
Rádio Globo S.A. de importar equipamento de televisão com uma taxa de câmbio de
custo que estivera em vigor quatro ou cinco anos antes. O Procurador Edmilson
Moreira
Arraes declarou, no seu parecer, que foi acolhido pelo Diretor da Divisão: 'A
Carteira informa ter desatendido o pedido formulado em 1954, pela Rádio Globo
S.A.: a) em
face das normas de caráter geral baixadas pelo Conselho da Superintendência da
Moeda e do Crédito; b) que ao tempo não estava, aliás, a requerente, a Rádio
Globo S.A.,
habilitada a explorar canal de televisão, mas só a partir de 30 de dezembro de
1957, pelo decreto 49.940, que lhe outorgou a concessão para tal'. Apesar disso,
apesar
do
Página 66
A história secreta da Rede Globo
parecer contrário do Procurador Edmilson Moreira Arraes, o Sr. Roberto Marinho
conseguiu este favor excepcional:
dólarde Cr$51,32 quando a taxa de câmbio de custo era de Cr$ 100" 20•
Inquirido por João Calmon na CPI que em 1966 investigou as ligações
Globo/Time-Lífe, Roberto Marinho acabou dando mais detalhes da vantajosa
operação,
inclusive citando o envolvimento de outras emissoras. Ele afirmou
NOTA DE RODAPÉ:
19. Ibidem,p.105.
20. Ibidem,p.147.
pag:105
ter solicitado esse privilégio em virtude do mesmo ter sido concedido à TV
Continental e à TV Jornal do Comércio de Recife. Como a Rádio Globo tivesse
recebido resposta
negativa, recorreu ao presidente da República, na época Juscelino Kubitschek,
que encaminhou o caso aoparecer do consultor-geral da República. Esse
consultor-geral,
Dr. Gonçalves de Oliveira; deu parecer favorável, tendo Kubitschek aprovado o
parecer. No Banco do Brasil, Roberto Marinho verificou que teria direito a obter
600 mil
dólares
aum câmbio de Cr$ 18. Isto não havia sido concedido nem às outras duas
emissoras. Marinho afirma ter procurado, então, o diretor da Carteira de Câmbio
do Banco do
Brasil, Dr. Paulo Puck Correia:
'Trocamos idéias sobre esse privilégio que acabava de ser concedido pelo
presidente da República à Rádio Globo e ambos concordamos que isso constituiria
um
escândalo, que a Rádio Globo deveria pagar pelos 600 mil dólares exatamente o
que pagaram a 17V Continental e a TV Jornal do Comércio. Eu, então,
espontaneamente,
aceitei pagar não Cr $18 cada dólar, o que daria menos de Cr$12 milhões por 600
mil dólares, mas uma quantia que, creio, foi a Cr$180 milhões. Houve um processo
na
SUMOC e um voto, se não me engano do Dr. Garrido Torres, exaltando o patrimônio
e a correção com que agiu a Rádio Globo"2 1,
De qualquer modo, como lembra Calmon, a explicação sobre a natureza
excessivamente vantajosa da operação não justificava a integralização irregular
do capital: "A
sociedade começava mal: com um capital realizado em dinheiro de apenas Cr$
27.949.800, e um equipamento transferido ilegalmente a Roberto Marinho, e deste
também, ilegalmente à TV Globo Ltda., pois que a transferência ou alienação de
material importado com câmbio favorecido implicaria em pagamento da diferença
entre esse câmbio
e a cotação normal da moeda estrangeira" 22.
Além disso, conclui João Calmon: "A TV Globo Ltda, adotou a forma da sociedade
por cotas, e não por ações, e são por ações a Rádio Globo S.A. e outras
organizações do mesmo grupo, porque este tipo de sociedade dispensa a publicação
de atos constitutivos, das alterações contratuais, dos balanços, das decisões
administrativas, e dos atos que impliquem em distribuições de lucros a
terceiros. Ademais, a sociedade por cotas, possibilitando a assinatura de
alterações contratuais
sem data, para eventual utilização, propicia o expediente de manter
'testas-de-ferro', como adiante demonstraremos ter sido o caso da 17V Globo. O
plano de desenvolvimento
à custa de investimento
NOTA DE RODAPÉ:
Página 67
A história secreta da Rede Globo
21. CÂMARA DOS DEPUTADOS, op. cit., p. 39. (Depoimento de Roberto Marinho).
22. CALMON. Op. cit., p. 175.
pag:106
estrangeiro, urdido pela TV Globo, desaconselhava a publicidade de seus atos"
23~
Começa a maré de dólares
Antes mesmo de ser assinado oficialmente qualquer contrato entre a Globo e o
grupo Time-Life, os milhões de dólares começaram afluir. No dia 16 de julho de
1962,
sete dias antes da assinatura dos contratos, a 17V Globo recebeu de Time-Life
Incorporated, através de uma operação de "swap", a soma de US$ 1,5 milhão,
equivalente
a 300 milhões de cruzeiros. Em seu depoimento na CPI que investigou as ligações
Globo Time-Life, Roberto Marinho afirmou que era um empréstimo "pessoal", em seu
nome
24• O ofício em que o presidente do Banco Central, Dênio Nogueira, informou os
dados sobre as remessas de dólares para a Globo, entretanto, é claro ao afirmar
que o valor
da operação foi creditado na conta da "empresa junto ao The First National City
Bank of New York". (Cf. Anexo 3).
Assinatura dos contratos Globo / Time-Life
No dia 24 de julho de 1962, a recém.constituída TV Globo Ltda. firmou com o
grupo norte-americano Time-life, em Nova Iorque, dois contratos. O primeiro,
denominado Contrato Principal, era uma conta de participação, uma "joint
venture". O segundo era um Acordo de Assistência Técnica que tinha algumas de
suas cláusulas
vinculadas ao Contrato Principal.
O assessor da Globo na elaboração desses contratos foi o advogado Luiz Gonzaga
do Nascimento Silva, ligado a Roberto Campos, que foi ministro do Planejamento
no
governo Castelo Branco (1964-67) e um dos artífices da política de
internacionalização da economia brasileira após a derrubada do governo
constitucional, em 1964.
Nascimento e Silva foi ainda presidente do Banco Nacional da Habitação (BNH) e,
depois, ministro do Trabalho e da Previdência Social, no governo Castelo Branco,
e
ministro da Previdência no governo Geisel (1975-79). Em 1977, chegou a ser
comentado que Nascimento e Silva assumiria a direção da Globo após concluir sua
gestão
no
governo Geisel 25 Nascimento e Silva evidencia-se, nessa fase do desenvolvimento
da Globo, por suas ligações, em defesa dos interesses da Globo, com Roberto
Campos
NOTA DE RODAPÉ:
23. Ibidem. P. 175.
24. CÃMARA DOS DEPUTADOS. Op. Cit., p. 42 ( Depoimento de Roberto Marinho).
25. SALEM, Armando V. / ALBUQUERQUE, João Luiz, Padrão global de austeridade.
In: Isto É. São Paulo. Nº 24.8 de junho de 1977. P. 17.
pag:107
- então o Embaixador do Brasil nos Estados Unidos.
Os contratos assinados pela Globo, antes de qualquer outra análise,
inequivocamente violaram o Código Brasileiro de Telecomunicações (Lei
4.117 de 27/8/62) e o Regulamento dos Serviços de Radiodifusão (Decreto
52.795 de3 1/10/63). O Regulamento, em seu artigo 28, § 2P,dizoseguinte:
Página 68
A história secreta da Rede Globo
"As cláusulas que acompanham o decreto de concessão para a execução
dos serviços que o Governo julgue conveniente aos interesses nacionais,
deverão estipular: (...) II - proibição de ser firmado qualquer convênio, acordo
ou ajuste, relativo à utilização das freqüências consignadas à exploração do
serviço, como outras empresas ou pessoas, sem prévia autorização do
Conselho Nacional de Telecomunicações". Embora a assinatura dos contratos
fosse um pouco anterior à vigência da Lei e do Decreto que estabeleciam esta
exigência, a 17V Globo teria que se adaptar às suas disposições.
Só em julho de 1965, três anos depois, é que o Conselho Nacional de
Telecomunicações tornaria conhecimento destes documentos. Isso não
impediria que a Globo recebesse a assistência técnica prevista nos contratos e
milhões de dólares, estes enviados sem nenhuma justificativa contratual. Mas
as conseqüências da assinatura desses dois contratos exigem uma análise mais
detalhada. Ë o que veremos a seguir.
pag:108
O CONTRATO PRINCIPAL
Menos de um mês depois de constituída a 17V Globo Ltda. e uma semana depois de
receber US$ 1,5 milhões de dólares de Time-Life Imc., Roberto Marinho assinou
com o grupo norte-americano o contrato chamado Principal (Cf. Anexo 4).
Por esse contrato, a 17V Globo se comprometia a adquirir e instalar todo
o equipamento de transmissão de televisão e completar a construção do prédio
para o estúdio no terreno na Rua Von Martius. A construção desse prédio
deveria estar concluída até lº de julho 1963 e até 1 P de outubro do mesmo ano
a estação deveria estar operando.
A Time-Life Broadcast Lnternational Inc. comprometia-se a oferecer treinamento
especializado na área de televisão, troca de informações sobre direção
administrativa
e comercial, assessoramento de engenharia e orientação para a aquisição de
filmes e programas produzidos no estrangeiro.
Além disso, a Time-Life comprometia-se a pagar à 17V Globo uma quantia de até Cr
8 220 milhões ou seja, uma parcela igual à realizada em bens por Roberto
Marinho no capital social da 17V Globo Ltda. Essa quantia seria "creditada à
conta de Time na sociedade em conta de participação da qual 17V Globo fará parte
com todo o
seu capital". Essa cláusula, portanto, elimina qualquer possibilidade de
enquadrar a operação como um simples financia. mento: Globo e Time-Life eram
sócios, numa "sociedade em conta de participação".
João Calmon fez a seguinte análise da associação entre Globo e
Time-Life: "Para aqueles que são leigos em Direito, permito-me transcrever o
seguinte trecho extraído do 'Tratado de Sociedades Mercantis', do Professor
Waldemar Ferreira, volume II, 5~edição, página 510:
'Caracteriza-se a sociedade (em conta de participação) por ser sociedade oculta,
sem projeção exterior, exatamente pela possibilidade de se celebrar
pag:109
sem observância do Art 302 do Código Comercial (existência de escritura pública
ou particular), como as demais sociedades (...)
É a sociedade em conta de participação sociedade de pessoas, unidas por profunda
e recíproca confiança, precisamente por tratar-se de sociedade de vida íntima,
interna, Secreta.
'Sociedade sem firma ou razão social, ela opera sob a firma individual ou social
do sócio que toma sobre si o encargo de realizar o negócio comercial que lhe
constitui
o objeto Também não tem patrimônio do sócio operador (chamemo-lo assim), que ele
Página 69
A história secreta da Rede Globo
movimenta e revende, recebendo os preços respectivos, emitindo duplicatas, e
tudo
consignando em sua contabilidade, fiel e exatamente.
'Confunde-se, portanto, a sociedade com o sócio. O nome dela é o deste, bem
assim o fundo social que no daquele se integra. Dando-se essa confusão, é
evidente que a a
sociedade em conta de participação, por isso mesmo, não tem, nem pode ter,
personalidade júri dica'.
"O artigo 362 do Código Comercial preceitua: 'Na sociedade em conta de
participação, o sócio ostensivo é o único que se obriga para com terceiros; os
outros sócios
ficam unicamente obrigados para com o mesmo sócio por todos os resultados e
transações e obrigações sociais empreendidos nos termos precisos do contrato'.
"A sociedade em conta de participação, como se vê, é a sociedade típica dos
'testas-de-ferro', por ser uma sociedade secreta, que dispensa escritura pública
ou
particular e a conseqüente divulgação".
"Tal é a confiança de Time no Sr. Roberto Marinho, que no item 13 do contrato
principal é prevista a rescisão do contrato 'se Marinho (juntamente com sua
mulher)
deixar de possuir pelo menos 51 %das cotas de capital da 17V Globo' (textual).
"Pela cláusula oito do mesmo contrato principal, Time-Life, sócio da 17V Globo
na sociedade em conta de participação, 'terá direito à participação de 30%dos
lucros
líquidos, produzidos pela empresa anualmente, a partir da data em que a 17V
Globo começar a transmissão comercial de televisão pelo canal 4, Rio de Janeiro,
participando
igualmente da mesma proporção dos prejuízos verificados (embora isso não obrigue
Time ou a 17V Globo a fazer quaisquer pagamentos ou contribuições adicionais à
sociedade em conta de participação). Por lucros líquidos da sociedade,
entende-se a diferença entre o seu lucro bruto e as deduções admitidas pela
legislação brasileira de
imposto de renda.
"Não há a mínima dúvida, pois, que Time-Lífe era efetivamente sócio da TV Globo,
comparticipação em 30%do capital.
"De acordo com o parágrafo 12 do contrato, essa sociedade entre Globo
pag:110
e Time-Life deveria durar 11 (onze) anos e em seguida prorrogar-se
automaticamente por prazo indeterminado, até urna das partes o denunciar à
outra por escrito" 26.
O Contrato Principal se encarregava de afirmar que a "celebração e execução do
contrato não contraria disposição de lei" e que "a contribuição financeira de
Time à
sociedade em conta de participação não lhe daria o direito de possuir ações do
capital da 17V Globo, nem de ter qualquer interferência direta ou indireta na
administração
da 17V Globo". Apesar disso, no item treze do contrato - numa cláusula em que é
confessada a condição de "investimento estrangeiro" do capital de Time-Life -
previa-se
a possibilidade de medidas governamentais adversas.
"b) Se a critério do Dr. José 17. Nabuco (ou, no caso de seu impedimento, a
critério de dois árbitros escolhidos respectivamente pelo Time e pela 17V Globo,
e se
necessário para resolver um impasse, um desempatador escolhido pelos dois), o
Governo do Brasil tomar qualquer medida seriamente adversa a este investimento
estrangeiro
(não incluindo as modificações nos regulamentos cambiais, a não ser que importem
Página 70
A história secreta da Rede Globo
em prejudicar a própria acumulação em cruzeiros), Time terá direito de rescindir
este
contrato a qualquer momento após o sexto ano de sua duração, mediante aviso
escrito à 17V Globo ou a Marinho com seis meses de antecedência" 27~
"Confessando claramente - diz Calmon - a sua qualidade de investidor
estrangeiro, o Grupo Time-Lífe estava absolutamente certo de que pelo menos
durante seis anos
o Governo Brasileiro assistiria tranqüilamente, de braços cruzados, a essa sua
incursão em área constitucionalmente proibida" 28.
Time-Life também previa, como observa Calmon, "a possibilidade de transferir a
prerrogativa do Sr. Roberto Marinho, de seu 'testa-de-ferro', para outros, na
seguinte
cláusula, a de número 18, do contrato, que é um verdadeiro desafio às leis
penais brasileiras:
"18. Direito de converter os pagamentos da rescisão - A qualquer momento após a
rescisão a que se referem os parágrafos 13, a ou b, ou 14, e antes do pagamento
integral das quantias devidas a Time na forma dos mesmos parágrafos, Time
poderá, se preferir, transferir o seu crédito a um ou mais brasileiros natos,
cujos nomes
forem
aprovados por Marinho, aprovação esta que não poderá ser negada arbitrariamente,
e a 17V Globo dará a esses indivíduos o direito de converter o seu crédito em
30% do capital da 17V Globo".
NOTA DE RODAPÉ:
26. CALMON. Op. cit. ,p. 176-7.
27. Ibidem, p. 177-8.
28. Ibidem,p.178.
pag:111
"Pasmem os senhores, mas é exatamente o que está escrito no contrato. Para isso,
uma simples alteração do contrato social, sem qualquer divulgação, seria
suficiente.
O Sr. Roberto Marinho e os seus eventuais sucessores na condição de
testas-de-ferro de Time-Life, ou confiam na ineficácia, para eles, da lei penal
brasileira, ou
desconhecem o que dispõe claramente o Art. 311 do Código Penal:
'Art. 311 - Prestar-se a figurar como proprietário ou possuidor de ação, título
ou valor pertencente a estrangeiros, nos casos em que a este é vedada por lei a
propriedade ou posse de tais bens.
'Pena: Detenção de seis meses a três anos, e multa de cinco contos a vinte
contos de réis'.
"Ressalte-se que Time-Life não é simples e eventual participante de lucros, mas
pelo Contrato Principal tornava-se proprietário de 30% do patrimônio da TV
Globo. E
prova disso é que o item 19 do contrato, em cláusula relativa liquidação
da TV Globo, dispunha:
'19. liquidação etc. A TV Globo não poderá voluntariamente liquidar ou dissolver
ou dispor da referida estação de televisão sem prévio consentimento por escrito
de Time. No caso de qualquer liquidação ou disposição involuntária, ou no caso
de qualquer condenação ou desapropriação da mesma estação de televisão, o Time
terá direito
a 30% da quantia recebida pela IV Globo nessa ocasião, quantia essa que será
devida imediatamente quando do recebimento da mesma pela TV Globo'.
"Como aditivo ao Contrato Principal, foi prevista a contribuição inicial de Cr$
Página 71
A história secreta da Rede Globo
120.742.979 para a instalação do equipamento e custos iniciais previstos no
contrato
de assistência técnica, bem como para capital de giro necessário à operação da
estação"29
O Contrato Principal determinava também que a 17V Globo deveria fornecer
balanços mensais e anuais e permitir que o grupo Time-Life tivesse acesso a
todos os
assuntos financeiros e comerciais da 17V Globo: "Time-Life poderá visitar e
inspecionar qualquer das propriedades da sociedade em conta de participação,
examinar seus
livros e arquivos, discutir os negócios da sociedade em conta de participação
com os funcionários da 17V Globo, sempre que o desejar, obrigando-se a IV Globo
a fornecer ao Time outras informações relativas aos negócios da sociedade em
conta de participação".
Outra cláusula do Contrato Principal mostra toda confiança que o Time-Life tinha
no advogado da Globo, Luiz Gonzaga do Nascimento e Silva, integrante do grupo de
Roberto Campos. De acordo com a alínea "d" da
NOTA DE RODAPÉ:
29. Ibidem, p. 178-9.
pag:112
cláusula 7, o grupo norte-americano só efetuaria o pagamento previsto à IV Globo
após o "recebimento por Time de um parecer escrito do Dr. Luiz Gonzaga do
Nascimento
Silva, advogado da IV Globo e de Marinho, confirmando terem sido cumpridas as
condições contratuais".
Mas não ficava nisso apenas - conclui Calmon - a vinculação estreita, a comunhão
de interesses, de ação e de patrimônio entre Time-Life e a IV Globo, pois a
interferência de Time-Life na empresa nacional não deveria cingir-se à parte
patrimonial e de giro de negócios, pois como sócia ostensiva na sociedade em
conta de
participação, a 17V Globo administrava um vultoso capital de Time-Life. Como
controlar a administração de Roberto Marinho, que de outra feita integralizara o
capital
de uma empresa com bens que não lhe pertenciam, como se dele fossem? A solução
hábil foi celebrar simultaneamente, na mesma data, 24 de julho de 1962, um
contrato de assistência técnica que passaremos a examinar"30.
NOTA DE RODAPÉ:
30. Ibidem, p. 178-9.
pag:113
O CONTRATO DE ASSISTÊNCIA TÉCNICA
No mesmo dia em que era firmado entre a IV Globo e o grupo Time-Life o chamado
Contrato Principal, assinava-se também um Contrato de Assistência Técnica (Cf.
Anexo 5), celebrado entre Time Incorporated, sociedade anônima do estado de Nova
Iorque, e a TV Globo Ltda.
"Chama-se a atenção, preliminarmente - observa João Calmon - para o fato de que
o Contrato Principal, da mesma data, foi assinado com Time-Life Broadcast
Internatíonal Imc., com sede em Delaware, enquanto o contrato de assistência
técnica é assinado com Time Incorporated, com sede em Nova Iorque, sendo a
signatária do
contrato principal afiliada desta última, como se declara no preâmbulo do
contrato de assistência técnica.
Página 72
A história secreta da Rede Globo
"Para não tornar muito ostensiva a participação estrangeira de uma só empresa,
com 30%do lucro e mais a participação na receita, pretendeu-se, com péssimo
disfarce,
destinar o proveito alienígena a duas empresas norte-americanas, que, na
realidade estão intimamente ligadas e se confundem no mesmo grupo Time.
"Normalmente o contrato de assistência técnica se justifica nos cinco primeiros
anos de funcionamento da empresa ou da introdução de processo especial de
produção,
quando demonstrada sua necessidade podendo este prazo, pela legislação vigente
(Lei da Remessa de Lucros) ser prorrogado até mais cinco anos e ainda assim por
autorização do Conselho Monetário Nacional, ou anteriormente à criação desse
Conselho, pelo Conselho da Superintendência da Moeda e do Crédito (artigo 12, §
3º, da Lei nº 4131 de 3 de setembro de 1962)" 31
Calmon lembra que esse Contrato de Assistência Técnica, por isso, não poderia
ser registrado no Brasil porque sua cláusula 5 contraria a legislação
NOTA DE RODAPÉ:
31.Ibidem,p.181.
pag:114
vigente: "o contrato de assistência técnica permanecerá em vigor até 10 (dez)
anos após a data em que a IV Globo começar a transmissão comercial pelo canal 4
do Rio de
Janeiro e, em seguida, será automaticamente prorrogado por prazo indeterminado,
até que uma das partes faça à outra notificação escrita de rescisão, com pelo
menos seis
meses de antecedência da data escolhida para a rescisão, exceto que:
"a) Time poderá terminar esse contrato de assistência técnica se Time-Life
Broadcast International Inc~ não for obrigado a fazer, de acordo com o parágrafo
2 do Contrato Principal, o pagamento à TV Globo conforme o disposto no mesmo;
"b) Time poderá terminar este contrato de assistência técnica se Time Broadcast
Intemational Inc terminar o contrato principal pelas razões previstas no
parágrafo treze (a) do mesmo;
"c) IV Globo poderá terminar esse contrato de assistência técnica se o Contrato
Principal terminar".
"Primeiramente - prossegue Calmon - ele evidencia a farsa de contratos com duas
empresas diferentes do mesmo grupo, mas um contrato condicionado ao outro.
"Em segundo lugar, o que se pretende não é a prestação de assistência
técnica, mas um assessoramento, ou melhor, uma participação permanente e
ostensiva nos negócios e na administração da IV Globo, para fiscalizar ~
cumprimento do Contrato Principal.
"Observem: no Contrato Principal, por ser de sociedade em conta de participação,
o sócio oculto, Time-Life Broadcast Imc. de Delaware, por não poder participar
da administração, exatamente por se tratar de sociedade secreta, e porque o
patrimônio gira em nome do sócio principal, estabelecia, na cláusula 5 daquele
contrato, que não
participaria da administração, direta ou indiretamente, ou da direção, 'as
quais, de conformidade com as leis do Brasil, sejam exercidas somente por
diretores ou gerentes
eleitos pelos acionistas da IV Globo na forma dos seus Estatutos' e, ainda, 'que
a responsabilidade principal do empreendimento, bem como sua orientação
intelectual e
administrativa, será exclusiva da TV Globo'.
"Outro contrato, assinado no mesmo dia, o de Assistência Técnica, atribuía à
empresa matriz da signatária do Contrato Principal, em caráter permanente, pois
Página 73
A história secreta da Rede Globo
assim
se pode dizer de um contrato de dez anos, prorrogáveis por tempo indeterminado,
a obrigação da seguinte assistência:
"a) no campo da técnica administrativa;
"b) programação, noticiário e atividades de interesse público, promoção e
publicidade;
"c) atividades e controles financeiros, orçamentários e contábeis;
pag:115
"d) orientação de engenharia e técnica;
"e) assistência na determinação do número e das responsabilidades adequadas do
pessoal a ser empregado pela TV Globo;
"f) orientação e assistência com relação aos aspectos comerciais, técnicos
administrativos da construção e operação de uma estação comercial de televisão;
"g) treinamento nos Estados Unidos do número de pessoas que a IV Globo desejar,
nas especialidades necessárias à operação de televisão comercial;
"h) treinamento de pessoal ~ Globo nas instalações da IV Globo no Rio de
Janeiro;
"i) orientação e assistência na obtenção de material de propaganda de televisão
em Nova Iorque e com referência às negociações com protagonistas e atores;
"j) assistência na venda de anúncios, visitando em Nova Iorque os representantes
de anúncio em potencial, entendido que se Time vier a funcionar, futuramente,
como
Representante de Vendas e Anúncios para estações transmissoras que não sejam
americanas, a IV Globo, durante a vigência deste contrato de assistência
técnica, terá
oportunidade exclusiva de contratar os serviços de lime nesse sentido, mediante
remuneração determinada de comum acordo, com relação às cidades em que a IV
Globo
operar em associação com Time.
"Abrangendo, pois, todos os setores existentes numa estação de televisão, desde
a administração até a venda de anúncios, a 'assistência técnica' não se limitou
a isso.
"Time fornece à IV Globo, durante essa perpétua assistência técnica, uma pessoa
com habilitações equivalentes a de um gerente-geral de uma estação de televisão.
Além dessa, uma outra com experiência nos campos de contabilidade e finanças,
que trabalhará para a estação em regime de tempo integral, sob as ordens do
diretor-geral
e da Diretoria, com título de assistente do diretor-geral, e responsabilidade
específica nos campos de contabilidade e finanças.
"Fiscalizando a administração e orientando de perto a contabilidade, enfeixando
praticamente todas as atividades comerciais, administrativas e financeiras, Time
não
assiste tecnicamente a IV Globo, mas de fato administra e gere todo seu
patrimônio.
"Esse contrato de assistência técnica é, verdadeiramente, um contrato de
administração, subordina inteiramente a IV Globo ao controle do Time, como
contrapartida
do contrato de sociedade em conta de participação.
"Tem mais ainda: a leitura das cláusulas rescisórias, que fizemos há
pag:116
Página 74
A história secreta da Rede Globo
pouco, demonstra que o contrato é unilateral; somente Time-Life poderá
rescindi-lo, pois o caso único em que a rescisão é facultada à IV Globo é na
hipótese do término
do Contrato Principal, e este fato é condicionado à vontade de Time-Life
Broadcast lnternational.
"Nesse contrato de assistência da IV Globo, esta não terá outra alternativa
senão segui-lo à risca, pois Time não lhe admite o direito de rescindi-lo, pelo
menos nos primeiros dez anos.
"Além dos 30%de lucro que lhe é atribuído pelo Contrato Principal, o Grupo Time,
nessa inédita assistência técnica, perceberá 3%(três por cento) da receita bruta
da IV
Globo, após a dedução de comissões pagáveis a agências de propaganda e
corretores, durante um período de 10 (dez) anos, a começar da data em que a IV
Globo iniciar
as suas transmissões comerciais pelo canal 4, Rio de Janeiro.
"Acresça-se a essa retribuição o pagamento, a cargo da IV Globo, da remuneração
de seus agentes que estiverem exercendo as funções equivalentes às de um
gerentegeral
e de assistente de Diretor" 32
O contrato de assistência técnica previa na cláusula 2, alínea "a" - a
participação do Time-Life em todo e qualquer tipo de compensação que beneficie a
Globo. Isso
significa que, se a Globo permutasse veiculação de anúncios por participação nos
lucros de um negócio imobiliário, por exemplo, o grupo norte-americano estaria
automaticamente participando da transação:
"Após o primeiro ano de sua operação comercial, no caso de quaisquer outros
serviços prestados ou bens permutados pela IV Globo por compensação que não seja
dinheiro, essa compensação será incluída nas citadas receitas brutas pelo valor
que prevalecer para os serviços prestados pela IV Globo em troca da mesma
compensação ou pelo
justo valor do mercado que prevalecer para os bens entregues pela IV Globo, na
medida em que a referida compensação exceder, em qualquer exercício fiscal, de
10% das citadas
receitas brutas no exercício em questão.
"Como no contrato principal - prossegue Calmon - permite-se a transferência
desse segundo contrato (de assistência técnica) por Time, a qualquer organização
comercial em que mais de 50%de suas ações com direito a voto pertençam, direta
ou indiretamente àquele.
"O contrato de assistência técnica demonstra que os espertos investidores da
sociedade em conta de participação com a IV Globo não se contentavam apenas com
o
resultado aleatório de uma eventual participação em lucro, mas desde logo
preveniam-se contra possíveis déficits, assegurando uma percepção imediata e
líquida sobre a receita desde o primeiro dia do
NOTA DE RODAPÉ:
32. Ibidem,p. 181-4.
pag:117
lançamento da estação. Por outro lado, indica que, apesar de consentir numa
sociedade secreta, a confiança no Sr. Roberto Marinho é bem limitada, pois ao
contrário do que
ocorre normalmente com os contratos de assistência técnica, neste quem controla
a contabilidade, as finanças, e vigia permanentemente, com tempo integral a
Diretoria
da IV Globo é o seu representante designado, que queira ou não a TV Globo, o
Página 75
A história secreta da Rede Globo
assistente do diretor-geral.
"Disse o Sr. Roberto Marinho, na Comissão Parlamentar de Inquérito, que seria
desejável que outras empresas de rádio e televisão fizessem idênticos contratos
de assistência técnica. Vêem os Srs. telespectadores que o Sr. Roberto Marinho
deseja mesmo que o nosso rádio e televisão sejam entregues, como foi a sua
televisão,
ao comando exclusivo de empresas estrangeiras, como já ocorreu na Argentina 33.
NOTA DE RODAPÉ:
33. Ibidem,p.185.
pag:118
pag:119
1963 a 1965:
DA CLANDESTINIDADE
AO ESCÂNDALO
pag:120
pag:121
1963: AGUARDANDO O GOLPE DE 1964
A versatilidade de "O Globo"
Em janeiro de 1963, vivia-se um dos momentos agudos da crise do governo João
Goulart: o período de realização do plebiscito que, por ampla maioria, decidiu o
fim
do regime parlamentar. A introdução do parlamentarismo fora a solução negociada
para aposse de Goulart - após a renúncia de Jânio Quadros - e a volta do
presidencialismo devolvia-lhe os poderes retirados. As tensões políticas, por
isso, novamente se aguçaram. A imprensa conservadora havia cerrado fileiras
contra
o presidencialismo e até mesmo contra o plebiscito. Ë nesse período que "O
Globo" dá mais uma vez, mostra da sua inesgotável "versatilidade" política, como
conta Carlos Lacerda:
"Em 7 de janeiro de 1963, em plena luta do Sr. Roberto Marinho a favor da
civilização ocidental e da religião cristã, quando o presidente João Goulart lhe
parecia o anticristo, subitamente surgiu um editorial em 'O Globo', a propósito
de um dos vários discursos do então presidente Goulart, chamando-lhe 'o
estadista'. Essa expressão custou à Caixa Econômica Cr$240 milhões, pelas
tabelas de 'O Globo' então em vigor: 'Escritura de aumento de mútuo, com
garantia
de terceira hipoteca que entre si fazem, de um lado, como outorgante-devedora, a
empresa jornalística brasileira e, do outro lado, como outorgada-credora a Caixa
Econômica Federal do Rio de Janeiro'. Era um empréstimo modesto antes da
sociedade com Time-Life. Era a pequena importância, mesmo na época, de Cr$ 18
milhões. Passou para Cr$ 240 milhões em números redondos. O empréstimo de 7 de
janeiro foi liberado 24 horas após o plebiscito sobre parlamentarismo e
presidencialismo que, contra expectativa geral fora apoiado por 'O Globo'. O
apoio de 'O Globo' ao plebiscito custou Cr$ 240 milhões à Caixa Econômica.
Dir-se-á, e é O argumento do prestamista: 'O Globo' tem patrimônio para
responder.
pag:122
Página 76
A história secreta da Rede Globo
Certamente que tem. Mas já tinha antes de escrever o editorial sobre 'o
estadista'. Já tinha antes de apoiar, contra toda a linha em que vinha
endereçado, o plebiscito.
(..'.) O
que se quer dizer é que 'O Globo' obteve um empréstimo na Caixa Econômica
mudando de linha política em. 24 horas. E tanto é verdade que tão logo obteve o
empréstimo
voltou à posição primitiva"
34.
Mais dólares
Pelas disposições do Contrato Principal, o prédio com as instalações da IV Globo
deveria ser concluído até 19 de julho de 1963 e até o dia 19 de outubro do mesmo
ano
a emissora deveria entrar em operação. Isso não ocorreu. A Globo só viria a ser
inaugurada em 1965. Mesmo assim, em 1963 registra-se uma remessa de dólares, no
dia 24 de
fevereiro, no valor de US$320 mil, o equivalente a Cr$584 milhões, remetida por
Time Imc. de Nova Iorque (cf. Anexo 3). Totalizava-se assim US$ 1,82 milhões em
sete meses de vigência do contrato.
A comunicação devolvida
No seu depoimento à CPI que investigou as ligações Globo/Time-Lífe, Roberto
Marinho revelou que já havia comunicado ao então presidente João Goulart,
possivelmente em 1963, a existência dos contratos. Mas não explicou a data em
que foi feita essa comunicação, através de oficio. Tudo leva a crer que a
matéria, na época do
golpe de 1964, estivesse sendo examinada pelo Conselho Nacional de Segurança,
pois a correspondência enviada por Marinho foi devolvi da justamente por este
órgão, sem
que se desse prosseguimento a sua tramitação: "O ofício - explica Marinho - me
foi devolvido espontaneamente pelo coronel João Figueiredo (que depois viria a
ser presidente
da República), então secretário do Conselho de Segurança Nacional"35.
NOTA DE RODAPÉ:
34. CÂMARA DOS DEPUTADOS. Op. cit., p. 69. (Depoimento de Carlos Lacerda).
35. Ibidem, p. 29. (Depoimento de Roberto Marinho).
pag:123
1964: A ESTRATEGIA EM PRÁTICA
(7,
A primeira manobra oficial
A 27 de maio de 1964, dois anos depois de estarem vigorando os contratos
firmados entre a 1V Globo e o grupo Time-Life, Roberto Marinho enviou um - e
apenas um dos contratos - o de Assistência Técnica, para registro na antiga
Superintendência da Moeda e do Crédito (SUMOC), posteriormente transformada no
Banco Central. Carlos Lacerda destaca que isso só ocorreu "(...) um ano depois
da Revolução só depois da Revolução, só depois que Time-Life e Roberto Marinho
tiveram a promessa, pelo menos latente, da impunidade (...)"36.
No depoimento que prestou à CPI que investigou as ligações da Globo o grupo
norte-americano, Roberto Marinho jactou-se em vários
momentos da competência administrativa da sua empresa: "Nós temos, nesses 41
anos de trabalho, que é um título de glória que peço desculpas por invocar mais
uma vez, outro título que ninguém nos poderia tirar - o de sermos bons
administradores" 37.
Entretanto, o contrato de Assistência Técnica encaminhado à Superintendência da
Moeda e do Crédito (SUMOC)não pôde ser apreciado em virtude das rasuras
Página 77
A história secreta da Rede Globo
que continha, como explica João Calmon: o contrato estava "todo rasurado, e nem
todas as rasuras estavam ressalvadas. (..) eram tantas as rasuras, eram tantas
as palavras escritas à mão, em alguns casos até páginas inteiras manuscritas,
que tais contratos só poderiam ter o destino que tiveram - foram devolvidos ao
Sr. Roberto Marinho - e a SUMOC ficou
NOTA DE RODAPÉ:
36. Ibidem, p. 7fy• (Depoimento de Carlos Lacerda).
37. Ibidem, p. 32. (Depoimento de Roberto Marinho).
pag:124
aguardando remessa de uma cópia limpa" 38.
Na CPI, Marinho, por duas vezes, admitiu a falha: "Até hoje não posso
compreender como é que enviamos à SUMOC, para registro, um contrato com rasuras
não ressalvadas. Mas tudo quanto posso dizer é que não houve nenhum dolo, nem
segundas intenções, porque o segundo contrato, limpo, que enviamos para o Banco
Central, para
o Conselho Nacional de Telecomunicações (CONTEL) e para outros órgãos
governamentais, reproduzia exatamente o primeiro, inclusive com suas rasuras não
ressalvadas" 39. E mais adiante:
"Como disse, como confessei aqui na Câmara, até hoje não sei porque mandamos
para registro na SUMOC um contrato com rasuras não ressalvadas. Só
providenciamos um
contrato limpo, datilografado sem rasuras, depois que o CONTEL nos pediu que
assim fizéssemos"40.
Seria esta uma lamentável falha, um acidente numa empresa que se diz dirigida
por "bons administradores"? Definitivamente, não. Longe de haver falha, a
manobra
é uma prova da competente astucia da Globo para fraudar a legislação vigente. Em
primeiro lugar, é de ressaltar que, tão logo a Globo enviou o contrato rasurado
à SUMOC,
foi solicitado pelo órgão uma cópia sem rasuras e também uma cópia do Contrato
Principal. Isto porque o contrato de Assistência Técnica - enviado à SUMOC -
fazia
referências, em algumas cláusulas, ao Contrato Principal que a Globo havia
omitido. A Globo, entretanto, não enviou as retificações do contrato rasurado ao
Banco Central,
apesar da afirmação falsa prestada por Roberto Marinho à CPI, transcrita no
parágrafo anterior. Isto foi revelado por Dênio Nogueira, presidente do Banco
Central em seu
depoimento na CPI, em 27 de julho de 1966: até esta data a Globo não enviou
nenhum outro contrato, além do rasurado, para exame do Banco Central4l.
O Contrato de Assistência Técnica sem rasuras só apareceria um ano mais tarde,
no final de julho de 1965, depois do CONTEL solicitar à Globo e depois
De já haver um escândalo público e denúncias formais contra a Globo. É
inadmissível, portanto, a alegada "ingenuidade" de uma empresa como a Globo, que
faz negócios
de vulto, em âmbito internacional, e envia documentos manuscritos e rasurados
para exame de um órgão público. Marinho admite, além disso, que só tomou
providências
quanto ao contrato rasurado, que estava em pleno vigor, depois de exigências do
CONTEL: "Essa providência foi tomada... em virtude do pedido do CONTEL e não
NOTA DE RODAPÉ:
38. CALMON. Op. cit. p. 170.
39. CÂMARA DOS DEPUTADOS. Op. cit., p. 26-7. (Depoimento de Roberto
Marinho).
40. Ibidem,p.33.
41. Ibidem, p. 65. (Depoimento de Dênio Nogueira).
pag:125
Página 78
A história secreta da Rede Globo
espontaneanente, porque não tínhamos atentado para essa irregularidade"42
Sem dúvida, a Globo não estava interessada no registro dos contratos. Só
interessava à Globo tirá-los da clandestinidade, para uma posterior defesa. E
isso tinha de
Ser feito junto a um órgão público que não examinasse o mérito do vínculo
associativo que se estabelecia entre a Globo e o grupo Time-Life. Foi uma
manobra bem planejada
pois a SUMOC, e posteriormente o Banco Central, só examinaria o contrato nos
aspectos referentes ao seu enquadramento na legislação que disciplina as
remessas de
moeda para o exterior. Isso, definitivamente, não era preocupação da Globo e nem
do grupo Time-Life. E observa-se que até o presidente do Banco Central, Dênio
Nogueira, em seu depoimento na CPI, chamou a atenção Para o risco donegó~o43,que
era todo do Time-Life. Por conta dos contratos, o Time-Lif~ estava mandando
incondicionalmente recursos financeiros materiais e humanos. Isso, do ponto de
vista do Banco Central, era permitido. .0 problema situa-se nas condições em que
se daria a
retribuição pelo envio desses recursos. Só aí o Banco Central intervém, cobrando
o enquadramento dessas condições à legislação. Se essas condições não estão
oficialmente
estipuladas, quem corre o risco é a parte que está cedendo os recursos. Isto é,
o grupo Time-Life estava fazendo uma operação, pelo menos oficialmente, "às
cegas",
depositando inteira confiança na Globo. E não é difícil concluir que não se
tratava de filantropia do grupo norte~2meriCaflO.
Outubro de 1964: a estratégia revelada
De 16 a 19 de outubro de 1964, realizou-se a "Conferência sobre o
Desenvolvimento Latino-Americano", promovida pelo Hudson Institute. Um dos
participantes
dessa conferência foi o presidente do Time-Life Broadcast Imc., Weston C. Pullen
Jr., que é co-signatário de Roberto Marinho nos contratos firmados entre Globo e
Time-Life. Pullen abordou o tema "Expansão de Programas de IV na América
Latina". Na página 28 do "Sumary of proceedings" daquela conferência está
sintetizado o discurso
de Weston Pullen Jr., que expõe com clareza a estratégia dos grupos
norte-americanos na América Latina e, inclusive, antecipa desdobramentos do
acordo
Globo/Time-Life:
"Passando em revista sua experiência em TV na Europa, Oriente Médio e América
Latina, o Sr. Pullen afirmou que ele está operando na Venezuela, no
NOTA DE RODAPÉ:
42. Ibidem, p. 33. (Depoimento de Roberto Marinho).
43. Ibidem, p. 62. (Depoimento de Dênio Nogueira).
pag:126
Brasil, na Argentina e possivelmente entrará em nova operação na Colômbia. As
existentes têm sido bem sucedidas e um desprezo geral se verifica nas áreas com
as quais
têm relações (...)ANBC, a CBS e a ABC, estão todas ativas nessas áreas e todas
têm, como o Time, uma fórmula comercial que tende a incluir as seguintes
características:
1. O grupo norte-americano necessariamente tem posição minoritária, em termos de
oportunidade de investimento, devido às leis dos respectivos países sobre
telecomunicações.
2. Em todos os casos é indispensável ter sócios locais, o que é importante; e
Página 79
A história secreta da Rede Globo
eles tem provado ser dignos de confiança.
3. A programação das estações é uma operação conjunta norte e latino-americana.
4. A política adotada mostra que a IV educativa diurna é importante para o êxito
comercial e poderosamente eficaz e popular, quando tentada. O Sr. Pullen
considera
que o Governo norte-americano pode e deve interessar-se por este tipo de
expansão por parte de grupos norte-americanos como um meio de atingir o povo. E
apesar dos problemas que surgem, a IV se tornará para todo latino-americano tal
qual como para todo norte-americano, em futuro bem próximo' '44.
Dezembro de 1964: inauguração frustrada, dólares, denúncia
A previsão de inauguração da IV Globo - Canal 4 do Rio de Janeiro, feita para
dezembro de 1964 não foi cumprida. Com isso, a Globo acabou enfrentando alguns
problemas pois a previsão da destinação das verbas publicitárias, pelas
agências, é geralmente elaborada em novembro ou dezembro. A inauguração acabou
ocorrendo apenas
em abril do ano seguinte.
No dia 29 de dezembro de 1964 ocorreu mais uma remessa de dólares
Desta vez foram US$ 166.389,45 o que era equivalente a Cr$303. 660,563.
Com essa remessa, totalizavam-se quase dois milhões de dólares, em dois anos e
cinco meses de vigência dos contratos Globo/Time-Life (Cf. Anexo 3). Mas a
grande aceleração das remessas viria com a entrada da emissora em operação,
em 1965.
No final de 1964, registra-se ainda uma carta enviada por Lacerda a Castelo
Branco, criticando os rumos da política econômica do governo que derrubara
Goulart.
Nessa carta, entre outros assuntos, Lacerda toca diretamente no problema das
ligações entre o Globo e Time-Life. O presidente da República, em resposta à
carta de Lacerda, fez a seguinte promessa,
NOTA DE RODAPÉ:
44. Ibid~m, p. 71. (Depoimento de Carlos Lacerda) e CALMON. Op. cit., p. 240-1.
pag:127
referindo-se ao caso da Globo: "aquilo em que V. Exa. vê escândalo, será
devidamente apurado". Lacerda revelou que, além da carta, a denuncia também foi
transmitida verbalmente a Castelo Branco45.
NOTA DE RODAPÉ:
45. CÂMARA DOS DEPUTADOS. Op. cit. p.74 (Depoimento de Carlos Lacerda).
pag:128
1965: A GLOBO DECOLA E EXPLODE O ESCÂNDALO
Redefinição tática, um novo contrato
No dia 15 de janeiro de 1965, Globo e Time-Life firmaram em Nova Iorque um outro
contrato que substituiu o chamado Contrato Principal assinado em 1962. No
mesmo dia, o grupo Time-Life enviou à Globo uma carta desistindo formalmente do
Contrato Principal, acrescentando que este contrato nunca entrara em vigor.
Na verdade, a Globo e seu sócio norte-americano perceberam a proximidade de
dificuldades políticas à manutenção do vínculo entre as duas organizações. No
final
de 1964 começaram a espoucar denúncias sobre irregularidades praticadas pela
Página 80
A história secreta da Rede Globo
Globo, como por exemplo as denúncias, verbais e por escrito, feitas por Carlos
Lacerda ao
presidente Castelo Branco.
O contrato assinado no dia 15 de janeiro - de arrendamento - era uma solução de
emergência para municiar a Globo na luta política que fatalmente viria a
ocorrer. A
urgência com que se adotou a solução pode ser avaliada pelo seguinte: o objeto
do arrendamento - no caso, uma locação - era o prédio ocupado pela Globo na Rua
Von
Martius, no Rio de Janeiro, sendo o Time-Life locador e a IV Globo locatária.
Com um detalhe: na data da assinatura do contrato, a Globo ainda não havia
vendido o prédio ao grupo Time-Life. Isto é, a Globo alugou do Time-Life um
prédio que ainda era da própria Globo.
"E tal foi a pressa - diz João Calmon - que se celebrou o contrato de
arrendamento com uma propriedade que, até então, pertencia à própria IV Globo.
Esta, somente
26
dias depois, ou seja, em 11 de fevereiro de 1965, outorgaria a escritura de
cessão de direitos e promessa de compra do terreno da Rua Von Martius e
respectiva benfeitoria.
Por incrível que pareça, a IV Globo arrendou de Time-Life um imóvel que, na
época do arrendamento, possuía de
pag:129
pleno direito"46.
Esse contrato de arrendamento {cf. Anexo 6) tem características excepcionais. Em
troca do uso do prédio, a Globo se comprometia a pagar o seguinte:
a) 45% do lucro líquido da empresa, deduzido antes do cálculo do imposto de
renda, a título de "aluguel básico"; e
b) 55% de todas as despesas do Time-Life relacionadas com a sua propriedade (o
prédio ocupado pela Globo), administração e arrendamento, computadas de acordo
com as normas do Departamento de Imposto de Renda do Brasil e 5 5%de todas as
despesas do Time-Life relativos a impostos, taxas e outras despesas impostas
pelo Governo, a título de "aluguel adicional".
Com esse Contrato de Arrendamento que substituiu o chamado Contrato Principal, o
grupo Time-Life teria sua participação nos lucros da Globo elevada de 30% para
45%. Calmon assim explica a manobra: "A explicação é simples: a parcela
anteriormente paga apenas como lucro caracteriza-se agora, como aluguel,
consequentemente, como despesa operacional da IV Globo, reduzindo o montante de
lucro de que participaria, se mantida a taxa prevista no contrato em conta de
participação (contrato
principal). Elevada a percentagem de 30 para 45%sobre o montante de menor lucro,
do qual ele estaria deduzido o aluguel, manter-se-ia a mesma parcela de
rendimento que
no contrato anterior. Na realidade o Contrato de Arrendanento firmado com
Time-Life, ~ substituir, corno parece ter sido a intenção, a sociedade em conta
de participação,
nada mais fez do que criar uma sociedade de fato em que o locador passa a
figurar não mais como sócio oculto, mas como pessoa jurídica estrangeira
diretamente interessada
no lucro e na administração da sociedade nacional de telecomunicações"47.
A "associação de fato" entre Globo e Time-Life é tão evidente que o próprio
Contrato de Arrendamento inclui a seguinte cláusula:
"19. Boa Fé das Partes. Tendo em vista a natureza especial do Aluguel Básico
pagável na forma deste Contrato (isto é, uma parcela dos Lucros Líquidos), TLBI
(Time-Life Brazil mc.) e a IV Globo cumprirão as disposições deste Contrato com
a mesma boa fé que a lei brasileira exige de sócios" 48•
É claro que o grupo Time-Life renunciava formalmente, no Contrato, a qualquer
Página 81
A história secreta da Rede Globo
direito de possuir cotas de capital da IV Globo, ou a qualquer responsabilidade
pelas atividades de radiodifusão ou pela orientação
NOTA DE RODAPÉ:
46. CALMON. Op.cit., p. 186.
47. Ibidem, p. 186.
48. Ibidem, p. 270.VerAnexo7.
pag:130
intelectual ou comercial da IV Globo. Mas é óbvio o poder de ingerência da
Time-Life sobre a Globo. Isso pode ser avaliado por cláusulas que determinam o
seguinte:
a) A Globo se obriga a apresentar ao Time-Life, no prazo de 15 dias, a contar do
término de cada mês, um balanço mensal, bem como um demonstrativo da receita e
excedentes do respectivo mês e da parte do ano civil que já houver decorrido
(clâusula4).
b) O grupo Time-Life e Ernest & Ernest (auditores) "poderão visitar e
inspecionar qualquer parte da Propriedade, e tanto um como o outro terão acesso
direto a todos
os livros de contabilidade, arquivos, faturas, documentos de caixa e
comprovantes relativos aos mesmos, que disserem respeito à IV Globo, e poderão
discutir com
os funcionários da IV Globo os negócios da IV Globo e todos os assuntos
relativos à Propriedade sempre que TLBI (Time-Life Brazil Inc.)e Ernest &
Ernesto desejarem" (cláusula4).
c) A Globo deve assumir, por sua conta e risco, qualquer responsabilidade
privativa imputável a Time-Lífe e qualquer ação judicial de vulto, nos termos
definidos
pelo contrato, só será movida com a aprovação do advogado brasileiro de
Time-Life (cláusula 11).
d) a IV Globo não fará quaisquer mudanças na Propriedade sem o consentimento de
Time-Life (cláusula 12).
e) "A TV Globo não participará de qualquer transação estranha ao curso normal
dos negócios relacionados com as suas Atividades de Radiodifusão" (cláusula 19).
f) "A TV Globo não alugará, adquirirá ou de outra forma utilizará instalações em
concorrência com as que compõem a Propriedade, devendo outros sim, a menos
que
Time-Life Brazil Imc. concorde por escrito, funcionar exclusivamente em
dependências que integrem a Propriedade" (cláusula 20).
João Calmon também destacou o fato de que foi criada uma empresa destinada
especialmente à assinatura do Contrato de Arrendamento. E também ressalta a
circunstância de que esta empresa foi constituída no Estado norte-americano de
Delaware: "O primeiro contrato foi assinado entre a IV Globo e um grupo
americano,
Time
mc. (,..) Depois, foi assinado outro contrato com Time-Life Broadcasting
Intemational. O terceiro - esse que dá 45%do lucro da IV Globo ao grupo
Time-Life, estranhamente
não foi assinado nem com Time-Life Broadcasting International. Foi assinado com
Time-Lífe Brazil Inc. E ainda mais estranhamente: esse contrato foi registrado e
a empresa
constituída no Estado de Delaware. (...) Esse Estado é famoso em matéria de
contratos ou de facilidades na constituição de empresas porque é muito menos
rigoroso do que são
outros estados desse pais. (...) O Estado de Delaware é famoso porque tem uma
legislação extremamente liberal.
