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quinta-feira, 28 de junho de 2012

O Tubarão (foi filme)

O TUBARÃO
Peter Benchley

O enorme tubarão mantinha-se emboscado não
longe da praia que assolava, capturando ao acaso
as suas vítimas. Ninguém - nem os ictiólogos,
nem os pescadores, nem a Guarda Costeira conseguira explicar por que motivo ele surgira
nesse Verão ao largo daquela cidade de Long
Island. Mas lá estava o enorme predador,
tornando a sua sinistra presença sentida de mais
de uma forma.
O chefe da Polícia, Martin Brody, compreendeu
claramente qual era o seu dever: encerrar as praias
ao público. O presidente da Câmara, Larry
Vaughan, discordou dessa decisão: as receitas
turísticas deveriam manter-se ou a estância ficaria
arruinada. E à atraente e insatisfeita mulher
de Brody o incidente proporcionou uma inesperada
oportunidade para um romance.
Depois, à medida que o número de vítimas
aumentava e a população permanecia radicalmente
dividida no respeitante às medidas a tomar,
a dura realidade teve de ser enfrentada.
De uma forma ou de outra,
o monstro tinha de ser capturado e morto...

O enorme seláceo cortou silenciosamente as águas nocturnas, impulsionado por movimentos curtos da sua cauda em forma de crescente mantendo a boca entreaberta para
permitir que um fluxo de
água lhe corresse pelas brânquias. Apenas acidentalmente executava
outro movimento: uma correcção ocasional do curso, aparentemente
sem objectivo, através de uma ligeira elevação ou descida de uma
barbatana peitoral, tal como uma ave muda de direcção afundando
uma asa e erguendo a outra.
Os sentidos não transmitiam nada de extraordinário ao cérebro,
pequeno e primitivo. O seláceo poderia estar a dormir, não fosse o
movimento ditado por milhões de anos de instintiva continuidade:
faltando-lhe a bexiga natatória comum à maioria dos peixes e as
fendas branquiais palpitantes que impelem para as guelras a água
carregada de oxigénio de que necessitava, sobrevivia apenas através
do movimento constante. Se parasse, iria para o fundo e morreria de
anóxia.
A terra ao longo da costa meridional de Long Island parecia
quase tão escura como a água, pois não havia lua. Tudo quanto
separava o mar da terra era uma faixa de areia longa e recta, tão
branca que resplandecia. As luzes de uma casa situada por detrás
das dunas salpicadas de vegetação lançavam sobre a praia reflexos
amarelos.
A porta principal da casa abriu-se e um homem e uma mulher
saíram para o alpendre de madeira. Permaneceram durante um
momento a contemplar o mar, estreitaram-se rapidamente e depois
correram juntos para a praia.

- Primeiro vamos ao banho - disse a mulher. - Para te refrescar as ideias.
- Deixa lá as minhas ideias - disse o homem. Rindo, deixou-se cair de costas sobre a areia, arrastando a mulher consigo. Em
gestos rápidos e ansiosos, despiram-se mutuamente.
Mais tarde o homem deitou-se e fechou os olhos. A mulher
olhou para ele e sorriu.
- E agora, que tal um banho? - sugeriu.
- Vai tu. Eu fico aqui à tua espera.
A mulher ergueu-se e avançou, nua, até à borda da água, deixando as ondas suaves banharem-lhe os tornozelos. A água estava
mais fria do que o ar nocturno, pois estava-se apenas em meados de
Junho. Ela falou-lhe de longe:
- Tens a certeza de que não queres vir? - Mas não obteve
resposta do homem, que adormecera.
Ela recuou alguns passos e correu para a água. A princípio
avançou em passadas largas e graciosas, até que uma pequena onda
rebentou contra os seus joelhos. Cambaleou, recuperou o equilíbrio
e avançou até a água lhe cobrir os ombros. Depois começou a nadar

- com braçadas curtas e a cabeça fora de água, como as pessoas
que não foram ensinadas a nadar.
A uma centena de metros de distância da praia o seláceo sentiu
uma alteração no ritmo do mar. Não viu a mulher nem detectou o
seu cheiro. As terminações nervosas que pontuavam os finos canais
cheios de mucosidade existentes ao longo do seu corpo detectaram
as vibrações e transmitiram-nas ao cérebro. O seláceo voltou-se em
direcção à praia.
A mulher continuava a nadar em direcção ao largo, parando de

vez em quando para verificar a sua posição em relação às luzes da
casa. Como a maré estava baixa, não se deixara arrastar. Sentindo-se, porém, cansada, deixou por um momento de nadar, mantendo-se a boiar, antes de regressar para
terra.
As vibrações eram agora mais fortes, e o seláceo reconheceu a
presença de uma presa. Os impulsos da sua cauda aceleraram-se,
arremessando-lhe para a frente o corpo gigantesco com tal velocidade que os minúsculos animais fosforescentes se agitaram na água,
lançando sobre ele um manto de chispas.
O seláceo aproximou-se da mulher e adiantou-se-lhe uns três
metros, mantendo-se cerca de metro e meio abaixo da superfície da
água. Ela sentiu apenas uma onda de pressão que pareceu erguê-la
para de novo a deixar cair.
O animal, que podia agora cheirá-la, começou a estreitar os círculos à sua volta, perto da superfície. A sua barbatana dorsal rasgava a água e a sua cauda, que
fustigava o oceano, cortava com um
silvo a superfície espelhada.

Pela primeira vez a mulher sentiu medo, embora ignorasse porquê. Uma descarga de adrenalina percorreu-lhe todo o corpo, impelindo-a a nadar mais depressa. Encontrava-se
a cerca de cinquenta
metros da praia. Divisava as luzes da casa e, durante um momento,
sentiu-se confortada por crer ter visto alguém passar em frente de
uma das janelas.
O monstro encontrava-se a cerca de doze metros da mulher e à
mesma altura quando, subitamente, se voltou para a esquerda, submergiu completamente e, com dois movimentos rápidos da cauda,
se lançou sobre ela.
De início a mulher não sentiu qualquer dor, apenas um puxão
violento na perna direita que a fez pensar que chocara contra uma
rocha. Baixou-se para tocar no pé. Não o encontrou. Esticou-se
mais e foi então acometida por uma onda de náusea e de tontura. Os
seus dedos tacteantes tinham encontrado um toco de osso e carne
dilacerada. De súbito, compreendeu que o fluxo quente e palpitante
que sentia nos dedos, em contraste com a água fria, era o seu próprio sangue.
A dor e o pânico acometeram-na simultaneamente. Lançou a
cabeça para trás e gritou, num grito gutural de tenor.
Agora o seláceo voltava a atacar, orientado pela corrente de
sangue que fluía da artéria femural da mulher. Desta vez atacou por
baixo. A enorme cabeça cónica atingiu a mulher como uma locomotiva, arremessando-a para fora de água, e as mandíbulas escancaradas cerraram-se em torno do seu torso.
O animal, com o corpo da
mulher na boca, precipitou-se para o fundo, deixando atrás de si um
rasto fosforescente de espuma e sangue.

O homem acordou, tiritando de frio, ao romper da madrugada. O
Sol ainda não nascera, mas uma linha cor-de-rosa no horizonte, a
leste, indicava que o amanhecer estava próximo. Ergueu-se e começou a vestir-se. Sentia-se irritado por a mulher o não ter acordado
quando regressara a casa, e estranhou que ela tivesse deixado toda a
roupa na praia. Recolheu-a e encaminhou-se para casa.
Atravessou o alpendre em bicos de pés e abriu a porta de rede. Na
sala de estar, deserta, espalhavam-se copos, cinzeiros e pratos sujos.
Atravessou-a, voltou à direita, cruzou um hall e passou por duas portas fechadas. A porta do quarto que partilhava com a mulher estava
aberta e a luz da mesa-de-cabeceira ficara acesa. Ambas as camas
estavam feitas. Atirou as roupas da mulher para cima de uma delas.
Havia mais dois quartos de dormir na casa. Num dormiam os
proprietários e o outro era ocupado por dois outros hóspedes. Tão
silenciosamente quanto possível, o homem abriu a porta do primeiro
quarto, onde havia duas camas e em cada uma delas uma pessoa.
Fechou a porta e dirigiu-se ao quarto contíguo. Os donos da casa

dormiam, lado a lado, numa cama larga de casal. O homem fechou a
porta e dirigiu-se à casa de banho. Verificando que esta estava vazia,
regressou ao seu quarto à procura do relógio. Eram quase cinco horas
da manhã.
Sentou-se numa das camas e ficou a olhar para o monte de roupa
na outra. Tinha a certeza de que a mulher não estava em casa. Começou a considerar a possibilidade de um acidente.
Rapidamente a possibilidade se transformou em certeza. Regressou ao quarto do proprietário, hesitou por momentos junto à cama e
depois colocou-lhe a mão sobre o ombro.
- Jack - chamou. - Eh, Jack!
O homem bocejou e abriu os olhos.

- Que é?
- Sou eu, Tom. Desculpa vir acordar-te, mas viste a Chrissie?
- Que queres dizer? Ela não está contigo?
- Não. E não a consigo descobrir.
Jack sentou-se na cama e acendeu a luz. A mulher mexeu-se e
tapou a cabeça com o lençol.
- Desculpa - disse Tom. - Lembras-te de quando a viste pela
última vez?

- Claro que me lembro. Disse que iam ambos nadar e saíram os
dois. E tu, quando a viste pela última vez?
- Na praia. Depois adormeci. Ela não voltou cá?
- Não antes de nos irmos deitar, cerca da uma.
- Encontrei as roupas dela na praia.
- Procuraste na sala?
Tom assentiu com a cabeça.
- E no quarto dos Henkels. Procurei em toda a casa.
- Então, que é que pensas?
- O que estou a começar a pensar é que ela pode ter tido um
acidente - respondeu Tom. - Talvez se tenha afogado.
Jack fitou-o um momento, após o que relanceou o relógio.
- Não sei a que horas a Polícia começa a trabalhar nesta cidade
- observou -, mas acho que esta hora é tão boa como qualquer
outra para o averiguarmos.

QUANDo o telefone tocou, o agente Leonard Hendricks estava
sentado à sua secretária na Esquadra de Amity, a ler um romance
policial intitulado Mortalmente Tua.
Levantou o auscultador.
- Esquadra da Polícia de Amity, agente Hendricks - disse.
- Quem fala?
- Fala Jack Foote, da Estrada de Old Mill. Quero participar o
desaparecimento de uma pessoa. Ou pelo menos penso que ela desapareceu.
- Pode repetir a comunicação? - Hendricks servira no Vietaame como radiotelegrafista e utilizava com gosto essa terminologia.
- Uma hóspede da minha casa foi nadar cerca da uma hora da
madrugada - explicou Foote. - Ainda não regressou. O seu companheiro encontrou-lhe as roupas na praia.
Hendricks escrevinhou num bloco-notas.
- Qual é o nome dela?
- Christine Watkins.

- Idade?
- Não sei. Digamos, à volta dos vinte e cinco.
- Altura e peso?
- Espere um momento. - Seguiu-se uma pausa. - Pensamos
?e cerca de um metro e setenta, e o peso entre cinquenta e cinco e
sessenta quilos.
- Cor do cabelo e dos olhos?
- Oiça, Sr. Guarda, porque precisa de todos esses pormenores?
Se a mulher se afogou, é provavelmente a única esta noite, não
acha?
- Quem diz que ela se afogou, Mr. Foote? Talvez tenha ido dar
um passeio.
- À uma da madrugada e completamente nua? Recebeu alguma
informação sobre uma mulher que andasse a passear nua?
Hendricks saboreou a oportunidade de se mostrar insuportavelmente frio.
- Ainda não. Mas quando a temporada começa, tudo é de esperar. Cor do cabelo e dos olhos?
- O cabelo é... hum, louro-escuro, julgo eu. Não sei de que
cor são os olhos dela. Digamos, cor de avelã.
- Muito bem, Mr. Foote. Assim que descobrirmos alguma coisa, entramos em contacto consigo.
Hendricks desligou e consultou o relógio de pulso. Eram cinco é
dez e não considerava oportuno acordar o chefe por um acidente tão
vago como a participação do desaparecimento de uma pessoa. Porém, se ela fosse dar à costa, o chefe Brody desejaria ver o assunto
resolvido antes de o cadáver ser encontrado por alguma mãe que
andasse a passear com um par de crianças.
Bom senso era do que, segundo o chefe continuamente lhe dizia,
ele precisava; era essa qualidade que fazia um bom polícia. O desafio à inteligência que constituía o trabalho de polícia influíra na
decisão de Hendricks de se alistar na força policial de Amity depois
de regressar do Vietname. Estava convencido de que, assim que
pudesse libertar-se daquele turno da meia-noite às oito, começaria a
gostar do seu trabalho. Mas o chefe Brody gostava de treinar lentamente os principiantes a uma hora do dia em que não fossem sobrecanegados.
O turno de maior movimento, que exigia experiência e tacto,
situava-se entre as oito da manhã e as quatro da tarde. Nele trabalhavam seis homens. Um deles dirigia o tráfego no cruzamento das
Ruas Main e Water. Dois percorriam a cidade em canos-patrulhas.
Outro atendia os telefonemas na esquadra. O quarto encarregava-se
do expediente do escritório. E o chefe recebia o público: senhoras
que se queixavam de não terem conseguido dormir devido à algazarra do Randy Bear e do Saxon's, os dois bares da cidade; proprietários locais que reclamavam contra
os desordeiros que perturbavam a
paz, e banqueiros ou advogados em férias que apareciam na esquadra a fim de expor os variadíssimos planos que haviam idealizado

para conservar Amity como uma colónia de veraneio distinta e tradicional.
O turno dos problemas, no qual trabalhavam os seis homens
mais corpulentos da esquadra, situava-se entre as quatro e a meia-noite, altura em que jovens desordeiros da localidade vizinha de
Hamptons se reuniam no Randy Bear e se viam envolvidos em rixas
ou seguiam a toda a velocidade, embriagados, ao longo da Auto-Estrada de
Montauk; ou quando, muito raramente, um par de rufias do
distrito de Queens se emboscava nas ruelas escuras para assaltar e
roubar os transeuntes, e ainda quando, cerca de duas vezes por mês,
durante o Verão, a Polícia se sentia obrigada a fazer uma rusga em
busca de droga a um dos enormes edifícios dos cais.
No turno compreendido entre a meia-noite e as oito, habitualmente calmo, trabalhavam por norma, durante o Verão, três agentes. Um deles, porém, o jovem Dick Angelo,
gozava as suas duas
semanas de férias antes que a estação atingisse o seu apogeu. O
terceiro polícia, um veterano de trinta anos chamado Henry Kimble,
trabalhava durante o dia como empregado de bar no Saxon's.
Hendricks tentou contactar com Kimble através do rádio, sabendo embora de antemão que a tentativa se revelaria inútil. Como
habitualmente, Kimble estaria a dormir num cano-patrulha estacionado por detrás da farmácia de Amity. Hendricks ergueu o auscultador e discou o número de casa do
chefe Brody.
Martin Brody encontrava-se naquele estado indeciso de semiconsciência que precede o acordar. Ao segundo toque do telefone,
?lou sobre si mesmo e levantou o auscultador.
- Está?
- Chefe, fala Hendricks. Desculpe maçá-lo tão cedo, mas acho
?que temos uma flutuadora entre mãos.
- Uma flutuadora? Que diabo é uma flutuadora?
Hendricks colhera aquela palavra da sua leitura nocturna.
- Um caso de afogamento - disse, embaraçado. Informou
r?rody sobre a chamada de Foote. - Não sabia se o senhor queria ir
verificar o caso antes que comece a chegar gente à praia. Parece que
vamos ter um óptimo dia.
Brody bocejou exageradamente.
- Onde está o Kimble? - perguntou. - Oh, deixa lá. Foi uma
pergunta estúpida. Um destes dias vou arranjar-lhe o rádio do cano
de maneira que não possa desligá-lo.
??? Como disse, chefe, desculpe se o incomodei - repetiu Hen- Sim, não faz mal, Leo- durante essa estação era torturada pelo pensamento das oportunidades
nard*/*. Fizeste bem em ligar. Vou que perdera. Via colegas suas de colégio agora casadas com maridos
dar uma vista de olhos à praia em prósperos, que passavam o Verão em Amity e o Inverno em Nova

frente da Old Mill e da Scotch e Iorque, mulheres elegantes que jogavam ténis e mantinham uma condepois vou falar com Foote e com versa interessante com
idêntico à-vontade, mulheres que - Ellen não
o companheiro da desaparecida. duvidava do facto - troçavam entre si dessa Ellen Shepherd que
Até logo. casara com um polícia.
Brody desligou o telefone e Ellen tinha vinte e um anos quando conhecera Brody. Acabara o
espreguiçou-se. Olhou para a seu penúltimo ano na Universidade de Wellesley e estava a passar as
mulher, deitada a seu lado na férias de Verão em Amity com os pais - como vinha sendo hábito
cama de casal. Ela agitara-se desde há já onze anos. Embora apreciasse a modesta fortuna que o
quando o telefone tocara, mas pai conseguira reunir, não desejava vir a ter uma vida como a dos
logo voltara a adormecer. pais. Aborreciam-na todas as frivolidades decorrentes de uma vida
Ellen Brody tinha trinta e seis em sociedade.
anos, menos cinco do que o mari- o seu primeiro contacto com Brody ligou-se a uma actuação prodo.O facto de parecer ter apenas fissional por parte deste.
Uma noite em que um amigo embriagado a
trinta, embora constituísse motivo conduzia a casa, a grande velocidade,O automóvel foi obrigado a
de orgulho para Brody, não dei- parar por um polícia cuja juventude, aparência e civismo impressioxava de lhe causar inquietações. naram Ellen. Depois de
passar uma intimação ao condutor para comEla conseguira, apesar de ser mãe p?cer em tribunal,o agente confiscou as chaves do automóvel e
de três filhos, manter-se jovem e conduziu Ellen e o seu companheiro às respectivas casas. Na manhã
elegante, enquanto Brody - seguinte, Ellen escreveu uma nota de agradecimento a Brody e outra
embora não se pudesse dizer que ao chefe da Polícia, elogiando o jovem Martin Brody. Este telefonoufosse gordo com um metro e oi- -lhe a agradecer.
tenta e cinco de altura e noventa Quando, na sua noite livre, ele a convidou para jantar e ir ao
quilos de peso - começava a cinema, a curiosidade levou-a a aceitar. Quase nunca falara, e muito
preocupar-se com a sua tensão menos saíra, com um polícia. Brody estava nervoso, mas Ellen parearterial e o pneu que se formava ceu tão interessada nele
e no seu trabalho que ele finalmente se acalem torno da sua cintura. Por vezes ?ou o bastante para passar momentos agradáveis. Ellen considerou-o
surpreendia-se a observar, com antador: forte, simples, amável - sincero. Era polícia havia seis
uma vaga luxúria, as jovens de s. Contou-lhe que a sua ambição era tornar-se chefe da força polipernas longas que deambulavam de Amity, ter filhos para
levar no Outono à caça aos patos e
pela cidade durante o Verão. Ma5 eiro suficiente para umas férias de dois em dois ou três em três
nunca apreciava verdadeiramente s.
essa sensação, que o induzia a ?r. Casaram em Novembro desse ano.

perguntar a si mesmo se Ellen não i Durante os primeiros anos, surgiram algumas situações embaraçosentiria a mesma excitação quan- ' . Quando os amigos de Ellen
os convidavam para jantar, Brody
do olhava os jovens elegantes q perimentava a sensação incómoda de ser tratado com condescenbronzeados. ?? ia. Quando se reuniam com amigos
de Brody,O passado de Ellen
O Verão constituía uma época ia reprimir a espontaneidade. Gradualmente, à medida que fonefasta para Ellen Brody, qu? desenvolvendo novas relações,0s
embaraços desapareceram.
Porém, nunca mais se tornaram a encontrar com os velhos amigos de
Ellen.
Até cerca de quatro anos atrás, ela estivera demasiado ocupada e
fora demasiado feliz para deixar que esses problemas a preocupassem. Quando, porém, o seu filho mais novo começou a frequentar a
escola, sentiu-se à deriva e começou a recordar com insistência o tipo
de vida que sua mãe levava, percorrendo lojas e boutiques, onde se
abastecia prodigamente, reunindo-se com amigas em almoços, praticando ténis, frequentando cocktails, saindo para fora durante os fins-de-semana. O que em tempos
lhe parecera superficial e enfadonho
recordava-o agora como um paraíso.
A princípio tentou reatar relações com amigos com quem não se
encontrava há dez anos, mas todas as afinidades se haviam perdido
com o tempo. Ellen falava animadamente da política local, do seu
trabalho como enfermeira voluntária no Hospital de Southampton. Os
seus antigos amigos conversavam sobre a política de Nova Iorque,
galerias de arte, pintores e escritores que conheciam. Na sua maioria,
as conversas terminavam com vagas promessas de voltarem a encontrar-se.
De vez em quando tentava fazer amigos entre os veraneantes que
não conhecia, mas as ligações eram forçadas e curtas. Ellen sentia-se
constrangida com a sua casa e a profissão do seu marido. Fazia questão de frisar a todos quantos conhecia que provinha de uma camada
social superior. Tendo no entanto consciência do que fazia, detestava-se por isso, pois na realidade amava profundamente o marido,
adorava os filhos e, durante a maior parte do ano, vivia satisfeita com
a sua sorte. Mas, apesar de tudo, os seus ressentimentos e ansiedades
mantinham-se.
Brody voltou-se para Ellen, erguendo-se sobre um cotovelo e descansando a cabeça sobre a mão. Com a outra afastou uma madeixa do
cabelo que caíra sobre o nariz dela, fazendo-o franzir-se. Considerou

a hipótese de a acordar, mas sabia que a sua disposição matutina era
mais irritável do que romântica. Não obstante, poderia ser agradável,
pois ultimamente verificavam-se entre ambos relações sexuais apenas
ocasionais, como sempre acontecia durante as crises estivais de Ellen.
Nesse momento Ellen abriu a boca e começou a ressonar. Brody
levantou-se e dirigiu-se para a casa de banho.

ERram quase seis e trinta e o Sol já estava alto quando ele chegou
à Estrada de Old Mill, da qual não se divisava a praia. Como apenas
via o cume das dunas, Brody era obrigado, aproximadamente de

cem em cem metros, a parar o cano-patrulha e a trepar a pé algum
caminho até uma altura de onde pudesse inspeccionar a praia.
Não havia qualquer vestígio de um corpo. Tudo quanto viu na
vasta extensão de areia branca foi alguns escolhos de madeira, uma
ou duas latas e uma faixa de algas, com um metro de largura, que a
brisa do sul arrastara até à praia. Como praticamente não havia ondulação, se algum cadáver flutuasse à superfície das águas não poderia passar despercebido.
Às sete horas já Brody percorrera toda a praia ao longo das
estradas de Old Mill e de Scotch. Em Baybeny Lane virou para
norte, em direcção à cidade, e chegou à esquadra às sete e dez.
- Não teve sorte, chefe? - perguntou Hendricks.
- Depende do que entendes por sorte, Leonard. Se queres saber se encontrei um cadáver, a resposta é não.
Brody encheu uma chávena de café, entrou no seu gabinete e
começou a folhear os jornais da manhã - a primeira edição do
Daily News, de Nova Iorque, e o Leader, de Amity.
O aspecto de Kimble, que chegou um pouco antes das oito horas, revelava claramente que o agente estivera a dormir com o uniforme vestido. Enquanto esperavam que
chegassem os homens do
turno do dia, Hendricks e Kimble beberam uma chávena de café. O
substituto de Hendricks chegou às oito em ponto; quando este se
preparava para sair, Brody saiu do seu gabinete e disse:
- Vou falar ao Foote, Leonard. Queres vir também? Pensei
que gostasses de seguir o caso da tua... flutuadora - concluiu com
um sorriso.
- Claro que sim - respondeu Hendricks. - Não tenho nada
que fazer hoje, por isso posso dormir toda a tarde.
Ainda Brody não retirara a mão da aldraba e já a porta da casa
dos Footes se abria.
- Sou Tom Cassidy - disse o jovem que apareceu no umbral.
- Encontraram-na?
- Eu sou o chefe Brody. Este é o agente Hendricks. Não, Mr.
Cassidy, não a encontrámos. Podemos entrar?
- Com certeza. Entrem para a sala. Eu vou chamar os Footes.
Ao fim de cinco minutos Brody sabia tudo quanto precisava de
saber. Depois, para que a investigação fosse rigorosa, examinou as
roupas da desaparecida.

- Ela não tinha fato de banho vestido?
- Não - respondeu Cassidy. - Está ali, na gaveta de cima.
- Compreendo - observou Brody. - Bem, é melhor descermos à praia. O senhor não precisa de vir. Eu e o Hendricks tratamos
do assunto.
- Eu g?stava de ir, se não se importa.

UMA vez na praia, Cassidy assinalou aos polícias o local onde
adormecera - e onde encontrara as roupas de Christine Watkins.
Brody olhou para um e outro lado, examinando aquela faixa de
areia de quase dois quilómetros de extensão. As únicas manchas
escuras que conseguia ver sobre a areia branca eram montículos de
algas marinhas.
- Vamos dar uma volta - sugeriu. - Leonard, tu vais para
leste, até à ponta. Mr. Cassidy, venha comigo para oeste. Tens o
teu apito, Leonard? Pode ser preciso.

- Tenho - respondeu Hendricks. - Importa-se que eu me
descalce? É mais cómodo para andar na areia.
- Não me importo nada - disse Brody. - Até podes tirar as
calças, se quiseres. É claro que depois te prendo por afronta à moral
pública.
Hendricks afastou-se na direcção de leste, sentindo nos pés o
frio da areia húmida. Caminhava de cabeça baixa, observando as
minúsculas conchas e os emaranhados de algas. Alguns escaravelhos afastaram-se do seu caminho e, quando a água das ondas recuava, via momentâneas bolhas de ar que
rebentavam sobre os orifícios abertos pelos vermes marinhos. Estava a apreciar o passeio. É
estranho, pensou, que os habitantes de qualquer localidade quase
nunca se entreguem às mesmas diversões que atraem os turistas que
visitam esse local - como, no caso concreto, passear pela praia ou
nadar.
Hendricks voltou-se uma vez para verificar se Brody e Cassidy tinham encontrado alguma coisa. Constatou que os companheiros se encontravam a quase um quilómetro
de distância.
Quando recomeçou a caminhar, viu à sua frente um monte de
algas de dimensões inusitadamente grandes. Quando o alcançou,
baixou-se para afastar algumas das algas. De súbito interrompeu-se, como que paralisado. Procurou o apito no bolso das calças, soprou debilmente, recuou, cambaleante,
caiu de joelhos e
vomitou.

HENDRIcKs estava ainda de joelhos quando Brody e Cassidy
chegaram junto dele. Brody, que se adiantara alguns passos a Cassidy, disse a este:

- Mr. Cassidy, fique aí um minuto, sim? - Afastou algumas
das algas e, quando viu o que as mesmas ocultavam, sentiu a bílis
subir-lhe à garganta. Engoliu e fechou os olhos. Após um momento,
disse:
- Bem, seja como for, pode olhar agora, Mr. Cassidy, e dizer-me se é ela ou não.
Cassidy aproximou-se relutantemente, arrastando os pés. Brody

afastou algumas algas para lhe permitir ver bem o rosto cinzento, de
boca escancarada.
- Oh, meu Deus! - exclamou Cassidy, levando uma mão à
boca.
- É ela?
Cassidy fez um sinal de assentimento.
- Que lhe aconteceu?
- Assim, à primeira vista, diria que foi atacada por um tubarão
- aventou Brody.
Cassidy sentiu os joelhos vergarem-se-lhe e caiu na areia, dizendo:
- Acho que vou vomitar.
Brody compreendeu instantaneamente que perdera a luta que
travava consigo mesmo para se dominar.
- Junte-se a nós - disse. E vomitou também.





DECORRERAM vários minutos antes que Brody se sentisse suficientemente recomposto para se pôr em pé, regressar ao automóvel e
pedir uma ambulância ao Hospital de Southampton. Às onze horas
regressara ao seu gabinete e preenchia os impressos sobre o acidente. Faltava-lhe apenas registar a causa da morte quando o telefone
tocou.
- Aqui fala Carl Santos, Martin - disse a voz do médico legista.
- Olá, Cárl. Que tens para me dizer?
- A menos que tenhas algum motivo para suspeitar de assassínio, tenho de atribuir a causa da morte a um tubarão.
- Não creio que seja crime, Carl. Não há motivo, não há instrumento para o crime e, a não ser que queira especular sem fundamento, não há suspeito.
- Então é um tubarão. Um tubarão grande. Nem a hélice de
um transatlântico teria feito isto. Podia cortá-la a meio, mas...
- Muito bem, Carl. Poupa-me a sangria.
- Desculpa, Martin. De qualquer forma, creio que o mais sensato é registar como causa da morte o ataque de um tubarão, a não
ser que seja necessário atender a... considerações de outra ordem.
- Não. Desta vez, não, Carl. Obrigado por teres telefonado.
Desligou, dactilografou "Ataque de um tubarão! nos impressos e
recostou-se na sua cadeira.
A possibilidade de atender a considerações de outra ordem não
ocorrera a Brody. Essas considerações constituíam a parte mais delicada do seu trabalho, forçando-o constantemente a determinar o
melhor meio de proteger o bem-estar público sem se comprometer a
si nem à lei.
Estava-se no começo da estação turística, e Brody sabia que do
êxito ou do malogro dessas breves doze semanas dependia a prosperidade de Amity durante um ano inteiro. A população de Amity,

que no Inverno não excedia as mil pessoas, num Verão bom ascendia quase às dez mil. E esses nove mil visitantes de Verão mantinham vivos os mil residentes permanentes
durante praticamente
todo o resto do ano.
Os comerciantes locais - desde os proprietários dos armazéns
de ferragens e de artigos desportivos, o das duas estações de serviço
até ao farmacêutico - necessitavam de um Verão excelente para se
manterem durante o magro Inverno. Os pescadores que alugavam os
seus barcos precisavam da conjugação de vários factores: bom tempo, pesca abundante e, sobretudo, muita clientela.
Mesmo após os melhores dos Verões, os Invernos eram duros
em Amity. De cada dez famílias, três eram ajudadas por subsídios
da Assistência Social. Dezenas de homens eram forçados a mudar-se, durante o Inverno, para a costa setentrional de Long Island,
onde ganhavam diariamente alguns dólares abrindo vieiras.
Brody sabia que um Verão mau quase duplicaria o número de
pessoas a recorrerem à Assistência. E dois ou três Verões maus
consecutivos - circunstância que afortunadamente se não verificava havia mais de duas décadas - podiam arruinar a cidade. Se a
população não dispusesse dos meios económicos que lhe permitissem abastecer-se de vestuário e alimento e pagar reparações e remodelações, as casas comerciais teriam
de fechar. A cidade deixaria de
auferir receitas provenientes de impostos, os serviços municipais
deteriorar-se-iam e as populações começariam a emigrar. Por isso se

esperava de cada munícipe a sua colaboração, a fim de que Amity
continuasse a ser uma agradável estância de veraneio.
De uma maneira geral, o contributo de Brody - além de fazer
respeitar a lei - consistia em pôr cobro a boatos e, de acordo com
Harry Meadows, director do Leader de Amity, controlar até certo
ponto as raras ocorrências infelizes que chegavam a atingir o foro
de notícia.
Se um dos veraneantes mais influentes era detido por condução
em estado de embriaguez, Brody multava-o como se a infracção
cometida fosse o conduzir sem carta, acusação essa que era devidamente noticiada no Leader. No entanto, Brody tinha o cuidado de
avisar o condutor de que, se reincidisse, seria preso e julgado por
conduzir embriagado.
Quando os adolescentes de Hamptons causavam distúrbios, Harry Meadows era pormenorizadamente informado de nomes, idades e
acusações dos envolvidos nas desordens. Quando as perturbações
eram causadas por jovens residentes em Amity, o Leader publicava
habitualmente uma notícia de um parágrafo, sem referir qualquer
nome.
Brody, porém, queria revelar ao público a notícia do acidente
com o tubarão. Tencionava encenar as praias durante alguns dias,
para que o tubarão tivesse o tempo suficiente de se afastar da costa
de Amity.

Sabia que o seu desejo de tornar do conhecimento público o
ataque do seláceo encontraria forte oposição. Até àquele momento o
Verão em Amity anunciava-se medíocre. Embora tivessem subido
em relação ao ano anterior, os alugueres não eram compensadores,
pois muitos dos inquilinos eram grupos de dez ou quinze jovens que
dividiam entre si a renda de uma casa com várias divisões. Pelo
menos uma dúzia de vivendas caras, sobranceiras à praia, não fora
alugada. Qualquer informação sensacionalista sobre o ataque de um
tubarão poderia arruinar a temporada.
Não obstante, Brody pensava que o efeito de uma morte seria
sem dúvida menos nefasto do que o de três ou quatro. O tubarão
poderia já ter desaparecido, mas não estava disposto a arriscar vidas
baseado nessa possibilidade. Discou o número de telefone de Meadows.
- Estás livre para almoçar, Hany? - perguntou.
- Com certeza - respondeu Meadows. - Aqui ou aí?
- No teu escritório - disse Brody. - Podemos mandar vir
qualquer coisa do Cy's.
- Acho óptimo - disse Meadows. - Achas bem a sanduíche
especial que o Cy's tem às sextas-feiras?
Subitamente, Brody lamentou ter telefonado à hora de almoço.
A simples ideia de uma refeição provocava-lhe náuseas.
- Não, só uma sanduíche de ovo e um copo de leite. Vou já
para aí.

HnRRY Meadows era um homem extraordinariamente corpulento, cuja fronte se perlava de transpiração com o simples acto de
ingerir alimento. Tinha quase cinquenta anos, comia demasiado,
fumava ininterruptamente charutos baratos, bebia whiskey americano
e, segundo as palavras do seu médico, era o principal candidato do
mundo ocidental a sofrer um grave enfarte do miocárdio.
Quando Brody entrou no seu gabinete, Meadows encontrava-se
de pé, ao lado da secretária, agitando uma toalha junto à janela
aberta.
- Em consideração pelo que suponho ser um estômago delicado, a julgar pelo que pediste de almoço - explicou -, estou a
tentar libertar a atmosfera do perfume dos meus charutos.
- Agradeço a tua atenção - disse Brody. Percorreu com o
olhar o pequeno e desordenado gabinete, descobriu uma cadeira,
puxou-a para junto da secretária de Meadows e sentou-se.
Meadows inspeccionou um enorme saco de papel, de onde retirou um copo de papel e uma sanduíche embrulhada em plástico, que
empurrou em direcção a Brody. Seguidamente, começou a desembrulhar o seu próprio almoço: uma enorme sanduíche de almôndegas, um pacote de batatas fritas e uma fatia
de torta de limão com
merengue. Estendeu a mão e retirou uma lata de cerveja de um
pequeno frigorífico que existia por detrás da sua cadeira.
- Espantoso - comentou Brody. - Já devo ter almoçado pelo
menos umas mil vezes contigo e não há maneira de conseguir habituar-me.
- Todos temos as nossas fraquezas - observou Meadows,

enquanto levava a sanduíche à boca. - Há os que perseguem as
mulheres de outros. Há os que se encharcam em whiskey. Eu encontro o meu consolo no sustento da própria natureza.
Comeram em silêncio durante alguns momentos. Brody acabou
a sua sanduíche e acendeu um cigarro. Embora Meadows não tivesse terminado ainda a sua refeição, Brody sabia que o seu apetite não
sofreria qualquer redução se fosse discutida a morte de Christine
Watkins.