Página 82
A história secreta da Rede Globo
pag:131
Qualquer empresa que não poderia constituir-se em qualquer outra unidade da
Federação dos Estados Unidos da América do Norte encontra enormes facilidades no
Estado
de Delaware. Por isso, esse Estado foi escolhido pelo grupo Time-Life para a
constituição e o registro dessa empresa que teve, como único objetivo, fazer
essa transação
com a IV Globo"49.
Jogo Calmon assim conclui a análise do Contrato de Arrendamento: "O Contrato de
arrendamento temo prazo de 10 (dez) anos após a data de entrada no ar de
estação de televisão no Rio (cláusula 2) e será renovado automaticamente, por
quatro período sucessivos de 10 (dez) anos, a contar do prazo Inicial, a menos
que haja
notificação recíproca antes de expirado o prazo inicial do contrato ou de
expirado cada um dos períodos de renovação prevista. Como se vê, trata-se de
'contrato
de arrendamento' pelo prazo de 50 anos, o que torna Time-Life durante cinqüenta
anos participante do lucro líquido da IV Globo e, durante esse mesmo período, já
que o contrato de assistência técnica tem praticamente duração indeterminada,
usufrutuária de 3% da receita bruta, que corresponde sempre a mais de 5%do lucro
líquido.
Isto significa que, na base dos contratos vigentes, durante 50 anos Time-Life,
com os 3%da receita bruta mais os 45%do lucro líquido pagos a título de aluguel
auferiria
mais de
50%do lucro líquido de IV Globo Limitada. Seria necessário acrescentar mais
alguma coisa para provar que de fato e de direito Time-Life é sócia majoritária
de IV Globo Limitada?
"Nem se explicaria de outra forma o fato de que alguém, possuindo um imóvel no
valor de Cr$1 bilhão, pois foi esta a quantia paga por Time-Life para a compra
do imóvel da IV Globo, o arrendasse sem perceber aluguéis em períodos
deficitários, a menos que estivesse animado do mesmo propósito de investidor e
não de um simples locador"50
Anulado o Contrato Principal
No mesmo dia 15 de janeiro de 1965, em que foi assinado o Contrato de
Arrendamento do prédio da IV Globo vendido à Time-Life, o grupo norte-americano
enviou à
Globo uma carta anulando o Contrato Principal assinado em 1962. Nesta carta, o
grupo Iime-Life afirmava que este Contrato nunca entrara em vigor. Sobre a
carta, João Calmon fez os seguintes comentários:
"Precisamente no dia 15 de janeiro de 1965, no mesmo dia em que foi celebrado o
contrato de arrendamento, Time-Life Brazil Imc. dirigiu carta à IV Globo Ltda,
em
que o Acordo Principal, datado de 24 de julho de 1962, é por
NOTA DE RODAPÉ:
49. CÂMARA DOS DEPUTADOS OP. cit., p.4 9. (Depoimento de Joseph Wallach),
50. CALM0N.op cit p 187-8.
pag:132
aquela cancelado, acrescentando a organização que nunca entrara ele em vigor".
"O contrato de arrendamento não faz, entretanto, qualquer menção ao Acordo
Principal
"Ora, não é crivel que durante quase três anos de vigência daquele Contrato, não
fosse tomada qualquer medida para executá-lo, tanto mais que estava intimamente
vinculado ao contrato de assistência técnica, que vigorou e ainda vigora com o
afluxo de técnicos estrangeiros para a IV Globo".
Página 83
A história secreta da Rede Globo
"De qualquer forma, juridicamente, o Contrato Principal somente teria sido
cancelado em 1965. Inexiste, entretanto, qualquer documento com probatório da
concorrência da IV Globo e Roberto Marinho para rescindir o documento. Até
melhor esclarecimento, a rescisão há de ser considerada unilateral, até porque a
carta em que
Time-Life desiste do contrato não se reveste das características legais para
validade de documentos estrangeiros ou melhor, em língua estrangeira no Brasil,
tais como tradução por tradutor público e reconhecimento de firma pelas
autoridades consulares competentes.
"Ademais, as hipóteses de rescisão do Contrato Principal estão expressamente
previstas em sua cláusula 13, e entre elas não se prevê a de um simples e mero
aviso
do grupo estrangeiro.
"Tratava-se de contrato sério, entre gente séria, até prova em contrário,
envolvendo interesses da ordem de algumas centenas de milhões de cruzeiros, que
não poderia
ser rompido por decisão unilateral, e por modalidade jurí dica inadequada"5 1.
Marinho comunica a Castelo Branco;
o General Geisel também sabia de tudo
Depois das denúncias de Carlos Lacerda ao Presidente Castelo Branco e depois de
assinado o Contrato de Arrendamento que aprofundou as ligações entre Globo e
Time-Life, Roberto Marinho, no dia 5 de fevereiro de 1965, enviou carta a
Castelo relatando a situação. Na Carta, Marinho informou a assinatura do
Contrato de
Arrendamento e o cancelamento do Contrato Principal. Marinho também revelou que,
antes da carta, havia feito comunicação verbal da situação dos contratos entre
Globo e Time.Life ao chefe da Casa Civil, ministro Luís Viana Filho; ao chefe da
Casa Militar, General Ernesto Geisel (futuro Presidente da República); ao chefe
do Serviço
Nacional de Informações, General Golbery do Couto e Silva; e ao presidente do
NOTA DE RODAPÉ:
51. lbidem, p. 188-9.
pag:133
Conselho Nacional de telecomunicações (CONTEL), Almirante Beltrão Frederico 52.
De qualquer modo, embora essas comunicações fossem feitas verbalmente e até por
carta (para o presidente Castelo Branco) os documentos não eram apresentados. E
o que ë mais importante o CONIEL, que é órgão que por lei deveria ter sido
oficialmente
comunicado, não o foi. Ou seja, a Globo fazia um jogo político para sua
proteção, inclusive de modo a sondar as reações de vários setores do Governo,
mas não submetia a
sua ligação com Time-Life à apreciação formal das autoridades.
Cartório invadido: rasgada escritura da Globo
Quase um mês depois de assinado o contrato em que a IV Globo alugou
- ou arrendou, como prefere o próprio Roberto Marinho - de Time-Life o prédio da
Rua Von Martius, a emissora tratou de proceder a venda deste prédio. Isto porque
a Globo alugou de Time-Life um prédio que ainda pertencia à Globo. A situação só
foi regularizada no dia li de fevereiro de 1965, de acordo com a escritura
lavrada nas notas
do tabelião do II Ofício de Notas, livro 1.478, fls. 42e seguintes. Valor da
venda: Cr5998.554.000,OO 53.
No dia 12 de fevereiro de 1966, quase um ano depois desse registro da venda, os
jornais "O Estado de São Paulo" e o "Jornal da Tarde" noticiavam que "as folhas
em que foram lavradas essa escritura tinham sido arrancadas do livro de registro
Página 84
A história secreta da Rede Globo
e que foi instaurado inquérito a respeito". De fato, no dia 9 de fevereiro de
1966, 0
desembargador corregedor Fructuoso de Aragão Bulcão, através da Portaria 487, de
9/2/65, determinou a instauração de inquérito administrativo para apurar
responsabilidades pela subtração das folhas "onde se achavam lavradas as
escrituras, entre partes, IV Globo e Time-Life". Essa determinação foi publicada
na página número
1.773 do Diário Oficial - Parte III, Poder Judiciário, na edição de 14 de
fevereiro de 1965 54.
Desse modo, ações cinematográficas, como a invasão de um cartório, contribuíam
para encobrir de maior mistério as ligações entre a Globo e o grupo Time-Life,
justamente no momento em que interessava à Globo o maior sigilo sobre suas
operações.
Inaugurada a TV Globo, Canal 4, e os dólares voltam
Depois de operar experimentalmente por um mês e meio, no dia 28 de
NOTA DE RODAPÉ:
52. Ibidem,p.206.
53. Ibidem,p.87-8.
54. Ibidem,p.87-8.
pag:134
abril de 1965, finalmente foi ao ar oficialmente a IV Globo, Canal 4, do Rio de
Janeiro, com 13 horas de programação diária 55. Pouco mais um de mês depois, os
dólares recomeçariam achegar. No dia 3 de junho de 1965,0 grupo Time-Life fez
uma remessa de US$ 400 mil, o equivalente a Cr$ 730 milhões pelo câmbio da época
(cf. Anexo 3). Com essa remessa, desde julho de 1962, Time-Life já havia enviado
mais de US $ 2,38 milhões à IV Globo.
A reafirmação da denúncia
No dia 9 de junho de 1965, Carlos Lacerda escreveu uma nova carta a Castelo
Branco. Nessa carta, Lacerda lembrou a promessa feita por Castelo
Branco de "investigar o assunto", em resposta à denúncia da
inconstitucionalidade das ligações entre a IV Globo e o grupo Time-Life. Na
mesma carta,
Lacerda informava sobre o discurso de Weston Pullen Jr., diretor de Time-Life,
na "Conferência sobre Desenvolvimento Latino-Americano" que já
citamos anteriormente. Contundente, Lacerda afirmou claramente a
responsabilidade das organizações Globo, assim terminando a carta: "Resta
somente
saber qual o grupo brasileiro que opera o grupo Time-Life à revelia do Conselho
Nacional de Telecomunicações e contrariamente à Constituição e ao
Código de Telecomunicações. Afirmo à V. Exa. que esse grupo é o de Roberto
Marinho"56.
A prisão do "agente"
No dia 10 de junho de 1965, o Departamento de Ordem Política e Social (DOPS) da
Guanabara, prendeu o cidadão cubano Alberto Hemandez Catá.
Segundo Lacerda, a Secretaria de Segurança Pública da Guanabara teria recebido
"denúncias de que o cidadão cubano Alberto Hemandez Catá estaria no
Brasil exercendo atividades suspeitas já que, ligado a empresa americana,
simultaneamente seria agente do atual Governo cubano" 57. Na verdade, isso era
apenas uma justificativa, pois o que Lacerda queria realmente saber era sobre as
ligações entre a IV Globo e o grupo Time-Life.
Catá era filho de um ex-embaixador de Cuba no Brasil, Hemandez Catá,
que teve os bens expropriados após a Revolução Cubana. Revelou ao DOPS
Página 85
A história secreta da Rede Globo
NOTA DE RODAPÉ:
55. CÃMARA DOS DEPUTADOS. Op. cit., p. 30. (Depoimento, de Roberto Marinho);
e
KOTSCHO, Ricardo. Uma vênus platinada diferente? Isto É. São Paulo. 29 de
novembro de l978.p. 33.
56. CÂMARA DOS DEPUTADOS. Op. cit., p. 71. (Depoimento de Carlos Lacerda).
57. CALMON. Op. cit., p. 23942. Ver Anexo.
pag:135
carioca ser funcionário de Time-Life Broadcast Imc., de Nova
Iorque, recebendo desta empresa mais de 30 mil dólares anuais
para prestar assistência técnica à Globo. Disse que sua
especia1idade~ na TV, era a parte de coordenação,
administração, organização de programas e promoções comerciais
58. Disse também que sua presença na IV Globo devia-se aos
contratos assinados entre esta empresa e o grupo Time-Life.
Informou ainda que Time-Life já havia enviado vários outros
técnicos para dar assistência à Globo em finanças, eletrônica, etc. E
citou especificamente a John Baldwin, já retomado aos Estados
Unidos, e John Ward, este último técnico financeiro, que na época
ainda tinha escritório de trabalho, dentro da própria Globo59.
Denúncia ao Ministério da Justiça
No dia 15 de junho de 1965, Lacerda dirigiu o ofício
GGG.552 ao ministro da Justiça, Milton Campos, denunciando 05
fatos revelados por Alberto Catá e, novamente, o discurso em que
o diretor do Time-Lífe, Weston Pullen Jr., expunha a estratégia
de atuação na América Latina e no Brasil. Nesse oficio, Lacerda
chamou a atenção para a violação da Constituição e do Código de
Telecomunicações pela Globo, com o desconhecimento do
Conselho Nacional de ~ Lacerda pediu também a suspensão
imediata da TV Globo e investigações sobre esses fatos60.
Do Ministério da Justiça ao CONTEL
No dia 21 de junho de 1965, o ministro da Justiça, Milton
Campos, comunicou ao Conselho Nacional de
Telecomunicações - CONIEL -. a denúncia do governador
Lacerda. O CONIEL, então já havia recebido determinações
verbais do presidente da República para apuração das
denúncias61.
Do CONTEL ao Banco Central
No mesmo dia 21 de junho de 1965, em que recebeu o
comunicado do
Ministério da Justiça, o Conselho Nacional de
Telecomunicações, através do
NOTA DE RODAPÉ:
58. lbidem, p. 23942.
59. Ibidem, p. 23942.
60. Ibidem, p. 23942.
61. CÃMARADOS DEPUTADOS. Op. cit., p. 19. (Depoimento de
Euclides Quafidt de Oliveira).
pag:136
ofício nº 368, pediu ao Banco Central esclarecimentos sobre a existência de
contratos registrados em nome da Globo e de Time-Life 62•
Aberto processo no CONTEL
Página 86
A história secreta da Rede Globo
Uma representação formal do governador Lacerda ao Conselho
Nacional de Telecomunicações denunciando as ligações da TV Globo com
Time-Life deu início nesse órgão ao processo n9 13.365 no dia 23 de junho de
1965 63•
Do Banco Central ao CONTEL
No dia 1º de julho de 1965, o Banco Central, pelo ofício n.0 6524, informou ao
Conselho Nacional de Telecomunicações (CONTEL) que no dia 27 de maio de 1964
a TV Globo apresentara para registro na SUMOC um contrato de assistência
técnica, o qual não foi feito em virtude de o referido contrato fazer menção a
um principal,
conter rasuras e lhe faltarem dados a respeito dos técnicos mencionados na
assistência técnica. O Banco Central, junto com esse ofício, enviou ao CONTEL
uma cópia
do Contrato de Assistência Técnica de que dispunha64.
Nova denúncia de Lacerda
Em aditamento às representações feitas ao ministro da Justiça, no dia 16 de
julho de 1965, Lacerda pediu formalmente que fossem apurados os fatos divulgados
pela revista especializada "Television Age". Nesta revista, na página 32 do nP
1, de 19 de fevereiro de 1965, estava divulgado o seguinte:
- Brasil - Rio de Janeiro - A maior notícia daqui, nos últimos meses, foi a
venda de duas emissoras - TV Paulista em São Paulo e canal onze em Porto Alegre
- a novos proprietários. A operação de São Paulo foi com um grupo ligado à
Time-Life Broadcast Imc'., a outra a um grupo de prósperos banqueiros".
Por isto, Lacerda fez ao Ministro a seguinte indagação: "Senhor ministro, diante
da concordância tácita das autoridades, que até agora nenhuma providência
tomaram em relação à operação que pôs cerca de 45 emissoras de rádio ë TV
brasileiras sob virtual controle de um grupo
NOTA DE RODAPÉ:
62. Ibidem,p. 19.
63. Ibidem,p. 71. (Depoimento de Carlos Lacerda).
64. Ibidem, p. 19. (Depoimento de Eucides Quandt de Oliveira).
pag:137
estrangeiro, que financia o Sr. Roberto Marinho, consulto Vossa Excelência sobre
se devo responder afirmativamente a consultas recebidas dos Estados Unidos sobre
possibilidades de compra de emissoras brasileiras por outras e também poderosas
empresas. Salienta o consulente que poderá adotar as mesmas condições que
regulam a
operação do grupo TV Globo - Roberto Marinho - Time & Life Broadcast Imc., ou
outras quaisquer. Se as autoridades competentes estão preparadas para aceitar
essas
condições, não seria justo que elas fossem toleradas como um privilégio para o
grupo de 'O Globo'. Confio no espírito de justiça de Vossa Excelência e do
eminente
presidente da República, para dar resposta à representação que formalmente
formulo perante Vossa Excelência"65.
Do Ministro da Justiça ao CONTEL
Três dias depois de receber a nova denúncia de Lacerda, o ministro da Justiça
enviou ao Conselho Nacional de Telecomunicações pedido de apuração dos fatos 66.
Do CONTEL à Globo
Página 87
A história secreta da Rede Globo
O Conselho Nacional de Telecomunicações, no dia 27 de julho de 1965,
dirigiu à Globo um ofício secreto solicitando o Contrato Principal,
mencionado no contrato de Assistência Técnica, firmados entre Globo e
Time-Life, que fora enviado pelo Banco Central 67~
Da Globo ao CONTEL
A Globo respondeu ao ofício secreto do Conselho Nacional de Telecomunicações
(CONTEL) no dia trinta de julho de 1965, enviando uma cópia do Contrato
Principal, mas informou que esse contrato foi anulado antes de entrar em vigor.
Informou ainda que esse contrato foi substituído por um contrato de locação ou
arrendamento.
NOTA DE RODAPÉ:
65. CALMON.Op.cit.,p.243.
66. CÂMARA DOS DEPUTADOS. Op. cit.,p. 19. (Depoimento de Euclides Quandt de
Oliveira).
67. Ibidem, p. 72 e p. 19-20. (Respectivamente, depoimento de Carlos Lacerda e
Eudides Quandt de Oliveira).
pag:138
Apesar de informar essa substituição, a Globo não enviou o mencionado contrato
de arrendamento, iniciando uma ciranda de dissimulações. A Globo só viria a
atender
essa exigência do CONTEL no final de janeiro do ano seguinte. Na verdade, esse
contrato de arrendamento, assinado em 15/1/65, ain da nem estava selado, o que
só foi acontecer "em novembro de 1 965"68.
Chega "Joe", o outro "agente"
No dia 20 de agosto de 1965 69, chegou ao Brasil o norte-americano Joseph
Wallach, o "Joe" Wallach, que viria trabalhar como assessor técnico do grupo
Tíme-Life à
TV Globo. O Contrato de Assistência Técnica, firmado entre Globo e Time-Life,
previa o envio à Globo, "na capacidade de consultor, pelo prazo que a TV Globo
desejar",
de uma pessoa com as habilitações equivalentes às de um gerente-geral de uma
estação de televisão" 70• Wallach havia sido diretor de uma estação de televisão
do grupo Time-Life, em San Diego, na Califórnia 7 1~ Era, portanto, elemento
altamente capacitado para as funções de assessoria que lhe foram confiadas.
Na CPI que investigou as ligações Globo / Time-Life, a analise das funções de
Joseph Wallach na TV Globo foi uma das mais polêmicas linhas de trabalho.
Afinal, a
comprovação da ingerência de Wallach - que era funcionário do grupo Time-Life,
recebendo salário pago por este grupo norte-americano - na TV Globo, comprovaria
a violação do artigo 160P da Constituição. Além disso, a analise das funções de
Wallach poderia esclarecer muitos dos aspectos obscuros da ligação Globo /
Time-Life.
O depoimento de "Joe" Wallach na CPI, como seria de se esperar, foi extremamente
cauteloso. Ele não escondeu os temores de cometer algum deslize ou fazer uma
revelação inconveniente. Em dado momento, o deputado Djalma Marinho - relator da
CPI - indagou sobre qual banco intermediava as remessas de dólares do Time-Life
para a Globo. Embaraçado, Wallach, com seu sotaque carregado, não se conteve:
"Senhor deputado Marinho, eu tenho medo de fazer coisas que depois vá fazer
muito difícil
para o Doutor Marinho ou TV Globo ou por Time-Life especialmente, quando esses
não são os setores onde eu tenho responsabilidade. 12 questão de negócios. 12
difícil,
eu sei, Sr. deputado, mas eu prefiro não responder isso" 72. E maisadiante: "O
advogado
68. Ibidem,p. 72 ep.20(Idem).
Página 88
A história secreta da Rede Globo
69. Ibidem.
70. CALMON. Op. cit., p. 254.
71. CÂMARA DOS DEPUTADOS. Op. cit., p. 52. (Depoimento de Walter Clark).
72. Ibidem, p. 45. (Depoimento de Joseph Wallach).
pag:139
me disse que eu não obrigo de dizer, de falar alguma coisa que é contra o
interesse de empresa. Porque, se eu digo alguma coisa que tem prejuízo contra
ele, deve ser mal para mim" 73.
Para avaliar as funções de Wallach, é preciso recorrer a outros depoimentos,
como o do jomalista Rubens Amaral, Diretor-geral da TVGlobo que, no final de
1965,
demitiu-se por não concordar com a ingerência de Wallach e os procedimentos
administrativos adotados por Roberto Marinho. O primeiro depoimento aqui
transcrito,
muito contundente, fez parte da reclamatória trabalhista que Amaral apresentou
na Justiça do Trabalho. O segundo depoimento, mais cauteloso, ocorreu na CPI
Globo/Time-Life,
depois de Amaral ter feito um acordo com Roberto Marinho, com relação à
reclamatória trabalhista.
Na ação trabalhista apresentada no dia 22 de junho de 1966, sob o protocolo N9
3288. Rubens Amaral afirmava: "Todavia, em 2 de dezembro de 1965, sob o pretexto
de contratar experts em televisão ,interferência direta de Mister Joseph
Wallach, assessor do diretor-presidente, foi admitido na administração da
reclamada o sr. Walter Clark Bueno. (...) Com surpresa verificou porém dias a
seguir que o objetivo do presidente da empresa, em conluio com o referido Mr.
Joseph Wallach, era o de alijar
o reclamante,
Rubens Amaral, fiel e antigo servidor, da posição que conquistara na hierarquia
da empresa por seu esforço e trabalho diuturnos. O citado Mr. Joseph Wallach,
cuja indébita
interferência nas atribuições do diretor-geral (Rubens Amaral) já havia sido por
este repelida em relação a anteriores assessores que não mais se encontram no
país, passou a
agir irmanadamente com o sr. Walter Clark,. sempre com o beneplácito do
diretor-presidente, chegando ao ponto de usurpar uma das principais funções do
reclamante" 74.
Na CPI que investigou as ligações Globo 1 Time-Life depois do acerto com Roberto
Marinho, Rubens Amaral mudou o tom do discurso e, com multa ponderação, fez
uma análise das funções assumidas pelos assessores de Time-Life junto à Globo e
afirmou:
"A vocação natural de um assessor trazido para funções de tamanha importância,
como esse senhor Joseph Wallach, enseja, naturalmente, um desejo de certa
ingerência, de certa participação, não diria nos negócios internos da empresa,
mas em alguns negócios da empresa. Evitei, com todo rigor, que isso acontecesse,
enquanto
estive na TV Globo. O primeiro assessor que tivemos foi o sr. John Baltes, homem
também de grande fama como altamente capacitado em administração financeira de
empresas de
NOTA DE RODAPÉ:
73. Ibidem,p.45.
74. Ibidem,p. 48. (Depoimento de Roberto Marinho).
pag:140
televisão. Senti de pronto, que se tratava de um homem, apesar de sua fina
educação, de temperamento arrogante, agressivo, o que, imediatamente, criou
sérios conflitos,
que terminaram pela sua retirada da empresa. Logo depois, veio o senhor Alberto
Catá, cubano fugido da ditadura de Fidel Castro, com seus bens confiscados em
Página 89
A história secreta da Rede Globo
Cuba. Outro tipo humano muito mais próximo a nós, mas também por força de suas
funções que exercia na empresa, vocacionalmente tentado a fazer mais do que
aquilo que eu entendia
que lhe era permissível pelo texto das nossas leis, pelo exercício das minhas
atribuições de diretor-geral. Esse homem me confessou a mim, certa vez, que não
podia
de maneira alguma, ficar na TV Globo sem funções executivas. Disse-lhe eu a ele
que isso era totalmente impossível, não só por proibição legal, mas também,
porque,
enquanto ocupasse aquele cargo, esse tipo de ingerência não aconteceria com o
meu beneplácito. Daí sua retirada para outro cargo da organização Time-Life que
é, se não me engano,
de supervisor das emissoras de Time-Lífe no mundo ou na América ou coisa
equivalente. Com esse senhor aconteceu a mesma coisa. Enquanto mantivemos
convivência -
ele como assessor da Presidência, por força de contrato de assistência técnica
com Time-Life Broadcast e eu como diretor-geral - consegui sempre mantê-lo a
prudente distância,aproveitando-me dele naquilo que entendia necessário e útil à
empresa, seu apregoado know-how que, a bem da verdade, se manifestou algumas
vezes em termos altamente positivos. Mas outras soluções eram inteiramente
inaceitáveis pela formação tipicamente americana do assessor e pela distância da
realidade e do gosto das médias
de audiência brasileira" 75.
No mesmo depoimento à CPI, Rubens Amaral assumiu posição conclusiva em relação à
avaliação das funções dos assessores de Time-Life:
"deduzo que (...) a forma de assessoramento nas condições ocorrentes na empresa
'O Globo' podia não somente comprometer a autoridade do diretor-geral, mas ser
passível
de apreciação contrária à lei" 76.
Em seu depoimento à CPI, Wallach, com um português trôpego, insistiu na
afirmação de que seu papel na Globo limitava-se ao de assessoria nos aspectos
técnicos e
de produção: "Trabalho aqui nos setores, nos vários setores, setor de técnico.
Eu faço aplicación técnico de novas idéias, novos equipamentos de técnico, de
sistema,
de procedimento de plano de trabalho, de plano de lay-out, the know-how, de este
tipo de television, outra forma de programação. Eu ajudo coisas de compras. Os
contatos que
eu tenho fora do Brasil às vezes, eu pedia por informação compra coisas fora do
Brasil de
NOTA DE RODAPÉ:
75. Ibidem, p. 56. (Depoimento de Rubens Amarai).
76. Ibidem,p.57.
pag:141
cenografia, de filmes. E outras coisas que eu faço é idéias. Eu sugiro idéias de
prOmOçaO~ diferente máquinas de imprimir, de análise de coisas de vários sectors
de
television, que eu sei de meu empresa nos Estados Unidos"77.
João Calmon, entretanto, divulgou um memorando interno que circulou na
TV Globo que fornece indícios sobre os verdadeiros poderes de "Joe" Wallach: "No
dia
9/12/65 o Sr. Paretto Neto, diretor-administrativo, tratou de um assunto da
maior importância da
TV Globo e remeteu cópia ao Sr. Wallach: 'Tendo em vista as recentes
alterações anunciadas na organização geral da emissora e as que ocorreram
durante o ano conseqüentes da evolução natural da operação, venho solicitar
dessa Direção Geral
informar, para preparação do novo organograma, como se situam os novos diretores
executivo e de produção, em relação à Direção-Geral e Presidência, bem como as
Página 90
A história secreta da Rede Globo
Divisões de Filmes e de Vendas de Filmes, não previstas inicialmente . Esta
carta é dirigida: 'Do diretor administrativo para a Direção Geral"', com cópia
oficialmente
endereçada para Wallach 78,
O depoimento de Walter Clark Bueno à CPI Globo! Time-Life - então já ocupando o
cargo de Diretor-Geral da TV Globo - apesar de extremamente cuidadoso, trouxe
mais algumas informações sobre as funções de Wallach. ~C1ark admitiu que, "como
consultor" ,Wallach participava das decisões sobre a aplicação do dinheiro
enviado por
Time-Life. E, em resposta a uma pergunta do deputado Djalma Marinho, que
indagava sobre a participação de Wallach nas "decisões concernentes à aplicação
desse dinheiro", Clark respondeu:
"Apenas como consultor. Eu poderia dar um exemplo a V. Ex a.: quando há
necessidade de ser contratado determinado artista, sou eu quem decide, embora,
eventualmente,
sendo o Sr. Wallach um técnico no assunto, eu possa trocar idéias com ele ou com
outras pessoas para chegarmos a uma conclusão" 79. E não poderia ser de outra
maneira,
pois o próprio Clark fora contratado por intermediação de Wallach 80, Rubens
Amaral chegou a citar uma reunião, da qual participou nos primeiros contatos com
Clark,
realizada no apartamento do próprio Wallach 81•
Walter Clark, em seu depoimento à CPI, também deu uma idéia da abrangência da
intervenção de Walach: "O Sr. Wallach tem o papel de assessoramento do
presidente no que tange a todas as operações da empresa, que são administradas
pelo presidente e pelo diretor-geral. Assim, ele participa
NOTA DE RODAPÉ:
77. lbidem,p.44.
78. Ibidem,p.49.
79. Ibidem,p.51. (Depoimento de Joseph Wallach).
80. Ibidem,p.53.
81. Ibidem,p. 60. (Depoimento de Rubens Amarai).
pag:142
e sugere; quer dizer, ele tem participação permanente e oferece sugestões, às
vezes aceitas e às vezes recusadas" 82.
Todo o esforço feito durante a GPI para caracterizar a intervenção de Wallach na
administração da Globo ficaria ocioso com as evidências que o tempo acabaria
trazendo. Depois de baixada a poeira do escândalo das ligações Globo /
Iime-Life, Wailach ficaria por mais 14 anos na Globo, mais precisamente até 1980
quando, apesar
do seu salário de um milhão de dólares por ano, demitiu-se por "motivos de
saúde". Mesmo assim, não perdeu contato com a Rede Globo, passando a ter uma
"função de
consultoria, como assessor de Roberto Marinho, diretor-presidente da Organização
Globo" 83, Qual a função de WíLilach, nestes 14 anos? Depois de passado o calor
do escândalo, já não se falava mais em "função" e sim em "cargo": Wallach
assumiu formalmente o cargo de Superintendente Administrativo da Globo, apesar
de ser cidadão
norte-americano naturalizado brasileiro.
Em reportagem sobre a saída de Wallach do cargo de Superintendente
Administrativo, em 1980, a revista "Veja" registra que, após os problemas
criados pelos
contratos entre a Rede Globo e o grupo Time-Life, "Wallach ficou no Brasil como
responsável pela administração e pela direção das finanças da recém-fundada TV
Globo do
Rio de Janeiro. Desde então, bem poucas foram as decisões de importância tomadas
na emissora sem que ele fosse ouvido. Wallach passou a decidir diretamente com
Roberto Marinho a política financeira, tratava dos orçamentos e dirigia a
expansão da Globo como empresa.
Página 91
A história secreta da Rede Globo
"Com a saída de Walter Clark, e particularmente com a demissão de
(Ulisses) Arce, a carga de trabalho de Wallach aumentou consideravelmente. E
seu posto acabaria assumindo tamanha envergadura que a Rede Globo,
confrontada com o problema de sua saída, prefere não substitui-lo. O
esquema montado noS últimos quinze anos por Wallach deve estar a to a
continuar funcionando sem ele, raciocina a empresa" 84
O todo-poderoso - na estrutura administrativa da Rede Globo - José Bonifácio de
Oliveira Sobrinho, o "Boni", que viria a assumir as funções de Walter Clark, que
demitiu-se em 1977, também afirmou o papel de Wallach na direção da Globo: "Nos
últimos três anos (desde 1974), todo o processo de comando da TV Globo - exceto
o político - tem sido tocado pelo Joe Wallach, pelo Arce e por mim, cada um na
sua área" 85
NOTA DE RODAPÉ:
82. Ibidem,p. 5 1.(Depoimento de Walter Clark).
83. A G1obo sem Joe Veja. São Pau1o. n. 607,23 de abril de 1980. p.79.
84. Ibidern,p.79.
85. A nova imagem da Globo. Ve/a, São Paulo. N.547, 8 de junho de 1977. p. 112.
pag:143
Mas há outro aspecto que ficou flagrante na CPI: Wallach era realmente um
representante do Time-Life com amplos poderes. Wallach admitiu que era um Mas há
outro aspecto que ficou flagrante na CPI: Wallach era realmente
responsável pelo endosso dos cheques enviados por Time-Life à Globo e pelo
recebimento das notas promissórias assinadas por Roberto Marinho 86, Essa
revelação de Wallach acabou desmentindo uma afirmação de Roberto
Marinho, à mesma CPI, que declarou não se lembrar a quem essas promissórias eram
entregues, o que - segundo afirmou - era responsabilidade do seu Diretor
Administrativo871 Um duplo "esquecimento": a responsabilidade pela entrega das
promissórias era sua e Marinho não podia ter esquecido que apenas dois dias
antes
do seu depoimento na CPI havia recebido, através de Wallach, uma remessa de USS
114 mil dólares e, como era a praxe, certamente deve ter assinado e entregue ao
assessor de Time-Life outra promissória. Marinho também declarou que não se
lembrava do nome do representante de Time-Life no Brasil88. Na verdade, seria
embaraçoso demais para Marinho admitir que o representante de Time-Life era, na
verdade, o chamado "assessor técnico" Joseph Wallach, que trabalhava
diariamente dentro da própria Globo.
Na CPI, Wallach foi perguntado se tinha procuração para representar o grupo
Time-Life nas operações de remessas de dólares e sua resposta foi taxativa: "Eu
não tenho
nada de procuração. Nenhum papel" 89, No entanto, João Calmon revela que a
intervenção de Wailach, inclusive, é anterior à sua chegada "oficial" ao Brasil,
em agosto de 1965, como se pode deduzir do papel cumprido por Wallach na
transferência do prédio da Globo para o Time-Life. Esse depoimento de Calmon foi
feito num
programa de televisão, na noite do dia24de maio de 1966:
"Hoje, um novo 'Voluntário da Pátria' acaba de enviar-me uma procuração que
comprova, que confirma fora de qualquer dúvida, que o Sr. Joseph Wallach é
o homem de confiança do Time-Life, que dá ordens, pois representa um credor de
cinco milhões e 129 mil dólares, o que, traduzido em cruzeiros, quer dizer onze
bilhões e 284 milhões" 90,
Em seguida, Calmon leu o registro de uma procuração passada pelo
Cartório do 11º Ofício de Notas, livro 85, folha 31, nos seguintes termos:
"Saibam todos pela presente que o abaixo-assinado, Time-Life Brazil
Incorporated, Companhia de Delaware, pela presente nomeia e constitui
Joseph Wallach, do Rio de Janeiro, Brasil, legítimo e bastante procurador e
Página 92
A história secreta da Rede Globo
NOTA DE RODAPÉ:
86. CÂMARA DOS DEPUTADOS, Op. cit.p. 44.7. (Depoimento de Joseph Wallach).
87. Ibidem,p. 38. (Depoimento de Roberto Marinho).
88. Ibidem,p. 30.
89. Ibidem,p. 47. (Depoimento de Joseph Wallach).
90. CALMON, Op. cit. p. 226-7.
pag:144
agente da Companhia para em nome, lugar e em vez da Companhia, outorgar o
instrumento de transferência, para a Companhia, da propriedade imóvel da
TV Globo Ltda.,
à Rua Von Martius, Jardim Botânico, Rio de Janeiro, Brasil, e todos os demais
documentos referentes a essa transação, de modo tão completo e para todos os
intuitos e finalidades como o faria ou poderia fazer a companhia, ratificando e
confirmando, pela presente, tudo o que o referido procurador e agente
legitimamente praticar
por força da presente" 91,
Finalmente, a divulgação das operações de remessas de dólares do Time-Life para
a Globo, feita oficialmente pelo Banco Central, comprovou que Joseph Wailach era
o encarregado da intermediação. E mais, que outro "assessor" do Time-Life junto
à Globo, John Walton Ward, também fora encarregado dessa intermediação. Isto é,
os representantes do capital do Time-Life trabalhavam dentro da TV Globo,
Da Globo ao CONTEL
No dia 24 de agosto de 1965, Roberto Marinho enviou ao Conselho Nacional de
Telecomunicações uma certidão da cessão de promessa de compra e venda do prédio
da TV Globo à Time-Life. Isto é, um documento que explicava muito pouco das
ligações Globo/Time-Life 92,
No CONTEL, parecer pede cassação da Globo
O presidente do Conselho Nacional de Telecomunicações (CONTEL), comandante
Euclides Quandt de Oliveira, nada revelou sobre o assunto no seu depoimento à
CPI que investigou as ligações Globo! Time-Life. Mas o ex-governador Carlos
Lacerda assegurou, depondo na mesma CPI, que em agosto de 1965, um mês depois de
iniciado o processo, surgiu um parecer da Divisão Jurídica do CONTEL, pedindo a
cassação da Globo. Esse parecer, porém, foi imediatamente contestado por um
conselheiro:
"Em agosto de 1965, cerca de um mês depois, a Divisão Jurídica do CONTEL dá um
parecer aos conselheiros, opinando que a associação entre o Time-Life e a
TV Globo estava caracterizada, assim como infringidos estavam os dispositivos
constitucionais e os do Código Brasileiro de Telecomunicações.
NOTA DE RODAPÉ:
91. Ibidem,p. 226-7.
92. CÂMARA DOS DEPUTADOS. Op. cit., p. 20. (Depoimento de Euclides Quandt de
Oliveira).
pag:145
Este, Srs. Deputados, é o parecer da Divisão Jurídica do CONTEL, propondo as
multas cabíveis e a cassação do canal de
TV Globo. Examina a situação do cubano
Catá que, com visto de permanência de noventa dias apenas, não podia exercer, a
tão longo prazo, atividade técnica a que alude e permite o Código Brasileiro de
Telecomunicações. Mas ali surgiu também um longo parecer de um antigo
funcionário (Hugo Dourado) do Estado (da Guanabara), posto há muito tempo à
disposição do CONTEL, no qual se diz que sim, a lei foi infringida, que, sim, a
Página 93
A história secreta da Rede Globo
Constituição proíbe; mas por outras palavras, que, no caso, é preciso mudar alei
e emendar a Constituição" 93.
Enquanto isso, a Globo pede mais concessões
Na CPI Globo/Time-Life foi revelado e documentado que a Globo, através do ofício
nP 666 de 26 de agosto de 1965, em pleno processo de investigações que
sofria, ainda pediu autorização para compra e transferência de concessões, para
o seu nome, de duas emissoras de rádio e uma de televisão em Pernambuco.
Sobre o assunto, Carlos Lacerda fez o seguinte comentário: "Aqui vêem os
Senhores Deputados a tranqüilidade e a certeza da impunidade - dois anos e tal
depois de submetido a toda essa série de acusações, a todo esse processo,
inquéritos, investigação pelo CONTEL, investigação parlamentar, já agora o Sr.
Roberto Marinho ainda pleiteia do CONTEL a compra de duas emissoras de rádio e
de uma
TV em Pernambuco" 94.
CONIEL pede todos os documentos
Em setembro de 1965,0 processo contra a Globo já havia sido discutido no
plenário do Conselho Nacional de Telecomunicações (CONTEL). E, no dia 16 de
setembro, o CONTEL enviou à Globo um ofício solicitando: cópia do contrato de
assistência técnica sem rasuras, cópia do contrato de locação do imóvel que
tinha
sido vendido à Globo; cópia do termo de anulação do contrato principal; cópia do
contrato de aquisição de todos os equipamentos de televisão, prova do pagamento
desses equipamentos; relação de todos os técnicos estrangeiros que estavam
trabalhando na Globo 95. A Globo, à custa de dissimulações, só atenderia essa
determinação no ano seguinte.
NOTA DE RODAPÉ:
93. Ibidem,p. 72 (Depoimento de Carlos Lacerda).
94. Ibidem,p.72.
95. Ibidem,p. 20 (Depoimento de Euclides Quandt de Oliveira).
pag:146
Pedida criação de CPI
No dia - 23 de outubro de 1965 foi publicado no Diário Oficial o requerimento,
assinado por 141 deputados, para criação de uma Comissão Parlamentar de
Inquérito
para "apurar os fatos relacionados com a organização Rádio, TV e Jornal
'O Globo' com as empresas estrangeiras dirigentes das revistas Time e
Life" 96• O pedido foi feito
pelo deputado Eurico de Oliveira que enfrentou grandes dificuldades para sua
aprovação. Manifestando-se na CPI, depois de instalada, Eurico de Oliveira
contou que
os remanescentes do extinto Partido Trabalhista Brasileiro, que ainda atuavam em
bloco embora filiados ao (também já extinto) Movimento Democrático Brasileiro
(MDB), quase fecharam questão contra a realização da CPI. Depois de iniciada a
coleta de assinaturas para o requerimento de criação da CPI, diversos deputados
preferiram
riscar suas assinaturas dessa lista, devido às pressões que começaram a sofrer.
Desde que tomou essa iniciativa, Eurico de Oliveira passou a ser duramente
criticado por"O Globo" 97.
CONTEL insiste junto à Globo
Quarenta dias depois de solicitados à Globo os documentos que permitiriam
analisar suas ligações com o grupo Time-Life, o Conselho Nacional de
Telecomunicações
ainda não havia obtido resposta. Por isso, no dia 26 de outubro de 1965 enviou à
emissora um novo ofício, reiterando a exigências dando o prazo de três dias para
uma resposta 98.
Página 94
A história secreta da Rede Globo
Globo diz que não pode enviar documentos
No último dia do prazo dado pelo Conselho Nacional de Telecomunicações (CONTEL)
à Globo para envio dos documentos que estabeleciam sua ligação com o
grupo Time-Life, a emissora carioca respondeu. Mas não enviou os documentos,
segundo revelou o então presidente do CONTEL, comandante Euclides Quandt de
Oliveira.
A Globo apenas informou, através de ofício datado de 29 de outubro de 1965, que
não havia cópia no Brasil de alguns documentos e outros, também sem cópias,
estavam tramitando: "Certos documentos tinham de ser obtidos na América -
explicou Roberto Marinho - onde foram redigidos e que seria
NOTA DE RODAPÉ:
96. Ibidem,p.1.
97. Ibidem,p. 74-6 (Depoimento de Carlos Lacerda).
Ibidem, p. 20 (Depoimento de Eudides Quandt de Oliveira).
pag:147
necessário conseguir cópias e levá-las ao notário para autenticação; quanto aos
documentos relativos à compra de equipamentos, estavam presos na
Contadoria-Geral
da Fazenda por questão de zelo" ~ O CONTEL não voltou
mais a reiterar a exigência, e a Globo, só três meses depois, enviaria os
documentos ao CONTEL, quando as repercussões do escândalo já eram irresistíveis.
Sala dos contratos
Mais de dez meses depois de assinado, e quase dois meses depois de solicitado
pelo Conselho Nacional de Telecomunicações, o Contrato de Arrendamento firmado
entre Globo e Time-Life foi finalmente selado: "No dia 11 de novembro de 1965
- lembra João Calmon - a TV Globo providenciou o pagamento do selo do contrato
de arrendamento, preferindo fazê-lo na Recebedoria do Distrito Federal, aqui em
Brasília e não no Estado da Guanabara, sede da emissora, sempre com a
preocupação de
evitar que os acordos chegassem ao conhecimento público" 100•
Contratação de Walter Clark
Com a intermediação do assessor norte-americano Joseph Wallach, em 2 de dezembro
de 1965, a Globo contratou Walter Clark Bueno, como diretor-executivo
Da TV Globo e com idênticas funções na TV Paulistae na TV Bauru. Na mesma época,
também foi contratado Roberto Montoro, para as funções de diretor-geral da TV
Paulista
e da TV Bauru. Os dois provinham da TV Rio e essas contratações provocariam
denúncia de abuso de poder econômico, feita por João Batista Amaral, presidente
dessa emissora 101.
Dólares continuam chegando
No dia 21 de dezembro de 1965, a TV Globo recebeu a última remessa de dólares
enviada por Time-Life neste ano. Essa remessa tinha o valor de USS 118 mil, o
que
era equivalente a CrS 259,6 milhões ao câmbio da época (Cf. Anexo 3). Com essa
remessa, desde julho de 1962, Time-Life já havia enviado mais de
US$4,S2milhõesàTVGlobo.
NOTA DE RODAPÉ:
99. Ibidem,p. 20.
100. CALMON,Op.cit p. 208.
101. CÃMARADOS DEPUTADOS, Op. cit.~p. 26. (Depoimento de Roberto Marinho).
Página 95
A história secreta da Rede Globo
pag:148
Demissão de Rubens Amaral
Insatisfeito com a ingerência do assessor norte-americano Joseph Wallach e com o
encaminhamento que estava sendo dado por Roberto Marinho à administração da
TV Globo, no dia 30 de dezembro de 1%5, demitiu-se do cargo de diretor-geral da
emissora o jornalista Rubens Amaral. Dois meses depois, Amaral entraria com urna
reclamatória na Justiça do Trabalho, denunciando a situação da TV Globo e sua
"demissão indireta", causada pelo norte-americano Joseph Wallach.
pag:149
VI
1966 a 1968:
DO ESCÂNDALO À LEGALIZAÇÃO
pag:150
pag:151
1966: CONDENAÇÕES E MANOBRAS
Janeiro de 1966: A campanha de Calmon
Logo após a prisão, pelo DOPS da Guanabara, do cubano Alberto Hermandez Catá,
assessor técnico do grupo Time-Life junto à TV Globo, João Calmon
conta que, na qualidade de presidente da Associação Brasileira das Emissoras de
Rádio e Televisão (ABERT), procurou Roberto Marinho. O diretor-presidente
da TV Globo então confirmou a assinatura de um contrato (na verdade eram três
contratos) com o grupo Time-Life e que este contrato já havia sido aprovado
pelo Banco Central da República (o que não era verdade). Calmon ofereceu-se para
colaborar com a Globo, defendendo seus interesses, desde que o contrato
fosse exibido. Marinho prometeu encaminhá-los a Calmon dentro de alguns dias
102.
Meses depois, Calmon voltou a solicitar os contratos a Marinho. O
diretor-presidente da TV Globo afirmou então que "o Banco Central da República
havia encontrado várias rasuras nesses contratos e não os havia aceito,
exigindo, cópias limpas, sem rasuras Disse-me o senhor Roberto Marinho que iria
pedir
novas cópias a Nova Iorque, à matriz do grupo Time-Life e, tão logo as obtivesse
ele me encaminharia esses documentos.
Decorreram várias semanas. Voltei a cobrar do senhor Roberto Marinho o
Cumprimento da promessa Ele me respondeu, mais uma vez, com uma nova
protelação" 103.
Tempos depois, no dia 18 de dezembro de 1965 104 Calmon foi procurado por João
Batista Amaral, presidente da TV Rio, Canal 13, do
Estado da Guanabara, que cobrava uma posição de Calmon como presidente
NOTA DE RODAPÉ:
iO2.Ibiden~p 9. (Depoimento de João CaLmon).
iO3.Ibidem,p. 9.
lO4.CALMON.op.cit.,p64
pag:152
da ABERT: Utilizando milhões de dólares, que está recebendo do grupo Time-Life,
a TV Globo dizimou os meus quadros de material humano, artístico e
administrativo. A TV Globo acaba de contratar o Senhor Walter Clark, principal
Página 96
A história secreta da Rede Globo
diretor da TV Rio, e o Sr. Montoro, principal diretor desta organização em São
Paulo,
pagando-lhe 13 milhões de cruzeiros por mês. Ao mesmo tempo, atraiu para a TV
Globo outros técnicos e artistas, de maneira que a minha estação está no limiar
da deback. Como existem duas entidades
- a ABERT e o Sindicato das Empresas de Radiodifusão - e, como ambas se destinam
à defesa dos interesses dos seus associados, eu acho indispensável que o senhor,
na qualidade de presidente dessas entidades, tome imediatamente uma posição em
face desses contratos, que são ilegais, inconstitucionais e que estão tomando
possível uma concorrência ruinosa e ilegal" 105•
No dia 3 de janeiro de 1966, Calmon procurou Roberto Marinho no Edifício de "O
Globo": "Expus-lhe o problema e ele, mais uma vez, surgiu-me
com uma série de evasivas, isto é, de que estava havendo uma nova complicação, o
seu advogado desaconselhava a exibição dos contratos, devido
ao caráter sigiloso dos mesmos, de maneira que ele não me poderia exibi-los.
Fazendo ainda uma nova tentativa, eu disse ao Senhor Roberto Marinho: 'Se o
senhor
fosse presidente do Sindicato das Empresas de Radiodifusão e da ABERT, e fosse
entrevistado numa estação de televisão sobre a existência desses contratos, qual
seria sua resposta? Ele não hesitou um momento dizendo-me: 'Eu responderia
simplesmente: ignoro o assunto' ". Calmon afirma que imediatamente repudiou a
proposta 106•
Três dias depois desse encontro com Marinho, no dia 6 de janeiro de 1966, em
entrevista à TV Rio, João Calmon começou a denunciar as ligações do grupo
Time-Life com a Rede Globo. Foi esta a primeira de uma série de dezenas de
entrevistas e pronunciamentos que criariam grande mobilização contra a
vinculação das
Organizações Globo com o grupo norte-americano.
17 de janeiro de 1966: Castelo promete apurar
João Calmon conta que, "no dia dezessete de janeiro, compareci ao Palácio das
Laranjeiras, a fim de assistir à posse de um novo ministro - se não me engano, a
do Sr. ministro Juracy Magalhães. Naquela oportunidade, o
NOTA DE RODAPÉ:
105. CÃMARA DOS DEPUTADOS. Op. cit., p. 9. (Depoimento de João Calmon).
106. Ibidem,p. 9.
pag:153
chefe da Casa Civil da Presidência da República, o ministro Luís Viana Filho,
declarou-me que o presidente da República havia ficado tão impressionado com as
minhas
denúncias que decidira constituir uma comissão de alto nível
para apurá-las 107.
A Standard 0i1 ameaça: "vamos estraçalhá-lo"
No dia 18 de janeiro de 1966, Paulo Carvalho Barbosa, diretor da Standart Oil -
Esso Brasileira de Petróleo, convidou Calmon para um almoço no Museu de Arte
Moderna: "O Sr. Paulo Barbosa tentou convencer-me de que essa campanha poderia
acarretar conseqüências gravíssimas, fazendo-me então um apelo, como meu amigo,
para que eu a cessasse ou a interrompesse. Expliquei-lhe, com a paciência e com
a serenidade que me caracterizam, que esta campanha não era minha, não era dos
'Diários Associados', era urna campanha de interesse nacional, que eu estava
participando da mesma como presidente da ABERT e do Sindicato das Empresas de
Radiofusão, como
representante do povo brasileiro, e que eu não poderia cessá-la, em hipótese
alguma. Em face da firmeza de minha recusa, que foi categórica, o Sr. Paulo
Barbosa me disse,
então, textualmente: 'Já que você não pode cessar esta campanha, eu não posso
Página 97
A história secreta da Rede Globo
mais prender os homens, eu vou soltá-los, eles vão partir para cima de você, vão
e straçalhá-lo, vão liquidar os 'Diários Associados"' 108
Depois de várias investigações, Calmon acrescentou ao episódio novas revelações:
"Perguntei, em seguida, a Paulo Barbosa: 'Há algum vínculo, algum negócio, algum
entendimento comercial entre a Esso Brasileira de Petróleo - a Standard Ou - e O
Globo, ou a TV Globo ou o Sr. Roberto Marinho?' Ele hesitou um pouco, enquanto
eu insistia. A pergunta não era dirigida ao diretor da Standard 011. Mas, antes,
ao cidadão brasileiro, ao homem de bem, ao patriota que eu via em Paulo Barbosa.
Foi quando admitiu 'haver alguma coisa', não diretamente com o Sr. Roberto
Marinho, mas entre a Standard Oil e pessoas ligadas ao mesmo Sr. Roberto
Marinho.