- Acerca do caso Watkins - começou -, tenho umas ideias e
gostava que as ouvisses. - Meadows fez um sinal de assentimento.
- Primeiro, parece-me que a causa da morte é clara. Santos acha
que foi devida ao ataque de um tubarão, e se tu visses o corpo
concordavas.
- Eu vi o corpo.
- Então concordas?
- Sim. Concordo que foi o que a matou. Mas há alguns pontos
que me suscitam dúvidas.
- Tais como...?
- Tais como por que motivo estava ela a tomar banho a essa
hora da noite. Sabes qual era a temperatura ambiente cerca da meia-noite? Quinze graus e meio. E a água estava a cerca de dez graus.
Só um louco ia nadar nessas condições.
- Ou um bêbado - acrescentou Brody.- O que, provavelmente, foi o que aconteceu.
- Talvez tenhas razão. No entanto, há outra coisa que me
preocupa. Parece-me muito estranho que tenhamos aqui um tubarão
quando a água ainda está tão fria.
- Talvez haja tubarões que gostem de água fria. Sabe-se muito
pouco sobre tubarões.
- Eu sei muito mais sobre tubarões do que sabia esta manhã.
Depois de ver o que restava de Miss Watkins, telefonei a um rapaz
que conheço no Instituto Oceanográfico de Woods Hole. Descrevi-lhe o corpo e ele disse que provavelmente só uma espécie de tubarão o destroçaria de modo tão selvagem.
- Que espécie?
- Um tubarão-branco. Os outros, como os tubarões-tigre e
martelo, e talvez os anequins e guelhas, atacam pessoas, mas este
tipo, Matt Hooper, disse-me que, para cortar uma mulher a meio,
teria de ser preciso um tubarão com uma boca deste tamanho. -- abriu os braços cerca de um metro -; ora, o único tubarão que
existe com essas dimensões e que, além disso, ataca pessoas é o
tubarão-branco, também conhecido por tubarão-come-homens ou
tubarão-de-são-tomé.
- Que disse ele sobre a temperatura da água?
- Que é vulgar que um tubarão-branco frequente águas assim
frias. Há alguns anos um destes tubarões matou um rapaz perto de
S. Francisco. A temperatura da água era de catorze graus.
- Não há dúvida de que estiveste a documentar-te - reconheceu
Brody.
- Parece-me ser um assunto de interesse público determinar
exactamente o que aconteceu e quais as possibilidades de voltar a
suceder.
- E determinaste essas possibilidades?
- Determinei. São praticamente nulas. Pelo que posso concluir,

foi um acidente verdadeiramente invulgar. Segundo Hooper, há todos
os motivos para crer que o tubarão já se afastou há muito tempo. Não
há rochedos próximos. Não existe nos arredores nenhuma fábrica de
transformação de pescado ou qualquer matadouro que lance na água
sangue ou vísceras. Consequentemente, em princípio, não existe nada
que atraia o animal. - Meadows olhou para Brody. - Por isso,
parece-me, Martin, que não há motivos para preocupar toda a população com a possibilidade de um risco que, quase de certeza, não? se
vai repetir.
- Isso é um ponto de vista, Harry. Outro poderia ser que, como
possivelmente o ocorrido não se vai repetir, não existe qualquer inconveniente de maior em informar o público do que de facto se passou.
Meadows suspirou.
- De um ponto de vista jornalístico, talvez tenhas razão. Mas
não me parece que a divulgação da notícia seja do interesse do público. Não me refiro à população local; os poucos que ainda não sabem
do ocorrido não tardarão a tomar conhecimento do facto. Mas que me
dizes dos habitantes de Nova Iorque, Filadélfia ou Cleveland que
lêem o Leader? Há uma quantidade de veraneantes que têm assinaturas anuais. E tu sabes qual é a situação do aluguer de casas esta
estação. Se eu publico a notícia de que uma mulher ainda nova foi
cortada a meio por um tubarão monstruoso, ao largo de Amity, não
vai haver mais nenhuma casa arrendada nesta cidade nos próximos
meses. As pessoas reagem contra os tubarões tão fortemente como
contra assassinos.
Brody assentiu com a cabeça.
- Tuda isso é indiscutível, e não tenho qualquer interesse em
dizer às pessoas que existe um tubarão ao largo da costa. Provavelmente tens razão. Esse tubarão já deve estar a uma centena de milhas
e não vai voltar a aparecer. Mas? supõe, supõe apenas, que mantemos
o acidente secreto e esse animal ataca outra pessoa. Que fazemos
depois? Quero que publiques a notícia, Harry. Quero fechar as praias
durante uns dois dias, só por uma questão de segurança. Se dissermos
às pessoas o que aconteceu e explicarmos as razões da nossa actuação, evitaremos possíveis desastres futuros.

Meadows recostou-se na cadeira.
- O Leader não vai publicar nenhuma notícia sobre o ataque do
tubarão, Martin.
- Assim, sem mais nem menos?
- Bem, não exactamente assim. Sou o director deste jornal e
tenho algumas acções, mas não as suficientes para resistir a certas
pressões.
- Tais como?
- Já recebi seis telefonemas. Cinco eram de anunciantes: um

restaurante, um hotel, duas companhias imobiliárias e uma loja de
gelados. Mostraram-se muito desejosos que eu deixasse morrer o
assunto. A sexta chamada foi de Mr. Colman, de Nova Iorque, que
possui cinquenta e cinco por cento das acções do Leader. Parece
que o próprio Mr. Colman recebeu alguns telefonemas. E ordenou-me que não publicasse a notícia no Leader.
- Bem, Harry, não vale a pena continuar a conversa. Como tu
não vais publicar a história, para os fiéis leitores do Leader nada
aconteceu. Mas eu vou encerrar as praias e colocar alguns letreiros
a explicar as razões do encerramento.

DEz minutos depois de Brody regressar ao seu gabinete, uma
voz anunciou pelo intercomunicador:
- Está aqui o presidente da Câmara que quer falar consigo,
chefe.
Brody sorriu. O presidente da Câmara. Não Lawrence Vaughan,
da firma Vaughan & Penrose, Agentes Imobiliários; não Larry
Vaughan a visitá-lo. Mas o presidente da Câmara, Lawrence P.
Vaughan, eleito pelo povo.
- Mande entrar - disse Brody.
Larry Vaughan era um homem elegante, com pouco mais de
cinquenta anos, alguns cabelos brancos e um corpo ginasticado.
Natural de Amity, ganhara uma fortuna considerável com a compra
e venda de bens imobiliários e era o sócio principal (havia quem
pensasse que era o único) da agência imobiliária mais próspera da
cidade. Vestia, com uma simplicidade elegante, um casaco clássico,
de corte inglês, camisa de colarinhos fixos por botões e calçava
mocassins. Ao contrário de Ellen Brody, que passara de veraneante
a residente, Vaughan seguira paulatinamente um processo inverso.
Como comerciante local, os veraneantes nunca o convidavam para
as suas casas de Nova Iorque ou Palm Beach. Em Amity, porém,
mantinha relações amistosas com todos eles, à excepção dos mais
reservados, o que, evidentemente, era muito vantajoso para o seu
negócio.
Brody simpatizava com Vaughan. Não o via muito durante o
Verão, mas depois do Dia do Trabalho (comemorado, nos EUA,
anualmente na primeira segunda-feira de Setembro), Vaughan e
Eleanor, sua mulher, convidavam-nos de vez em quando para jantar
num dos melhores restaurantes de Hamptons. Essas noites constituíam ocasiões especiais para Ellen, o bastante para tornar Brody
feliz. Vaughan parecia compreender Ellen. Tratava-a sempre como
uma amiga e companheira de clube.
O presidente da Câmara entrou no gabinete de Brody e sentou-se.
- Acabo de falar com Harry Meadows - disse. - Onde vais
buscar a autoridade para encerrar as praias?
Vaughan estava obviamente preocupado, o que surpreendeu
Brody.
- Oficialmente, não tenho a certeza de ter essa autoridade. -- respondeu Brody. - Segundo o código, posso tomar qualquer medida que considere necessária em caso
de emergência, mas penso
que é a vereação que tem de declarar essa emergência. Mas não
creio que queiras passar por todas essas burocracias.

- De maneira nenhuma. Mas também não quero que encerres
as praias. Falta pouco para o 4 de Julho e é esse o fim-de-semana
em que se decide a sorte da temporada. Era como cortarmos as
nossas próprias cabeças.
- Conheço esse ponto de vista e tenho a certeza de que conheces os meus motivos. Não é que eu tenha alguma coisa a ganhar ao
encerrar as praias.
- Não. Antes pelo contrário. Ouve, Martin, esta cidade não
precisa desse género de publicidade.
- Também não precisa que seja morta mais gente.
- Não vai ser morto mais ninguém. Tudo o que conseguirias,
se fechasses as praias, seria convidar uma quantidade de repórteres
a imiscuírem-se na vida alheia.
- E depois? Vinham, e quando constatassem que não havia
nenhuma notícia que valesse a pena, iam-se embora.
- E se descobrissem alguma coisa? Armava-se um escândalo
que só prejudicava.
- Alguma coisa...? Que podiam eles descobrir, Larry? Eu não
tenho nada a esconder. Tu tens?
- Não, claro que não. Ouve, se não queres dar ouvidos à razão, és capaz de me ouvir como amigo? Estou a ser imensamente
pressionado pelos meus sócios. Uma notícia deste género seria funesta para nós.
Brody sorriu.
- É a primeira vez que te oiço admitir que tens sócios, Larry.
Pensei que eras dono e senhor desse negócio.
Vaughan mostrou-se embaraçado, como se constatasse que falara demais.
- O meu negócio é complexo - disse. - Há certas alturas em
que eu própeio não tenho a certeza de saber o que se está a passar.
Faz-me um favor. Esta vez.
Brody olhou para Vaughan, tentando averiguar os seus motivos.
- Sinto muito, Larry. Tenho de cumprir o dever que o meu
emprego me impõe.
- Se não me atenderes - replicou Vaughan -, podes não
conservar esse emprego durante muito mais tempo.
- Não tens nenhum poder sobre mim. Não podes despedir nenhum polícia desta cidade.
- Não posso despedi-lo da força policial, de facto. Mas, quer
queiras quer não, tenho poder sobre o posto de chefe da Polícia. -- Do bolso do casaco retirou uma cópia do Código Municipal de Amity. Procurou uma página e entregou
o exemplar a Brody. - O que
aqui diz, na realidade, é que, embora sejas eleito pelo povo, a vereação tem poder para te demitir do cargo de chefe da Polícia.
Brody leu o parágrafo que Vaughan lhe indicara.
- Tens razão - admitiu. - Mas gostava de saber qual seria a
?causa justa e suficiente" que tu invocarias.
- Espero sinceramente que a situação não atinja esse ponto,
Martin. Só esperava que concordasses comigo quando soubesses o
que eu e os vereadores pensamos.
- Todos os vereadores?
- Uma maioria.
- Como, por exemplo?
- Não penses que vou dar-te uma lista de nomes. Basta que
saibas que tenho o apoio da vereação e que, se não fizeres o que
tem de ser feito, substituímos-te no cargo por alguém que o fará.

Brody nunca vira Vaughan com uma disposição tão agressiva e
desagradável. Sentia-se perplexo e ao mesmo tempo ligeiramente
impressionado.
- Tens realmente interesse em que não encerre as praias, não
é, Larry?
- Tenho. - Sentindo a vitória próxima, Vaughan acrescentou
em voz baixa: - Confia em mim, Martin. Garanto-te que não te
arrependerá.
Brody suspirou.
- Não me agrada nada isto - declarou. - Não me cheira
bem. Mas está bem, se é assim tão importante.
- É mesmo. - Vaughan sorriu. - Obrigado, Martin.

BttoDY chegou a casa um pouco antes das cinco horas. O seu
estômago acalmara o suficiente para lhe permitir beber uma ou duas
cervejas antes de jantar. Ellen, que envergava ainda o uniforme de
enfermeira voluntária, encontrava-se na cozinha, com as duas mãos
ocupadas na confecção de um empadão de carne.
- Olá - saudou-o, voltando a cabeça para que Brody pudesse
depositar-lhe um beijo na face. -.Que é que se passou?
- Estiveste no hospital. Não ouviste?
- Não. Não saí da Ala de Ferguson.
- Uma mulher foi morta por um tubarão ao largo de Old Mill.
Retirou uma cerveja do frigorífico.
Ellen deixou por momentos de amassar a carne e olhou-o.
- Um tubarão! Nunca ouvi dizer que houvesse tubarões por
aqui. Já têm sido avistados uma vez ou outra, mas nunca chegaram
a atacar.
- Sim, eu sei. Também para mim isto é inédito.
- Então o que é que vais fazer?
- Nada.
- Nada? Achas isso sensato? Não podes fazer nada?
- Claro que há várias coisas que eu podia fazer. Teoricamente. Mas os poderes instituídos estão preocupados com a inquietação que iríamos causar só porque uma
estranha foi morta por um
animal. Preferem partir do princípio de que o incidente não vai repetir-se.
- Que queres dizer, os poderes instituídos?
- Larry Vaughan, por exemplo. Ameaçou destituir-me do meu
cargo se eu encerrasse as praias.
- Não posso acreditar, Martin. O Larry não é desses.
- Também eu pensava que não fosse. Ouve, que sabes tu dos
seus sócios?
- No negócio? Pensei que não tinha nenhum, que era tudo
dele.
- Aparentemente, não é.

- Bem, tranquiliza-me saber que falaste com Larry. Ele costuma ter uma visão mais ampla e completa dos acontecimentos do
que a maioria das outras pessoas. Provavelmente sabe o que é melhor.
Brody sentiu o sangue afluir-lhe à garganta. Arrancou a patilha
metálica da tampa da lata de cerveja, lançou-a para o balde do lixo e
dirigiu-se para a sala de estar, a fim de ouvir o noticiário da tarde.





Durante os dias seguintes, a atmosfera permaneceu limpa. A brisa
suave que encrespava a superfície do mar não chegava a formar
cristas espumosas. Apenas de noite o tempo refrescava e, após dias
de sol constante, a terra e a areia tinham aquecido.
Domingo era o dia 20 de Junho. Cerca do meio-dia, um garoto
de seis anos lançava pedras à água na praia em frente das estradas
de Scotch e Old Mill. A determinada altura interrompeu-se, dirigiu-se ao local onde a mãe dormitava e deixou-se cair na areia ao
lado dela.
- Mãe - disse -, não tenho nada que fazer.
- Porque não vais jogar à bola?
- Com quem? Não está aqui mais ninguém. Posso ir tomar
banho?
- Não. Está muito frio. Além disso, sabes que não podes ir
tomar banho sozinho.
- Quer vir comigo?
- Alex, a mãe está cansada, absolutamente esgotada. Porque
não te entreténs com outra coisa?
? - Posso levar o meu colchão para a água? Eu não nado. Só
fico deitado no colchão.
? A mãe sentou-se e olhou a praia. A uma dúzia de metros encontrava-se um homem com água pela cintura e uma criança às cavalitas. Olhou na direcção oposta. À excepção
de alguns casais à distância, a praia estava vazia.
- Está bem - concedeu. - Mas não te afastes. - Para mostrar que falava seriamente, baixou os óculos de sol de forma que o
pequeno lhe pudesse ver os olhos.
- Está bem - respondeu ele.
A criança agarrou no colchão de borracha e arrastou-o para o
mar..Quando a água lhe chegou à cintura, segurou o colchão à sua
frente e deitou-se de bruços sobre ele. Uma onda ergueu o colchão
sobre o qual a criança repousava. Usando os dois braços, o pequeno remou suavemente, enquanto os pés lhe pendiam na parte traseira. Afastou-se alguns metros da praia,
começando depois a movimentar-se de um lado para o outro, paralelamente à praia. Embora
não o notasse, uma ligeira corrente afastava-o lentamente para o
largo.
A cinquenta metros de distância, o fundo do mar descia num
declive abrupto. A profundidade da água passava de cinco para oito
metros, depois para doze, em seguida para quinze, nivelando finalmente a cerca de trinta metros antes de começarem as verdadeiras
profundezas do oceano.

A treze metros de profundidade o monstro marinho deslizava
lentamente, movendo a cauda apenas o suficiente para não deixar de
avançar. Não via nada, pois fragmentos de algas turvavam a água.

Também o animal estivera a deslocar-se paralelamente à praia. Agora voltava-se e iniciava uma subida.
O pequeno descansava, os braços pendentes, os pés e os tornozelos ora submersos, ora emersos, de acordo com a leve ondulação.
Tinha a cabeça voltada para a praia e constatou que fora arrastado
para uma distância superior à que a mãe consideraria segura. Podia
vê-la deitada na toalha, bem como o homem que brincava com a
criança à beira da água. Começou a agitar os pés e as mãos para se
aproximar da praia. O movimento dos seus braços na água era quase
imperceptível, mas os pés agitavam-na e esparrinhavam, deixando
na sua esteira remoinhos de borbulhas.
O seláceo não captou o ruído, antes registou os impulsos rápidos
e espasmódicos produzidos pelo movimento dos pés. Subiu, primeiro lentamente, depois ganhando velocidade à medida que os sinais
se tornavam mais fortes.
O rapaz deteve-se por momentos para descansar, e os sinais
cessaram. O animal abrandou a marcha, voltando a cabeça para
ambos os lados, tentando reencontrá-los. O pequeno permanecia
deitado, perfeitamente imóvel, e o seláceo passou sob ele, deslizando lentamente sobre o fundo arenoso. Depois retrocedeu em sentido
contrário.
O rapaz recomeçou a avançar. Embora movesse os pés apenas
de três em três ou quatro em quatro braçadas, esses pontapés esporádicos foram suficientes para enviar novos sinais ao tubarão. Desta

vez bastou-lhe um instante para os localizar, pois encontrava-se
quase directamente sob o pequeno.
O monstro ergueu-se. Quase na vertical, via agora a superfície
agitada. Podia não ser alimento o que agitava as águas, mas o seláceo era impelido a atacar. Se o objecto que engolisse não fosse
digerível, vomitá-lo-ia. Abriu a boca e, com um movimento final da
cauda segadora, lançou-se sobre a vítima.
O pequeno não teve sequer tempo de gritar. A cabeça do animal ergueu o colchão fora de água e as mandíbulas fecharam-se,
tragando cabeça, braços, ombros, tronco, bacia e a maior parte do
colchão.
Na praia, o homem que brincava com a criança gritou: ??Eh!?,
Não estava absolutamente certo do que vira. Estivera a olhar para o
mar e, no momento em que voltara a cabeça, uma agitação inusitada
da água despertara-lhe a atenção. Contemplou de novo o oceano,
mas viu apenas a ondulação provocada pela agitação do tubarão na
água.
- Viste aquilo? - gritou. - Viste aquilo?
- O que foi, pai? - A criança olhou-o, excitada.
- Acolá! Um tubarão, uma baleia ou qualquer coisa! Uma coisa enorme! - Correu em direcção à mãe do rapaz, que dormitava

sobre a toalha. Ela abriu os olhos e procurou fixar a vista no homem. Não compreendeu o que ele lhe dizia, mas notando que ele
apontava para a água, sentou-se e olhou para o mar. A princípio não
estranhou não ver nada. Depois balbuciou: ??Alex... H

BRoDY estava a almoçar em casa quando o telefone tocou.
- Fala Bixby, chefe - disse a voz que lhe ligava da esquadra. - Acho que é melhor vir cá. Tenho aqui uma mulher histérica.
- Histérica porquê?
- O filho... Desapareceu na praia.
Brody sentiu o estômago contrair-se-lhe numa ânsia de inquietação.
- Que aconteceu?
- E... - Bixby gaguejou e depois acrescentou rapidamente:
' Quinta-feira.
Brody compreendeu.
- Vou já.
Desligou o telefone. O receio, a culpa e a fúria misturavam-se
com sentimento doloroso que lhe revolvia as entranhas. Sentia-se
simultaneamente traído e traidor, um criminoso forçado a cometer
um crime. Embora tivesse querido actuar rectamente, Lany Vaughan forçara-b a agir contrariamente ao que considerava seu dever.
Mas, se não podia enfrentar Vaughan, então que espécie de polícia
era? Devia ter encenado as praias.
- Que aconteceu? - perguntou Ellen.
- Foi morta uma criança.
- Como?
- Por um maldito tubarão.
- Oh, não!... Se tu tivesses encenado as praias...
- Sim, eu sei.

HARRY Meadows esperava Brody no parque de estacionamento
situado por detrás da esquadra.
- E vamos lá a acreditar na lei das probabilidades... - observou ele.
- É verdade. Quem é que está lá dentro, Hany?
- Um homem do Times, dois do Newsday, a mulher e o homem que diz que viu o que se passou.
- Como é que o Times soube do ocorrido?
- Pouca sorte. Estava na praia. E o mesmo aconteceu com
um dos tipos do Newsday. Estão ambos a passar cá o fim-de-semana com uns amigos. Ficaram inteirados ao fim de dois minutos.
- Sabem alguma coisa da Christine Watkins?
- Duvido. Também ainda não tiveram tempo suficiente para
investigar.
- Vão ficar a saber, mais cedo ou mais tarde.
- Bem sei - respondeu Meadows. - O que me coloca numa
posição difícil.
- A ti! Não me faças rir!
- A sério, Martin. Se o Times publica a história de Christine
Watkins no jornal de amanhã juntamente com o acidente de hoje, o
Leader vai ficar de rastos. Vou ter de publicar a notícia, mesmo que
os outros o não façam.
- E quem vais dizer que deu ordens para que o caso fosse abafado? Vaughan?
- Não vou dizer que alguém tivesse dado ordens nesse sentido.

Não houve nenhuma conspiração. Vou falar com o Carl Santos. Se
eu conseguir pôr-lhe na boca as palavras certas, podemos todos evitar uma quantidade de dissabores.

- E se contasses a verdade? Dizias que eu queria encenar as
praias e avisar o público, mas que os vereadores discordaram. E
que, como tive medo de lutar e arriscar o meu lugar, fiz o jogo
?eles. . .
- Então, Martin, a culpa não foi tua. Não foi de ninguém. Nós
jogámos e perdemos. Foi apenas isso.
- Formidável. E eu agora limito-me a dizer à mãe do pequeno
I?ue lamentamos imenso termos tido de jogar o filho.
Brody entrou no seu gabinete por uma porta lateral. A mãe da?
?criança estava sentada em frente da secretária, apertando um lenço
Ia mão. Vestia um roupão curto sobre o fato de banho e estava
descalça. Brody olhou-a nervosamente, experimentando mais uma
(r?z uma aguda sensação de culpa. Não poderia dizer se ela estava a
chorar ou não, pois tinha os olhos protegidos por enormes óculos

Junto à parede do fundo estava um homem de pé. Brody cal?u que fosse aquele que afirmava ter presenciado o acidente.
Brody, a quem sempre faltara o jeito para consolar pessoas limitou-se a apresentar-se e começou a formular perguntas. A mulher
declarou que nada vira: num momento o pequeno estava lá, no
momento seguinte desaparecera, ??e tudo quanto vi foram pedaços
do seu colchão de praia?, . Falava com voz débil, mas firme. O homem descreveu o que cria ter visto.
- Então, ninguém viu realmente esse tubarão - observou Brody, acalentando uma débil esperança no fundo do seu espírito.
- Não - admitiu o homem. - Mas que outra coisa poderia ter
sido?
- Uma quantidade de coisas. - Brody mentia a si mesmo,
tanto quanto aos outros, tentando acreditar nas suas próprias mentiras. - O colchão podia ter-se esvaziado, e o pequeno, afogado.
- Não pode ser. Alex é um bom nadador - protestou a mulher. - Ou... era.
- E o que teria provocado a agitação na água? - contrapôs o
homem.
Brody compreendeu a inutilidade da sua argumentação.
- muito bem - disse. - Em qualquer dos casos, em breve o
vamos saber.
- Que quer dizer? - perguntou o homem.
- De uma maneira ou de outra, as pessoas que morrem no mar
habitualmente dão à costa em qualquer sítio. Se foi um tubarão, não
haverá engano possível. - Os ombros da mulher vergaram-se e
Brody amaldiçoou-se por ser tão inoportuno. - Desculpe-medisse. A mulher sacudiu a cabeça e começou a chorar.
Brody pediu-lhes que esperassem no seu gabinete e saiu da esquadra. Meadows encontrava-se junto à porta, apoiado contra a parede. Um jovem em calções de banho
e camisa de mangas curtas,
que parecia estar a interrogá-lo, gesticulava perante ele. Havia ainda
dois homens sentados num banco. Um vestia calções de banho e o

outro um blazer e calças de ganga.
- Em que posso servi-los? - perguntou Brody.
O jovem que estava junto de Meadows deu um passo em frente e
apresentou-se:
- Sou Bill Whitman, do New York Times. Estava na praia.
- E que viu?
Um dos outros, obviamente do Newsday, respondeu:
- Nada. Eu também lá estava. Ninguém viu nada. Excepto talvez o tipo que está no seu gabinete.
O repórter do Times perguntou:

- Está preparado para classificar o ocorrido como o ataque de
um tubarão?
- Não estou preparado para o classificar como coisa alguma e
sugiro que também o não façam enquanto não souberem mais a este
respeito.
O repórter do Times sorriu:
- Então, chefe, que quer que façamos? Que lhe chamemos um
desaparecimento misterioso? Rapaz desaparecido no mar?
- Oiça, Mr. Whitman - disse Brody -, não temos nenhuma
testemunha que tenha visto mais do que a agitação da água. O homem que está lá dentro pensa que viu um vulto prateado de grandes
dimensões que pode ter sido um tubarão, mas como nunca viu na
sua vida um tubarão vivo, não é o que se possa chamar uma testemunha qualificada. Não temos nenhum corpo, nenhuma prova concreta de que o rapaz tenha sofrido um...
Brody interrompeu-se ao ouvir uma travagem brusca sobre o
saibro. A porta de um automóvel bateu e ' Hendricks irrompeu na
esquadra em fato de banho.
- Chefe, houve outro ataque - disse ele.
O repórter do Times perguntou imediatamente:
- Quando foi o primeiro?
Antes que Hendricks pudesse responder, Brody disse:
- Estamos justamente a falar do assunto, Leonard. Não quero
que nem tu nem ninguém tirem conclusões precipitadas. Além do
mais, a criança pode ter-se afogado.
- Criança? - exclamou Hendricks. -. Que criança? Foi um
homem, um velho. Há cinco minutos. Estava logo a seguir à rebentação. Soltou de repente um grito e a sua cabeça desapareceu debaixo da
água? depois voltou a aparecer e gritou outra vez; em seguida desapareceu. Á água agitava-se violentamente em torno dele, enquanto o tubarão o atacava vezes sucessivas.
É o maior animal marinho que vi em
toda a minha vida, com o tamanho de uma furgoneta. Lancei-me à
água e tentei chegar ao pé do tipo, mas o animal continuava a atacá-lo.
Hendricks interrompeu-se, baixando o olhar, com a respiração
entrecortada.
- Depois o tubarão desistiu - acrescentou. -Talvez se tenha
ido embora, não sei. Nadei até ao local onde o tipo flutuava. Tinha
o rosto mergulhado na água. Agarrei-lhe um dos braços e puxei... e
fiquei com ele na mão.
Quando ergueu o rosto, Hendricks mostrou os olhos vermelhos e
marejados de lágrimas de exaustão e terror.

- Chamaste a ambulância?
Hendricks sacudiu a cabeça.
- Bixblr, liga para o hospital - ordenou Brody. - Leonard,
estás em condições de trabalhar? - Hendricks fez um sinal de assentimento. - Então vai vestir qualquer coisa e arranja alguns avisos para se encerrarem as praias
ao público.

Quando chegou ao seu gabinete na manhã de segunda-feira,
Brody encontrou, sobre a sua secretária, o New York Times. A cerca
de três quartos da coluna do lado direito da primeira página, viu o
título e começou a ler:


UM TUBARÃO MATA DUAS PESSOAS EM LONG ISLAND
por WILLIAM F. WHITMAN
Serviço especial para The New York Times


Amity, Long Island, 20 de Junho - Um garoto de seis anos e um
homem de sessenta e cinco foram hoje mortos em consequência de
dois ataques de um tubarão, que se verificaram com o intervalo de
uma hora, perto das praias desta estância de veraneio, no litoral meridional de Long Island.
Embora o corpo da criança, Alexander Kintner, não tenha sido
encontrado, as autoridades declaram não terem dúvidas de que a morte foi devida ao ataque de um tubarão. Uma testemunha, Thomas
Daguerre, de Nova Iorque, declarou ter visto emergir da água um
enorme corpo prateado que agarrou o rapaz e o seu colchão de borracha e desapareceu estrepitosamente no mar.
O médico legista de Amity, Dr. Carl Santos, declarou que os
vestígios de sangue encontrados nos restos do colchão posteriormente
recuperados não deixam lugar a dúvidas de que o pequeno sofreu
uma morte violenta.
Pelo menos quinze pessoas presenciaram o ataque a Morris Cater,
de sessenta e cinco anos, que se verificou aproximadamente às duas
horas da tarde, a cerca de quinhentos metros do local onde o pequeno
Kintner foi atacado. Mr. Cater gritou por socorro, mas todas as tentativas para o salvar foram vãs.
Há mais de duas décadas que não ocorriam na costa oriental casos documentados de ataque de tubarões a banhistas.
Segundo o Dr. David Dieter, ictiólogo do Aquário de Nova

Iorque, em Coney Island, é lógico presumir - embora de modo
nenhum se possa afirmar - que ambos os ataques foram desferidos
pelo mesmo tubarão.
Segundo opinião do mesmo Dr. Dieter, o tubarão é provavelmente um tubarão-branco (Carcharodon carcharias), uma espécie conhecida em todo o Mundo pela sua voracidade
e agressividade.
Em 1916, declarou-nos ele, um destes animais matou quatro banhistas em Nova Jérsia num só dia - o único caso conhecido, à
parte a presente ocorrência, de ataques múltiplos de tubarão nos Estados Unidos no nosso século.

Depois de acabar de ler a notícia, Brody pousou o jornal. Havia
agora três pessoas mortas, duas das quais podiam estar ainda vivas
se ele tivesse...
Meadows apareceu à porta.
- Viste o Times?
- Vi. Não souberam da morte de Christine Watkins.
- Eu sei. Não deixa de ser curioso, depois do deslize de Leonard.
- Mas tu publicaste-a...
- Tive de publicar. Toma.
Meadows estendeu a Brody um exemplar do Leader de Amity.
O título, em manchete, ocupava as seis colunas da primeira página:

UM TUBARÃO MONSTRUOSO VITIMOU DUAS PESSOAS
AO LARGO DA PRAIA DE AMITY

Sob o título, num corpo menor, um subtítulo:

O NÚMERO DE VfTIMAS DO PREDADOR
ELEVA-SE PARA TRÊS

As vítimas foram Alexander Kintner, de seis anos, que vivia com
sua mãe na casa de Mr. e Mrs. Richard Packer, em Goose Neck
Lane, e Morris Cater, de sessenta e cinco anos, que estava a passar
o fim-de-semana na Estalagem Abelard Arms. O agente da Polícia
Leonard Hendricks, que, por uma curiosa coincidência, estava a
tomar o seu primeiro banho de mar em cinco anos, fez uma corajosa tentativa para salvar Mr. Cater, que se debatia, mas o seláceo
não deu tréguas. Mr. Cater estava morto quando foi retirado da
água.
E o artigo do Leader continuava:

Na última quarta-feira à noite, Miss Christine Watkins, hóspede de
Mr. e Mrs. John Foote, residentes na Estrada de Old Mill, desapareceu quando tomava banho.
Na quinta-feira de manhã, o chefe da Polícia, Martin Brody, e o
agente Hendricks recuperaram o cadáver. Segundo declarações do
médico legista, Dr. Carl Santos, a morte deveu-se ??indubitavelmente ao ataque de um tubarão,?. Interrogado sobre os motivos por
que a causa da morte não fora tornada pública, o Dr. Santos recusou-se a fazer comentários.

Brody ergueu os olhos do jornal e perguntou:
- E acerca de as praias não terem sido encerradas? Não falaste
nisso?
Falaste tu. Continua a ler.

Interrogado sobre o motivo por que não ordenara o encerramento
das praias até à captura do tubarão, o chefe Brody declarou: ??O
oceano Atlântico é enorme. Os animais marinhos nem sempre permanecem na mesma área, sobretudo numa zona como esta, onde não
dispõem de qualquer fonte de alimentos. Que podíamos fazer? Se

fechássemos as nossas praias, o público passaria a frequentar as
praias de East Hampton, onde existiriam as mesmas probabilidades
de ataque por parte do tubarão.?,
Não obstante, depois dos ataques de ontem, o chefe Brody ordenou o encerramento das praias até aviso em contrário.

- Meu Deus, Harry - exclamou Brody. - Não há dúvida de
que atiras as responsabilidades sobre mim. Pões-me a defender um
argumento em que não acredito, depois mostras que eu não tive
razão e for as-me a fazer aquilo que eu, afinal, quis fazer desde o
princípio. ? um truque muito sujo.
- Não foi um truque. Tinha de arranjar alguém que me fornecesse a versão oficial. Tentei apanhar Larry Vaughan, mas ele tinha
ido passar o fim-de-semana fora. Por isso eras tu a pessoa indicada.
Como tu admites que concordaste em não contrariar a decisão tomada de não encerramento das praias, a verdade é que, de boa ou
má vontade, a apoiaste.
- Suponho que sim. Seja como for, está feito. Há mais alguma
coisa que eu deva ler?

- Não. Eu limito-me a citar Matt Hooper, esse tipo de Woods
Hole. Ele diz que a repetição de um ataque por parte do tubarão
constituiria uma ocorrência extraordinariamente invulgar. Mas mostra-se menos seguro do que da última vez.
- Ele acha que é o mesmo animal que tem causado todas as
vítimas?
- Não sabe, é claro, mas, sem compromisso, acha que sim.
Pensa que é um tubarão-branco.
- Também eu. Isto é, também eu penso que é o mesmo tubarão.
- Porquê?
- Não sei exactamente porquê. Ontem à tarde telefonei para a
Guarda Costeira, em Montauk. Perguntei-lhes se ultimamente tinham visto muitos tubarões nesta zona e responderam-me que nesta
Primavera não tinham visto nenhum. Acrescentaram que iam mandar uma lancha para aqui e que me telefonavam se encontrassem
alguma coisa. Acabei por lhes telefonar outra vez e informaram-me
de que tinham percorrido esta área em todas as direcções durante
duas horas e que não tinham visto nada. O que quer dizer que não
há por aqui muitos tubarões.
- Hooper disse que havia uma coisa que podíamos fazer. -- lembrou Meadows. - Atrair o animal. Sabes, lançar na água vísceras de peixe e iscas desse género. Hooper
afirma que, se há algum
tubarão nas proximidades, é imediatamente atraído por essas iscas.
- Oh, isso é óptimo, sem dúvida. E se ele aparece?.Que fazemos nessa altura?
- Podemos caçá-lo com um arpão.
- Harry, nós nem sequer temos uma lancha-patrulha, quanto
mais um barco com arpões.
- Há por aí pescadores. Parece-me que... - Um tumulto no
exterior interrompeu Meadows a meio da frase.
Ouviram Bixby dizer:
- Já lhe disse, minha senhora, ele está numa reunião.
A seguir, uma voz feminina:

- Não me importo! Vou entrar.
A porta do gabinete de Brody foi violentamente aberta e no limiar, apertando um jornal entre as mãos e com as lágrimas a correrem-lhe pela cara, apareceu a mãe
de Alexander Kintner.
Meadows ofereceu-lhe uma cadeira, mas ela ignorou-o e foi direita a Brody.
- Que posso fazer...?
A mulher atirou-lhe com o jornal à cara. A pancada produziu um
ruído agudo, que se repercutiu no seu ouvido esquerdo.
- .Que me diz a isto? - gritou Mrs. Kintner. -.Que me diz?
- .Que lhe digo a respeito de quê? - perguntou Brody.
- Do que dizem aqui. Que o senhor sabia que era perigoso
tomar banho. .Que o tubarão já tinha morto uma pessoa. Que o senhor manteve o caso em segredo.
Brody não o podia negar.
- Bem... - começou. - É, quer dizer, foi verdade, mas...
Oiça, Mrs. Kintner...
- O senhor matou o Alex! - gritou a mulher. Brody não teve
quaisquer dúvidas de que as palavras tinham sido ouvidas em toda a
cidade de Amity. Teve a certeza de que a mulher e os filhos as
tinham ouvido.
Impelido a fazê-la calar antes que ela dissesse mais qualquer
coisa, foi apenas capaz de dizer: ??Schiu...?,
- Foi o senhor! Foi o senhor quem o matou. - Tinha os punhos cerrados e a cabeça esticada para a frente enquanto gritava. -- Há-de pagá-las!
- Por favor, Mrs. Kintner - pediu Brody. - Acalme-se.
Deixe-me explicar. - Estendeu a mão para lhe tocar no ombro e a
ajudar a sentar-se, mas ela afastou-se abruptamente.
- Tire as mãos de cima de mim! - gritou. - O senhor sabia.
Sempre o soube, mas não o disse a ninguém! E agora um rapazinho
de seis anos, o meu filho... - As lágrimas pareciam saltar-lhe dos
olhos. - O senhor sabia! Porque não o disse? Porquê?
- Porque não acreditámos que o ataque se pudesse repetir. -- Brody ficou surpreendido com a sua própria concisão. Fora de facto
o que acontecera, não é verdade?
A mulher permaneceu em silêncio durante um momento, deixando que as palavras se lhe registassem na mente confusa. Disse
apenas KAhH. Depois deixou-se cair na cadeira junto de Meadows e
começou a chorar e a soluçar convulsivamente.
Meadows tentou acalmá-la, mas ela não o ouvia. Tão-pouco
ouviu Brody ordenar a Bixby que chamasse um médico. E não viu,
não ouviu nem sentiu nada quando o médico entrou no gabinete,
lhe deu um sedativo, a levou até ao seu automóvel e a conduziu ao
hospital.
Depois de ela sair, Brody observou:
- Fazia-me bem uma bebida agora.
- Tenho whiskey no meu escritório - sugeriu Meadows.

Brody sorriu.
- Não. Se isto foi uma amostra do que o dia vai ser, então é
melhor eu conservar as ideias claras.
O telefone tocou. Alguém o atendeu no gabinete contíguo e uma

voz anunciou pelo intercomunicador:
- É Mr. Vaughan.
Brody premiu o botão luminoso e levantou o auscultador:
- Olá, Larry. Tiveste um bom fim-de-semana?
- Até cerca das onze horas da noite de ontem - respondeu
Vaughan. -.Quando liguei o rádio, já ia a caminho de casa. Senti-me tentado a telefonar-te, mas calculei que tivesses tido um dia
suficientemente difícil para te ir incomodar a essa hora.
- Aí está uma decisão com a qual eu concordo.
- Poupa-me, Martin. Já me sinto bastante mal. Não remexas
na ferida.
Compreendendo a impossibilidade de o fazer obedecendo ao
impulso imediato, até ela ficar em carne viva, para assim descarregar noutro alguma da angústia que sentia, Brody limitou-se a dizer:
- Está descansado.
- Já tive dois cancelamentos esta manhã. Rendas altas. Inquilinos importantes. Até tenho medo de atender o telefone. Ainda tenho vinte casas por alugar para Agosto.
- Gostava de te poder animar, Larry, mas a verdade é que a
situação ainda se vai agravar com as praias encerradas.
- Sabes que no próximo fim-de-semana é o 4 de Julho. Já é
demasiado tarde para esperar um bom Verão, mas ainda podemos
salvar qualquer coisa, se o 4 de Julho for bom.
Brody não conseguiu perceber o tom intencional reflectido na
voz de Vaughan.
- Estás a censurar-me, Larry?
- Não. Acho que estava apenas a pensar em voz alta. Seja
como for, até quando tencionas manter as praias encerradas? Indefinidamente?
- Ainda não tive tempo para pensar com essa antecedência.
Deixa-me perguntar-te uma coisa, Larry. Por mera curiosidade.
- O quê?
- .Quem são os teus sócios?
Decorreu um longo momento até Vaughan responder.
- Porque queres saber? .Que tem isso a ver seja com o que
for?
- Como te disse, perguntei por mera curiosidade.
- Deixa a tua curiosidade para o teu trabalho, Martin. Deixa-me ser eu a preocupar-me com o meu negócio.
- Com certeza, Lany. Não fiques ofendido.

- Então, agora, que vais fazer? Não podemos ficar de braços
cruzados à espera que esse animal se vá embora.
- Eu sei. Um ictiólogo amigo do Harry diz que podemos tentar
apanhá-lo. E se arranjasses umas centenas de dólares para alugarmos o barco do Ben Gardner por um ou dois dias? Não sei se ele
alguma vez apanhou um tubarão, mas valia a pena tentar.
- Tudo vale a pena só para nos vermos livres dessa fera e voltarmos a ganhar a vida. Vai para a frente com a ideia. Diz-lhe que
eu arranjo o dinheiro seja onde for.
Brody pousou o auscultador e voltou-se para Meadows:
- Dava bastante para saber um pouco mais sobre os negócios
do Vaughan.
- Porquê?

- Ele é um homem muito rico. Por muito tempo que se prolongue esta história do tubarão, não o pode prejudicar muito. Mas ele
está a reagir a tudo isto como se se tratasse de um caso de vida ou
de morte, e não me refiro à vida ou à morte da cidade, mas à dele.



4

QUINTA-FEIRA à tarde Brody encontrava-se sentado na praia, os cotovelos apoiados sobre os joelhos para manter firme o binóculo que
segurava..Quando o baixou, mal podia ver o barco - um minúsculo
ponto branco que desaparecia e reaparecia com a ondulação do
oceano.
- Olá, chefe - saudou-o Hendricks, dirigindo-se para ele. -- Ia a passar quando vi o seu carro..Que está a fazer?
- Estou a tentar descobrir que diabo está o Ben Gardner a fazer.
- A pescar, não lhe parece?
- É para isso que lhe pagam, mas estou aqui há uma hora e
ainda não vi nada mexer-se naquele barco.
- Posso dar uma olhadela? - Brody passou-lhe o binóculo.
Hendricks ergueu-o e olhou para o mar. - Tem razão, não há movimento a bordo. Há quanto tempo está ele ali?
- Todo o dia, acho eu. Disse que ia largar às seis da manhã.

-.Quer lá ir ver? Ainda temos pelo menos duas horas de claridade. Posso pedir emprestado o barco de Chickering.
Brody sentiu um calafrio de medo percorrer-lhe as costas. Era
?m péssimo nadador, e a perspectiva de andar sobre água (já para
não ?falar dentro dela) em que não tivesse pé provocava-lhe uma
reacção que a sua mãe costumava designar de nervoso miudinho:
palmas das mãos transpiradas, uma necessidade permanente de engolir saliva e uma forte dor de estômago - mais ou menos a sensação que algumas pessoas experimentam
à ideia de viajar de avião.
- Está bem - concordou. - Acho que devemos lá ir. Talvez
quando chegarmos à doca ele já tenha saído dali. Vai preparar o
barco enquanto eu telefono à mulher dele para saber se ele lhe falou
pela rádio.
Hendricks estava de pé na lancha de Chickering, com o motor a
trabalhar, quando Brody surgiu na doca e saltou para bordo.
- Que disse ela? - perguntou Hendricks.
- Não ouviu nem uma palavra dele. Tem estado a tentar entrar
em comunicação com ele há meia hora, mas calcula que ele tenha o
rádio desligado.
- Ele está sozinho?
- Tanto quanto ela sabe. O ajudante dele tinha um dente de
siso incluso que foi arrancar hoje.
Hendricks soltou a amarra à proa, dirigiu-se à popa, desamarrou
? cabo e lançou-o sobre a coberta. Depois foi para junto do painel
os instrumentos e empurrou uma alavanca para a frente. A lancha

começou a avançar ruidosamente, balançando sobre a água.
Brody agarrou uma manivela de aço ao lado do painel.
- Há alguns coletes de salvação? - perguntou.
- Só as bóias - respondeu Hendricks. - Suportam perfeita?ente uma criança de oito anos.
? - Obrigado.
A brisa amainara, mas havia pequenas ondas que a lancha corta?l com bruscas sacudidelas da proa, erguendo-se com estremeções
enervavam Brody.
?- Esta coisa vai desfazer-se se não reduzires a velocidade. -- Hendricks sorriu.
- Não se preocupe, chefe. Se eu reduzir a velocidade, levamos
a semana a chegar lá.
O barco de Gardner encontrava-se ancorado a cerca de três quartos de milha da praia, com a popa voltada para eles. À medida que
se aproximavam, Brody podia distinguir, à popa, as letras negras
sobre o casco de madeira: FLICKA.
A cinquenta metros do Flicka, Hendricks reduziu a velocidade e
a lancha começou a avançar lentamente. Não viram sinais de vida a
bordo. Nem canas de pesca nos suportes.
- Eh, Ben! - chamou Brody, que não obteve resposta.
- Talvez ele esteja em baixo - sugeriu Hendricks.
Quando a proa da lancha distava apenas alguns centímetros da ré
do Flicka, a bombordo, Hendricks colocou a alavanca em ponto
morto, imprimindo-lhe depois um ligeiro toque em marcha à ré. A
lancha imobilizou-se e, aproveitando a onda que se seguiu, Brody
agarrou-se à amurada da outra embarcação.
Hendricks amarrou um cabo ao Flicka, para cuja coberta os dois
homens treparam. Brody enfiou a cabeça através da escotilha da
proa.
- Estás aí, Ben?
Olhou à sua volta, retirou a cabeça e disse a Hendricks:
- Ele não está a bordo. Não há dúvida nenhuma.
- O que é aquilo? - perguntou Hendricks, apontando para um
balde a um canto da popa.
Brody aproximou-se do balde e curvou-se sobre ele. Um cheiro
fétido a peixe e a óleo impregnou-lhe as narinas.
- Deve ser isca, tripas de peixe - disse. - Parece que atraem
os tubarões quando são lançadas à água. Mas ele não usou muitas.
O balde está quase cheio.
Subitamente, ouviu-se uma voz chamar através do rádio. !Aqui
Pretty Bell. Estás aí, Jake???
- Ele nem sequer desligou o rádio - murmurou Brody.
- Não compreendo, chefe. Ele não trazia escaler, por isso não
podia ter-se afastado a remos. E nada como um peixe; portanto, se
por acaso tivesse caído ao mar, limitava-se a trepar outra vez para
bordo.
Brody encontrava-se de pé junto à amurada de estibordo quando
a embarcação balançou ligeiramente obrigando-o a segurar-se com
a mão direita. Sentindo algo estranho, baixou o olhar e viu quatro
orifícios de parafusos arrancados de um ponto onde estivera um
cunho. A madeira em torno dos orifícios fora também arrancada.

- Olha para isto, Leonard.
Hendricks passou a mão sobre os furos. Olhou para bombordo?
onde um cunho de aço de vinte e cinco centímetros se mantinha
firmemente preso à madeira.

-.Que seria preciso para arrancar daqui uma coisa tão grande?
- interrogou-se.
- Olha aqui, Leonard. - Havia um golpe de quinze centímetros na borda.
- Parece que alguém esteve aqui a limar a madeira.
Brody dirigiu-se para a popa e, apoiando-se nos cotovelos, inclinou-se sobre a borda. Ao olhar para o casco, notou o desenho
regular de uma espécie de semicircunferência com mais de 90 cm de
diâmetro, formado por orifícios, profundas ranhuras na madeira.
Junto deste via-se outro desenho semelhante. E na parte inferior do
casco, exactamente junto à linha de água, havia três pequenas manchas de sangue. "Meu Deus, não, por favor, mais outro não", pensou Brody.
- Chega aqui, Leonard - chamou.
Hendricks dirigiu-se à popa e olhou para baixo.
- O que é?
- Se eu te segurar pelas pernas, achas que podes inclinar-te,
examinar aqueles buracos e tentar descobrir o que os terá feito?
- Acho que sim. - Hendricks debruçou-se sobre a popa. Brody segurou-lhe as pernas sob os seus braços e ergueu-o.
- Assim está bem?
- Um pouco mais. Tanto não. Meteu-me a cabeça na água.
- Desculpa. E assim? - perguntou Brody.
- Está bem. - Hendricks começou a examinar os buracos. -- Se passasse por aqui algum tubarão, arrancava-me das suas mãos.
- Não penses nisso agora e olha para os buracos.
Decorrido um momento, Hendricks disse:
- Eh, puxe-me para cima. Preciso do meu canivete.
- Para quê? - perguntou Brody assim que Hendricks se encontrou de novo a bordo.
- Há um estilhaço branco ou coisa no género enfiado num dos
buracos - respondeu Hendricks. De canivete em riste, foi novamente descido por sobre a borda. Trabalhou rapidamente, o corpo
contorcido pelo esforço. Depois chamou: - Pode puxar, já cá o

Brody içou Hendricks.
? - Deixa lá ver isso. - Hendricks deixou-lhe cair na mão o
fragmento triangular de um dente branco e brilhante, com quase
cinco centímetros de comprimento e cujas extremidades laterais
pareciam minúsculas serras. Raspando o dente na amurada, Brody
fez um corte na madeira.
- É um dente, não é? - perguntou Hendricks. - Meu Deus!
Acha que o tubarão apanhou o Ben?
- Não, sei que outra coisa possa pensar - respondeu Brody.
Enfiou o dente no bolso. - É melhor voltarmos. Aqui já não podemos fazer nada.
- Que vamos fazer com o barco do Ben?

- Está a escurecer. Vamos deixá-lo aqui. Ninguém vai precisar
deste barco até amanhã, especialmente Ben Gardner.

CHEGARAnz à doca ao fim do dia. Harry Meadows e outro homem,
desconhecido de Brody, esperavam-nos. Enquanto Brody subia a
escada para o cais, Meadows assinalou o homem a seu lado.

- Este é Matt Hooper. Matt Hooper, o chefe Brody.
Os dois homens apertaram as mãos.

- Então você é o ictiólogo de Woods Hole - disse Brody,
tentando observá-lo na escuridão crescente.
Era jovem - cerca de vinte e cinco anos, segundo os cálculos
de Brody - e atraente: tinha a tez bronzeada e o cabelo clareado
pelo sol. Teria aproximadamente a mesma altura de Brody, um metro e oitenta e cinco, mas era mais magro.
- Exactamente - respondeu Hooper.
Meadows explicou:
- Fui eu que o chamei. Pensei que ele poderia talvez descobrir
o que se está a passar.
Brody sentiu crescer dentro de si o ressentimento pela intrusão
de Hooper, pelas complicações que a sua qualidade de especialista
inevitavelmente acarretaria e pela implícita divisão de autoridade
que a sua chegada criaria. Mas teve de reconhecer que o ressentimento era estúpido.
- Com certeza, Harry - concordou.
-.Que foi que descobriste ali?
Brody preparava-se para meter a mão na algibeira à procura do
dente, mas interrompeu o gesto.
- Não tenho a certeza - disse. - Anda até à esquadra e eu
conto-te.
- O Ben vai ficar no mar toda a noite?

- Penso que sim, Harry. - Brody voltou-se para Hendricks
que começara a amarrar a lancha. - Vais para casa, Leonard?

- Vou.. Quero lavar-me e mudar de roupa antes de ir trabalhar. ?
Brody chegou à esquadra antes de Meadows e Hooper. Eram
quase oito horas. Tinha de fazer dois telefonemas - um para Ellenj

a saber se haviam sobrado alguns restos do jantar, e o ouao, que
receava, para Sally Gardner. Ligou primeiro para casa: o assado
podia ser reaquecido; ficaria como sola, mas estaria quente. Desligou o telefone, procurou o número de Gardner na lista telefónica e
discou.
- Sally? Fala Martin Brody. - Subitamente lamentou ter telefonado sem pensar primeiro no que lhe ia dizer.
- Onde está o Ben, Martin? - Sally falava em voz calma, mas
num tom ligeiramente mais agudo do que o habitual.
- Não sei, Sally. Não estava no barco.
- Foi a bordo? Viu bem? Mesmo lá em baixo?
- Vi. - E acrescentou, com uma réstia de esperança. - Ele
não levava escaler, ou levava?
- Não. Como é possível que ele não estivesse a bordo? - A voz
era mais aguda.
Brody lamentou não ter ido pessoalmente a casa dos Gardners.
- Está sozinha, Sally?

- Não. Os pequenos estão cá.
Brody tentou recordar a idade dos filhos de Gardner. Doze, talvez; depois nove, depois cerca de seis anos..Qual era o vizinho mais
próximo? Os Finleys.
- Só um momento, Sally. - Chamou o guarda que se encontrava à secretária da entrada. - Clements, liga para a Grace Finley
e diz-lhe que vá a casa de Sally Gardner. Diz-lhe que eu lhe explico
depois. -.Quando regressou ao telefone, Meadows e Hooper entraram no seu gabinete. Indicou-Ihes por gestos que se sentassem.
- Mas onde pode ele estar? - conjecturou Sally Gardner. -- Não se sai assim de um barco a meio do oceano.
- Não.
- Talvez alguém fosse ter com ele e o levasse noutro barco.
Talvez o motor se tivesse avariado. Verificou o motor?
- Não - confessou Brody, embaraçado.
- Então é isso, provavelmente. - A voz soava subtilmente
menos opressa, quase infantil, reflectindo uma falsa esperança que,
quando se quebrasse, se estilhaçaria como cristais de gelo. - E se a
bateria tivesse falhado, está explicado o motivo por que não me
falou pelo rádio.
- O rádio funcionava, Sally.
- Só um momento... Quem está aí? Ah, és tu. - Brody ouviu
?ally falar com Grace Finley, após o que a sua interlocutora retomou o telefone.
- A Grace diz que lhe pediu para vir até cá. Porquê?
- Pensei que...
- Pens? que ele está morto, não é? - E começou a soluçar.
- Receio que sim, Sally. É tudo quanto podemos supor de
momento. Deixe-me falar à Grace, sim?
Alguns segundos depois, ouviu-se a voz de Grace.
- Diga, Martin.
- Pode ficar com ela um bocado?
- Posso. Toda a noite.
- Isso talvez fosse uma boa ideia.
- É esse... essa coisa, outra vez?
- Talvez. É o que estamos a tentar averiguar. Mas faça-me um
favor, Grace. Não diga nada à Sally acerca do tubarão. A situação
já é suficientemente dolorosa. - Pousou o auscultador e olhou para
Meadows. - Vocês ouviram.
- Depreendo que o Ben Gardner tenha sido a vítima número
quatro.
Brody assentiu.
- Eu acho que sim.
Contou a Meadows e a Hooper o que se passara durante a sua
incursão com Hendricks. Uma ou duas vezes Meadows interrompeu-o com perguntas. Hooper escutava com uma expressão tranquila no seu rosto angular e os olhos - de um

azul-pálido luminoso -- fixos em Brody. Quando terminou a sua exposição, Brody enfiou a
mão no bolso das calças.
- Encontrámos isto - disse. - Leonard arrancou-o da madeira. - Atirou o dente a Hooper, que o observou atentamente.
Que é que acha, Matt? - perguntou Meadows.
- É de um tubarão-branco.

- De que tamanho?
- Entre cinco e seis metros. É um animal extraordinariamente
grande. - Olhou para Meadows. - Obrigado por me ter chamado.
Podia passar toda a minha vida entre tubarões e não ver nunca um
como este.
Brody perguntou:
-.Quanto pesará um tubarão assim?
- Uns três mil quilos.
Brody assobiou
- Três toneladas!
- Tem alguma ideia do que possa ter acontecido? - perguntou
Meadows a Hooper.

- Pelo que o chefe diz, depreende-se que o tubarão matou Mr.
Gardner.
- Como? - perguntou Brody.
- De uma entre variadíssimas formas. Gardner pode ter caído
pela borda fora. Mais provavelmente, foi puxado. Pode ter ficado
com a perna presa num cabo de arpão. Pode mesmo ter sido apanhado enquanto se inclinava sobre a popa.
- Como explica os dentes cravados na popa?
- O animal atacou o barco.
- Por que diabo o teria feito?
- Os tubarões não são animais muito espertos, chefe. Vivem
apenas do instinto e dos estímulos. E o estímulo para se alimentarem é muito forte.
- Mas um barco de nove metros...
- Para ele não era um barco. Era apenas uma coisa grande.
- E não comestível.
- Não antes de ele o tentar. Tem de compreender. Não há nada
no mar que atemorize este seláceo. Outras espécies fogem de objectos de maiores dimensões. Fazem-no por instinto. Mas este animal
não foge de nada.
- Faz alguma ideia do motivo por que terá ficado por aqui tanto tempo? - perguntou Brody. - Não sei até que ponto conhece as
águas daqui, mas...
- Eu cresci aqui...
- Ah, sim? Em Amity?
- Não, em Southampton. Passei lá todos os meus Verões.
- Verões. Então na realidade não cresceu lá.
Brody, que procurava qualquer fundamento que lhe permitisse
restabelecer a sua igualdade, se não a sua superioridade, em relação
àquele homem mais novo, decidira-se por um snobismo ao contrário, uma atitude defensiva bastante frequente nos residentes fixos
das estâncias de veraneio. Era uma atitude que, de modo geral,
Brody considerava detestável e idiota. Porém, sentia-se, de qualquer forma, ameaçado por aquele jovem.
- Está bem - concordou Hooper impacientemente -, não
nasci aqui. Mas passei uma quantidade de tempo nestas águas e
escrevi um estudo sobre esta costa. Seja como for, tem razão. Este
não é um meio que, normalmente, proporcione alimento em quantidade suficiente a um tubarão durante um período longo. Por outro

lado, alguém que arrisque dinheiro, para não falar na vida, prevendo o comportamento futuro de um tubarão é louco. Há circunstâncias que o podem levar a permanecer
aqui: factores naturais, caprichos.
- Tais como?
- Alterações na temperatura da água, ou correntes, ou padrões
alimentares. A medida que o alimento se desloca, o predador segue-o. No Verão passado, por exemplo, ao largo de Connecticut e
de Rhode Island, a costa ficou subitamente inundada por menhaden,
a que os pescadores também chamam avinca. Cobriam a água como
uma mancha de petróleo. As anchovas e os robalos, que se alimentam destes peixes, apareceram subitamente nas águas costeiras em
enormes quantidades. Em seguida, vieram os predadores de grande
envergadura, atuns de duzentos, duzentos e cinquenta e trezentos
quilos. Barcos de pesca de alto mar pescavam rabilos a cem metros
da praia. Depois, subitamente, tudo regressou à normalidade. Os
menhaden afastaram-se e os outros peixes fizeram o mesmo. Passei
lá três semanas a tentar descobrir o que se passava. Ainda não sei.
- Mas isto é ainda mais estranho - fez notar Brody. - O
tubarão tem-se mantido numa área de três a cinco quilómetros quadrados há mais de uma semana. Não atacou ninguém em East
Hampton ou Southampton. Porque ficou em Amity?
- Não sei. E duvido que alguém consiga dar-lhe uma resposta.
Meadows interrompeu-o.
- Minnie Eldridge tem a resposta.
- Quem é Minnie Eldridge? - perguntou Hooper.
- A encarregada dos correios - explicou Brody. - Diz que é
a vontade de Deus, ou qualquer coisa do género. Estamos a ser
castigados pelos nossos pecados.
Hooper sorriu.
- De qualquer forma, neste momento essa resposta é tão boa
como a minha.
- Isso é encorajador - comentou Brody. - Planeia fazer alguma coisa para obter uma resposta?
- Há várias possibilidades. Vou recolher amostras de água
aqui e em East Hampton e averiguar como se estão a comportar os
outros peixes. E vou tentar descobrir esse tubarão. A propósito, há
algum barco disponível?
- Lamento dizer-lhe que sim - admitiu Brody. - O de Ben
Gardner. Acha realmente que pode capturar esse animal depois do
que lhe aconteceu a ele?
- Não me parece que vá tentar apanhá-lo. Pelo menos sozinho,
não.

Brody fitou Hooper nos olhos e disse:
- .Quero esse animal morto. Se você não o conseguir matar,
arranjamos outra pessoa que o faça.
Hooper riu-se.
- Você fala como um gangster: ??Quero esse animal morto."
Então pague a alguém para que o liquide..Quem é que vai arranjar
para fazer esse trabalho?
- Não sei. Que é que achas, Harry? Tu é que tens fama de
saber tudo quanto aqui se passa. Não haverá nenhum pescador em
toda esta maldita ilha equipado para apanhar tubarões?
Meadows reflectiu durante alguns momentos antes de responder:
- Talvez haja um. Não sei muito acerca dele, mas creio que se

chama Quint, e tenho ideia que atraca num cais particular perto de
Promised Land. Se quiseres, posso obter mais informações a seu
respeito.
- E porque não? - concordou Brody. - Parece uma possibilidade.
Hooper interveio.
- Oiça, chefe. O tubarão não é o demónio. Não é um assassino. Limita-se a obedecer aos seus instintos. Tentar vingar-se de um
animal é uma loucura.
- Oiça você...
Brody começava a sentir crescer dentro de si a ira - uma ira
nascida da frustração e da humilhação. Sabia que Hooper tinha razão, mas sentia que ter ou não ter razão era irrelevante naquelas
circunstâncias. O tubarão era um inimigo. Atacara a população e
vitimara dois homens, uma mulher e uma criança. O povo de Amity
exigiria a sua morte. Precisariam de o ver morto para se sentirem
suficientemente seguros para retomarem a sua vida normal. E, mais
que ninguém, Brody necessitava da sua morte, que constituiria para
ele uma catarse. Mas engoliu a sua raiva e limitou-se a dizer:
- Não é nada.
O telefone tocou.
- Mr. Vaughan, chefe - anunciou Clements.
- Oh, só me faltava este. - Brody levantou o auscultador. -- Sim, Larry...
- Olá, Martin. Como estás? - O tom da voz de Vaughan era
cordial, quase efusivo. ??Provavelmente está com uns copos", pensou Brody.
- Tão bem quanto possível, Larry.
- Já sei do Ben Gardner. Tens a certeza de que foi o tubarão?
- Sim, acho que sim. Não faz sentido que tenha sido outra a
causa.
- Martin, que vamos fazer? Estou a receber cancelamentos
todos os ditls. Desde domingo passado que não recebo um único
cliente.
- .Que queres tu que eu faça?
- Bem, pensei que... isto é, pergunto-me se não estamos a
exagerar toda esta situação.
- Estás a brincar. Diz-me que estás a brincar.
Seguiu-se um momento de silêncio, após o qual Vaughan murmurou:
- Que dizes a abrir as praias só para o fim-de-semana de 4 de
Julho?
- Nem pensar.
- Mas ouve...
- Não, ouve tu, Larry. A última vez que te dei ouvidos morreram duas pessoas. Se apanharmos esse animal, se o matarmos, então abrimos as praias. Antes disso, acho
que é melhor esquecer o
assunto.
- E se colocasses patrulhas? Podíamos contratar pessoas para
patrulhar as praias de lancha, de um extremo ao outro.
- Isso não chega, Larry. Que é que se passa contigo? São os
teus sócios a apertar contigo outra vez?
- Não tens nada com isso, Martin. Por amor de Deus, homem,
esta cidade está a morrer!
- Eu sei, Latry - respondeu Brody em voz baixa. - E, tanto
quanto eu sei, não há nada que possamos fazer para o evitar. Boa
noite.

Desligou o telefone. Meadows e Hooper ergueram-se, preparados para sair. Brody, que os acompanhou à porta da esquadra, reteve Meadows no último momento:
- Eh, Harry, deixaste o teu isqueiro no meu gabinete. Anúa cá
que eu dou-to. - Acenou para Hooper. - Até à vista!
De novo no gabinete de Brody, Meadows retirou o isqueiro da
algibeira e observou:
- Calculo que me queiras dizer qualquer coisa.
Brody fechou a porta.
- Achas que podes descobrir qualquer coisa sobre os sócios de
Larry?
- Acho que sim. Porquê?
- Desde que isto começou que o Larry não me larga para que

eu mantenha as praias abertas. E agora, depois de tudo o que aconteceu, vem dizer-me que as quer abertas para o dia 4. No outro dia
disse-me que estava a ser pressionado pelos sócios. Eu contei-te, na
altura.


- E...?
- Acho que devemos saber quem é que tem força suficiente
para pressionar o Larry desta maneira. Ele é o presidente da Câmara
desta cidade, e se há alguém que lhe diz o que é que ele deve fazer,
acho que devo saber quem é.
Meadows suspirou e assentiu com a cabeça.
- Muito bem, Martin. Vou fazer o que puder. Mas andar a
vasculhar nos negócios de Larry Vaughan não é exactamente a minha maneira de me divertir.
Brody acompanhou Meadows à porta, após o que se aproximou
de novo da sua secretária e se sentou. Vaughan tivera razão numa
afirmação que fizera, pensou: Amity revelava todos os sintomas de
uma morte iminente. E não apenas no respeitante ao aluguer de
casas.
Duas novas boutiques, cuja abertura estivera programada para o
dia seguinte, tinham sido obrigadas a adiar a data da inauguração
para o dia 3 de Julho. A loja de artigos desportivos anunciava saldos
- o que normalmente se verificava apenas depois do Dia do Trabalho. A única vantagem decorrente da crise económica que atravessava Amity, no que respeitava a Brody,
era o facto de o negócio do
Saxon's se apresentar tão decadente que haviam despedido Henry
Kimble. Agora que perdera o seu emprego no bar, o agente podia
ocasionalmente fazer todo o seu turno de trabalho de polícia sem
adormecer.
A partir da manhã de segunda-feira, o primeiro dia em que as
praias tinham sido encerradas, Brody colocara nestas agentes da
Polícia. Desde então quatro pessoas haviam declarado que tinham
visto o tubarão. Uma das vezes acabara por se verificar que se tratava de um tronco flutuante. Duas outras destas informações, segundo

pescadores, correspondiam a cardumes de peixes que saltavam. E
uma a julgar pelos dados, era pura imaginação.
ao fim da tarde de terça-feira, Brody recebera um telefonema
anónimo informando-o de que estava um homem a lançar à água da
praia isca para tubarão. De facto, não era um homem, mas uma
mulher vestida com uma gabardine de homem - Jessie Parker, uma
das empregadas da Papelaria Walden. Admitiu que lançara ao mar
um saco de papel contendo três garrafas vazias de vermute.
- Porque não as atirou para o balde do lixo? - perguntara-lhe
Brody.
- Pnrql?e não queria que os lixeiros pensassem que sou uma
alcoólica.
- Então porque não as atirou para o balde de outra pessoa?
- Não era correcto - respondera ela. - O lixo é... uma espécie de coisa íntima, não acha?
Brody aconselhara-a a, a partir de então, passar a meter as suas
garrafas vazias num saco de plástico, envolver este em papel de
embrulho e depois parti-las com um martelo até ficarem reduzidas a
pó. Ninguém saberia depois que tinham sido garrafas.
Brody consultou o relógio. Passava das nove horas. Antes de
sair da esquadra, telefonou para a estação da Guarda Costeira em
Montauk e informou o oficial de dia da morte de Ben Gardner. O
oficial prometeu enviar uma lancha-patrulha ao romper do dia, a fim
de procurar o corpo.
- Obrigado - agradeceu Brody. - Espero que encontrem
isso antes que o mar o arraste. - Subitamente, sentiu-se assustado
com as suas próprias palavras. ??Isso?, era Ben Gardner, um amigo.
- Vamos tentar - prometeu o oficial. - Lamento-vos, homem. Vocês estão a ter um Verão dos diabos.
- Só desejo que não seja o último - replicou Brody. Pousou o
auscultador, apagou a luz do gabinete e saiu, dirigindo-se para o
automóvel.

Ao entrar no caminho que dava directamente acesso a sua casa,
Brody viu, através das janelas, o familiar reflexo cinzento-azulado
da televisão. Entrou pela porta principal e espreitou para a sala de
estar. O seu filho mais velho, Billy, de catorze anos, estava deitado
sobre o sofá. Martin, de doze, instalara-se numa poltrona. Sean, de
oito anos, estava sentado no chão, de costas apoiadas no sofá.
- Como vai isso? - perguntou Brody.
- Bem, pai - respondeu Billy, sem desviar o olhar do televisor.
- Onde está a mãe?
- Lá em cima. Disse para lhe dizer que o seu jantar está na
cozinha.
- Está bem. Não vais ficar até tarde, Sean, está bem? Já são
quase nove e meia.
Brody dirigiu-se à cozinha e retirou uma cerveja do frigorífico.

Sobre o balcão, num tabuleiro, viam-se os restos do assado. Cortou

uma grossa fatia de carne e fez uma sanduíche. Colocou-a num prato, pegou na cerveja e subiu as escadas em direcção ao quarto.
Sentada na cama, Ellen lia uma revista.
- Olá - saudou-o. - Tiveste um dia mau? Não disseste nada
ao telefone.
- Ouviste o que aconteceu ao Ben Gardner? Eu não tinha ainda
a certeza quando te falei. - Pousou o prato e a cerveja sobre o
toucador e sentou-se para descalçar os sapatos.
- Ouvi. Recebi uma chamada da Grace Finley a perguntar-me
se eu sabia onde podia encontrar o Dr. Craig. Queria dar um sedativo à Sally.
- Descobriste-o?
- Não. Mas pedi a um dos pequenos que lhe levasse um tubo
de Seconal.
- Não sabia que agora andavas a tomar comprimidos para
dormir.
- Não tomo muitas vezes. Só de vez em quando. Receitou-mos o Dr. Craig quando lá fui da última vez por causa dos nervos.
Eu contei-te.
- Ah! - Brody começou a comer a sanduíche.
- É horrível o que aconteceu ao Ben - prosseguiu Ellen. - Que vai agora fazer a Sally?
- Não sei - respondeu Brody. - Ela já alguma vez falou
contigo acerca da situação económica deles?
- Não deve ser muito folgada. Ela está sempre a dizer que daria tudo para poder ter carne em casa mais do que uma vez por
semana, em vez de ter de comer o peixe que o Ben apanha. Ela terá
direito a uma pensão de viuvez?
- Acho que sim, mas não será grande coisa. Talvez a cidade
possa fazer alguma coisa. Hei-de falar nisso ao Vaughan.
- Avançaste alguma coisa?
- Queres dizer... acerca de apanhar o diabo do tubarão? Não.
O Meadows mandou vir esse amigo de Woods Hole, e ele já chegou.
- Que tal é?
- Acho que é bom. Um tanto convencido, mas parece conhecer
a zona. Quando era rapaz passava o Verão em Southampton.
- A trabalhar?
- Não sei. Provavelmente a viver com os pais.
Acabou a sanduíche em silêncio, enquanto Ellen virava distraidamente as páginas da revista.
- Sabes uma coisa? - disse ela. - Acho que os pequenos
deviam ter lições de ténis.
- Para quê? Eles disseram que queriam jogar ténis? - Brody
ergueu-se, despiu-se e foi procurar o pijama no armário.
- Não, não exactamente. Mas penso que é um bom desporto
que convém eles praticarem. Pode vir a ajudá-los quando forem
mais crescidos.
- Onde vão aprender?
- Estava a pensar no Field Club. Acho que podíamos tornar-nos sócios. Ainda conheço alguns dos membros.
- Nem penses nisso. Não podemos suportar a despesa. Aposto
que só a jóia custa uns mil dólares e que a quota anual é de pelo
menos cem.
- Temos economias.
- Não para lições de ténis! Vá lá, deixa-te disso.