"Procurei fazer uma investigação, do dia 18 de janeiro de 1966 para cá, e apurei
então que há, pelo menos, uma série de curiosas coincidências. Eu pediria
permissão
2ara ler algumas das coisas que apurei até agora: tenho aqui o 'Diário Oficial'
de Salvador, Estado da Bahia, de sábado, dia 26 de novembro de 1960, número
5927. Aqui está o registro de uma empresa chamada
NOTA DE RODAPÉ:
1O7.Ibidem,p. 10.
lO8. Ibidem,p. 10.
pag:154
COBALUB - Companhia Baiana de Lubrificantes. Os principais acionistas são
SOLUTEC S.A. - Sociedade Técnica e Industrial de Lubrificantes que tem sede aqui
na avenida Presidente Wilson, 165, 13P andar. Por coincidência - primeira
coincidência - esse edifício é sede da Esso Brasileira de Petróleo, a
subsidiária brasileira
da Standard
OiL A SOLUTEC tem nessa companhia da Bahia - na COBALUB - ações no valor de
Cr$
45,830 milhões. A outra acionista é a SICRAS. ª - Importação, Comércio e
Representações, com sede na Rua Líbero Badaró, 185, 15P andar, São Paulo, com
Cr$22,55 milhões. A outra acionista é a Companhia Carioca de Comércio e
Indústria,
com sede na Rua Irineu Marinho, 35, no Rio de Janeiro. Ë a sede do jornal 'O
Globo' e da Rádio Globo. Não se trata de imóvel com escritórios de empresas
estranhas ao grupo Roberto Marinho. O capital dessa Companhia na COBALUB é de
Cr$22,55 milhões. Os acionistas dessa empresa, que tem sede na Rua Irineu
Marinho, 35, são os senhores
Luiz Paulo Jacobina da Fonseca Vasconcelos, Manoel Pereira Neto, Antonio da
Costa Filho, João Augusto de Miranda Jordão, Sílvio Behring, por sinal um grande
amigo meu, diretor de publicidade de 'O Globo', Luiz Gonzaga de Castro Lima e
Manoel Duarte Fonte. A escritura de constituição foi lavrada nas Notas do
tabelião Souza
Braga, no dia 23 de fevereiro de 1960, livro 578, folhas 55. O Sr. Paulo Barbosa
na qualidade de um dos fundadores da COBALUB, fez um depósito de Cr$ 19 milhões
no Banco Econômico da Bahia, na cidade de Salvador, em nome dessa Companhia, a
COBALUB. Os sócios da COBALUB - os outros - são os senho es Gustavo dos Santos
Barbosa, Adelino Antônio Pereira, Mário Torres de Meio, meu velho amigo do Ceará
e que acaba de prestar 50 anos de bons serviços prestados à Standard 011 no
Brasil, Frederico
Augusto Christoph Wizznat, Elie Laurencel, Luiz João Gago Pereira e Cíd Carneiro
Nazaré. Todos esses são acionistas, pessoas físicas, com dez ações cada um, no
valor total de dez mil cruzeiros, nada mais"'09.
Depois de várias investigações, Calmon fez novas revelações: "Conforme
escrituras públicas que obtive em Salvador e no Rio de Janeiro, essas duas
entidades (a
Globo e a Standard 011) formaram, na Bahia, uma empresa cujo nome é COBALUB.
Os
sócios dessa empresa são a SOLUTEC, a SICRA (uma empresa secundária) e a
CARIOCA. A SOLUTEC pertence a Esso Brasileira de Petróleo e a CARIOCA a
elementos ligados a 'O Globo'. A sede da SOLUTEC é no edifício Novo Mundo,
Página 98
A história secreta da Rede Globo
matriz da
Esso Brasileira de Petróleo (Rio). A sede da CARIOCA é ~ Rua Irineu Marinho, 35,
que é também sede do vespertino 'O Globo'. Dos Cr$ 30 milhões da SOLUTEC, vejam
bem, 299 milhões e 825 mil pertencem à Standard Oil Co. E eis como está distri-
NOTA DE RODAPÉ:
109. CALMON, Op. cit,,p. 61-2.
pag:155
buído o capital da COBALUB: SOLUTEC (Standard Ou), 45 milhões e A30 mil
cruzeiros SICRA, que é secundária, lá de São Paulo, com 22 milhões
mil cruzeiros Cia Carioca de Comércio e Indústria (pessoal de '0 Globo), 22
milhões e 50 mil cruzeiros. Esta distribuição de capital das empresas revela
existência
de um vínculo entre a Esso Standard do Brasil e a organização do
Roberto Marinho. Liga esses dois edifícios um oleoduto simbólico, um oleoduto
por onde não passam petróleo nem gasolina, mas dólares e um afluxo ininterrupto
de
notícias. Por essas e outras é que a 'Worldmark Encycloof The Nations', editada
pela 'Worldmark Press Inc.' classificou o
'Globo' de 'órgão conservador subsidiado pelos Estados Unidos'. O Sr. Rorto
Marinho, diante da informação da conhecida enciclopédia, ameaçou
seus proprietários e editores. Ao que parece, tudo ficou nessa eaça. Nem a
'Worldmark Encyclopaedia of The Nations' desmentiu o que fez de 'O Globo', nem o
'O Globo' levou adiante o processo judicial. Pessoalmente, não acredito que o
jornal do Sr. Roberto Marinho seja subsiado pelo
governo dos Estados Unidos, entretanto essas coincidências
estou apontando, esses financiamentos maciços em dólares, essa aproximação do
grupo de '0 Globo' com a Standard Ou, essa súbita mudança do Repórter Esso da
Nacional para a Rádio Globo, tudo isso somado e analisado cria inegavelmente um
clima de suspeita cuja gravidade ninguém pode subestimar"1 10
18 de janeiro de 1966: Recomeçam as remessas de dólares
No dia 18 de janeiro de 1966, o mesmo dia em que João Calmon foi ameaçado pelo
diretor da Standard Ou, recomeçaram as remessas de dólares do grupo Tlme-Life
para a Globo. A remessa enviada neste dia tinha o valor de US$ 182 mil, o que
era equivalente a Cr$ 400,4 milhões (Cf. Anexo 3). Foi remetida por Time Inc de
Nova Iorque, recebida no Brasil por Joseph Wallach e repassada a Roberto
Marinho, como nas outras oportunidades. Desde a assinatura dos contratos entre
Globo e Time-Life,
em julho de 1962, com esta remessa, a Globo havia recebido um total de US$5,17
milhões o que eqüivalia, ao câmbio da época, a Cr$11 ,374 bilhões.
Criada Comissão de Alto Nível para investigar infiltração estrangeira
No dia 20 de janeiro de 1966 foi criada uma Comissão de Alto Nível, no
NOTA DE RODAPÉ:
11O. Ibidem,p. 159-60
pag:156
âmbito do Ministério da Justiça, por determinação do presidente Castelo Branco,
para apurar as denúncias de infiltração do capital estrangeiro na imprensa e nas
emissoras
e, especialmente, o caso Globo/Time-Life.
Seus membros eram: Coronel Bruno Negreiros, secretário do Conselho de Segurança
Nacional ;Dr. Gildo Ferraz, Procurador da República, o qual foi escolhido como
presidente; e o Sr. Celso Silva, gerente da Carteira de Aplicação de Capitais
Estrangeiros do Banco Central da República. No dia 26 de janeiro, tomou posse
Página 99
A história secreta da Rede Globo
essa comissão e
iniciou imediatamente os seus trabalhos" 111
20 de janeiro de 1966: Empresários de comunicação lançam manifesto
No mesmo dia em que era criada a Comissão de Alto Nível para investigar a
penetração de capital estrangeiro nas empresas de comunicação, foi divulgado um
"Manifesto à Nação", assinado por treze jornais, pelo Sindicato dos
Proprietários de Jornais e Revistas do Estado de São Paulo, pela Associação das
Emissoras de
São Paulo e pelo Sindicato das Empresas de Radiodifusão de São Paulo.
Esse manifesto denunciava a "infiltração de capitais estrangeiros na indústria
jornalística nacional, bem como na exploração das concessões de rá~1io e
televisão",
e a "entrega da direção de jornais, revistas e empresas de radiodifusão a
estrangeiros ou 'testas-de-ferro' seus". Denunciava ainda que "chegaram, pois,
estas contravenções
a um ponto que já se compadece com a indiferença até agora demonstrada pelas
autoridades e órgãos públicos, indiferença contra a qual opomos o protesto que
neste documento
formulamos em nome de todos, da própria nação. (...)".
O protesto dos empresários assinalava que não havia recusa da "participação de
capitais estrangeiros no desenvolvimento da nossa economia", mas que era
necessário
que se observassem os preceitos legais que restringem o controle da imprensa e
da radiodifusão exclusivamente a capitais nacionais e a sua orientação
administrativa
e intelectual exclusivamente a brasileiros. Dizia o manifesto que essas
restrições visam "assegurar à imprensa a legitimidade do seu papel de reflexo da
opinião pública
nacional, de intérpretes das aspirações brasileiras e de orientadora do
pensamento do povo de conformidade com os mais altos interesses da comunhão a
que pertence-
NOTA DE RODAPÉ:
111. CÂMARA DOS DEPUTADOS. Op. ei t., p. 10. (Depoimento de João Calmon).
pag:157
mos".
Os empresários concluíam fazendo às autoridades "urna advertência
sobre as imensas responsabilidades que assumem perante os destinos do Brasil,
com 5j~difereflça até agora demonstrada, em face de tão relevante questão". E
finalizavam
chamando à responsabilidade o presidente da República, o Congresso Nacional, o
Conselho de Segurança Nacional e o Conselho Nacional de Telecomunicações "a fim
de que não desamparem à Nação, inconformada com as proporções que ganham estas
graves contravenções legais".
Globo responde a um CONTEL ineficiente e desaparelhado
No dia 21 de janeiro de 1966 - quase seis meses depois que o Conselho Nacional
de Telecomunicações (CONTEL) começou a pedir esclarecimentos sobre as ligações
da Globo com o grupo Tíme-Life e mais de quatro meses depois deste mesmo CONTEL
ter solicitado expressamente os contratos assinados entre essas empresas - a
Globo
enviou ao CONTEL o Contrato de Assistência Técnica sem rasuras, o Contrato de
Arrendamento e a carta em que Time-Life cancela o Contrato Principal 112.
Ressalte-se que a iniciativa da Globo só ocorreu um dia depois da criação da
Comissão de Alto Nível que passou a investigar o capital estrangeiro nas
empresas de comunicação e no dia seguinte à divulgação do "Manifesto à Nação"
dos empresários de comunicação. Isto é, quando já havia um escândalo público
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A história secreta da Rede Globo
formado.
As dissimulações com que a Globo afrontou o CONTEL constituíram o aspecto menos
grave do episódio. Mais grave do que o comportamento da Globo - que era
evidentemente presumível - foi a atitude do próprio CONTEL que nunca tomou
qualquer iniciativa própria para apurar um escândalo que já era público. Mesmo
depois de
iniciado o processo, provocado pela representação formal do Governador Carlos
Lacerda, o CONTEL - conforme revelou à CPI Globo/Time-Life seu presidente, o
comandante Euclides Quandt de Oliveira - não investigou as denúncias sobre as
remessas de 4õlares à Globo, pois os contratos colhidos pelo CONTEL não se
referiam a essas
remessas: "O CONTEL está trabalhando basicamente dentro da representação feita
pelo governador da Guanabara. O problema mais geral está aos cuidados da
Comissão de Investigação (constituída pelo Ministério da Justiça)" 113.
NOTA DE RODAPÉ:
1l2.Ibidem,p.20. (Depoimento de Euclides Quandt de Oliveira).
ll3.lbidem,p. 21. 157
pag:158
Perguntado pelo deputado Djalma Marinho se o CONTEL tinha competência para
tomar
a iniciativa de apuração de denúncias, o comandante Quandt de
Oliveira, no seu depoimento à CPI, respondeu afirmativamente, mas invocou o
desaparelhamento do CONTEL: "O que eu queria dizer é que são tantos os
problemas que o CONTEL tem, dentro de suas atribuições, e sua estrutura está
ainda de tal forma reduzida para atender a esse imenso campo que são as
telecomunicações no Brasil, que ele mal pode resolver os problemas que lhe são
levados, o CONTEL não tem tempo para respirar, para tomar iniciativa em outros
problemas" 114.
Sobre as remessas de dólares, o presidente do CONTEL esclareceu que já tinha
conhecimento, mas que resolveu não trazer o assunto para o CONTEL,
manifestando claramente sua postura omissa: "O CONTEL tomou conhecimento, e
inclusive, se me permite o nobre deputado, já tinha tomado conhecimento do
problema anteriormente. Procura obter, do Banco Central da República, essas
informações e já as tinha recebido, mesmo antes da sua publicação. O que ocorre
é que, relativamente ao problema da TV Globo, o caso já está sendo tratado aqui
na CPI. Ë um assunto complexo e irá marcar a doutrina a ser seguida de agora em
diante. O CONTEL concentrou seus esforços na solução desta representação (de
Lacerda), que possivelmente poderia cobrir todo aquele problema. (...) Este caso
específico está sendo tratado. Os outros, estão sendo abordados por uma Comissão
de Inquérito que trabalha em coordenação com o CONTEL. Então, todos os
problemas que têm
ligação com a televisão e o rádio serão abordados e levados à consideração do
CONTEL, para sua decisão ou parecer. O CONTEL julgou que procedendo
como está procedendo, tratando fundamentalmente do problema da
representação feita, relativa à interferência ou ao contrato entre 'Time-Life' e
a TV Globo, estaria resolvendo o problema. Aí ele firmará a doutrina. Chegará
à conclusão de tudo que precisa, pode e deve ser feito. Essa a razão" l15•
Na mesma época, aliás, outra grave denúncia foi divulgada pela imprensa e
emissoras de radiodifusão. A Rede Piratininga, do deputado Miguel Leuzzi, de São
Paulo, com 29 emissoras, estava sendo adquirida por USS 1,5 milhões pela "World
Wide Educational and Missionary Foundation". Calmon revelou que "o envio do
dinheiro, feito em parcelas, está documentado pelo registro do Banco Central da
República 43/10681 de 7 de janeiro de 1966" 116. "Caso seja consumada essa
operação, estará o artigo 160 da Carta Magna mais uma vez burlado, pois o grupo
comprador é estrangeiro: a World Wide Educational
NOTA DE RODAPÉ:
114. Ibidem,p.22.
115. Ibidem,p. 22
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A história secreta da Rede Globo
116. CALMON. Op.cit.,p. 121.
pag:159
and Missionary Foundation. Tem sede na cidade de West Monroe, no Estado de
Louisiana, nosEUA, e o presidente da fundação é o Sr. AltonHoward"117.
Calmon revelou ainda que esse grupo norte-americano tentou adquirir a rádio e TV
Cultura de São Paulo, dos Diários Associados: "Quando as negociações já
estavam bastante adiantadas, chegamos à conclusão, através do exame dos
documentos que nos foram mandados, de que se tratava de um grupo estrangeiro
(...). Este grupo tem certas ligações com a Columbia Broadcast1ng Sitem - CBS.
II a informação que tenho" 118.
Os testas~de-ferro da operação de compra da Rede Piratininga estavam agrupados
numa certa Fundação Brasileira de Divulgação Cultural. Examinando os estatutos
dessa Fundação, com os nomes que a integram, Calmon afirmou que: "são pessoas de
recursos modestíssimos que jamais poderiam ficar a frente de uma entidade para
comprar um grupo de 28 ou 29 estações, um milhão e quinhentos mil dólares" 119.
No depoimento do comandante Eudides Quandt de Oliveira à CPI, Calmon perguntou
se 0CONTEL tinha tomado conhecimento da investida do grupo estrangeiro que
estava adquirindo a Rede Piratininga. "Como disse -reafirmou Quandt de Oliveira
- 0CONTELe5tà tratando desse caso aqui (caso Globo/Tilfle-Life). A Comissão de
Inquérito que trabalha em coordenação com 0CONTEL está vendo todos os problemas
e trará para 0CONTEL todos os dados, toda a documentação enfim, tudo aquilo que
ela
tiver" 120. Calmon então rebateu a afirmação de Quandt de Oliveira, lembrando
que a Comissão de Investigações foi criada no dia 20 de janeiro de 1966 e que
investigar
assuntos como esses são atribuições inalienáveis do CONTEL. Quandt de Oliveira,
então, atestou a total ineficiência do CONTEL: "A quantidade de denuncias e
informações dessa natureza que chega ao CONTEL é de tal volume que ele não tem
possibilidades de verificar. Quando recebe um documento ai então procura
verificar" 121
A declaração do presidente do CONTEL confirmava a invasão estrangeira sofrida
pelas emissoras de radiodifusão.
CONTEL confia na Comissão; Comissão mostra incompetência
A Comissão de Alto Nível criada por Castelo Branco para apurar as denúncias de
penetração de capital estrangeiro nas empresas de comunicação do Brasil - e que
deveria suprir muitas necessidades do Conselho Nacional de
NOTA DE RODAPÉ:
117. Ibidem. 2. 30
118. CÂMARA DOS DEPUTADOS, Op. cit., p. 14. (Depoimento de João Calmofl).
119. Ibidem,p. 15
120. Ibidem ,p122. (Depoimento de Euclides Quandt de Oliveira).
121.Ibidem,p. 22.
pag:160
Telecomunicações que recebiam suas limitações e deficiências - começou seu
trabalho com sérios problemas Calmon, em seu depoimento à CPI, mostrou-se
preocupado pela comissão não ter fixado prioridade em relação às investigações e
por estar ampliando muito seu raio de ação: "Mandou cartas e ofício, que eu
exibi diante das câmaras de televisão, a todas estações de rádio e todas as
agências de publicidade, todas as revistas, todos os jornais do Brasil inteiro,
pedindo as atas das eleições das Diretorias e dos balanços desde o ano de sua
fundação. Só nós temos dois jornais que têm mais um século de existência. O
Diário de Pernambuco e o Jornal do Comércio. A Comissão, então, pedindo esses
balanços desde o ano de fundação de todos esses órgãos de divulgação, vai apenas
realizar um trabalho puramente histórico, não vai apurar nada, não vai sugerir
nenhuma providência contra esses grupos suspeitos". 122
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A história secreta da Rede Globo
Calmon lembrou que a Comissão não dispunha de recursos técnicos para analisar
essa imensa quantidade de dados e nem mesmo verbas para viagens: "Declarei ao
presidente da Comissão de Investigação, como base para uma crítica construtiva:
" Meu amigo, os senhores não dispõem de um computador eletrônico para analisar
todos esses dados que os senhores vão colher. Os senhores não dispõem nem de
verba para viagem. (...) Esses servidores da Pátria foram ao Rio Grande do Sul
para apurar as denúncias de infiltração estrangeira em Porto Alegre e pediram
carona no avião presidencial, no AVRO porque eles não tem verba sequer para
passagem de avião" 123.
O mais preocupante, segundo Calmon, era que a Comissão não tinha prazo para
encerrar seus trabalhos. E os fatos mostravam contradições graves na orientação
desses trabalhos, evidenciadas até mesmo nas declarações do ministro Mem de Sá,
da justiça " Ao dar posse - lembrou Calmon - ao procurador Gildo Corrêa Ferraz,
na presidência da Comissão de Investigações do Ministério da Justiça e Negócios
Interiores, declarou o Ministro Mem de Sá. Referindo-se ao caso da infiltração
estrangeira em nossa imprensa falada e escrita, que desejava ver os trabalhos da
Comissão concluídos no mais breve espaço de tempo possível. "Peço-lhes -
adiantou - que comecem a trabalhar, a partir de amanhã, sem descanso e em
regime de tempo integral. ( O jornal de 27 de fevereiro de 1966). Quase quatro
meses depois, falando de num programa de televisão, o ilustre homem público
afirmou não ter a Comissão de Investigação prazo para encerrar seus trabalhos.
"Mesmo porque - disse o Ministro Mem de Sá - a pressa é inimiga da perfeição" (
"Jornal do Brasil" , de 13 de maio de 1966)" 124.
NOTA DE RODAPÉ:
122 Ibídem,p.11 (Depoimento de João Calmon)
132 Ibídem, p.11;
124CALMON,. Op.cit.,p. 275.
pag:161
Globo quer fim da Comissão de Investigações; JB apóia.
Mesmo apresentando graves deficiências no seu trabalho, a Comissão de
Investigações despertou temores na Globo. Roberto Marinho conversou com Calmon
após a constituição da Comissão e queria a sua extinção: "Em primeiro lugar,
estranhou o diretor de "o Globo" que eu tivesse violado segredos bancários,
revelando as transações de seu grupo Time-Life. Repliquei estar ele equivocado,
porque não havia segredo bancário na exibição de boletins do Banco Central da
República, encontrados com facilidade, pois é para isto que eram confeccionados.
Era como se quiséssemos ver segredos no "Diário Oficial". Nesse encontro, o Sr.
Roberto Marinho me fez um apelo para que procurasse, em sua companhia, o
presidente da República para solicitar a Sua Excelência que não levasse avante
as investigações já iniciadas da Comissão de Alto Nível" 125.
Após os primeiros pronunciamentos contra a infiltração do capital estrangeiro,
João Calmon começou a receber violentos ataques do "Jornal do Brasil"". "Dizia,
em editorial intitulado "Jacobinismo provinciano" que o que importa, no caso da
imprensa, como nos demais, é não invocar o interesse nacional para afastar a boa
e sadia competição. Um país que viesse a temer uma publicação por força de suas
vinculações com o exterior, já não teria a rigor, o que defender".
"Como essa brava literatura - prossegue Calmon - colocava-se o velho órgão da
Avenida Rio Branco a favor da livre circulação, com nosso País, de revistas
estrangeiras, compostas e impressas no Brasil, e redigidas em Português. E no
fim de Janeiro o "Jornal do brasil", na mesma edição em que estampava uma
entrevista com o Sr. Roberto Marinho, dava a conhecer um novo editorial contra
nós ( Farsa e arbítrio ) que poderia entrar com vantagem, numa antologia
nacional do desaforo. Sem ética e sem elegância, essa obra-prima de insulta
ameaçava os "Diários Associados" com o Juízo Final, classificando a nossa
imprensa de "falida" e "corrompida". E mais: que vivíamos patinando na lama.
(...) Basicamente, o editorial representava a revolta do grande Diário contra a
decisão do governo revolucionário em constituir uma comissão de alto nível para
apurar as denúncias que eu vinha fazendo. Considerando inaceitável essa
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A história secreta da Rede Globo
deliberação, ameaçava o governo da República, fazendo-lhe uma advertência no
sentido de parar enquanto era tempo. Foi por essa época que o Sr. Nascimento
Brito, diretor-superintendente do "Jornal do Brasil", entrou em contato comigo
para dizer-me, pelo telefone, que um gigantesco inquérito policial0militar
desabaria
NOTA DE RODAPÉ:
125 Ibídem,p.96-7
pag:162
sobre toda a imprensa brasileira. E, dramatizando, via ele coronéis invadindo os
departamentos de contabilidade dos órgãos de divulgação, vasculhando todos os
livros, examinando todos os papéis" 126.
Além de atacar Calmon, o "Jornal do Brasil" passou a defender francamente a
circulação de revistas estrangeiras no Brasil. Para explicar este comportamento
do jornal, João Calmon fez as seguintes revelações: "Há cerca de quatro anos, o
referido Sr. Nascimento Brito tentou adquirir o controle acionário do Canal 2,
então
TV Mayrink Veiga. Naquele momento pedimos 200 milhões de cruzeiros por essa
estação, com facilidade de pagamento, isto é, em 24 prestações. O Sr. Nascimento
Brito apresentou uma contraproposta de 150 milhões de cruzeiros, alegando que
essa era a sua disponibilidade máxima. Sendo assim, não se consumou a transação.
Em fins do ano passado, voltou ele com um pedido de opção, pelo prazo de trinta
dias, para aquisição do Canal 2, TV Cultura de São Paulo, pertencente à cadeia
"Associada", opção que lhe foi concedida e assinada pelo nosso companheiro
Edmundo Monteiro, diretor das empresas de São Paulo. Vinte e quatro horas antes
de esgotado o prazo de trinta dias, solicitou o Sr. Nascimento Brito nova
prorrogação por mais 30 dias, que lhe foi dada. Aconteceu, porém, o inesperado
para o Sr.
Nascimento Brito. No dia 6 de janeiro deste ano, quando ainda em pleno vigor a
opção para a compra da TV Cultura de São Paulo, teve início a campanha contra a
invasão estrangeira no campo do rádio, da televisão e da imprensa. Parece que
isso caiu como uma bomba na área do diretor-superintendente do 'Jornal do
Brasil'.
Fora "O Globo" e o seu diário, o resto da comunidade da imprensa falada e
escrita ficou ao nosso lado. O Sr. Nascimento Brito contou até dez e voltou à
estaca zero. Restou o ressentimento contra nós.
"Os planos - continua Calmon - do conhecido homem de imprensa, ao que estou
informado, não eram modestos. Incluíam a aquisição do controle acionário do
Canal 11(1V Diário Carioca), do Rio de Janeiro. Pediu-nos opção, não para o
'Jornal do Brasil' ou para a 'Rádio Jornal do Brasil', mas em seu nome. Além
dessa
tentativa de compra, estabeleceu contato em Belo
Horizonte para aquisição da TV Alterosa, de Minas Gerais. Vejam bem: por que um
homem que não dispunha de 200 milhões de cruzeiros há três ou quatro anos,
aparece, de repente, com disponibilidade suficiente para comprar estações de
televisão num triângulo que representa, sob certos aspectos, mais de 70 ou 80%
da economia brasileira e conta com mais de 70 ou 80% dos receptores existentes
no Brasil? 12 muito fácil de responder, uma vez que o segredo é de Polichinelo.
Diante
da demora da solução do caso do grupo Time-Life com o grupo TV Globo, o Sr.
Nascimento Brito iniciou demarches
NOTA DE RODAPÉ:
126. Ibidem,p. 99-100.
pag:163
com um outro consórcio americano. Tenho a impressão de que atrás das negociações
do Sr. Nascimento Brito estava o grupo da ABC (American Broadcasting Co.). Ele
reeditaria apenas os acordos feitos com o Sr. Roberto Marinho. Compraria as
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A história secreta da Rede Globo
estações com dinheiro americano e, depois, tudo seria ~~so1vido dentro do
esquema já
inaugurado pelo grupo Time-Life no Brasil. Creio estar explicando esse súbito
amor entre o 'Jornal do Brasil' e 'O Globo'. E justifica-se o seu ressentimento
para conosco"127.
Globo e JB desligam-se da ABERT
No dia 31 de janeiro de 1966, a TV Globo e a Rádio Globo desligaram-se
~8AssOciação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (ABERT). Na carta em
que a
Globo solicitou o desligamento a Calmon, que era presidente da ABERT, Roberto
Marinho afirmava: "acreditamos que assim V. Exa. ficará mais à vontade para a
campanha
que vem fazendo contra essa emissora" 128, Mais tarde, também a Rádio Jornal do
Brasil decidiu pedir o desligamento da ABERT,0 que foi revelado por Calmon no
dia 11 de março de 1966129.
11 de fevereiro de 1966: Associação Interamericana de Radiodifusão apoia
ABERT
No dia 10 de fevereiro de 1966,João Calmon participou em Montevidéu de um
Congresso da Associação Interamericana de Radiodifusão (AIR) e expôs aos
delegados
do Uruguai, Argentina, Chile, Peru e Venezuela aluta da Associação Brasileira de
Emissoras de Rádio e Televisão (ABERT) contra a penetração do capital
estrangeiro nas
empresas de comunicação do Brasil. "No dia 11 - lembra Calmon- a AIR, que
congrega as estações de rádio e TV das três Américas, aplaudiu a atuação da
ABERT e de
seu presidente. Na mesma oportunidade, o Brasil foi escolhido para sede do
organismo regional sul do Continente, cabendo-me a presidência. A nossa campanha
alcançou,
portanto, o apoio da maior organização interamericana no campo do rádio e da
televisão" 130
Reclamatória de Rubens Amaral
No dia 22 de janeiro de 1966,0 ex-diretor-geral da TV Globo, Rubens
NOTA DE RODAPÉ:
12?. Ibidem ,p. 101-2.
128. Ibidem,p. 64.
129. Ibidem ,p. 97.
130. Ibidern,p. 84.
pag:164
Amaral, demitido em dezembro de 1965, entrou com uma reclamatória na Justiça
reivindicando direitos trabalhistas decorrentes de "demissão indireta". Na
reclamatória,
conforme já referimos anteriormente, Amarai acusou a Joseph Wailach, assessor
técnico de Time-Life junto à Globo, de ingerências na administração da empresa
brasileira.
A reclamatôria de Rubens Amaral teve grande repercussão, pois comprovava a
inconstitucionalidade da "assessoria técnica" prestada por Time-Life à Globo.
Evidentemente, Roberto Marinho não perdeu tempo para buscar um acordo com Rubens
Amaral. E no dia 10 de março de 1966, Rubens Amaral voltou atrás e acabou
enviando a Roberto Marinho uma carta neutralizando suas afirmações feitas na
Justiça do Trabalho. O próprio Roberto Marinho, em seu depoimento à CPI
Globo/Time-Lífe, relatou o episódio:
"O Sr. Rubens Amaral apresentou, no dia 22 de fevereiro, a reclamação
trabalhista, dando, à colaboração que o Sr. Joseph Wallach me emprestou, o
caráter de
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A história secreta da Rede Globo
intervenção indébita. Mas logo que meditou, que viu a exploração que estava
sendo feita na televisão em torno de sua petição à Justiça do Trabalho,
apressou-se em
me procurar para declarar (por escrito): 'Ante as explorações que vêm surgindo
em torno do meu afastamento da TV Globo, sinto-me no dever de revelar que outro
motivo não
me moveu que não fosse o acima declarado. Infelizmente, apesar dessa longa e
atuante convivência, não encontrei melhor alternativa que a de procurar
estabelecer
em juízo as nossas divergências administrativas, circunstanciais, porém, às
relações entre o empregador e seu empregado; em busca de reparação dos meus
direitos é que escolhi
este caminho. Por oportuno, desejo concluir reafirmando que a todo tempo muito
me honrei de trabalhar na Rádio Globo e na TV Globo, onde sempre vi exemplos de
lealdade
e de brasilidade e empenho na defesa dos interesses do País e nem se poderia
esperar outra atitude de uma empresa pertencente e dirigida exclusivamente por
brasileiros
que, em sua longa vida pública, somente visaram o nobre exercício das altas
responsabilidades da imprensa falada e escrita"' 131.
Mais adiante, em seu depoimento à CPI~ Roberto Marinho deu mais detalhes sobre o
acordo feito com Rubens Arnaral: 'O Senhor Rubens Amaral quando se formou a
TV Globo, como meu velho amigo de 21 anos, prestou serviços inestimáveis na
formação da TV Globo e eu achei que deveria remunerar o Sr. Rubens Amaral,
retribuir
essa dedicação do Sr. Ruhens Amaral, dando-lhe de presente dez mil cotas dia TV
Globo. Agora, com o afastamento do Sr. Rubens Amaral, readquirimos essas cotas,
naturalmente
NOTA D ERODAPÉ:
131. CÂMARA DOS DEPUTADOS, Op. cit. p. 38. (Depoimento de Roberto Marinho).
pag:165
e valorizadas e fizemos um acordo com o Sr. Rubens Amaral na Justiça ista,
recentemente" 132.
Também na CPI, Rubens Amaral detalhou que pedira cerca de Cr$ 140 milhões de
indenização na Reclamatória. Com o acordo, Marinho pagou Cr 5 milhões de
indenização e readquiriu as cotas que lhe foram doadas por
,6 milhões, totalizando Cr$80 milhões que seriam pagos em prestações ais. Pelo
menos, isso é o que foi oficialmente concedido para Rubens Amaral 133.
Calmon reeleito presidente da ABERT
No dia 11 de março de 1966, João Calmon foi reeleito para mais um dato de três
anos na presidência da Associação Brasileira de Emissoras de
e Televisão. Compareceram à Assembléia Geral Extraordinária de mais de
quatrocentas emissoras da maioria dos estados e
foi eleito por unanimidade 134, A eleição foi considerada como um político à
campanha movida por Calmon contra a infiltração do estrangeiro nas empresas de
comunicação.
Além disso, alguns dias numa sessão do Sindicato das Empresas de Rádio e
Televisão da abara, com todas as emissoras de televisão representadas- com
exceção da
Globo - foi aprovada uma moção de solidariedade a Calmon, por sua atitude "em
defesa da classe"135.
24 de março de 1966: Ca1mondí~ coletiva à imprensa internacional
No dia 24 de março de 1966, João Calmon deu uma entrevista coletiva à imprensa
internacional que teve repercussão mundial em vista das denúncias de infiltração
de
capital estrangeiro na imprensa e nas emissoras de radiodifusão brasileiras.
Estiveram presentes à coletiva representantes dos Seguintes órgãos: Agência ANSA
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A história secreta da Rede Globo
(Itália);
"Time", CBS, "New York Times", Adido de Imprensa da Embaixada dos EUA, "MC
Graw
Hill", UPI, Associated Press (EUA); "lhe Economist", BBC, Agência Reuters,
"Daily Express", "Daily Telegraph" (Inglaterra); France Press, "France Soir"
(França); Ag~ncía Tass (União Soviética) e "Finanz Wirtschaft - Zurich"
(Alemanha) 136
NOTA DE RODAPÉ:
132. Ibidem ,p. 38.
133. Ibidem ,p. 60. (Depoimento de Rubens Amaral).
134.CALMON,op.cit 94.
135. CÂMARA DOS DEPUTADOS O~. cit., p. 64. (Depoimento de João Calmon),
136.CALMON.Op.citp 110.
pag:166
Críada a CPI Globo/Time-life
No dia 30 de março de 1966, foi oficialmente criada a Comissão Parlamentar de
Inquérito (CPI) que investigou as ligações da Organização Globo com o grupo
norteamericano
Time-Life. A CPI foi composta por dez deputados da Aliança Renovadora
Nacional - Arena (Cunha Bueno, Aderbal Jurema, Djalma Marinho, Medeiros Neto,
Raul de Gois, Elias do Carmo, Manoel Taveira, Geremias Fontes, Geraldo Guedes,
Eurípedes Cardoso e o suplente Arnaldo Nogueira); e por cinco deputados do
partido
oposicionista, o Movimento Democrático Brasileiro - MDB (César Pietro, Mário
Piva, Clodomir Leite, Levy lavares, Roberto Satumino e o suplente Ário Teodoro).
Foram
eleitos, presidente, o deputado Roberto Saturnino e vice-presidente, o deputado
Medeiros Neto. Foi nomeado relator o deputado Djalma Marinho e como
relator-Substituto;
o deputado Mário Piva.
A CPI teve o importante papel de tratar publicamente de um assunto que vinha
sendo conduzido sigilosamente pela Comissão de Investigações do Ministério da
Justiça, pelo CONTEL e até mesmo pelo Banco Central, que se negavam a divulgar
os contratos firmados entre a Globo e o grupo Time-Life ou mesmo a informar
sobre o
andamento da apuração dos fatos 137, Calmon revela ainda que, "por
coincidência", os boletins do Banco Central que continham os valores das
remessas de dólares do
Time-Life para a Globo, começaram a atrasar muito, depois de criado o escândalo
138, Carlos Lacerda, em seu depoimento à CPI, lembrou que "enquanto V Exas.
procuram apurar os fatos assim, em público, esses mesmos documentos, esses
mesmos argumentos levam o carimbo de secreto do Conselho Nacional de
Telecomunicações. Secretos os
documentos? Não. Secretas, sim, as influências que anulam o poder desses
documentos. Secretas as influências que retardam as decisões"
139,
Reações militares
No dia 14 de abril de 1966, o General Justino Alves Bastos, Comandante do 1110
Exército enviou a João Calmon a seguinte mensagem: "Desejo expressar ao digno
amigo
a excelente impressão que recebi de sua elucidativa entrevista na televisão, em
Porto Alegre, no dia 3 próximo passado. Estou certo de que a vigilância do
Governo
do Marechal Castelo, bem como a patriótica pregação do nobre deputado, evitarão
as ameaças reveladas por
NOTA DE RODAPÉ:
137.E CÂMARA DOS DEPUTADOS Op. cit. ,p. 13. (Depoimento de João Calmon),
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l38.Ibidem,p. 13.
139. Ibidem,p. 71. (Depoimento de Carlos Lacerda).
pag:167
Vossa Excelência e tramadas dentro e fora do nosso território" 140.
Por outro lado, em entrevista concedida aos Diários Associados, o general Peri
Bevilácqua, ministro do Superior Tribunal Militar, fez as seguintes declarações
sobre
a infiltração do capital estrangeiro nas empresas de comunicação: "É fora de
dúvida que essa intromissão e conseqüente influência alienígena sobre a opinião
pública
comprometem a segurança nacional. É um caso de policia. É um atentado frontal à
Constituição dos Estados Unidos do Brasil. Não apenas a Constituição, mas também
o Código Brasileiro de Telecomunicações é violentado, quando estrangeiros
indesejáveis são admitidos em parceria por brasileiros esquecidos do seu dever
de obediência
à lei do País e à organização de telecomunicações que lhes foram concedidas pelo
Estado. O Estado pode e deve cassar tais concessões, por inadimplemento da Lei"
141,
A intervenção de Roberto Campos
Em pleno processo de debate e apuração de denúncias contra a Globo pela Comissão
Parlamentar de Inquérito, pelo Conselho Nacional de Telecomunicações e
Pela Comissão de Investigações do Ministério da Justiça- os ministros da área
econômica do governo Castelo Branco participaram de um programa de televisão, na
TV Tupi de São Paulo, e assumiram uma posição que pode ser taxada, pelo menos de
"condescendente" em relação à infiltração inconstitucional do capital
estrangeiro nas empresas
de comunicação. Nessa entrevista, os ministros afirmaram desconhecer a
legislação e as proibições da Constituição e procuraram descaracterizar o papel
do capital
estrangeiro nessas empresas, confundindo-o com simples "financiamentos".
"Parece-me - disse Lacerda - extremamente construtiva a lição de ignorância
exibida pelos ministros: o das Finanças e o do Planejamento" 142, A entrevista
dos ministros
Otávio de
Bulhões, da Fazenda, e Roberto Campos, do Planejamento, foi no programa
"Pinga-Fogo" da TV Tupi de São Paulo, sendo conduzida pelo jornalista Joaquim
Pinto Nazário:
"JOAQUIM PINTO NAZÁRIO (Pergunta) - Como é que Vossas Excelências apreciam
as
denúncias sobre capitais estrangeiros na imprensa, no rádio e na televisão no
Brasil?
MINISTRO OTÁVIO BULHOES (Responde) - Eu ouço falar sobre essa invasão, mas
não
estou a par. Não sei responder. Eu sei que, constitucio-
NOTA DE RODAPÉ:
140. CALMON. Op. cit.,p. 157-8.
141. Ibidem,p. 158.
142. CÂMARA DOS DEPUTADOS. Op. cit., p.l7. (Depoimento de Carlos Lacerda).
pag:168
nalmente, a imprensa deve ser nacional. Não deve ser estrangeira. Agora, por que
há jornais estrangeiros, porque há revistas estrangeiras, eu não sei.
MINISTRO ROBERTO CAMPOS (Responde) - Eu nada tenho a acrescentar. Isto é
uma
denúncia e o Governo fez o que lhe compete: criar uma Comissão de
Inquérito sob a orientação e supervisão do senhor ministro da Justiça. Essa
Comissão de Investigação apurará os fatos.
JOAQUIM PINTO NAZÁRIO - Então eu queria apenas pedir um esclarecimento ao Sr.
ministro da Justiça ou ao Sr. ministro do Planejamento. Como é possível que a
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A história secreta da Rede Globo
Superintendência da Moeda e do Crédito (SIJMOC) registre a entrada de capitais
estrangeiros destinados a órgãos de divulgação no País?
MINISTRO OTÁVIO BULHOES - Isso eu não sei se acontece.
JOAQUIM PINTO NAZÁRIO (Esclarecendo) - Consta de uma revista que foi
apresentada
na televisão, a revista da SUMOC (Nazário queria referir-se ao Boletim do
Banco Central da República, exibido por Calmon) e onde se registra a entrada de
capital estrangeiro destinado a órgãos de divulgação do Brasil.
MINISTRO OTÁVIO BULHOES - E eles registram isto?
JOAQUIM PINTO NAZÁRIO - Sim,
MINISTRO OTÁVIO BULHOES - Isto eu não sei.
MINISTRO ROBERTO CAMPOS - Eu também não sei bem a resposta porque há dois
tipos
de capital estrangeiro: o investimento direto e o financiamento. O
financiamento certamente é registrável e desejável, porque a própria indústria
nacional, o rádio e a televisão dependem, em vários casos, de financiamentos
estrangeiros. É possível que o que tenha sido reportado na revista da SLJMOC
seja financiamento a empresas jornalísticas do Brasil. Se há ou não
investimentos diretos registrados,
eu não sei. Eu também não conheço bem a legislação. Não sei se é possível ou não
a participação minoritária de interesses estrangeiros. É algo que escapa ao meu
conhecimento,
mas com toda a probabilidade a documentação a que se referiu deve ser sobre
financiamentos e há numerosos financiamentos. Inclusive esta estação (a
TV Tupi de São Paulo)
deve ter sido financiada pelo exterior e esses créditos de financiamentos devem
ter sido registrados, Mas, francamente, não é matéria que eu tenha investigado"
143,
A entrevista mereceu o seguinte comentário de João Calmon: "Ora, se o ministro
da excepcional importância do Sr. Roberto Campos, que manipula o orçamento e
controla os auxílios e financiamentos estrangeiros, procura fazer tão deplorável
confusão entre financiamentos ilegais, por um grupo que
NOTA DE RODAPÉ:
143 CALMON .Op.cit.,p.149-50
pag:169
participa do lucro e da receita bruta do empreendimento, e financiamentos de
rotina para importação de equipamentos, evidentemente o grupo estrangeiro, no
caso Time-Life, por certo estará tranqüilo 144.
A superficialidade com que os ministros da área econômica trataram os problemas
levantados não era, por certo, casual. O governo implantado em 1964 tratava de
contornar as resistências que surgiam, inclusive na área militar, mas manobrava
para garantir a implantação da
TV Globo, que seria instrumento fundamental na política
De internacionalização da economia através da criação de um mercado nacional de
produtos industriais sofisticados. Roberto Campos era figura notoriamente
identificada com
os interesses do capital estrangeiro e também Otávio Gouveia de Bulhões, que
mais tarde chegaria a ser presidente da poderosa multinacional Ericsson, da
indústria eletrônica
que, juntamente com a Standard Eletric e a Nippon Eletric Company (NEC),
controlaram o mercado brasileiro de telecomunicações, criado com maciços
investimentos do Governo após 1964.
Por outro lado, Carlos Lacerda identificou a posição de Roberto Campos com a de
Weston Pullen Jr. , diretor do grupo Tirne-Life, que defendeu a participação
minoritária de grupos norte-americanos nas empresas brasileiras de comunicação,
para contornar as restrições legais a estrangeiros, que existem em vários países
da América
Latina: "Quando interpelado sobre as condições desta operação, disse ele
Página 109
A história secreta da Rede Globo
(Roberto Campos) não ver nada de mau num financiamento em caráter minoritário.
Não é
financiamento. Não há economista, principiante e reprovado em segunda época,
capaz de confundir financiamento com investimento, e muito menos há alguém que
se deixe
iludir por, esta sim, estranha coincidência: o ministro do Planejamento
considera normal, considerava, naquela ocasião, a posição minoritária de um
grupo estrangeiro
na TV Globo. O Sr. Pullen, responsável por esta posição, definia-a como o ponto
um da política adotada pelos grupos de televisão e rádio dos Estados Unidos para
poderem
entrar nessas áreas da América Latina" 145.
Calmon chamou a atenção para as responsabilidades políticas e administrativas do
ministro Roberto Campos, que assumia publicamente posições favoráveis à
presença inconstitucional do capital estrangeiro' no Brasil: "Como sabemos, o
ministro Roberto Campos, além de ser o responsável pela elaboração do Orçamento,
portanto,
pela manipulação dos cruzeiros, é também o responsável por todo o problema de
dinheiro estrangeiro ,empréstimos, financiamentos, auxílios" 146.
NOTA DE RODAPÉ:
143. CALMON. Op. cit,p. 149-50.
144. Ibidem ,p. 150.
145. CÂMARA DOS DEPUTADOS. Op. cit., p.7 1.(Depoimento de Carlos Larcerda).
146. Ibidem,p. 39. (Depoimento de João Calmon).
pag:170
Prossegue Calmon: "O titular do Planejamento procurou defender as transações do
Sr. Roberto Marinho com o grupo americano, dizendo não conhecer bem os
detalhes do problema. E mais: nem sabia se, de fato, os acordos feriam a
Constituição do Brasil. O ministro Roberto Campos é um homem bem informado e
culto. Não
linha, pois, o direito de proclamar publicamente sua ignorância em relação a
esse ponto, que diz tão de perto aos superiores interesses da Nação que ele
ajuda a administrar.
Todos sabem, menos o Sr. Roberto Campos, que a Constituição do Brasil não
permite nenhuma participação de capital estrangeiro, ou mesmo de estrangeiros,
na área do rádio,
do jornal e da televisão. Não permite nem sequer uma participação na base da
compra de uma única ação. O pior é que o ministro do Planejamento, com a sua
inegável
inteligência, quis confundir esse tipo de financiamento espúrio, ilegal e
inconstitucional, com um financiamento de rotina, que beneficia todas as
estações de rádio
e televisão e a imprensa deste País. Todas as emissoras de rádio e televisão,
jornais e revistas importam o seu equipamento do exterior. Como não têm
capacidade para pagar à
vista as rotativas, as linotipos e os transmissores, estas empresas brasileiras
obtêm o financiamento e efetuam o pagamento ao longo de cinco anos, geralmente
nas seguintes
bases: 1O%por ocasião da assinatura do contrato; l0%quando da entrega dos
documentos de embarque e 40% com garantia de uma carta de crédito brasileira,
confirmada por um
Banco estrangeiro. Este é o financiamento de rotina que se conhecia no Brasil.
Este financiamento do Time-Life, que não é Banco, mas uma empresa proprietária
de revistas,
de estações de rádio e televisão, é estranhíssimo. O grupo Time-Life já mandou
para a
TV Globo quase cinco milhões de dólares. Como a TV Globo vai pagar esse
dinheiro?
Em prestações trimestrais ou anuais? Não! Esse financiamento vai ser pago com
uma participação no lucro e na receita bruta da
TV Globo. Ora, quem participa da receita
e do lucro de uma empresa precisa também participar da orientação dessa empresa.
Página 110
A história secreta da Rede Globo
Isso é necessário porque de uma determinada orientação pode resultar maior ou
menor receita,
maior ou menor lucro. O que o grupo Time-Life está fazendo com a TV Globo é uma
burla da legislação brasileira. E é uma burla grosseira, porque há técnicos que
não
são empregados da TV Globo. São empregados do grupo Time-Life. Que não recebem
em cruzeiros - recebem em dólares, em Nova Iorque. Que não são subordinados à
Direção
da TV Globo, dessa concessionária brasileira, mas são subordinados aos seus
patrões norte-americanos, que vivem nos Estados Unidos.
"Portanto, o ministro Roberto Campos não tinha o direito de tentar confundir o
financiamento de rotina, para a compra de equipamento, com esse tipo de
financiamento, que envolve o controle indireto de uma estação de televisão
brasileira por um grupo estrangeiro. O ministro Roberto Campos,
pag:171
nesse episódio, errou e errou gravemente. Como ele é um ministro que desfruta de
enorme prestígio, muita gente o considera um super-ministro, uma espécie de
primeiroministro.
Adotando essa atitude, deu um grande alento a esse grupo estrangeiro
Time-Life" 147.
O envolvimento direto e indireto de Roberto Campos na associação da Globo com o
Grupo Time-Life também se evidencia por outros fatos. O advogado que assistiu a
Globo na assinatura dos contratos com o grupo Tirre-Life foi Luiz Gonzaga do
Nascimento Silva, que trabalhou na equipe de Roberto Campos. Nascimento Silva
ocupou
altos postos nos governos pôs-64, sendo presidente do Banco Nacional da
Habilitação (BNH) e ministro do Trabalho no Governo Castelo Branco e ministro da
Previdência
Social no Governo Geisel. Registra-se também que a assinatura dos contratos
Globo/Time-Life e as primeiras remessas de dólares ocorreram, lembra Lacerda" -
não há
nisto insinuação, é apenas uma questão de referência cronológica quando era
embaixador em Washington o ministro Roberto Campos" 148.
João Calmon também aponta outro forte indício do envolvimento de Roberto Campos
com uma estratégia de implantação de grupos estrangeiros na área da
comunicação, mencionando ocaso da tentativa de compra da TV Cultura de São
Paulo, dos Diários Associados: "O Sr. Roberto Marinho também tentou comprar,
pelo grupo
Iime-Life e eu não sabia que naquela época era tão profundamente ligado esse
grupo ao Sr. Roberto Marinho e
TV Globo - ele tentou comprar essa mesma TV Cultura de
São Paulo, que havia despertado interesse no grupo dos Mórmons (grupo
estrangeiro, que também tentava adquirir emissoras no Brasil). Quem foi o
intermediário da
compra? Foi o Sr. Harold Polland, que é um homem de confiança da equipe do Sr.
Roberto Campos; e um detalhe muito importante: também em virtude dessa sua
condição de elemento
de confiança do Sr. Roberto Campos, foi nomeado presidente do Conselho Nacional
de Economia" 149.
As ligações de Roberto Campos com o capital norte-americano transparecem de
muitas maneiras. João Calmon mostra uma delas, citando o jornal "lhe Houston
Post",
do "dia 8 de maio de 1964, seção segunda, página 7, em que se anuncia para as
sete horas da noite uma entrevista sobre uma vista do Brasil, um aspecto do
Brasil, pelo Sr.
Roberto Campos, ministro do Planejamento escolhido ou apontado - appointed, diz
o jornal - pelo
NOTA DE RODAPÉ:
147.CALMON.Op. cit., p. 121-123.
Página 111
A história secreta da Rede Globo
148. CÂMARA DOS DEPUTADOS. Op. cit.,p.72. (Depoimento de Carlos Larcerda).
149. Ibidem,p. 11. (Depoimento de João Calmon).
pag:172
presidente Johnson (dos EUA) e que será entrevistado" 150.
João Calmon também lembra as ligações de Roberto Campos com o grupo
norte-americano "Vision Imc," que editava no Brasil a revista "Visão" e estava
eufórico com
a possibilidade de plena atuação no Brasil, apesar dos impedimentos
constitucionais: "Volto a dizer que uma das causas dessa euforia foi certamente
o lapso - ou a
imprudência - do ministro Roberto Campos quando permitiu que seu nome aparecesse
num anuário editado por essa organização com o título de 'Progresso 65-66',
anuário
esse que declara ser uma edição especial de 'Vision' - em castelhano. No anuário
o nome do ministro Roberto de Oliveira Campos aparece como 'Conselheiro
Especial', acima do nome do diretor, por sinal um cidadão norte-americano,
Nicholas Raymon, e de outros americanos como Robert Brown e uma senhora, Marilyn
Hofner, enfim,
uma série de cidadãos americanos. O ministro Roberto Campos, acredito que à sua
revelia, teve o seu nome destacado como membro do Conselho Editorial de uma
edição
especial da revista 'Visão"' 151.