Dirigiu-se ao toucador para apagar a luz.
- Era bom para os pequenos.
Brody deixou a mão cair sobre o tampo do móvel.
- Ouve, nós não somos gente de ténis. Não nos sentiríamos à
vontade lá. Eu não me sentiria lá à vontade. - Desligou a luz,
dirigiu-se para a cama e enfiou-se nela ao lado de Ellen. - Além
disso - disse, acariciando-lhe o pescoço -, sou melhor noutro
desporto.
Ellen bocejou.
- Estou com tanto sono - disse. - Tomei um comprimido
antes de tu chegares.
- Para quê? - perguntou Brody.
- Não dormi bem a noite passada e não queria acordar se voltasses para casa tarde.
- Vou deitar fora esses comprimidos. - Beijou-lhe o pescoço
e depois tentou beijar-lhe a boca.
- Desculpa - disse ela. - Receio que não dê resultado.
Brody deitou-se de costas e ficou a olhar para o tecto.
Decorrido um momento, Ellen perguntou:
- Como se chama o amigo de Harry?
- Hooper.
- Não me digas que é o David Hooper.
- Não. Acho que se chama Matt.
- Ah... Eu andei com um David Hooper há imenso tempo.
Lembro-me que... - Antes de poder acabar a frase, os olhos fecharam-se-lhe e em breve caía na respiração profunda do sono.

SEGUNDA PARTE

SEXTA-?IRA ao meio-dia, quando regressava a casa vinda do seu
trabalho como enfermeira voluntária no Hospital de Southampton,
Ellen entrou nos Correios para comprar selos e levantar a correspondência. Não havia distribuição domiciliária em Amity.
O edifício dos correios, situado nas proximidades da Main Street,
dispunha de quinhentas caixas de correio, trezentas e quarenta das
quais estavam alugadas a residentes fixos. As restantes cento e sessenta eram cedidas aos veraneantes, segundo as preferências da
encarregada, Minnie Eldridge. Os que gozavam das suas simpatias
podiam alugar caixas para o Verão; aqueles com quem não simpatizava eram obrigados a esperar em bicha, frente ao balcão.
Era do domínio público que Minnie Eldridge, que ultrapassava
já os setenta anos, conseguira de algum modo convencer as autoridades em Washington de que estava ainda muito longe de atingir a
idade da reforma. Embora de pequena estatura e aspecto frágil, era
capaz de manusear os embrulhos e as caixas quase tão rapidamente
como os dois jovens que trabalhavam com ela. Nunca falava do seu
passado. O único facto conhecido a seu respeito era que nascera em
Nantucket Island. Mas toda a população se recordava dela desde
sempre em Amity.
Ellen sentia, e com razão, que Minnie não simpatizava com ela.
Minnie sentia-se pouco à vontade com Ellen por esta não pertencer
nem à sociedade de veraneio, nem à dos residentes fixos. Ela não

obtivera a sua caixa de correio anual, casara com ela.
Minnie estava a separar correio quando Ellen entrou.
- Bom dia, Minnie - saudou-a Ellen.
Minnie ergueu os olhos para o relógio e respondeu:
- Boa tarde.
- Pode dar-me um maço de selos de oito cêntimos, por favor?
- Ellen colocou sobre o balcão uma nota de cinco dólares e três de
um dólar.
Minnie entregou-lhe um maço de selos e guardou as notas numa
gaveta.
- Que vai o Martin fazer com esse tubarão? - perguntou ela.
- Não sei. Acho que vai tentar apanhá-lo.
- Porventura pescarão o leviatão com anzol?
- Como?
- É do Livro de Job - esclareceu Minnie. - Nenhum mortal
apanhará esse animal.
- Porque diz isso?
- Porque não está escrito que havemos de o apanhar, só por
isso.
- Compreendo. - Ellen guardou os selos na bolsa. - Bem,
talvez tenha razão. Obrigada, Minnie.
Depois dirigiu-se à Main Street e entrou na loja de ferragens de
Amity. Ninguém surgiu a atendê-la em resposta ao tilintar da campainha quando ela abriu a porta. Dirigiu-se ao fundo da loja, até
uma porta aberta que conduzia à cave, e ouviu as vozes de dois
homens lá em baixo.
- Já lá vou - gritou a voz de Albert Morris. - Aqui tem uma
caixa deles - disse para o outro homem. - Veja se encontra aquilo que quer.
- Cunhos - dizia Morris ao chegar ao cimo da escada.
- O quê? - perguntou Ellen.
- Cunhos. Um tipo que quer cunhos para um barco. Pelo tamanho que procura, deve ser comandante de um couraçado. Em que
posso servi-la?
- Quero uma válvula de borracha para o lava-louças da minha
cozinha.
- Venha por aqui. - Morris conduziu Ellen até junto de um
armário a meio da loja.
- É destas que quer? - Segurava na mão uma válvula.
- Exactamente.
Enquanto registava a importância da venda, Morris observou:
- Há muita gente preocupada com esta história do tubarão. Talvez este especialista nos possa ajudar.
- Ah, sim. Ouvi dizer que ele estava na cidade.
- Está lá em baixo na cave. É ele que quer os cunhos.
Nesse momento, Ellen ouviu passos na escada. Ao ver Hooper
franquear a porta, sentiu uma vaga de nervosismo adolescente,
como se estivesse a olhar um admirador que já não visse há anos.
- Encontrei-os - disse Hooper, mostrando dois enormes
cunhos de aço inoxidável. Sorriu cortesmente para Ellen e disse a
Morris: - Estes servem. - E entregou-lhe uma nota de vinte dólares.
Ellen esperava que Albert Morris os apresentasse, mas ele parecia não ter qualquer intenção de o fazer.

- Desculpe-me - disse ela a Hooper -, mas tenho de lhe
perguntar uma coisa.
Hooper olhou-a e voltou a sorrir - um sorriso agradável, cor dial.
- Com certeza - disse. - Pergunte.
- Por acaso não é nada ao David Hooper?
- É meu irmão mais velho. Conhece o David?
- Conheço - disse Ellen. - Ou antes, conheci-o. Andei com
ele há muito tempo. Chamo-me Ellen Brody. O meu nome de solteira era Ellen Shepherd. '
- Ah, claro. Eu lembro-me de si.
- Não se lembra nada.
- Lembro-me, a sério. Ora deixe ver... Nesse tempo você usava o cabelo mais curto, estilo pajem. E trazia sempre uma pulseira
com um grande berloque que parecia a Tone Eiffel. E costumava
cantar sempre aquela canção... como é que se chamava?... Sh-boom, não era?
Ellen riu-se.
- Meu Deus, você tem uma memória espantosa.
- É curioso os pormenores que impressionam as crianças. Você
andou com o David durante... dois anos?
- Dois Verões - respondeu Ellen. - Foram divertidos.
- Lembra-se de mim?
- Muito vagamente. Você nessa altura devia ter nove ou dez
anos.
- Mais ou menos. O David é dez anos mais velho do que eu.
Outra coisa de que me lembro é que toda a gente me chamava Matt,
mas você chamava-me Matthew. Dizia que era mais digno. Eu provavelmente estava apaixonado por si.
- Oh! - Ellen enrubesceu e Albert Morris soltou uma gargalhada, ao mesmo tempo que entregava o troco a Hooper.
- Vou até à doca. Quer que a deixe em algum sítio? - perguntou este a Ellen.
- Obrigada. Trouxe o cano. Então você agora é um cientista
- observou ela, enquanto saíam juntos.
- .Quase por acidente. Comecei por me especializar em inglês.
Mas depois tirei um curso de biologia marítima para satisfazer as
minhas necessidades científicas e, pronto, fiquei preso.
- A quê? Ao mar?
- Sim e não. Sempre fui louco pelo mar. Mas aquilo a que
fiquei preso foram os peixes, ou, para ser mais exacto, os tubarões.
Ellen riu.
- É como apaixonar-se por ratazanas.
- É o que a maior parte das pessoas pensa - disse Hooper. -- Mas enganam-se. Os tubarões são uma maravilha. São como uma
máquina de uma perfeição que parece inatingível. São graciosos
como uma ave, misteriosos como um mamífero terráqueo. Ninguém
sabe ao certo quanto tempo vivem nem a que estímulos, à excepção
da fome, reagem. Há mais de duzentas e cinquenta espécies de tubarões e cada uma é diferente das outras. - Deteve-se, olhou para
Ellen e sorriu. - Desculpe. Não queria dar nenhuma lição.
- Você deve ser o maior especialista mundial em tubarões.
- Longe disso - corrigiu Hooper com uma gargalhada. -- Mas depois de me formar, passei alguns anos a perseguir tubarões

em todo o Mundo. Vi-os de muito perto no mar Vermelho e mergulhei com eles ao largo da Austrália.
- Mergulhou com eles?
Hooper fez um sinal de assentimento.
- A maior parte das vezes dentro de uma gaiola, mas às vezes
não. Sei no que deve estar a pensar. Muitas pessoas pensam que
tenho tendências suicidas, mas quem sabe o que está a fazer pode
reduzir o perigo quase até ao zero.
- Fale-me do David - disse Ellen. - Como está ele?
- Está óptimo. É corretor em S. Francisco. Já casou duas vezes. A sua primeira mulher foi, talvez você o saiba, Patty Fremont.
- Com certeza. Costumava jogar ténis com ela.
- O casamento durou três anos, até que ela teve uma ligação
com outro. Depois o David descobriu uma jovem cujo pai é dono da
maior parte de uma companhia petrolíffera. É simpática, mas tem o
coeficiente de inteligência de uma alcachofra. Se o David tivesse
tido juízo, tinha casado consigo.
Ellen ruborizou-se e disse em voz suave:
- É muito amável em dizer isso.
- Estou a falar a sério. Era o que eu teria feito.
- E você o que é que fez? Que felizarda é que acabou por o
apanhar?
- Nenhuma até agora. Acho que há por aí mulheres que nem
sabem o que perdem. - Soltou uma gargalhada. - Fale-me de si.
h`ão, não diga nada. Deixe-me adivinhar. Três filhos. Acertei?
- Acertou. Não pensava que se notasse tanto.

- Não, não. Não era isso que eu queria dizer. Não se nota
nada. De maneira nenhuma. E o seu marido é... deixe ver... um

advogado. Tem um apartamento na cidade e uma casa na praia em
Amity.
Ellen sacudiu a cabeça, sorrindo.
- Não, não é bem isso. O meu marido é o chefe da Polícia de
Amity.
Hooper mostrou-se surpreendido apenas um momento. Depois
disse:
- ? claro. Brody. Não liguei os nomes. O seu marido parece
um tipo formidável.
Ellen pensou detectar uma centelha de ironia no tom de Hooper,
mas disse para consigo: ?Não sejas estúpida. Estás a imaginar coisas."
- Vive em Woods Hole? - perguntou.
- Não. Em Hyannis Port Numa pequena casa sobre o mar.
Gosto de estar perto da água. É verdade, você ainda dança?
- Dançar?
- Sim. O David costumava dizer que você era a melhor dançarina que tinha conhecido. Ganhou um concurso, não foi?
Subitamente, o passado ressurgiu na sua mente, enchendo-a de
saudade.
- Um concurso de sambas - respondeu. - No Beach Club.
Já me tinha esquecido. Não, já não danço. O Martin não dança e,
mesmo que ele dançasse, já ninguém toca esse género de música.
- É pena. Bem, tenho de ir até à doca. Tem a certeza de que
não quer que a deixe em qualquer sítio?
- Não, obrigada. O meu carro está do outro lado da rua.
- Muito bem. - Hooper estendeu a mão. - Não quer ir jogar
ténis comigo uma destas tardes?

Ellen riu.
- Oh, meu Deus. Já nem. me lembro da última vez em que
peguei numa raqueta. Mas obrigada pelo convite.
- Muito bem. Então, até à vista.
Hooper afastou-se rapidamente em direcção ao carro. ,Quando
arrancou e passou por ela, Ellen ergueu a mão e acenou timidamente. Hooper correspondeu ao aceno, após o que dobrou a esquina e
desapareceu.
Uma enorme tristeza se apoderou de Ellen. Mais do que nunca,
sentia que a sua vida - pelo menos a melhor parte dela - ficara
para trás. .Quando consciencializou o seu estado de espírito, sentiu-se culpada, acusando-se de ser uma mãe pouco dedicada e uma
mulher insatisfeita. Recordou um verso de uma canção que Billy
costumava pôr a tocar no pick-up: Trocarei todos os meus amanhãs
por um só ontem. Seria ela capaz de uma troca dessas?, perguntou a
si mesma.
A imagem do rosto sorridente de Hooper surgiu de súbito no seu
espírito. "Esquece isso??, disse para consigo.

Colvt as praias encerradas, Amity estava praticamente deserta no
fim-de-semana. Hooper percorreu insistentemente a praia no barco
de Ben Gardner, mas os únicos sinais de vida que encontrou na
água foram alguns pequenos cardumes de peixes. Na noite de domingo, disse a Brody que concluíra que o tubarão regressara às profundezas.
- Que é que o leva a pensar isso? - perguntara Brody.
- Não há nenhum sinal dele - respondera Hooper. - E há
peixes. Se houvesse um tubarão-branco nas proximidades, todas as
outras espécies desapareceriam. Os mergulhadores são unânimes em
afirmar que quando os tubarões-brancos estão próximos há uma
tremenda quietude na água.
- Não estou convencido - contrapusera Brody. - Pelo menos não o suficiente para reabrir as praias. Ainda não.
Quase desejava que Hooper tivesse visto o seláceo. Aquele argumento não passava de uma redução ao absurdo, e como tal não
era o suficiente para o seu espírito de polícia.
Segunda-feira à tarde, Brody estava sentado no seu gabinete
quando Ellen telefonou.
- Desculpa maçar-te - disse ela. - Mas que achas de darmos
um jantar? Já nem me lembro de quando demos o último.
- Nem eu - mentiu Brody. Lembrava-se demasiado bem do
seu último jantar. Três anos atrás, quando se encontrava em plena
cruzada para restabelecer laços de amizade com a comunidade de
veraneantes, Ellen convidara três casais deste grupo. Eram gente
agradável, recordou Brody, mas a conversa fora forçada e desconfortável. Brody e os convidados tinham poucos interesses em comum, e, após os primeiros momentos,
os convidados tinham acabado por conversar entre si. .Quando partiram, Ellen, depois de ter
lavado os pratos, dissera por duas vezes a Brody: "Foi uma noite
bem agradável!" Depois fechara-se na casa de banho a chorar.
- Então, que é que achas? - insistiu Ellen.
- Acho bem..Quem pensas tu convidar?
- Em primeiro lugar, acho que devemos convidar Matt Hooper.

- Para quê? Ele come na Abelard, não come? As refeições
estão incluídas no preço do quarto.
- A questão não é essa. Ele está só na cidade e é muito simpático.
- Não sabia que o conhecias.
- Encontrei-o na loja do Morris na sexta-feira. Tenho a certeza
de que to disse, porque ele é, afinal, o irmão do Hooper que eu
conhecia.
- Hum... Bem, para quando estás a planear esse banquete?
- Estava a pensar em amanhã à noite. E não é nenhum banquete. É só uma reunião simpática e agradável com alguns casais..Que
te parece os Baxters? Achas que são divertidos?
- Parece-me que não os conheço.
- Claro que conheces. O Clem e a Cici Baxter. Ela era Cici
Davenport em solteira. Vivem na Scotch. Ele está agora em férias.
- Muito bem. Convida esses, se quiseres. E que tal os Meadows?
- Mas Matt Hooper já conhece o Harry.
- Não conhece a Dorothy.
- Está bem - concordou Ellen. - Acho que um pouco de cor
local não faz mal.
- Não estava a pensar em cor local - objectou Brody com
aspereza. - São nossos amigos.
- Eu sei. Não quis dizer nada de especial. Desculpa.
- Se quiseres cor local, só tens que olhar para o lado na cama.
- Eu sei. Já pedi desculpa.
- E que tal uma rapariga solteira? - perguntou Brody. -- Acho que devias arranjar uma companhia agradável para o Hooper.
Seguiu-se uma pausa antes que Ellen respondesse:
- Está bem. Vou ver se consigo lembrar-me de alguma que ele
ache divertida.

QUANDo Brody chegou a casa no dia seguinte ao fim da tarde,
Ellen estava a pôr a mesa para o jantar. Ele beijou-a e observou:
- Já há muito tempo que não via esses talheres de prata. -- Haviam sido o presente de casamento dos pais de Ellen.
- Eu sei. Levei horas a dar-lhes brilho.
- E olha só para isto! - Brody ergueu um copo de vinho em
forma de túlipa. - Onde foi que os arranjaste?
- Comprei-os no The Lure.
- Quanto custaram? - Brody pousou o copo na mesa.
- Vinte dólares. Mas foi uma dúzia.
-.Quando dás um jantar, não és para brincadeiras.
- Nâo tínhamos copos de vinho decentes - justificou-se ela,
na defensiva.
Brody contou os lugares.
- Só seis? - perguntou.
- Os Baxters não puderam vir. O Clem teve de ir à cidade
tratar de negócios e a Cici resolveu ir com ele. Passam lá a noite. -- Havia uma leve inflexão na sua voz, uma falsa indiferença.
- Ah! - fez Brody. - É pena. - Não se atreveu a revelar a
satisfação que sentia. - Então quem arranjaste para o Hooper?
Uma companhia agradável?
- A Daisy Wicker. Trabalha na Bibelot. É muito simpática.
- A que horas vêm?
- Os Meadows e a Daisy às sete e meia. Pedi ao Matthew que
viesse às sete. .Quis que ele viesse mais cedo para os pequenos o

conhecerem. Acho que vão ficar fascinados.
Brody consultou o relógio.
- Se as pessoas só vêm às sete e meia, não começamos a jantar
antes das oito e meia ou nove horas. Acho que vou trincar uma
sanduíche. - Dirigiu-se para a cozinha.
- Não comas demais - recomendou Ellen. - Tenho um jantar
óptimo.
Brody aspirou os aromas da cozinha, olhou para a confusão de
panelas e de pacotes e perguntou:
Que estás a cozinhar?
xx - É um prato chamado borrego-borboleta. Espero não o estragar.
- Cheira bem - declarou Brody. - Que tens naquela panela
ao lado do lava-louças? Posso deitar fora?
Ellen correu para a cozinha.
- Livra-te... - Viu o sorriso no rosto de Brody. - És incrível. - Deu-lhe uma palmada no traseiro. - É gaspacho. Sopa.
Brody sacudiu a cabeça.
- O amigo Hooper vai ter saudades da comida da Abelard. -- disse.
- És parvo. Espera até provares. Mudas logo de opinião.
Às sete horas e cinco minutos a campainha da porta tocou e
Brody foi abrir. Vestia uma camisa de quadrados azuis, calças azuis
e sapatos pretos. Sentia-se fresco e limpo..Quando, porém, abriu a
porta a Hooper, considerou-se ultrapassado. Hovper trazia calças

Tubarão

azuis à boca de sino e calçava sandálias sem meias. Era o vestuário
dos jovens ricos de Amity.
- Olá - saudou Brody. - Entre.
- Olá - correspondeu Hooper. Estendeu a mão, que Brody
apertou.
Ellen, que surgiu da cozinha, trazia uma saia comprida estampada e uma blusa de seda e tinha, suspenso ao pescoço, o colar de
pérolas de cultura que Brody lhe oferecera pelo casamento.
- Matthew - disse. - Gosto imenso que tenha podido vir.
- E eu gosto imenso que me tenha convidado - replicou
Hooper, apertando a mão de Ellen. Voltou-se depois para Brody e
perguntou: - Não se importa que eu dê uma coisa a Ellen, pois
não?
- Uma coisa? O quê? - perguntou Brody por sua vez. E pensou: ?Dar-lhe o quê? Um beijo? Uma caixa de bombons? Um murro
no nariz??
- Um presente. Na realidade, não é nada de importância. É só
uma coisa que eu apanhei.
- Não, claro que não me importo - declarou Brody.
Hooper enfiou a mão no bolso das calças e estendeu a Ellen um
pequeno embrulho envolto em papel de seda.
- Para a anfitriã - disse ele.
Ellen sorriu e desdobrou cuidadosamente o papel. Dentro encontrava-se um objecto semelhante a um brinco, de cerca de dois centímetros e meio de comprimento.
- É o dente de um tubarão-tigre - explicou Hooper. - Está
encastoado em prata.

- Onde foi que o arranjou?
- Em Macau. Passei por lá alguns anos em serviço. Existe uma
superstição segundo a qual quem o traz não é atacado por tubarões.
Nas circunstâncias actuais, pensei que seria apropriado.
- Totalmente - concordou Ellen. - Você tem um?
- Tenho - respondeu Hooper. - Mas não sei como o hei-de
usar. Não gosto de trazer coisas penduradas ao pescoço e quem
andar com um dente de tubarão no bolso das calças acaba com um
buraco no tecido.
Ellen riu-se e disse para Brody:
- Martin, queres fazer-me um favor? Importas-te de ir lá cima
buscar aquele fio de prata que está na minha caixa das jóias? Vou
pôr já o dente de tubarão do Matthew.
Brody começara a subir a escada quando Ellen disse:
- Ah, é verdade, Martin, diz aos pequenos para descerem.
Quando dobrou a esquina, no cimo das escadas, Brody ouviu
Ellen dizer:
- Que bom voltar a vê-lo.
Brody dirigiu-se para o quarto e sentou-se na beira da cama,
abrindo e fechando o punho direito. Sentia-se como se um intruso
tivesse entrado em sua casa munido de armas subtis com as quais
não podia competir: bom aspecto, juventude, requinte e, sobretudo,
uma comunhão com Ellen nascida num tempo que, ele bem o sabia,
ela desejava que nunca tivesse acabado. Sentia que Ellen estava a
tentar impressionar Hooper. Não sabia porquê. "Essa atitude rebaixa-a??, pensou Brody; e também rebaixava Brody o facto de ela tentar, através da pose, negar a sua
vida com ele.

Tubarão

- Para o diabo isto tudo - exclamou em voz alta. Ergueu-se e
abriu a caixa das jóias de Ellen, de onde retirou o fio de prata.
Antes de voltar a descer, enfiou a cabeça nos quartos dos rapazes e
disse: - Toca a marchar lá para baixo.
Quando Brody entrou na sala, ouviu Ellen, que se encontrava
sentada no sofá junto de Hooper, perguntar:
- Prefere que eu agora não lhe chame Matthew?
Hooper riu-se.
- Não me importo. Faz avivar algumas recordações.
- Toma - disse Brody a Ellen, entregando-lhe o fio.
- Obrigada. - Ela desapertou o colar de pérolas e atirou-o
para uma mesa. - Agora, Matthew, mostre-me como é que isto se
coloca. . .
Brody dirigiu-se para a cozinha a fim de preparar as bebidas.
Ellen pedira um vermute com gelo, Hooper um gin e água tónica.
Encheu um copo de vermute, preparou a bebida de Hooper e começou a arranjar para si whiskey com gengibre. Por hábito, começou a
medir o whiskey por um cálice de licor, mas logo mudou de ideias
e despejou o whiskey até encher dois terços do copo; acrescentou
em seguida o gengibre, deitou uns cubos de gelo e pegou nos dois
outros copos, vendo-se obrigado, para os levar na mesma mão, a
enfiar o indicador num deles.
Os pequenos, impecavelmente vestidos com calças e camisas

desportivas, haviam-se já reunido a Ellen e Hooper na sala de estar.
Billy e Martin tinham-se sentado no mesmo sofá que eles e Sean
instalara-se no chão. Brody ouviu Hooper dizer qualquer coisa acerca de um porco e Martin exclamar:
- Ena!
- Toma - disse Brody, estendendo a Ellen o copo em que
enfiara o indicador.
- Não merece nenhuma gorjeta, amigo - disse esta. - Ainda
bem que não te decidiste a seguir a carreira de criado de mesa.
Brody olhou-a, pensando em fazer uma observação acintosa,
mas acabou por se decidir por um "Desculpe, duquesa". Depois
estendeu o outro copo a Hooper.
- Matt estava a falar de um tubarão que apanhou - disse Ellen. - Tinha dentro um porco quase inteiro.
- Não me diga... - exclamou Brody. E bebeu um longo trago
da sua bebida.
- E não é tudo, pai - interveio Martin. - Tinha também um
rolo de papel alcatroado.
- E um osso humano - acrescentou Sean.
- Eu disse que parecia um osso humano - corrigiu Hooper. -- Nessa altura não era possível identificá-lo. Podia ser uma costela de
boi.
- Eh, pai - interrompeu Billy. - Sabe como é que uma toninha mata um tubarão?
- Com uma espingarda?
- Não. Dá-lhe cabeçadas até o matar. É o que Mr. Hooper diz.

- Fantástico - comentou Brody, esvaziando o copo. - Vou
buscar outra bebida. Mais alguém quer repetir?
- Numa noite de semana? - estranhou Ellen. - Nem penses
nisso!
- E porque não? Nem todas as noites damos um jantar a sério.
- Brody, que se dirigia para a cozinha, deteve-se ao ouvir tocar a
campainha. Abriu a porta e viu Dorothy Meadows, que trazia um
vestido azul-escuro e um colar com uma fieira de pérolas; atrás dela
via-se uma jovem alta e magra, com cabelo liso e comprido, que
Brody presumiu ser Daisy Wicker. Vestia calças e sandálias e não
tinha maquilhagem. Seguia-as o inconfundível volume de Hany
Meadows.
- Olá! - saudou-os Brody. - Entrem.
- Boa noite, Martin - saudou Dorothy Meadows. - Encontrámos Miss Wicker no caminho.
- Vim a pé - disse Daisy Wicker. - Está agradável.
- Óptimo. Mas entrem. - Brody conduziu-os para a sala de
estar e deixou-os com Ellen, para que esta os apresentasse a Hooper. Informou-se sobre as bebidas que queriam tomar, mas, antes de
as preparar, arranjou outra para si e foi-a bebendo enquanto enchia
os restantes copos. Como quando acabou de o fazer já ia a meio da
sua bebida, acabou de encher o copo com uma porção generosa de
whiskey e um pouco de gengibre.
Levou primeiro as bebidas de Dorothy e de Daisy e voltou à

cozinha para ir buscar a de Meadows e a sua. Estava a sorver o
último gole antes de se reunir aos convidados quando Ellen entrou.
- Não achas que devias travar? - perguntou ela.
- Sinto-me perfeitamente - respondeu ele. - Não te preocupes comigo. - Enquanto falava compreendeu que Ellen tinha
razão. Seria preferível travar. Dirigiu-se para a sala.
Os pequenos já tinham subido para os quartos. Dorothy Meadows conversava com Hooper acerca do trabalho deste, enquanto
Harry os escutava. Daisy Wicker estava sozinha, de pé, do outro

lado da sala, olhando à sua volta com um sorriso dissimulado no
rosto. Brody foi ter com ela.
- Você está a sorrir - observou.
- Estou? Acho que estou interessada. É a primeira vez que entro em casa de um polícia.
- E que lhe parece? É como a de uma pessoa normal, não
acha?
- Acho que sim. - Sorveu um gole da sua bebida e perguntou:
- Gosta de ser polícia?
Brody não conseguiu perceber se havia ou não hostilidade na
pergunta.
- Gosto. É um bom trabalho e tem um propósito.
-.Que propósito?
-.Qual lhe parece que seja? - observou ele ligeiramente irritado. - Fazer cumprir a lei.
- E não se sente alienado?
- Por que diabo ia sentir-me alienado? Alienado de quê?
- Das pessoas. Quero eu dizer, a única coisa que justifica a sua
profissão é impedir as pessoas de fazerem o que não devem. Isto
não o faz sentir-se esquisito?
Por momentos, Brody pensou que estava a ser gozado, mas a
jovem não sorria nem retirara os olhos dos dele.
- Não, não me sinto esquisito - respondeu. - Não vejo por
que motivo me deveria sentir mais esquisito do que você, a trabalhar nesse seja-lá-o-que-for.
- O Bibelot.
- Isso. O que é que lá vende, já agora?
- Vendemos às pessoas o seu passado. Isso dá-lhes conforto.
-.Que quer dizer, o seu passado?
- Antiguidades. Compram-nas pessoas que detestam o seu presente e precisam da segurança do seu passado. Se não o delas, o de
outra pessoa. Aposto que é também importante para si.
- O quê, o passado?
- Não, a segurança. Não é essa uma das razões de ser mais
importantes de um polícia?
Brody olhou para o outro extremo da sala e notou que o copo de
Harry Meadows estava vazio.
- Desculpe-me - disse. - Tenho de servir os outros convidados.
Levou o copo de Meadows e o seu para a cozinha, onde Ellen
inspeccionava a carne na grelha.
- Onde diabo descobriste aquela mulher? - perguntou. - É
um fantasma. Faz lembrar alguns desses adolescentes que prendemos por vezes e que começam a armar em espertos connosco na
esquadra.
Preparou uma bebida para Meadows, depois outra para si.
Quando ergueu os olhos, viu que Ellen o observava.

-.Que é que tens? - perguntou ela.
- Acho que não gosto que venham à minha casa pessoas que
me insultam. - Pegou nas duas bebidas e dirigiu-se para a porta,
detendo-se, porém, quando Ellen lhe disse:
- Martin... Por favor... por mim...
- Não te inquietes - tranquilizou-a ele. - Vai tudo correr
bem.
Encheu de novo os copos de Hooper e de Daisy Wicker. Depois
sentou-se e foi saboreando a bebida, enquanto ouvia uma longa história que Meadows contava a Daisy. Brody sentia-se bem - de
facto, bastante bem - e sabia que, se não voltasse a beber antes de
jantar, conservaria a boa disposição.
Às oito e meia, Ellen trouxe da cozinha os pratos de sopa e
colocou-os sobre a mesa.
- Martin - pediu -, importas-te de me abrir o vinho enquanto todos se sentam? Há uma garrafa de branco no frigorífico e duas
de tinto no balcão. Podes abri-las todas. O vinho tinto precisa de
tempo para respirar.
- Claro - concordou Brody enquanto se erguia. - .Quem é
que não precisa?
Na cozinha encontrou o saca-rolhas e começou a abrir as duas
garrafas de vinho tinto. Uma das rolhas saiu perfeitamente, mas a
outra desfez-se em pedaços, alguns dos quais caíram no interior da
garrafa. Retirou a garrafa de vinho branco do frigorífico, desrolhou-a e levou-a para a sala de jantar.
Ellen estava sentada no extremo da mesa mais próximo da cozinha, dando a esquerda a Hooper e a direita a Meadows. A seguir a
Meadows sentava-se Daisy Wicker, junto da qual havia um lugar
vago destinado a Brody, no outro extremo da mesa, o qual tinha à
sua esquerda, no lugar em frente do de Daisy, Dorothy Meadows.
Depois de servir o vinho, Brody sentou-se e provou uma colher
da sopa colocada à sua frente. Estava fria e não sabia a sopa, mas
não era má de todo.
- Adoro gaspacho - disse Daisy. - Mas dá tanto trabalho a
fazer que não o como muitas vezes.

Tubarão

- Hum... - fez Brody, levando outra colher à boca.
- Já alguma vez provou G e E?
- Não me parece
- Devia provar. É claro que pode ser que não goste, uma vez
que é contra a lei.
- O que é?
- Gaspacho e erva. Em vez de polvilhar com especiarias,
usa-se um pouco de marijuana. É óptimo.
Brody não respondeu imediatamente. Acabou de comer o gaspacho, esvaziou o copo de um trago e olhou para Daisy, que sorria
docemente para ele.
- Sabe - disse ele -, não acho que...

- Aposto que Matt já provou - Daisy ergueu a voz e disse: -- Matt, desculpe-me. - A conversa interrompeu-se no outro extremo
da mesa. - É apenas uma questão de curiosidade. Já alguma vez
provou G e E? A propósito, Mrs. Brody, este gaspacho está uma
verdadeira delícia.
- Obrigada - disse Ellen. - Mas que é G e E?
- Provei uma vez - respondeu Hooper. - Mas não sou um
aficionado.
- Matt explica-lhe - respondeu Daisy a Ellen, voltando-se
para falar a Meadows.
Brody recolheu os pratos de sopa e levou-os para a cozinha,
seguido por Ellen.
- Preciso de ajuda para trinchar a carne - disse ela.
- Está bem - assentiu Brody.
Ellen colocou o borrego sobre a tábua.
- Fatias de cerca de dois centímetros, como se fossem de bife
- pediu ela.
Brody procurou na gaveta um garfo e uma faca de trinchar.
Aquela Daisy Wicker tinha razão numa coisa, pensou enquanto cortava a carne: "Agora sinto-me mesmo alienado." Separou uma fatia
de carne e disse:
- Eh, pensei que tinhas dito que era borrego.
- E é.
- Mas não está bem assado. Olha para isto. - Ergueu a fatia
que cortara. Era cor-de-rosa e, no centro, quase vermelha.
- É assim mesmo que deve ser...
- Não, se for borrego. O borrego deve ser bem assado.
- Martin, acredita-me. O borrego-borboleta deve ser mal assado. Garanto-te.
Brody ergueu a voz.
- Não vou comer borrego cru!
- Schiy?! - fez Ellen. - Está assado. Se não o queres comer,
não comas, mas é assim que eu o vou servir.
- Então, corta-o tu. - Largou o garfo e a faca na tábua, pegou
nas duas garrafas de vinho tinto e saiu da cozinha.
- Vamos ter de esperar um pouco - disse ao aproximar-se da
mesa - enquanto a cozinheira mata o nosso jantar. Ela quis servi-lo
como estava, mas ele deu-lhe uma dentada na perna.
Encheu os copos de vinho e sentou-se. Bebeu um gole. - Muito bom - disse, sorvendo outro.
Ellen entrou com o borrego. Depois voltou à cozinha, de onde
regressou com dois pratos de legumes.
- Espero que esteja bom - disse. - É a primeira vez que o
faço.
- O que é? - perguntou Dorothy Meadows. - O cheiro é
delicioso.
- Borrego-borboleta. Marinado.
- Ah, sim? Que levou a marinada?
- Gengibre, molho de soja, uma quantidade de coisas. - Colocou em cada prato uma fatia de borrego, alguns espargos e ervilhas.
Depois de todos estarem servidos e Ellen se ter sentado, Hooper
ergueu o seu copo e disse:
- Um brinde à cozinheira-chefe.
Os demais imitaram-no e Brody disse:
- Boa sorte.
Quando provou a primeira garfada de carne, Meadows exclamou:

- Fantástico. É tenro como um bife de lombo, mas sabe melhor. É uma delícia!
- Vindo de si, Harry - observou Ellen -, isso é um cumprimento especial.
- Está delicioso - confirmou Dorothy. - Prometes dar-me a
receita? O Hacry nunca me perdoará se eu não passar a fazer este
prato pelo menos uma vez por semana.
- Terá de assaltar um banco - comentou Brody.
- Mas é delicioso, Martin, não acha?
Brody não respondeu. Começara a mastigar um pedaço de carne
quando lhe sobreveio uma náusea. Sentiu-se desligado de si mesmo,
como se o seu corpo fosse controlado por outra pessoa. O garfo

pesava-lhe nos dedos e, por momentos, receou deixá-lo cair. Era
incontestavelmente o vinho. Com um cuidado exagerado, estendeu
a mão para afastar de si o copo. Depois recostou-se na cadeira e
inspirou profundamente. A vista turvou-se-lhe. Tentou fixar os
olhos num quadro suspenso sobre a cabeça de Ellen, mas distraía-o
a imagem da mulher conversando com Hooper. De cada vez que
falava, ela tocava no braço de Hooper - ao de leve, pensou Brody,
mas com intimidade, como se partilhassem segredos. Não ouvia as
conversas que se travavam em seu torno. A última coisa que se
lembrava de ter ouvido era: ?Não acha?? .Quem o dissera? Olhou
para Meadows, que conversava com Daisy. Depois olhou para Dorothy e disse rapidamente: - Acho.
Ela ergueu os olhos para ele.
-.Que disse, Martin?
Não conseguiu falar. .Quis erguer-se e sair para a cozinha, mas
temeu não se manter sobre as pernas. "Fica sentado quieto?, disse
para consigo. ?Isto passa.?
E passou. As ideias começaram a ficar mais claras e, na altura
da sobremesa, já se sentia bem. Repetiu o gelado de café rodeado
de creme de cacau e conversou animadamente com Dorothy.
Tomaram o café na sala de estar e Brody ofereceu bebidas, que,
porém, só Meadows aceitou.
- Um pouco de brandy, se tiveres - disse ele.
Enquanto servia a bebida a Meadows, Brody considerou por
momentos a hipótese de tomar também uma. Resistiu, porém, à
tentação, dizendo para consigo: "Não abuses da sorte.?
Um pouco depois das dez horas, Meadows bocejou e disse:
- Dorothy, acho que é melhor irmos andando.
- Eu também tenho de ir - disse Daisy. - Começo a trabalhar às oito. Não que nestes dias tenhamos vendido grande coisa.
Meadows ergueu-se.
- Bem, esperemos que o pior já tenha passado - disse. -- Pelo que ouvi aqui ao nosso especialista, há uma séria probabilidade
de o monstro se ter afastado.
- Uma possibilidade - confirmou Hooper. - Assim o espero.
- Ergueu-se. - Também me vou embora.
- Oh, não vá! - exclamou Ellen. Constatando que as palavras
lhe haviam saído com mais intensidade do que previra, acrescentou
rapidamente: - Bem, são só dez horas.
- Eu sei - concordou Hooper. - Mas se o tempo estiver
bom, quero ir cedo para o mar. Posso deixar a Daisy em casa.
- Óptimo - observou Daisy.
- Os Meadows podem levá-la - sugeriu Ellen.

- Está bem - disse Hooper. - Mas eu tenho mesmo de ir

para me levantar cedo. De qualquer modo, obrigado.
Despediram-se à porta. .Quando Hooper, que com Daisy foram
os últimos a sair, estendeu a mão a Ellen, esta apertou-a entre as
suas, dizendo:
- E muito, muito obrigada pelo seu dente de tubarão.
- De nada. Ainda bem que gostou.
- Ainda o vemos antes de se ir embora?
- Conte com isso.
- Óptimo. - Ela soltou-lhe a mão. Ele despediu-se rapidamente de Brody e dirigiu-se para o seu automóvel.
Ellen esperou à porta até os dois canos se afastarem, após o que
apagou a luz exterior. Sem uma palavra, começou a levantar os
copos, as chávenas e os cinzeiros.
Brody levou uma pilha de pratos de sobremesa para a cozinha,
colocou-os no lava-louça e disse:
- Bem, correu tudo bem.

- Não graças a ti - censurou Ellen. - Foste horrível.
Ele ficou surpreendido ante a sua agressividade.
- Mas porque dizes isso?
- Não quero falar no assunto.
- Assim, sem mais nem menos? Não queres falar no assunto.
Ouve ... está bem, eu não tinha razão acerca dessa maldita carne.
Desculpa. Agora...
- Já disse que não quero falar no assunto!
Embora preferisse uma discussão, Brody limitou-se a dizer:
- Bem, desculpa. - Saiu da cozinha e subiu a escada.
Enquanto se despia, ocorreu-lhe a ideia de que a causa de todo
aquele mal-estar era um animal: uma fera irracional que ele nunca
vira. O cómico desta situação fê-lo sorrir.
Enfiou-se na cama e adormeceu num sono sem sonhos.


6


BRoDY acordou sobressaltado, com o pressentimento de que algo
corria mal. Estendeu o braço para o outro lado da cama, a fim de
tocar em Ellen, mas esta não se encontrava lá. Sentou-se na cama e

viu-a sentada numa cadeira junto à janela. A chuva batia nas vidraças e o vento assobiava por entre as árvores.
- Um dia péssimo, não é? - observou ele. Ela não respondeu,
continuando a olhar fixamente as gotas de água que desciam pelo
vidro. - Porque te levantaste tão cedo?
- Não conseguia dormir. - Ela parecia triste, abatida.
- Que é que tens?
- Nada.
- Está bem. - Brody saiu da cama.
Depois de se ter barbeado e vestido, desceu até à cozinha. As
crianças acabavam o pequeno-almoço e Ellen estrelava um ovo.
-. Que é que vocês vão fazer num dia destes? - perguntou ele.
- Vou limpar corta-relvas - respondeu Billy, que, durante as
férias, trabalhava para um jardineiro local. - Odeio os dias de
chuva!

- E vocês? - perguntou Brody a Martin e a Sean.
- O Martin vai ao clube dos rapazes - esclareceu Ellen - e o
Sean vai passar o dia em casa dos Santos.
- E tu?
- Vou estar todo o dia ocupada no hospital. E, a propósito, não
venho almoçar a casa. Podes comer qualquer coisa na cidade?
- Com certeza. Não sabia que às quartas-feiras trabalhavas o
dia inteiro.
- Habitualmente não trabalho. Mas uma das pequenas está
doente e eu ofereci-me para a substituir. Podias levar o Sean e o
Martin quando saíres para o trabalho? Quero fazer umas compras
antes de ir para o hospital.
- Não há problema.
Depois de eles saírem, Ellen consultou o relógio da cozinha.
Faltavam alguns minutos para as oito. Seria demasiado cedo? Talvez. Mas era melhor apanhá-lo agora, antes que ele saísse para
qualquer lado. Estendeu a mão direita, procurando em vão evitar
que os dedos lhe tremessem. Subiu a escada até ao quarto e pegou
na lista telefónica. Procurou o número da Estalagem Abelard Arms
e marcou-o após uns momentos de hesitação.
- Abelard Arms.
- Ligue-me para o quarto de Mr. Hooper, por favor.
Ellen ouviu o telefone tocar uma, duas vezes. O coração batia-lhe descompassadamente e a veia do seu pulso direito era agitada
por fortes pulsações. ,?Desliga?, disse a si mesma. "Desliga, ainda
estás a tempo. n
- Está? - Era a voz de Hooper.
Ellen engoliu em seco e falou:
- Olá. Sou eu... a Ellen.
- Ah, olá.
- Espero não o ter acordado.
- Não. Ia agora tomar o pequeno-almoço.
- Ainda bem. O dia não está nada bom. Acha que vai poder
trabalhar?
- Não sei. Estava exactamente a pensar nisso.
- Ah! - Fez uma pausa, lutando contra o aturdimento que a
dominava. "Anda,?, disse para consigo. E as palavras jorraram-lhe
da boca: - Estava a pensar que, se não pode trabalhar hoje... talvez lhe apetecesse... se está livre para almoçar.
- Almoçar?
- Sim. Se não tem mais nada que fazer, claro...
-.Quer dizer, você, o chefe e eu?
- Não, só você e eu. O Martin habitualmente almoça na esquadra. Não quero interferir com os seus planos nem nada...
- Não, não. Está bem. Onde quer ir?
- Há um restaurante muito simpático em Sag Harbor. O Banner's. Conhece-o? - Esperava que ele não o conhecesse. Nunca lá
estivera, mas ouvira dizer que era bom, sossegado e escuro.
- Sag Harbor - repetiu Hooper. - É um pouco longe para ir
almoçar.
- São só quinze ou vinte minutos. Posso encontrar-me lá consigo à hora que quiser.
- Para mim a qualquer hora.
- Então por volta do meio-dia e meia, está bem?
- Ao meio-dia e meia. Então até logo.

Ellen desligou o telefone. As mãos tremiam-lhe ainda, mas sentia-se alegre e excitada. Os seus sentidos haviam-se agudizado incrivelmente. Há anos que não se sentia
tão intensamente feminina.
Tomou um duche. Depois colocou-se diante de um espelho de
corpo inteiro, contemplando-se detidamente. Seria aceite a oferta?
Lutara por se manter elegante, para conservar as formas suaves e
sinuosas da juventude. Não suportava a ideia de poder ser rejeitada.
Vestiu o uniforme do hospital. Do fundo do seu roupeiro retirou
um saco de compras de plástico, no qual meteu uma roupa interior
lavada, um vestido de verão azul-acinzentado e um par de sapatos
de salto raso. Levou o saco para a garagem, meteu-o no seu Volkswagen e seguiu para o Hospital de Southampton.

Não saberia dizer exactamente em que momento se decidira a
realizar este plano precipitado e perigoso. Tinha vindo a pensar nele
- e a tentar não pensar nele - desde o dia em ?que conhecera
Hooper. Pesara os riscos e concluíra que valia a pena enfrentá-los.
Queria voltar a ter a certeza de que ainda era desejável - não apenas para o marido, mas para as pessoas que considerava do seu
nível social, entre as quais ainda se contava. A ideia de amor não
lhe ocorreu sequer ao espírito. Tão-pouco pretendia uma relação
profunda ou duradoura. Apenas pretendia recuperar um pouco da
sua autoconfiança.
Ellen sentiu-se grata pelo facto de o seu trabalho no hospital
exigir concentração e conversa, o que a impedia de pensar. Às onze
e quarenta e cinco disse à supervisora das enfermeiras voluntárias
que não se sentia bem. A sua tiroideia estava de novo a fazer-se
sentir, disse, e preferia ir para casa e deitar-se.

CoNvuzIu até perto de Sag Harbor, detendo-se então numa estação de serviço. Depois de encher o depósito e de liquidar a importância respectiva, entrou na casa
de banho das senhoras para mudar
de roupa.
Eram doze e vinte quando chegou ao Banner's, um pequeno restaurante à beira-mar cujas especialidades eram bifes, peixe e mariscos. Agradou-lhe o facto de o parque
de estacionamento não se ver
da estrada; não desejava que o seu automóvel fosse descoberto por
alguém seu conhecido que eventualmente passasse por ali.
O restaurante, escassamente iluminado, tinha um bar à entrada, do lado direito. O barman, um homem novo de pêra, em mangas de camisa, estava sentado junto à caixa
registadora, a ler o
Daily News de Nova Iorque; por detrás do balcão, uma criada dobrava guardanapos. À excepção de um casal sentado a uma mesa,
eram as únicas pessoas na sala. Ellen consultou o relógio. Eram
quase doze e trinta.
A empregada viu-a e foi a? seu encontro.
- Faz favor...?

- Queria uma mesa para dois, se faz favor. Aquela do canto, se
não se importa.
- Com certeza - respondeu a criada. - Onde preferir. -- Conduziu Ellen, que se sentou de costas para a porta. Hooper logo a
veria. - Deseja tomar alguma coisa?
- Quero. Um gin com água tónica, se faz favor.
A empregada trouxe a bebida, metade da qual Ellen bebeu imediatamente, ansiosa por sentir o calor relaxante do álcool. Era a
primeira vez, desde o seu casamento, que tomava uma bebida alcoólica durante b dia. A cada instante olhava para a porta e consultava
o relógio. Eram quase doze e quarenta e cinco. ??Ele não vem",
pensou. ?E que é que eu faço se ele não vier?"
- Olá! - Hooper sentou-se à sua frente, dizendo: - Desculpe
chegar atrasado. Tive de parar para meter gasolina e havia uma bicha na bomba. - Olhou-a nos olhos e sorriu.
Ellen baixou os olhos para o copo.
- Não tem importância. Eu também cheguei tarde.
A criada aproximou-se e Hooper, notando o copo de Ellen,
mandou vir também um gin com água tónica.
- Traga-me outro, se faz favor - disse Ellen. - Este está
quase no fim.
A empregada desapareceu e Hooper observou:
- Habitualmente não bebo ao almoço.
- Nem eu.
- Depois de cerca de três copos, começo a dizer asneiras. Não
aguento muito.
Ellen assentiu com a cabeça.
- Sei como se sente. Eu fico com tendência para me tornar...
- Impetuosa? Eu também.
- De verdade? Pensava que os cientistas nunca eram impetuosos.
Hooper sorriu.
- Sob a nossa aparência fria - disse ele -, somos extremamente eróticos.
Conversaram sobre o passado, as pessoas que tinham conhecido,
as ambições de Hooper no campo da ictiologia. -- Não falaram do tubarão, nem de Brody, nem dos filhos de Ellen. Foi uma conversa
fácil, desconexa, que convinha a Ellen. A segunda bebida relaxou-a, fazendo-a sentir-se feliz e perfeitamente segura de si.
Queria que Hooper tomasse outra bebida, mas sabia não ser
provável que ele tomasse a iniciativa de a encomendar. Pegou na
ementa e disse:
- Deixe ver..Que é que lhe apetece?
Hooper pegou na outra ementa, e, após um minuto, a criada
aproximou-se da mesa.
- Já escolheram?
- Ainda não - respondeu Ellen. - Porque não tomamos outra
bebida enquanto escolhemos?

Hooper considerou o assunto por momentos. Depois assentiu
com a cabeça e disse:
- Acho óptimo. É uma ocasião especial.
A empregada trouxe as duas bebidas e perguntou:
- Já escolheram?
- Já - respondeu Ellen. - Eu quero coktail de camarão e a

galinha.
Hooper perguntou:
- São mesmo filetes de pregado?
- Acho que sim - respondeu a criada. - Se é o que diz na
ementa.
- Está bem. Então quero filetes.
- Nada de entrada?
- Não, obrigado - respondeu Hooper, erguendo o copo. -- Isto chega.
Decorridos alguns minutos, a criada trouxe o coktail de camarão
para Ellen. Depois de ela se afastar, esta disse:
- Sabe o que eu gostava de tomar? Vinho.
- É uma óptima ideia - concordou Hooper, fitando-a. - Mas
lembre-se do que eu disse sobre a impetuosidade. Posso tornar-me
irresponsável.
- Não estou preocupada. - Ellen sentiu o rubor invadir-lhe o
rosto.
- Muito bem - disse Hooper. - Mas primeiro é melhor eu
verificar os meus fundos. - levou a mão ao bolso de trás das
calças para retirar a carteira.
- Oh, não. Eu é que o convido.
- Não seja tonta.
- Não, de maneira nenhuma. Eu convidei-o para almoçar. - ?
Começou a temer que a conta fosse demasiado elevada para as possibilidades económicas dele.
- Eu sei - disse ele. - Mas eu gostava de lhe oferecer a si o
almoço.
Ela brincou com o único camarão que lhe ficara na taça.
- Bem...
- Sei que está apenas a ser atenciosa - prosseguiu Hooper. -- Mas não seja. O David nunca lhe falou do nosso avô?
- Não que eu me lembre. Que tinha o seu avô?
- O velho Matt era conhecido, e não muito afectuosamente,
como o Bandido. Se ainda fosse vivo, eu provavelmente estaria à
frente do bando que exigiria a sua cabeça. Mas já morreu, por isso as minhas preocupações resumiram-se a saber se deveria guardar ou
deitar fora o monte de dinheiro que ele me deixou.
-.Que fazia o seu avô?
- Caminho de feno e minas. Isto é, teoricamente. Na prática,
era um magnate gatuno. Houve uma altura em que possuía a maior
parte da cidade de Denver. Era o dono do bairro das prostitutas. -- Hooper soltou uma gargalhada. - E, por aquilo que ouvi, gostava
de receber as rendas em mercadoria.
- Esse é provavelmente o sonho de todas as colegiais - aventurou Ellen galhofeiramente.

-. Qual?
- Ser uma... você sabe.. dormir com uma quantidade de homens diferentes.
- Era o seu sonho?
Ellen riu para dissimular o rubor.
- Não me lembro se era exactamente esse - respondeu. - Mas acho que todos nós temos fantasias de um género ou de outro.
Hooper sorriu e chamou a empregada.
- Traga-nos uma garrafa de Chablis gelada, está bem?
Aconteceu qualquer coisa, pensou Ellen. Perguntou a si mesma

se ele teria detectado o convite que ela lhe dirigira. De qualquer
forma, ele tomara a ofensiva. Tudo quanto lhe restava fazer era
evitar desencorajá-lo.
Chegaram os pratos, seguidos, momentos depois, pelo vinho.
Os filetes de Hooper eram enormes.
- É solha - disse este, depois de a criada se afastar.
- Como é que sabe?
- Em primeiro lugar, pelo tamanho, e depois, porque os bordos
são demasiado perfeitos.
- Então acho que os pode recusar. - Mas esperava que ele
não o fizesse. Uma discussão com a criada podia estragar-lhes a
disposição.
- Podia - disse Hooper, sorrindo-lhe. - Em circunstâncias
diferentes. - Serviu-lhe vinho, depois encheu o seu copo e ergueu-o. - Às fantasias - brindou. Depois, inclinou-se para a frente até o seu rosto ficar apenas a trinta
centímetros do dela. Os seus
olhos, de um azul-claro, cintilavam e os lábios entreabriram-se-lhe
num sorriso.
Impulsivamente, Ellen sugeriu:
- Vamos criar a nossa própria fantasia?
- De acordo. Como é que quer começar?

- E se nós fôssemos... Você sabe.
- É uma pergunta muito interessante - observou ele com fingida gravidade. - Mas antes de considerarmos o quê, temos de
considerar o onde. É claro que há sempre o meu quarto...
- É muito perigoso. Toda a gente me conhece na Abelard. Não
há nenhum sítio em Amity que não seja perigoso.
- Mas deve haver motéis entre isto e Montauk.
- Muito bem. Está combinado.

ELLEN chegou a casa pouco antes das quatro e trinta. Subiu as
escadas, entrou na casa de i?anho e abriu as torneiras da banheira.
Depois de tomar banho, enfiou uma camisa de noite e meteu-se na
cama. Fechou os olhos e cedeu à fadiga.
Quase imediatamente - assim lhe pareceu -, foi acordada pela
voz de Brody, que perguntava:
- Eh, sentes-te bem?
Ela bocejou.
-.Que horas são?
-.Quase seis.
- Oh... Tenho de ir buscar o Sean. A Phyllis Santos deve estar
fula comigo.
- Eu fui buscá-lo - disse Brody. - Achei que era melhor,
uma vez que não conseguia falar contigo.
- Tentaste falar comigo?
- Por duas vezes. Tentei falar-te para o hospital por volta das
duas. Disseram-me que tinhas vindo para casa. Depois tentei falar-te para cá.
- Deve ter sido alguma coisa importante.
- Não. Se queres saber, queria falar-te para pedir desculpa seja
pelo que for que fiz e que te aborreceu ontem à noite.
Ellen sentiu-se envergonhada.

- És um querido, mas não te preocupes. Já esqueci o que se
passou.
- Ah! - exclamou Brody. - Então onde estiveste?
- Vim para casa e deitei-me. Os meus comprimidos para a tiróide não estão a fazer o efeito habitual.
- E não ouviste o telefone? Está mesmo aí. - Brody apontou
para a mesa do outro lado da cama.
- Não, eu... tomei um comprimido. Nem um terramoto me
acordava.
Brody sacudiu a cabeça.
- Vou mesmo deitar fora esses comprimidos. Tu estás a transformar-te numa drogada. - Entrou na casa de banho. - Tiveste
notícias do b,Iooper? - perguntou-lhe.
Ellen pensou por momentos antes de responder. Depois disse:
- Telefonou esta manhã a agradecer. Porquê?
- Tentei encontrá-lo hoje. No hotel disseram-me que não sabiam onde estava. A que horas telefonou ele?
- Logo depois de tu saíres.
- Disse-te o que ia fazer?
- Disse... acho que disse que talvez tentasse ir para o mar.
Mas na realidade não me lembro.
- Ah, é estranho...
- O quê?
- Passei pela doca a caminho de casa. O capitão do porto disse-me que não tinha visto o Hooper em todo o dia.

NA quinta-feira de manhã, Brody recebeu um telefonema a convocá-lo para se apresentar no gabinete de Vaughan ao meio-dia para
uma reunião com os vereadores. Sabia qual seria o objectivo da
reunião: a abertura das praias no fim-de-semana do 4 de Julho. Brody estava convencido de que a abertura das praias constituiria um
risco. Não teriam nunca a certeza de que o tubarão se fora embora.
O edifício da Câmara Municipal era uma construção imponente,
de estilo pseudogeorgiano - tijolo vermelho com decoração branca
e duas colunas da mesma cor ladeando a entrada. As salas, no interior, tinham as mesmas pretensões absurdas e grandiosidade que o
exterior: enormes, de pés-direitos elevados, cada uma com um lustre aparatoso. O gabinete do presidente Vaughan, situado na esquina sudeste do segundo andar, dominava
a maior parte da cidade.
A secretária de Vaughan, Janet Sumner, jovem atraente e de
aspecto saudável, estava sentada à sua mesa de trabalho, na antecâmara do gabinete. Brody, que sentia um carinho paternal por Janet,
estranhava que esta, com vinte e seis anos de idade, permanecesse
solteira. Normalmente, sempre lhe fazia alguma pergunta sobre a
sua vida sentimental, mas nesse dia limitou-se a perguntar-lhe:
- Estão todos lá dentro?
- Todos os que vieram. - Brody dirigiu-se para o gabinete,
mas Janet deteve-o, perguntando-lhe: - Não quer saber com quem
ando agora?
Ele parou e perguntou-lhe, sorrindo:
- Com quem é?


- Com ninguém. Estou temporariamente reformada. Mas sem pre lhe digo uma coisa. - Baixou a voz e inclinou-se para a frente.
- Não me importava nada de andar com esse tal Hooper.
- Ele está lá dentro?
Janet assentiu com a cabeça.
- Pergunto-me quando terá sido eleito vereador.
- Não sei - respondeu ela. - Mas lá bonito é ele.
Apenas entrou no gabinete, Brody compreendeu que teria de
lutar sozinho. Os únicos vereadores presentes eram velhos aliados
de Vaughan: Tony Catsoulis, um empreiteiro cuja largura se equiparava à de uma boca de incêndio? Ned Thatcher, um velho frágil,
cuja família possuía a Estalagem Ábelard Arms; Paul Conover, proprietário de uma casa de bebidas; Rafael Lopes, um português de
cor eleito vereador pela comunidade negra da cidade.
Os vereadores estavam sentados em torno de uma pequena mesa
num dos extremos da sala. Hooper, de pé junto à janela que dava
para o sul, contemplava o mar.
- Onde está Albert Morris? - perguntou Brody a Vaughan,
depois de cumprimentar os outros.
- Não pôde vir - respondeu Vaughan. - Acho que não se
sentia bem.
- E Fred Potter?
- O mesmo. Deve andar por aí algum vírus à solta. - Vaughan ergueu-se. - Bem, acho que estamos todos. Arranja uma cadeira e vem para aqui.
"Está com péssimo aspecto", pensou Brody. Vaughan tinha os
olhos encovados, orlados de olheiras negras, e a tez amarelada.
Uma vez todos os presentes sentados, Vaughan começou:
- Todos sabem porque estamos aqui. E creio que posso dizer
que só um de nós precisa de ser convencido do que devemos fazer.
- Queres dizer eu - interrompeu Brody.
Vaughan fez um sinal de assentimento.
- Examina a questão do nosso ponto de vista, Martin. A cidade
está a morrer. As pessoas estão sem trabalho. Lojas que iam abrir já
não abrem. As pessoas não alugam casas e muito menos as compram. E cada dia em que mantemos as praias encenadas cavamos
mais fundo a nossa sepultura.
- Vamos supor que abres as praias para o 4 de Julho, Lany. -- disse Brody. - E vamos supor que alguém é morto.
- É um risco calculado, mas eu penso, nós pensamos, que vale
a pena corrê-lo.
- Porquê?
Vaughan passou a palavra.
- Mr. Hooper?
- Por vazias razões - disse Hooper. - A primeira de todas é
que há uma semana que não se vê o tubarão.
- Também ninguém tem ido para a água.
- É verdade. Mas eu tenho saído todos os dias na lancha à
procura dele, todos os dias menos um.
- Queria exactamente perguntar-lhe isso. Onde esteve ontem
todo o dia?
- Chovia - disse Hooper. - Não se lembra?
- Então que foi que fez?
- Eu... - Após uma pausa, acrescentou: - Estudei algumas
amostras de água. E li.

- Onde? No seu quarto, no hotel?
- Parte do tempo, sim. Onde é que quer chegar?
- Liguei para o seu hotel. Disseram-me que esteve toda a tarde
fora.
- E estive fora! - respondeu Hooper, irritado. - Não tenho
de me apresentar todos os cinco minutos, pois não? Nem sequer me
pagam!
Vaughan interrompeu:
- Então, vamos lá... isto não nos leva a nada.
- Seja como for - continuou Hooper -, não encontrei o
menor vestígio desse tubarão. E a água está a ficar mais quente de
dia para dia. Já quase atingiu os vinte e dois graus. Regra geral, os
tubarões-brancos preferem águas mais frias.
- Então acha que ele foi mais para norte?

- Ou para águas mais profundas e mais frias. Podia até ter ido
para o sul. O comportamento desses animais não é previsível.
- Essa é a minha opinião - concordou Brody. - Você limita-se a fazer suposições.
Vaughan interveio:
- Não podes exigir uma garantia, Martin.
- Diz isso a Christine Watkins. Ou à mãe do pequeno Kintner.

- Eu sei, eu sei - atalhou Vaughan. - Mas temos de fazer
qualquer coisa. Deus não vai escrever no céu: "O tubarão foi-se
embora." Temos de pesar a evidência e tomar uma decisão.
- A decisão já foi tomada - objectou Brody.
- De facto, é verdade.
- E se mais alguém é morto? Quem assume a responsabilidade? Quem vai falar com o marido, ou a mãe, ou a mulher, e dizer-lhe: "Corremos um risco, jogámos e perdemos???
- Espera um momento, Martin.
- Se queres a autoridade para abrir as praias, então assume
também a responsabilidade.
- Que estás a dizer?
- Estou a dizer que, enquanto for chefe da Polícia desta cidade, as praias não serão abertas.
- Eu previno-te, Martin - replicou Vaughan -, que se essas
praias não estiverem abertas no fim-de-semana de 4 de Julho não
vais conservar o teu posto por muito tempo. Vinte minutos depois
de saber que tu não as abres, o povo desta cidade inculpa-te ou
arranja um pretexto qualquer e corre contigo. Os senhores não concordam?
- Eu próprio lhes forneço o pretexto - interveio Catsoulis.

- Os meus compatriotas não têm trabalho - disse Lopes. -- Se o senhor não os deixa trabalhar, também não há-de trabalhar.
Brody disse com simplicidade:
- Podem dispor do meu lugar quando quiserem.
Soou um zumbido na secretária de Vaughan. Este levantou-se
com um gesto de enfado e ergueu o auscultador. Seguiu-se um
momento de silêncio, após o qual ele se dirigiu a Brody.
- Uma chamada para ti. A Janet diz que é urgente. Podes atender aqui ou lá fora.
- Atendo lá fora - respondeu Brody, perguntando a si mesmo

o que teria acontecido suficientemente urgente para o interromperem numa reunião com a vereação. Outro ataque? Saiu do gabinete
e fechou a porta atrás de si. Janet estendeu-lhe o telefone por sobre
a secretária, mas, antes que ela carregasse no botão para lhe passar
a chamada, Brody perguntou-lhe:
- Diga-me, o Larry convocou o Albert Morris e o Fred Potter
para esta manhã?
Janet desviou o olhar.
- Tenho ordens para não dizer nada.
- Diga-me, Janet. Preciso de saber.
- Os únicos que chamei foram os quatro que estão lá dentro.
- Carregue no botão. - Janet obedeceu e Brody disse: - Fala
Brody.
No seu gabinete, Vaughan viu o sinal luminoso apagar-se no
telefone; retirou suavemente o dedo do botão do circuito, ergueu o
auscultador e colocou a mão sobre o bocal. Olhou à sua volta, desafiando com o olhar cada um dos presentes. Nenhum lhe sustentou o
olhar.
- É o Harry, Martin - disse Meadows. - Sei que estás numa
reunião, por isso vou ser breve. Larry Vaughan está enterrado até à
raiz dos cabelos.
- Não acredito.
- Há muito tempo, talvez há uns vinte e cinco anos, antes de
Larry ter dinheiro, a mulher adoeceu. Era um caso grave. E dispendioso. Não tenho presentes os pormenores, mas lembro-me de ele
ter dito depois que um amigo fizera um empréstimo para o ajudar.
Deve ter sido de vários milhares de dólares. Larry revelou-me o
nome do homem. Era Tino Russo.
- Vai direito ao assunto, Harry.
- Estou a ir. Agora salta até ao presente. Há dois meses, antes
de surgir este caso do tubarão, foi criada uma companhia chamada
Cascata Estates. É uma companhia que negoceia em bens imobiliários. A primeira coisa que comprou foi um enorme batatal a norte
da Scotch Road. Quando se percebeu que o Verão ia ser pouco
lucrativo, a Cascata começou a comprar algumas propriedades a
baixo preço. Foi tudo perfeitamente legal. Mas depois, assim que
surgiram as primeiras notícias nos jornais sobre o caso do tubarão, a
Cascata começou a comprar a sério. Quanto mais baixos eram os
preços das propriedades, mais eles compravam, dando como sinal
quantias irnsónas. Era tudo pago com letras promissórias, assinadas
por Larry Vaughan, que figura como presidente da Cascata. O vice-presidente executivo é Tino Russo, a quem o Times há anos vem
chamando o segundo homem na hierarquia de uma das cinco famílias da Máfia em Nova Iorque.
Brody soltou um assobio.
- E Vaughan a lamentar-se que ninguém lhe tem comprado

nada. Mas continuo a não compreender por que motivo o têm pressionado a abrir as praias.
- Não tenho a certeza. Ele pode estar numa situação desesperada. Penso que já se comprometeu a pagar mais do que aquilo que
tem. A única hipótese que tem de se safar sem ficar arruinado é se o
mercado se modificar e os preços subirem. Nessa altura poderá vender o que comprou e realizar lucros. Ou será o Russo quem os
realizará, de acordo com as normas do contrato. Se os preços continuarem a descer, por outras palavras, se as praias continuarem a ser
consideradas oficialmente perigosas, ser-lhe-á impossível pagar as
letras quando estas forem vencidas. Perderá o dinheiro que deu
como sinal, e as propriedades ou voltam para as mãos dos antigos
donos ou são apanhadas pelo Russo, se este conseguir arranjar o
dinheiro. A m´inha impressão é que o Russo ainda espera conseguir
lucros consideráveis, mas só os pode obter se Vaughan conseguir a
reabertura das praias. Tanto quanto posso dizer, o Russo não empatou nem um centavo neste negócio. É tudo...

- És um raio de um aldrabão, Meadows! - gritou Vaughan
através do fio telefónico. - Se publicares uma única palavra do que
disseste, processo-te até à morte! - Ouviu-se um Kclic,? quando
Vaughan pousou violentamente o auscultador.
- É assim a integridade dos homens que elegemos - observou
Meadows.
- Que pensas que eu devo fazer, Harry? Disse-lhes que podiam
dispor do meu lugar antes de vir falar contigo.

- Não te demitas, Martin. Precisamos de ti. Se te demitires,
Russo e Vaughan escolhem o teu sucessor. No teu lugar abria as
praias. Alguma vez vais ter de o fazer. Porque não agora?
- E deixar que essa pandilha recupere o seu dinheiro e desapareça?
- Que mais podes tu fazer? Se as mantiveres encerradas,
Vaughan livra-se de ti e abre-as ele. Depois, não serves de nada
para ninguém. Assim, se abrires as praias e nada acontecer, a cidade terá uma oportunidade. Talvez mais tarde possamos encontrar
uma forma de incriminar o Vaughan.
- Muito bem, Harry, vou pensar nisso - disse Brody. - Mas,
se as abrir, vou fazê-lo à minha maneira.
Quando Brody regressou ao gabinete de Vaughan, este disse:
- A reunião terminou.
- Que quer dizer, terminou? - perguntou Catsoulis. - Não
decidimos nada.
Vaughan replicou:
- Não me cause mais problemas, Tony! Tudo se vai resolver.
Deixem-me só ter uma conversa em particular com o chefe. Está
bem?
Hooper e os quatro vereadores saíram do gabinete. Vaughan
fechou a porta e dirigiu-se para o sofá, no qual se deixou cair pesadamente. Apoiou os cotovelos nos joelhos e esfregou as têmporas
com os dedos. Disse então:

- Juro-te, Martin, se eu fizesse alguma ideia de até onde este
negócio podia chegar, nunca me teria metido nele.
-.Quanto lhe deves?

- A quantia inicial foi de dez mil. Tentei pagá-los, mas nunca
consegui que me descontassem os cheques. Quando vieram ter comigo, há uns meses, ofereci-lhes cem mil dólares ... a pronto. Disseram-me que não chegava. Não queriam
dinheiro. .Queriam fazer
alguns investimentos. Disseram que seria um negócio lucrativo para
todos.
- E quanto empataste até agora?
- Tudo quanto tinha, até ao último cêntimo. Mais do que isso.
Perto de um milhão. - Vaughan inspirou profundamente. - Podes
ajudar-me, Martin?
- A única coisa que posso fazer é pôr-te em contacto com o
promotor distrital. Se revelares o que se passou, talvez possas
acusar esses tipos de usura.
- Matavam-me ao sair do gabinete do promotor distrital e antes
de chegar a casa, e a Eleanor ficava sem nada. Não me referia a
esse tipo de ajuda.
Brody olhou para Vaughan, sentindo uma onda de compaixão;
parecia um animal ferido e acossado. Começou a duvidar da sua
própria decisão de manter as praias encerradas. Até que ponto correspondia ela a uma atitude de autoprotecção, e não de facto a uma
preocupação pela cidade?
- Bem, Larry, vou abrir as praias. Não para te ajudar, porque
tenho a certeza de que, se eu não as abrisse, tu encontravas maneira
de te livrares de mim e de as abrires tu. Abro-as porque deixei de
estar certo de que tenho razão.
- Obrigado, Martin. Fico-te muito grato.
- Ainda não acabei. Como te disse, vou abri-las. Mas vou colocar lá homens. E vou fazer com que o Hooper as patrulhe de
barco. E vou assegurar-me de que todas as pessoas que vão à praia
estejam ao corrente do perigo que correm.
- Não podes fazer isso! - exclamou Vaughan. - Assim era
melhor deixares as praias encerradas. Ninguém vai às praias se elas
estiverem cheias de polícias.
- Posso fazê-lo, Larry, e vou fazê-lo. Não vou fazer de conta
que nada aconteceu.
- Muito bem, Martin. - Vaughan levantou-se. - Não me
deixas grande possibilidade de escolha. Se eu me livrasse de ti,
provavelmente ias para a praia como um cidadão qualquer e começavas a correr de um lado para o outro e a gritar "Tubarão!??. Está
bem. Mas faz isso com subtileza. Se não por mim, pelo menos pela
cidade.
NEsSA tarde, Brody chegou a casa às cinco e dez. Quando meteu
o automóvel no caminho de acesso à casa, a porta das traseiras
abriu-se e Ellen correu para ele. Estivera a chorar e estava ainda
visivelmente? transtornada.
- Ainda bem que chegaste - disse. - Anda cá. Depressa! -- Levou-o até ao telheiro onde guardavam os baldes do lixo. - Olha

ali para dentro - disse, apontando para um dos baldes.
Sobre um saco de lixo, jazia, numa massa informe, o corpo
contorcido do gato de Sean - um felino de grandes dimensões e
robusto chamado ??Frisky". Tinha o pescoço torcido e os olhos amarelos voltados para o dorso.
- Como diabo aconteceu isto? - perguntou Brody. - Foi um
cano?
- Não, no homem. - A respiração de Ellen era entrecortada.