Mas o fato mais grave que liga Roberto Campos aos interesses da Rede Globo e do
grupo norte-americano Time-Life foi também revelado por João Calmon: "Se o
presidente da República tem o seu SNI, eu tenho também a minha rede de
informações, constituída por amigos e admiradores desta campanha, verdadeiros
'Voluntários
da Pátria', prontos a trazer a meu conhecimento o que se passa nos bastidores
desta Nação. Por um destes informantes, por exemplo, soube, e anteriormente já o
revelei, que uma
alta figura da vida brasileira havia procurado o comandante Euclides Quandt de
Oliveira, ponderando ao presidente do Conselho Nacional de Telecomunicações que
a sua decisão sobre o caso Time-Life deveria ser protelada, uma vez que o
assunto seria enquadrado em artigos de uma nova Lei de Imprensa, já em
elaboração no seio do Governo.
Com essa manobra, a alta autoridade a que me referi pretendia adiar a decisão
por um ou dois anos. E sabem quem tomou a iniciativa de procurar o comandante
Euclides Quandt de Oliveira? Nada mais, nada menos do que o Sr. Roberto Campos,
homem tão poderoso e tão acima do bem e do mal que não teve escrúpulos em
consentir que seu
nome, como já informei, aparecesse como membro do Conselho Editorial do anuário
de uma revista estrangeira, 'Visão', precisamente a publicação que comanda a
esquadrilha-pirata que bombardeia com dólares fáceis a pobre imprensa
brasileira. Mas o ministro do Planejamento, que julgávamos absorvido pelos seus
gráficos e fórmulas
anti-inflacionárias, desce às vezes de suas alturas para
NOTA DE RODAPÉ:
150. Ibídem, p. 37. (Depoimento de Roberto Marinho)
151. CALMON, Op. Cit, p.152
pag:173
tarefas de menor porte. Ainda recentemente, em companhia do diretor da Agência
Nacional e do presidente do Instituto Brasileiro do Café, procurou fazer um
levantamento de dinheiro em empresas estatais e para estatais, a fim de pagar
certa publicidade comemorativa do segundo aniversário do movimento de 31 de
março. Essa tentativa
de assalto aos cofres públicos foi bravamente repelida pelo marechal Ademar de
Queiroz, presidente da Petrobrás, que se negou a contribuir com a parcela de
Cr$ 7 milhões
para o 'bolo' publicitário. Atitude digna de um administrador honrado que não
Página 112
A história secreta da Rede Globo
quis que se confundisse o Governo do marechal Castelo Branco com o governo
anterior,
quando as verbas das autarquias e dos Institutos eram divididas entre amigos,
como numa Sociedade de Socorros Mútuos. 12 claro que os altos padrões de
dignidade
e compostura da administração atual entram em conflito com atitudes como a que
acabo de apontar, dando nome aos bois. (..,) No episódio Time-Life, ele (Roberto
Campos)
está agindo de modo a dar uma péssima impressão. Aliás, diga-se de passagem, a
cobertura publicitária que esse grupo dá ao ministro do Planejamento é enorme.
Ganha
espaços de estrela de cinema"'52.
Rejeitado Parecer do DCT que pedia cassação
Carlos Lacerda, no seu depoimento à CPI Globo Time-Life conta como foram
progressivamente sendo desarmadas as posições contrárias à Globo no Conselho
Nacional de Telecomunicações: "Quinze de abril de 1966, nova reunião
infrutífera, onde foi rejeitada uma moção do representante do órgão por
excelência desses assuntos,
segundo as atribuições que lhe dá o C6-digo de Telecomunicações. Esse parecer,
Sr. Presidente, eu preferia que a Comissão o requisitasse. 12 longo, não me
permitiria
lê-lo. Mas é sobretudo um ato de integridade, embora vão, ou pelo menos
provisoriamente vão. Ali se confirma a conclusão da Divisão Jurídica (parecer
emitido em agosto de
1965) e se vai além, pois ali se põe em questão como, permita que diga, a meu
ver, ela realmente está posta. Se está violada a Constituição, não há que dar
prazo
ao violador para promover um casamento político. Trata-se de promover as medidas
cabíveis para fazer cessar os efeitos da violação, ou seja, a cassaçil7o do
canal, pois é esta
a penalidade; enquanto não a inovarem ou substituírem, esta é a que está em
vigor"153-
NOTA DE RODAPÉ:
152. Ibidem,p. 155-157.
153. CÂMARA DOS DEPUTADOS. Op.cit., p. 72. (Depoimento de Carlos Lacerda)
pag:174
26 de abril de 1966: CONTEL decide "dar tempo" à Globo
Em sessão realizada no dia 26 de abril, o Conselho Nacional de Telecomunicações
(CONTEL) finalmente deliberou sobre a representação do ex-governador da
Guanabara, Carlos Lacerda, que havia gerado o processo CONTEL 13.300-65. O
parecer assumido pelo CONIEL foi aprovado - conforme diz a decisão oficial
divulgada em
21 de maio de 1966 - com oito votos a favor e nenhum contra. Mas é preciso que
se entenda o contexto em que se chegou a esta decisão.
Em agosto de 1965, já havia um parecer claro da Divisão Jurídica do
CONIEL constatando a violação da Constituição e recomendando a cassação
da concessão da TV Globo. Em 3 de setembro de 1965, o representante do
Ministério da Justiça, Hugo Lisboa Dourado, contestou o parecer da Divisão
Jurídica com outro parecer que tinha conclusão diametralmente oposta:
"Em conclusão, tendo em vista o que foi exposto, entendemos que: a) não há nada
no processo que possa justificar a aplicação de qualquer pena à
TV Globo Ltda.; b)
não poderá ser levado em consideração o parecer da Divisão Jurídica, por ter
faltado ao Sr. diretor os elementos indispensáveis para uma melhor apreciação do
assunto; c) se
existe realmente alguma relação de subordinação da TV Globo Ltda, à Iime-Life
Inc., esta não se deixou mostrar nos elementos constantes do processo, não
podendo
Página 113
A história secreta da Rede Globo
o CONTEL manifestar-se sobre possibilidades ou hipóteses". 154.
No dia 22 de fevereiro de 1966, o mesmo Hugo Lisboa Dourado, emitiu novo
parecer, ratificando os termos do parecer anterior e acrescentando as seguintes
propostas:
"Assim urge uma elaboração legislativa cujos textos de lei vedem expressamente
às empresas que explorem serviços de radiodifusão, quer sonora ou de imagens o
seguinte:
a) firmar contrato de assistência técnica, quer com pessoa física ou jurídica,
cuja retribuição pelos serviços recebidos seja por meio de uma determinada
porcentagem
da receita ou do lucro; b) celebrar contratos de financiamentos em proporções
excessivas ao capital social e recursos fornecidos pelos próprios acionistas,
proporção
esta a ser fixada pelo CONIEL em ato regulamentar. (Entendendo-se por
financiamento não só o puro e simples, como ainda o aleatório como a
participação em lucros, a sociedade
em conta de participação ou qualquer outra forma negocial com participação em
lucros). (..~) d) estabelecer cláusula contratual de locação do imóvel ou
equipamento
cujo aluguel seja expresso em uma participação na receita ou lucro; e) qualquer
espécie de convênio, acordo, ajuste ou contrato, com empresas estrangeiras,
relacionados
com a administração, operação e
NOTA DE RODAPÉ:
154. Ibidem,p. 75.
pag:175
programação da estação; 1) programação que não seja preparada pelas próprias
emissoras ou por firmas nacionais cujos cotistas, acionistas, diretores,
gerentes e
administradores sejam brasileiros natos; g) a exibição de programas de origem
estrangeira que ultrapassem a proporção mínima de 30%do horário da programação.
(...) Outros sim, deverá constar expressamente na lei, que as atuais
concessionárias ficarão obrigadas a adaptar-se à nova lei, no prazo de 90 dias,
a partir de sua publicação,
sob pena de cassação" 155.
Os princípios formulados nesse parecer foram posteriormente incorporados, de uma
forma bem mais liberal à participação do capital estrangeiro, num anteprojeto de
Lei proposto pelo CONTEL Mas a luta política, nos bastidores do Governo era
grande e, em 13 de abril de 1966, o "Estado de São Paulo" divulgava posições
surgidas
no CONTEL e as ameaças que pesavam sobre seu presidente, Euclides Quandt de
Oliveira: "Enquanto isso, o Conselho Nacional de Telecomunicações chegava à
conclusão
de que os acordos entre O Globo e Time-Life ferem a Constituição; isso não foi
divulgado oficialmente, mas em caráter reservado. O presidente do CONTEL,
comandante Euclides Quandt de Oliveira, por enquanto não deixará o cargo; o
governo resolveu recuar e mantê-lo naquele órgão" 156.
O CONTEL acabou acatando os princípios do parecer do conselheiro Hugo Lisboa
Dourado e o parecer final teve a seguinte redação: "Um exame minucioso dos
pareceres do relator e dos aspectos levantados e discutidos durante as reuniões
efetuadas levam-nos à seguinte conclusão:
CONSIDERANDO:
- que sob o título de assistência técnica administrativa há referências a
notícias, publicidade, orientação e assistência técnica;
- que, mais de uma vez, é citado um elemento de Time-Life com atribuições
equivalentes a gerente-geral da TV Globo;
- que Iime-Life terá uma participação equivalente a 45% dos lucros líquidos da
TV Globo;
- que Iime-Life e a firma Ernest & Ernest poderão visitar e inspecionar, com
Página 114
A história secreta da Rede Globo
acesso direto a livros, arquivos, contratos, faturas, documentos de caixa e
comprovantes,
e além disso, poderão discutir com funcionários da TV Globo os negócios da
TV Globo em matéria contratual;
- que além dos 45% dos lucros líquidos, a TV Globo pagará, por contrato, a
Tirne-Life 55%das despesas especificadas em contrato e mais 3% das receitas
brutas da emissora, corno parte da remuneração da assistência técnica prestada;
NOTA DE RODAPÉ:
155. Ibidem ,p. 75.
156. ALMEIDA FILHO. Op. eit.,p. 49.
pag:176
- que a experiência já acumulada no setor de radiodifusão mostra que não há
necessidade de assistência técnica estrangeira em prazos longos;
- que está prevista para ações judiciais de vulto em que esteja envolvida a
TV Globo a participação de um advogado brasileiro de Time-Life;
- que a TV Globo, para ampliar suas instalações, mesmo que não aquelas
arrendadas por Iime-Life, terá que obter autorização de Time-Life;
SOMOS DE PARECER:
19 - Que muito embora existam no contrato cláusulas que declaram expressamente
obediência à legislação brasileira, a soma de atos até aqui citados mostra uma
gama
de compromissos econômicos e administrativos, como ressaltou o relator, de tal
ordem que impede a afirmação de que Time-Life não este já participando, mesmo de
maneira indireta, da orientação e administração da TV Globo. Desta forma, os
contratos celebrados entre Time-Life e
TV Globo, tal como estão, não poderão ser aceitos pelo
Conselho Nacional de Telecomunicações. Há necessidade de uma revisão geral dos
mesmos, de maneira a ajustá-los inequivocamente à letra e ao espírito do artigo
160 da Constituição
Federal e legislação vigente. Para isso opinamos no sentido de se conceder à
TV Globo o prazo máximo de noventa dias.
29 - Que tal medida não impedirá que o assunto venha a ser reexaminado, caso os
resultados das investigações que se desenvolvem através da comissão especial
tragam à luz novos documentos cujo teor indique a necessidade de tal reexame.
39 - Que, por outro lado, sentimos todos a necessidade de que a lei ordinária
venha a regulamentar, com a precisão que se impõe, o artigo 160 da Carta Magna,
em particular, como propõe o relator. Acrescentamos, porém, que a medida
proposta deve ser tomada simultânea mas independentemente do processo que
estamos examinando.
Para isso, deve ser constituída no Conselho, imediatamente, uma comissão para
elaborar anteprojeto de lei a ser sugerida ao Sr. presidente da República,
através do ministro da Justiça" 157.
Tudo indica que a decisão tomada no dia 26 de abril foi muito difícil:
"Não queria deixar de salientar - disse Carlos Lacerda - que a decisão final do
CONIEL(...)é um desses curiosos documentos cuja conclusão é contraditória com
todas as premissas. A decisão do CONTEL afirma que houve burla e infringência da
Constituição e das leis e conclui dando um prazo de noventa dias ao inferior
para continuar
o negócio, desde que possa mascará-lo mais um pouco" 158.
Lacerda também é bastante explícito na denúncia da existência de uma
NOTA DE RODAPÉ:
157. CÂMARA DOS DEPUTADOS. Op. cit.p. 76. (Depoimento de Carlos Lacerda).
158.Ibidem,p. 75.
pag:177
Página 115
A história secreta da Rede Globo
articulação urdida pelo Governo para beneficiar a Globo: "Os Conselheiros que
receberam ordem do Governo para votar a favor de Roberto Marinho são:
José Antônio Marques, representante do Itamaraii; Haroldo Corrêa de Mattos, da
EMBRATEL, empresa estatal cujo presidente é da escolha pessoale - seja-me
permitido,
com todo o respeito, mas é fato que, de passagem, não posso deixar de mencionar,
porque a simples omissão pareceria maliciosa - sobrinho do presidente da
República; Hugo Dourado, representante do Ministério da Justiça, nomeado pelo
presidente João Goulart, e foi o relator do processo, autor dos dois pareceres
cujas conclusões acabei
de ler. Estavam presentes à reunião final, além desses três, os Srs. coronel
Carlos Afonso Figueiras, representante do DCI; comandante Fernando Cota Portela,
representante
do Ministério da Marinha; coronel Pedro Schneider, representante do Ministério
da Guerra; coronel Hélio Gomes do Amaral, vice-Presidente, representante do
Estado Maior
das Forças Armadas - EMFA e redator do parecer final; Dr. Gonçalo Iorrealba,
representante do Ministério da Educação; e Capitão-de-Mar-e-Guerra Euclides
Quandt de Oliveira, presidente.
"Pelo Código Brasileiro de Telecomunicações, decisões desse tipo são tomadas
somente por maioria absoluta - qualquer decisão ou resolução. Sendo, atualmente,
o CONTEL composto de dez membros, entre os quais o presidente só vota para
desempate, seriam necessários seis votos para aprovar a proposta da Divisão
Jurídica, que era da
cassação do canal da TV Globo. Cinco foram neutralizados, isto é, dois postos a
viajar e três com ordens especiais em matéria de votação; os demais cinco nada
puderam
fazer. Os cinco que ficaram impotentes diante da ausência prévia de dois e da
submissão prévia de três, são exatamente, nem de propósito, o representante do
DCI, o representante do Ministério da Marinha, o representante do Ministério da
Guerra, o representante do estado Maior das Forças Armadas e o representante do
Ministério da Educação. Veja V. Exa. que os cinco representantes dos órgãos de
segurança nacional, do órgão de cultura nacional e do órgãos, por lei, mais
diretamente vinculado
ao problema, Departamento de Correios e Telégrafos, ficaram inutilizados no seu
voto, por causa da ausência premeditada de dois e do comprometimento prévio de
três" 159.
É interessante relembrar a trajetória de alguns dos membros do
CONTEL que participaram dessa decisão histórica favorável à Globo: Euclides
Quandt de Oliveira, ministro das Comunicações no Governo Geisel; Haroldo
Corrêa de Mattos, ministro das Comunicações no Governo Figueiredo.
NOTA DE RODAPÉ:
159. Ibidem,p. 75.
pag:178
Ministro da Justiça referenda CONTEL
Em despacho datado de 17 de maio de 1966, o ministro da Justiça, Mem de Sá,
acolheu todos os considerandos e propostas do parecer do Conselho Nacional de
Telecomunicações sobre as ligações Globo / Time-Life e determinou o seguinte:
"Do acurado exame dos elementos constantes desse processo, verifica-se que a
situação jurídica da empresa concessionária carece de revisão a fim de não ferir
a letra e o espírito do Artigo 160 da Constituição Federal, aos quais se deve
inequivocamente ajustar. Conforme propõe o parecer do Conselho Nacional de
Telecomunicações,
fixo o prazo de noventa (90) dias para que a concessionária tome as providências
necessárias a sanar a referida situação. Aplaudo, doutra parte, a resolução do
CONIEL, de
constituir uma Comissão com a finalidade de elaborar anteprojeto de lei, que
regule com precisão e resguarde com clareza o interesse nacional, em
Página 116
A história secreta da Rede Globo
conformidade com o
preceito do mencionado artigo da Constituição de 1946. Remeta-se o processo ao
CONTEL, para os devidos fins, notificando-se a interessada Em 17 de maio de
1966. Dr. Mem de Sá" 160.
20 de maio de 1966: CONTEL formaliza prazo da Globo
Com base no despacho do ministro Mem de Sá, da Justiça, de 17 de maio de 1966,0
Conselho Nacional de Telecomunicações oficializou sua posição à Globo, com a
seguinte decisão:
"a) fixar o prazo de 90 (noventa) dias para que a TV Globo Ltda. ajuste,
inequivocamente, os contratos celebrados com Time-Life, à letra e ao espírito do
Artigo 160
da Constituição Federal e legislação vigente, muito embora existam nos contratos
cláusulas que declaram, expressamente, a obediência à legislação brasileira, a
soma de fatos
até aqui citados, mostra uma gama de compromissos econômicos e administrativos
de tal ordem que impedem a afirmação de que Time-Life não esteja participando,
mesmo de maneira indireta, da orientação e administração da TV Globo;
"b,) que tal medida não impedirá que o assunto venha a ser reexaminado, caso os
resultados das investigações que se desenvolvem, através da Comissão Especial,
tragam à luz novos documentos, cujo teor indique a necessidade de tal reexame.
Rio de Janeiro, 20 de maio de 1966. a.) Euclides Quandt de Oliveira -
Capitão-de-Mar-e-Guerra - presidente do CONTEL" 161.
NOTA DE RODAPÉ:
160. CALMON, Op. cit.,p. 219.
161. Ibidem, p. 220.
pag:179
Globo recorre da decisão do CONTEL
e festeja com o presidente Castelo Branco
Carlos Lacerda revelou à CPI Globo/Time-Life, em seu depoimento do dia 11 de
agosto de 1966, que a Globo havia entrado com um recurso junto ao presidente da
República contra a decisão do Conselho Nacional de Telecomunicações, apesar
desta lhe ter sido favorável. Revelou ainda que em pleno período de exame do
recurso
da Globo, envolvendo fatos tão graves, o presidente Castelo Branco não deixou de
comparecer a festas promovidas pela empresa de Roberto Marinho:
"Esse recurso tem efeito suspensivo e se encontra em mãos do Sr. presidente da
República Este, de posse de um recurso do Sr. Roberto Marinho contra uma decisão
do
CONIEL, que aos pedaços, conseguiu chegar a alguma, deu um prazo ao Sr. Roberto
Marinho para, ao menos cobrir com um véu de pudícia a indecência O Sr.
presidente
da República, de posse do recurso com efeito suspensivo, deixa passar os dias e
não decide sobre o recurso que, assim, mantém em suspenso, isto é, inexecutada,
a decisãodo CONTEL. E, como se quisesse prejulgar ou anunciar por via oblíqua a
sua decisão, vai se exibir nas festas de 'O Globo', ao lado do cabeça do grupo
incriminado. É
como se um juiz, tendo em suas mãos os autos para decidir, comparecesse, a
pretexto de uma festa em família, ao batizado da filha do réu. Eis a que
chegamos, Srs.
Deputados.Eis a que combinações de complacência, de corrupção pela lisonja, que
é uma forma sub-reptícia, mas terrivelmente eficaz, de corromper. E se
porventura, em algum
tempo, no Brasil a corrupção pela violência, a corrupção pelo dinheiro foram as
formas dominantes, hoje, sem dúvida, as tônicas da corrupção são a coação pelo
temor psicológico,
a corrupção pela vaidade e pela lisonja, que se apossaram do País"1 62.
Página 117
A história secreta da Rede Globo
Mais adiante em seu depoimento, Lacerda gerou um tumulto na sessão da CPI ao
discutir o comportamento de Castelo Branco, lembrando o episódio do seqüestro,
de um cartório carioca, da escritura de venda do prédio da Globo ao Time-Life:
"Pois bem, Srs. deputados, a certa altura mandei ver no cartório em que estava
registrado um desses contratos e as páginas do contrato no cartório foram
rasgadas.
Não sou eu quem o diz. 12 a Justiça do Estado da Guanabara que abriu inquérito
sobre o assunto e aqui tenho o documento respectivo. E até hoje não se sabe quem
rasgou.
Chego a arrepender-me de ter contribuído, quando deputado, para atenuar um pouco
as duras exigências do ensino do latim, pois talvez já se pudesse, a esta
altura, perguntar sem risco de não ser
NOTA DE RODAPÉ:
162. CÂMARA DOS DEPUTADOS. Op. cit., p.7 1. (Depoimento de Carlos Lacerda),
pag:180
entendido lá fora: Cuiprodest? A quem aproveita o ato de rasgar o original de um
contrato no cartório, quando isto está sob investigação no CONTEL e na Câmara?
Pois bem, esses rasgadores de escritura em cartórios continuam a distribuir a
Ordem do Mérito e a dizer quem neste País, a merece ou não, e exibindo-se em
toda a parte, sub judice, mas não sub judice no Poder Judiciário; sub judice do
poder de quem tem todos os poderes nesta triste e lúgubre fase da vida
brasileira. E este que o há de julgar, e este
a quem compete decidir, exibe-se com o acusado para dar-lhe a certeza, e a todos
nós, a garantia da impunidade"l63.
As referências agressivas a Castelo Branco provocaram uma irada reação do
deputado Eurico de Oliveira, autor do pedido de criação da CPI
Globo/Time-Life:
"Sr. presidente, protesto contra as afirmações do Sr. Carlos Lacerda em relação
ao Sr. presidente da República, cuja majestade deve ser respeitada. (Plenário
Não
apoiado, Não apoiado). Vaias não me intimidam. Sou deputado da Oposição e fui eu
quem convocou o Sr. Carlos Lacerda, a quem respeito, mas não posso aceitar essas
insinuações de 5. Exa.. Estamos aqui para apurar os fatos e não para fazer
acusações. (...) Orgulho-me de ser da Oposição, mas não posso aceitar que a
majestade
de um presidente da República seja atacada dessa forma.(Plenário: Não apoiado.
Tumulto)". 164
Superado o tumulto, Lacerda retomou a palavra e depois de louvar a iniciativa de
criação da CPI, pedida pelo deputado Eurico de Oliveira, voltou ao assunto:
"Sei bem o que deve representar para 5. Exa. incorrer nas iras de 'O Globo'. Sei
bem o sacrifício a que se expôs, os riscos que está correndo, e espero que os
que
o trouxeram a essa Casa repitam, na próxima eleição, essa confiança, pois seu
ato de coragem ninguém poderá apagar. Quanto às expressões, não creio que 5.
Exa. Tenha interpretado bem ou talvez deva crer que não me expliquei bem. Não
feri a majestade do Poder Executivo. Referi-me à pessoa do juiz que se exibe em
público com o
acusado que está sujeito ao seu julgamento. Este é o fato. Fiquei no fato, e
este fato está documentado fotograficamente. Este fato não é uma suposição, uma
ilação, uma dedução,
uma especulação. Ë um fato, como é um fato que o CONTEL deu ao senhor Roberto
Marinho o prazo de noventa dias para, como se diz no Exército, regularizar a sua
situação. Recorreu ele a um expediente legal, o de recurso suspensivo ao
presidente da República. E o presidente, que prometera providências há dois
anos, já agora, tendo em mãos o poder de
Página 118
A história secreta da Rede Globo
NOTA DE RODAPÉ:
163. Ibidem,p. 71.
164. Ibidem,p. 71.
pag:181
dar ou não provimento ao recurso - na sua, esta sim, soberania, no seu, este
sim, majestático poder - não o exerce. Portanto, se alguém aqui feriu a
majestade do chefe do
Executivo, foi ele próprio, não eu. (Plenário: Muito bem. Palmas)"165.
Em outros momentos do seu depoimento, Lacerda não poupou criticas a Castelo
Branco, procurando demonstrar que a complacência do presidente da República em
relação à inconstitucional associação de Globo e Time-Life decorria de decisão
política consciente. E mais, Lacerda já identificava no comportamento do
presidente da República o resultado da hegemonia de um bloco de poder
multinacional e associado que ajudou a conduzir o golpe de 1964 e foi
progressivamente ocupando o poder
governamental, excluindo até mesmo outras frações da burguesia nacional. As
referências feitas por Lacerda à atuação do Instituto de Pesquisas e Estudos
Sociais (LPES), que foi o grande instrumento de luta política dos setores
ligados ao desenvolvimento capitalista associado, delineia alguns contornos das
forças políticas que sustentavam
a implantação da Rede Globo. As declarações de Lacerda também são importantes
porque constituem a única analise da época que se expunha por inteira - mesmo
com sua
ótica bastante singular - sobre o verdadeiro significado político da associação
entre Globo e Time-Life:
"Realmente fomos observando, aqueles que temos certo treino profissional de
jornalista, e mesmo por dever profissional de cidadão, a maneira como se
preparava tudo
isto em nome da defesa da liberdade de iniciativa, que eu defendo de graça, como
defendo a liberdade dos brasileiros e a liberdade dos estrangeiros no Brasil, em
pé de igualdade com os brasileiros, não superiores a eles em vantagens,
privilégios e garantias. Tudo isso se ia preparando no Brasil de forma estranha
e insólita. O Sr. Harold
Polland, o Sr. Glycon de Paiva, este o apóstolo do 'crescei mas não
multiplicai-vos' , e outros constituíam, dentro do IPES, de que era então
funcionário, o mais graduado, o general da reserva Golbery do Couto e Silva -
uma espécie de Dr. Goebels para uso de países subdesenvolvidos - um secretariado
que era uma espécie de eixo de uma
conspiração dentro da outra, de uma sub-revolução que acabaria por ser, como é,
uma contra-revolução. Estavam estimulando no Brasil a formação de um controle de
opinião pública, de um controle sobre a opinião, de tal modo que a meus olhos,
como aos de outros informados - e se mais não foram é porque mais não chegaram a
ser informados
- encontra-se o perigo progressivo e crescente de, dentro em breve, não saber
mais o povo o que lhe interessa saber, mas o que pelo menos a outro povo
interessa.
O povo não vai formar a sua opinião segundo os tópicos, as agendas, as
orden5~dO-dia,os
NOTA DE RODAPÉ:
165. Ibidem,p.72.
pag:182
assuntos, os temas, os problemas, as soluções que no livre debate se apresentem
ao país, mas, sim, segundo as tendências, os interesses criados ou por criar
daqueles que tenham de fora para dentro interesses aqui Este é, a meu ver, o
problema crucial apresentado por esta questão e é isto que se tem procurado a
todo custo evitar
que a Câmara, na sua lúcida compreensão política, e esta Comissão, no seu dever
constitucional e regimental, venham a denunciar. Há de me ser permitido, Sr.
presidente, salientar
Página 119
A história secreta da Rede Globo
com todo o respeito, com o mais cordial, o mais sincero e também o mais profundo
respeito, perante esta Comissão, o quadro da sua responsabilidade, mais do que
nunca
acrescida, pois, como se verá, o CONTEL não foi capaz de ter a coragem de tomar
a decisão que ele próprio adotou, porpressão. E pressão de quem? Pressão do Sr.
presidente da República, Marechal Humberto de Alencar Castelo Branco, que em
troca dos elogios de 'O Globo', a meu ver prevaricou" 166.
Mais adiante em seu depoimento, Lacerda continuou insistindo no significado
político da implantação da Globo, como instrumento de controle da opinião
pública: "E
aí se vai vendo, pouco a pouco, como Time-Life representa, na realidade, nesta
operação, um biombo de grupos interessados em se apossarem da economia Nacional.
Este
é que é o ponto. Não se trata das revistas Time-Life. Ë que, através do grupo
Time-Life, que se apossou do uso e gozo do canal da televisão 'O Globo', estes
grupos
podem intervir, agora, na opinião pública brasileira, e impunentemente, e mais
do que impunentemente, com a cobertura por omissão das Forças Armadas do Brasil
Estas até aqui nenhuma responsabilidade tinham, nem nisto, nem em nada das
loucuras que, como se costuma dizer, os políticos praticam. Mas quando, pela
primeira vez na história
deste País, as Forças Armadas assumem, pelo seu presidente em exercício e pelo
seu indigitado sucessor, a total e exclusiva responsabilidade do que acontece e
do que deixa
de ocorrer ao povo brasileiro, é impossível não interpelá-los, como se
interpelou Caim sobre o que estão fazendo de seu irmão Abel, os cidadãos deste
País. Se elas - que têm ainda mais do que nós, pois se têm como nós o dever da
vigilância patriótica, têm ainda o dever da vigilância profissional - se
ausentarem, se omitirem, se disserem que por
ali não passaram os contratos de Time-Life, vejam como fica a Marinha, que tem
um dos seus membros presidindo o CONTEL; vejam como ficam os órgãos da
segurança
nacional, todos representados no CONTEL e a dois dos quais, para evitar a
maioria absoluta, que era praticamente inevitável, deram-se missões na Europa,
como aos civis restantes deram-se ordem terminantes - um deles é o representante
do Itamarati - para que votassem a favor do Sr. Roberto Marinho"167
NOTA DE RODAPÉ:
166. Ibidem,p. 69.
167. Ibidem ,p. 70.
pag:183
Ainda na CPI, Lacerda voltou a tocar na importância política do
controle dos meios de comunicação pela associação como capital estrangeiro:
"Confrontem o Sr. presidente da República com o seu dever, pois aqui, sim, posso
dizer, como há pouco um eminente deputado o disse: não é possível que, num homem
de
organização cívica e de profissão militar, certas tentações ou certas
complacências se sobreponham ao seu dever para com a Nação que jurou governar.
Ode que se trata
é do domínio progressivo das fontes de informação no Brasil e, portanto, da
formação de sua opinião pública, da influência sobre a mentalidade do seu povo
que, quanto
menos escola tem, mais influência recebe da televisão, desse instrumento
revolucionário de verdade, com o qual se pode transfigurar uma nação (Plenário:
muito bem), com
o qual se pode libertar ou subjugar um povo. Que por aqui não se permita - a
pretexto seja do que for, desde a civilização ocidental até a religião cristã -
por via direta, ou, ainda pior,
oblíqua, por uma associação que a lei define e condena, a progressiva entrega
das fontes de informação da opinião brasileira a interesses pelo menos
comerciais, mas, em todo o caso, também políticos de nações que, por mais
aliadas que sejam, não são senhoras nossas, interesses que, por mais
respeitáveis que sejam, não se sobrepõem àquele,
este dominante é permanente, de formação de uma opinião pública verdadeiramente
Página 120
A história secreta da Rede Globo
livre, pois só o é na medida em que for verdadeiramente informada" 168.
CPI condena Globo
No dia 22 de agosto de 1966, a Comissão Parlamentar de Inquérito que investigou
as ligações da Globo com o grupo norte-americano Time-Life aprovou, por
unanimidade, o parecer do relator Djalma Marinho que, como corolário de uma
longa argumentação, apresentou as seguintes conclusões:
"1º) Os contratos firmados entre TV Globo e Time-Life ferem o artigo 160 da
Constituição, porque uma empresa estrangeira não pode participar da orientação
intelectual e administrativa de sociedade concessionária de canal de televisão;
por isso, sugere-se ao Poder Executivo aplicar à empresa faltosa a punição legal
pela Infringência daquele dispositivo constitucional;
2º) Deve ser remetida ao Poder Executivo cópia autêntica dos autos desta
Comissão de Inquérito, para comprovação das providências sugeridas;
3º) A mesa da Câmara dos Deputados criará, nos termos do Regimento Interno, urna
Comissão Especial, interpartidária, para elaborar legislação específica sobre
televisão (incluindo-se também rádio e jornal), para preservar
NOTA DE RODAPÉ:
168. Ibidern,p. 72-3.
pag:184
a sua nacionalização, dada a presença de capitais estrangeiros nas organizações
que exploram essa atividade.
Brasília, em 22 de agosto de 1966- deputado Djalma Marinho, relator"
NOTA DE RODAPÉ:
169. Ibídem. p.6 (Parecer do relator, Deputado Djalma Marinho).
pag:185
1967 E 1968: A "LEGALIZAÇÃO" DA GLOBO
Indeferido recurso da Globo
Inconformado com a decisão do Conselho Nacional de Telecomunicações, ainda que
este tenha produzido apenas brandas medidas contra os
vínculos estabelecidos entre a Rede Globo e o grupo Time-Life, Roberto
Marinho - isto é, a TV Globo Ltda. - apresentou ao presidente da República
um recurso fundamentado no artigo 24 da Lei 4.117 de 27 de agosto de 1962.
Além disso, "em conformidade com o § 3P do citado artigo, pediu suspensivo
para seu recurso".
Deferir o recurso da Globo contra uma decisão que, objetivamente, lhe
tinha sido favorável, seria comprometedor demais para o Presidente da
República. Não havia outra alternativa para Castelo Branco senão indeferir o
recurso da Globo, conforme despacho publicado no Diário Oficial de 14 de
fevereiro de 1967.
Globo não se conforma; Castelo "chuta" para a frente
Inconformada com o indeferimento, pelo presidente Castelo Branco, do recurso
contra a decisão do Conselho Nacional de Telecomunicações (CONTEL), a Rede
Globo continuou procurando ganhar tempo e encaminhou um pedido de
"reconsideração". Em 3 de março de 1967, Castelo pediu o parecer do
consultor-geral da República.
Em resposta, o consultor Adroaldo Mesquita da Costa emitiu um longo parecer,
datado de 8 de março, onde propôs que se atendesse o pedido de reconsideração da
Página 121
A história secreta da Rede Globo
Globo. Ante o parecer desse Consultor, Castelo preferiu "lavar as mãos" e, dois
dias antes de passar a Presidência da República para o marechal Artur da Costa e
Silva, no dia 13 de
março de 1967, pediu novas diligências. Com isso, a decisão quanto ao pedido
pag:186
de reconsideração da Globo foi transferida, junto com o cargo de Presidente da
República, para o marechal Costa e Silva (Cf. Anexo 7).
O parecer do consultor-geral da República, Adroaldo Mesquita da Costa, porém,
incluiu informações importantes. Este parecer registrou as conclusões
diametralmente
opostas, nos ponto básicos" a que chegaram os membros integrantes da Comissão
Especial designada pelo ministro da Justiça para apurar as denúncias de
infiltração
estrangeira na imprensa e nas emissoras de radiodifusão. O presidente da
Comissão Especial, Dr. Gildo Corrêa Ferraz, procurador da República, apresentou
seu relatório
com as seguintes conclusões, aqui sintetizadas:
1) Ficou caracterizado o "vínculo societário' 'entre Globo e Time-Life.
2)0 contrato de Assistência Técnica firmado entre Globo e Time-Life. oferece
ensejo à influência alienígena", circunstância agravada com a não exibição,
pelos
estrangeiros a serviço de Time-Life, "de qualquer certificado de curso de
especialização" tendo estes se apresentado apenas como "executivos".
3) A venda do prédio da Globo implicou num "incremento maciço no investimento"
pelo grupo Time-Life e não uma simples garantia pelos empréstimos obtidos pela
empresa brasileira.
4)0 numerário fornecido a Time-Life "contribuiu decisivamente para o
empreendimento sendo utilizado na aquisição do terreno, construção do edifício e
mesmo para
capital de giro". Além disso, o capital enviado por Time-Life à TV Globo Ltda.
foi escriturado na conta de "aumento de capital" a crédito de Roberto Marinho.
5) A participação de Time-Life no negócio foi de quase dez vezes o patrimônio da
Globo. Esta participação, junto com a compra do prédio da Globo e a posse
de notas
promissórias "com vencimento em aberto", determinaram um predomínio financeiro
que levou à ingerência dos assessores de Time-Life sobre a empresa brasileira.
6) A Globo não suportaria os prejuízos de instalação de emissora - que até março
de l966chegavama Cr$ 4.090.067.182,00 sem o afluxo de dólares de Tlme-Life.
7) A Globo incluiu indevidamente entre seus bens registrados em balanço o
edifício e as instalações já alienadas desde 11 de fevereiro de 1965,
procedimento este que
evidencia irregularidades: "As contradições em que incidiu o senhor Roberto
Marinho evidenciam a anormalidade das negociações encetadas com 'Time-Life'. A
infidelidade do balanço e dos balancetes encobre a situação econômica da 'TV
Globo".
8) "A expansão do domínio de 'Time-Life' pôs em risco a própria segurança
nacional, pois já se encontram sob controle, nas mesmas condições
pag:187
da TV Globo, os bens adquiridos pelo senhor Roberto Marinho à Organização Victor
Costa, compreendendo entre outros, a TV Paulista e a 1V Bauru. E o perigo de
propagação pelo país é iminente, dado que o senhor Roberto Marinho possui, em
tramitação no CONTEL, pedido de concessão de trinta e seis emissoras de rádio,
algumas
com canal de televisão, nas capitais e cidades mais populosas".
Todas essas conclusões foram contestadas pelos dois outros membros da Comissão
Página 122
A história secreta da Rede Globo
Especial: o tenente-coronel Rubens Mário Brum Negreiros, da Secretaria do
Conselho de Segurança Nacional e o senhor Celso Luiz Silva, gerente 'de
Fiscalização e Registro de Capitais Estrangeiros do Banco Central. Os dois
manifestaram-se
contrariamente a cada uma das conclusões do presidente da Comissão, apresentando
um voto em separado. Sobre essas conclusões divergentes pela Comissão, assim se
manifestou Roberto Marinho em carta que respondia a uma matéria publicada pelo
"Jornal da Tarde":
"Esta Comissão, pela maioria dos seus dois membros, coronel Brum Negreiros, do
Conselho de Segurança Nacional, e Sr. Celso Silva, chefe dos serviços
estrangeiros
do Banco Central, chegou a resultados completamente favoráveis à TV Globo,
conclusões essas que desmoralizaram completamente nossos detratores. Basta ler
esse trabalho, que foi amplamente divulgado, para se verificar o absurdo da
afirmação do 'Jornal da Tarde'. O que a comissão apurou é que não havia
interferência estrangeira
na TV Globo, que as operações financeiras foram legítimas, feitas abertamente,
através de um banco oficial, que houve a comunicação antecipada de parte da TV
Globo às autoridades, enfim, que houve absoluta correção no que foi por nós
feito. É bem verdade que o terceiro membro dessa comissão, o procurador Gildo
Ferraz, não acompanhou
o parecer de seus colegas e resolveu apresentar um voto separado. Trata-se de um
documento apaixonado e fantasioso e que não representa a Comissão Especial de
Inquérito,
representada, obviamente, pela sua maioria" 170.
O parecer do consultor-geral da República, Adroaldo Mesquita da Costa, também
revelou que, no processo em que foi pedida pela Globo a reconsideração da
decisão
do CONTEL, não constaram as conclusões da Comissão Parlamentar de Inquérito da
Câmara Federal. Estranhamente, deste processo, constou apenas uma "alegação da
parte interessada", isto é, um registro, uma "opinião" da Globo sobre o
resultado da CPI:
"O processo - diz o informe da Globo - da Comissão Parlamentar de Inquérito não
chegou a nenhum resultado definitivo legítimo, tais as ilegalidades ocorridas na
sua conclusão, denunciadas de público pelo eminente Deputado Eurípedes Cardoso
de Menezes. Não levaram, por isso, ao
NOTA DE RODAPÉ:
170. ALMEIDA FILHO. Op. at.,p. 55.
pag:188
conhecimento do plenário da Câmara dos Deputados".
Esta opinião da Globo sobre os resultados da CPI que lhe foram frontalmente
contrários - está mais detalhada numa manifestação de Roberto
Marinho:
"O que se verificou na Câmara foi vergonhoso. A comissão, uma tarde, reuniu-se
com apenas três de seus membros, mais o presidente. Regimental. mente era
obrigado
a reunir-se com um quorum mínimo de sete deputados. O relator fez às pressas um
relatório verbal, o que não lhe era permitido. O presidente da Comissão havia
pedido
ao ministro da Justiça as conclusões da Comissão de Alto Nível, nomeada pelo
presidente da República para fazer investigações sobre a possível 'infiltração'
de capitais
estrangeiros na imprensa. Essas conclusões foram enviadas à Câmara. Mas, antes
de recebê-las, o relator fez o seu parecer oral baseando-se no voto do
procurador Gildo Ferraz, enviado clandestinamente para o presidente da Comissão
Parlamentar de Inquérito, considerando esse voto minoritário como o parecer da
Comissão de Alto Nível.
Os três membros 'decidiram'. O presidente da comissão posteriormente colheu a
Página 123
A história secreta da Rede Globo
assinatura de outros deputados não presentes à reunião clandestina e assim se
fez o quorum... O
que houve foi tipicamente um escândalo, que devia não ser aplaudido, mas
estigmatizado pela imprensa" 171.
No seu parecer, o consultor-geral da República, Adroaldo Mesquita da Costa,
examinou os vínculos estabelecidos entre a Globo e o grupo Time-Life e
confrontou-os
com as restrições constitucionais e da Lei 4.117. O consultor registrou que "as
conclusões dos que estudaram, sindicaram, perquíriram e analisaram o assunto,
são
divergentes". Mas desviou o assunto registrando, também, que em todas as
conclusões apontava-se a necessidade de "urgente elaboração legislativa" para
vedar expressamente o estabelecimento de vínculos como os mantidos entre Globo e
Time-Life. O consultor-geral da República aponta que foi por isso que as
sugestões do
conselheiro Hugo Lisboa Dourado, do CONTEL, foram incorporadas ao Decreto-Lei nº
236 de.28 de fevereiro de 1967 - promulgado com base no Ato Institucional n.02 -
que alterou e especificou a Lei 4.117.
Com essa argumentação, o consultor-geral concluiu que nada havia de ilegal nas
ligações entre Globo e Time-Life. Isto porque os contratos firmados entre essas
duas empresas declaravam expressamente que o grupo norte-americano estava
impedido de "possuir ações de capital da TV Globo" ou de "interferir direta ou
indiretamente
na direção ou administração da TV Globo". E, segundo o jurista, simplesmente por
terem sido feitas estas declarações, os vínculos estabelecidos entre as duas
empresas estariam
NOTA DE RODAPÉ:
171. Ibidem,p.55.
pag:189
enquadrados "na letra e no espírito" da legislação vigente.
"Argumenta-se, agora - afirmou o consultor-geral da República - que tais
contratos poderão 'vir a ser inconvenientes, a ponto de tornar frágeis os
artigos da
Constituição e da lei que pretendem impedir a ingerência estrangeira...' é
datavênia, submetera restrição de direitos ao sabor de critérios subjetivos que
podem gerar danosa
insegurança para os empréstimos, além de ferir o invocado princípio comezinho do
Direito: o que alemão proíbe é legal.
"A prova de que a lei não proibia - prosseguiu o consultor - está na recente
expedição do Decreto-Lei a0 236, que, além das proibições do artigo 160 da
Constituição
Federal, erige à categoria de proibição o que foi considerado inconveniente nos
contratos celebrados entre a TV Globo e Time-Life".
O consultor-geral Adroaldo Mesquita da Costa defendeu ainda que não podia pedir
retroatividade do Decreto-Lei nº 236: "Se, posteriormente, tais contratos são
considerados inconvenientes, podem ser evitados, mediante legislação nova (o que
se fez), nunca, porém, invalidados ou retificados, sem quebrado princípio da
legalidade".
O final do parecer do consultor-geral da República, Adroaldo Mesquita da Costa,
incluiu a defesa de que não havia controle do capital ou da Organização Globo
pelo
grupo Time-Life, nem ocorreu interferência intelectual ou administrativa da
empresa norte-americana sobre abrasileira. E concluiu propondo ao presidente da
República
o atendimento do pedido de reconsideração formulado pela Globo contra a decisão
do CONTEL, que havia determinado uma simples reformulação dos contratos firmados
Página 124
A história secreta da Rede Globo
entre Globo e Time-Life. Foi então que o marechal Castelo Branco pediu
diligências complementares e transferiu a decisão para o marechal Costa e Silva.
O Marechal Costae Silva "legaliza" a Globo
As diligências complementares determinadas pelo presidente Castelo Branco, no
seu despacho do dia 11 de março de 1967, estabeleciam que o Conselho Nacional de
Telecomunicações (CONTEL) verificasse se não havia "atribuição de poder de
gerência ou de orientação intelectual ou administrativa a estrangeiros", e que o
Banco Central do Brasil verificasse a "regularidade das remessas cambiais,
registro de capitais e modalidades de sua remuneração". (cf. Anexo 8)
O CONTEL manifestou-se afirmando que não havia sido constatada nenhuma
intromissão de estrangeiros, pois se isso tivesse sido apurado, esclareceu o seu
presidente, comandante Euclides Quandt de Oliveira, "o remédio a aplicar teria
de ser outro: a cassação da concessão".
pag:190
O Banco Central respondeu dizendo que "para o integral cumprimento das
diligências atribuídas ao Banco Central, necessário se torna nos sejam
encaminhadas todas
as peças do processo que se encontra em poder do CONTEL". O envio desse
processo, ou "de todas as peças do processo", não foi feito e para dar
cumprimento à
determinação presidencial, o consultor-geral da República, Adroaldo Mesquita da
Costa, resolveu então recorrer, mais uma vez, ao antigo parecer dos dois membros
da Comissão Especial do Ministério da Justiça que foram favoráveis à Globo.
Esses dois - Celso Luiz Silva, gerente de Fiscalização e Registro de Capitais
Estrangeiros do
Banco Central, e o tenente-coronel Rubens Mário Brum Negreiros, da Secretaria do
Conselho de Segurança Nacional - afirmaram o seguinte, no parecer que foi
simplesmente transcrito pelo consultor-geral Adroaldo Mesquita da Costa:
"9. Não houve nenhum propósito de subtrair qualquer informação sobre as
operações, que não se revestiram, em absoluto, de qualquer caráter de
clandestinidade. As
autoridades brasileiras foram informadas antes da assinatura dos diferentes
contratos e durante o curso de novas negociações.
"6. As operações financeiras foram todas realizadas através de bancos oficiais
ou para tal autorizados e tiveram o caráter de financiamento aleatório".
Com o simples registro desse parecer - que não acrescentava nenhum dado novo,
pois fora emitido antes da determinação, por Castelo Branco, de novas
investigações
foi dada como feita a diligência junto ao Banco Central.
Com base nesses elementos, o consultor-geral da República, Adroaldo Mesquita da
Costa assim concluiu: "De conseguinte, as investigações procedidas, apenas
robusteceram as conclusões do Parecer nº 490-H, desta Consultoria, que, assim,
permanece sem qualquer alteração". Isto é, o consultor-geral da República,
manteve seu
parecer favorável ao acolhimento da representação da Globo contra a decisão do
CONTEL, já emitido para Castelo Branco. Esse segundo parecer favorável à Globo
foi firmado pelo consultor-geral em 20 de outubro de 1967. A aprovação pelo
presidente da República, marechal Artur da Costa e Silva, entretanto, só viria
um ano mais tarde: em
23 de setembro de 968. Nesta data, o marechal Costa e Silva "legalizou"
definitivamente a Rede Globo.
pag:191
VII
Página 125
A história secreta da Rede Globo
A CONSTRUÇÃO DA GLOBO E O NOVO BRASIL
pag:192
pag:193
A ESTRATÉGIA GLOBAL
O fortalecimento financeiro
Entre 16 de julho de 1962 e 12 de maio de 1966, a TV Globo recebeu do grupo
Tirne-Life um total de US$ 6.090.730,53 o que era equivalente, a câmbio de maio
de
1966, amais de Cr$ 10,120 bilhões (Cf. Anexo 3). É preciso considerar, porém, na
análise dessas cifras que a expressão do mercado, publicitário e da receita da
emissora
de televisão, naquela época, era muito menor que atualmente. O ingresso de mais
US$6 milhões numa emissora de televisão tinha, na época, muita expressão.
A Globo e seu associado norte-americano mobilizaram todos os recursos
necessários para uma montagem impecável da emissora. E os dólares fluíram
conforme as
necessidades iam surgindo. Não havia, oficialmente, qualquer contrato regulando
as remessas de dólares. Na Comissão Parlamentar de Inquérito, Roberto Marinho
declarou
que nem sabia quanto estava devendo para Time-Life e que tudo corria
simplesmente "com a condição de um acerto futuro" 172• Ainda na CPI, o deputado
Aderbal Jurema
estranhou que uma empresa do porte Time-Life "não tivesse feito um estudo
completo do desenvolvimento da
TV Globo, a fim de estabelecer um roteiro para esses
empréstimos. A mim me parece uma coisa improvisada a cada necessidade nova
Time-Life mandar a quantia respectiva" 173. Por outro lado, João Calmon, também
na CPI, estranhava que "todo dinheiro pedido aos Estados Unidos dependa apenas
de uma decisão de um Departamento da TV Globo, de brasileiros, se há sócios
americanos que têm
45%do lucra Isso violaria toda regra de bom senso"'174.
NOTA DE RODAPÉ:
172. CÂMARA DOS DEPUTADOS. Op.cit. p. 33.(Depoimento de Roberto Marinho).
173. Ibidem,p. 33.
174. Ibidem,p. 33.
pag:194
A fachada legal dos negócios entre Globo e Time, por isso, evidenciava uma
confiança quase irrestrita do grupo norte-americano na empresa de Roberto
Marinho. Em
seu depoimento à CPI, Dênio Nogueira, presidente do Banco Central da República,
assegurou que não havia nenhum contrato regulando os investimentos de Time-Life
na Globo, pelo menos no que se refere ao retorno do capital. Isto porque o
ingresso do capital é livre. O que se controla e a sua remessa para o exterior.
O grupo Time-Life,
portanto, não parecia estar preocupado com as condições de pagamento desses
investimentos - ou empréstimos, como preferia chamar Roberto Marinho - que
teriam de
ser minuciosamente avaliados pelo Banco Central e enquadrados na legislação
vigente. O procedimento normal, nesses casos, é que as condições de pagamento -
os prazos,
ritmo da amortização, carência, juros, etc. - sejam definidas antes da remessa,
para que o credor saiba exatamente qual será a remuneração do seu capital.
Aparentemente, só o Time-Life corria riscos com essas operações. Em seu
depoimento, o presidente do Banco Central, Dênio Nogueira, revelou também que
até junho de 1966 a Globo
não havia feito nenhum pagamento a Time-Life. Isto é, não estavam sendo pagos os
Página 126
A história secreta da Rede Globo
"empréstimos", nem os juros, nem os 45% sobre o lucro líquido e nem os 37~ sobre
o faturamento da TV Globo 175
O vulto da remuneração da Assistência Técnica, que era de 3% sobre o
faturamento, surpreendeu até o próprio presidente do Banco Central. Apesar
disso, Dênio
Nogueira considerou-a "útil" e advogou a simples regulamentação dessas
transações: "Uma porcentagem de 3% sobre a renda bruta de uma emissora de
televisão (...)