- O Sean estava ali e viu tudo. Um homem parou o cano junto à
casa e saiu. Pegou no gato e torceu-lhe o pescoço. Depois, deixou-o
cair na relva, voltou para o cano e afastou-se.
- Disse alguma coisa?
- Não sei. O Sean está lá dentro. Está histérico, e não admira.
Martin, o que é que se passa?
Brody tapou violentamente o balde do lixo.
- Filho da mãe! - murmurou, de dentes cerrados. - Vamos
para dentro.
Cinco minutos depois, saía pela porta das traseiras. Abriu o balde do lixo e retirou o corpo do gato. Dirigiu-se para o automóvel,
enfiou o animal por uma janela aberta e sentou-se ao volante. Engatou em marcha atrás e arrancou com um chiar de pneus.
Em dois minutos chegara à casa de Vaughan, estilo Tudor, perto
da Scotch Road. Saiu do automóvel, segurando o gato por uma das
patas traseiras, subiu os degraus da frente e tocou à campainha.
Vaughan surgiu à porta.
- Olá, Martin, eu ..
Brody levantou o gato e aproximou-o da cara de Vaughan.
- Explica lá isto, meu pulha! É obra de um dos teus amigos.
Mesmo diante do meu filho. Mataram o gato! Foi por ordem tua?

- Estás doido, Martin. - Vaughan parecia sinceramente chocado. - Eu nunca faria uma coisa dessas. Nunca.
Brody baixou o gato e perguntou:
- Falaste aos teus amigos depois de eu sair?
- Bem... falei. Mas só para dizer que as praias eram abertas
amanhã.

- Foi só isso que disseste?
- Foi. Porquê?
- És um aldrabão! - Brody bateu com o gato no peito de
Vaughan e deixou-o cair no chão. - Sabes o que foi que o tipo
disse, depois de ter estrangulado o gato? Sabes o que ele disse ao
meu filho de oito anos?
- Não, claro que não. Como poderia saber?
- Exactamente o que me tinhas dito: ?Diz ao teu pai que faça
as coisas com subtileza. .. ?,
Brody deu meia volta e desceu os degraus, deixando Vaughan
junto à massa peluda e informe.





SEXTA-FEIRA esteve um dia enevoado, com chuviscos dispersos, e

apenas tomou banho um jovem casal que deu um mergulho rápido
de manhã cedo, exactamente quando o homem enviado por Brody
chegava à praia. Hooper, que patrulhou as águas durante seis horas,
não viu nada. Sexta-feira à noite, Brody ligou para a Guarda Costeira pedindo informações sobre o tempo. Não tinha a certeza do que
desejava ouvir. Deveria desejar uma previsão de bom tempo para o
fim-de-semana, mas intimamente receberia com agrado a notícia de
um vendaval de três dias que mantivesse as praias despovoadas. A
previsão meteorológica era de céu limpo e sol, com vento fraco do
sudoeste. ?Bem", pensou Brody, ?talvez seja melhor assim. Se tivermos um bom fim-de-semana e ninguém for atacado pelo tubarão,
talvez eu me convença de que ele se foi. E o Hooper vai-se embora. ??
Desejava que Hooper regressasse a Woods Hole. Não só pela
intromissão que a sua presença representava, a voz do especialista a
contradizer a sua precaução. Brody sentia que, de qualquer forma,
Hooper se imiscuía no seu lar. Sabia que Ellen falara com Hooper
depois do jantar: o seu filho Martin mencionara a possibilidade de
Hooper os levar numa excursão à praia, em busca de conchas, seguida de um piquenique. Depois, havia aquela história de quarta-feira. Ellen dissera que se sentira
doente, e parecia de facto fatigada
quando ele chegara a casa. Mas onde estivera Hooper nesse dia?
Porque se mostrara tão evasivo quando o interrogara a esse respeito? Pela primeira vez na sua vida de casado Brody tinha dúvidas.
Dirigiu-se ao telefone da cozinha para ligar para a Abelard
Arms, a fim de falar com Hooper. Ellen lavava os pratos do jantar.
Brody viu a lista telefónica no balcão, sob uma pilha de contas e de
livros de histórias. Estendeu a mão para ela, detendo-se em seguida.
- Tenho,de telefonar ao Hooper - disse. - Sabes onde está a
lista?
- O número é o seis cinco quatro três - declarou Ellen.
- Como é que sabes?
- Tenho boa memória para números telefónicos. Tu bem sabes.
Ele sabia-o e amaldiçoou-se por ter tentado um truque tão estúpido. Marcou o número e pediu que lhe ligassem para o quarto de
Hooper.
- Fala Brody - disse quando Hooper atendeu.
- Ah, olá.
- Acho que temos trabalho para amanhã - disse Brody. - A
previsão é de bom tempo.
- Sim, eu sei.
- Bem, então encontramo-nos na doca às nove e meia. Ninguém vai nadar antes dessa hora.
- Combinado. Às nove e meia.
- A propósito - disse Brody -, que tal correu com a Daisy

Wicker?
- O quê?
Brody arrependeu-se de ter formulado a pergunta.
- Foi simples curiosidade. Estava a perguntar se vocês os dois
sempre se entenderam.
- Bem... sim, mas faz parte do seu trabalho investigar a vida
sexual das pessoas?
- Não ligue. Esqueça a pergunta. - Desligou o telefone e voltou-se para Ellen. - Estava para te perguntar. O Martin disse qualquer coisa acerca de um piquenique
na praia..Quando é isso?
- Em qualquer altura - disse ela. - Foi apenas uma ideia.
- Ah! - Fitou-a, mas ela não lhe retribuiu o olhar. - Acho
que é altura de ires dormir.
- Porque dizes isso?
- Não andas a sentir-te bem. E é a segunda vez que lavas esse
copo.

SAsADo ao meio-dia, Brody, no cimo de uma duna sobranceira
à praia de Scotch Road, observava o mar, sentindo-se semiagente
secreto e semilouco. Vestia uma camisa desportiva e calções de

banho. Num saco a seu lado tinha o binóculo, um transmissor portátil, duas cervejas e uma sanduíche. Ao largo, o Flicka movia-se
lentamente em direcção a leste. Brody observou o barco e disse para
consigo mesmo: "Pelo menos hoje sei onde ele está."
As previsões da Guarda Costeira haviam-se concretizado: a atmosfera estava limpa, a temperatura era amena e soprava uma ligeira brisa marítima. A zona da praia
que se estendia à sua frente não
tinha muita gente: alguns casais que dormitavam no areal e cerca de
uma dúzia de adolescentes, dispersos nos seus círculos habituais.
Viu uma família reunida em torno de uma fogueira alimentada a
carvão e chegou-lhe às narinas o cheiro a hamburgers grelhados.
Remexeu o seu saco de praia, de onde retirou o walkie-talkie,
premiu um botão e perguntou:
- Ouves-me, Leonard?
Um momento depois, a resposta chegou pelo altifalante.
- Estou a ouvi-lo, chefe. Passo à escuta. - Hendricks oferecera-se como voluntário para passar o fim-de-semana na praia,
como terceiro vértice do triângulo de observação.
- Passa-se alguma coisa nessa zona da praia? - perguntou
Brody.
- Nada de importante. Mas há por aqui uns tipos da televisão a
entrevistar pessoas. Passo à escuta.
- Há quanto tempo estão aí?
- Quase toda a manhã. Não sei quanto tempo vão ficar, especialmente porque ninguém tem tomado banho. Passo à escuta.
- Desde que não causem nenhum problema...
- Espero que não. Passo à escuta.
- Muito bem. Ouve, Leonard, não precisas de estar sempre a
dizer ??Passo à escuta?,. Eu percebo quando tu acabas de falar.
- É uma questão de método. Mantém a conversa clara. Terminado.
Após uns momentos, Brody premiu novamente o botão e disse:

- Hooper, aqui Brody. Alguma novidade? - Não obteve resposta. - Aqui Brody chamando Hooper. Está a ouvir-me?
Preparava-se para tentar contacto pela terceira vez quando Hooper respondeu.
- Desculpe, mas estava à popa. Pareceu-me ver qualquer coisa.
- O quê?
- Na realidade, não posso descrevê-la. Uma sombra, talvez.
Mais nada.
- Não viu mais nada?
- Absolutamente nada toda a manhã.
- Bom, já chega por agora. Eu depois falo consigo.
- Está bem. Estou perto da praia dentro de um minuto ou dois.
Brody voltou a guardar o walkie-talkie no saco, sentou-se e desembrulhou a sanduíche.
Às duas e trinta a zona da praia que lhe competia vigiar estava
quase deserta. O público fora jogar ténis, velejar ou ao cabeleireiro.
Apenas meia dúzia de jovens permanecia na praia.
Constatando que o sol começava a queimar-lhe as pernas, Brody
cobriu-as com a sua toalha. Sacou do walkie-talkie e chamou Hendricks.
- Alguma novidade, Leonard?
- Nada, chefe. Passo à escuta.
- Está alguém a tomar banho?
- Não. Só há algumas pessoas a molhar os pés. Passo à escuta.
- Aqui também. E que se passa com a gente da TV?
- Foram-se embora há uns minutos..Queriam saber onde estava
o chefe. Passo à escuta.
- Disseste-lhes?
- Claro. Porque não havia de dizer? Passo à escuta.
- Está bem. Eu depois falo contigo. - Brody ergueu-se, enrolou a toalha em torno da cintura para proteger as pernas do sol e, com
o walkie-talkie na mão, dirigiu-se para a água.
Ao ouvir o motor de um automóvel, voltou-se e encaminhou-se
para o topo da duna. Um camião branco, com o letreiro WNBC-TV
NEWS estava parado na Scotch Road. A porta do lado do motorista
abriu-se, dando passagem a um homem que caminhou desajeitadamente sobre a areia em direcção a Brody. Era novo, tinha cabelo
comprido e um bigode de guias caídas.
- Chefe Brody? - perguntou, quando se encontrava apenas a
alguns passos de distância.

- Sou.
- O meu nome é Bob Middleton, do Noticiário do Canal Quatro. Gostava de o entrevistar.
- Sobre quê?
- Sobre toda esta história do tubarão. E sobre as razões que o
levaram a decidir-se a abrir as praias.
Brody pensou: "Que diabo, um pouco de publicidade não pode
prejudicar a cidade, agora que as possibilidades de se verificar algum
acitlente, pelo menos hoje, são muito escassas."
- Está bem - concordou. - Onde?


- Lá em baixo, na praia. Preciso de alguns minutos para preparar o equipamento; quando estivermos prontos, eu chamo-o. -- Regressou ao camião.
Brody aproximou-se da água. Quando passou pelo grupo de adolescentes, ouviu um rapaz dizer:
- Então? Alguém tem coragem? Dez dólares são dez dólares.
Uma jovem disse:
- Então, Limbo, deixa-te disso.
Brody deteve-se, simulando interesse em qualquer coisa no mar.
Outro rapaz disse:
- Se és assim tão corajoso, porque não vais tu?
- Eu sou quem desafia - respondeu o primeiro rapaz. -- Ninguém me vai pagar a mim para ir para a água. Então, que dizem?
Seguiu-se um momento de silêncio, que finalmente outro rapaz
cortou:
- A que distância tenho de ir?
- Deixa ver. Cem metros. Achas bem?
- De acordo. - O rapaz levantou-se.
A jovem interveio:
- Estás doido, Jimmy. Para que queres ir para a água? Tu não
precisas dos dez dólares.
- Julgas que tenho medo?
O rapaz voltou-se e começou a caminhar lentamente para a
água. Brody chamou-o: ??Eh!,?, e o rapaz deteve-se.
Brody dirigiu-se-lhe:
- Que vai fazer?
- Vou nadar.
Brody mostrou-lhe o distintivo:
- Quer ir nadar? - perguntou.
- Claro. E porque não? É legal, não é?
Brody fez um sinal de assentimento. Depois baixou a voz e perguntou:
- Quer que lhe dê ordem para não ir?
O rapaz olhou para além dele, para os amigos. Após um momento de hesitação, sacudiu a cabeça.
- Não, senhor. Fazem-me jeito os dez dólares.
- Não se demore muito - avisou-o Brody.
- Não me demoro. - Correu para a água e começou a nadar.
Brody ouviu passos apressados atrás de si. Bob Middleton passou por ele e chamou o rapaz:
- Eh! Venha cá!
O rapaz parou de nadar e pôs-se em pé.
- Que é que há?
- Queria filmá-lo a entrar na água. Importa-se?
- Absolutamente nada - respondeu o rapaz, começando a dirigir-se para a praia.
Dois homens surgiram ao lado de Brody. Um carregava uma
câmara e um tripé. O outro, que trazia auscultadores nos ouvidos,
transportava uma caixa rectangular revestida de interruptores e botões.
- Aí está bem, Walter - disse Middleton. Retirou do bolso
um livro de apontamentos e começou a fazer perguntas ao rapaz.

O operador de som entregou-lhe um microfone, Middleton olhou
pára a câmara e começou a falar:
- Estamos aqui, na praia de Amity, desde manhã cedo e ainda
ninguém se aventurou a ir para a água, embora não se verifiquem
quaisquer indícios da presença do tubarão. Tenho a meu lado Jim
Prescott, um jovem que acabou de decidir ir tomar banho. Diga-me,
Jim, está preocupado com o que possa estar na água a nadar a seu

lado?
- Não - respondeu o rapaz. - Não creio que esteja lá alguma
coisa.
- Então não tem medo?

- Não.
Middleton estendeu-lhe a mão.

- Então, boa sorte, Jim. E obrigado por nos ter falado.
O rapaz correu para a água e começou a nadar.

- Quanto queres de filme? - perguntou o operador de imagem, que seguia com a câmara o percurso do rapaz.
- Mais ou menos trinta metros - respondeu Middleton. -- Vamos ficar aqui até ele voltar. Fica atento, não vá acontecer alguma coisa.
Brody acostumara-se tanto ao ruído, quase inaudível, do motor
do Flicka que deixara de o consciencializar. Subitamente, porém, o
ruído do motor intensificou-se violentamente. Brody olhou para
além do rapaz que nadava e viu que o barco descrevia uma curva
rápida e apertada, muito diferente das manobras lentas e pausadas
que viera a executar. Levou o walkie-talkie à boca e carregou no
botão.
- Está a ver alguma coisa, Hooper?
O barco afrouxou a velocidade e depois parou.

- Estou - respondeu a voz de Hooper. - Foi outra vez aquela
sombra. Mas já não a vejo. Talvez tenha a vista cansada.
Middleton chamou o operador de imagem.
- Pega nisto, Walter. - Depois aproximou-se de Brody, e perguntou:
- Passa-se alguma coisa, chefe?
- Não sei - respondeu Brody. - Estou a tentar descobrir. -- Falou novamente através do walkie-talkie: - Há um rapaz a nadar.
- Onde? - perguntou Hooper.
Middleton esticou o fio do microfone, colocando-o entre a boca
de Brody e o walkie-talkie. Brody afastou-o com a mão, mas Middleton voltou a colocá-lo rapidamente no lugar.
- A uns trinta ou quarenta metros da praia. Acho que vou dizer-lhe para voltar. - Brody meteu o walkie-talkie na toalha que
tinha à cinta, levou as mãos à boca e chamou:
- Eh, volte para trás!
O rapaz não o ouviu. Estava a nadar, afastando-se progressivamente da praia.
Brody agarrou o walkie-talkie e chamou Hooper.
- Ele não me ouve. Importa-se de vir até cá e de lhe dizer que
venha para a praia?
- Vou com certeza - disse Hooper. - Estou aí dentro de um
minuto.

O seláceo mergulhara agora e deslizava, serpenteando a curta
distância do fundo arenoso, cerca de vinte e cinco metros abaixo do
Flicka. Há horas que o seu sistema sensorial registava o estranho
ruído lá em cima. Não se sentira compelido a atacar a presa que
passava sobre ele nem a afastar-se.

Brody viu o barco, que navegava em direcção a oeste, voltar
rumo à praia, fazendo erguer com a proa um jacto de espuma.
- Apanha o barco, Walter - disse Middleton ao operador de
imagem.
Lá em baixo, o tubarão sentiu uma alteração no ruído, que se
tornou mais intenso para logo se reduzir, à medida que o barco se
afastava. O animal deu uma volta, inclinando-se suavemente, e seguiu o som em direcção à praia.
O rapaz parou de nadar e começou a boiar, contemplando a
praia. Brody agitou os braços e gritou: - Venha! - O rapaz acenou em resposta e recomeçou a nadar. Nadava bem, voltando a
cabeça para respirar, movendo ritmicamente os pés e os braços.
Brody calculou que estaria a uns sessenta metros de distância e que
levaria ainda um minuto para alcançar a praia.
Hooper, que demorou apenas trinta segundos a cobrir as duas
centenas de metros que o separavam do nadador, parou perto da
linha de rebentação, deixando o motor em ponto morto. Não se
atreveu a aproximar-se mais, com receio de ser apanhado pelas ondas.
O rapaz ouviu o motor e ergueu a cabeça.
- Que é que se passa? - perguntou a Hooper.
- Nada - respondeu Hooper. - Continue a nadar.
O rapaz baixou a cabeça e continuou a avançar. Uma onda apanhou-o e impeliu-o para a frente e, com mais duas ou três braçadas,
ele pôde pôr-se em pé.
- Vamos! - gritou Brody.
Middleton falou para o seu microfone:
- Passa-se qualquer coisa, minhas senhoras e meus senhores,
mas não sabemos exactamente o quê. Tudo quanto sabemos ao certo
é que, quando Jim Prescott foi nadar, subitamente, um homem que
estava num barco viu qualquer coisa. E agora o chefe da Polícia,

; ? Jc ? ?? ? . ?.? '





Brody, está a tentar fazer Jim voltar para a praia. Pode tratar-se do
tubarão. Não sabemos.
Hooper pôs o barco em marcha à ré para se afastar da rebentação. Quando olhou para a popa, viu uma sombra prateada que se
movia nas águas azuladas. Durante um segundo não consciencializou o que estava a ver, e imediatamente depois gritou:
- Cuidado!
- O que é? - gritou Brody.
- O tubarão! Tire o rapaz da água! Depressa!
O rapaz ouviu Hooper e tentou correr. Com a água pelo peito,
porém, os seus movimentos eram lentos e difíceis.
Brody correu para a água com a mão estendida. Uma onda atingiu-o nos joelhos e empurrou-o para trás.
Middleton disse ao microfone:
- O homem no barco acaba de dizer qualquer coisa sobre o

tubarão, não sei exactamente o quê.
O rapaz vencia agora mais rapidamente a resistência da água.
Não viu a barbatana erguer-se atrás dele, uma lâmina afiada de um
cinzento-acastanhado.
- Ele está ali, Walter! - gritou Middleton. - Estás a vê-lo?
- Estou a tentar com o zoom - disse o operador. - Sim, já o
tenho.
- Depressa! - gritou Brody. Estendeu a mão para o rapaz,
cujos olhos, apavorados, estavam desmesuradamente abertos. Brody agarrou a mão do rapaz e puxou-o de encontro a si. Depois
segurou-o pelo peito e juntos cambalearam para fora da água.

A barbatana submergiu e, seguindo o declive do fundo do oceano, o seláceo deslizou para as profundezas.
Brody mantinha o braço em torno do rapaz.
- Sente-se bem?
- Quero ir para casa. - O rapaz tremia.
- Aposto que quer.
Middleton apareceu:
- Importa-se de repetir isso para mim?
- Repetir o quê?
- Seja o que for que disse ao rapaz. Podemos repetir a cena?
- Saia da minha frente! - gritou-lhe Brody. Levou o rapaz até
junto dos amigos e disse para o que lhe oferecera dinheiro: - Leve-o para casa. E dê-lhe os seus dez dólares. - O outro assentiu,
pálido e assustado.
Brody viu o seu walkie-talkie a começar a ser lambido pelas
ondas e recuperou-o. Premiu o botão:
- Leonard, estás a ouvir-me?
- Estou, chefe. Passo à escuta.
- O tubarão esteve aqui. Se está alguém na água nessa zona
que saia imediatamente. A praia fica oficialmente encenada.
Quando foi apanhar o seu saco de praia, Middleton chamou-o:
- Eh, chefe, podemos fazer agora a entrevista?
Brody suspirou e voltou ao local onde Middleton se encontrava
com a sua equipa.
- Muito bem - disse. - Comece.
- Bem, chefe Brody - começou Middleton -, não há dúvida
de que foi um golpe de sorte, não acha?
- Foi muita sorte. O rapaz podia ter morrido.
- Então e agora, que vai suceder?
- As praias ficam encenadas. De momento, é tudo quanto posso fazer.
- Parece que continua a ser perigoso nadar em Amity.
- Sim, tenho de concordar consigo.
- E que significa esta situação para Amity?

- Problemas, Mr. Middleton. Sérios problemas.
- Chefe, como se sente por ter aberto as praias?
- Como me sinto? Que espécie de pergunta é essa? Zangado,
aborrecido, confuso. Agradecido por ninguém ter ficado ferido.
Acha que chega?
- Acho que sim, chefe - respondeu Middleton com um sorriso. - E obrigado, chefe Brody. - Fez uma pausa e depois disse:
- E agora, Walter, arruma tudo. Vamos regressar e começar a
preparar isto.

Às seis horas, Brody estava sentado no seu gabinete, com Hooper e Meadows. Já falara com Lany Vaughan, que lhe telefonara. -- embriagado e choroso, lamentando-se
pela ruína da sua vida. O intercomunicador de Brody soou e este ergueu o telefone.
- Está aqui um tipo chamado Bill Whitman que lhe quer falar,
chefe - disse Bixby. - Diz que é do New York Times.
- Oh, não... Bem, manda-o entrar.
A porta abriu-se e Whitman deteve-se no limiar.
- Venho interromper alguma coisa?
- Nada de especial - respondeu Brody. - Em que posso servi-lo?
- Gostaria de saber - respondeu Whitman - se o senhor tem
a certeza de que este é o mesmo tubarão que matou as outras pessoas...
Brody fez um gesto em direcção a Hooper, que respondeu:
- Não posso garantir. Mas é muito provável que se trate do
mesmo tubarão. Seria muito improvável, pelo menos em minha
opinião, que se verificasse a coincidência de dois tubarões-brancos
se encontrarem simultaneamente ao largo da costa meridional de
Long Island.
Whitman dirigiu-se a Brody:
- Que vai fazer, chefe? Quero eu dizer, além de encenar as
praias?
- Terei muito gosto em aceitar qualquer sugestão. Pessoalmente, acho que teremos muita sorte se ainda tivermos cidade depois
deste Verão.
- Não está a exagerar um pouco?
- Não me parece que esteja. Que te parece, Harry?
- Estou de acordo - respondeu Meadows. - De qualquer
forma, e é o mínimo que nos pode suceder, o próximo Inverno será
o pior da nossa história.
- Continuo a não perceber porque não pode o tubarão ser apanhado - observou Whitman.
- Talvez possa ser - replicou Hooper. - Mas não creio que
por nós. Pelo Menos, não com o equipamento que aqui temos.
- Sabem alguma coisa de um tipo chamado Quint? - perguntou Whitman.
- Já ouvi o nome - admitiu Brody. - Chegaste a saber do
tipo, Harry?
- Li o pouco que havia sobre ele. Tanto quanto sei, nunca fez
nada ilegal.
- Bem - disse Brody -, talvez valha a pena falar-lhe.
- Está a brincar - objectou Hooper. - Pensa mesmo contratá-lo?
- Tem alguma ideia melhor? - Brody pegou na lista telefónica e abriu-a na letra Q. Percorreu a página com o dedo.

- Cá está. Quint. É tudo quanto diz. Não tem nome próprio.
Mas é o único que há. Deve ser ele. - Discou o número.
- Quint - atendeu uma voz.
- Mr. Quint, fala Martin Brody, chefe da Polícia de Amity.
Temos um problema.
- Ouvi falar disso. Pensei que me telefonasse.
- Pode ajudar-nos?
- Isso depende.
- De quê?
- Em primeiro lugar, de quanto está disposto a pagar.
- Pagamos a sua tabela diária habitual.
- Não estou de acordo - retrucou Quint. - Considero este

trabalho especial.
- .Que quer isso dizer?
- A minha tabela habitual são duzentos. Mas acho que o senhor tem de me pagar o dobro.
- De maneira nenhuma.
- Então passe bem.
- Espere! Oiça. Qual o motivo desse preço exorbitante?
- O senhor não tem outra porta a que bater.
- Há outros pescadores.
Brody ouviu Quint rir - um riso curto, irónico, casquinado.
- É claro que há - disse Quint. - O senhor já mandou um
para o mar. Mande outro. Mande mais meia dúzia. Depois, quando
vier ter comigo outra vez, talvez pague mesmo o triplo. Eu não
perco nada em esperar.

- Não lhe estou a pedir nenhum favor - disse Brody. - Mas
não pode pelo menos tratar-me como trata os seus clientes habituais?
- Quebra-me o coração - troçou Quint. - O senhor tem um
tubarão que precisa de ser morto. Eu vou tentar matá-lo. Não garanto nada, mas farei o meu melhor. E o meu melhor vale quatrocentos
dólares por dia.
Brody suspirou.
- Não sei se a vereação me dará o dinheiro.
- O senhor arranja-o em qualquer outro sítio.
Brody fez uma pausa.
- Está bem - concordou. - Pode começar amanhã?
- Não. Só segunda-feira. Amanhã tenho o barco alugado a um
grupo.
- Não pode cancelar isso? - perguntou Brody.
- Não. São meus clientes habituais. O senhor só representa um
negócio. E há mais uma coisa - acrescentou Quint. - Vou precisar de um homem para ir comigo. O meu ajudante despediu-se, e eu
não gostaria de defrontar um animal tão grande sem mais um par de
mãos a bordo.
- Porque é que o seu ajudante se despediu?
- Nervos. Acontece à maior parte das pessoas, depois de algum tempo neste trabalho.
- Mas não lhe acontece a si...
- Não. Eu sei que sou mais esperto que os peixes.
- E isso chega, ser mais esperto?
- Até agora tem chegado. Continuo vivo. Então? Arranja-se
um homem?
- Quem é que vai levar amanhã?
- Um rapaz. Mas não o levo atrás de um tubarão-branco.
Brody disse com naturalidade:
- Vou eu. - E assustou-se com as próprias palavras apenas as
pronunciou.
- O senhor? Ah, ah!
Brody irritou-se.
- Eu sei cuidar de mim - disse.
- Talvez. Mas continuo a precisar de um homem que saiba
alguma coisa de pesca. Ou, pelo menos, de barcos.
Brody olhou para Hooper, sentado do lado oposto da sua secretária. A última coisa que desejava era passar dias num barco com

Hooper, particularmente numa situação em que Hooper o superaria
em conhecimentos, se não em autoridade. Podia mandar apenas
Hooper e ficar em terra. Mas isso seria como admitir a sua impotência para vencer o estranho inimigo que declarara guerra à sua cidade.
Por outro lado, era possível que, no decurso de um longo dia
num barco, Hooper se descuidasse e dissesse algo que revelasse o
que fizera na passada quarta-feira. Brody começava a ficar obcecado pela ideia de descobrir o que fizera Hooper nesse dia de chuva.
Necessitava de saber que Hooper não estivera com Ellen.
Colocou a mão sobre o bocal e disse para Hooper:
- Quer vir também? Ele precisa de um ajudante.
- Está bem - respondeu Hooper. - Provavelmente, vou arrepender-me toda a minha vida mas quero ver esse tubarão e acho
que é a minha única oportunidade.
Brody disse para Quint:
- Muito bem, já tenho o seu homem.
- Ele sabe de barcos?
- Sim, sabe de barcos.
- Segunda-feira de manhã, às seis horas. Sabe como chegar
aqui?
- Pela Estrada 27 e depois pela Cranberry Hole Road, é assim

- É. Cerca de cem metros depois das últimas casas, vire à
esquerda, por uma estrada de terra. Vai dar direito à minha doca.xx O
meu barco é o único que lá está. Chama-se Orca.
- Muito bem. Até segunda-feira.
- Mais uma coisa - disse Quint. - Pagamento a dinheiro em
cada dia. E adiantado.

- Está bem - assentiu Brody. - Tê-lo-á. - Desligou e disse
para Hooper: - Segunda-feira, às seis horas, está bem?
- OK. Qual é o nome do barco?
- Acho que ele disse Orca - respondeu Brody. - Não sei o
que quer dizer.
- Não quer dizer nada. É uma coisa. Um roaz-de-bandeira, a
que vulgarmente se chama baleia assassina.
Meadows, Hooper e Whitman ergueram-se para sair. À porta,
Hooper voltou-se e disse:
- A propósito de orca, lembro-me de uma coisa. Sabe como
chamam os Australianos aos tubarões-brancos?
- Não - respondeu Brody desinteressadamente. - Como é?
- A morte branca.
- Tinha de mo dizer, não era? - observou Brody, enquanto
fechava a porta depois de eles saírem.

TERCEIRA PARTE


8
,s
O mar estava calmo como gelatina. Nem um
sopro de vento encrespava a superfície das
águas. O barco encontrava-se parado no mar,

balouçando imperceptivelmente com a tnaré. De duas canas de pesca presas à popa pendiam fios metálicos com isca artificial, no rasto
oleoso que se espalhava para oeste atrás do barco. Hooper, sentado
à popa, tendo a seu lado uma lata de lixo de cem litros, mergulhava
a intervalos de alguns segundos uma concha na lata e lançava engodo pela borda fora, para a mancha oleosa.
A proa, em duas filas que se uniam na extremidade, havia dez
barris de madeira vermelhos, em torno de cada um dos quais se
enrolava um cabo de cânhamo de quase dois centímetros de grossura, procedente de uma bobina de trinta metros que se encontrava por
detrás do barril. Amarrada à extremidade de cada cabo, encontrava-se a cabeça de aço inoxidável de um arpão em forma de dardo.
Brody, lutando contra o sono, estava sentado na cadeira giratória de pesca, aparafusada ao convés. Tinha calor e sentia-se pegajoso. Estava sentado havia seis
horas, e o sol queimava-lhe a parte de
trás do pescoço.
Olhou para a figura que se encontrava na ponte: .Quint. Usava
uma T-shirt branca, blue jeans desbotados, meias brancas e um par
de alpargatas ruças. Brody calculou que. -- Quint rondaria os cinquenta
anos. Media mais de um metro e noventa e era extremamente magro
- pesava talvez entre sessenta e cinco e setenta quilos. .Quando o
sol queimava, como naquele momento, protegia-se com um boné do
uniforme do Corpo de Marinheiros. O seu rosto, onde sobressaía
um nariz longo e recto, era, como o resto do seu corpo, duro e
anguloso. Quando, da ponte, olhava para baixo, parecia apontar os
olhos - os olhos mais escuros que Brody jamais vira -, tomando
o nariz por ponto de mira, como se este fosse o cano de uma espingarda. Tinha a pele permanentemente bronzeada e crestada pelo
vento, pelo sol e pelo sal. Olhava para a popa, raramente pestanejando, de olhos fixos na mancha oleosa.
Brody tentou também fitá-la, mas o reflexo do sol na água feriu-lhe os olhos, obrigando-o a desviar a vista.
- Não sei como é que você aguenta, Quint - disse. - Nunca
usa óculos de sol?
- Nunca. - O tom de. Quint não convidava à conversa.
Brody consultou o relógio. Passava das duas; faltavam ainda três
ou quatro horas antes de darem a tarefa por terminada e recolherem
a casa.
- Tem muitos dias como este, assim sentado sem que aconteça
nada?
- Alguns.
- E as pessoas pagam-lhe mesmo quando não pesca nada?
Quint fez um sinal de assentimento.
- Isso não acontece muitas vezes. Geralmente, há sempre alguma coisa que morde a isca. - Calou-se. - Neste momento, está
alguma coisa a morder uma.


Brody e Hooper observaram a linha da cana de estibordo, que
começava a deslizar pela borda fora com um ligeiro assobio metálico.

- Segure na cana - disse Quint a Brody. - E quando eu lhe
disser, solte a embraiagem e dê-lhe um puxão.
- É o tubarão? - perguntou Brody. Ante a possibilidade de,
finalmente, ir defrontar a fera, o monstro, o pesadelo, o seu coração
batia fortemente. Limpou as mãos às calças, retirou a cana do suporte da popa e enfiou-a na cadeira giratória, entre as suas pernas.
Quint soltou uma gargalhada breve.
- Isto? Não. É só um pequeno peixe. Dá-lhe alguma prática
para quando o seu tubarão nos encontrar. - Olhou a Imha durante
alguns segundos e depois disse: - Agora!
Brody apertou a embraiagem no carreto e puxou para trás a
cana, que vergou, formando um arco. Começou a fazer girar a manivela para enrolar a linha, mas esta continuava a correr.
- Não desperdice energias - aconselhou Quint.
Brody agarrou a cana com ambas as mãos. O peixe mergulhara
profundamente e movia-se com lentidão de um lado para o outro,
mas já não puxava a linha. Brody accionou rapidamente a manivela,
enrolando a linha solta, e depois inclinou-se para trás para a puxar.
- Que diabo terei aqui? - perguntou.
- Uma guelha - respondeu Quint.
- Deve pesar meia tonelada.
Quint riu.
- Talvez uns setenta quilos.

Brody continuou a puxar a linha até que, finalmente, Quint
disse:
- Está próximo. Aguente.
Brody deixou de enrolar a linha no carreto.
Com movimentos harmoniosos, sem pressas, Quint desceu a
escada da ponte, empunhando uma velha espingarda Ml do Exército. Encostou-se à amurada e olhou para baixo.
- Quer vê-la? - perguntou. - Venha cá.
Na água escura, o seláceo parecia azul. O seu corpo esguio,
provido de longas barbatanas peitorais, teria cerca de dois metros e
meio de comprimento. Nadava lentamente de um lado para o outro,
já sem oferecer resistência.
- É bonita, não é? - perguntou Hooper.
Quint destravou a arma e, quando o animal chegou a poucos
centímetros da superfície, disparou três tiros, numa sequência rápida. As balas abriram orifícios circulares na cabeça do seláceo, sem
provocarem qualquer derramamento de sangue. O animal estremeceu e ficou imóvel.
- Está morta - disse Brody.
- Talvez esteja só atordoada, mas é suficiente - redarguiu
Quint. Retirou a luva de um dos seus bolsos, calçou-a e agarrou a
linha. Depois sacou de uma faca que levava à cintura, ergueu a
maior parte do seláceo fora de água e, com um gesto único e rápido,

abriu-lhe o ventre. Em seguida cortou o fio metálico com um alicate
e o animal deslizou pela borda fora.
- Agora vejam - disse Quint. - Se tivermos sorte, dentro de
minutos aparecem outras guelhas e vamos assistir a um verdadeiro
banquete. É um autêntico espectáculo. Costuma ser apreciado.
Brody viu uma sombra azulada surgir das profundezas. Uma
pequena guelha - que não mediria mais de um metro e vinte de
comprimento - atirou-se ao corpo do seláceo esventrado. Cerrou as
mandíbulas sobre um pedaço de carne e agitou convulsivamente a
cabeça para o arrancar. Em breve os predadores se sucederam e a
água começou a turvar-se. As barbatanas cruzavam a superfície, as
caudas fustigavam a água. Por entre o ruído das pancadas, ouvia-se
ocasionalmente um ronco quando os seláceos chocavam entre si.
O frenesim prolongou-se por vários minutos, até que apenas restaram três guelhas de grande envergadura, deslizando de um lado
para o outro sob a superfície.
- Meu Deus! - exclamou Hoopei.
- Você não aprova - observou Quint.
- Não gosto de ver nada a morrer para divertimento das pessoas. Você gosta?
- Não é uma questão de gostar ou não gostar - respondeu
Quint. - É o que me permite ganhar a vida. - Estendeu a mão
para uma geieira, da qual retirou um anzol com isca e outro fio
metálico que, com a ajuda de um alicate, apertou em torno da extremidade da linha, lançando depois a isca pela borda fora.
Hooper retomou a sua rotina de lançar isca à água.
- Alguém quer uma cerveja? - perguntou Brody. Tanto. -- Quint
como Hooper assentiram, e ele levantou-se e desceu à cabina, onde
retirou três latas do frigorífico. Quando saía, notou duas fotografias
velhas, rasgadas e enrugadas, presas com percevejos à antepara.
Uma delas reproduzia Quint de pé, mergulhado até à cintura numa
pilha de peixes estranhos, de grandes dimensões. A outra era uma
fotografia de um tubarão morto numa praia. Como nada na fotografia fornecia um termo de comparação, Brody não pôde calcular o
seu tamanho.
O chefe da Polícia saiu da cabina, deu as cervejas aos outros e
sentou-se na cadeira.

- Estive a ver as suas fotografias, lá em baixo - disse para
Quint. - Que peixes são aqueles de que está rodeado?
- Peixes-prata - respondeu Quint. - Foi há bastante tempo,
na Florida. Nunca vi nada semelhante. Em quatro noites de pescaria
devemos ter apanhado uns trinta ou quarenta peixes-prata de grandes dimensões.
- E você ficou com eles? - perguntou Hooper. - É um peixe
que se deve devolver ao mar.
- Os clientes queriam-nos. Para fotografias, suponho. Além
disso, cortados aos pedaços, não são uma isca má de todo.
- Você está a dizer que são mais úteis mortos do que vivos...

- Evidentemente. Como a maioria dos peixes. E uma grande
quantidade de outros animais. Eu nunca tentei comer um boi vivo.
- Quint soltou uma gargalhada.
- E a outra fotografia? - perguntou Brody. - É só um tubarão?
- Bem, não é só um tubarão. Era um tubarão-branco, com cerca de quatro metros e meio. Pesava mais de mil e quinhentos quilos.
- Como é que o apanhou?
- Espetei-lhe um arpão. Mas digo-lhe - e. Quint riu -, durante
algum tempo a questão foi saber-se qual de nós apanharia o outro.
- Que quer dizer?

- O diabo do tubarão atacou o barco. Sem provocação, sem
nada. O meu ajudante, o meu cliente e eu estávamos aqui sentados,
sem incomodar ninguém, quando de repente, pumba!, senti como se
tivéssemos sido atingidos por um comboio de mercadorias. O meu
ajudante caiu e o nosso cliente começou a gritar como um doido que
nos estávamos a afundar. Depois, o filho da mãe deu-nos outra pancada e eu enfiei-lhe um arpão e perseguimo-lo... Devemos tê-lo
perseguido por quase metade do Atlântico.
- Porque é que ele não fugiu para o fundo do mar? - perguntou Brody.
- Não podia. Com aquele barril atrás dele não podia. Os barris
flutuam. Ele arrastou-o debaixo de água durante algum tempo, mas
não tardou a começar a ficar cansado e veio à superfície. Por isso,
continuámos a seguir o barril. Ao fim de duas horas espetámos-lhe
mais dois arpões, e ele finalmente emergiu, já sem oferecer resistência. Lançámos-lhe um cabo à volta da cauda e rebocámo-lo para
a praia.
- Você não tentaria apanhar o animal que estamos a perseguir
com um anzol e uma linha, pois não? - perguntou Brody.
- Não, c'os diabos. Por aquilo que ouvi dizer, o tubarão que
tem andado a estragar-lhes a vida faz parecer uma cria aquele que
nós apanhámos.
- Então, para que tem as linhas de fora?
- Por duas razões. Primeiro, um tubarão-branco também pode
apanhar uma isca pequena como aquela. Cortaria o fio num instante, mas pelo menos ficávamos a saber que ele estava próximo. A
outra razão é que podemos encontrar qualquer outro animal que
morda a isca. Se está a pagar quatrocentos dólares, pode ao menos
divertir-se um pouco com esse dinheiro.
- E supondo que o tubarão-branco aparece - disse Brody -,
que faria em primeiro lugar?
- Tentar mantê-lo suficientemente interessado, de forma que
ele se conservasse próximo até podermos lançar-lhe arpões. E essa
tentativa é que vai causar-nos problemas. A isca não é suficiente
para o manter interessado. Um animal com essas dimensões traga a
isca num ápice, sem sequer se aperceber de que a comeu. Por isso,
temos de lhe dar alguma coisa especial que ele não possa desprezar,
uma coisa com um bom anzol, que o retenha pelo menos até o
podermos atingir uma ou duas vezes.
Da popa, Hooper perguntou:
- A que chama uma coisa especial, Quint?

Quint apontou para uma lata de lixo, de plástico verde, que se
encontrava a um canto, a meio do barco.
- Veja você mesmo. Está nessa lata.
Hooper dirigiu-se à lata, soltou os grampos metálicos e ergueu a
tampa. Ficou boquiaberto ante o que viu. Flutuando na lata cheia de
água, encontrava-se um diminuto golfinho, cujo comprimento não
ultrapassava os sessenta centímetros. Saindo de um orifício aberto
na parte inferior da mandíbula, via-se a extremidade de um enorme
anzol para tubarões cuja ponta afilada se curvava através de um furo
no abdómen. Hooper agarrou a lata e exclamou:
- Uma cria.
- Melhor do que isso - disse Quint com um sorriso. - Por
nascer. Tirei-a da barriga da mãe.
Hooper olhou outra vez para a lata, fechou-a violentamente e
perguntou:
- Onde foi que apanhou a mãe?
- Oh, acho que a cerca de seis milhas daqui, para leste. Porquê?
- Você matou-a.

- Não. - Quint soltou uma gargalhada. - Ela saltou para o
barco e engoliu uma quantidade de comprimidos para adormecer...
- Fez uma pausa, à espera de risos, prosseguindo, quando constatou que não se verificavam: - É claro que a matei. Não estão à
venda, não sei se sabe.
Hooper olhou para Quint, furioso e indignado.
- Sabe que os golfinhos estão protegidos pela lei.
-.Qual é o seu trabalho, Hooper?
- Sou ictiólogo. Estudo peixes. Por isso estou aqui.
- Muito bem, você estuda peixes para ganhar a vida. Se tivesse
de trabalhar para ganhar a vida, refiro-me àquela espécie de trabalho em que a quantidade de dinheiro que se ganha depende da quantidade de suor que ele exige, saberia
mais sobre as leis que têm
verdadeiro significado. Essa lei não foi criada para impedir Quint de
apanhar um ou dois golfinhos para servir de isco. Foi feita para
impedir as grandes pescarias desportivas, para impedir idiotas de os
abaterem a tiro por desporto. Por isso, pode lamentar-se o que quiser, Hooper, mas não venha dizer ao Quint que ele não pode apanhar alguns peixes que o ajudem a
ganhar a vida.
- Compreendo o seu ponto de vista - disse Hooper. - Apanhar enquanto puder e, se após algum tempo nada mais restar, bem,
começar a apanhar qualquer outra coisa. E tão estúpido!

- Não exagere, rapaz - disse Quint numa voz seca, sem inflexões, enquanto fixava Hooper nos olhos. - É melhor não me chamar estúpido.
- Eu não quis dizer isso, por amor de Deus. Só queria dizer...
Do seu assento elevado, entre os dois homens, Brody decidiu
ser tempo de pôr termo à discussão.
- Vamos acabar com isso, Hooper, está bem? Não viemos para

aqui para um debate sobre ecologia.
- Que é que você sabe de ecologia, Brody? - replicou Hooper. - Aposto que tudo quanto significa para si é dizer que não se
pode queimar folhas no quintal da própria casa.
- Oiça, com mil diabos! Estamos aqui para impedir um animal
de matar pessoas, e se o uso de um golfinho nos ajudar a salvar sabe
Deus quantas vidas, parece-me uma boa troca.
Hooper teve um sorriso sardónico e disse para Brody:
- Então você agora é um especialista em salvar vidas? Vejamos: quantas vidas podiam ter sido salvas se você tivesse fechado as
praias depois de...?
Brody ergueu-se e avançou para Hooper, antes de conscientemente perceber sequer que se levantara.
- Cale já a boca! - gritou. Depois interrompeu-se abruptamente.
Uma gargalhada rápida e cortante de Quint quebrou a tensão.
- Estava a ver que isto ia acontecer desde que vocês entraram a
bordo esta manhã - disse ele.

O segundo dia de pesca foi tão calmo como o primeiro. O barco
flutuava, imóvel, na superfície espelhada como uma chávena de
papel numa poça de água.
Brody trouxera um livro para passar o tempo, um conto de mistério e sexo que Hendricks lhe emprestara. Preferia não preencher o
tempo com conversas, que poderiam levar à repetição da cena da
véspera com Hooper. Ficara embaraçado - e Hooper também, segundo lhe parecia. Hoje raramente falavam um com o outro, dirigindo ambos a Quint a maior parte dos seus
comentários.
Ao meio-dia, as linhas já estavam na zona gordurosa do engodo
havia mais de quatro horas. .Quando acabaram de almoçar - sanduíches e cerveja -, Quint carregou a sua arma. Durante a hora
seguinte, permaneceram sentados em silêncio - Brody dormitando
na sua cadeira, com um chapéu a proteger-lhe a cara; Hooper à
popa, lançando engodo à água e sacudindo de vez em quando a
cabeça para afastar o sono, e .Quint na ponte, com o seu boné do
Corpo de Marinheiros puxado para trás e o olhar fixo na mancha
gordurosa. ,
Subitamente, . Quint disse em voz baixa:
- Temos uma visita.
Brody despertou bruscamente. Hooper ergueu-se. A linha a estibordo corria suave e rapidamente.
- Pegue na cana - ordenou. -- Quint. Retirou o boné e deixou-se
cair no banco.
Brody pegou na cana, enfiou-a no suporte giratório e segurou-a.
- Quando eu lhe disser - recomendou Quint -, solte a embraiagem e puxe. - A linha parou de correr. - Espere. Ele está a
voltar-se, já vai recomeçar. - Mas a linha ficou caída na água,
solta e imóvel. Após alguns segundos, Quint disse: - Enrole-a.

A linha surgiu da água, ficando suspensa na extremidade da
cana. Não trazia isca, anzol nem chumbo. O fio metálico fora cortado..Quint desceu da ponte e veio observá-lo.
- Parece-me que acabámos de encontrar o nosso amigo - disse. - O fio metálico foi cortado a dente. O animal, provavelmente,
nem sequer sabia que o tinha na boca. Limitou-se a tragar a isca e a

fechar a boca.
- Então que fazemos agora? - perguntou Brody.
- Vamos esperar até ver se ele come outra isca ou se vem à
superfície.
- E porque não utilizamos o golfinho?
-.Quando tiver a certeza de que é o tubarão - explicou. -- Quint

-, dou-lhe o golfinho. Não quero desperdiçar uma isca de valor em
qualquer animal pequeno.
Esperaram. O único ruído era o som provocado pela queda da
isca que Hooper lançava pela borda. Depois, a linha a bombordo
começou a correr.
Brody sentiu-se a um tempo excitado e receoso; infundia-lhe
respeito pensar que sob eles nadava um ser cuja força ele não conseguia imaginar. Hooper, de pé junto à amurada, olhava fixamente
a linha que corria.
A determinada altura, a linha parou e ficou solta.
- Fez o mesmo - disse Quint. Retirou a cana do suporte e
começou a enrolar a linha no carreto. A extremidade cortada chegou
a bordo exactamente nas mesmas condições da primeira. - Vamos
dar-lhe mais uma oportunidade - acrescentou .Quint. - Vou pôr
um fio mais forte no anzol, embora não seja isso que o vai deter, se

for o animal que suponho. - De uma gaveta sob o assento retirou
uma corrente de dois metros com um centímetro de grossura.
- Parece a corrente de um cão - observou Brody.
- Era - confirmou Quint.
- E se não resultar, que vai fazer?
- Ainda não sei. Podia pegar num anzol de dez centímetros
com um pedaço de engodo e deitá-lo pela borda fora. Mas, se ele o
agarrasse, não sabia que fazer com ele. Arrancava-me todos os
cunhos que tenho a bordo. - Quint lançou o anzol com a isca para
o mar e soltou alguns metros de linha. - Vá, aparece, filho da mãe
- disse -, deixa a gente ver-te.
Os três homens ficaram a olhar a linha a bombordo. Hooper
inclinou-se, encheu a sua concha de engodo e lançou-a ao mar.
Algo lhe despertou a atenção e fê-lo voltar-se para a esquerda. O
que viu arrancou-lhe um grito. Os outros voltaram-se para olhar.
- Meu Deus - exclamou Brody.
O focinho cónico do tubarão, que emergia da água cerca de
meio metro, assomava a uma distância da popa que não excederia
os três metros, ligeiramente a estibordo. A parte superior da cabeça,
onde se destacavam dois olhos negros, era de um cinzento-escuro.
A boca, não obstante estar apenas entreaberta, parecia uma caverna
tenebrosa guardada por enormes dentes triangulares.
O seláceo e os homens confrontaram-se durante talvez uns dez
segundos. Depois, Quint gritou:

- Arranjem um arpão.
E obedecendo à sua própria ordem, precipitou-se para um arpão.
Nesse momento, o animal recuou silenciosamente até submergir. A
cauda longa e cortante agitou-se uma única vez e o tubarão desapareceu.
- Foi-se - disse Brody.
- Fantástico! - exclamou Hooper - Este tubarão é exactamente o que eu pensava. E ainda mais! É fantástico! Aquela cabeça
deve ter pelo menos um metro e meio de diâmetro.
- Pode ser - disse Quint, dirigindo-se para a popa a fim de lá
depositar duas ponteiras de arpão e dois barris com cabos.
- Alguma vez viu um exemplar destes, Quint? - perguntou
Hooper.
- Não exactamente igual - respondeu Quint.
- Que comprimento lhe parece que tenha?
- Seis metros. Talvez mais. Com esses tubarões não faz grande
diferença. Quando ultrapassam os dois metros, já são de temer.
- Espero que ele volte - disse Hooper.
Brody sentiu um arrepio.
- Parecia estar a rir - disse.

- Não façam dele mais do que é - recomendou. Quint. - Não
passa de um recipiente de lixo desprovido de cérebro.
- Como pode dizer uma coisa dessas? - protestou Hooper. --Aquele animal é uma maravilha. É o género de coisa que faz com
que se acredite em Deus.
Um ruído nas suas costas fê-lo voltar-se. Cortando a água, a
cerca de dez metros de distância, assomava a barbatana dorsal
triangular, com mais de trinta centímetros de altura, seguida por
uma cauda gigantesca que golpeava cadenciadamente o mar, à esquerda e à direita.
- Vai atacar o barco! - gritou Brody, encolhendo-se instintivamente no assento da cadeira giratória.
- Dê-me esse arpão - ordenou. -- Quint.
O seláceo quase alcançara o barco. Ergueu a cabeça, fitou em
Hooper um olhar ausente com um dos seus olhos negros e passou
sob a embarcação..Quint ergueu o arpão e voltou-se para bombordo.
A haste, porém, bateu na cadeira e a ponteira soltou-se e caiu no
convés.
- Maldição! - gritou Quint. - Ele ainda aí está? - Baixou-se, agarrou a ponteira e voltou a colocá-la na extremidade da
haste do arpão.
- Do seu lado! - gritou Hooper. - Já passou deste lado.
Quint voltou-se no momento em que o perfil cinzento-acastanhado do tubarão se afastava e começava a mergulhar. Largou o
arpão, agarrou a espingarda e esvaziou o carregador na água, atrás
do animal.
- Filho da mãe! - gritou. - Para a próxima vez, avisa. -- Depois pousou a espingarda e soltou uma gargalhada. - Pelo menos não atacou o barco - disse. E olhou
para Brody. - Pregou-lhe
um pequeno susto.
- Mais do que pequeno - rectificou Brody. Sacudiu a cabeça
como que para reordenar as ideias. - Ainda não consigo acreditar
nos meus olhos. - Na sua mente atropelavam-se as imagens: a de

um perfil em forma de torpedo a erguer-se na escuridão e a despedaçar Christine Watkins; a da criança no colchão de borracha, sem
de nada saber ou suspeitar, até ser subitamente apanhada por um
monstro de pesadelo. - Acha que ele vai voltar?
- Não sei - respondeu .Quint. - Nunca se sabe o que vão

fazer. - Retirou de um bolso um bloco-notas e um lápis. Estendeu
o braço esquerdo e apontou-o em direcção à praia. Depois fechou o
olho direito e tomou como ponto de mira o dedo indicador da mão
esquerda, após o que garatujou qualquer coisa no bloco. Seguidamente, deslocou a mão alguns centímetros para a esquerda, voltou a
fazer mira e tomou outro apontamento. Antecipando-se à pergunta
que Brody se preparava para lhe formular, explicou:
- Estou a marcar a nossa posição para, no caso de ele não
voltar a aparecer hoje, saber para onde hei-de vir amanhã.
Brody olhou para a praia.
- Quais são os seus pontos de referência?
- De um lado o farol e do outro o depósito de água da cidade.
O seu alinhamento é diferente consoante o ponto em que se está.
Hooper sorriu.
- Você pensa realmente que ele vai ficar neste lugar?
- Do que não restam dúvidas é que ele tem ficado junto de
Amity - disse Brody.
- Porque arranjou alimento - replicou Hooper. Não obstante
a sua voz não reflectir ironia ou sarcasmo, a observação foi como
que uma agulha espetada no cérebro de Brody.
Esperaram, mas o tubarão não voltou. Pouco depois das cinco
horas, ?uint disse:
melhor regressarmos.
- Não acha que devemos passar aqui a noite, para manter a
mancha de engodo? - perguntou Brody.
Quint reflectiu durante uns momentos.
- Não. Primeiro, a mancha amanhã estaria grande e confusa, o
que nos prejudicaria. Segundo, eu gosto de recolher o barco à noite.
- Não o posso censurar por isso - disse Brody. - A sua
mulher também deve preferir assim.
Quint observou, com simplicidade:
- Não tenho mulher.
- Oh, desculpe.
- Não tem de pedir desculpa. Nunca senti necessidade de uma.
- Quint voltou-se e subiu a escada para a ponte.

ELLEN estava a preparar o jantar dos filhos quando a campainha
da porta tocou. Ouviu abrir-se a porta, a seguir a voz de Billy e,
momentos depois, Larry Vaughan surgiu à porta da cozinha. Não
obstante não haverem decorrido ainda duas semanas desde a última
vez que o vira, a alteração que a sua aparência sofrera era surpreendente. Como sempre, vestia de forma impecável, mas emagrecera, e
a perda de peso notava-se-lhe no rosto. A pele, de um tom acinzentado, pareci? encovar-se sob os pómulos.
Consciencializando que o fixava surpreendida, Ellen baixou os
olhos, confusa, e saudou-o:
- Olá, Lany.
- Olá, Ellen. Vim despedir-me.

- Vais-te embora? - perguntou Ellen. - Por quanto tempo?
- Talvez para sempre. Já nada me resta aqui.
- Então o teu negócio?
- Foi-se. Ou irá em breve. O pouco que resta pertencerá aos
meus... sócios. - Pronunciou com dificuldade a palavra e depois
perguntou: - O Martin contou-te?
- Contou. - Ellen olhou para o frango que tinha ao lume.
- Calculo que não terás muito boa opinião a meu respeito.
- Não tenho nada de te julgar, Lany. Que é que a Eleanor
sabe?
- Nada, coitada. Quero poupá-la, se possível. É um dos motivos por que me quero afastar. - Vaughan apoiou-se no lava-louça.
- Sabes uma coisa? Às vezes penso que tu e eu teríamos formado
um par maravilhoso.
Ellen ruborizou-se.
- Que queres dizer?
- Tu pertences a uma boa família. Conheces toda a gente que
eu tive de lutar para vir a conhecer. Ter-nos-íamos ajustado bem em
Amity. Tu és encantadora, boa e forte. Ter-me-ias sido muito útil.
E eu poderia ter-te proporcionado uma vida que tu terias adorado.
Ellen sorriu.
- Não sou tão forte como pensas, Lany.
- Não sejas modesta. Só espero que o Martin aprecie o tesouro
que tem. Seja como for, não interessa sonhar. - Atravessou a cozinha e beijou-lhe a fronte. - Adeus, querida - disse. - Pensa
em mim de vez em quando.
Ellen olhou-o.
- Penso. - Deu-lhe um beijo na cara. - Para onde vais?
- Ainda não sei. Talvez Vermont, talvez New Hampshire.
Posso vender tenas aos esquiadores.
- Escreve-nos um postal para sabermos onde estás.
- Escrevo. Adeus. - Vaughan saiu da cozinha e Ellen ouviu a
porta bater atrás dele.
Depois de ter servido o jantar aos filhos, subiu a escada e sentou-se na cama. ? Uma vida que tu terias adorado... N, dissera
Vaughan. Como teria sido essa vida? Teria tido dinheiro e sido
aceite em sociedade. Nunca teria lamentado haver perdido a
vida que levara em solteira, pois essa vida não teria terminado.
Não teria havido necessidade de renovação, nem de autoconfiança, nem de afirmação da sua feminilidade - nenhuma necessidade de uma experiência com alguém como Hooper.
Mas
teria sido uma vida sem desafios, uma vida de satisfações fáceis.
Enquanto meditava no que Vaughan lhe dissera, começou a reconhecer a riqueza das suas relações com Brody, muito mais compensadoras do que qualquer das experiências
que pudesse viver com
Lany Vaughan, uma amálgama de pequenos esforços e de pequenos
triunfos que, somados, resultavam em algo muito próximo da felicidade. E, à medida que essa consciência aumentava, crescia também
a mágoa de lhe ter custado tanto a perceber que o empenho em
agarrar-se ao seu passado resultava numa perda de tempo e emoções. Subitamente, sentiu medo - medo de estar a despertar demasiado tarde e que algo viesse a acontecer
a Brody antes de ela poder

saborear esta revelação. Consultou o relógio: seis e vinte. Ele já
devia ter chegado a casa.
Ouviu abrir-se a porta da frente. Desceu precipitadamente as
escadas, lançou os braços ao pescoço de Brody e beijou-o na boca
com ardor.
- Meu Deus! - exclamou este quando ela o largou. - A isto
é que se chama boas-vindas.





- Não vai pôr isso no meu barco - declarou. -- Quint.
Estavam na doca, banhada pela claridade luminosa da manhã.
Nuvens baixas ocultavam o Sol, que despontara já no horizonte. O
barco estava pronto a partir. O motor trabalhava suavemente, e bolhas de ar escapavam-se do tubo de escape quando pequenas ondas
o submergiam.
Quint, de costas para o barco, olhava Brody e Hooper, entre os
quais se encontrava uma espécie de gaiola de alumínio com mais de
um metro e oitenta de altura, um metro e oitenta de largura e um
metro e vinte de fundo. No seu interior encontrava-se um equipamento de mergulho, um détendeur, uma máscara e um fato isotérmico.
Que d?abo é isto, afinal de contas? - perguntou. -- Quint.
- É uma gaiola para tubarões - explicou Hooper. - Os mergulhadores utilizam-na para se protegerem quando estão no alto
mar. Telefonei ontem à noite, e uns amigos meus de Woods Hole
trouxeram-ma.
- E que é que você pensa fazer com isso?
- Quando encontrarmos o tubarão, quero descer na gaiola e
filmá-lo.
- Nem pensar - declarou .Quint. - Um animal com essas
dimensões pode comer essa gaiola como se fosse um pequeno-almoço.
- Mas comerá? Poderá dar-lhe umas pancadas, talvez mesmo
mordê-la, mas não acredito que tente a sério comê-la.
- Bem, não pense mais nisso.
- Oiça, .Quint, esta é uma oportunidade única na vida. Nunca
pensei em fazer isto antes de ter visto ontem o tubarão. Embora já
várias pessoas tenham filmado tubarões-brancos, ninguém filmou
nunca um de seis metros a nadar no oceano. Nunca.
- Ele disse para não pensar mais no assunto - observou Brody. - Não pense. Estamos aqui para matar esse animal, e não para
fazer um filme.
Hooper dirigiu-se a Quint:
- Eu pago-lhe.
Quint sorriu.
- Ah, sim? Quanto?
- Cem dólares. Em dinheiro e adiantadamente, como você
quer. - Levou a mão ao bolso de trás das calças para retirar a
carteira.
- Eu disse que não! - insistiu Brody.
- Não sei - disse .Quint, que logo acrescentou: - C'os diabos, não me parece que seja da minha conta impedir um homem de
se matar, se ele quiser.

- Você põe essa gaiola no barco - disse Brody a. -- Quint - e
não recebe os seus quatrocentos dólares. - "Se Hooper se quer
matar??, pensou Brody, "que o faça a expensas suas.??
- Se a gaiola não embarcar - objectou Hooper -, eu também
não vou.
- Arranjamos outro homem - disse Brody.
- Não podemos - interveio. -- Quint. - Não temos tempo.

- Ao diabo isto tudo! - gritou Brody. - Saímos amanhã.
Hooper pode voltar para Woods Hole e brincar com os seus peixes.
Hooper estava enraivecido - de tal modo que observou, antes
sequer de consciencializar o que dizia:
- Não é só com os peixes que eu posso... Oh, deixe-me!
Um silêncio de chumbo caiu sobre os três homens. Brody olhou
para Hooper, relutante em acreditar no que ouvira. Depois, subitamente dominado pela raiva, alcançou em duas passadas o ictiólogo,
agarrou-lhe as duas abas do casaco e aprisionou-lhe o pescoço entre
os punhos.
- O quê? - perguntou. -.Que foi que você disse?
Hooper cravou as unhas nos dedos de Brody.
- Nada - respondeu, sufocado.
- Onde foi que esteve quarta-feira à tarde?
- Em parte nenhuma! - As têmporas de Hooper latejavam. -- Deixe-me!
- Onde foi que esteve? - Brody apertou mais os punhos.
- Num motel! Agora largue-me!
Brody afrouxou o aperto.
- Com quem? - perguntou.
- Daisy Wicker. - Hooper sabia que recorrera a uma mentira
perigosa que Brody poderia comprovar sem dificuldade. Mas foi o
único alibi que lhe ocorreu. Podia parar no caminho de regresso a
casa, telefonar a Daisy Wicker e pedir-lhe para corroborar a sua
história.
- Vou confirmá-lo - disse Brody. - Pode ter a certeza...
Quint interveio.
- Bem, então que diz? Saímos hoje ou não? De qualquer forma, Brody, você terá de pagar.
Embora se sentisse tentado a cancelar a saída, regressar a Amity
e descobrir a verdade, Brody disse para. -- Quint:
- Vamos.
- Com a gaiola?
- Com a gaiola. Se este burro se quer matar, que se mate.
- Por mim, está bem - concordou. -- Quint. - O circo vai partir...
- Eu subo para o barco - sugeriu Hooper em voz rouca. -- Inclinem a gaiola sobre mim e depois um vem cá abaixo e ajuda-me
a arrumá-la.
Brody e. -- Quint empurraram a gaiola pelo cais de madeira, e Brody ficou surpreendido ao comprovar a sua leveza. Mesmo com o
equipamento de mergulho no seu interior, não pesaria mais de cem
quilos. Inclinaram-na sobre a amurada em direcção a Hooper, que a
segurou até. -- Quint se lhe reunir na coberta. Os dois homens pousaram-na no cohvés e prenderam-na a um suporte na ponte.

- Importa-se de soltar a amarra da popa? - pediu Quint a
Brody. Depois, quando este saltou para bordo, .Quint empurrou a
alavanca do acelerador e dirigiu o barco rumo ao mar largo.
Gradualmente, à medida que o Orca acompanhava o ritmo da
longa ondulação do oceano, a fúria de Brody amainou. Talvez Hooper tivesse falado verdade. Tinha a certeza de que Ellen nunca o
enganara antes. Mas, dizia para consigo, há sempre uma primeira
vez. E mais uma vez esse pensamento lhe estrangulou a garganta.
Trepou para a ponte e sentou-se no banco ao lado de Quint, que lhe
perguntou, rindo-se:
-.Que é que se passa, você julga que Hooper tem andado a
divertir-se com a sua mulher?
- Isso não é da sua conta - respondeu Brody.
- Como quiser. Mas, se me perguntar, sempre lhe digo que ele
não é desse género.
- Ninguém lho perguntou. - E acrescentou, ansioso por mudar de assunto: - Vamos voltar para o mesmo sítio de ontem?
- Exactamente para o mesmo sítio de ontem.
-.Quais são as probabilidades de o tubarão ainda lá continuar?
-.Quem sabe? Mas é a única coisa que podemos fazer.
- Você disse qualquer coisa no outro dia a propósito de ser
mais esperto do que os peixes. Isso é suficiente para os apanhar?
- ? Não recorro a nenhum truque. Os peixes são estúpidos
como o pecado.
- Mas há peixes que você não consegue apanhar, não há?
- Claro que há, mas isso apenas significa que não estão esfomeados, que são demasiado rápidos ou que não se está a utilizar o
engodo indicado.
Quint permaneceu silencioso por um instante. Depois falou de
novo:
- Uma vez - disse -, um tubarão quase me apanhou. Foi há
cerca de vinte anos. Era uma guelha de dimensões consideráveis
que, quando a arpoei, me arrastou com um violento puxão pela borda fora.
-.Que é que fez?
- Subi por aquele gio tão depressa que acho que os meus pés
não tocaram em nada entre a água e o convés.

Quint puxou a alavanca do acelerador para trás, reduzindo a
marcha da embarcação. Retirou uma folha de papel do bolso, leu as
notas que tomara e verificou os seus pontos de referência.
- Muito bem, Hooper - disse então -, pode começar a deitar
o engodo pela borda fora.
Hooper instalou-se à popa e começou a sua tarefa.
As dez horas, erguera-se uma ligeira brisa que encrespou a água
e arrefeceu os homens, sentados em silêncio. Brody regressara à
cadeira giratória, lutando para se manter acordado. Bocejou, depois
ergueu-se, espreguiçou-se e desceu os três degraus para a cabina.
- Vou buscar uma cerveja - disse. - Alguém quer uma?
- Claro - disse. -- Quint.
Brody pegou em duas cervejas e começara a subir a escada
quando ouviu a voz calma e seca de Quint:
- Cá está ele.

Hooper deu um salto.
- Ena! É mesmo ele!
Brody subiu rapidamente para o convés. Os seus olhos precisaram de um momento para se adaptarem à luminosidade e logo viram, à popa, a barbatana - um triângulo
cinzento-acastanhado que
fendia a água -, seguida pela cauda, que se movia da esquerda
para a direita, fustigando a água. O seláceo, segundo Brody calculou, estava a trinta ou quarenta metros de distância.
Quint avançou e fixou uma ponteira à haste de madeira. Colocou um barril no painel da popa, à esquerda do balde de Hooper, e
preparou o cabo, enrolado numa bobina a seu lado. Depois, subiu
para a popa, onde ficou de pé, o braço direito erguido, empunhando
o arpão.
- Anda, bicho - disse. - Chega-te cá.
O seláceo deslizava lentamente de trás para diante, mantendo,
porém, uma distância nunca inferior a quinze metros.
- Não compreendo - observou. Quint. - Ele devia vir ver-nos
de perto. Brody, atire pela borda fora essa isca artificial. Com força, para agitar bem a água. Para que ele saiba que estamos aqui.
Brody obedeceu, mas o tubarão manteve-se a distância.
Hooper lembrou então:
- E porque não deitar o golfinho?
- Espanta-me, Mr. Hooper - respondeu Quint. -Julguei que
não aprovava.
- Deixe lá isso agora - disse Hooper, excitado. -.Quero ver
esse tubarão.
- Veremos - disse Quint. - Se tiver de o usar, uso-o.
Aguardaram - Hooper lançando conchas de isca, Quint em pé
sobre o painçl da popa, Brody junto de uma das canas.
- Diabos! - exclamou Quint. - Parece que não temos alternativa. - Pousou o arpão e saltou para o convés. Retirou a tampa
da lata de lixo que se encontrava junto de Brody, que viu os olhos
sem vida do pequeno golfinho que flutuava na água. A visão, repelente, obrigou-o a desviar o olhar.
- Bem, camaradinha - disse. Quint -, chegou a tua vez. -- Pegou na corrente de cão, uma extremidade da qual ligou à cabeça
do anzol, que sobressaía sob a mandíbula do golfinho. Ao outro
extremo da corrente ligou vários metros de cabo de vinte milímetros, que finalmente amarrou a um cunho na amurada de estibordo.
- Você disse que o tubarão podia arrancar um cunho.
- E pode - concordou Quint. - Mas aposto que lhe consigo
enfiar um arpão e cortar o cabo antes que ele o puxe com a força
necessária para arrancar o cunho.
Quint levou o golfinho para a popa e abriu-lhe uma série de
cortes superficiais no abdómen antes de o lançar à água. Largou
dois metros de corda, após o que segurou o cabo com os pés sobre o
painel da popa.
- Porque é que fica em cima do cabo?
- Para manter o animal a uma distância que me permita atingir
o tubarão. Mas não quero amarrá-lo ao cunho tão perto. Se o tubarão o agarrasse e não tivesse corda suficiente, podia fazer-nos em
pedaços.

O tubarão continuava a deslocar-se de trás para diante, mas
aproximava-se gradualmente do barco. Depois, deteve-se a cerca de
seis ou sete metros de distância.
A cauda submergiu, a barbatana dorsal deslizou para trás e desapareceu; a enorme cabeça emergiu, a boca aberta como que num
esgar amplo e selvático, os olhos negros e profundos. Brody
olhou-o, mudo de terror.
- Eh, bicho! - gritou Quint. Estava de pé sobre o painel da
popa, as pernas afastadas, as mãos cerradas em torno da haste do
arpão, que descansava sobre o seu ombro. - Anda ver o que temos
para ti!
O seláceo manteve-se a flutuar na água por mais um momento,
observando. Depois, submergiu silenciosamente a cabeça e desapareceu.
- Agora vem aí - preveniu Quint.

De súbito, o barco balouçou violentamente. Quint perdeu o
equilíbrio e caiu para trás. A ponteira desprendeu-se da haste e
tombou no convés com um tinido. Brody desequilibrou-se para um
lado e agarrou as costas da cadeira, que girava sobre si. Hooper foi
atirado contra a amurada de bombordo.
O cabo preso ao golfinho distendeu-se, estremeceu e depois saltou para trás e ficou solto sobre a água.
- Diabos me levem! - exclamou Quint. - Nunca vi um animal fazer uma coisa destas. Ele ou comeu mesmo a corrente, ou
então... - Dirigiu-se à amurada de estibordo e puxou a corrente.
Estava intacta, mas o anzol a que ela se encontrava amarrada fora
praticamente endireitado.
- Ele fez isso com a boca? - perguntou Brody.
- Endireitam-se curvas à vontade do freguês - troçou Quint.
- Provavelmente, não terá levado mais de um ou dois segundos a
fazer isto.
Brody sentiu-se alucinado. Sentou-se na cadeira e inspirou várias vezes profundamente, tentando dominar o pavor crescente que o
invadia.
- Para aonde julga que ele foi? - perguntou Hooper.
- Está por aqui perto - respondeu Quint. - Aquele golfinho
foi para ele o que uma anchova é para um atum. Não há-de tardar a
procurar mais alimento. - Voltou a montar o arpão e a enrolar o
cabo na bobina. - Vou prender mais algum isco e lançá-lo ao mar.
Brody ficou a observar Quint enquanto este amarrava à corda os
pedaços de isca e a lançava pela borda fora. Depois de dispor cerca
de doze engodos em torno do barco, Quint trepou para a ponte e
sentou-se.
Brody consultou o relógio: onze e cinco. Às onze e trinta foi
sobressaltado por um estalido agudo e ressonante. Quint precipitou-se escada abaixo, atravessou o convés e pegou no arpão.
- Ele voltou - disse. - Levou um dos engodos. - A meia-nau, de um cunho, pendiam alguns centímetros de corda solta.
Enquanto olhava o que restava da corda, Brody notou que outra,
distanciada alguns centímetros da primeira, ficava tensa.