Não justifica ou, digamos, não seria razoável, perante apenas um contrato de
assistência técnica com duas ou três pessoas, como aparentemente ocorre,
permanecendo
à disposição da emissora; 3%da renda bruta de uma emissora é uma cifra muito
grande. Isso é mera imaginação, mas o que me parece real é que na verdade
estejamos diante de empréstimos em conta de participação, e eu advogaria como
extremamente útil para qualquer tipo de empresa no Brasil, ainda que no caso de
rádio ou de televisão,
se submetesse a existência de tais contratos a uma legislação complementar ao
artigo 160 da Constituição, para impedir que de qualquer forma houvesse o risco
de dominação da opinião por um instrumento de opinião pública, como é a
televisão ou o rádio". 176
Calmon também chamou a atenção para a desproporção do porte e do capital
mobilizado pelas duas empresas. De fato, o capital da Globo, em 1966, era de
Cr$600
milhões, pouco mais de US$200mil, ao câmbio da época 177• E
NOTA DE RODAPÉ:
175. Ibidem,p. 61-7. (Depoimento de Dênio Nogueira).
176. Ibidem,p. 65.
177. Ibidem,p. 65.
pag:195
os investimentos de Time-Life chegavam a mais de US$ 6 milhões. Isto é,
Time-Life cedeu à Globo mais de trinta vezes o valor do seu capital. Esse
negócio era feito
entre uma empresa que tinha um capital de mais de US$ 2 bilhões, o grupo
Tirne-Life, e a TV Globo com pouco mais de US$ 200 mil:
Time-Life tinha um capital dez mil vezes maior que o da Globo 178.
O apoio técnico: equipamentos, filmes, engenheiros, etc.
O grupo Time-Life não nutria a Globo apenas com dólares. Na Comissão Parlamentar
de Inquérito, Calmon denunciou a desapropriação dos recursos desfrutados pela
Globo em relação a seus concorrentes: "Trata-se de uma competição irresistível,
porque além de receber oito bilhões de cruzeiros em doze meses, uma média de
setecentos
milhões por mês, a TV Globo recebe do Grupo Time-Life três filmes de longa
metragem por dia - por dia, repito. É um fato inédito na história da televisão
deste País.
Só um 'package', um pacote de três filmes diários durante o ano todo, custam na
melhor das hipóteses, dois milhões de dólares. Então, se somarmos o dinheiro
vivo que entrou na TV Globo, oito bilhões de cruzeiros, a esses dois milhões de
dólares de filmes, e a mais equipamentos que foram comprados em nome da TV
Globo, com o aval de Time-Life,
que está sendo pago por Time-Life, somando-se a tudo isso, esse total de
financiamento talvez se aproxime da ordem de doze ou quatorze bilhões de
cruzeiros"179.
Em seu depoimento, Roberto Marinho negou-se a revelar detalhes sobre os negócios
envolvendo os filmes, por serem "assuntos administrativos da
TV Globo",
limitando-se a comentar ao deputado João Calmon, que o interpelava: "Eu queria
dizer a V. Exa. que não tenho conhecimento de que a
TV Globo tenha três filmes diários
Página 127
A história secreta da Rede Globo
de longa metragem. Toda informação que tenho é que nós fizemos um negócio
excepcional com esses filmes de longa metragem, em contradição com a suposição
de V. Exa. de que fizemos um negócio ruinoso". 18Q
Além dos dólares, além dos equipamentos e filmes, além da assessoria a nível de
gerente-geral e de assistente-de-direção - assegurada pelo contrato de
assistência
técnica - Joseph Wallach revelou a vinda periódica de engenheiros de Time-Life
para dar apoio técnico à montagem da Globo. 181
Com todos esses investimentos, de abril a dezembro de 1965, a Globo
NOTA DE RODAPÉ:
178. CALMON,. Op. cit., p. 92.
179. CÂMARA DOS DEPUTADOS. Op. cit., p. 12. (Depoimento de João Calmon).
180. Ibidem,p. 39. (Depoimento de Roberto Marinho).
181. Ibidem,p. 47. (Depoimento de Joseph Wallach).
pag:196
acusou um prejuízo de Cr$7. 127 bilhões, mais de US$3,2 milhões, ao câmbio da
época. Mas isso não preocupava Rubens Amaral, ex-diretor-geral da
TV Globo, esclareceu
que seria preciso de um ano e meio a dois anos para se começar a recuperar o
investimento, isto quando o mercado publicitário respondia bem 182. E Marinho já
relatava, em abril de 1966, uma excepcional recuperação do investimento inicial:
"O déficit da TV Globo cada vez diminui mais e estamos esperando o equilíbrio em
junho (de 1966). Talvez em julho já não tenhamos necessidade de nenhum
suprimento e talvez até o fim do ano comecemos a pagar os empréstimos" 183
Marinho também revelou que os
índices de audiência cresciam progressivamente. E os últimos boletins do IBOPE
de 1966 davam conta de que, desde janeiro, a Globo passara a ocupar os primeiros
lugares e, em abril, já estava em primeiro 184.
O aumento da qualidade técnica era acompanhado pela ampliação dos planos de
expansão: "Que representava a Organização Roberto Marinho no setor de rádio
deste
País? Esse grupo possuía a Rádio Globo e, há cerca de um ou dois anos, adquiriu
a Rádio Eldorado, do Rio de Janeiro, e também uma pequena estação de Petrópolis,
se não me engano a Rádio Imperial. E só. Depois de iniciadas essas demarches com
um grupo estrangeiro, que já lhe remeteu oficialmente oito bilhões de cruzeiros,
e através de equipamentos e filmes mais dois, três ou quatro bilhões, a TV Globo
partiu para inaugurar sua estação de televisão no Rio de Janeiro. Comprou em São
Paulo a TV Nacional,
a IV Paulista, canal 5, a Rádio Nacional, a Rádio Excelsior, a TV Bauru;
adquiriu em Porto Alegre uma estação de rádio que pertencia antes ao nosso
colega Rubens Berardo,
e adquiriu em Recife (~..) cinco estações de rádio (...) E mais do que isso. 'O
Globo', publicação do Sr. Roberto Marinho, segundo informação da Tribuna da
Imprensa, no dia 17
de março, pediu autorização ao Governo Brasileiro para instalar estações de
rádio apenas - apenas, repito - nas seguintes cidades brasileiras, tendo já três
estações no Rio de
Janeiro, Estado da Guanabara. Então, primeiro, Rio de Janeiro. Segundo, São
Paulo, Recife, Salvador, Belém, Belo Horizonte, Curitiba, Florianópolis,
Fortaleza, Goiânia, João Pessoa, Maceió, Manaus, Brasília, São Luiz, Aracaju,
Teresina, Vitória, Cuiabá, Porto Alegre, e além das capitais que acabo de citar,
ainda mais, Ribeirão Preto,
Uberaba, Campo Grande e Campina Grande. Esses pedidos foram encanminhados todos
ao Governo e publicados no 'Diário Oficial". 185
NOTA DE RODAPÉ:
182. Ibidem ,p. 58. (Depoimento de Rubens Amaral),
Página 128
A história secreta da Rede Globo
183. Ibidem, p. 33. (Depoimento de Roberto Marinho).
184. Ibidem,p. 35.
185. Ibidem ,p. 12. (Depoimento de João Calmon).
pag:197
No ar, a nova televisão brasileira:
A estratégia Global
Analisando-se mais detidamente os depoimentos dos responsáveis pela implantação
da TV Globo - Roberto Marinho, Joseph Wallach, Walter Clark
- em 1966, já podemos observar alguns princípios que levariam à construção da
Rede Globo, com operação em escala nacional.
-
Em seu depoimento à Comissão Parlamentar de Inquérito, Walter Clark já falava da
unificação da operação das emissoras do Rio de Janeiro e de São Paulo: "O que se
pretende na TV Globo é justamente criar uma operação (mica entre duas estações
de televisão dos dois estados. O Sr, Joseph Wallach assessora a TV Globo do Rio
e, se a programação da TV Globo de São Paulo é a cópia da do Rio, é evidente que
esse assessoramento se estende também à TV Globo de São Paulo" 186.
As palavras de Walter Clark soavam um pouco estranhas numa época em que não
havia fluxo regular de sinal de televisão nem mesmo entre Rio e São Paulo, o que
viria a existir apenas em 1969, com a inauguração do Tronco-Sul da EMBRAIEL,
através de comunicação via satélite. Joseph Wallach, o "assessor" de Time-Life
junto à
Globo teve papel decisivo na implantação desse novo conceito de operações. No
seu depoimento à CPI, Wallach ressaltou os méritos da Globo por se aproximar do
conceito
norte-americano de "network" 187.
Walter Clark, também na CPI, fazia escola com Wallach, aproveitando para lançar
farpas contra os Diários Associados: "Eu creio que a maior dificuldade que uma
estação de televisão pode encontrar é no terreno da competição. É defrontar-se
com uma grande cadeia de televisão, porque só um número elevado de estações
permite
o barateamento do custo. Creio que hoje no Brasil a grande dificuldade reside
nesse fato. Por exemplo, as Emissoras Associadas possuem dezoito estações de
televisão que,
praticamente, dominam todo o mercado brasileiro. Elas impõem o preço para o
talento e para os filmes, e as outras não têm condições de competir com ela" 1
88• Clark prossegue, analisando sua experiência na TV Rio: "A TV Rio nunca se
preocupou em encarar profissionalmente o negócio da televisão. A TV Rio foi
constituída pelo trabalho
de um grupo de pessoas e sustentada por condições técnicas mínimas. Não havia
por parte dos proprietários a preocupação do aprimoramento técnico. Acredito,
portanto, que nunca tenha havido
NOTA DE RODAPÉ:
186. Ibidem, p. 5 3.. (Depoimento de Walter Clark).
187. Ibidem ,p. 47. (Depoimento de Joseph Wallach).
188. Ibidem, p. 54. (Depoimento de Walter Clark).
pag:198
preocupação financeira, uma vez que seus proprietários não se interessavam em
equipar dignamente aquela estação de televisão a fim de colocá-la à altura de um
negócio que
fatura na ordem de Cr$ 800 milhões por mês" (o equivalente a mais de US$360 mil
ao câmbio da época) 189.
Dez anos mais tarde, em 1976, Joseph Wallach daria a sua primeira entrevista à
imprensa desde sua chegada no Brasil e, implicitamente, demonstrou toda a
importância que teve no processo de implantação da Rede Globo, inclusive na
direção que imprimiu ao próprio Walter Clark: "Quando cheguei, a Rede Globo
tinha cinco
Página 129
A história secreta da Rede Globo
meses, o Walter ainda não estava. O Bom, quando entrou, tinha 28 anos. Ninguém
acreditava num orçamento, as previsões eram para três meses, diziam: 'Como você
vai ter um orçamento se a Excelsior paga quarenta para o Chacrinha e, se você o
contrata por sessenta, a
TV Rio vai tirá-lo por oitenta?'. Iodo o mundo olhava administração
mais como um apêndice porque o negócio era produzir novelas, shows ao vivo...
Dois anos para implantar a empresa. Foi uma luta tentar convencer o Walter
Clark, o Boni - que
sempre foram sensacionais na criação, mas planejamento não existia. Então nós
estabelecemos planejamento para o futuro, quanto ia custa ruma novela, fomos
pondo ordem.
"Numa fábrica de espaguete você tem a matéria-prima, que é a farinha. A nossa
matéria-prima são os artistas, técnicos, e isso é um material imperecível. Essa
é a
diferença, não se pode industrializar seres humanos. (...)
"Pegamos o canal de São Paulo e unificamos. E o mais importante foi que
conseguimos tudo de uma fábrica só aqui, no Rio. Tivemos discussões durante dois
meses
porque um grupo de pessoas queria construir uma fábrica de programação em São
Paulo, para os paulistas.
"Entramos na época do equipamento, construção de redes no interior. Só dois anos
atrás (1974) que nós conseguimos realmente integrar toda a cobertura. Abrimos
Recife, Belo Horizonte, Brasília, estabelecemos a idéia das afilhadas.
"Meu medo era que os Diários Associados se ajustassem, e liquidassem a Rede
Globo a qualquer momento. Percebessem o nosso trabalho. Eles tinham dezoito
emissoras, nós tínhamos só o Rio. São Paulo, era uma piada, era o canal 5, das
organizações Victor Costa, com uma audiência de treze pessoas... A Tupi teve um
conceito
de rede, mas não um conceito de empresa Aqui, nós nos organizamos em pirâmide:
com o Roberto, os outros embaixo dele. Aí foi possível implantar uma filosofia"
190.
Em 1966 ,porém, os rumos básicos já estavam traçados. O maciço apoio
NOTA DE RODAPÉ:
189.Ibidem,p.54. ~
190. ALMEIDA FILHO, Op. eít., p. 62.
pag:199
do grupo Time-Life, injetando capital, equipamentos e assessoria especializada
na
TV Globo dava motivos para Wallach - então com um sotaque ainda muito carregado
- ter perspectivas muito otimistas: "Eu acho que no Brasil
TV Globo é melhor television no Brasil e no mundo eu acho também mais ou menos o
primeiro desses televisions no mundo. É bem organizado, muito bem administrado e
tem equipamento que é ótimo" l91• "Tem a TV Globo, eu acho, melhor equipamento
no Brasil, primeiramente. Segundo, tem melhor equipe que trabalha lá" 192.
Roberto Marinho, em certos momentos da CPI, chegou a admitir a desproporção
entre a situação da Globo e as demais emissoras, resultante da associação com o
grupo
Time-Life: "As estações de televisão brasileiras muito teriam a lucrar se
fizessem contratos semelhantes ao que fizemos com Iime-Life, porque assim
elevaríamos bastante
o nível técnico e operacional da televisão brasileira" 193. "A assistência
técnica de Time-Life auxiliou-nos muito, principalmente dando-nos conselhos na
questão
do aparelhamento mais apropriado, na questão da colocação de antenas mais
modernas ,de maneira a que possamos ter melhor imagem que as mesmas estações de
televisão
do Rio de Janeiro" 194 E Walter Clark complementava: "A TV Globo é uma estação
Página 130
A história secreta da Rede Globo
equipada próxima da perfeição, em termos profissionais" 195.
A avaliação de Marinho é corroborada por Rubens Amaral, ex-diretor geral da
TV Globo, demitido em 1965 por interferência de Joe Wallach. "Não tenho dúvidas
de que a TV Globo, como está orientada, com a solidez de sua estrutura, com os
recursos que possui, torna muito difícil a competição para as demais empresas do
gênero,
oneradas, não só pelas dificuldades da situação econômico-financeira do País,
que provocou uma restrição muito grande no mercado de publicidade, como também
pelas
necessidades contínuas de televisão, em matéria de reequipamento. As outras
emissoras, como estão montadas, como estão equipadas, não podem enfrentar a
TV Globo, em termos rigidamente profissionais. A imagem e o som, que são, afinal
de contas, a grande mercadoria de que se valem as empresas de televisão para
veicular as suas
mensagens, são muito precárias, na maioria das estações brasileiras. Isso
acontece exatamente pelas dificuldades de reequipamento, que deve ser periódico
em cada
uma delas. Não há estrutura para financiar os custos de reequipamento. Daí, sob
esse aspecto de competição pura e simples, eu não
NOTA DE RODAPÉ:
191. CÃMARA DOS DEPUTADOS. Op. cit. p. 46. (Depoimento de Joseph Wallach).
192. Ibidem,p.47.
193. Ibidem ,p. 30. (Depoimento de Roberto Marinho).
194. Ibidem,p. 4 1-2.
195. Ibidem ,p. 52. (Depoimento de Walter Clark).
pag:200
posso deixar de reconhecer a situação de inferioridade das emissoras
concorrentes da TV Globo, em que pese o esforço, o talento de seus dirigentes"
196•
A Globo e o Brasil pôs-64
A análise das principais manifestações contra associação da Globo com o grupo
norte-americano Time-Life mostra que os maiores temores eram quanto ao controle
político das emissoras de Roberto Marinho. Essas críticas, portanto,
vislumbravam apenas parte das funções que a Globo se preparava para cumprir.
Além disso, as críticas ao
papel político da Globo - apesar de João Calmon definir o grupo Time-Life como
"o grupo mais reacionário dos Estados Unidos" 197 - refletiam basicamente
disputas
de mercado e contradições no bloco de poder. Em nenhum momento a implantação da
Globo foi questionada com a radicalidade que os interesses das classes dominadas
exigiam.
Carlos Lacerda, menos envolvido na disputa de mercado, foi um pouco mais longe,
vinculando o processo de implantação da Globo aos rumos que tomava o governo
de Castelo Branco e denunciando a existência de "uma espécie de eixo de uma
conspiração dentro da outra, de uma sub-revolução que acabaria por ser, como é,
uma contrarevolução"
198. Tratava-se, porém, de uma análise do processo político própria de
um "conspirador" e essa era uma habilidade que não se podia negar a Carlos
Lacerda. Na
verdade, não havia "desvio" ou "processo contra-revolucionário" na disputa pelo
Estado que se deu no seio das classes dominantes após o golpe de 1964.Havia,
isto sim, uma
grande coerência entre os rumos que se impunha ao Governo e as forças políticas
que realmente lideram o golpe. E a política econômica refletia de forma clara o
predomínio dos interesses da burguesia industrial e financeira associada e do
capital transnacional. Ninguém conseguia ver que, além de qualquer projeto
político, a Rede Globo
inseria-se perfeitamente no modelo econômico que os governos pós-64 começavam a
Página 131
A história secreta da Rede Globo
implementar. O papel político da Globo era uma função complementar ao seu
decisivo papel econômico.
Nem Lacerda, por isso, conseguiria entender naquela época que a
instrumentalização política da 31V Globo era apenas a função imediata da
empresa de Roberto Marinho. E que a função essencial da Rede Globo seria a
de fazer a mediação entre os interesses financeiros-industriais multinacionais e
NOTA DE RODAPÉ:
196. Ibidem, p. 59. (Depoimento de Rubens Amaral).
197.CALMON.Op.at., p. 203.
198. CÃMARA DOS DEPUTADOS. Op. cit., p. 69. (Depoimento de Cailos Lacerda).
pag:201
associados 199 e o mercado nacional que se constituía com a concentração da
renda. A Rede Globo ocuparia um lugar de destaque na economia brasileira,
oferecendo
funcionalidade ao modelo econômico de aprofundamento capitalista, segundo a
expressão de Guillermo O'Donnel 200.
A conexão da implantação da Rede Globo como o "eixo de uma conspiração dentro da
outra" - vista por Lacerda em 1966 - recebeu evidência empírica na consagrada
obra "1964: A conquista do Estado", de René Armafld Dreifuss, que examinou
minuciosamente a preparação da derrubada do governo Goulart e a ocupação do
Estado201.
Dreifuss propôs com esse trabalho uma revisão nas análises que atribuem aos
políticos e burocratas um papel exageradamente privilegiado de mediação de poder
entre
o Estado e a sociedade. Ele aponta para um aspecto neglicenciado há muito -
especialmente desde o governo Vargas - os empresários vêm tomando a "influência
empresarial"
como um dos "principais trampolins para se tornarem políticos" (lideranças de
partidos, prefeitos, governadores) e também "vêm ocupando regularmente os
centros e setores chaves da formulação e tomada de decisões econômico-políticas
do Estado" 202.
A função das Forças Armadas no golpe de 1964 também foi revisada por Dreifuss
que acentuou "o papel dos empresários e tecno-empresários na liderança política
dos
acontecimentos, na definição de diretrizes políticas e táticas, empregadas para
enfrentar a crise de insubordinação das classes dominadas contra o regime
imposto e o desejo
de controlar o Estado por parte dos industriais e banqueiros do bloco de poder
multinacional e associado. (...) Constatou-se que sua influência sobre a
sociedade brasileira e o
Estado não foi um mero reflexo na supremacia econômica de que gozava quando do
início da década de sessenta, mas o resultado de uma luta política empreendida
pela vanguarda desses novos interesses"203.
O bloco multinacional e associado, que no contexto populista centrava-se no
Conselho Nacional das Classes Produtoras (CONCLAP) e no Instituto Brasileiro de
Ação Democrática (IBAD), na preparação do golpe de 1964, utilizou
fundamentalmente o Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (IIPES): "uma
organização de classe que
reunia a elite orgânica do novo bloco de poder e que expressava, integralmente,
a ideologia subjacente aos interesses
NOTA DE RODAPÉ:
199. DREIFUSS, René Armand. 1964: A conquistado estado. Petrópolis, Vozes, 1981.
p.482.
200. Ibidem,p.485.
201. Ibidem ,p.485.
Página 132
A história secreta da Rede Globo
202. Ibidem,p.481-2.
203. Ibidem,p.482.
pag:202
financeiro-industriais multinacionais e associados. (...) Através do IPES, o
novo bloco de poder mobilizou as classes dominantes para a ação, e serviu
como elo para as várias conspirações civis-militares contra João Goulart A
ação da elite orgânica diferencia o movimento de classe que levou à
intervenção de primeiro de abril, de um mero golpe militar" 204.
Com a ação do Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais constituiu-se um novo
bloco de poder dirigente das classes dominantes que adotou um programa
"modernizante-conservador" que foi apresentado ao governo "nacional-reformista"
de João Goulart. A atuação mobilizadora do IPES, além de envolver o bloco
populista "oligárquico-industrial" - depois progressivamente afastado do Governo
- mobilizava as classes médias e desnorteava os segmentos das classes
trabalhadoras. "O IPES,
na realidade, acirrou a luta política das classes dominantes e elevou a luta de
classes ao estágio do confronto militar, para o qual as classes trabalhadoras e
seus aliados não estavam preparados. (...) O dano causado pela campanha de
'alarme e desânimo' instigada pelo IPES, juntamente com a ajuda recebida dos
profissionais autônomos, agindo
no setor privado e no aparelho estatal, criou sérios problemas ao regime e
resultou em um vasto empreendimento coletivo de desestruturação e de
desorganização, o que foi vital para permitir que os militares agissem como
restauradores da ordem. (...) Finalmente, o IPES serviu como um canal para a
intervenção das corporações privadas
multinacionais, tanto como companhias isoladas, quanto através de suas
associações de classe, fora e dentro do Brasil. O JIPES serviu também como
'grupo de ligação'
para governos estrangeiros, particularmente dos Estados Unidos" 205.
Depois do golpe, "a nova relação entre o Estado, as classes dominantes e o bloco
de poder multinacional e associado permitiu ao IPES moldar o processo de
modernização econômica. Os anéis burocráticos-empresariais foram consolidados.
Os grupos econômicos que não pertenciam ao bloco de poder financeiro-industrial
multinacional e associado foram excluídos dos processos principais de formulação
de diretrizes. (...) A ocupação dos órgãos de formulação de política econômica
por empresários e tecno-empresários do JIPES resultava, de fato, na
'privatização das instituições do Estado"'206.
O "tecnocratismo" desse novo bloco de poder "não se referia a uma meta, mas aos
meios pelos quais eram tomadas as decisões sobre objetivos sócio-econômicos
que não se encontravam abertos a discussões" 207. Essa
NOTAS DE RODAPÉ:
204. Ibidem,p.482-3.
205. Ibidem,p.484.
206. Ibidem,p.485.
207.Ibidem,p.486.
pag:203
postura administrativa que enfatizava a "ausência de interesses econômicos e sua
pretensa neutralidade no processo de formulação de diretrizes e de tomada de
decisões", impunha o domínio do bloco de poder formado a partir do IPES a toda
sociedade. Por um lado, justificava decisões que "funcionavam, efetivamente,
contra as frações
das classes dominantes não ligadas ao LPES" 208. Por outro lado, ratificavam as
restrições sobre a vida política de toda a sociedade, especialmente sobre as
classes dominantes.
Dreifuss conclui lembrando que a ocupação do Estado, em 1964, foi resultado de
uma luta "ativamente travada pelas classes dominantes". E que "a luta de classes
foi
Página 133
A história secreta da Rede Globo
promovida pelo bloco multinacional e associado liderado pelo JIPES na 'sociedade
civil' de acordo com uma estratégia determinada, com focos de ação específicos e
deliberados e com liderança e organização elaboradas. O fato de se ter,
finalmente, recorrido à intervenção militar para desferir o golpe final contra o
governo de João Goulart
apenas enfatizou que 'a classe dominante, sob a proteção do Estado, possuía
vastos recursos, incomensuravelmente maiores que os das classes dominadas, para
impor seu peso sobre a sociedade civil'.
"Concluindo, pode-se dizer que a 'pré-história' política e ideológica dos
grandes interesses financeiro-industriais multinacionais e associados estava
entrelaçada
com a do bloco histórico populista e com a convergência de classes dominantes
deste bloco. A história do bloco de poder multinacional e associado começou a
primeiro de abril de 1964, quando os novos interesses realmente 'tornaram-se
Estado', readequando o regime e o sistema político e reformulando a economia a
serviço de seus objetivos.
Agindo dessa forma, levaram o Brasil e, poder-se-ia conjecturar, todo o cone sul
da América Latina, ao estágio mundial de desenvolvimento capitalista
monopolista" 209.
O significado histórico da implantação da Rede Globo não pode ser buscado senão
dentro deste contexto, principalmente com as evidências empíricas de que se
dispõe.
Analisando-se os nomes dos principais envolvidos, direta ou indiretamente, no
processo de implantação da Globo, observamos que a maioria deles está citada no
levantamento feito por Dreifuss das lideranças e colaboradores ativos do IPES,
entre os quais ressaltamos:
- Marechal Humberto de Alencar Castelo Branco: Primeiro presidente da República
após o golpe de 1964, foi chefe do "Estado-Maior informal" criado pelo núcleo do
grupo JIPES / Escola Superior de Guerra (ESG); acolheu as decisões complacentes
com a infringência da Constituição Federal
NOTA DE RODAPÉ:
208. Ibidem,p. 486.
209. Ibidem,p.489.
pag:204
gerada pela associação da Globo com o grupo Time-Life.
- Roberto de Oliveira Campos: Ministro do Planejamento do governo Castelo
Branco: segundo João Calmon foi responsável, entre outras iniciativas, por
pressões
diretas sobre o Conselho Nacional de Telecomunicações (CONTEL) para que fossem
proteladas as medidas oficiais e fossem tomadas decisões favoráveis à Globo.
Ressalte-se, citando Dreifuss, que "no centro da exclusão institucionalizada dos
interesses econômicos subalternos estava o Ministério do Planejamento, uma
verdadeira reserva do
[PES. Esse Ministério estava encarregado de coordenar e supervisionar as
diferentes funções do aparelho de Estado, estabelecendo diretrizes
sócio-econômicas para o
governo pós-64. Foi sob a orientação do Ministério do Planejamento que se
executou a reformulação da estrutura produtiva e administrativa do Estado. Pela
natureza do planejamento indicativo que executava, o Ministério do Planejamento
transformou o Estado em fator gigante de acumulação de capital, o que beneficiou
todo oblocomultinacional e associado" 210
- Octávio Gouvêa de Bulhões: Ministro da Fazenda no governo Castelo Branco;
assumiu publicamente, juntamente com Roberto Campos, posição complacente com
relação às ligações Globo/Time-Life.
- Dênio Nogueira: Presidente do Banco Central no governo Castelo Branco, era,
Página 134
A história secreta da Rede Globo
portanto, responsável pelo recebimento e remessa de dólares para o exterior; não
tomou nenhuma iniciativa própria para esclarecer as ligações Globo/Time-Life.
Segundo João Calmon, negou-se por muito tempo a divulgar os contratos
Globo/Time-Life
e sonegou informações. Na CPI Globo/Time-Life defendeu a prática desse tipo de
associação, "desde que regulamentada".
- Harold Cedil Polland: Presidente do Conselho Nacional de Economia, no governo
Castelo Branco, indicado por Roberto Campos, de cuja equipe fazia parte; segundo
Calmon, tentou intermediar a compra da TV Cultura de São Paulo para o grupo
Time-Life.
- Luiz Gonzaga do Nascimento e Silva: Foi presidente do Banco Nacional de
Habitação (BNH) e depois Ministro do Trabalho e da Previdência Social no governo
Castelo Branco; membro da equipe de Roberto Campos; foi Ministro da Previdência
Social no governo Ernesto Geisel; foi o advogado que assessorou Roberto Marinho
na elaboração, assinatura e execução dos contratos firmados entre a TV Globo e o
grupo Time-Life.
- Coronel João Batista Figueiredo: Ex-presidente da República; segundo o próprio
Roberto Marinho, logo após o golpe de 64, devolveu "espontaneamente" o processo
- sustando a sua tramitação - que se
NOTA DE RODAPÉ:
210. Ibidem,p.492.
pag:205
encontrava no Conselho de Segurança Nacional, através do qual o
diretor-presidente da TV Globo comunicava a existência dos contratos com o grupo
Time-Life. Na época, era secretário do Conselho de Segurança Nacional.
- General Ernesto Geisel: Foi presidente da República, integrou o "Estado-Maior
informal" constituído pelo grupo IPES/Escola Superior de Guerra (ESG). Tomou
conhecimento das ligações Globo/Time-Life informado pessoalmente por Roberto
Marinho, antes de fevereiro de 1965, sendo, na época, Chefe da Casa Militar do
governo Castelo Branco.
- General Golbery do Couto e Silva: Ocupou vários postos-chave nos governos
pós-64; integrou o "Estado-Maior informal" constituído pelo grupo IPES/ESG.
Tomou
conhecimento das ligações Globo/Time-Life informado pessoalmente por Roberto
Marinho, antes de fevereiro de 1965, sendo, na época, chefe do Serviço Nacional
de Informações.
- Luiz Viana Filho: Ocupou vários postos políticos de destaque nos governos
pos-64. Tomou conhecimento das ligações Globo/Time-Life informado pessoalmente
por Roberto Marinho, antes de fevereiro de 1965, sendo, na época, chefe da Casa
Civil do governo Castelo Branco.
- Almirante José Cláudio Frederico Beltrão: Era presidente do CONTEL na época
em que estourou o escândalo das ligações entre Globo e Time-Life. Teve
conhecimento da existência dessas ligações antes de fevereiro de 1965, informado
pessoalmente por Roberto Marinho. Não tomou qualquer iniciativa para apurar os
fatos. Foi sucedido por Euclides Quandt de Oliveira.
Dois outros nomes que não constam das listas de líderes e ativistas do IPES, mas
que tiveram importância em governos pós-64 e no desenvolvimento da Globo são:
- Comandante Euclides Quandt de Oliveira: ministro das Comunicações no governo
Geisel; foi presidente do CONTEL na época em que o órgão deliberou sobre as
ligações Globo Time-Life. Segundo Carlos Lacerda, atuou politicamente para
favorecer a Globo.
Página 135
A história secreta da Rede Globo
- Haroldo Corrêa de Mattos: ministro das Comunicações no governo Figueiredo; era
representante da EMBRATEL junto ao CONTEL quando o órgi7o deliberou
sobre as ligações Globo/Time-Life. Segundo La cerda, seguiu ordens expressas do
Governo para votar a favor dos interesses da Globo.
Os dados disponíveis mostram de forma evidente, que a Globo surgiu perfeitamente
integrada ao bloco de poder que instaurou o modelo econômico de
desenvolvimento capitalista associado pós-64. A Rede Globo deu funcionalidade ao
desenvolvimento econômico e político implementado por esse bloco de poder
emergente.
Do ponto de vista da economia, por um lado, constituiu-se no grande instrumento
de criação e estimulação de um mercado nacional unificado, gerado principalmente
pela
concentração da renda e, por
pag:206
outro lado, funcionou com o agente catalisador do importante mercado de produtos
eletro-eletrônicos, cuja produção era dominada pelas indústrias multinacionais.
Do ponto
de vista político, constituiu-se num instrumento de intervenção ideológica com
poderes jamais experimentados na história desse país, traficando a ideologia
"modernizante -
conservadora" do Estado e dos interesses - especialmente os comerciais - que
tinham liberdade de expressar-se nesse contexto.
Estritamente sob o aspecto da introdução das tecnologias de comunicação, a
implantação da Globo foi definidora de um modelo brasileiro de comunicação de
massa. A
Rede Globo impôs um padrão de produção de televisão com inovadores recursos de
linguagem e com níveis de qualidade técnica que fundaram um modo brasileiro de
produção de televisão. A Rede Globo constituiu-se num canal privilegiado de
penetração do que há de mais moderno na produção de televisão do mundo
ocidental,
importando tecnologia sofisticada Mas também produziu uma "tecnologia nacional"
compatível com o modelo de desenvolvimento "modernizante-conservador" que o pais
passou a viver.
A Rede Globo também impôs importantes inovações técnicas na gestão das empresas
de comunicação do Brasil que hoje são compelidas, por questão de sobrevivência,
a assimilar as técnicas "modernas" de um modo capitalista de produção da
comunicação de massa. Esse modo de produção, amparado por modernas técnicas de
planejamento
e racionalização da gestão, voltou-se efetivamente para a acumulação do capital.
O sucesso da rede Globo é, antes de tudo, um sucesso comercial. E o estrondoso
sucesso
comercial da Rede Globo, que chega a abocanhar mais de 40% do total das verbas
movimentadas pelas agências de publicidade do Brasil, leva à introdução de uma
"economia política de comunicação de massa". A atuação da Rede Globo implicou um
reordenamento do mercado publicitário, de tal magnitude, que acabou definindo o
mercado dos outros veículos. E o que se verá a seguir.
pag:207
VIII
RADIODIFUSÃO:
O IMPASSE POLÍTICO
pag:208
pag:209
Página 136
A história secreta da Rede Globo
A SUBMISSÃO DO PÚBLICO AO PRIVADO
Afirmamos anteriormente que a implantação da Rede Globo está na origem da atual
política brasileira de radiodifusão. Por "Política de Radiodifusão" entendemos o
conjunto de princípios explícitos ou implícitos que orientam a normatização do
uso das tecnologias e as práticas sociais decorrentes desse uso. A legislação
brasileira de radiodifusão, incluída no Código Brasileiro de Telecomunicações
(Lei 4. 117, de 27 de agosto de 1962), é demasiado ambígua e maleável. Mais
voltada para a normatização, essa legislação é carente de definições de
princípios Prendendo-se quase que exclusivamente a definições técnicas e
atribuições de competência, o Código não reflete
uma
política de Radiodifusão, isto é, os princípios abrangentes que deveriam
orientar a~ normas, as suas aplicações e as práticas sociais.
Chamamos atenção para aquela que nos parece uma das contradições fundamentais da
legislação. Admitindo o uso privado de um recurso natural que é o espectro
rad:iofõnico211 - considerado universalmente como um bem de domínio público - a
legislação acolheu o conflito potencial entre o interesse público e o interesse
privado. No entanto, o Código omite-se na definição de princípios que orientem o
uso privado desse recurso natural de domínio público. O Código não conseguiu, ou
não quis, abordar
a contradição profunda entre as possibilidades sociais das tecnologias de
radiodifusão e seu uso privado. O único princípio que trata desse conflito está
no artigo 38 da Lei 4.117 e diz o seguinte:
"d) os serviços de informação, divertimento, propaganda e publicidade
NOTA DE RODAPÉ:
211. Espectro radiofônico 6 a "faixa total de freqüências empregadas em radio
com - cações, entre 8 e aproximadamente 300 Gigahertz' (PARETO NETO
Victório. Dicionário de telecomunicações. Rio de Janeiro, End. Rio, 1981 Essa
gama de freqüências e universalmente tida com o um recurso natural.
pag:210
das empresas de radiodifusão estão subordinados às finalidades educativas e
culturais inerentes à radiodifusão, visando aos superiores interesses do País".
Esse "princípio" é especificado - no Decreto n9 53.795, de 31 de outubro de
1963, que instituiu o Regulamento dos Serviços de Radiodifusão
- com o seguinte dispositivo:
-
"Art. 39 - Os serviços de radiodifusão têm finalidade educativa e cultural,
mesmo em seus aspectos informativo e recreativo, e são considerados de interesse
nacional,
sendo permitida a exploração comercial dos mesmos, na medida em que não
prejudique esse interesse e aquela finalidade".
Como se observa, a generalidade e a imprecisão permanecem. Mas mesmo vago, se
aplicado com a interpretação mais óbvia, esse "princípio" da legislação
colocaria
na ilegalidade a absoluta maioria das emissoras de radiodifusão e de um modo
muito especial a Rede Globo. Na Globo, por exemplo, é evidente a total
subordinação
da programação à exploração comercial. Não apenas a seleção de programas obedece
basicamente à sua orientação comercial, como a própria produção "cultural" ou de
entretenimento, é confundida com uma prática de marketing que lhe é estranha e
é, obviamente, incompatível com as mais elementares "finalidades educativas e
culturais"
da radiodifusão. A utilização do merchandising que é a propaganda comercial
veiculada subliminarmente nos programas de entretenimento, constituem uma
Página 137
A história secreta da Rede Globo
violação ostensiva
desses "princípios" da legislação vigente. Em 1977 foi feita ao Departamento
Nacional de Telecomunicações (DENTEL), uma representação formal contra a prática
do merchandising. "O DENTEL reconheceu a prática e a Globo a admimtiu. Além
disso, a emissora denunciada, a TV Gaúcha de Porto Alegre foi punida por
veicular, com o
cômputo do merchandising, excesso de publicidade, (além do limite legal de
quinze minutos por hora). Mas a prática não foi enquadrada como infração ao
"princípio"
que subordina a atividade comercial às finalidades educativas e culturais. A
experiência da representação junto ao DENTEL - cujo resultado era previsível -
comprovou que o
Ministério não consegue pôr em prática nem os parcos "princípios" existentes na
legislação. O merchandising, assim, é praticado livremente por todas as Redes. A
Globo chegou a criar uma subsidiária, a Apoio, "que cuida exclusivamente do
merchandising" 212. Afinal, a liberdade de programar comercial, política e
culturalmente as
NOTA DE RODAPÉ:
* A representação, apresentada pelo autor, foi parcialmente acolhida e serviu
para "testar" a posição do DENTEL diante da questão. A documentação referente
a este processo incluída nos anexos da Dissertação de
Mestrado A introdução de novas tecnologias de comunicação no Brasil: tentativas
de implantação do serviço de cabodifusão, um estudo de caso, apresentada à
Universidade de Brasília.
212. Os 15 anos da Globo. Propaganda. São Paulo, n. 285. abril, 1980. p. 25.
pag:211
emissoras, é a liberdade que se concede à empresa privada, é a liberdade de
submeter o "interesse público" ao interesse privado.
Outra grave deficiência do Código Brasileiro de Telecomunicações é a indefinição
quanto aos critérios que deveriam orientar a outorga de autorização para
execução
de serviços de radiodifusão. Não há critérios expressos de distribuição das
freqüências do espectro eletromagnético. Há apenas a definição de competência:
essa outorga
fica ao arbítrio do presidente da República, na maioria dos casos, e do
Ministério das Comunicações, em alguns outros. Isto é, o Código Brasileiç o de
Telecomunicações, mesmo
sendo uma lei aprovada em 1962 pelo Congresso Nacional, em período de
normalidade institucional, é um verdadeiro AJ-5 da radiodifusão brasileira, que
confere poderes absolutos ao Executivo 213.
A indefinição essencial da legislação de radiodifusão permite que o Estado
imponha uma política "implícita". O Código é indevidamente tomado como o
fundamento
que orienta a aplicação de políticas, pois é indefinido e ambíguo em relação aos
princípios e não expressa uma verdadeira política de radiodifusão. A legislação
serve apenas
para legitimar as políticas que o governo, e particularmente o Ministério das
Comunicações, decide adotar. Esse Código, por exemplo, ampararia a decisão de
que a
radiodifusão passasse a ser executada apenas por entidades representativas de
trabalhadores, do mesmo modo que é usado para amparar a decisão de que a
execução desse
serviço seja feita predominantemente por empresas privado-comerciais. Este
Código ampararia uma decisão de que cada pessoa física ou jurídica só possa
controlar apenas
uma concessão, do mesmo modo que é usado para amparar a decisão de permitir a
constituição de redes inteiras de emissoras controladas por apenas um
concessionário. Enfim, o Código Brasileiro de Telecomunicações é um mero
instrumento usado pelo governo para legitimar suas políticas de radiodifusão.
Página 138
A história secreta da Rede Globo
A criação da Rede Globo, nas bases empresariais em que foi implantada e
orientada por seus objetivos privado-comerciais, impôs "de fato", um modelo de
televisão ao
país que o governo tratou de legitimar. Nas diretrizes estabelecidas pela
Presidência da República, no governo do general Figuei-
NOTA DE RODAPÉ:
213. Alusão ao Ato Institucional nº 5, que simbolizou o
despotismo dos governos pós-64. Foi promulgado a 13 de dezembro de 1968 e dava
poderes absolutos ao Presidente da República. Inclui um dispositivo que colocava
as decisões do Executivo acima da Justiça: "Excluem-se de
qualquer apreciação judicial todos os atos praticados de acordo com este Ato
Institucional e seus Atos Constitutivos, bem como os respectivos efeitos".
pag:212
redo, esta política de radiodifusão está bastante explícita:
"4. A radiodifusão é a atividade eminentemente privada, reservada no País
exclusivamente a brasileiros. O papel do Estado terá caráter meramente supletivo
e dirigido a objetivos específicos.
4.1 - A concessão de canais de radiodifusão levará em conta, além dos critérios
técnicos e legais pertinentes, a viabilidade econômico-financeira dos
empreendimentos.
4.2 - A formação de redes nacionais será estimulada, especialmente no campo da
televisão, como meio de apoiar a meta de integração nacional e de assegurar a
estabilidade econômico-financeira dos empreendimentos, dentro de um regime
competitivo e equilibrado.
4.3 - A interiorização da televisão será incentivada pelo uso extensivo da
infra-estrutura do sistema nacional de telecomunicações" 214.
A política de radiodifusão expressa nas diretrizes do general Figueiredo nada
mais é do que a consagração do "modo de produção" de televisão imposto pela
Globo,
desde a sua implantação. A imposição deste "modo de produção" de televisão
tornou-se viável pela coerência da Globo com o modelo econômico que necessitava
de um
instrumento eficaz de estimulação de mercado em âmbito nacional. Mas, também,
pelo peso político que a Globo adquiriu e pelo sucesso "comercial". O "modo de
produção"
de televisão imposto pela Globo é tido no Brasil como "modo natural" da
televisão existir. Tamanha é a eficácia dessa empresa que a sua existência
anômala, se confrontada
inclusive com a limitada legislação vigente, não é sequer questionada. Mesmo
sendo uma empresa montada inconstitucionalmente pelo capital estrangeiro. Mesmo
concentrando, graças a favores e privilégios governamentais, impressionante
poder tecnológico e econômico. Mesmo que, pela sua forma de expansão - através
de
retransmissoras que atingem 997cdos domicílios com TV, em 88% dos municípios,
atingindo 93% dos 12 milhões de brasileiros 215 - a Globo estabeleça competição
desigual
com outras emissoras de televisão, de rádio e até mesmo com os jornais na
disputa pelas verbas publicitárias. Mesmo que atue, submetendo a cada minuto, o
interesse social
ao interesse privado-comercial. Mesmo estreitando, com a produção centralizada,
o mercado de trabalho de diversas categorias profissionais. Mesmo concentrando
nas mãos
de um único empresário uma fantástico poder político ,às custas da execução de
um Serviço Público. Apesar de tudo isso, não existem setores organizados que
reivindiquem o fim desse monumental usufruto de recursos públicos e dessa
perniciosa política "de redes", ainda que
Página 139
A história secreta da Rede Globo
NOTA DE RODAPÉ:
214. As diretrizes da comunicação. O Globo .Rio de Janeiro. 28 de março de 1979.
p. 10.
215. Folheto publicitário editado pela Globo no início de 1983.
pag:213
essa reivindicação além de tudo, seja perfeitamente legal.
"A quem serve a Globo?" é uma questão que tem sido razoavelmente proposta e
razoavelmente respondida. Em síntese, as respostas apontam para os principais
beneficiários do regime político e econômico que se implantou no País em 1964.
Parece-nos que a questão mais importante hoje é "a quem a existência da Globo
prejudica?"
Ë essa questão que apontará as forças sociais que poderiam se interessar - nos
mais variados graus - por uma transformação da atual "política" de radiodifusão
e da "política" de comunicação, como um todo, adotada no País. Como se observa,
nossa análise enfatiza o papel da Globo nessa política. A seguir. veremos as
razões dessa ênfase.
O papel da Globo e a "política" de radiodifusão
Estima-se que em 1950 a radiofusão captava cerca de 24% do montante das verbas
publicitárias (exclusivamente para o rádio). Em 1965, essa percentagem elevou-se
para 5 2,3% (rádio 19,5% e TV 3 2,8%). Avalia-se que em 1975 a participação da
radiofusão chegava a 62,7% (rádio 8,8% e TV 53,9%). Em 1980, esse total chegava
a 65,9% (rádio 8,1% e TV 57,8%). Desde o surgimento da televisão em 1950,
portanto, podemos identificar uma tendência de aumento da participação da
radiodifusão no volume das
verbas publicitárias, pressionado pela elevação progressiva das inversões
dirigidas para a televisão. A participação da televisão cresceu de modo
particularmente intenso
após a instalação no país da moderna infra-estrutura de telecomunicações,
iniciada na segunda metade da década de 60 (ver Quadro 1).
QUADRO 1
DISTRIBUIÇÃO DO INVESTIMENTO PUBLICITÁRIO (%)
Ano TV Jornal Rádio Revistas Outros
50 - 39 24 10 27
55 - 26 24 11 29
60 9 33 14 11 33
65 32,8 18,4 19,5 25,6 3,7
pag:214
71 39,3 24,8 12,7 17,0 6,2
75 53,9 19,8 8,8 14,1 3,4
80 57,8 16,2 8,1 14,0 3,9
Fonte: Grupo de mídia de São Paulo e Secretaria de Imprensa e Divulgação da
Presidência da República 216.
Em 1965 foi criada a Empresa Brasileira de Telecomunicações (EMBRATEL),
seguindo
a determinação básica da Lei 4. 117 (Código Brasileiro de Telecomunicações)
que atribuiu ao Estado a responsabilidade principal na implantação e operação
dos serviços públicos de telecomunicações. Essas disposições da legislação - e
isto tem sido pouco ressaltado - já procuravam atender em 1962, quando foi
aprovada a Lei 4.117, aos interesses dos ramos mais dinâmicos da indústria de
telecomunicações, que viam no investimento público a forma mais eficaz de gerar
mercado para seus produtos no Brasil. Em 28 de fevereiro de 1969, entrou em
funcionamento a estação terrena
de Tanguá, no estado do Rio de Janeiro, para comunicação via satélite. Em 26 de
março de 1969, inaugurou-se o Tronco-Sul da EMBRATEL, ligando Curitiba a Porto
Alegre, uma das rotas básicas do Sistema Nacional de Telecomunicações.
Página 140
A história secreta da Rede Globo
Em 1969, portanto, o Brasil já integrava a rede mundial de televisão que
acompanhou a descida do primeiro homem na lua, no dia vinte de julho. No mesmo
ano, a
Rede Globo iniciou a produção em network (operação em rede, tal como ocorre nos
Estados Unidos) com o Jornal Nacional. Em 27 de outubro de 1972, concluiu-se a
rede básica do Sistema Nacional de Telecomunicações - concebido em 1963 - com a
inauguração do tronco Porto Velho-Manaus, na Amazônia. A infra-estrutura de
telecomunicações dinamizou sobremaneira a operação em rede nacional, iniciada
pela TV Globo, que disparou na audiência, praticamente monopolizando o mercado
nacional. Em 1980,0 percentual de audiência da Rede Globo situava-se entre
53,8%(TV Coroa dos, Londrina) e 84,7% (TV Aratu, Salvador), com uma média de
70%
de
NOTA DE RODAPÉ:
216. Os dados referentes ao período 1950 a 1960 foram coletados em:
JORDAO, Maria de Fátima Pacheco. Concentração econômica da mídia. 1: Diário
Popular. São Paulo. 30 de abril de 1978. Caderno de Marketing, p. 11.
Os dados referentes ao período 1965 a 1980, foram coletados em:
BRASIL. Presidência da República. Secretaria de Imprensa e Divulgação. Mercado
brasileiro de comunicação. Brasília, 1981. p. 20.
pag:215
audiência sobre todos os aparelhos ligados do país 217.
O fortalecimento da televisão como veículo de propaganda acompanhou o processo
de concentração monopolista verificado em todos os setores da economia. E o
surgimento da Rede Globo, como a principal empresa, no setor, atendeu à
necessidade de um veículo poderoso de propaganda, privilegiado pelos principais
anunciantes,
capaz de operar a estimulação do mercado nacional, disperso geograficamente e
reduzido em termos populacionais. Em 1977, entre as 130 principais linhas de
produtos
fabricados no Brasil, a destinação das verbas publicitárias para a televisão,
que no conjunto era em média de 55% subia para 62,8% Entre os dez principais
anunciantes, entre
1977 e 1980, o investimento na televisão chegou a 85%do total das verbas
publicitárias distribuídas, contra 15%nos demais meios218. Isto é, a televisão é
o principal veículo dos grandes anunciantes. E a Rede Globo é o instrumento
privilegiado dessas grandes empresas, a maioria multinacionais, que lhe
destinaram, também entre 1977 e 1980,
85% do total dos investimentos realizados em televisão, contra 11% na Rede Tupi
e 4%em outras emissoras. Essa concentração de investimentos da Rede Globo é bem
superior, inclusive, à sua participação na audiência geral 219.
A existência da Rede Globo, afetando de tal maneira a distribuição das verbas
publicitárias, condiciona não apenas a organização da televisão brasileira,
inviabilizando
qualquer iniciativa fora da "operação em escala", possibilitada pela rede, mas
todo o modelo brasileiro de radiodifusão e de comunicação de massa220. Um estudo
apresentado
no III Congresso Brasileiro de Propaganda, em 1978, revelou que o custo de
veiculação de publicidade na televisão não cessa de crescer, tornando-se
proibitivo para
os pequenos e médios anunciantes 221 Em 1977, por exemplo, calculando-se o
aumento dos custos de veiculação de propaganda na televisão, que foi de 81% em
relação a 1976, e o aumento da aplicação da verba, que foi de 46%, chegou-se à
conclusão de que a redução do poder de compra de espaço na
NOTA DE RODAPÉ:
217.Os 15 anos da Globo.Op.cit.p. 34.
218. JORDÃO, Maria de Fátima Pacheco. Op. cit. p. 11; e Os 15 anos da Globo. Op.
Página 141
A história secreta da Rede Globo
cit., p. 19.
219. JORDÃO, Maria de Fátima Pacheco. Op. cit.,p. 12;e Os 15 anos da Globo. Op.
cit., p. 19.
220. ANAIS DO II CONGRESSO BRASILEIRO DE PROPAGANDA. Anhembi.
1978.
Editado por ABAP - Associação Brasileira das Agências de Propaganda, IAA
-Internacional Advcrsiting Association, Sindicato tias Agências de Propaganda do
Estado de São Paulo. p. 306-12.
221. Ibidem,p. 306-12.
pag:216
televisão chegou a 35% 222.
A televisão, tal como se organiza no Brasil, aprofunda o caráter concentrador do
modelo econômico, na medida em que os seus custos a tomam privilégio de um
pequeno número de empresas. E é muito difícil para a pequena e média empresa
competir com os produtos já comercializados no mercado, em escala nacional, com
o suporte
publicitário. O baixo custo da relação investimento/público atingido - que se
reduz na proporção em que cresce a área de cobertura - esconde o valor absoluto
mínimo necessário para a veiculação de publicidade. Valor este que, geralmente,
é insuportável para as pequenas e médias empresas223. O atual conceito comercial
de rede de
televisão é produto de uma economia dominada por oligopólios.
A crise econômica da radiodifusão é um capítulo da crise da economia brasileira.
Ë uma crise que afeta centenas de pequenas e médias emissoras de rádio e
televisão,
condenadas à falta de equipamentos, à baixa qualidade de programação própria ou
submetidas à condição de meras retransmissoras da produção das redes. Essas são
as conseqüências mais evidentes das distorções na distribuição das verbas
publicitárias, que também prejudicam dezenas de milhares de jornalistas,
radialistas e técnicos de
rádio e televisão que trabalham nas empresas confinadas à periferia dos grandes
mercados publicitários. Essa crise não se limita, porém, ao desequilíbrio entre
as empresas de radiodifusão, mas afeta toda a economia, limitando o acesso dos
pequenos e médios anunciantes do comércio, indústria e setor de serviços à
utilização da publicidade.
A violenta concentração das verbas publicitárias nacionais na Rede Globo, em
torno de 70%das verbas destinadas à televisão, o que representa,
aproximadamente, mais de 40% do sétimo mercado publicitário mundial, é o cerne
da crise econômica da radiodifusão. Essa concentração de investimentos tem
diversas conseqüências
negativas. Em primeiro lugar, induz à concentração do capital e da tecnologia e
a uma produção centralizada. Em segundo lugar, possibilita que uma única
emissora atinja
uma qualidade de programação que pode ser considerada divorciada da realidade da
televisão brasileira, que não pode ser alcançada pelas demais emissoras, e que,
de certa
forma, condiciona o gosto popular224. Em terceiro lugar, a Rede Globo,
concentrando a maioria absoluta da audiência, aumenta seus custos de vei-
NOTA DE RODAPÉ:
222. Ibidem,p. 306-12.
223. Ibidem,p. 306-12.
224. ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ENSINO E PESQUISA DA
COMUNICAÇÃO. Boletim do I
Encontro de Radiodifusão, Porto Alegre - RS. Boletim da ABEPEC. nº 11 fev/mar,
1980. p.2.
pag:217
culação, onerando excessivamente a utilização comercial da publicidade. Esse
circuito de causa e efeito, que envolve produção-audiência-custo de veiculação,
forma um círculo vicioso que se torna praticamente imune à concorrência. É um
círculo vicioso que só pode ser rompido com uma completa reordenação do papel da
Página 142
A história secreta da Rede Globo
radiodifusão no sistema produtivo.
Tal como se organiza, a Rede Globo é, sem dúvida, a opção mais barata para os
investidores publicitários que operam em escala nacional, sendo, também,
proporcionalmente mais barata que o investimento em jornal, rádio ou revista
225. A rede de retransmissoras e repetidoras de sinais da Rede Globo
- com suas 42 emissoras próprias e afiliadas (de um total de 103 emissoras em
operação no País)226 - coloca o Brasil como sendo o segundo país do mundo em
extensão de
sistemas de microondas, sendo superado apenas pelos Estados Unidos227. A Rede
Globo é a quarta maior rede de televisão comercial do mundo228. E a qualidade da
programação da televisão brasileira foi destacada, entre muitos outros, com o
título de melhor emissora de televisão do mundo em 1979, através do Prêmio
Salute-79
oferecido pela Academia Nacional de Artes e Ciências da Televisão dos Estados
Unidos à Rede Globo 229. Essa qualidade também é atestada pela penetração
internacional
da programação da Globo que, em 1980, era exportada para 52 canais de 24 países
23Q Alguns programas como o "O Sítio do Pica-Pau Amarelo", da linha infantil da
emissora, nesse mesmo ano, chegou a ser exibido em 50 países 231. A Rede Globo,
aliás, é a maior produtora mundial de programas próprios, entre as emissoras
privadas:
dos dez programas de maior audiência, oito são produzidos no Brasil 232. 12 por
tudo isso que identificamos o papel central da
NOTA DE RODAPÉ:
225. Conforme os dados publicados em folheto publicitário distribuído pela Rede
Globo, no primeiro semestre de 1983: "Custo por mil telespectadores: Rede
Globo
-Cr$134,70/Redc "B"-Cr5467,00/Rede "C"-Cr$256,00;custopormil leitores de
revistas: Revista semanal informativa CrS 1.477,00 1 Revista feminina mensal -
Cr$ 1.695,00 / Revista masculina mensal .
Cr$ 1.199,00; custo por mil leitores de jornal: Região São Paulo - Cr$2, 169,00
/ Região Rio de Janeiro - Cr$ 3.365,00; custo por mil ouvintes de rádio: Região
São Paulo -Cr$331,87 / Região Rio de Janeiro
Cr$ 394,44. Fonte: Mídia / Mercado, 1983; SSC/B Lintas Worldwide.
226. BRASIL. Presidência da República. Secretaria de Imprensa e Divulgação.
Mercado Brasileiro de Comunicação. Brasília. l981.p. 60.
227.Osl5anosdaGlobo.Op.cit., p133.
228. Ibidcm,p. 13.
229. Ibidem,p. 25-6.
230.Ibidem,p. 13.
231.Ibidem,p.2i.
232. Ibidem,p. 33.
pag:218
Rede Globo, não só na "política" de radiodifusão, como também em toda a
"política" de comunicação. A existência da Rede Globo condiciona toda a
economia da comunicação de massa no Brasil.
O impasse jurídico e político da radiodifusão brasileira
12 no contexto de uma economia dominada por oligopólios nacionais e
estrangeiros, de uma sociedade violentamente estratificada e de instituições
políticas autoritárias
e excludentes da maioria da população, que opera a Rede Globo. E o seu papel
político é muito claro, embora jamais tenha sido contestado frontalmente pelas
correntes
operárias e populares e demais setores democráticos.
Em certos momentos, contradições graves chegam a aflorar. Em 1979, por exemplo,
durante as greves do ABC paulista que marcaram o ressurgimento do movimento
operário no País, repórteres da Globo chegaram a ser ameaçados de linchamento
pelo papel antipopular que a emissora estava cumprindo, ao divulgar informações
Página 143
A história secreta da Rede Globo
falsas para prejudicar o movimento grevista. Em 1982, na cobertura das eleições
- quando a Globo atuou em todo o Brasil de modo a favorecer a fraude eleitoral -
viaturas da Globo
foram apedrejadas no Rio de Janeiro. As contradições que envolvem a Globo,
entretanto, não têm adquirido conseqüência política. As categorias
profissionais, o movimento
operário, as diversas correntes democráticas, enfim, nenhum setor progressista
da sociedade tem questionado seriamente a "política" de radiodifusão imposta ao
País. E, graças a essa imobilidade, as mais sérias contradições que surgem são
entre os grandes empresários na disputa de mercados. Os debates sobre a
"política" de radiodifusão - e
há vários anos estuda-se a reformulação do Código Brasileiro de Telecomunicações
- limitam-se ao âmbito restrito do "diálogo" entre o Governo e os grandes
empresários. E neste "diálogo", aliás, têm surgido pressões para uma maior
explicitação da "política" em favor dos interesses privados.
A atual política de radiodifusão adotada no Brasil ampara-se num conjunto de
instrumentos jurídicos (leis, decretos, portarias, etc.), mas não se resume às
disposições
legais. A verdadeira política de radiodifusão consubstancia-se numa prática
político-administrativa que vai além das normas jurídicas. 12 uma política
informal, manobrada
por decretos presidenciais, portarias e atos ministeriais ou pela engenhosa
interpretação das disposições legais. Essa política informal manifesta-se, por
um lado, no caráter
político-ideológico ou mesmo político-partidário de distribuição das concessões
e favores oficiais. Manifesta-se ainda, por outro lado, na flexibilidade da
interpretação das
leis, que permite a adequação da
pag:219
regulamentação do uso social da tecnologia às pressões e aos interesses dos
grupos capitalistas dominantes. Foi essa flexibilidade que legitimou o
utilitarismo econômico atribuído à radiodifusão após 1964.
A reação política mais concreta que o escândalo das ligações entre a Rede Globo
e o grupo Time-Life provocou, foi a promulgação do Decreto nº 236, de 28 de
fevereiro de 1967. Esse decreto, vigente até hoje, ampliou o controle do
Executivo sobre as empresas de radiodifusão e estabeleceu limites
- bastante amplos - à propriedade de concessões, além de proibir a organização
de redes de televisão. Burlado por artifícios legais ou simplesmente
desconsiderado, o Decreto 236 apenas aumentou o monturo de diplomas legais que
não conseguiram frear o desenvolvimento "de fato" de uma política de
radiodifusão que, por sua vez,
correspondia ao "modelo" que os empresários iam adotando.
Desmoralizada, caduca, desatualizada em relação à pressão modernizadora do
capital e da tecnologia que aportavam no país, a legislação vigente tinha que
ser revista.
E os trabalhos de reforma da legislação começaram cedo:
seis anos após a promulgação da Lei 4.117, e logo após a criação do Ministério
das Comunicações, em 1967, dentro de um amplo programa de modernização da
administração federal. Os trabalhos dessa reforma da legislação, no entanto,
estenderam-se no tempo e prosseguem até hoje. E que os conflitos surgidos em
torno da nova
legislação mostraram que era melhor - para os setores monopolistas que detêm o
Poder - adaptar a interpretação da legislação vigente aos fatos, que criar um
amplo debate que poderia ameaçar os privilégios e benefícios conquistados pelas
grandes empresas privadas. Somente nos últimos anos é que se começou a saber
algo relevante dessa
movimentação que, durante mais de uma década, esteve confinada aos gabinetes e
comissões do Ministério das Comunicações, que raramente teve outros
interlocutores além dos grupos empresariais.
Através da Portaria Ministerial nº 1020 de 1P de julho de 1968, o ministro
Carlos Furtado de Simas nomeou um Grupo de Trabalho com a incumbência de revisar
a legislação de telecomunicações e elaborar o anteprojeto de um novo Código
Brasileiro de Telecomunicações233. O anteprojeto não foi satisfatoriamente
Página 144
A história secreta da Rede Globo
concluído e o trabalho
foi retomado por uma Comissão Especial designada pelo ministro Hygino Corsetti
234. Após um ano de trabalho, a comissão deu por concluí da a tarefa em novembro
de
1972. A polêmica em torno da reforma da legislação e o conflito de interesses
despertado pelo anteprojeto provocou um novo adiamento em sua tramita-
233. VIANNA, Gaspar, Direito de telecomunicações. Rio de Janeiro, Ed. Rio, 1976.
234. Ide,Ibo.
pag:220
ção. Na gestão seguinte, a reformulação da legislação foi retomada pelo ministro
Euclides Quandt de Oliveira, que incumbiu a Secretaria Geral, pela Portaria nP
660 de 3 de
julho de 1974, de dar continuidade ao trabalho. Através da Portaria nº. 191, de
26 de julho de 1974, o secretário-geral do Ministério das Comunicações, Rômulo
Villar Furtado, criou um novo grupo de trabalho para, tomando por base os
anteprojetos já produzidos, consolidar, a legislação de telecomunicações,
composta por leis, decretos, portarias e normas.
Em dezembro de 1975, o anteprojeto elaborado pelo Grupo de Trabalho coordenado
pelo secretário-geral foi concluído e encaminhado à Presidência da República. O
anteprojeto propunha uma série de medidas que liberalizavam a radiodifusão para
a empresa privada. Analisando globalmente, o anteprojeto legitimava e
oficializava as
tendências oligopolistas predominantes na radiodifusão brasileira. Novamente o
conflito de interesses em tomo do anteprojeto retardou sua aprovação, sendo o
trabalho
devolvido pela Presidência ao Ministério das Comunicações. As bases desse
anteprojeto, entretanto, não mais seriam abandonadas e voltaram a aparecer nos
anteprojetos subseqüentes.
Depois da devolução da versão de dezembro de 1975, novos anteprojetos foram
produzidos no âmbito do Ministério das Comunicações, sendo o assunto conduzido
cada vez mais sigilosamente. O Ministério desprezou, inclusive, manifestações de
universidades e entidades associativas que tiveram frustrados diversos pedidos
de acesso
aos anteprojetos que na época estavam sendo discutidos entre o Ministério das
Comunicações e a Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão
(ABERT).
Tomando como únicos interlocutores os empresários da radiodifusão, o Ministério
prosseguiu nos esforços para reformara legislação de telecomunicações,
produzindo
diversos anteprojetos. Alguns desses anteprojetos "vazaram" do esquema de
segurança montado pelo Ministério das Comunicações: as versões de junho de 1976,
de setembro de 1977 (considerada a nona versão) e a de maio de 1978 (considerada
a décima versão). Finalmente, pressionado pelos interesses em jogo, a décima
versão foi liberada
para divulgação, criando-se, pela primeira vez, oportunidade para um debate
público sobre a matéria.
Em dezembro de 1979, o secretário de Radiodifusão do Ministério das
Comunicações, Lourenço Chehah, revelou a existência de uma décima-primeira
versão que
apresentava apenas pequenas modificações formais em relação à décima versão do
anteprojeto do Código. Nessa décima-primeira versão consolidou-se uma política
que certamente agravará a crise da radiodifusão brasileira. As disposições sobre
televisão constituem a espinha dorsal da política de radiodifusão proposta neste
anteprojeto
e refletem ostensivamenpag:
221
te a estratégia dos grandes grupos econômicos para o setor. Essa política está
consubstanciada em três conjuntos de disposições: as que asseguram privilégios
às empresas privadas em detrimento das emissoras públicas ou sem finalidade
comercial; as referentes à formação de redes de televisão e as que versam sobre
a produção de programas.
Página 145
A história secreta da Rede Globo
As bases da nova "política" de radiodifusão
As observações que veremos a seguir tomam por base urna análise de nove versões
do anteprojeto do Código, produzidas de 1974 a 1979, e um anteprojeto do
Regulamento dos Serviços de Radiodifusão, datado de junho
1976.
a) Privilégios assegurados às emissoras privadas - A décima-primeira versão
assegurou "às entidades não-integrantes da administração pública" direitos de
exploração
do serviço de radiodifusão, invertendo a prioridade assegurada pela legislação
vigente "às pessoas jurídicas de direito público interno, inclusive
universidades". Além disso,
as emissoras públicas só podem explorar o serviço de radiodifusão "sem intuito
comercial" ou com "intuito comercial restrito", sendo permitida, nesta
modalidade, apenas a veiculação de publicidade oficial.
b) Disposições sobre a formação de redes - O conceito de rede ou network é uma
das concepções básicas desta versão do anteprojeto do Código e da política
brasileira
de radiodifusão. O estímulo às redes, inclusive, foi apresentado como uma das
diretrizes do III Plano Nacional de Desenvolvimento (PND) para o setor. O
anteprojeto atacou
as limitações da legislação vigente quanto à propriedade de concessões e reduziu
as restrições à formação de redes, particularmente o previsto no Decreto 236.
A forma como as diversas versões do anteprojeto do Código tratam o problema da
autonomia das emissoras vinculada em redes ou cadeias de distribuição de
programas, demonstra como o Ministério das Comunicações está submetido às
pressões da iniciativa privada. Nas várias versões do anteprojeto do Código,
passou-se
da proibição taxativa de formação de redes ao incentivo oficial.
Um dos princípios que compõem o conceito de rede previsto nas disposições legais
é o de limitação da propriedade de concessões. Nas diversas versões do
anteprojeto do Código, observa-se que esses limites foram progressivamente
ampliados, até chegarem aos fixados na versão de dezembro de 1975, que
estabeleceu os índices mantidos
até a décima-primeira versão. Pelo Decreto 236, uma empresa pode deter
concessões de, no máximo, nove
pag:222
emissoras em Onda Média, enquanto na décima versão do anteprojeto esse limite
passa para doze emissoras. O limite de concessões de emissoras em Onda Tropical
passa de três para seis; o de emissoras em Freqüência Modulada passa de três
para dez; o de emissoras em Onda Curta é mantido em dois; e o de emissoras de
televisão em VHF passa
de cinco para quinze (Cf. Anexo 9).
Outro problema ligado à formação de redes é o recurso clandestino do controle
indireto das concessões, que possibilita a formação de redes "extra-oficiais". A
décima-primeira versão do anteprojeto do Código não só não toca no grave
problema do controle indireto, como amplia a margem de atuação dos "testas de
ferro" ao liberalizar
as transações entre pessoas que já compõem o quadro de uma entidade exploradora
do serviço de radiodifusão. Destaque-se que o Ministério das Comunicações
admitiu publicamente que está impotente para controlar a ação dos "testas de
ferro" 235.
Outro conjunto de disposições conexas ao conceito de rede é o de "centros de
produção independentes" - uma inovação surgida nas versões mais recentes do
anteprojeto do Código - que são "pessoas jurídicas devidamente credenciadas pelo
Ministério" e que são as únicas entidades, além dos concessionários, que podem
produzir
programas a serem transmitidos pelas emissoras de radiodifusão. A perspectiva de
criação dos centros independentes de produção é preocupante, principalmente em
Página 146
A história secreta da Rede Globo
virtude
da revelação de que grupos estrangeiros já solicitaram autorização ao Ministério
das Comunicações para produzir no país programas para televisão 236 Tal como
foram
previstos, os centros independentes podem ser controlados por estrangeiros -
diretamente ou por seus "testas de ferro" - ou por grupos econômicos legalmente
impedidos.
Desse modo, os centros independentes de produção não contribuirão para o
equilíbrio técnico e econômico entre as emissoras. Isto é, ao invés de
fortalecer as emissoras
geradoras, que são entidades legalmente obrigadas da produção, os centros
independentes constituirão um estímulo a um novo tipo de concentração de capital
e tecnologia e à produção centralizada.
As primeiras versões do anteprojeto do Código proibiam quaisquer "modalidades
contratuais que, de maneira direta ou indireta, assegurem à estação geradora -
cedente
da programação ou do produtor credenciado: I) participação no faturamento ou nos
lucros brutos ou líquidos da empresa adquirente; II) subordinação, dependência
ou
controle da empresa adquiren-
NOTA DE RODAPÉ:
235. ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ENSINO E PESQUISA DA
COMUNICAÇÃO.
op.cit.p.2
236. Ibidem,p.2.
pag:223
te". Nas versões mais recentes, esses dispositivos foram substituídos por outros
que proíbem apenas, e genericamente, "situações de subordinação ou alienação de
poderes de
administração e gerência ou da responsabilidade e orientação intelectual e
administrativa do serviço". Fica patente, portanto, a pressão da iniciativa
privada que levou o Ministério das Comunicações a abrir mão do controle efetivo
que poderia ter sobre as relações econômicas e jurídicas que as emissoras mantêm
entre si e com o Estado e a
renunciar a disposições que poderiam realmente impedir vínculos "de fato" de
subordinação e dependência entre as emissoras.
Analisado como um todo, o anteprojeto do Código estimula a concentração da
propriedade, do capital e da tecnologia. Amparando-se na argumentação de
funcionários da Rede Globo237, o Ministério das Comunicações chegou a propor a
obrigatoriedade de que um "mínimo de 70% da programação diária deve ser
produzida no
Brasil". Na verdade, dentro do contexto de desequilíbrio técnico e econômico
entre as emissoras, essa medida só beneficiaria os grandes centros de produção,
como a Rede Globo, e oficializaria o atrelamento das emissoras independentes a
redes. O anteprojeto do Código exprime os interesses das grandes empresas e
muito especialmente
da Rede Globo.
c) Disposições sobre a produção de programas - Além de exigir a produção no
Brasil de 70% da programação diária, a décima versão do anteprojeto do Código
estabelece que 33% dessa programações já destinada à "informação e
entretenimento da criança e do adolescente" e que outros 20% devem ser
"idealizados, realizados
e produzidos por equipe brasileira, com som e imagem gerados no Brasil, sobre
temática nacional". Essas disposições admitem a possibilidade de instalação de
produtores
estrangeiros de programas no país ou de montagens e adaptações de produções
estrangeiras, como faz a Rede Globo com o "Fantástico" e "Globo Repórter". Tal
como estão
formuladas, essas disposições exigem uma veiculação diária de apenas 14% (20% de
70%) de programa efetivamente "idealizados, realizados e produzidos por equipe
brasileira, com som e imagem gerados no Brasil, sobre temática nacional".
Página 147
A história secreta da Rede Globo
Além de fixar um mínimo de 70% de produção nacional transmitida diariamente, o
anteprojeto exige um mínimo de produção local, a ser fixado em regulamento e que
deve ficar entre 10 e 30% da programação diária.
A décima-primeira versão do anteprojeto do Código ainda fixa
NOTA DE RODAPÉ:
237. Argumentação produzida por José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o "Boni"
(então Diretor de Produção e Programação da Rede Globo) e Wilson Aguiar (Diretor
do Departamento de Educação da Rede Globo).
pag:224
princípios educativos e culturais a serem observados pelas emissoras. Esses
princípios, a exemplo da legislação vigente, são extremamente genéricos e não
utilizam,
uma vez sequer, o conceito de cultura. Observa-se que os princípios delineiam um
projeto ideológico - claramente afinado com a doutrina da Segurança Nacional -
para a atuação das
emissoras. Finalmente, o anteprojeto propõe a instituição de um órgão colegiado,
no âmbito do Ministério das Comunicações, para supervisionar a observância
desses princípios. Embora essas disposições constituam uma novidade em relação à
legislação vigente, não há, a rigor, um projeto cultural relevante atribuído às
emissoras de rádio e televisão.
A "velha política" garante as novas tecnologias
No anunciado apagar das luzes da vigência do Código Brasileiro de
Telecomunicações o Governo, nele amparado, promoveu, em 1981, uma completa
reorganização
da radiodifusão brasileira, colocando em licitação os canais do falido Diários e
Emissoras Associados. Foram então constituídos o Sistema Brasileiro de Televisão
(grupo
Sílvio Santos) e a Rede Manchete (grupo Bloch). Mas não há nenhum contra-senso
nessa medida. Na verdade, o Ministério das Comunicações está sendo coerente com
a sua
política de criar ou tolerar situações "de fato", para depois adaptar a
legislação a estas situações, sendo essa a forma de possibilitar o avanço dos
grupos monopolistas no setor
de comunicações. A criação de novas redes no país segue a política informal, que
se desenvolve por cima da legislação. A formação dessas novas redes serve para
aquinhoar com mais vantagens os principais grupos econômicos de comunicação do
Brasil.
De qualquer modo, o Governo tem mostrado alguma disposição para acelerar a
aprovação da nova legislação. A última tendência manifesta pelo Ministério das
Comunicações na condução da reforma da legislação é a separação das disposições
referentes à radiodifusão do conjunto das disposições sobre telecomunicações.
Desse modo, isolando as partes polêmicas da matéria - que são radiodifusão e
cabodifusão (TV por Cabos) - optou-se pelo desmembramento do atual Código
Brasileiro de
Telecomunicações em uma Lei de Telecomunicações, uma Lei de Radiodifusão e uma
Lei de Cahodifusão.
Conforme uma minuta da Lei de Telecomunicações que circulou no Ministério das
Comunicações com a data de 8 de abril de 1980, os Serviços Especiais de
Telecomunicações passariam a ter sua regulamentação aprovada por Portaria
Ministerial e não mais por decreto, como prevê a legislação vigente e mesmo as
diversas versões
do anteprojeto do Código. Essa tendência de concentração de poderes no
Ministério das Comunicações, entretanto, já se
pag:225
Página 148
A história secreta da Rede Globo
manifestava na décima-primeira versão do anteprojeto do Código, que atribuía ao
ministro das Comunicações a competência para outorga de concessões para
exploração
de emissoras de radiodifusão sonora com potência igual ou superior a 50Kw. Pela
legislação vigente, esta competência é privativa da Presidência da República.
Aprovado esse dispositivo de institucionalização dos regulamentos por Portarias,
que atribui amplos poderes legislativos ao Ministério das Comunicações, o
Congresso
Nacional ficará impedido de apreciar (o que ocorreria se a legislação fosse
baixada pelo menos por decreto) a regulamentação de importantes serviços como os
de Telemática, que poderão ser enquadrados na categoria de Serviço Especial.
Essa tendência autoritária pode ser avaliada ainda pelo cuidado com que os
autores do anteprojeto
da Lei de Telecomunicações eliminaram o seguinte dispositivo, encontrado na
décima-primeira versão do anteprojeto do Código. "Art. 140 - A qualquer do povo
é assegurado o direito de representar contra pessoa sujeita à fiscalização".
Mas não é o desmembramento do Código de várias leis que eliminará os entraves
que impedem sua reformulação. Entendemos que essa reformulação não se processa
porque o Governo não pode explicitar sua "política" de radiofusão. Isso não
interessa ao Governo porque essa política é demasiado comprometida com
interesses de grupos
econômicos. E também não interessa aos grandes grupos empresariais porque é
necessária a flexibilidade atualmente existente para a acomodação de seus
privilégios.
A reformulação da legislação não é ativada, finalmente, porque este é um momento
politicamente inadequado para expor a verdadeira "política" de radiodifusão: o
debate do Código, mesmo cercado de todas as cautelas, poderia suscitar
questionamentos e contradições indesejáveis. Esse cuidado aumenta nesse período
em que estão surgindo
inúmeras aplicações teconologias na área da comunicação: a velha legislação
parecia ser mantida para garantir um poder absoluto na introdução das novas
tecnologias. Ë o que demonstram as tentativas de implantação dos serviços de
cahodifusão, teletexto, videotexto, transmissão e recepção direta de satélites,
TV por assinatura, entre
outros. A velha legislação precisa ser mantida para garantir que os novos
privilégios continuem
atendendo aos interesses dos "velhos" beneficiários. Exatamente por isso, este é
o momento dos profissionais da área, das forças populares e de todos os setores
democráticos, reconhecerem os prejuízos que sofrem com a existência da Globo e
com o controle monopolista e ilegítimo dos meios de comunicação de massa. Mais
do que isso, esse é o momento de se ir além da crítica e mostrar que existem
alternativas para a efetiva democratização dos meios de comunicação de massa no
Brasil. Essa é uma tarefa histórica e inadiável.
pag:226
pag:227
Anexos
ANEXO 1:
Artigo 160 da Constituição
pag:228
pag:229
Art. 160 - É vedada a propriedade de empresas jornalísticas, sejam políticas ou
simplesmente noticiosas, assim como a de radiodifusão, a sociedades anônimas
por ações ao portador e aos estrangeiros. Nem esses, nem pessoas jurídicas,
excetuados os partidos políticos nacionais, poderão ser acionistas de sociedades
anônimas proprietárias dessas empresas. A brasileiros (art. 129, nº I e II)
caberá exclusivamente, a responsabilidade principal delas e a sua orientação
Página 149
A história secreta da Rede Globo
intelectual e administrativa.
Art. 129 - São Brasileiros:
I - os nascidos no Brasil, ainda que de país estrangeiros, não residindo estes a
serviço de seu país;
II - os filhos de brasileiro e brasileira, nascidos no estrangeiro, se os pais
estiverem a serviço do Brasil, ou, não o entando, se vierem residir no país.
Neste caso atingida a maioridade, deverão, para conservar a nacionalidade
brasileira, optar por ela, dentro em quatro anos.
NOTA DE RODAPÉ:
In: CALMON, op.cit. p.7
pag:230
pag:231
ANEXO 2:
Documento de constituição da TV Globo Ltda.
pag:232
pag:233
Mais um Documento Para a História da TV
Eis o retrato, em forma de sociedade por cotas, da
TV Globo Ltda.
CONSTITUIÇÃO
Sociedade por cotas, de responsabilidade limitada,
constituída por instrumento particular firmado entre os cotistas, no
dia 28 de junho de 1962 e, registrado no Departamento Nacional
de Indústria e Comércio sob nº 134.028,em l3dejulhode 1962.
COTLSTAS
Roberto Marinho; Stela Goulart Marinho; Rogério Marinho,
Heloisa Marinho; Hilda Marinho Coelho de Barros; Isaac Rubem Israel;
General Lauro Augusto de Medeiros;Jo5o Soares Guimarães e Luiz Brunini
CAPITAL
O Capital social é de CrS 500.000.000, dividido em 500.000
cotas de Cr$ 1.000 cada uma.
DISTRIBUIÇÃO
Nomes Nº Cotas V. Cruzeiros
Roberto Marinho 300.000 300.000.000
Stela G. Marinho 144.100 144.100.000
Rogério Marinho 15.000 15.000.000
Heloísa Marinho 15.000 15.000.000
Hilda Marinho C. de Barros 15.000 15.000.000
Isaac Rubem Israel 10.000 10.000.000
Lauro A. de Medeiros 300 300.000
João S. Guimarães 300 300.000
pag:234
Luiz Brunjni 300 300.000
____________________________
Página 150
A história secreta da Rede Globo
500.000 500.000.000
REALIZAÇÃO
Todas as cotas são subscritas e realizadas em dinheiro, salvo as do senhor
Roberto Marinho, que são: 79. 498.000 (setenta e nove milhões, quatrocentos e
noventa
e oito mil cruzeiros) em dinheiro e, 220.502.000 (duzentos e vinte milhões,
quinhentos e dois mil cruzeiros) pela conversão dos bens móveis devidamente
descritos,
individualizados e avaliados em laudo aceito e subscrito por todos os cotistas e
que fica fazendo parte do contrato social. A realização das cotas em dinheiro é
feita da
seguinte forma: - l0%no ato e o restante a chamado do Diretor Presidente, à
medida das necessidades da Sociedade.
LAUDO DE AVALIAÇÃO
Avaliadores: Manuel Ferreira Neto; Antônio Campos; Ilton da Silva, designados
pelos suhscritores de Capital da TV-Globo Limitada, para avaliação
dos bens indicados pelo senhor Roberto Marinho e que constituirão parte de sua
cota de Capital, na Sociedade, após a verificação feita na documentação
apresentada atribuíram aos mesmos, os seguintes valores:
Equipamento completo de uma estação transmissora de TV, devidamente especificada
na licença de imp. da Fiban nº DG/60-7.484/18.056
e no contrato firmado com a RCA Corporation (parte já liquidada) 160.000.000
Projetos, maquetas, organogramas, plantas e estudos p/construção
da sede 19.602.000
Serv. de engenharia, benfeitorias e despesas acessórias
n/terrenos da rua Von Martius e no Sumaré 29.900.00
150 t. de ferro de 1/2", 3/8, 1/4, 3/16 e 3/4 ao preço médio de
Cr$38, por Kº 5.700.000
3.000 sacos de cimento: a Cr$400 o saco 1.200.000
2.500 taboas p.p. 3ª (estimativa) 1.750.000
400 m 3 de pedras 1 e 2 a Cr$1.700p/m3 680.000
1.000 pernas p.p. 3x3 (estimativa)
450.000
400m -~ de areia a Cr$ 850 p/m3
340.000
1OO m 3 de pedra 3 a Cr$1.600p/m3
160.000
10 carros de mão c/rodas de ferro a Cr$2.300 cada um 23.000
5OO kls. De arame preto l8 a Cr$60p/k
30.000
660 k1s.de prego 17x27, 18x30e 19x36
60.000
10 martelos a Cr$ 700 cada um 7.000
2 betoneiras novas a Cr$300.000, cada uma
600.000
__________________
220.502.000
pag:235
ALTERAÇÃO CONTRATUAL em 14 de dezembro de 1962,regtstmda no
Departamento
Nacional de indústria e comércio, com o nº 12.869:
Cláusula 5~. O Capital Social é de Cr$650.000.000, dividido em 65Q000 cotas do
valor nominal de CrS 1.000 cada uma, divididas entre os sócios como segue:
DISTRIBUIÇÃO
Nomes Nº Cotas V. Cruzeiros
Página 151
A história secreta da Rede Globo
Roberto Marinho 390.000 390.000.000
Stela G. Marinho 187.330 187.330.000
Rogéno Marinho 19.500 19.500.000
Helotsa Marinho 19.500 19.500.000
Hilda Marinho 19.500 19.500.000
Isaac Rubem Israel 13.000 13.000.000
Luiz Brunini 390 390.000
LauroA. de Medeiros 390 390.000
João Guimarães 390 390.000
___________ _______________
650.000 650.000.000
NOTA DE RODAPÉ:
In: CALMON, op. cit. p. 237-238.
pag:236
pag:237
ANEXO 3:
Dólares recebidos pela Globo.
pag:238
pag:239
O Grupo Marinho Recebeu do Time-Life
Mais de 6 Milhões de Dólares
No dia 27 de junho de 1966, ao depor perante a CPI na Câmara dos Deputados, o
Sr. Dênio Nogueira entregou ao deputado Roberto Saturníno (*) o seguinte
ofício:
Senhor Presidente:
Referimo-nos ao ofício n.0 15/66, de 27.5.66, através do qual V.Exª nos solicita
o envio a essa Comissão Parlamentar de Inquérito de relação das remessas de
numerário recebidas por Time-Life Brasil Imc., TV-Globo ou Roberto Marinho, seus
respectivos valores e outros detalhes dessas operações.
A propósito, informamos que as remessas recebidas por Time-Life Brasil Imc., TV
Globo e Roberto Marinho, entre 24.2.63 e 12.5.66, atingiram, respectivamente, os
montantes
globais de US$ 3.820.730,53, US$ 215.000,00 e US$545.000,00.
Nos quadros anexos discriminados todas as parcelas dessas remessas:
datas, remetentes e recebedores.
Esclarecemos, ainda, que além das remessas acima, foi realizada, em 16. 7.62,
por Time-Life Imc., uma operação de "swap" (n.O CML.6.803) no valorde US$ 1,5
milhão,
equivalente a Cr$ 300.00Q000, creditados na conta da referida empresa junto ao
The First National City Bank ofNew York Essa operação foi liquidada em 15.1.65.
Aproveitamos o ensejo para apresentar a V. Ex.ª a nossos protestos de estima e
consideração."
Página 152
A história secreta da Rede Globo
NOTA DE RODAPÉ:
(*)Presidente da Comissão Parlamentar de Inquérito para apurar os fatos
relacionados com a organização Rádio, TV e Jornal "O Globo" com as empresas
estrangeiras
dirigentes das revistas "Time" e "Life".
pag:240
IIME-LIFE BRASIL INC.
DATA VALOR Remetente Recebedor
US$ Cr$
24/02/63 320.000,00 584.000.000 Time lnc.,N.Y. J.Walton Ward
29/12/64 166.389,35 303.660.563 Time Life. A.G.
(Suíça) José T. Nabuco
03/06165 400.000,00 730.000.000 Time. Imc.,N.Y. J. Walton Ward
16/06/65 1.000.000,00 1.825.000.000 Time. Imc.,N.Y. J. Walton Ward
14/07/65 172.603,00 315.000.000 Time Inc.,N.Y. J. Walton Ward
09/09/65 123.287,67 224.999.997 Time Inc.,N.Y. J. Walton Ward
06/10/65 109.589,04 199.999.998 Time Inc.,N.Y. Joseph Wallach
05/11/65 23.750,83 43.345.260 Time lnc.,N.Y. Joseph Wallaeh
09/11/65 164.383,57 300.000.000 Tome Inc.,N.Y. Joseph Wallaeh
17/11/65 275.000,00 501.875.000 Time Imc.,N.Y. Joseph Wallach
07/12/65 150.000,00 330.000.000 Time Inc.,N.Y. Joseph Wallach
21/12/65 118.000,00 259.600.000 Time Inc.,N.Y. Joseph Wallach
18/01/66 182.000,00 400.400.000 Time Imc.,N.Y. Joseph Wallach
24/02/66 320.000,00 333.187.960 Time lnc.,N.Y. Joseph Wallach
11/04/66 69.000,00 151.800.000 Time Inc.,N.Y. Joseph Wallach
18/04/66 114.000,00 250.000:000 Time Inc.,N.Y. Joseph Wallach
23/04/66 122.727,77 270.801.094 Time Imc.,N.Y. Joseph Wallach
Total 3.830.730,53 7.023.669.872
ROBERTO MARINHO
DATA VALOR Remetente Recebedor
US$ Cr$
30/06/65 250.000 456.250.000 The Chase Ma- Roberto MarinhathanBank
nho
12/05/66 295.000 650.475.000 Time Inc. Roberto Marinho
Total 545.000 1.106.725.000
pag:241
TV GLOBO
DATA VALOR REMETENDE RECEBEDOR
US$ cr$
10/05/66 215.000 174.075.000 Time Inc. Roberto Marinho
Nota do Autor (João Calmon): Somando-se aos totais das remessas constantes dos
quadros acima (US$4.590.730,53), "o swap" de US$ 1.500.000,00, de 16 de julho de
1962, conclui-se que
o grupo Marinho recebeu de Time-Life US$6.090.730,53. Segundo
o depoimento do Sr. Dênio Nogueira na Comissão Parlamentar de Inquérito, foi
liquidado, até agora (1966) somente o "swap" de US$ 1.500.000,00. O restante
(US$ 4.590.730,53) continua a
ser utilizado pelo grupo Marinho, sem nenhum pagamento a Time-Life a título de
amortização ou de juros, por não terem sido aprovados pelo Banco Central da
República, até hoje, os contratos
assinados entre o grupo norte-americano e os seus "testas-de-ferro" brasileiros.
Página 153
A história secreta da Rede Globo
NOTA DE RODAPÉ:
In: CALMON, op. cit. p. 287-9
pag:242
pag:243
ANEXO 4:
Principais disposições do Contrato Principal.
pag:244
pag:245
Principais Disposições do Chamado "Contrato
Principal", de 24/7/62
Eis aqui um resumo das principais disposições do chamado
"Contrato
Principal "assinado entre a TV Globo Limitada, Roberto Marinho e
Time-Life
Broadcast Internacional Inc., uma sociedade anônima de Delaware,
Estados Unidos:
1 -RESPONSABILIDADE DA TV GLOBO
A TV GLOBO se compromete a adquirir e instalar, para a estação
de televisão que está construindo na cidade do Rio de Janeiro a fim de
operar o canal 4,0 equipamento de transmissão de televisão e completar
a construção de um prédio para um estúdio no terreno sito na rua Von
Martius, sendo fixado o prazo para término da construção até 1P de
julho de 1963, e até 1P de outubro de 1963 para operar a estação
comercial de televisão e, com transmissão pelo canal4 do Rio de Janeiro.
Compromete-se, outros sim, a TV GLOBO a empregar seus
melhores esforços para obter do Ministério de Viação e Obras Públicas
a concessão para operar o canal 4 do Rio de Janeiro, Estado
da Guanabara, cujo concessionário à época era a RÁDIO GLOBO S.A.
A TV GLOBO se obriga a celebrar um contrato para a construção
do edifício da estação em prazo não superior a quinze meses da data do
contrato principal, assegurando a TIME, como multa por deixar de
concluir a construção naqueles prazos, o pagamento de qualquer
quantia equivalente à multa que se tome devida à TV GLOBO pelo
construtor em razão dessa falta.
2 -RESPONSABILIDADE DE TIME-LIFE
a) Prestação das informações técnicas que sejam de seu
conhecimento no ramo de televisão.
pag:246
b) Recebimento e treinamento em suas estações, escritórios e lugares de
transmissão de televisão da pessoa ou das pessoas enviadas por TV GLOBO.
c) Troca de intonações e de dados de direção administrativa ou comercial que
possam ser de utilidade.
d) Assessoramento e consultas de engenharia, como planejamento, construção e
operação de estúdios e equipamento.
e) Orientação para a aquisição de filmes e programas produzidos em território
Página 154
A história secreta da Rede Globo
estrangeiro.
f) Uma contribuição financeira.
Ficou ajustada a assinatura, na mesma data, de um contrato separado em TV GLOBO
e TIME INCORPORATED, de Assistência Técnica
3) -CONTRIBUIÇAO FINANCEIRA DE TIME
TIME promete pagar à TV GLOBO quantia que não exceda a CrS 220.000.000
(duzentos
e vinte milhões de cruzeiros), quantia essa a ser creditada à conta de TIME
na sociedade em conta de participação, da qual 1V GLOBO participará com todo o
seu capital.
Embora esse pagamento estivesse condicionado à prévia aquisição e instalação de
equipamento, à construção do edifício da estação, ao pagamento da construção à
transmissão de televisão comercial pelo canal 4, e ao pagamento de Marinho à TV
Globo de pelo menos CrS 120.712979 (cento e vinte milhões, setecentos e doze mil
novecentos e setenta e nove cruzeiros), ficou a critério de TIME fazer a
contribuição financeira independentemente do cumprimento daquelas exigências.
4-RESPONSABILIDADE DE ROBERTO MARINHO
Roberto Marinho e sua mulher declaram que subscrevem em dinheiro CrS 300.000.000
(trezentos milhões de cruzeiros), como contribuição ao capital da TV GLOBO,
além das cotas por ele, Marinho, subscritas até aquela data.
Além desse pagamento, MARINHO concordou em efetuar pagamentos à 1V GLOBO
suficientes para a integralização do seu capital ou em troca de mais ações do
capital da mesma de modo a proporcionar os fundos de que a TV GLOBO necessita,
inclusive para prover CrS 1 2Q 742979 (cento e vinte milhões, setecentos e
quarenta edois mil novecentos e setenta e nove cruzeiros), a serem aplicados no
capital de giro necessário para o funcionamento da TV GLOBO.
5-DECLARAÇÕES DIVERSAS
a) Convecionou-se que a contribuição financeira de TIME à sociedade em conta de
participação não lhe daria o direito de possuir ações do capital da TV GLOBO,
nem de ter qualquer interferência direta ou indireta na
pag:247
administração da TV Globo.
b) Declarou-se que a RÁDIO GLOBO era a titular da licença e da concessão para
operar o canal4 de televisão no Rio de Janeiro.
c) Declara, outros sim, que a TV GLOBO adquiriu a MARINHO todos os seus direitos
relativos aos contratos de compra de US$ 60Q 000,00 (seiscentos mil dólares) de
equipamentos RCA constantes do Anexo ao contrato, bem como que a mesma TV
GLOBO
adquiriu à Rádio Globo os direitos referentes aos imóveis também descritos no
Anexo.
d) Declaram a 1V GLOBO, ROBERTO MARINHO e TIME que a celebração e
execução do
contrato não contraria nenhuma disposição de lei, ou de contrato ou
instrumento a que sejam vinculados os contratantes.
e) ROBERTO MARINHO e sua mulher afirmam que são proprietários legais de pelo
menos 51% do capital da TV GLOBO.
6 ~CONDIÇÕES DA OBRIGAÇÃO DO TIME
O pagamento da contribuição financeira de TIME à TV GLOBO e condicionado:
b) à confirmação por ROBERTO MARINHO e pela TV GLOBO de que são
verdadeiras as
suas garantias e declarações contratuais;
c) ao recebimento pela TV GLOBO da concessão para operar o canal 4 do Rio de
Página 155
A história secreta da Rede Globo
Janeiro, Estado da Guanabara;
d) à posse pelo Sr. ROBERTO MARINHO de pelo menos 5 1%das cotas do capital da
TV
GLOBO
d) ao recebimento por TIME de um parecer escrito do DR. LUIZ GONZAGA DO
NASCIMENTO E SILVA, advogado da TV GLOBO e de MARINHO,
confirmando terem sido cumpridas as condições contratuais;
e) ao assentimento do advogado de Time.
7-PARTICIPAÇÃO NOS LUCROS
TIME terá direito à participação de 30% (trinta por cento) dos lucros líquidos
produzidos anualmente pela TV GLOBO, a partir da transmissão comercial de
televisão
pelo canal 4, entendendo-se por lucro liquido a diferença entre o lucro bruto e
as deduções admitidas pela legislação brasileira de imposto de renda. TIME
participará
igualmente, na mesma proporção, dos prejuízos acaso verificados, embora isso não
obrigue TIME ou TV GLOBO a quaisquer contribuições ou pagamentos adicionais à
sociedade em conta de participação.
8- INFORMAÇÕES FINANCEIRAS
Todos os balanços da TV GLOBO, até a data do início da transmissão comercial
pelo canal 4, Rio de Janeiro, e da sociedade em conta de participação após
aquele evento, apresentados a TIME, deverão ser conferidos
pag:248
e aprovados por ERNEST &ERNEST, que, para tanto, terão livre acesso aos livros e
arquivos da TV GLOBO.
Além de um balanço a ser entregue a TIME 60 dias apôs a construção do prédio
para o estúdio, aquisição e instalação de equipamento e a entrega de Cr$
120.742.171 do
capital de giro pela e para a TV GLOBO, deverão ser apresentados a TIME,
mensalmente, balanços relativos ao mês terminado e a parte do ano civil
decorrida, bem como,
dentro de 90 dias a contar do encerramento de cada exercício fiscal da TV GLOB~,
um balanço relativo ao término do referido exercício e uma conta das entradas e
superavit
da TV GLOBO ou da sociedade em conta de participação.
TIME poderá visitar e inspecionar qualquer das propriedades da sociedade em
conta de participação, examinar seus livros e arquivos, discutir os negócios da
sociedade
em conta de participação com os funcionários da TV GLOBO, sempre que o desejar,
obrigando-se a TVGLOBO a fornecer ao TIME outras informações relativas aos
negócios da sociedade em conta de participação.
9-DURAÇÃO DOCONTRATO
O contrato terá a duração de 11 (onze) anos e em seguida prorrogar-se-á
automaticamente por prazo indeterminado até uma das partes o denunciar à outra,
por escrito,
com pelo menos 6 meses de antecedência da data escolhida para a rescisão.
10-RESCISÃO DURANTEA VIGÊNCIA DO CONTRAIO
A) O contrato poderá ser rescindido por TIME se a TV GLOBO ou MARINHO
faltarem
ao cumprimento das obrigações constantes do presente contrato, ou de
quaisquer outros contratos que possam estar em vigor entre as partes ora
contratantes ou, ainda, se MARINHO e sua mulher deixarem de possuir pelo menos 5
1%(cinqüenta e um por cento) das cotas do capital da TV GLOBO.
Página 156
A história secreta da Rede Globo
B) Se, a critério do DR. JOSË 1. NABUCO (ou no seu impedimento a critério de
dois árbitros escolhidos respectivamente pelo TIME e pela TV GLOBO, e se,
necessário para resolver um impasse, um desempatador escolhido pelos dois), o
Governo do Brasil tomar qualquer medida seriamente adversa a este investimento
estrangeiro
(não incluindo as modificações nos regulamentos cambiais, a não ser que importem
em prejudicar a própria acumulação em cruzeiros), TIME terá direito de rescindir
este
contrato a qualquer momento após o sexto ano de sua duração mediante aviso
escrito à TV GLOBO ou a MARINHO com seis meses de antecedência. Nessa hipótese,
o valor
da sociedade em conta de participação será determinado por avaliação feita em
data um mês anterior a em que se efetuar a rescisão, e na data da rescisão TV
GLOBO pagará ao TIME uma quantia correspondente a 3, 75%do
pag:249
valor determinado por essa avaliação. Em cada uma das sete primeiras datas do
aniversário desse primeiro pagamento, a TV~LOBO pagará ao TIME uma quantia
equivalente a 3,75% do valor da sociedade em conta de participação determinado
por essa avaliação.
C) TIME poderá rescindir o contrato em qualquer ocasião durante o prazo inicial
do mesmo, mediante aviso por escrito com seis meses de antecedência. Em tal caso
o valor da sociedade em conta de participação será determinado por avaliação
feita em data um mês anterior à data em que se efetuar a rescisão e, na data em
que se efetuar a
rescisão, TV GLOBO entregará a TIME uma nota promissória emitida por TV GLOBO,
pagável 10 (dez) anos decorridos da data em que se efetuar a rescisão, à ordem
do TI-ME, no valor equivalente a 30% (trinta por cento) do valor em cruzeiros
determinado pela referida avaliação, e rendendo juros à taxa que prevalecer no
Rio de Janeiro para os
empréstimos comerciais. Em tal caso cessará desde a data da rescisão o direito
de TIME aos lucros de conta de participação.
11-RESCISÃO APÓS O PERÍODO INICIAL DE 11 ANOS
A qualquer momento após o término de 11 anos contados a partir da data do
contrato, pode o mesmo ser rescindido por qualquer das partes contratantes
mediante aviso
escrito a cada uma das partes com seis meses de antecedência.
No caso de rescisão por aviso dado por MARINHO ou TV GLOBO o valor da
sociedade
em conta de participação será determinado por avaliação feita em data um mês
anterior à data em que se efetuar a rescisão, e na data da rescisão a TV GLOBO
pagará a TIME uma quantia correspondente a 30% do valor determinado pela
referida
avaliação. No caso de rescisão por aviso dado pelo TIME os pagamentos serão
feitos em 8 parcelas anuais de 3,75%
12 -AVALIAÇÕES
Todas as avaliações previstas serão feitas por PRICE WATERHOUSE, PEAT & Co.
DO
BRASIL, ou se estes se recusarem, por outros peritos avaliadores escolhidos
de comum acordo pelas partes contratantes.
13- DIREITO DE CONVERTER OS PAGAMENTOS DA RESCISÃO
A qualquer momento após o aviso da rescisão, e antes do pagamento integral das
quantias devidas a TIME, TIME poderá, se preferir, transferir o seu crédito a um
ou mais brasileiros natos, cujos nomes forem aprovados por MARINHO (aprovação
essa que não poderá ser negada arbitrariamente), e a TV GLOBO dará a esses
indivíduos o
direito de converter o seu crédito em 30% do capital da TV GLOBO. Se essa
conversão ocorrer apôs o pagamento parcial da quantia devida ao TIME, o crédito
será conversível em um número de ações
pag:250
Página 157
A história secreta da Rede Globo
equivalente a tantos um-oitavos de 30%quantos não tiverem sido pagos.
Se a TV GLOBO se transformar em sociedade anônima, os direitos
conferidos por este contrato subsistirão e serão adaptados à natureza própria
das sociedades anônimas.
14- LIQUIDAÇÃO
A 1V GLOBO não poderá voluntariamente liquidar ou dissolver ou dispor da
referida estação sem prévio consentimento, por escrito, de TIME. No caso de
qualquer
liquidação ou disposição involuntária, ou no caso de qualquer condenação ou
desapropriação da mesma estação de televisão, o TIME terá o direito a 30%da
quantia recebida
pela 1V GLOBO nessa ocasião, quantia essa que será devida imediatamente quando
do recebimento da mesma pela TVGLOBO.
15-CESSÃO
Este contrato poderá ser cedido pelo TIME a TIME INCORPORATED, uma sociedade
anônima de Nova York, ou a qualquer organização comercial, da qual mais de
50% das ações com direito a voto pertençam direta ou indiretamente a TIME
INCORPORATED.