- Ele deve estar mesmo debaixo de nós - disse.
- Vamos pôr a gaiola no mar - sugeriu Hooper.
- Você está a brincar - replicou Brody.
- Não estou nada. Talvez a gaiola o faça aparecer.
- Com você dentro dela?
- Para já, não. Vamos a ver o que ele faz. Que diz, Quint?
- Pode ser - respondeu Quint. - Não faz mal pô-la na água.
- Pousou o arpão.
Ele e Hooper inclinaram a gaiola sobre um dos lados e Hooper
abriu a portinhola da cobertura e retirou o equipamento de mergulho. Endireitaram novamente a gaiola, arrastaram-na pelo convés e
amarraram-na com dois cabos a vários cunhos na amurada de estibordo.
- Muito bem - disse Hooper. - Vamos pô-la na água. -- Ergueram a gaiola sobre a amurada, e esta submergiu tanto quanto
os cabos lho permitiam, poucos metros abaixo da superfície.
- Que é que o leva a pensar que isto o vai fazer vir à superfície? - perguntou Brody.
- Acho que ele se vai aproximar para a observar, para ver se é
ou não comestível - disse Hooper.
Mas a gaiola manteve-se imóvel na água, sem ser atacada.
- Lá vai outro engodo - observou Quint. - Não há dúvida de
que ele está aqui.
- Bem - disse Hooper. Desceu à cabina e reapareceu, momentos depois, com uma máquina de filmar submarina e uma espécie de barra com uma pega numa extremidade.
- Que é que vai fazer? - perguntou Brody.
- Vou descer para a gaiola. Talvez isso o faça vir à superfície.
- Você está doido. Que é que vai fazer se ele aparecer?
- Primeiro, vou filmá-lo. Depois, vou tentar matá-lo.
- Com o quê, posso perguntar?
- Com isto. - Hooper ergueu a barra. - Chama-se ponteira
de ataque, ou lupara. Basicamente é uma espingarda subaquática.
- Puxou ambas as extremidades da barra, que ficou dividida em
duas partes. - Aqui - explicou, apontando para uma câmara -,
introduz-se uma bala de espingarda de calibre 12. - Retirou uma
da algibeira e enfiou-a na câmara. - Depois, dá-se com ela uma
estocada no peixe, e a bala dispara. Se o atingir como deve ser, e o
cérebro é o único ponto garantido, o tubarão morre.
- Mesmo um tubarão com estas dimensões?
- Acho que sim. Se eu o atingir como deve ser.
- E se não conseguir? Suponha que falha por um milímetro?
- O que me preocupa é que, se falhar e não o atingir no cérebro, ele pode desaparecer - respondeu Hooper. - Provavelmente,
vai para o fundo e nunca mais sabemos se está vivo ou morto.
- Até ele devorar outra pessoa - acrescentou Brody.
- Exactamente.

- Você é completamente louco - observou Quint.
- Acha que sou, Quint? Você não está a ter grande êxito com
este tubarão. Acho que ele é demais para si.
- Acha que sim, rapaz? Acha que pode fazer melhor que o
Quint? Muito bem. Vai ter a sua oportunidade.

Brody interveio.
- Então, não podemos deixá-lo meter-se naquilo.
- De que é que você se queixa? - contrapôs Quint. - Por
aquilo que vi, quanto mais depressa ele mergulhar e desaparecer,
melhor para si. Pelo menos assim deixa de...
- Cale a boca! - Os sentimentos de Brody eram confusos.
Poderia ele desejar realmente a morte de um homem? Não. Ainda
não.
- Vá - disse Quint para Hooper. - Entre nessa coisa.
- É para já. - Hooper despiu a camisa e as calças, descalçou
as alpargatas e começou a enfiar o fato de mergulho. -.Quando eu
estiver dentro da gaiola - disse, enfiando os braços nas mangas de
borracha do fato -, fiquem aqui e estejam atentos.
Uma vez vestido, Hooper ajustou o détendeur à garrafa e
abriu-a. Aspirou por duas vezes para se assegurar de que ela funcionava. - A?ude-me a pôr isto, se faz favor - pediu a Brody. Este
segurou a garrafa, enquanto Hooper enfiava os braços pelas duas
precintas e apertava uma terceira em torno da cintura. Colocou a
máscara sobre a cabeça. - Devia ter trazido pesos - disse.
- Devia ter trazido miolos - rectificou Quint.
Hooper enfiou o pulso direito na pega presa à extremidade da
lupara, pegou na máquina de filmar e dirigiu-se para a amurada.
- Se cada um de vocês pegar num cabo e puxar a gaiola para a
superfície, eu abro a portinhola e entro pela parte de cima.
Quint e Brody puxaram os cabos, elevando a gaiola. .Quando a
portinhola surgiu à superfície, Hooper disse:
- Está bem assim. - Cuspiu na máscara, esfregou saliva no
vidro e ajustou-a. Pôs o escafandro às costas, colocou o bocal na
boca e respirou. Depois, abriu a portinhola e apoiou um joelho sobre a amurada, mas deteve-se e deixou cair o bocal. - Esqueci-me
de uma coisa. - Atravessou o convés, pegou nas suas calças e
rebuscou os bolsos. Depois abriu o fecho de correr do seu fato de
mergulhador.
- Que é isso? - perguntou Brody.
Hooper mostrou um dente de tubarão, igual ao que oferecera a
Ellen, que meteu no interior do fato.
- Nunca se é cuidadoso demais - declarou, sorrindo. Voltou
a ajustar o bocal, aspirou uma última vez e saltou borda fora, passando pela abertura da portinhola.
Antes de os seus pés tocarem no fundo da gaiola, deu uma volta
sobre si mesmo e fechou a portinhola. Depois, pôs-se de pé, olhou
para Brody e juntou o polegar e o indicador num gesto tranquilizador.
Brody e .Quint deixaram a gaiola submergir pouco mais de um
metro.
- Vá buscar a espingarda - disse Quint. Trepou para o painel
da popa e ergueu o arpão à altura do ombro.
Brody desceu, pegou na espingarda e regressou ao convés:
Na gaiola, Hooper esperou que se dissipassem a espuma e as

bolhas de ar que a sua imersão provocara e depois consultou o relógio. Sentia-se calmo. Encontrava-se sozinho no silêncio azul, salpicado por estrias de luz solar,
que dançavam através da água. Ergueu
os olhos para o casco cinzento do barco. Não obstante o sol brilhante, a visibilidade na água sombria era escassa - não se distinguia
nada para além de doze metros. Hooper rodou lentamente sobre si
próprio, tentando trespassar a margem de sombra e descobrir qualquer réstia de cor ou de movimento. Nada. Olhou novamente para o
relógio, calculando que, se controlasse a respiração, poderia permanecer submerso durante mais meia hora.
Arrastado pela corrente, um dos pequenos pedaços brancos de
isca passou por entre as barras, agarrado a um fragmento de corda,
e agitou-se diante do rosto de Hooper. Este atirou-o para fora da
gaiola e baixou o olhar, mas quando se preparava para fitar outro
ponto fixou novamente os olhos em baixo. Emergindo na sua direcção da obscuridade azul, lenta e suavemente, vinha o tubarão.
Hooper fixou-o, impelido a fugir, mas incapaz de se mover. À
medida que o seláceo se aproximava, contemplava, maravilhado, as
suas cores: o cinzento-ferroso do gigantesco lombo, que os raios
solares mosqueavam de azul; o branco-cremoso que se estendia ao
longo de toda a linha lateral. Hooper tentou erguer a máquina de
filmar, mas o braço recusava-se a obedecer.
O seláceo aproximou-se mais, silenciosamente como uma sombra, e Hooper recuou. A cabeça encontrava-se apenas a pouco mais
de um metro da gaiola quando o animal se voltou e começou a
passar frente aos olhos de Hooper, como numa exibição orgulhosa
do seu volume e da sua força. Primeiro passou o focinho, depois as
fauces, abertas e sorridentes, e em seguida o olho negro e impenetrável, que parecia fixo nele. As guelras ondulavam - feridas sem
sangue na pele de aço.
Timidamente, Hooper estendeu a mão através das barras e tocou
no flanco. Era frio e duro. As pontas dos seus dedos acariciaram as
barbatanas peitorais, a barbatana pélvica, os órgãos genitais, até
estes malmente se afastarem, em consequência dos impulsos da
cauda.
Aos seus ouvidos chegou o ruído ténue de detonações e viu três
espirais de bolhas precipitando-se da superfície, primeiro velozmente e depois mais lentamente, até se deterem, muito acima do seláceo. Balas? "Ainda não?, disse
para consigo. ?Mais uma passagem
para poder filmá-lo."
- Que diabo está ele a fazer lá em baixo? - estranhou Brody.
- Porque é que não tenta matar o tubarão?
Quint mantinha-se de pé sobre o painel da popa, de arpão em
punho, perscrutando a água.
- Anda, tubarão! - dizia. - Anda ter com o Quint.
O seláceo descrevera um círculo, saindo do raio da visão de
Hooper; era apenas uma mancha espectral. Hooper ergueu a câmara
e premiu o gatilho. Queria apanhar a fera apenas esta emergisse da
escuridão.

Através do visor da máquina viu que o animal se voltava para
ele. Avançava rapidamente, batendo vigorosamente a cauda, abrindo e fechando a boca. Hooper alterou a distância focal. ?Não posso
esquecer-me de a alterar outra vez quando ele se voltar?, disse para
consigo.
Mas o seláceo não se voltou. Bateu com a cabeça na gaiola,
enfiando o focinho por entre duas barras e alargando-as. O focinho
bateu no peito de Hooper e fê-lo cair para trás. A máquina voou-lhe
das mãos e o bocal soltou-se-lhe da boca. O animal rolou sobre si e
a pesada cauda forçou o corpo gigantesco a penetrar mais no interior
da gaiola. Hooper estendeu a mão à procura do bocal, mas não o
conseguiu encontrar. Tinha o peito convulsionado pela necessidade
de ar.
- Ele está a atacar! - gritou Brody. Agarrou uma das cordas
que seguravam a gaiola e puxou, tentando desesperadamente erguê-la.
- Diabos o levem! - gritou Quint.
- Lance o arpão! - gritou Brody. - Lance-o!
- Não posso lançá-lo! Tenho de o ter à superfície! Anda, sobe,
com mil diabos!
O seláceo deslizou da gaiola e voltou-se bruscamente para a direita, descrevendo um círculo apertado. Hooper tacteou por detrás
da cabeça e encontrou o bocal. Aplicou este na boca e aspirou um
hausto agonizante. Foi então que viu a larga abertura entre as barras
e a cabeça gigantesca que novamente penetrava através delas. Ergueu as mãos acima da cabeça, procurando o fecho da portinhola.
O seláceo irrompeu violentamente através das barras, separando-as mais ainda. Hooper, apertado contra o fundo da gaiola, viu a
boca aberta que o procurava. Tentou baixar o braço para agarrar a
lupara. O seláceo arremeteu de novo e cerrou as fauces em torno do
seu torso. Hooper sentiu uma opressão terrível, como se lhe esmagassem as entranhas. Bateu com o punho no olho negro. O animal
apertou as mandíbulas, e a última coisa que Hooper viu antes de
morrer foi o olho que o fitava através de uma nuvem do seu próprio
sangue.
- Apanhou-o! - gritou Brody. - Faça qualquer coisa!
- Está morto - disse Quint.
- Como é que sabe? Talvez o possamos salvar.
- Está morto.
Segurando Hooper na boca, o tubarão retrocedeu e saiu da gaiola. Depois, com um movimento de cauda, impulsionou o corpo até
à superfície.
- Está a subir! - anunciou Brody.
- Pegue na espingarda. - Quint ergueu a mão, preparado para

lançar o arpão.
O animal emergiu a cerca de quatro metros do barco, erguendo-se na vertical por entre uma cascata de espuma. O corpo de
Hooper pendia-lhe de ambos os lados da boca. Durante alguns segundos, pareceu a Brody ver os olhos mortiços e vítreos de Hooper
olhando fixamente através da máscara.
Simultaneamente, Brody agarrou a espingarda e Quint lançou o
arpão. O alvo era enorme, uma vastidão de abdómen branco, e a
distância não era demasiada para se conseguir um tiro certeiro fora
de água. Porém, quando Quint lançou o arpão, o seláceo submergiu
e o dardo passou muito alto.
Brody disparou sem apontar, e as balas cortaram a água à frente
do seláceo.
- Deixe ver isso! - Quint agarrou na espingarda e num movimento único e rápido, levou-a ao ombro e disparou dois tiros.
Mas o tubarão já começara a desaparecer abaixo da superfície. As
balas bateram, inofensivas, no torvelinho da água.
Era como se o seláceo nunca ali tivesse estado. Apenas o murmúrio da brisa cortava o silêncio. Vista da superfície, a gaiola parecia intacta. A água estava calma.
A única diferença era que Hooper
desaparecera.
- Que fazemos agora? - perguntou Brody. - Que diabo podemos fazer agora? Já nada nos resta. É melhor voltarmos.
- Vamos voltar - concordou Quint. - Até ver.

- Até ver?! Que quer dizer com isso? Não podemos fazer nada.
Esse animal é demasiado para nós. Não é verdadeiro, não é natural.
- Dá-se por vencido?
- Dou. Tudo quanto podemos fazer é esperar até que Deus, a
Natureza ou seja que diabo for que nos está a fazer isto decida que é
tempo de acabar. Está para além da capacidade humana.
- Não da minha - redarguiu Quint. - Eu vou matar esse
tubarão.
- Não me parece que consiga arranjar mais dinheiro, depois do
que sucedeu hoje.
- Guarde o seu dinheiro. Isto já não é uma questão de dinheiro.
- Que quer dizer?
Quint respondeu:
- Eu vou matar esse tubarão. Venha, se quiser. Ou fique em
casa, se preferir. Mas eu vou matá-lo. - Os seus olhos pareciam
tão negros e impenetráveis como os do tubarão.
- Eu venho - afirmou Brody. - Não me parece que tenha
alternativa.
- Não - concordou Quint. - Não temos alternativa.
Quando atracaram o barco, Brody dirigiu-se para o seu automóvel. No extremo da doca havia uma cabina telefónica, junto da qual
se deteve, impelido pela sua anterior resolução de telefonar a Daisy
Wicker. Mas de que servia? - pensou. Se algo se passara, agora
acabara.

Não obstante, enquanto conduzia, rumo a Amity, Brody interrogava-se sobre qual teria sido a reacção de Ellen à morte de Hooper.
Quint comunicara a notícia, pelo rádio, à Guarda Costeira, antes de
regressarem, e Brody pedira ao oficial de serviço que telefonasse a
Ellen.

Quando Brody chegou a casa, Ellen já há muito deixara de
chorar. Chorara raivosamente, não tanto por Hooper como pela inutilidade e amargura de mais uma vida perdida. Hooper fora seu amante
no sentido mais superficial do termo. Não o amara, utilizara-o.

Ouviu o automóvel de Brody entrar no caminho da casa e abriu
a porta das traseiras. ?Meu Deus, como ele vem abatido", pensou.
Tinha os olhos vermelhos e encovados, e pareceu-lhe ligeiramente
curvado enquanto caminhava para casa. A porta, ela beijou-o e
disse:
- Parece-me que precisas de uma bebida.
- Preciso mesmo. - Dirigiu-se à sala de estar e deixou-se cair
numa poltrona.
- Que queres beber?
- Qualquer coisa, desde que seja forte.
Ela entrou na cozinha, encheu um copo com porções iguais de
vodka e sumo de laranja e levou-lho. Sentou-se no braço da poltrona
e disse:
- Bem, acabou tudo, não foi? Não podes fazer mais nada.
- Saímos amanhã. Às seis horas.
- Porquê? - Ellen estava estupefacta. - Que julgas tu que
podem fazer?
- Apanhar o tubarão. E matá-lo.
- Acreditas nisso?
- Não tenho a certeza. Mas Quint acredita. Meu Deus, se não
acredita!
- Então deixa-o ir. Deixa que seja ele a morrer.
- Não posso.
- E porque não?
Brody pensou por momentos e respondeu:
- Acho que não sei explicar. Mas desistir não é uma solução.
As lágrimas saltaram dos olhos de Ellen.
- E eu e as crianças? Também queres ser morto?
- Não, não é isso, meu Deus. É só que...
- Pensas que a culpa é tua. Pensas que és responsável pela
morte do garoto e do velho. Pensas que matar o tubarão vai normalizar tudo outra vez. Queres vingar-te.
Brody suspirou.
- Talvez. Não sei. Acho que... acredito que a única forma de
esta cidade voltar a viver é matarmos esse tubarão.
- E estás disposto a dar a vida a tentar...
- Não sejas parva! Eu nem sequer estou disposto, se é a palavra que queres usar, a sair nesse maldito barco. Sinto-me tão aterrado cada minuto que passo nele que
até tenho vómitos.
- Então porque vais? - perguntou, suplicante. - Não podes
pensar senão em ti?
Brody sentiu-se chocado com a sugestão de egoísmo.
- Amo-te - disse. - Sabes isso. Aconteça o que acontecer

- Claro que sei - disse ela, a voz repassada de amargura. -- Claro que sei!

CERcA da meia-noite, o vento começou a soprar em rajadas fortes do nordeste, assobiando através das redes das janelas e em breve
trazendo consigo a chuva. Brody levantou-se da cama e fechou a
janela. Tentou conciliar de novo o sono, mas a sua mente recusava-se a repousar.
Às cinco horas, ergueu-se e vestiu-se sem ruído. Antes de sair
do quarto, olhou para Ellen, que dormia de sobrancelhas franzidas.
- Amo-te, tu sabes - segredou ele, beijando-lhe a testa. Começou a descer a escada. Depois, impulsivamente, espreitou para os
quartos dos filhos. Estavam todos a dormir.



10

QuANDo chegou à doca, Quint estava à sua espera - uma figura
alta e impassível, cuja capa de oleado amarela brilhava sob o céu
escuro.
- Estive para lhe telefonar - disse Brody, enquanto enfiava o
seu impermeável. - Que significa este tempo?
- Nada - respondeu Quint. - Vai clarear daqui a pouco. E
mesmo que não limpe, ele está lá. - Saltou para o barco.
- Vamos só nós? Pensei que você gostava de mais um ajudante.
- Você conhece este tubarão tão bem como qualquer homem e
mais um ajudante agora não fazia qualquer diferença. Além disso,
não é problema de mais ninguém.
Brody soltou a amarra da popa e preparava-se para saltar para o
convés quando lhe chamou a atenção um oleado que cobria qualquer
coisa a um canto.
- Que é aquilo? - perguntou, apontando.
- Um carneiro. - Quint rodou a chave da ignição e o motor,
após dois arranques, começou a trabalhar regularmente.
- Para quê? - Brody entrou no barco. - Vai sacrificá-lo?
Quint soltou uma gargalhada.
- Nunca se sabe. - Depois disse: - Não, é um engodo. Dirigiu-se para a proa e soltou a amarra. Depois empurrou a alavanca do acelerador e o barco afastou-se do
cais.
O mar ao largo de Montauk estava agitado, pois o vento soprava
contrário à maré. A proa abria nas águas um sulco de espuma.
Estavam em marcha havia apenas quinze minutos quando Quint
reduziu a aceleração do motor.
- Não estamos tão afastados como de costume - observou
Brody. - Não podemos estar mais do que a algumas milhas da
costa.
- Mais ou menos.
- Então porque paramos?
Quint apontou para a esquerda, para um grupo de luzes ao longe, na costa.
- Ali é Amity. Acho que ele deve estar por aqui, entre este
lugar e Amity.
- Porquê?
- Tenho um pressentimento. Nem sempre é possível explicar
estas coisas.

- Encontrámo-lo mais longe em dois dias seguidos.
- Ou ele encontrou-nos. - O tom de Quint era misterioso.
Brody ficou irritado.
- Que espécie de jogo está você a jogar?
- Nenhum jogo. Se não tiver razão, não tenho.
- E tentamos noutro sítio amanhã. - Brody quase desejava
que Quint estivesse enganado e que houvesse um dia de intervalo.
- Ou hoje, mais tarde. Mas não me parece que tenhamos de
esperar tanto tempo. - Quint dirigiu-se à popa e colocou um balde
de engodo sobre o painel. - Comece a deitar isco - disse, entregando a Brody a concha. Depois destapou o carneiro, amarrou-lhe
uma corda em torno do pescoço e colocou-o sobre a amurada. Rasgou-lhe o ventre com uma faca e lançou o animal pela borda fora,
deixando-o afastar-se seis metros do barco antes de prender a corda
a um cunho. Depois dirigiu-se à proa, soltou dois barris e levou-os
para a popa, juntamente com as suas bobinas de cabos e os arpões.
- Muito bem - disse. - Agora vamos ver quanto tempo leva.
O céu clareara e o dia surgira banhado numa luminosidade cinzenta; uma a uma, as luzes em terra foram-se extinguindo. O cheiro
pestilento do engodo que Brody lançava borda fora revolvia-lhe o
estômago.
Subitamente, Brody viu a cabeça monstruosa do seláceo a uma
distância que não excederia o metro e meio, tão próxima que lhe
podia tocar com a concha - os olhos negros a fitá-lo, o focinho de
um cinzento-prateado apontado na sua direcção, as mandíbulas entreabertas num esgar.
- Quint! ? gritou - Cá está ele!
Quint correu para a popa. Quando saltou para o painel, a cabeça
do tubarão deslizou para dentro da água e um segundo depois embateu na popa. As mandíbulas fecharam-se na madeira e a cabeça agitou-se violentamente, sacudida de
um lado para o outro. Brody
agarrou-se a um cunho e segurou-se, incapaz de desviar os olhos do
monstro. Quint caiu de joelhos. O seláceo largou o barco e mergulhou, e a embarcação ficou novamente imóvel.
- Estava à nossa espera - gritou Brody.
- Eu sei - disse Quint. - Agora apanhámo-lo.
- Apanhámo-lo?! Não viu o que ele fez ao barco?
- Deu-lhe uma sacudidela valente, não foi?
A corda que segurava o carneiro ficou tensa, foi sacudida e depois ficou lassa.
Quint ergueu-se e pegou no arpão.
- Levou o carneiro. Daqui a um minuto volta.
Brody viu a excitação no rosto de Quint - a expectativa que lhe
tornava tensos os tendões do pescoço e lhe embranquecia os nós dos
dedos.
O barco estremeceu outra vez e ouviu-se um golpe surdo e cavo.
- Que está ele a fazer? - perguntou Brody.
- Está a tentar abrir um buraco no fundo do barco, é o que ele
está a fazer. Vá ver o porão - Quint ergueu bem alto o seu arpão.

Brody abriu a escotilha que dava acesso à casa das máquinas e
perscrutou o interior do compartimento escuro, que cheirava a óleo.
Havia água nos porões, fenómeno vulgar, e não viu nenhum rombo.
- Parece-me que está tudo bem - disse.
A barbatana dorsal e a cauda do tubarão ermergiram dez metros
à direita da popa e começaram a mover-se novamente em direcção
ao barco.
- Cá vens tu - sussurrou Quint. - Cá vens tu. - Esperou,
de pé, agarrando o arpão na mão direita, estendida para o céu.
Quando o seláceo se encontrava a um metro do barco, arremessou o
arpão.
O projéctil atingiu o tubarão perto da barbatana dorsal. Seguidamente, o seláceo embateu no barco e Quint caiu para trás. A sua
cabeça bateu na cadeira giratória e um fio de sangue escorreu-lhe
pelo pescoço. Ergueu-se de um salto e gritou:

- Apanhei-te! Apanhei-te, miserável, filho da mãe!
O cabo ligado ao arpão serpenteou borda fora à medida que o
seláceo mergulhava. Depois, o barril saltou também para fora e desapareceu.
- Ele afundou o barril!
- Não por muito tempo - disse Quint. - Daqui a pouco volta, e lançamos-lhe outro arpão, e outro, e outro, até ele desistir Quint puxou o cabo amarrado à haste
de madeira do arpão e trouxe-o de novo para bordo, fixando-lhe um novo dardo.
A sua confiança era contagiante, e Brody sentia-se agora exultante, alegre, aliviado - livre da ameaça da morte. Depois, reparou
no sangue que corria pelo pescoço de Quint e observou:
- Tem a cabeça ferida!
- Arranje outro barril - foi a resposta de Quint - e traga-o
para aqui.
Brody correu a soltar outro barril da proa, prendeu o cabo da
bobina em torno do braço e levou tudo a Quint.
- Aí vem ele - anunciou Quint, apontando para a esquerda.
O primeiro barril emergira e balouçava na água. Quint ergueu o
arpão acima da cabeça. - Está a vir à superfície.
O seláceo rompeu a água como um foguetão a erguer-se. Focinho, mandíbulas e barbatanas peitorais elevaram-se na vertical, e
Quint inclinou-se para arremessar o arpão. O segundo arpão atingiu
o animal no ventre, no preciso momento em que o gigantesco corpo
começava a cair. O ventre bateu na água com um som estrondoso e
uma espuma pulverizada cobriu o barco, cegando-os por momentos.
A embarcação foi agitada por duas vezes e depois ouviu-se o
ruído distante do despedaçar do casco.
- Ataca-me, se te atreves! - exclamou Quint. Correu para a
alavanca do acelerador, que empurrou para a frente, e o barco afastou-se dos banis oscilantes.
- Causou estragos? - perguntou Brody.
- Alguns. Acho que estamos um tanto pesados à ré. Provavelmente, abriu-nos um rombo. Mas podemos lançar a água pela
borda fora.
- Então já está!
- Já está o quê?

- O tubarão. Pode considerar-se morto.
- Não exactamente. Olhe.
Os dois banis encarnados de madeira seguiam o barco a uma
distância que não aumentava. Não balouçavam. Arrastados pela
tremenda força do seláceo, fendiam a água, deixando uma esteira.
- Está a perseguir-nos? - perguntou Brody. - Não pode continuar a confundir-nos com alimento.
- Não. Quer apenas dar luta.
Pela primeira vez, Brody viu um ricto de inquietação no rosto de
Quint.
- Com mil diabos! - exclamou este. - Se quer luta, pois vai
tê-la. - Reduziu a velocidade, saltou para o convés e subiu para o
painel da popa, pegando noutro arpão. A excitação voltara a animar-lhe o rosto.
- Muito bem - gritou. - Anda e já vais ver!
Os banis continuavam a aproximar-se - trinta, vinte e cinco,
vinte metros. Brody viu a massa cinzenta passar pelo costado de
estibordo.
- Está aqui! - gritou. - Vai em direcção à proa!
Quint separou da haste a ponteira do arpão, soltou o cabo que
segurava a haste a um cunho, desceu do painel da popa e correu
para a proa, onde se inclinou, amarrando o cabo a um dos cunhos
dianteiros, soltou um barril e enfiou o dardo na haste do arpão, que
ergueu em riste.
Trinta metros adiante do barco, o tubarão voltou-se. A cabeça
emergiu-lhe da água e voltou a mergulhar. A cauda, erguida como
uma vela, começou a agitar-se de um lado para o outro.
- Aí vem ele! - exclamou Quint.
O seláceo embateu com a cabeça no barco, com o estrondo de
uma explosão abafada. Quint arremessou o seu dardo, que atingiu o
animal no cimo da cabeça, cravando-se profundamente sobre o olho
direito. O cabo deslizou lentamente pela borda fora à medida que o
tubarão recuava.
- Perfeito! - exclamou Quint. - Desta vez foi na cabeça.
Agora eram três os barris que flutuavam na água. Depois desapareceram.
- Diabo! - praguejou Quint. - Nenhum animal normal pode
mergulhar com três fenos espetados e três barris a mantê-lo à superfície.
O barco estremeceu, parecendo erguer-se, voltando depois a
tombar. Os banis reapareceram a vinte metros de distância.
- Vá lá abaixo - disse Quint a Brody, enquanto preparava
outro arpão. - Veja se ele fez alguns estragos na proa.
Brody dirigiu-se para a cabina. Retirou o tapete gasto e abriu a
escotilha. Uma corrente de água jorrava à ré. Subiu para a coberta e
comunicou a Quint:

- Não me parece nada bem. Há imensa água sob o pavimento
da cabina.
- É melhor eu ir dar uma olhadela. Tome. -.Quint entregou a
Brody o arpão. - Se ele voltar, espete-lhe este com força.

Brody ficou perto da proa, segurando o arpão. Os barris estremeciam à medida que o tubarão se movia sob as águas. "Quando é
que morres??? perguntou Brody, em silêncio, ao seláceo. Ouviu então um motor eléctrico começar a trabalhar.
- Não há problema - disse Quint, aproximando-se. Retirou o
arpão da mão de Brody. - As bombas encarregam-se da água.
Quando ele morrer, nós rebocamo-lo.
Brody limpou as mãos às calças.
- E até lá?
- Até lá, esperamos.

ESPERARAM durante três horas. A princípio, os banis desapareciam de dez em dez ou de quinze em quinze minutos; depois, as
suas imersões tornaram-se mais raras, até que, cerca das onze horas, não desapareciam havia quase uma hora. Às onze e trinta, os
banis boiavam na água.
- Que lhe parece? - perguntou Brody. - Estará morto?
- Duvido. Mas pode estar suficientemente perto para lhe lançarmos um cabo à volta da cauda e o arrastarmos até ele asfixiar.
Quint ligou o guincho eléctrico, para se assegurar de que este
funcionava, e depois desligou-o de novo. Ligou o motor e aproximou-se cautelosamente dos banis.
Quando os alcançou, estendeu uma fateixa sobre a borda e apanhou um cabo, puxando um dos banis para bordo. Retirou a faca da
bainha e cortou a corda do ?barril. Em seguida, espetou a faca na
amurada para segurar a corda com ambas as mãos e empurrar o
barril para o convés. Trepou para a amurada, fez a corda passar por
uma roldana e pelo tambor do guincho, enrolou uma porção dela
neste, após o que carregou no interruptor do guincho. Assim que a
corda ficou tensa, o barco adernou para estibordo, arrastado pelo
peso do seláceo.
O guincho rodava vagarosamente. A corda vibrava sob a pressão salpicando de gotas de água a camisa de Quint.
Subitamente, a corda começou a correr demasiado depressa.
Enredou-se no guincho, emaranhando-se confusamente. O barco
endireitou-se bruscamente.
- A corda partiu-se? - perguntou Brody. - Não, c'os diabos! - respondeu Quint, e desta vez Brody viu
o medo reflectido no seu semblante. - O filho da mãe vem aí!
O tubarão ergueu-se na vertical ao lado do barco, com um tremendo ruído, e Brody ficou boquiaberto ao ver as suas dimensões.
Elevado acima da sua cabeça, ocultava a luz do Sol. As barbatanas
peitorais batiam como asas, tesas e erectas, enquanto o seláceo caía.
Tombou sobre a popa, com um ruído de madeira estilhaçada,
obrigando o barco a mergulhar sob as ondas. A água invadiu o convés. Em poucos segundos, Quint e Brody estavam com água pelas
ancas.
As mandíbulas do tubarão não distavam sequer um metro do

peito de Brody, que julgou ver a sua imagem reflectida no olho
negro, tão grande como uma bola de basebol.
- Maldito! - gritou Quint. - Afundaste-me o barco. - Um
barril flutuou pela cabina, com o cabo serpenteando como um verme. Quint agarrou a ponteira do arpão preso à extremidade do cabo
e mergulhou-a no ventre branco e macio do animal. O sangue jorrou
da ferida e inundou-lhe as mãos. O barco estava a afundar-se. A
popa encontrava-se completamente submersa e a proa erguia-se. O
seláceo rolou pela popa e deslizou para a água, arrastando consigo o
cabo ligado à ponteira que Quint lhe espetara.
Subitamente, Quint perdeu o equilíbrio e caiu à água.
- A faca! - gritou. - A sua perna esquerda erguia-se acima
da superfície e Brody viu que tinha o cabo enrolado em torno do pé.
Precipitou-se para a faca espetada na amurada de estibordo, soltou-a e regressou, lutando contra a água, cada vez mais alta. Não
conseguiu mover-se com rapidez suficiente. Observou, impotente,
Quint ser lentamente arrastado para o fundo, os braços estendidos
na sua direcção, os olhos arregalados e suplicantes.
Durante um instante, o silêncio foi apenas cortado pelo ruído do
barco que se afundava gradualmente. A água chegava aos ombros
de Brody quando a almofada de borracha de um banco surgiu a seu
lado. ??Suportam perfeitamente uma criança de oito anos?, recordou
as palavras de Hendricks. Não obstante, agarrou a almofada. '

Viu a cauda e a barbatana dorsal do tubarão cortarem a superfície a vinte metros de distância. A cauda moveu-se uma vez para a
esquerda e outra para a direita, e a barbatana dorsal aproximou-se.
- Vai-te embora, maldito! - gritou Brody.

O seláceo continuou a avançar, movendo-se apenas imperceptivelmente, mas aproximando-se.
Brody tentou nadar para a proa do barco, que estava agora quase
vertical. Porém, antes de. a poder alcançar, a proa afundou-se.
Agarrou a almofada e constatou que, apoiando os braços sobre ela e
movendo ininterruptamente os pés, podia manter-se a flutuar sem se
cansar.
O tubarão aproximou-se. Estaria agora a pouco mais de um metro. Brody gritou e fechou os olhos, esperando uma agonia que não
conseguia imaginar.
Nada aconteceu. Abriu os olhos. O tubarão estava a meio metro
de distância, mas detivera-se. E, naquele momento, enquanto Brody
o observava, o corpo cinzento de aço do animal começou a descer,
afundando-se na escuridão.
Brody mergulhou a cara na água e abriu os olhos. Viu que o
seláceo se afundava numa espiral graciosa, arrastando consigo o
corpo de .Quint - braços abertos, cabeça lançada para trás, boca

entreaberta num protesto mudo.
O monstro desapareceu. Porém, impedido de se afundar pelos
barris flutuantes, quedou-se algures para lá do alcance da luz, e o
cadáver de Quint permaneceu suspenso nas águas, uma sombra rodopiando vagarosamente na semi obscuridade.

Brody ergueu a cabeça, limpou os olhos e começou a mover os
pés, impulsionando-se em direcção à praia.

?O meu interesse por tubarões?, conta Peter Benchley, ?começou durante os Verões que passei em Nantucket, quando os
meus pais e eu alugávamos barcos para ir à pesca do tubarão. ?
O seu avô, o humorista Robert Benchley, começou a veranear
naquela encantadora ilha ao largo de Massachusetts nos anos
20; e os seus pais, o romancista Nataniel Ben chley e a mulher, durante um período viveram
lá todo o ano.
Peter Benchley representa, assim, a terceira
geração de uma família de escritores. Depois de
se graduar em Harvard em 1%l, trabalhou
como repórter do Washington Post, ingressando
depois nos quadros do Newsweek, onde passou
três anos como redactor da rádio e da televisão.
Entre Março de 1967 e o final do mandato presidencial de Lyndon Johnson foi redactor de
discursos na Casa Branca.
A partir de então, tem trabalhado por sua
conta, como comentador de televisão e como
colaborador de revistas tão diferentes como The
New Yorker, National Geographic, Vogue e TV
Guide. Escreveu o guião cinematográfico de
Tubarão. As imagens da sua vedeta - o tubaPeter rão-branco - foram filmadas ao largo do litoral
Benchley da Austrália.

FIM DO LIVRO.

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