16-ENDEREÇOS:
a) Para entrega de correspondência em mão ao TIME:
TIME-LIFE - Rua São José, 90, sala 804-Rio de Janeiro, Brasil.
Para TIME, New York, Vice-President Broadcasting
b)Para remessa de telegrama ou correspondência aérea ao TIME:
Vice-President Broadcasting - TIME INCORPORATED - Time & Life Building-
Rockfeller Center -New York, 20- N. Y. - USA.
NOTA DE RODAPÉ:
In: CALMON, op. cit.p. 257.61.
pag:251
ANEXO 5:
Contrato de Assistência
Técnica.
pag:252
pag:253
A Famosa "Assistência Técnica" entre a TV Globo e o
Grupo Time-Life
Outro documento, entregue pelo Sr. Roberto Marinho, depois de mil negaças, à
Comissão Parlamentar de Inquérito, diz respeito ao famoso contrato de
"assistência
técnica" firmado entre a TV Globo e o grupo Time-Life. Está vazado nos seguintes
termos:
"Contrato de assistência técnica datado de 24 de julho de 1962, que entre si
fazem Time Incorporated, sociedade anônima do Estado de Nova York (doravante
denominada Time) e a TV Globo Ltda. ,sociedade por quotas de responsabilidade
limitada brasileira (doravante denominada 1V Globo).
Considerando que a TV Globo se propõe a obter a licença e concessão para operar
o canal 4 de televisão no Rio de Janeiro e está construindo uma estação de
televisão para operar tal canal; e
Página 158
A história secreta da Rede Globo
Considerando que Time (através de subsidiárias) opera diversas estações de rádio
e televisão nos Estados Unidos e em outras partes, e através de sua longa
experiência
adquiriu considerável experiência técnica, artística e comercial no campo das
operações de televisão comercial; e
Considerando que Time-Life Broadcast International Inc., afiliada de Time, e a
TV Globo, em conjunto com o Dr. Roberto Marinho, assinaram um contrato nesta
data (doravante denominada Contrato Principal); e
Considerando que a TV Globo deseja se beneficiar da experiência e da orientação
e assistência técnica do Time, a fim de aperfeiçoar a construção e operação da
sua
estação de televisão e reconhecendo a importância e utilidade dessa estação,
Time está disposto a prestar tais serviços à TV Globo mediante termos e
condições adiante estabelecidos;
As partes contratantes têm entre si justo e contratado o seguinte:
1. Assistência Técnica - Durante o prazo deste contrato de assistência técnica,
Time fornecerá, de acordo com as especificações constantes do mesmo, a seguinte
assistência
pag:254
a) Time dará assistência no campo da técnica administrativa,
fornecendo informações e por outros modos prestando assistência relacionada com
a moderna administração de empresas e novas técnicas e processos modernos
relacionados
com a programação, noticiário e atividades de interesse público, vendas,
promoção e publicidade, atividades e controle financeiros, orçamentários e
contábeis, orientação
de engenharia e técnica, assistência na determinação das especificações do
prédio e do equipamento, assistência na determinação do número e das
responsabilidades adequadas
do pessoal a ser empregado pela TV Globo, e, em geral, orientação e assistência
com relação aos aspectos comercial, técnico e administrativo da construção e
operação de
uma estação de Televisão comercial. Com referência a essa assistência Time
enviará à 1V Globo no Rio de Janeiro na capacidade de consultor, pelo prazo que
a TV Globo desejar, uma pessoa com as habilitações equivalentes às de um
Gerente-Geral de uma estação de televisão. Além disso, Time fornecerá à estação
durante a vigência
deste contrato de assistência técnica, uma pessoa com experiência nos campos da
contabilidade e finanças. A referida pessoa trabalhará para a estação em regime
de tempo integral,
sob as ordens do Diretor-Geral e da diretoria, com o título de Assistente do
Diretor-Geral e responsabilidade específica nos campos de contabilidade e
finanças.
b) Time treinará, nas especialidades necessárias para a operação de
televisão comercial, o número de pessoas que a TV Globo desejar. Esse
treinamento terá lugar nas diversas estações de televisão do Time, bem como nos
escritórios do Time, em Nova York.
c) Na medida que a TV Globo o solicitar, Time treinará o pessoal da TV Globo nas
instalações da TV Globo no Rio de Janeiro. Para esse fim, Time enviará ao Rio de
Janeiro, pelos prazos que a TV Globo solicitar, pessoas com os necessários
atributos para conduzir esse treinamento. Fica entendido, naturalmente, que Time
necessitará
De um Aviso com antecedência razoável com relação ao pedido da TV Globo, para
providenciar que esse pessoal do Time seja liberado das suas responsabilidades
nos Estados Unidos.
d)Sempre que necessário, Time orientará e assistirá a TV Globo com referência à
obtenção de material de programa de televisão em Nova York e com referência às
negociações com protagonistas e atores. Essa orientação relacionar-se-á com os
Página 159
A história secreta da Rede Globo
aspectos financeiros de tal obtenção e negociações, bem como o valor artístico
das mesmas.
Em casos especiais, Time assistirá a TV Globo com referência à venda de
anúncios, visitando em Nova York os representantes de anunciantes em potencial.
Se Time, futuramente, vier a funcionar como representante de vendas de anúncios
para estações transmissoras que não sejam americanas, a TV Globo, durante a
vigência deste contrato
de assistência técnica, terá a oportunidade exclusiva de contratar os serviços
do Time nesse sentido, mediante remuneração determinada de comum acordo com
relação às
cidades em que a TV Globo operar em associação com Time, e este se compromete a
oferecer à TV Globo planos de remuneração pelo menos tão favoráveis quanto
pag:255
os oferecidos a qualquer outra empresa transmissora comparável à TV Globo,
enquanto este contrato de Assistência Técnica permanecer em vigor.
2. Remuneração - Como remuneração pelos serviços acima relacionados, a TV Gloho
pagará ao Time as seguintes quantias:
a) Pelos serviços previstos no parágrafo 1 (A), a 1V Globo pagará às pessoas com
as habilitações equivalentes às de um Gerente-Geral e ao Assistente do
Diretor-Geral da TV Globo, respectivamente, salários em cruzeiros, durante os
períodos em que estiverem vinculados à TV Globo, nos respectivos níveis de
salários vigentes à época, no Rio
de Janeiro, para pessoas com as mesmas habilitações. A TV Globo não pagará outra
remuneração específica pelos serviços previstos no parágrafo 1(A), tendo Time
concordado em assumir todos os outros custos incorridos no fornecimento desse
pessoal (isto é, salários-extras, benefícios de empregados, ajudas de custo para
viagem e moradia, despesas com nova instalação e mudanças, etc.).
b) Pelos serviços previstos no parágrafo 1 (B), a TV Globo pagará os salários e
despesas(inclusive passagem e manutenção)do pessoal da TV Globo em questão.
Entretanto, a TV Globo não pagará ao Time qualquer remuneração específica pelo
pessoal e instalações que o Time oferecer para efetuar tais serviços. Se, a
pedido da TV
Globo, o Time efetuar quaisquer despesas por conta da TV Globo, a TV Globo,
naturalmente, reembolsará o Time na moeda dispendida.
c)Pelos serviços previstos no parágrafo 1(B), a 1V Globo reembolsará o Time da
quantia e na mesma moeda dispendida com o transporte e outros gastos do pessoal
necessário, do lugar de origem ao Rio de Janeiro e retorno, do custo de
manutenção desse pessoal durante o período em que estiver vinculado à TV Globo
no Rio de Janeiro. Além disso, a TV Globo pagará ao Time, em dólares americanos,
uma quantia equivalente a 150% do salário direto do referido pessoal durante o
período em que o mesmo não
estiver à disposição do Time em virtude das necessidades da TV Globo, a titulo
de reembolso desses salários e dos custos relacionados com os planos de seguro e
pensão
de empregados, taxas sobre a folha de pagamento e itens correlatos.
d) Pelos serviços previstos nos parágrafos 1(D) e 1(E), a TV Globo não pagará
qualquer remuneração específica ao Time, com exceção do que for convencionado
com
referência à atividade do Time como representante de Vendas de Anúncios para a
TV Globo conforme o disposto no parágrafo 1(E).
e) Além dos pagamentos previstos nos parágrafos 2(A) e (C) inclusive, a TV Globo
pagará ao Time, a título de reembolso das despesas não cobertas pelas
remunerações específicas descritas acima, e como remuneração pelos serviços
previstos neste contrato, uma remuneração em cruzeiros equivalente a 3%das
receitas brutas
da TV Globo (após a dedução de quaisquer comissões pagáveis a agências de
propaganda ou corretores individuais a título de vendas de anúncios transmitidos
pela TV Globo)
durante um período de 10 anos a começar na data em que a TV GLOBO iniciar as
Página 160
A história secreta da Rede Globo
suas transmissões comerciais pelo Canal 4, Rio de Janeiro. No cômputo dessas
receitas
brutas não será incluído o valor dos anúncios transmitidos pela TV Globo para O
Globo 5. A.
pag:256
ou para a Rádio Globo S. A., em troca da publicação ou transmissão recíproca de
anúncios em benefício da TV Globo. Após o primeiro ano de sua operação
comercial,
no caso de quaisquer outros serviços prestados ou bens permutados pela TV Globo
por compensação que não seja dinheiro, essa compensação será incluída nas
citadas receitas
brutas pelo valor que prevalecer para os serviços prestados pela TV Globo em
troca da mesma compensação ou pelo justo valor do mercado que prevalecer para os
bens entregues pela TV Globo, na medida em que a referida compensação exceder,
em qualquer exercício fiscal, de 10% das citadas receitas brutas no exercício ~m
questão.
3. Prazo e Forma de Pagamento - Os salários em cruzeiros previstos no parágrafo
2(A) serão pagos de acordo com o costume que prevalecer à época, no Rio de
Janeiro. Os reembolsos e pagamentos previstos nos parágrafos 2(B) e 2(C) serão
faturados pelo Time à TV Globo mensalmente, e serão pagos na moeda adequada
dentro de 15 dias do recebimento das respectivas faturas. Qualquer remuneração
que possa ser acordada conforme o disposto no parágrafo 1(E) será paga na
maneira estabelecida por
ocasião de tal acordo. A remuneração em cruzeiros prevista no parágrafo 2(E)
será paga, tentativamente, nos prazos estabelecidos no Contrato Principal para a
distribuição preliminar dos lucros e será finalmente ajustada em relação a cada
exercício financeiro, à época e na forma estabelecidas no Contrato Principal
para a determinação e
distribuição final do lucro anual. Todas as quantias pagáveis ao Time em
cruzeiros, por força deste contrato, serão depositadas, quando devidas, na conta
do Time em um banco no Rio de Janeiro designado pelo Time. Todas as quantias
pagáveis ao Time, em dólares americanos, por força deste contrato, serão
creditadas quando devidas na conta
do Time em um banco em Nova York designado pelo Time.
4. Informações Financeiras - Dentro de 90 dias após o término de cada exercício
financeiro da TV Globo, com relação ao qual sejam devidos pagamentos ao Time
por
força deste contrato, a TV Globo entregará ao Time um certificado preparado pela
firma Ernest & Emest do Brasil por conta da Sociedade em conta de participação
estabelecida no Contrato Principal, comprovando a quantia devida ao Time nos
termos do parágrafo 2(E) a título de renda bruta da TV Globo durante o
respectivo exercício
financeiro. Dentro de 90 dias após o término de cada exercício financeiro do
Time com relação ao qual o Time tenha faturado a TV Globo por qualquer quantia
objeto deste contrato, o Time entregará à TV Globo um certificado preparado por
conta do Time por Ernst & Emst, comprovando a quantia devida ao Time pela TV
Globo.
5. Duração - Este Contrato de Assistência Técnica permanecerá em vigor a partir
desta data até uma data 10 (dez) anos após a data em que a TV Globo começar
a transmissão comercial pelo Canal 4 do Rio de Janeiro, e em seguida será
automaticamente prorrogado por prazo indeterminado até que um das partes faça à
outra notificação escrita da rescisão, com pelo menos 6 (seis) meses de
antecedência da data escolhida para a rescisão, exceto que:
a) Time poderá terminar este contrato de Assistência Técnica se
pag:257
Time-Life Broadcast International Imc. não for obrigado, de acordo com o
parágrafo 2 do Contrato Principal a fazer o pagamento à TV G1obo conforme o
disposto no mesmo;
b) Time poderá terminar este Contrato de Assistência Técnica se Time-Life
Página 161
A história secreta da Rede Globo
Broadcast International Inc, terminar o Contrato Principal pelas razões
previstas no parágrafo 13(A) do mesmo; e
c) TV Globo poderá terminar este Contrato de Assistência técnica se o Contrato
Principal terminar.
6. Transferência - Este contrato poderá ser transferido por Time a qualquer
organização comercial em que mais de 50%de suas ações com direito a voto
pertençam a Time, direta ou indiretamente. Este contrato não poderá ser
transferido de outro modo.
7. Vias do presente contrato - As partes contratantes assinam o presente em
diversas vias de igual valor, em português como em inglês. O texto português
terá o mesmo valor do texto inglês na determinação da intenção e do acordo das
partes.
EM TESTEMUNHO DO QUE, as partes assinam o presente contrato no dia e ano
indicados no início do mesmo.
TIME INCORPORATED - (as.) Weston C. Pullen J.p.p. TV GLOBO LIDA. (as.) -
Roberto
Marinho.
NOTA DE RODAPÉ:
In: CALMON, op. cit. p. 253-6.
pag:258
pag:259
ANEXO 6:
Contrato de Arrendamento.
pag:260
pag:261
Um dos Segredos Mais Bem Guardados do Brasil:
o Contrato TV Globo-Time-Life
Mantido, também, durante muito também, como uma espécie de segredo de Estado, o
contrato de arrendamento, pela TV Globo, do imóvel que ela vendera
anteriormente ao grupo Time-Life, só foi divulgado por ter sido entregue à
Comissão Parlamentar de Inquérito, que exigiu esse documenta Eis o seu texto na
íntegra: (*)
"Contrato de arrendamento que entre si fazem, em data de 15 de janeiro de 1965,
TV GLOBO LIDA., uma sociedade brasileira de responsabilidade imitada (doravante
denominada "TV GLOBO"), como locatária, e TIME-LIFE BRASIL, INC., uma
companhia
do Estado de Delaware (doravante denominada "ILBI"), como locadora.
CONSIDERANDO que a 1V Globo se propõe a obter a concessão e licença para operar
o canal 4 de televisão, no Rio de Janeiro, Brasil, e a operar uma estação de
televisão pelo referido canal (doravante denominada "Estação de Televisão do
Rio");
CONSIDERANDO que TLBI é a proprietária ou tem o direito de adquirir o edifício
do estúdio amplamente descrito no Anexo 1 do presente (o qual será doravente
denominado a "Propriedade", inclusive as suas futuras ampliações e obras
complementares);
CONSIDERANDO que TLBI, com o fito de assistir a TV GLOBO em suas atividades
de
radiodifusão, deseja que a TV GLOBO se utilize da Propriedade;
Página 162
A história secreta da Rede Globo
CONSIDERANDO que a TV GLOBO crê que é do seu interesse receber em locação a
Propriedade e que a colaboração recíproca entre TLBI e a TV
NOTA DE RODAPÉ:
(*) Anexo ao ofício de 21 de janeiro de 1966 da TV Globo ao CONTEL e ao ofício
de 15 de fevereiro de 1966 da 1V Globo à Comissão Parlamentar de Inquérito
(Portaria 22-B).
pag:262
GLOBO será vantajosa para o êxito das operações da Estação de Televisão do Rio;
As partes têm entre si justo e contratado o seguinte:
1. Definições - A menos que o contexto onde se acham empregados imponha outra
interpretação, os seguintes termos terão os significados abaixo:
2.
a) Os termos TV Globo, TLBI, Estação de Televisão do Rio e Propriedade terão os
significados indicados no título e preâmbulo deste Contrato.
b) Aluguel Adicional significa o aluguel de que trata o Art. 3 (11) do presente,
a ser pago à TLBL.
c) Dia da Entrada no Ar significa a data (depois de completados todos os tipos
de teste para a Estação de Televisão do Rio) em que a Estação de Televisão do
Rio iniciar
suas transmissões comerciais de televisão numa base de horários regulares.
d)Aluguel Básico significa o aluguel previsto no Art. 3(A) do presente, a ser
pago à TLBL.
e)Atividades de Radiodifusão significam a propriedade e a operação da Estação de
Televisão do Rio pela TV GLOBO, bem como as atividades que, de uma forma
razoável, lhes sejam correlatas.
f) Lucros Líquidos significam os lucros da TV Globo antes de sobre eles incidir
o imposto de renda, computados de acordo com o Art 5.
g) Ernst & Ernst significa Ernst & Ernst do Brasil ou outros contadores
autônomos devidamente habilitados, de reputação internacional notória,
escolhidos pela TV
GLOBO para lhe servirem de auditores (sujeitos à aprovação de ILBI) ou
escolhidos por TLBI para seus auditores (sujeitos à aprovação de TV Globo).
h) Força Maior significa as ocorrências que o Código Civil Brasileiro define
como sendo de força maior.
i) Marinho significa o Dr. Roberto Marinho, pessoa física residente na Rua Cosme
Velho 1. 105, Rio de Janeiro, Brasil.
j)Expropriação significa a expropriação da Propriedade, no todo ou em parte,
durante o prazo deste Contrato, ou de qualquer fruto, produto, ou direito
decorrente da Propriedade, em conseqüência, ou no lugar ou em antecipação do
exercício do direito ou de suposto direito de condenação, domínio direto,
requisição, confisco,
nacionalização, ou desapropriação, ou de uma modificação qualitativa que afete a
Propriedade ou qualquer parte da mesma, ou a imposição de qualquer exigência
legal que torne impossível o cumprimento desse Contrato.
k) Time Nova York significa Time Incorporated, uma companhia do Estado de Nova
York.
2. Prazo do Arrendamento. ILBI pelo presente dá em locação à TV GLOBO, em
caráter não exclusivo, e a TV GLOBO, pelo presente, recebe em locação de TLBI
toda
a Propriedade, por um prazo inicial a começar nesta data e a terminar 10 anos
Página 163
A história secreta da Rede Globo
após a data de entrada no ar da Estação de Televisão do
pag:263
Rio, podendo esse prazo inicial ser prorrogado de acordo com as disposições do
Art 18.
3. Aluguel. (a) Como Aluguel Básico da Propriedade, a TV GLOBO pagará a ILBI,
por cada ano civil, a partir de 19 de janeiro de 1965 (de acordo com as
disposições do Art. 8), uma importância equivalente a 45% dos Lucros Líquidos da
TV GLOBO durante o referido ano civil. Tais lucros líquidos, serão computados de
acordo com o Art. 5.
b) Como Aluguel Adicional da Propriedade, a TV GLOBO, pagará a ILBI, por cada
ano civil (de acordo com as disposições do Art. 8) uma importância computada
de acordo com o Art. 7.
4. Informações financeiras: TV GLOBO. (a) Dentro do prazo de 15 dias a contar do
término de cada mês do calendário, TV Globo entregará a ILBI um balanço
levantado no fim do mês em questão, bem com um demonstrativo da receita e
excedentes desse mês e a parte do ano civil que já houver decorrido. Cada uma
dessas séries de
demonstrativos será preparada de acordo com princípios de contabilidade,
geralmente aceitos, aplicados de modo consistente, devendo, outros sim, conter
um levantamento dos Lucros Líquidos (computados de acordo com o Art. 5), e será
certificada pelo Diretor-Gerente da TV Globo.
b) A obrigação de fornecer os demonstrativos financeiros a que se refere o
parágrafo (A) acima começará no mês em que ocorrer a data da entrada no ar da
Estação de Televisão do Rio. O primeiro demonstrativo da receita e excedentes
fornecidos de acordo com o parágrafo (A) deverá incluir todas as receitas da TV
Globo, qualquer que seja a época em que foram percebidas, anteriores ao término
do mês em questão, e quaisquer despesas, feitas em qualquer época, diretamente
relacionadas com as aludidas
receitas (mas não quaisquer despesas relacionadas com a construção e a conclusão
da Estação de Televisão do Rio e do prédio do seu estúdio). Esse primeiro
balanço deverá ser certificado por Ernst & Ernst.
c) Dentro do prazo de 90 dias a contar do término de cada mês do calendário, TV
Globo deverá entregar a TLBI um balanço relativo ao ano em questão, bem como
um demonstrativo da receita e excedentes desse ano. Cada uma dessas séries de
demonstrativos será preparada de acordo com princípios de contabilidade
geralmente aceitos,
aplicados numa base consistente, e deverá, outros sim, conter um levantamento
dos Lucros Líquidos durante o ano em questão (computados de acordo com o Art. 5)
e terá de ser certificado por Ernest & Ernest.
d) a TV GLOBO deverá fornecer a TLBI outros dados relativos à sua posição
francearia às suas operações, sempre que TLBI os solicitar.
e) A fim de verificar lis informações financeiras fornecidas por ILBI de acordo
com este Artigo, ILBI e Ernst & Ernst poderão visitar e inspecionar qualquer
parte
da Propriedade, e tanto uma como os outros terão acesso direto a todos os livros
de contabilidade, arquivos, contratos, faturas, documentos de caixa e
comprovantes relativos aos mesmos, que disserem respeito à TV GLOBO, e poderão
discutir com funcionários da TV GLOBO os negócios da
pag:264
TV GLOBO e todos os assuntos relativos à Propriedade sempre que ILBI e Emst &
Emsto desejarem.
5. Cômputo dos Lucros Líquidos. Os lucros líquidos da TV GLOBO, para efeito de
cálculo de Aluguel Básico previsto neste Contato, serão computados com base nos
demonstrativos financeiros de que trata o Art. 4, de. vendo ser observadas as
seguintes normas adicionais:
Página 164
A história secreta da Rede Globo
a) Os impostos de renda (bem como os impostos sobre lucros extraordinários e
quaisquer outros impostos ou investimentos compulsórios condicionados ao lucro,
e também as multas ou juros decorrentes dos mesmos), tanto os que se tornarem
devidos como os que já houverem sido pagos, não serão deduzidos para efeitos de
calculo dos Lucros Líquidos;
h) quaisquer lucros da 1V GLOBO relativos a exercícios contábeis anteriores, que
não houverem sido distribuídos a seus cotistas, e quaisquer rendimentos
decorrentes dos mesmos, não serão incluí dos;
c) nenhuma dedução será admitida para reservas (exceto reservas feitas, com
realismo, para devedores duvidosos e para contingências previsíveis e
específicas) ou para atender a qualquer despesa ou compromisso, inclusive juros,
em violação ao Art. 20 ou constituindo evento previsto no Art 21(A) (V) como
causa para a possível rescisão deste Contrato por ILBI;
d) não se levará em conta qualquer item do ativo ou do passivo, quaisquer
receitas, despesas ou cobranças que não sejam imputáveis às Atividades de
Radiodifusão da TV GLOBO;
e) as despesas além do Aluguel Básico e do Aluguel Adicional incorridas pela TV
GLOBO com relação à Propriedade, de acordo com as obrigações assumidas pela
TV GLOBO em virtude deste Arrendamento (afora as obrigações designadas corno
sendo exclusivamente custo e despesa da TV GLOBO), serão dedutíveis;
f) serão dedutíveis as importâncias efetivamente despendidas em melhorias de
bens do capital, aprovados pela TLBI e por TV GLOBO (afora as despesas feitas
de depreciação acumulada), exceto as despesas capitalizadas que hajam sido
efetuadas por TV GLOBO antes da data de entrada no ar da Estação de Televisão do
Rio, ou quaisquer outras despesas relacionadas com a conclusão da Estação de
Televisão do Rio ou do prédio de seu estúdio;
g) nenhuma dedução será admitida para quaisquer pagamentos diretos ou indiretos,
a título de aluguel ou a qualquer outro título, com relação a qualquer
arrendamento, locação ou outros ajustes referentes a propriedade que não a
Propriedade, usada ou a ser usada para fins de estúdio, exceto os pagamentos
autorizados por lLBl;
h) as despesas com auditoria e serviços de certificação de demonstrativos e
balanços realizados por Ernst & Ernest serão dedutíveis; e
i) sob todos os outros aspectos, os Lucros Líquidos serão computados de acordo
com as normas do Departamento do Imposto de Renda do Brasil.
6. Informações Financeiras: TLBIJ (a) Dentro de 10 dias, a contar do término de
cada mês do calendário, TLBI, entregará à TV Globo um demonstrativo das despesas
incorridas por TLBI com relação à Propriedade
pag:265
durante o mês em questão, e de quaisquer receitas (afora o Aluguel Básico ou o
Aluguel Adicional)percebidas por ILBI com relação à Propriedade, tudo computado
de acordo
com as disposições do Art. 7. O mencionado demonstrativo será certificado pelo
representante financeiro de TLBI no Rio de Janeiro ou por outro funcionário do
setor financeiro de TLBI;
b) Dentro do prazo de 80 dias, a contar do término de cada ano civil, TLBI
entregará à TV Globo um demonstrativo das despesas e receitas do tipo referido
no parágrafo (a) acima, incorridas ou percebidas, conforme o caso, com relação à
Propriedade durante o ano civil em questão, tudo computado de acordo com as
disposições do Art. 7, e certificadas por Ernst &Ernst;
c) ILBI fornecerá à TV GLOBO outras informações concernentes à sua posição
financeira e às suas operações (inclusive prova do pagamento das quantias que
figurem
nos demonstrativos mencionados nos parágrafos (A) e (B) acima como tendo sido
despendidas), sempre que a TV GLOBO o solicitar;
Página 165
A história secreta da Rede Globo
d) O primeiro demonstrativo mensal a ser entregue de acordo com o parágrafo (A)
acima dirá respeito ao mês em que a obrigação de TV Globo de entregar
demonstrativo a que se refere o Art 4(A) começar a ser cumprida, e deverá
incluir todos os itens pertinentes de receita e despesas, percebidos ou
incorridos, conforme
o caso, em qualquer época anterior ao término do mês em questão;
7. Cômputo do Aluguel Adicional. O aluguel adicional a ser pago pela TV GLOBO
consistirá de 55%das seguintes despesas de TLBI, incorridas com relação à
Propriedade (menos 55%de qualquer receita afora o Aluguel Básico ou o Aluguel
Adicional percebida com referência à Propriedade);
I) todas as despesas de ILBI relacionadas com a Propriedade e com a sua
administração e arrendamento computadas de acordo com as normas do Departamento
do Imposto de Renda do Brasil; e
II) todas as obrigações de TLBI relativas a impostos, taxas e outras despesas
impostas pelo Governo, ficando certo, todavia, que não se incluem as seguintes:
III) quaisquer despesas globais da matriz; e
IV)impostos de renda (e impostos de lucros extraordinários e quaisquer outros
impostos ou investimentos compulsórios condicionados ao lucro e quaisquer multas
ou juros decorrentes dos mesmos), não se entendendo como tais, porém, os
impostos sobre imóveis, ainda que graduados com base no aluguel da Propriedade;
e
V) todos os impostos americanos e todos os impostos e outras despesas
relacionados com a remessa dos lucros de TLBI para o exterior.
8. Pagamento do Aluguel Básico e do Aluguel Adicional. (a) Por ocasião da
entrega à TLBI de cada uma das séries de demonstrativos mensais, de acordo com o
Art. 4(A), a TV Globo pagará a ILBI no Rio de Janeiro, na forma que for indicada
por TLBI, uma quantia suficiente para (1) igualar o total de todos os pagamentos
do Aluguel Básico durante o ano civil (ou parte do mesmo) que houver terminado
na data dos referidos demonstrativos, a 45% dos Lucros Líquidos com referência
ao mencionado ano civil (ou parte do mesmo), tal
pag:266
como esses lucros figuram nos demonstrativos, e (II) cobrir o montante do
Aluguel Adicional, a ser pago na ocasião. Se, porém, em qualquer mês, a TV GLOBO
não tiver dinheiro suficiente, em caixa ou em bancos, para fazer face aos
necessários pagamentos do Aluguel Básico e para reter, ao todo, 55% dos Lucros
Líquidos, que restarem
após o pagamento do Aluguel Adicional e essa insuficiência de numerário não
resultar da falta de cumprimento pela TV GLOBO do Art.20 (C), nem de qualquer
violação do Art
21(A) (V), o que daria ensejo a uma possível rescisão deste Contato de
Arrendamento por parte de TLBI, então será paga a TLBI apenas a importância do
Aluguel Adicional
que for considerada devida e, após o referido pagamento, ser-lhe-á paga uma
quantia equivalente a 45% do dinheiro que restar disponível.
b) Por ocasião da entrega a TLBI de cada uma das séries de demonstrativos anuais
certificados por Emest & Ernest, de acordo com o Art. 4 (C), a TV Globo pagará
a TLBI, no Rio de Janeiro, na forma que for indicada por TLBI, uma quantia
suficiente para (1) igualar o total de todos os pagamentos a TLBI do Aluguel
Básico durante
o ano civil que houver terminado na data dos referidos demonstrativos, a 45%dos
Lucros Líquidos e (II) cobrir o montante do Aluguel Adicional a ser pago com
referência ao ano
em questão. Na hipótese de uma quantia superior ao Aluguel Básico e ao Aluguel
Adicional devidos, de acordo com os mencionados demonstrativos de fim de ano (e
com os demonstrativos de fim de ano fornecidos por TLBI nos termos do Art. 6(B),
já houver sido paga a TLBI), ILBI restituirá a quantia excedente à TV Globo no
prazo de 15 dias, a
Página 166
A história secreta da Rede Globo
contar do recebimento dos referidos demonstrativos certificados.
c) O calculo dos Lucros Líquidos, no mês em que for fornecido o demonstrativo
inicial de receita e excedentes da TV Globo de que trata o Art. (B), deverá
levar em
conta os resultados financeiros que revelar o mencionado demonstrativo, embora
esses resultados não digam respeito, necessariamente, ao mês em questão. Do
mesmo modo, o pagamento inicial do Aluguel Adicional basear-se-á nos
demonstrativos financeiros iniciais da ILBI, a que se refere oArt~6(D).
9. TLBl Desonera-se de Responsabilidades. TV GLOBO teve oportunidade de examinar
a Propriedade e está inteiramente a par da situação da mesma. TLBI não se
responsabiliza, expressa ou implicitamente, quanto ao seu título de propriedade
ou quanto ao seu direito de arrendar a Propriedade, ou quanto ao estado da mesma
ou de parte da mesma, sua utilidade e condições, qualidade do material,
equipamento ou construção, ficando acordado que todos esses riscos, no que se
refere às relações entre TLBI e a
TV GLOBO, correrão por contada TV GLOBO.
10. Impostos, etc. A TV GLOBO deverá pagar e quitar-se prontamente de todos e
quaisquer impostos, taxas e outras despesas, ordinárias ou extraordinárias, que
possam ser impostas, lançadas ou cobradas com relação à Propriedade ou a
qualquer parte da mesma, durante o prazo deste Contrato. A qualquer tempo
durante o prazo deste
Contrato de Arrendamento, a TV GLOBO terá o direito, em seu próprio nome, ou em
nome de TLBI, de
pag:267
reclamar ou pedir a revisão de quaisquer impostos, taxas ou despesas referidas
acima.
11. Cumprimento da Lei, etc. Durante o prazo deste Contrato de Arrendamento, a
TV GLOBO deverá sempre prontamente observar e cumprir, sob todos os seus
aspectos, quaisquer leis, decretos, portarias, resoluções, ordens de serviço e
regulamentos baixados por qualquer autoridade governamental brasileira, que
sejam aplicáveis à
Propriedade ou ao seu uso pela TV GLOBO, e tendente a corrigir, prevenir ou
reduzir incômodos ou outras condições inerentes ou relacionadas com a
Propriedade ou
provenientes do seu uso pela TV GLOBO; e deverá prontamente fazer, por si ou por
outrem, todos e quaisquer consertos, alterações, melhoramentos ou modificações
que
forem exigidas em virtude de quaisquer das referidas leis, decretos, portarias,
resoluções, ordens de serviço e regulamentos ou em virtude de qualquer
notificação,
intimação
ou outro ato ou processo para assegurar o seu cumprimento: ficando certo,
todavia, que a TV GLOBO terá o direito de contestar ou pedir reconsideração, em
seu nome, ou em
nome da TLBI, de qualquer dos atos surpracitados que ela considerar ilegais, em
qual caso, e na hipótese de TV GLOBO reclamar ou pedir a revisão de quaisquer
impostos,
taxas ou despesas a que se refere o Art. 10 acima, a TV GLOBO participará da
defesa em toda e qualquer ação ou processo instaurado contra ILBI ou contra ela
TV GLOBO,
para assegurar ou compeliro cumprimento de tais disposições, ou para a cobrança
de qualquer imposto de que trata o Art. 10 acima ou de qualquer penalidade pela
falta
de cumprimento de qualquer das referidas leis, decretos, portarias, resoluções,
ordens de serviço e regulamentos, devendo a TV GLOBO pagar prontamente o
montante de
qualquer condenação em virtude do julgamento irrecorrível em qualquer ação ou
processo acima referido, bem como assumir, por sua conta e risco, qualquer
responsabilidade porventura imputável a TLBI, por qualquer perda, dano ou
penalidade decorrente de omissão, recusa ou falta de cumprimento pela TV GLOBO
de qualquer
das mencionadas leis, decretos, portarias, resoluções, ordens de serviço e
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A história secreta da Rede Globo
regulamentos, ou de qualquer notificação, intimação, ou outro ato ou processo
para assegurar
o seu cumprimento. Qualquer ação judicial de vulto do tipo aqui referido só será
movida com a aprovação do advogado brasileiro de TLBL
12. Manutençção e Conserto A. TV GLOBO deverá manter sempre a Propriedade em
boas condições de conservação, salvo pelo desgaste natural que o uso da mesma
acarreta, e deverá, quando o prazo deste Contrato de Arrendamento expirar ou
antecipadamente terminar, restituir a Propriedade a ILBI em boas condições de
conservação,
salvo, pelo desgaste natural que o uso da mesma houver acarretado. A TV GLOBO
fará todos os consertos de qualquer natureza na Propriedade, sejam maiores ou
menores,
ficando certo, todavia, que a TV GLOBO não fará quaisquer mudanças estruturais
ou alterações substanciais na Propriedade sem o consentimento de TLBI.
13. Responsabilidade por Danos ou Destruição. (A) Na hipótese de a Propriedade
ou qualquer parte da mesma sofrer qualquer perda ou for
pag:268
danificada ou destruída de qualquer forma, por culpa da TV GLOBO, esta reparará,
à sua custa, a perda, dano ou destruição, de modo que a Propriedade seja
restituída
às suas
primitivas condições de funcionamento, substancialmente, ou a condições de
funcionamento equivalentes às primitivas.
b) Não obstante qualquer perda, dano ou destruição da Propriedade não será feito
abatimento algum do Aluguel Básico (isto é, 45% dos Lucros Líquidos) pelo fato
de
a TV GLOBO não poder usar a Propriedade em conseqüência de qualquer causa.
14. Seguro. A TV GLOBO, durante o prazo deste Contrato de Arrendamento, deverá
segurar a Propriedade e manter sempre em vigor as respectivas apólices, devendo
para isso utilizar-se de companhias de seguro de reconhecida idoneidade, aceitas
por ILBI, e dos tipos e importâncias de cobertura indicados e aceitos por ILBL
Iodas as
referidas apólices de seguro deverão ser aprovadas por ILBI, e serão emitidas em
nome de 7J1'IBI, como beneficiária da eventual indenização, exceto na medida em
quer as referidas apólices abrangerem bens de propriedade da TV GLOBO que não
façam parte da Propriedade. As apólices de seguro de que trata este artigo serão
entregues a TLBI
e permanecerão em poder desta. Quando receber qualquer indenização em virtude de
seguro feito nos termos deste artigo ILBI entregará à TV GLOBO a referida
indenização,
na medi da e para o fim de reembolsar a TV GLOBO do custo dos consertos,
restaurações ou isubstituições da Propriedade, feitos pela TV GLOBO de acordo
como presente
Contato de Arrendamento.
A TV GLOBO deverá manter sempre em vigor apólices de seguro de responsabilidade
civil, com referência à Propriedade, por um valor que TLBI julgar satisfatório,
e para isso utilizar-se de companhias de seguro que mereçam a aprovação desta.
As referidas apólices serão emitidas em nome de TLBI e da TV GLOBO, como
beneficiárias
das mesmas, em função dos seus respectivos interesses.
15. Garantia a TLBI A TV GLOBO assumirá qualquer perda, despesa (inclusive
honorários de advogado razoáveis e o custo de investigações),
responsabilidade ou ação que TLBI venha a sofrer (tanto antes como depois do
prazo deste Contrato de Arrendamento) em virtude de qualquer lei, decreto ou por
qualquer
outra causa, comprometendo-se a defender TLBI e a Tomá-la imune à referida
perda, despesa, responsabilidade ou ação, na medida em que estas se originem ou
se baseiem
no seu domínio e posse da Propriedade, ou se originem ou se baseiem no uso,
operação, projeto, entrega, armazenagem, transporte ou existência da
Página 168
A história secreta da Rede Globo
Propriedade, reais
ou alegados, ou no modo pelo qual tenham ocorrido, ou se alegue que tenham
ocorrido, surjam de onde surgirem a referida perda, despesa, responsabilidade ou
ação, sejam ou não atribuídas a qualquer dano ou defeito em qualquer dos
componentes da Propriedade.
16. Despesa com Serviços Públicos. TV GLOBO deverá pagar todas as contas de gás,
energia elétrica, luz, força e outros serviços públicos, locados ou fornecidos
com
referência à Propriedade, durante todo o prazo deste Contrato
pag:269
de Arrendamento, e assumirá o ônus e tornará TLBI isenta de qualquer
responsabilidade ou prejuízo decorrente da falta de pagamento das referidas
contas, correndo
por conta da TV GLOBO todo os custos e despesas supervenientes. A TV GLOBO,
outros sim, providenciará todas as necessárias permissões, licenças e outras
autorizações
relacionadas com a instalação e a manutenção, na Propriedade, de fios, canos,
condutores, tubos e outros equipamentos e aparelhos destinados ao fornecimento
dos serviços públicos em questão à Propriedade. ILBI não será obrigada a
fornecer à TV GLOBO água, eletricidade, ou outros serviços.
17. Direito de Propriedade de TLBI. A TV GLOBO obriga-se a sempre (A) proteger e
defender o domínio e a posse de ILBI sobre a Propriedade contra toda e qualquer
ação, ônus (inclusive, mas sem qualquer limitação, as responsabilidades
relativas a fornecedores de material), turbações, esbulhos e processos movidos
por credores da TV
GLOBO ou por quaisquer outras pessoas que tenham reivindicação de qualquer
natureza contra a TV GLOBO e (B) manter a Propriedade e qualquer dos seus
componentes livres e desembaraçados de quaisquer dos referidos ônus, ações,
processos, turbações e esbulhos. Iodas as despesas incorridas com referência a
ônus, ações, processos,
turbações e esbulhos relacionados com as atividades de radiodifusão serão
dedutíveis para efeito de calculo dos Lucros Líquidos; todas as demais despesas
incorridas
com relação ao disposto neste artigo correrão por conta da TV GLOBO.
18. Renovação do Arrendamento. Este Contrato de Arrendamento será considerado
renovado, automaticamente, por quatro períodos sucessivos de
10 anos, a contar do término do prazo inicial previsto no Art. 2, a menos que
tanto ILBI como a TV GLOBO se notifiquem, reciprocamente, no mínimo seis meses
(e no máximo com nove meses) antes de expirado o prazo inicial deste Contrato,
ou de expirado cada um dos períodos de renovação aqui previstos, do seu desejo
de dar
por terminado este Contrato de Arrendamento.
19. Boa Fé das Partes. lendo em vista a natureza especial do Aluguel Básico
pagável na forma deste Contrato (isto é, uma parcela dos Lucros Líquidos), ILBI
e a TV GLOBO cumprirão as disposições deste Contrato com a mesma boa fé que a
lei brasileira exige de sócios. Entretanto, nada do que consta deste artigo dará
a ILBI:
a) qualquer direito de possuir cotas do capital da TV GLOBO, nem quaisquer
outros direitos que alei brasileira confere a cotista;
b) qualquer interferência direta ou indireta na diretoria ou administração da TV
GLOBO, as quais diretoria ou administração, de acordo com a lei brasileira,
serão integradas somente por diretores ou gerentes eleitos pelos cotistas da TV
GLOBO, segundo os seus atos constitutivos;
c) responsabilidade pelas Atividades de Radiofusão, bem como pela orientação
intelectual ou comercial da TV GLOBO, as quais atividades e orientação
caberão exclusivamente aos seus cotistas; e
qualquer participação sob qualquer aspecto na orientação intelectual ou
comercial da TV GLOBO.
Página 169
A história secreta da Rede Globo
pag:270
Por outro lado, a TV GLOBO não participará de qualquer transação estranha ao
curso normal dos negócios relacionados com as suas Atividades de Radiofusão.
20. Certas Atividades Proibidas, lendo em vista a boa fé que se exige de ILBI e
da TV GLOBO, nos termos do Artigo 19 acima, 1121 concorda em não oferecer o uso
das instalações que compõem a Propriedade a estações de rádio e televisão
concorrentes nas áreas servidas pela Estação de Televisão do Rio, embora possa
oferecer o uso da Propriedade a estações de rádio e televisão em outras áreas,
dando preferência às associadas da TV GLOBO. Reciprocamente, a TV GLOBO não
alugará, adquirirá ou
de outra forma utilizará instalações em concorrências com as que compõem a
Propriedade, devendo outros sim, a menos que a ILBI concorde por escrito,
funcionar
exclusivamente em dependências que integrem a Propriedade. Sem o consentimento
de TLBI, a TV GLOBO só poderá usar a Propriedade para as suas próprias
Atividades Radiofusão, nunca para as de terceiros.
21. Violação deste Contrato pela TV GLOBO. (A)Para os efeitos deste Contrato de
Arrendamento, as seguintes ocorrências constituirão violação do mesmo:
I) atrasar-se ou deixar a TV GLOBO de pagar qualquer prestação do Aluguel Básico
ou do Aluguel Adicional previstos neste Contrato, na época e forma nele estatuí
das;
II) a insolvência, falência, liquidação, dissolução ou pedido de concordata da
TV GLOBO, ou qualquer outro modo de composição com credores previsto na lei
De falências do Brasil ou legislação correlata, ou a nomeação, a pedido da TV
GLOBO, de síndico ou liquidante com relação à totalidade ou parte substancial de
seus bens, ou à Propriedade;
III) qualquer execução ou penhora de quaisquer bens da TV GLOBO em conseqüência
deste Contrato de Arrendamento, ou o arresto ou a ocupação da Propriedade,
Ou de qualquer parte da mesma, ou qualquer tentativa de seu arresto ou ocupação
por pessoas ou entidades que não a TV GLOBO;
IV) a cessão ou transferência, ou a tentativa de cessão ou transferência, pela
TV GLOBO, do presente Contrato de Arrendamento, ou dos seus direitos em virtude
do mesmo, a qualquer pessoa, sociedade ou companhia, ou a constituição de
hipoteca ou outros ônus reais ou encargos, sobre a Propriedade ou sobre o
presente Contrato
De Arrendamento e os direitos da TV GLOBO em virtude do mesmo, ou a sublocação
da referida Propriedade, no todo ou em parte, ou sua utilização ou ocupação por
terceiros,
sem o prévio consentimento por escrito de TLBI;
V) a falta de cumprimento, pela TV GLOBO, de quaisquer de suas obrigações
previstas neste Contrato.
b) Em se verificando qualquer das ocorrências da violação contratual acima
descritas, ILBI poderá advertir por escrito a TV GLOBO pedindo-lhe a reparação
da ocorrência ou ocorrências de violação contratual especificadas na referida
nota de advertência. Se não houver reparação no prazo de 15 dias, a contar do
recebimento da nota de advertência, ILBI poderá, a qualquer
pag:271
tempo, fazer uma segunda e última advertência. Se a referida ocorrência ou
ocorrências de violação contratual não forem sanadas dentro do prazo de 15 dias,
a contar
do recebimento da segunda nota de advertência, ILBI poderá tomar, à sua escolha,
qualquer das providências especificadas nos parágrafos (C) e(D) abaixo:
c) nas circunstâncias previstas no parágrafo (B) acima, ILBI poderá despejar
temporariamente a TV GLOBO, bem como negar-lhe ouso e o acesso à Propriedade,
mediante a entrega de uma notificação para esse efeito à TV GLOBO até que a
referida ocorrência ou ocorrências de violação contratual sejam sanadas. Durante
Página 170
A história secreta da Rede Globo
esse período,
o Aluguel Básico e o Aluguel Adicional previstos neste Contrato continuarão a
ser devidos e pagos nas épocas próprias.
d) nas circunstâncias previstas no parágrafo (B) acima, ou na hipótese de
qualquer despejo temporário de acordo com o parágrafo (C) acima ter-se
prolongado por mais
de 30 dias, ILBI poderá entregar à TV GLOBO uma notificação de rescisão do
presente Contrato, a qualquer momento, a partir do décimo quinto dia após o
recebimento
da segunda nota de advertência a que se refere ao parágrafo (B), e durante a
continuada ocorrência de violação contratual, a qual nota de advertência
especificará que este
Contrato de Arrendamento terminará na data nela indicada.
22. Rescisão do Contrato uma vez findo o seu prazo de vigência. Na hipótese
deste Contrato de Arrendamento não haver sido renovado automaticamente, de
acordo
com o Art. 18, ao término do prazo inicial ou de qualquer período de renovação
do mesmo, então terminará este Arrendamento.
23. Imposto de Sela. Iodo e qualquer imposto de se o devido, no Brasil, com
referência ao presente Arrendamento, será pago por ILBI, na forma e na época
devida; contanto que, porém, 55% dos referidos pagamentos sejam efetuados por
conta da TV GLOBO.
24. Transferência, etc. (A) Este Contrato de Arrendamento poderá ser transferido
por ILBI a Time Nova York ou a qualquer sociedade comercial em que Time Nova
York possua, direta ou indiretamente, mais de 50%do capital com direito a voto.
O presente contrato de Arrendamento não poderá ser, de outro modo, transferido
pelas partes.
b) Enquanto este Arrendamento estiver em vigor e antes de ser dado qualquer
aviso de rescisão de acordo com o mesmo, ILBI não venderá qualquer parte da
Propriedade nem disporá da mesma por qualquer outro meio (afora a venda ou
transferência de toda a Propriedade objeto deste Arrendamento a qualquer
sociedade comercial
em que Time Nova York possua, direta ou indiretamente, mais de 50% do capital
com direito de voto) sem o consentimento de TV GLOBO; ficando certo todavia, que
este
Arrendamento não será exclusivo e, na forma do disposto no Art. 20 do presente,
ILBI, poderá oferecer uso da Propriedade a terceiros.
25. Notificações. Qualquer notificação ou comunicação a ser entregue, de acordo
com o presente Contrato, pode ser feita em mão ou por telegrama. Qualquer
comunicação acima referida será considerada feita:
pag:272
a) na hipótese de entrega em mão, um dia após a efetiva entrega;
b) na hipótese de telegrama, um dia após a expedição do mesmo endereçado
corretamente, na repartição dos telégrafos, pagas as taxas devidas.
Todas as referidas comunicações serão, até notificação em contrário de mudança
de endereço, endereçadas da seguinte forma:
Se entregue em mão a TLBI:
Time-Life
Avenida Rio Branco, 311 Rio de Janeiro, Brasil.
Para Time Nova York
Atenção de Weston C. Pullen, Jr.
URGENTE.
Se feita por telegrama:
Weston C. Pullen, Jr. Time Incorporated Time/Life Building Rockefeller Center
NewYork,N. Y.
Página 171
A história secreta da Rede Globo
U.S.A.
Se feita à TV Globo:
TV Globo Ltda.
A/C Dr. Roberto Marinho
O Globo SA.
Rua Irineu Marinho, 35
Rio de Janeiro, Brasil.
26. Consentimentos, Dispensas, Etc. Nenhum consentimento, dispensa ou
modificação de qualquer disposição do presente Contrato de Arrendamento será
válida a não
ser quando feita por escrito e assinada pela parte a quem deverá obrigar. A
omissão ou a demora de qualquer das partes em exercer ou fazer valer os seus
direitos de
acordo com o presente Contrato, não importarão na renúncia de qualquer dos
referidos direitos, nem qualquer dispensa por escrito será tida como boa e
valiosa a não ser com relação
ao caso específico a que a mesma se referir.
27. Vias do Presente Contrato. O presente Contrato vai firmado pelas partes em
diversas vias, de igual valor. O presente Contrato vai, igualmente, firmado
pelas partes
em português e em inglês, e as respectivas vias em cada uma dessas línguas têm
igual valor para determinar qual foi a intenção e o acordo das partes.
pag:273
EM TESTEMUNHO DO QUE, as partes assinam o presente, no dia e ano mencionados
no
preâmbulo.
TV GLOBO LIDA.
BV
Aceito, assinado e entregue em Nova York, Nova York, para valer a partir de 15
de janeiro de 1965.
TIME-LIFE BRASIL, INC."
ANEXO
A propriedade a que se refere o Contrato de Arrendamento precedente éa seguinte:
1. O terreno situado na Rua Von Martius, Rio de Janeiro, Brasil, descrito na
página imediatamente seguinte, juntamente com todos os apêndices do mesmo, todos
os
edifícios e benfeitorias na propriedade e nos edifícios situados nesse terreno,
mas excluídos todo o mobiliário, acessório e equipamento existentes nesses
edifícios.
NOTA DE RODAPÉ:
In: CALMON, op. cit. p. 262-273.
pag:274
pag:275
ANEXO 7:
Parecer aprovado por Castelo Branco.
pag:276
Página 172
A história secreta da Rede Globo
pag:277
PRESIDENCIA DA REPOBLICA
DESPACHOSDOPRESIDENTE DA REPOBLICA.
- CONSULTORIA-GERAL DA REPÚBLICA
- Pareceres
-
PR. 1.369-67 -NP490-H, de 8 de março de 1967.
O parecer do Sr. Consultor-Geral da República chega à conclusão da validade dos
contratos em exame, por não haverem eles infligido qualquer dispositivo de lei
vigente à época de mia celebração. E minuciosa a análise que faz das disposições
legais apontadas como violadas, bem como das cláusulas contratuais que as teriam
vulnerado. Não posso senão acolher essas conclusões em sua procedência jurídica.
É possível, porém, que a letra dos contratos não viole a lei vigente à época de
sua
promulgação, não se lhes podendo aplicar alei posterior, sem retroação. Mas,
dois são os argumentos principais da argüição de violação, e que não são
exclusivamente de natureza jurídica ,mas também de averiguações factual: o
primeiro é quanto à eventual existência de cláusula que atribuiria a estrangeiro
ou pessoa indicada por estrangeiros
funções de gerência na TV, e isso é vedado pela Constituição e mesmo pela lei
vigente à época da celebração dos contratos. O segundo diz respeito ao
investimento e à sua
remuneração. O parecer do CONTEL argüi irregularidades no investimento, e na
remessa cambial, através dos quais se teriam enviado recursos para a construção
e instalação
da TV GLOBO, bem assim nas modalidades de sua remuneração, o que poderia
infringir a Constituição Federal e o Código de Telecomunicações. Assim, sem
acolher as
conclusões de nulidade dos contratos, uma vez que os fundamentos do parecer do
Sr. Consultor-Geral da República demonstram que não houve infringência legal,
reconsidero meu despacho anterior, mas determino se procedam às seguintes
diligencias:
a) que o CONTEL verifique se de fato há atribuição de poderes de gerência ou de
orientação intelectual ou administrativa a estrangeiros; caso se constate, em
qualquer momento, esse fato, caracterizar-se-ia,
pag:278
apesar da letra dos contratos, infração à lei brasileira, sujeita às sanções do
Código de Telecomunicações;
b) que o Banco Central do Brasil verifique a regularidade das remessas cambiais,
registro de capital e modalidade de sua remuneração, reexaminando estas
questões de acordo com a legislação vigente à época da celebração dos contratos,
e em confronto com as alegações do CONTEL constantes deste processo.
Em 11 de março de 1967." (Enc. ao CONTEL, em 16 de março de 1967.)
PR 13.203-80 - Nº 498-H, de 13 de março de 1967. - "Aprovo. Em 13 de março de
1967" (Enc. Ao M.G. ,em 16-3-67.)
Assunto: Os contratos celebrados entre TV-GLOBO LTDA, e TIME-LIFE, não
violaram
as disposições legais vigentes, à sua feitura. Reconsideração que se
impõe.
1- HISTÓRICO
1 - Processo CONTEL 13.300-65
1.1. - A 15 de junho de 1965, foi endereçado ao excelentíssimo Senador Milton
Campos, então Ministro da Justiça, ofício que se concluía:
12 - Conjugados os fatos, tem-se que:
a) a subordinação da empresa TV Globo à empresa Tirne-Life Broadcast Imc. é
total, pois que até a orientação programática é obedecida, além dessa
"assistência financeira e comercial".
Página 173
A história secreta da Rede Globo
b) empregados da empresa Time-Life, pagos por esta, são os técnicos que dirigem
a TV-Globo em realidade;
c) são desprezadas, como inexistentes, as disposições do Código
de Telecomunicações, como o do seu Regulamento, que proíbem a
participação de tais técnicos estrangeiros, salvo autorização prévia e
expressa do CONTEL, o que não existe no caso.
13 - Evidentemente, o fato encerra maior extensão e profundidade que uma simples
transgressão do Código de Telecomunicações, eis que diz respeito à própria
segurança nacional, defendida no artigo 160 da Constituição Federal,
particularmente no trecho final: "A brasileiros caberá exclusivamente, a
responsabilidade
principal delas e a sua orientação intelectual e administrativa".
1.2 - A esse ofício, deu o Senhor Ministro, em 21 de junho de 1965, o seguinte
despacho:
"Processar e, na forma da lei, ouvir o CONTEL (Lei nº 4.117, de 27-8-62, art.
29,j ;Decreto nº 52.795, de 31-10-63, art. 138, nº 1)".
1.3 - No CONTEL, em 23-6-65,tomou o processo o nº 13.300-65, e sua classificação
de Secreto foi cancelada pela portaria nº 313, de 1945.66, do Presidente do
Conselho Nacional de Telecomunicações, Capitão-de-Mar-e-Guerra, Euclides Quandt
de Oliveira.
1.4 - Depois de devidamente instruído, com a documentação e provas
pag:279
que o plenário do CONTEL achou por bem diligenciar, com o objetivo de se obterem
esclarecimentos adicionais, proferiu o referido Conselho, em 20 de maio de 1966,
a DECISÃO nP 38.66, ver bis:
"O Conselho Nacional de Telecomunicações no uso das atribuições que lhe confere
o artigo 25 do Regulamento Geral do Código Brasileiro de
Telecomunicações, aprovado pelo Decreto numero 52.026, de 20 de maio de 1963; de
acordo com o parecer aprovado, por 8 (oito) votos a favor e nenhum contra em
sessão realizada em 26 de abril de 1966 referente ao processo "CONTEL" nº
13.300-65;
Considerando:
- que, sob o título de técnica administrativa, há referência a notícias,
publicidade, orientação e assistência técnica;
- que, mais de uma vez, é citado um elemento de TIME-LIFE com atribuições
equivalentes a um Gerente-Geral;
- que TLME-LIFE terá uma participação equivalente a 45% (quarenta e cinco por
cento) dos lucros líquidos da 1V-GLOBO;
- que TIME-LIFE e afirma ERNST & ERNST poderão visitar e inspecionar, com
acesso
direto a livros, arquivos, contratos, faturas, documentos de caixa e
comprovantes e, além disso, poderão discutir com funcionários da TV GLOBO os
negócios da TV-GLOBO;
- que além dos 45% (quarenta e cinco por cento) dos lucros líquidos a TV-GLOBO
pagará a T1ME-LIFE 55%(cinqüenta e cinco por cento) de despesas
especificadas em contrato e mais 3%(três por cento) das receitas brutas da
emissora, como parte da remuneração da assistência técnica prestada;
- que a experiência já acumulada no setor da radiodifusão mostra, que não há
necessidade da assistência técnica estrangeira em prazos longos
- que está prevista, para ações judiciais de vulto, em que esteja envolvida a
1V-GLOBO, a participação de um advogado brasileiro de
TIME-LIFE;
- que a TV-GLOBO para ampliar suas instalações, mesmo que não as arrendadas por
TIME-LIFE, terá que obter autorização desta última;
Considerando o despacho do Excelentíssimo Senhor Ministro da Justiça - Dr. MEM
DE SÃ ao devolver o processo, que diz:
Página 174
A história secreta da Rede Globo
"Do acurado exame dos elementos constantes deste processo, verifica-se que a
situação jurídica da empresa, concessionária carece de revisão a fim de não
ferir a
letra e o espírito do art. 160, da Constituição Federal, aos quais se deve
inequivocamente ajustar.
Conforme propõe o parecer do Conselho Federal de Telecomunicações, fixo o prazo
de noventa (90) dias para que a concessionária tome as providências
necessárias a sanar a referida situação.
Aplaudo, doutra parte, a resolução do CONTEL, de constituir
pag:280
uma Comissão com a finalidade de elaborar anteprojeto de lei, complementar ao
Código Brasileiro de Telecomunicações, que regule com precisão e resguarde com
clareza o interesse nacional, em conformidade como preceito do mencionado artigo
da Constituição de 1946.
Remete-se o processo ao CONTEL, para os devidos fins. notificando-se a
interessada".
Em 17 de maio de 1966 Dr. Mem de Sá".
Decide
a) fixar o prazo de 90 (noventa) dias para que a 1V-GLOBO Ltda. ajuste
inequivocamente, os contratos celebrados com o TIME-LIFE, à letra e ao espírito
do artigo 160
da Constituição Federal e legislação vigente muito embora existam nos contratos
cláusulas que declaram, expressamente, a obediência à legislação brasileira, a
soma de fatos
até aqui citados mostra uma gama de compromissos econômicos e administrativos de
tal ordem, que impedem a afirmação de que TIME-LIFE não este já participando,
mesmo de maneira indireta, da orientação e administração da TV-GLOBO;
b) que tal medida não impedirá que o assunto venha a ser reexaminado caso os
resultados das investigações que se desenvolvem através de Comissão Especial,
tragam à luz novos documentos, cujo teor indique a necessidade de tal reexame
2- COMISSÃO ESPECIAL
2.1 - O Senhor Ministro da Justiça Dr. Carlos Medeiros Silva, pela Portaria nº
22-B, de 24 de janeiro de 1966, nomeou os Srs.: Gildo Corrêa Ferraz, Rubens Mano
!3rum Negreiros e Celso Luiz da Silva, para "em comissão e sob a presidência do
primeiro, promover a apuração da procedência ou não das denúncias que vêm sendo
veiculadas a respeito da violação, por via direita ou indireta, dos preceitos de
ordem constitucional e legal que regulam a propriedade, a administração e a
orientação
intelectual das empresas jornalísticas e radiodifusão".
2.2 - Os membros da referida Comissão ocupam os seguintes cargos: o
Dr. Gildo Corrêa Ferraz, Procurador da República; O Ten. Cel. Rubens Mario
Brum Negreiros, da Secretaria do Conselho de Segurança Nacional; e, o Senhor
Celso Luiz Silva, Gerente de Fiscalização e Registro de Capitais Estrangeiros
do Banco Central.
2.3 - Os trabalhos da Comissão constam de 7 pastas; 5, contendo 62 depoimentos,
e 2, os relatórios parciais da própria Comissão. Além dos depoimentos, um volume
enorme de documentos também foi consultado, tendo sido analisadas em
profundidade, não só as relações entre as duas entidades jurídicas - TV-GLOBO e
TIME-LIFE -
como também, a situação financeiro-econômica do sócio majoritário da TV GLOBO,
Senhor Roberto
pag:281
Marinho, a situação legal, econômica e financeira da entidade brasileira, desde
Página 175
A história secreta da Rede Globo
o início de suas atividades e ainda vários aspectos relacionados com pessoas que
exercem
atividades ligadas às entidades referidas.
2.4 - Os membros da Comissão chegaram a conclusões diametralmente opostas, nos
pontos básicos. O seu Presidente, Dr. Gildo Corrêa Ferraz, assim concluiu seu
relatório:
VI-CONCLUSÕES
I - O contrato de Sociedade em Conta de Participação vigeu, parcialmente, de 24
de julho de 1962 a 15 de janeiro de 1965, rescindindo, então, com a venda do
prédio
à "TIME-LIFE" e subseqüente arrendamento à"TV-GLOBO", na execução de algumas
cláusulas se caracterizou o vínculo societário. A ingerência estrangeira se
manifestou
da escolha do terreno, planos e especificações da construção do edifício até a
fiscalização das obras, nada podendo ser alterado sem aquiescência do
"TIME-LIFE".
II - O contrato de Assistência Técnica oferece ensejo à influência alienígena
na orientação e administração da empresa nacional, fato já reconhecido pelo
próprio CONSELHO NACIONAL DE TELECOMUNICAÇÕES, ao negar registro ao
instrumento.
Os estrangeiros, a serviço de TIME-LIFE, que aqui chegaram para prestar
"assistência técnica, "com as habilitações equivalentes a um Gerente-Geral", não
apresentaram qualquer certificado de curso de especialização; identificaram-se,
sim, como: "executive", "diretor-executivo", "diretor de televisão" e
"jornalista".
III - A venda do prédio, ao invés de consistir em maior garantia dos empréstimos
obtidos por TV-GLOBO, implicou um incremento maciço no investimento pelo
grupo financeiro.
IV - As vantagens asseguradas no contrato de arrendamento a
TIME-LIFE configuram relações tipicamente de sócios, a ponto de levar o
CONTEL a afirmar que há necessidade de uma revisão geral dos mesmos, de
maneira a ajustá-los, inequivocamente, à letra e ao espírito do Artigo 160, da
Constituição Federal e legislação vigente;
V- O numerário fornecido por "TIME-LIFE" contribuiu decisivamente para o
empreendimento, sendo utilizado na aquisição do terreno, construção do edifício
e mesmo para capital de giro. Esses valores aparecem escriturados na conta de
aumento de capital, na importância de Cr$6.105. 117.797, a crédito do Senhor
Roberto Marinho,
que emitia as notas promissórias a favor de "TIME-LIFE", embora as remessas
chegadas do estrangeiro fossem transferidas pelos seus assessores diretamente,
para a TV- GLOBO.
VI - A participação de 'TIME-LIFE" na empresa brasileira apresenta quase dez
vezes o patrimônio da 1V-GLOBO e isso estribado, exclusivamente, nos elementos
fornecidos pelo Senhor Roberto Marinho, podendo a desproporção se acentuar com
avaliação dos bens e dedução de parte do equipamento não pago.
pag:282
VII - Não fosse o afluxo de dólares nesse setor privado, a situação econômica
da "1V-GLOBO" não suportaria o ônus dos prejuízos, que até março de 1966 se
elevam à soma de Cr$4.090.067.182.
VIII- A ingerência dos assessores na "TV-GLOBO" é conseqüência do predomínio
financeiro por "TIME-LIFE".
Destaque-se que além da propriedade do prédio, a firma norte-americana detém
notas promissórias, com vencimento em aberto, no valor de Cr$ 7.313.400.845,
representativo de seu investimento até abril de 1966.
IX - As contradições em que incidiu o Senhor Roberto Marinho evidenciam a
anormalidade das negociações encetadas com "TIME-LIFE". A infidelidade do
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A história secreta da Rede Globo
balanço e dos balancetes encobre a situação econômica da 'TV-GLOBO", que vem
incluindo entre os seus bens o edifício e as instalações, já alienados desde li
de fevereiro de 1965.
Coincidentemente, os assessores do Senhor ROBERTO MARINHO assinaram as
escrituras, na qualidade de representantes gerais de "TIME-LIFE BRASIL INC", que
funciona ilegalmente no país.
X - A expansão do domínio de "TIME-LIFE" pôs em risco a própria segurança
nacional, pois já se encontram sob o controle, nas mesmas condições da
"TV-GLOBO",
os bens a4quiridos pelo Senhor ROBERTO MARINHO à "Organização Victor Costa"
compreendendo, entre outros, a TV-PAULISTA e a "TV BAURU". E o perigo de
propagação pelo pais é iminente, dado que o Senhor Roberto Marinho possui, em
tramitação no CONTEL, pedido de concessão de trinta e seis emissoras de rádio,
algumas com canal de televisão, nas capitais e cidades mais populosas".
2.5 - Com essas conclusões não se puseram de acordo os outros dois membros da
Comissão que, partindo dos mesmos elementos, chegaram a resultados
diametralmente opostos, ver bis:
CONCLUSÕES
1. O contrato de Conta de Participação, em 24.7.62, foi assinado em Nova York; a
vigência ou não deste documento perde significação, tendo em vista o seu
expresso
cancelamento em 15.1.65, antes, portanto, do funcionamento da "TV-GLOBO" e sua
substituição pela venda e arrendamento do imóvel.
2. A compra e venda do imóvel foi realizada por escritura pública, nada havendo
a objetar.
3. O contrato de arrendamento adotou uma modalidade que tem sido freqüente em
aluguéis comerciais, sem que os locadores sejam considerados sócios.
4. O contrato de assistência técnica é típico dos contratos dessa natureza,
apresentado, de um lado, o empresário nacional se precavendo e exigindo
"habilitações" dos
assessores e, de outro, o empresário estrangeiro, desejando verificar a
contabilidade, tendo em vista a forma de retribuição ajustada.
5. O exame desses contratos, de per si, face ao artigo 160, da
pag:283
Constituição, permite afirmar que não há infringência à nossa Carta Magna.
6. As operações financeiras foram todas realizadas através de bancos oficiais ou
para tal autorizados e tiveram o caráter de financiamento aleatório.
7. Não há dúvida quanto ao absoluto controle da emissora por elementos nacionais
da empresa, nem quanto limitação da atuação dos assessores às atribuições
préestabelecidas.
8. Existem irregularidades mas nada têm a ver com a orientação administrativa e
intelectual da empresa.
9. Não houve nenhum propósito de subtrair qualquer informação sobre as
operações, que não se revestiram, em absoluto, de qualquer caráter de
clandestinidade. As
autoridades brasileiras foram informadas antes da assinatura dos diferentes
contratos e durante o curso de novas negociações.
10. O Sr. Roberto Marinho, com um patrimônio declarado junto ao Imposto de
Renda, a custo histórico, de Cr$ 12 bilhões, praticamente só onerado pelas
dívidas de
TIME-LIFE, tem situação econômico-financeira que justificamos compromissos
assumidos da ordem de Cr$8,6 bilhões
Página 177
A história secreta da Rede Globo
11. A concorrência à mesma entidade estrangeira das relações de financiamento,
assistência técnica e arrendamento de imóvel poderá criar no futuro, situações
que, desde já, devem ser evitadas.
12. À Comissão designada para elaborar o anteprojeto de lei que regule com
precisão e resguarde com clareza o interesse nacional, em conformidade com o
preceito do
Art. 160 da Constituição, pedimos vênia, para sugerir que nesse anteprojeto se
estabeleçam normas que evitem vinculação tão estreita entre um mesmo empresário
nacional
E uma mesma entidade estrangeira".
2.5 - O processo (documentação e relatórios) relativo aos trabalhos da Comissão
foi anexado ao do CONTEL, no 13.309-65.
3- Comissão Parlamentar Inquérito
3.1 - Na órbita do Poder Legislativo também foi o assunto submetido ao exame da
Comissão Parlamentar de Inquérito
"para apurar os fatos relacionados à organização rádio- T.V. e jornal "O
GLOBO" com asempresas estrangeiras, dirigentes das revistas "TIME e
LIFE",
conforme Resolução nº 185-60 da Câmara dos Deputados.
3.2 - Do processo remetido a esta Consultoria não constam as conclusões a que
teria chegado essa Comissão. Apenas, existe a alegação da parte interessada
segundo a qual:
"O processo da Comissão Parlamentar de Inquérito não chegou a nenhum resultado
definitivo legítimo, tais as ilegalidades ocorridas na sua conclusão,
denunciadas de público pelo eminente Deputado Eurípedes Cardoso de Menezes. Não
o levaram, por isso, ao conhecimento do plenário da Câmara dos Deputados".
IV Recurso
4.1 - Da decisão do CONTEL, inconformada, recorreu a TV-GLOBO LIDA. (com
fundamento no artigo 24 da Lei nº 4.117, de 27 de agosto de
pag:284
1962) para o Excelentíssimo Senhor Presidente da República. Outros sim, na
conformidade do § 39, do citado artigo, pediu efeito suspensivo para seu
recurso.
4.2 - O Senhor Presidente da República indeferiu o recurso acima referido,
conforme despacho publicado no Diário Oficial de 14 de fevereiro último, pag.
1.801, verbis:
"Nego provimento ao recurso".
4.3 - Mais uma vez irresignada, pediu a 1V-GLOBO LIDA., reconsideração da
decisão supra, tendo o Excelentíssimo Senhor Presidente da República encaminhado
o
pedido a esta Consultoria, com o seguinte despacho:
Para o Consultor.G~ra1 da República opinar. Em 3 de março de 1967". razão pela
qual passo a emitir
II-PARECER
5-Os Fatos
5.1 - A "TV-GLOBO LIDA.", constituída por pessoas físicas brasileiras natas,
celebrou, em 1962, com "O GRUPO TIME-LIFE", dois contratos - um de sociedade
em conta de participação e outro de assistência técnica.
5.2 - O primeiro tem natureza de um contato de financiamento. Por ele o
financiador - cujos recursos fornecidos seriam escriturados em conta à parte nos
livros
da sociedade - receberia determinada percentagem dos lucros líquidos da operação
Página 178
A história secreta da Rede Globo
comercial da empresa, todavia, sem ter qualquer direito de propriedade da
empresa, ou
sobre seus bens, ou sobre as ações representativas do capital social, ou ainda
qualquer direito de gerência ou administração (cláusula Se 11, letras "a "e
"b"). Esse contrato
pouco interesse tem para o desate do problema, por isso que, antes mesmo de a
estação de TV entrar no ar, foi resilido:
5.3 - O segundo - de assistência técnica - é típico dos contratos dessa
natureza, de uso correntio. Ë precedido de "consideranda" que consubstanciam as
justificatTVas
do contrato e sua motTVação. A assistência técnica que preconiza está enumerada
em suas cláusulas e se refere à técnica administratTVa e operacional (programas,
notícias,
vendas, publicidades, etc), bem como conselhos técnicos relacionados com a
construção da estação e especificação do equipamento. Para tanto, o grupo
TIME-LIFE coloca
à disposição da TV-GLOBO.
"... na capacidade de consultor, pelo prazo que a 1V-GLOBO desejar, uma pessoa
com as habilitações equTValentes às de um Gerente-Geral de uma estação de
televisão (1 -letra a)
e ainda
"...uma pessoa com experiência nos campos da contabilidade e finanças. A
referida pessoa trabalhará para a estação em regime de tempo integral, sob as
ordens do
Diretor-Geral e da Diretoria com o título de Assistente do Diretor-Geral...".
pag:285
Além disso
"... treinará nas especialidades necessárias para a operação de televisão
comercial o número de pessoas que aT1V-GLOBO desejar enviar aos Estados Unidos
pelos prazos
que a TV-GLOBO desejar". (1-letra b).
5.4 - Essa assistência técnica ,como não poderia deixar de ser, é remunerada,
na forma como em a cláusula 2 e suas letras a, b, c, de e, do contrato de que
se trata.
5.5 - O contrato de sociedade em conta de participação teve duração efêmera. Em
seu lugar, adotou-se uma nova forma contratual: cedeu a "TV-GLOBO" ao "Grupo
TLME-LIFE" seus direitos à promessa de compra e venda do prédio em que está
instalada a estação - com exceção do material necessário à transmissão -
desaparecendo,
assim, o financiamento, que foi aplicado no preço da compra do imóvel
Celebrou-se, então, contrato de arrendamento em que se prevê o pagamento de
aluguel, mediante uma
percentagem dos lucros líquidos da empresa.
5.6-De conseqüência, estão em vigor os seguintes contratos:
a) de assistência técnica b) de arrendamento.
6- Teses em Debate
6.1 - Em face dessa situação, indaga-se:
a) Poderia a 1V-GLOBO firmar o contrato de sociedade em conta de participação
com o Grupo TIME-LIFE, sem infringência da legislação, então em vigor?
b) Poderia a TV-GLOBO celebrar o contrato de assistência técnica, nas bases como
o fez, com o Grupo TIME-LIFE, sem ferir a legislação brasileira que, então
regulava a espécie?
c) Permitiria a legislação, então, em vigor, que a TV-GLOBO assumisse, através
de contrato de arrendamento, as obrigações constantes daquele que assinou com
o Grupo TIME-LIFE?
Página 179
A história secreta da Rede Globo
7 -O Direito
7.1 - Estabelece o art. 160 da Constituição de 1946:
7.2
"Art. 160. Ë vedada a propriedade de empresas jornalísticas, sejam políticas ou
simplesmente noticiosas, assim como a de radiodifusão a sociedades anônimas
por ações ao portador e a estrangeiros Nem esses, nem pessoas jurídicas,
excetuados os partidos políticos nacionais poderão ser acionistas de sociedades
anônimas
proprietárias dessas empresas. A brasileiros (art. 129 nºs 1 e II) caberá,
exclusTVamente, a responsabilidade principal delas e a sua orientação
intelectual e administratTVa".
7,2 Prescreve o art 38 e sua letra a, do Código Brasileiro de
Telecomunicações(LeinP4. 117,de 1962):
"Art. 38 - Nas concessões e autorizações para a execução de serviços de
radiodifusão serão observados, além de outros requisitos os seguintes preceitos
e clausulas:
a) os diretores e gerentes serão brasileiros natos e os técnicos
pag:286
encarregados da operação dos equipamentos transmissores serão brasileiros ou
estrangeiros com residência exclusTVa no País, permitida, porém, em caráter
excepcional
e com autorização expressa do Conselho de Telecomunicações, a admissão de
especialistas estrangeiros, mediante contrato, para estas últimas funções, e,
ainda no art.44:
"Ë vedada a concessão ou autorização do serviço de radiodifusão
a sociedades por ações ao portador ou a empresas. que não sejam
constituídas exclusTVamente dos brasileiros a que se referem as alíneas 1
e lido art. 129 da Constituição Federal".
7.3 Inicre-se, portanto, dos textos retro-transcritos que os estrangeiros e
pessoas jurídicas por ações ao portador não podem:
a) ser proprietários de empresas jornalísticas ou de radiodifusão;
b)ser acionistas de tais empresas;
c) exercer sua direção, bem como sua orientação intelectual e administratTVa.
8-O Mérito
8.1 - As conclusões dos que estudaram, sindicaram, perqueriram e analisaram o
assunto, são dTVergentes. Há todavia em todas elas, um denominador comum:
aquela,
segundo a qual urge uma elaboração legislatTVa, cujos textos de lei vedem
expressamente as empresas que explorem serviços de radiodifusão, quer sonora ou
de imagens:
"a) firmar contrato de assistência técnica, quer com pessoas físicas ou
jurídicas, cuja retribuição pelos serviços recebidos seja por meio de uma
determinada
percentagem da receita ou do lucro;
b) contratar técnicos estrangeiros para assessoramento de administração e
contabilidade;
c) celebrar contratos de financiamentos em proporções excessTVas ao capital
social e recursos fornecidos pelos próprios acionistas proporção esta a ser
fixada
pelo CONTEL em ato regulamentar. (Entendendo-se por financiamento, não só o puro
e simples, como ainda o aleatório como a participação em lucros, a sociedade
em conta de participação ou qualquer outra forma negocial com participação em
Página 180
A história secreta da Rede Globo
lucros);
d) estabelecer clausula contratual de locação do imóvel ou equipamento cujo
aluguel seja expresso em sua participação na receita ou lucro
e) qualquer espécie de convênio, acordo, ajuste ou contrato com empresas
estrangeiras relacionadas com a administração, operação e programação da
estação;
f) programação que não seja preparada pelas próprias emissoras ou por firmas
nacionais cujos cotistas acionistas, diretores, gerentes e administradores sejam
brasileiros natos;
pag:287
g) a exibição de programas de origem estrangeira que ultrapassem
a proporção de 30% do horário da programação. (Para efeito do
estabelecido nesta letra, será computado o período de uma semana na
distribuição da percentagem)".
8.2 - Essas foram as suges1~~ constantes do Parecer do ilustre Conselheiro Hugo
Lisbôa Dourado que, parece, atenderam:
a) ao despacho ministerial inserto na decisão do CONIEL (1.4);
b) ao que contêm os itens 11 e 12 das conclusões dos membros da Comissão
Especial que dTVergiram de seu Presidente (2.5).
8.3 - Tanto assim que, hoje, tais sugestões se transformaram em disposições
legais (Decreto-Lei número 236 de 28 de fevereiro último, arts. 5P a 99).
8.4 - Essas sugestões são frutos do exame procedido na TV-GLOBO e brotam do
processo respectTVo. Justificando-as disse o Conselheiro Hugo Lisboa Dourado:
"Todavia, a despeito da clareza, nos contratos de cláusula que estabelece a
inalienabilidade das cotas e da direção intelectual e administração da empresa,
verificamos que as dTVersas formas de retribuição por serviços prestados nos
contratos de assistência técnica ou na locação do imóvel, muito embora
caracterizado
no interesse econômico do empreendimento, poderiam vir a ser inconvenientes, a
ponto de tomar frágeis os artigos da Constituição e da lei que pretendem impedir
a ingerência estrangeira a ponto de impor a orientação intelectual e administrat
TV a de empresas de radiodifusão.
Ë norma comezinha do Direito que qualquer preceito restrit o ou proibitivo não
pode deixar de figurar expressamente na lei: (princípio da legalidade) o que a
lei não proíbe é legal".
8.5 - Parece fora de dúvida que os contratos celebrados pela
1V-GLOBO com TIME-LIFE, expressa e inequivocamente estabelecem:
a) que TLME-LIFE não terá direito de possuir ações do capital da 1V-GLOBO nem
quaisquer direitos na 1V-GLOBO que as leis brasileiras atribuem às ações de
capitais;
b) que TIME-LIFE não terá qualquer interferência direta ou indireta na direção
ou administração da 1V-GLOBO.
8.6 - Em conseqüência, tais contratos se enquadram na letra e espírito do art.
160 da Constituição Federal, bem como nas disposições do Código de
Telecomunicações.
Ao tempo em que foram celebrados, não existia qualquer disposição legal que os
vedasse ou proibisse. Ao contrário, eram de uso correntio; tanto ode
arrendamento,
quanto o
de assistência técnica.
8.7 - Argumentar-se, agora, que tais contratos poderão vir a ser
inconvenientes, a ponto de tomar frágeis os artigos da Constituição e da lei que
pretendem impedir a
Página 181
A história secreta da Rede Globo
ingerência estrangeira.." e data vênia, submeter a restrição de direitos ao
sabor de critérios subjetivos que podem gerar danosa insegurança para os
empresários, além de ferir o invocado principio
pag:288
comezinho do Direito: o que a lei não proíbe é legal.
8.8 - A prova de que a lei não proibia está na recente expedição do Decreto-Lei
a0 236, que além das proibições do artigo 160 da Constituição Federal, erige
à categoria
de proibição o que foi considerado inconveniente nos contratos celebrados entre
a TV-GLOBO e TIME-LIFE.
Consequentemente, da data desse Decreto-lei em diante, tornaram-se ilegais os
contratos idênticos aos celebrados entre TV-GLOBO e TIME-LIFE:
contudo, não pode a lei nova retroagir para alcançar os efeitos dos que lhe
antecederam, por força do mandamento constitucional relativo ao direito
adquirido.
8.9 - O contrato de sociedade em conta de participação e de arrendamento e o de
assistência técnica, desde que não implicassem, atribuir a estrangeiros a
propriedade
da TV, o direito de possuir ações nas respectivas sociedades anônimas, ou
finalmente a ingerência de estrangeiros na orientação e administração da
empresa, podiam, até o
advento do Decreto-lei n 9 236,de 28 de fevereiro último, ser celebrados, sem
infringência legal. Se posteriormente, tais contratos são considerados
inconvenientes, podem
ser evitados, mediante legislação nova (o que se fez), nunca, porém, invalidados
ou retificados, sem quebra do princípio da legalidade.
8.10- Se fosse levantada a objeção de que os contratos da TV-GLOBO, apesar de
não ferirem a legalidade do artigo 160 da Constituição de 1946, seriam
contrários a seu espírito, ousaria discordar.
8. 11 - O que ~ Constituição veda está claro e expresso:
1) não podem ser proprietários de empresas jornalísticas as sociedades anô4 imas
por ações ao portador e os estrangeiros;
2) os estrangeiros e as pessoas jurídicas não podem participar de tais empresas
como acionistas;
3) a direção dos jornais, bem como a direção intelectual e administrativa, só
poderão ser exercidas por brasileiros natos".
(Pontes de Miranda. "Comentários à Constituição de 1946", 2.a Edição, VoL V,
pág. 111 e 112).
Pontes de Miranda para pôr em relevo a ratio legis desse texto constitucional,
se refere às sociedade sem comandita por ações ao portador e faz até o registro
de
Decisões judiciais sobre a matéria para afinal, rematar:
"Mas a ratio legis opõe-se a que o acionista da sociedade de comandita possa ser
estrangeiro: ora, se a sociedade é em comandita por ações ao portador, estaria
exposto o jornalismo brasileiro a que estrangeiros tivessem ações na empresa; se
em comandita por ações nominativas, lá estaria visível o estrangeiro. Resta
saber se
sendo sociedade em comandita simples a sociedade proprietária de
empresa-jornalística, algum sócio comanditário ou alguns sócios comanditários
podem ser
estrangeiros. Ora se aos estrangeiros é vedado participarem de emprésas
jornalísticas como acionistas, fariori como quotistas".
(Obra citada, pág, 114).
As hipóteses figuradas são bem diversas daquela existente entre
pag:289
TV-GLOBO e TIME-LIFE. Esta não é nem acionista, nem quotista de
Página 182
A história secreta da Rede Globo
TV-GLOBO; nem o financiamento, nem o arrendamento, nem a assistência técnica,
nenhum desses contratos lhe dá qualquer dessas qualificações, nem os três, em
conjunto.
8.12-Também, no que conc&U~9 à exigência constitucional acerca da direção e
orientação intelectual, política e administrativa a ser exercida somente por
brasileiro
nato, parece, não pairar dúvida que in casu, a Constituição está respeitada. A
única objeção séria neste sentido e constante dos "consideranda" da decisão do
CONTEL verbís:
"que mais de uma vez, é citado um elemento de TIME-LIFE com atribuições
equivalentes a um Gerente -Geral" (grifamos).
"Se assim fora, realmente, aí estaria ferido o texto constitucional. Mas, o que
consta do contrato é coisa parecido, entretanto, bem diversa, sic:
"Com referência a essa assistência Time enviará à 1V-GLOBO no
Rio de Janeiro na capacidade de consultor, pelo prazo que 1V-GLOBO
desejar uma pessoa com as habilitações equivalentes às de um
Gerente-Geralde uma estação de televisão ".
Atribuições e habilitações: bem se vê, não são a mesma coisa. Deve-se atribuíra
quem tenha habilitações, mas pode alguém ter habilitações sem ter as
atribuições,
e isso é comum nos casos de assistência técnica, assessoria, consultoria, etc.,
como o de que se trata.
9-Conclusões
9.1 - Pelo exposto, entendendo, data venia que o vício de ilegalidade não
macula os contratos celebrados entre TV-GLOBO Ltda. e TIME-LIFE, sou de parecer
que se atenda o pedido de RECONSIDERAÇÃO para dar-se provimento ao recurso
interposto contra a DECISÃO nP38-66 do CONTEL
9.2 - Releva salientar por oportuno que a Constituição de 1967 que entrará em
vigor a 15 deste mês no seu artigo n9 166, dá ao assunto tratamento idêntico ao
da Constituição ainda em vigor. Apenas, faz incluir ao lado da radiodifusão as
empresas de televisão e acrescenta a matéria nova constante do § 2 9, ver bis:
"Sem prejuízo da liberdade de pensamento e de informações alei poderá
estabelecer outras condições para a organização e o funcionamento das empresas
jornalísticas ou de televisão e de radiodifusão no interesse do regime
democrático e do combate à subversão e á corrupção".
Sub censura.
Brasília, 8 de março de 1967. - Adroaldo Mesquita da Costa, Consultor-Geral da
República.
pag:290
pag:291
ANEXO 8:
Parecer aprovado por Costa e Silva
pag:292
pag:293
PRESIDÊNCIA
DA REPÚBLICA
DESPACHOS DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA
Página 183
A história secreta da Rede Globo
-CONSULTORIA GERAL DA REPÚBLICA
- Parecer
R. 1.369-67 - NP 585-H, de 20 de outubro de 1967. "Aprovo. Em 23 de setembro de
1968".
NOTA: A 3 de setembro de 1968, atendendo à determinação do despacho de 11 de
março de 1967, do Excelentíssimo Senhor Presidente da República, o Banco
Central do Brasil, por ofício 569-984'resi, respondeu à Consultoria Geral da
República que, após examinado o processo, mantinha as informações já prestadas.
ASSUNTO: Contrato TV-Globo - Time- Life - Parecer nº 490-H - A situação de fato
verificada pelo CONTEL e Banco Central corrobora
As conclusões jurídicas do referido parecer:
PARECER
Os contratos celebrados entre TV-Globo e Time-Life, depois de exaustivamente
examinados pelo Conselho Nacional de Telecomunicações e pela Comissão de Alto
Nível, nomeada pela Portaria nº 22-B, de 24.1.66, do Senhor Ministro da Justiça,
foram submetidos a esta Consultoria Geral para estudo e parecer.
2. Neste ór~o, emitiu-se o Parecer n 9 490-H, sobre o assunto, o qual foi
aprovado pelo Excelentíssimo Senhor Presidente da República da forma que se
segue:
"O parecer do Sr. Consultor-Geral da República chega à conclusão da validade dos
contratos em exame, por não haverem eles infringido qualquer dispositivo de
lei vigente à época de sua celebração.
pag:294
É minuciosa a análise que faz das disposições legais apontadas como violadas,
bem como das cláusulas contratuais que as teriam vulnerado. Não posso senão
acolher
essas conclusões em sua procedência jurídica. É possível, porém, que a letra dos
contratos não viole a lei vigente à época de sua promulgação, não se lhes
podendo
aplicar a lei posterior, sem retroação. Mas, dois são os argumentos principais
da argüição de violação, e que não são exclusivamente de natureza jurídica, mas
também
de averiguação factual: o primeiro é quanto à eventual existência de cláusula
que atribuiria a estrangeiro ou pessoa indicada por estrangeiros funções de
gerência de TV,
e isso é vedado pela Constituição e mesmo pela lei vigente à época da celebração
dos contratos. O segundo diz respeito ao investimento e a sua remuneração. O
parecer
do CONTEL argüi irregularidades no investimento e na remessa cambial, através
dos quais se teriam enviado recursos para a construção e instalação da 1V-Globo,
bem assim nas modalidades de sua remuneração, o que poderia infringir a
Constituição Federal e o Código de Telecomunicações. Assim, sem acolher as
conclusões de
nulidades dos contratos, uma vez que os fundamentos do parecer do Sr. Consultor
Geral da República demonstram que não houve infringência legal reconsidero meu
despacho anterior, mas determino se procedam às seguintes diligências:
a) que o CONTEL verifique se de fato há atribuição de poderes de gerência ou de
orientação intelectual ou administrativa a estrangeiros; caso se constate, em
qualquer momento, esse fato, caracterizar-se-ia. apesar da letra dos contratos,
infração à lei brasileira, sujeita à sanções no Código de Telecomunicações.
b) que o Banco Central do Brasil verifique a regularidade das remessas cambiais,
registro de capital e modalidades de sua remuneração reexaminando estas
questões, de acordo com a legislação vigente à época da celebração dos
contratos, e em confronto com as alegações do CONTEL constantes deste processo."
3. Em face desse despacho, foi o processo encaminhado ao CONTEL, para as
providências requeridas.
Página 184
A história secreta da Rede Globo
Pela Exposição de Motivos nº 29,de 12 de junho último, o Presidente do CONTEL
prestou as seguintes informações ao Excelentíssimo Senhor Presidente da
República, verbis.
"Cabe, aqui relembrar um pequeno trecho da Exposição de Motivos nº 20/CONTEL, de
2 de março de 1967, quando o então Presidente do Conselho,
Comandante Euclides Quandt de Oliveira, assim informava ao Excelentíssimo Senhor
Presidente da República:
"... Devo esclarecer que, ao que tudo indica, não existe, no
momento, nenhuma intromissão de TIME-LIFE na administração e
orientação intelectual da TV. Isso não altera as conclusões acima, feitas
porque se tivesse sido apurada a existência dessa intromissão o remédio a
pag:295
aplicar teria de ser outro: a cassação de concessão".
Nenhum fato novo surgiu, positivando a intromissão de TIME-LIFE na administração
e orientação intelectual da TV GLOBO LIDA. o que motivaria, sem
dúvida, a proposta de cassação da concessão; o CONTEL já levou ao conhecimento
do Excelentíssimo Senhor Presidente da República tudo o que conhecia e sabia;
propôs as soluções que julgou acertadas. Não obstante, o CONTEL, de acordo com a
sua atribuição legal, referi no Despacho do Senhor Presidente da República,
manter-se-á atento ao procedimento futuro da emissora, propondo, se for o caso,
a medida corretiva que venha a se impor, caso se constate a violação da Lei ou
da
Constituição, nas relações mantidas entre TV-GLOBO e TIME-LIFE.
4. Também o Banco Central da República através do ofício 14B-67, de
29 de junho último, respondendo ao Telex 72/SCAER-906, da Chefia do Gabinete
Civil, no qual sc solicitava o atendimento ao preceituado na letra "b" do
despacho
presidencial retrotranscrito, esclareceu, sic;
"A propósito, esclarecemos a V.Exa. que não recebemos, para providências e
informações cabíveis, o processo decorrente das referidas recomendações, o qual,
segundo apuramos, se encontra ainda no Conselho Nacional de Telecomunicações,
para as verificações constantes da alínea "a" do citado despacho presidencial.
Embora, para o integral cumprimento das diligências atribuídas ao Banco Central,
necessário se torne nos sejam encaminhadas todas as peças do processo que se
encontra em poder do CONTEL, esclarecendo que as operações realizadas pelo Grupo
Roberto Marinho (1V-GLOBO Ltda. Rádio Globo Roberto Marinho e Empresa
Jornalística Brasileira) constantes dos quadros demonstrativos anexos, foram
registrados neste órgão de conformidade com as normas exigidas e estabelecidas
pela Lei número 4. 131,de3.9.62
No que se refere às operações realizadas pela Time-Life Brazil Inc., e pelo Sr.
Roberto Marinho, também discriminadas em anexos, foram registradas pela
Carteira de Câmbio do Banco do Brasil, com base na instrução 289, da extinta
SUMOC."
5. Aliás, nesse particular, o Senhor Celso Luiz Silva, Gerente de Fiscalização e
Registro de Capitais Estrangeiros, do Banco Central e membro da Comissão
Especial
nomeada pelo Senhor Ministro da Justiça, afirmou categórico no Relatório que
subscreveu, conjuntamente, com o Ten Cel. Rubens Mano Brum Negreiros, da
Secretaria
do Conselho de Segurança Nacional, verbis:
9. Não houve nenhum propósito de subtrair qualquer informação sobre as
operações, que não se revestiram, em absoluto, de qualquer caráter de
clandestinidade.
As autoridades brasileiras foram informadas antes da assinatura dos diferentes
contratos e durante o curso de novas negociações.
Página 185
A história secreta da Rede Globo
6. As operações financeiras foram todas realizadas através de
pag:296
bancos oficiais ou para tal autorizados e tiveram o caráter de financiamento
aleatório."
6. Como se vê as duas recomendações do despacho presidencial retrotranscrito -
uma dirigida ao CONTEL letra "a" e a outra ao Banco Central do Brasil letra
"b" -
estão respondidas: a primeira, no sentido de que "não existe, no momento,
nenhuma intromissão de TIME-LIFE, na administração e orientação intelectual da
TV-GLOBO;
a segunda, que "as operações realizadas pela TIME-LIFE Brazil Imc., e pelo Sr.
Roberto Marinho foram registradas pela Carteira de Cambio do Banco do Brasil,
com base
na Instrução 289, da extinta SUMOC."
7. De conseguinte, as investigações procedidas, apenas robusteceram as
conclusões, do Parecer ii0 490-H, desta Consultoria, que, assim, permanece
sem qualquer alteração.
Sub censura.
Brasília, 20 de outubro de 1967. - Adroaldo Mesquita da Costa,
Consultor-Geral da República.
Referência nº 585-H
pag:297
)
ANEXO 9:
Limite de posse de concessões nos anteprojetos
do Código Brasileiro de Telecomunicações
pag:298
pag:299
limite de posse de concessões: na 1egis1açao vigente (Decreto
236)
e em três versões do anteprojeto do novo Código
obs: quadro impossível de ser digitado
No máximo, duas por Estado.
No máximo, uma por Estado.
Sendo l0 até 50kw e 2 acima de 5Okw.
Sendo 5 em cidades de até 300 mil habitantes;
5 cidades com população entre 300 mil e um milhão de
habitantes;
e 5 cidades com população igual ou superior a um milhão
de habitantes.
OBS.: Os limites fixados na versão de dezembro de 1975, foram
mantidos até a 11.a versão, de dezembro de 1979.
Fonte: Originais de minutas elaboradas pelo Ministério das
Comunicações.
pag:300
O AUTOR
Nascido a 29/12/54 em Porto Alegre. Jornalista, formado pela UNI. SINOS (RS) em
1977. Diretor do Jornal Informação, semanário da imprensa independente que
circulou no RS de 1975 a 1976. Correspondente do jornal Movimento de 1975 até
seu fechamento. Trabalhou, de 1975 a 1978, nos jornais Diário de Notícias e
Folha da
Página 186
A história secreta da Rede Globo
Manhã.
Cursou mestrado na Universidade de Brasília (UnB) em 1979/80, concluído em 1983,
com a apresentação da dissertação "A introdução de comunicação no Brasil:
tentativas de implantação do serviço de cabodifusão, um estudo de caso",
aprovada por banca composta pelos professores Mário Ramos (coordenador) e Helene
Barros e pelo
jornalista Carlos Chagas. Foi professor e chefe do Departamento de Comunicação
da Universidade Federal de Santa Catarina, de 1980 a 1984. Foi membro da
comissão de
Coordenação e um dos articuladores da Frente Nacional de Luta por Políticas
Democráticas de Comunicação, criada em 1984 e que reuniu dezenas de entidades e
personalidades. Atua como pesquisador e colaborador de revistas e publicações
especializadas do Brasil e da América Latina.
pag:301
INDICE
1- A GLOBO E A NOVA REPUBLICA
"O CHEFE AQUI SOU EU" 13
"SIM, EU USO O PODER" 21
NA REVISÃO DA ESTRATÉGIA, MARINHO CERCA TANCREDO 28
ANTÓNIO CARLOS MAGALHAES: UM ALIADO IMPRESCINDIVEL 32
MARINHO E MAGALHÃES: BONS NEGÓCIOS 40
RADIODIFUSÃO BRASILEIRA: HERANÇA DA DITADURA 51
Bahia 52
Rio Grande do Sul 53
Rio Grande do Norte 54
Parajá 55
Minas Gerais 56
Espírito Santo 57
Paraíba 58
Pernambuco 59
São Paulo 60
No coração da Nova República 61
O Ministro, seus amigos e parentes 62
Os negócios da Família Tancredo 68
O parceiro comercial de Sílvio Santos no Maranhão 69
CENAS DE GANGSTERISMO 70
II - SÍNTESE DA HISTÓRIA DA RADIODIFUSÃO NO BRASIL
INTRODUÇÃO DA TECNOLOGIA E PRIMEIRO SISTEMA NACIONAL:
1919 a 1945 75
Interiorização da tecnologia: 1919 a 1930 76
pag:302
O primeiro sistema nacional de comunicações: 1930 a 1945 77
A INTERNACIONALIZAÇÃO DO SISTEMA DE COMUNICAÇÕES:1945 a 1987
80
A contra-ofensiva imperialista: 1945 a 1950 80
Retomada populista: 1951 a 1954 81
Abertura da economia: 1954 a 1960 82
Crise da democracia representativa: 1961 a 1964 83
O sistema global: 1964 a 1987 84
III - 1960 e 1961:0 CERCO À RADIODIFUSÃO
A PREPARAÇÃO DA INVASÃO 89
A GLOBO CAPITULA 93
O namoro indireto 97
1V - 1962: OS SOCIOS ENTRAM EM ACORDO
COM O ACORDO, CHEGAM OS DÓLARES 103
Constituição da TV Globo 103
Começa a maré de dólares 106
Assinatura dos contratos Globo/Time-Life 106
O CONTRATO PRINCIPAL 108
O CONTRATO DE ASSISTÉNCIA TÉCNICA 113
V - 1963 a 1965: DA CLANDESTINIDADE AO ESCANDALO
1963: AGUARDANDO O GOLPE DE 1964 121
Página 187
A história secreta da Rede Globo
A versatilidade de "O Globo" 121
Mais dólares 122
A comunicação devolvida 122
1964: A ESTRATÉGIA EM PRÁTICA 123
A primeira manobra oficial 123
Outubro de 1964: a estratégia revelada
Dezembro de 1964: inauguração frustrada, dólares, denúncia 126
1965: A GLOBO DECOLA E EXPLODE O ESCANDALO 128
Redefinição tática, um novo contrato 128
Anulado o contrato principal 131
Marinho comunica a Castelo Branco; o General Geisel também sabia
de tudo 132
Cartório invadido; rasgada escritura da Globo 133
Inaugurada a TV Globo, Canal 4, e os dólares voltam 133
A reafirmação da denúncia 134
A prisão do "agente" 134
Denúncia ao Ministério da Justiça 135
Do Ministério da Justiça ao CONTEL 135
pag:303
Do CONTEL ao Banco Central 135
Aberto processo no CONTEL 136
Do Banco Central ao CONTEL 136
Nova denúncia de Lacerda 136
Do Ministro da Justiça ao CONTEL 137
Do CONTEL a Globo 137
Da Globo ao CONTEL 137
Chega "Joe", o outro "agente" 138
Da Globo ao CONTEL 144
No CONTEL, parecer pede cassação da Globo 144
Enquanto isso, a Globo pede mais concessões 145
CONTEL pede todos os documentos 145
Pedida criação de CPI 145
CONTEL insiste junto à Globo 146
Globo diz que não pode enviar documentos 146
Selados os contratos 147
Contratação de Walter Clark 147
Dólares continuam chegando 147
- Demissão de Rubens Amaral 148
VI- 1966 a 1968: DO ESCÂNDALO À LEGALIZAÇÃO
1966: CONDENAÇÕES E MANOBRAS 151
Janeiro de 1966: A campanha de Calmon 151
17 de janeiro de 1966: Castelo promete apurar 152
A Standard Ou ameaça: "vamos estraçalhá-lo" 153
18 de janeirode 1966: recomeçam as remessas de dólares 155
Criada Comissão de Alto Nível para investigar infiltração estrangeira. 155
20 de janeiro de 1966: empresários de comunicação lançam manifesto 156
Globo responde a um CONTEL ineficiente e desaparelhado 157
CONTEL confia na Comissão; Comissão mostra incompetência 159
Globo quer fim da Comissão de Investigações; JB apoia 161
Globo e JB desligam-se da ABERT 163
11 de fevereiro: Associação Interamericana de Radiodifusão apoia
ABERT 162
Reclamatória de Rubens Amaral 163
Calmon reeleito presidente da ABERT 165
24 de março de 1966: Calmon dá coletiva à imprensa internacional165
Criada a CPI Globo/Time-Life 166
Reações militares. 166
A intervenção de Roberto Campos 167
Rejeitado Parecer do DCI que pedia cassação 173
26 de abril de 1966: CONTEL decide "dar tempo" à Globo 174
pag:304
Ministro da Justiça referenda CONTEL 177
20 de maio de 1966: CONTEL formaliza prazo da Globo 117
Globo recorre da decisão do CONTEL e festeja com o presidente
Página 188
A história secreta da Rede Globo
Castelo Branco 179
CPI condena Globo 183
1967 e 1968: A "LEGALIZAÇÃO" DA GLOBO 185
Indeferido recurso da Globo 185
Globo não se conforma; Castelo "chuta" para a frente 185
O Marechal Costa e Silva "legaliza" a Globo 189
VII- A CONSTRUÇÃO DA GLOBO E O NOVO BRASIL
A ESTRATÉGIA GLOBAL 193
O fortalecimento financeiro 193
O apoio técnico: equipamentos, filmes, engenheiros, etc 195
No ar, a nova televisão brasileira: a estratégia global 197
A Globo e o Brasil pós-64 200
VIII- RADIODIFUSÃO: O IMPASSE POLITICO
A SUBMISSÃO DO PÚBLICO AO PRIVADO 209
O papel da Globo e a "política" de radiodifusão 213
O impasse jurídico e político da radiodifusão brasileira 218
As bases da nova "política" de radiodifusão. 221
A "velha política" garante as novas tecnologias 224
ANEXOS
Artigo 160 da Constituição 227
Documento de constituição da TV Globo Ltda 231
Dólares recebidos pela Globo 237
Principais disposições do Contrato Principal 243
Contrato de Assistência Técnica 251
Contrato de Arrendamento 259
Parecer aprovado por Castelo Branco 275
Parecer aprovado por Costa e Silva 291
Limite de posse de concessões nos anteprojetos do Código Brasileiro
de Telecomunicações 297
O AUTOR 300
Página 189

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